#165 Ana Estanqueiro [audio] - O boom das energias renováveis vai continuar?

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José Maria Pimentel
🎶 Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Como sempre, começamos por agradecer aos novos mecenas do podcast. São eles o Jorge Borralho, a Andressa Azevedo, o João Simões, a Raquel Oliveira, o Ricardo Tomé e o Tiago Antunes. Muito obrigado a todos. No dia 22 de junho vou fazer o último workshop de pensamento crítico desta temporada. Vai ser em Lisboa, vai ser sobre o módulo 1, argumentar com lógica, e será uma sessão de dia inteiro, que vai das 9h30 às 5h da tarde. Amanhã vai ser mais positiva, depois vamos ter almoço de grupo e à tarde vamos analisar alguns argumentos enviados pelos participantes, ou seja, temas em que os participantes querem ter uma opinião mais fundamentada. Ainda há 4 ou 5 lugares livres, por isso, para quem ainda não fez este módulo 1 da argumentação e caso tenha interesse, vejam como se inscrever em josemariapimentel.pt. Este é, como já disse, o último workshop de pensamento crítico desta temporada. Em setembro vou lançar, finalmente, as sessões do último dos quatro módulos, o módulo sobre factos e números em que acreditar. Vou anunciar as datas durante o próximo mês de julho, por isso fiquem atentos. E claro, hei de voltar também a abrir novas sessões dos outros três módulos, o de argumentação e também os módulos de explicações causais e de tomada de decisão. Por isso, caso queiram ser alertados sempre que lançar novo workshop dos vários módulos, deixem o vosso e-mail através do link que encontram na descrição do episódio. E agora, ao episódio de hoje. Como prometido, aqui vai mais episódio da série sobre transição climática, onde já faltava episódio dedicado às energias renováveis, especificamente as chamadas renováveis variáveis no tempo, que são basicamente a solar e a eólica. Hoje parece que não há dia em que não se fale de transição energética e de renováveis, mas tenho a impressão que a maioria de nós não tem bem noção do ponto em que estamos e em que medida é que a solar e a eólica vão realmente ser capazes, por si só, de assegurar a transição energética. Este é por isso episódio que queria mesmo fazer, e queria fazê-lo bem. E Por isso andei imenso tempo à procura do convidado certo. Precisava de alguém que conhecesse bem este mundo, que é muito técnico, e que ao mesmo tempo tivesse uma visão imparcial. Demorou, mas cheguei lá, com a assistência crucial do Francisco Gomes, aqui da equipa, ao nome da convidada de hoje, Ana Estanqueiro. A Ana é investigadora do LINEG, que é o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, onde coordena a área de integração de sistemas renováveis de energia, e é também professora convidada na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A Ana é autora de mais de 200 artigos em revistas científicas e, como vão perceber, é das pessoas que em Portugal mais sabem de renováveis, especialmente eólica e de sistemas de energia. Na nossa conversa comecei por tentar esclarecer aquela dúvida que te falei há pouco. Afinal, como é que está a correr realmente a transição energética a nível mundial? O que é que já foi feito? O que é que falta fazer? Que países é que são melhores? Que países é que estão a ser piores alunos? Isto levou-nos a detour para a energia hídrica, que é uma renovável hoje Comparativamente pouco falada, mas que tem na verdade muito que se lhe diga e que explica porque é que alguns países inesperados, como o Brasil, estão na linha da frente da transição energética. E falamos, claro, das duas renováveis que mais têm crescido este século. A eólica e, mais recentemente, a solar fotovoltaica, que tem crescido imenso, a começar por Portugal, onde a capacidade solar já é maior do que a das centrais a gás. Isto tem acontecido porque o preço dos painéis solares caiu brutalmente na última década em resultado de ganhos de eficiência na produção. Não confundir já agora com a eficiência energética de cada tecnologia, que é basicamente a porcentagem de energia que entra, seja ela vento, sol ou água, e que cada uma consegue converter em energia elétrica utilizável. A energia solar e eólica tem, no entanto, uma particularidade. É que a produção varia muito, quer ao longo do dia, quer ao longo do ano. E isso cria-lhe, talvez, o maior desafio deste tipo de energia, que é conseguir armazenar a energia produzida em excesso para conseguir usar quando não está a produzir, seja quando não há vento ou quando não há sol. E esse desafio, a verdade é que está longe de ser resolvido, mas a Ana falou de alguns métodos promissores, como centrais híbridas ou o chamado hidrogênio verde, para resolver esta limitação. E esta limitação das renováveis é também dos principais argumentos dos defensores da energia nuclear, como se devem lembrar se ouviram o episódio 160 com o Luís Guimarães. E por isso também não podia deixar de perguntar à convidada a opinião dela sobre o nuclear que é também, como vimos, uma forma de energia limpa. O nuclear levou-nos também à questão mais importante de todas, à pergunta de milhão de dólares, que é, as renováveis têm crescido muito? Algumas estimativas indicam que vão produzir cerca de 30% da eletricidade do planeta este ano. Mas quanto é que ainda vão conseguir crescer mais, tendo em conta as restrições de materiais e de espaço que são inevitáveis? Será que as renováveis vão ser suficientes para conseguirmos fazer a transição energética a tempo de evitar aquecimento do planeta de mais 2 graus? Essa é a grande pergunta e foi assim que acabámos a conversa. No final, a convidada recomendou livro que podem encontrar nas notas do episódio. Foi uma bela conversa com o Ernesto Tanqueiro, verdadeiro tour de force de duas horas sobre este tema que eu há muito queria fazer. Atenção, é episódio denso, preparem-se, mas acreditem que se, como eu, querem ter uma opinião mais fundamentada e crítica sobre este tema, vai valer a pena. ♪ Ana, muito bem-vinda ao 45 Horas.
Ana Estanqueiro [audio]
Jé Maria, muito obrigada pelo convite.
José Maria Pimentel
Já se vai perceber isso, mas é convidada ideal para este tema. E eu fui, durante muito tempo, à procura da pessoa certa, porque este é tema que requer uma visão de conjunto e de várias coisas que entrou aqui em jogo. E, aliás, acho que a melhor maneira para perceber isso é perguntar o que é que tem andado a fazer nos últimos...
Ana Estanqueiro [audio]
Ah, não diga quantos anos, por favor. O que é que eu tenho andado a fazer? A investigar. O que é que eu tenho andado a investigar? Bom, eu comecei a minha carreira profissional na área da energia eólica. O meu background é simultaneamente elétrico e mecânico, exatamente porque a tecnologia eólica e o que envolve o aproveitamento dos recursos eólicos, tem uma componente forte de engenharia mecânica e também de engenharia eletrotécnica. Portanto, começo na área eólica e passo por avaliação do recurso eólico em Portugal. Estive à frente da primeira base de dados, do primeiro Atlas de Potencial Eólico foi construído. A primeira identificação de locais, aliás fizemos no UNEG em 2000, desenvolvemos uma base de dados da qual preparámos a edição e não era em CDROM nessa altura, não era em CDROM, preparámos a edição a pensar que devíamos ficar com quase tudo na mão, de 500 exemplares e ao fim do mês dava-nos retados. E, como tenho originalmente uma formação de base eletrotécnica, a minha área de investigação e a minha tese de mestrado já foi nesse tema e a desoutoramento muito mais, a minha maior preocupação esteve sempre relacionada com o impacto da geração eólica, portanto da eletricidade gerada pelas turbinas e pelas centrais eólicas, na rede e no sistema elétrico. Daí que, quando eu caracterizo o que é a minha área de investigação, eu digo que é impacto na rede e no sistema elétrico da geração eólica.
José Maria Pimentel
E da geração eólica? E depois acaba por ser não só a geração eólica?
Ana Estanqueiro [audio]
Não só a geração eólica, porque quando a solar fotovoltaica começa a crescer e a assumir uma dimensão representativa, os impactos da geração solar fotovoltaica são muito semelhantes aos da eólica, de tal forma que nós agrupamos-las como a geração renovável variável no tempo. Exatamente. Com características muito semelhantes.
José Maria Pimentel
E não intermitentes, que é termo que vocês não gostam nada.
Ana Estanqueiro [audio]
Nem pensar nisso, isso é fortemente negativo. Usado para denegrir as renováveis variáveis no tempo. Estou a brincar.
José Maria Pimentel
E aqui se vê como as palavras...
Ana Estanqueiro [audio]
As palavras são usadas com intenção, não duvidemos disso. E enquadram
José Maria Pimentel
a maneira como nós interpretamos, como olhamos para a realidade. É verdade, produzir
Ana Estanqueiro [audio]
cria uma predisposição para uma determinada visão das situações e das tecnologias.
José Maria Pimentel
E aqui por acaso faz toda a diferença. Então, olhando para a transição energética como todo, que é, no fundo, o tema deste episódio, e, portanto, que trata de substituir a produção de energia com base em combustíveis que produzem emissões de carbono para pontos que não produzam emissões de carbono ou produzam muito pouco, como é que esta transição está a nível mundial? Como é que ela está em termos de nível, ou seja, quanto é que nós fizemos e que perspetivas é que há e como é que ela varia entre países que nós olhámos para
Ana Estanqueiro [audio]
o mundo? Bom, eu diria que não há uma transição energética, há muitas transições energéticas e que nós conseguimos dividir o mundo em submundos nesse aspecto. Por lado, temos os países, eu ia usar o termo, países ricos, bons, os países da OCDE, os países desenvolvidos, que não É muito correto dizer que são só os ocidentais, porque podemos olhar países como o Japão, que está pouco também nesse grupo, mas que quando olhamos para a transição energética destes países, maioritariamente ocidentais, nós estamos, talvez, agora vou ser bocadinho arrojada a dizer, não chegamos ainda meio do caminho. Estamos no terço inicial, já sabemos o que é que temos que fazer, já temos tecnologias que nos permitem avançar na transição energética e temos políticas para o fazer. Portanto, estaremos talvez a sair do primeiro terço.
José Maria Pimentel
Mas em termos de produção, por exemplo, só focando na eletricidade, produção de fontes limpas a nível mundial está atualmente à volta de quando?
Ana Estanqueiro [audio]
Não lhe sei dizer. Neste momento as renováveis variáveis no tempo já passaram em muitos países os 30, muito 40% desses países da Agência Internacional de Energia da OCDE. Em termos de média mundial, ou mesmo média dos países ocidentais, eu não lhe consigo garantir, mas não deve ultrapassar os 20%. E incluímos aí... Depois temos países que são de exceção, não é? Se olhar para o Brasil, nós pensamos, ah, o Brasil, país que está em vias de desenvolvimento, não está claramente na classe dos desenvolvidos, pois é, mas do ponto de vista da eletricidade, o Brasil tem quase 90% de geração hídrica.
José Maria Pimentel
É hídrica, pois.
Ana Estanqueiro [audio]
Portanto, é país que tem a transição energética feita, se quisermos dizer sobre esse ponto de vista. Até do ponto de vista de combustíveis, ainda ninguém falava em biocombustíveis, eles já tinham os carros movidos a álcool. Portanto, são país, sob esse ponto de vista, que está muitíssimo avançado nesse setor, apesar de já estar atrasado em muitos outros. Depois temos os países que não estão nesse pelotão da frente, países onde existem renováveis, mas com características completamente diferentes, como os países africanos. Aliás, eu costumo dizer, meia séria, meia brancar, que as renováveis são umas tecnologias dos países ricos e dos países pobres. Dos extremos. Dos extremos. Os remediados é que nem muito. Porquê? Porque em termos de eletrificação rural ela dá-se à custa de tecnologias solares fotovoltaicas e são as mais difundidas, as mais baratas, aqui o recurso está lá, não temos que transportar diesel ou o que seja, e também para determinadas partes do mundo também há custa de eólica, de microturbinas eólicas que vêm instaladas na Antártida.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, esses países mais pobres como que saltaram o passo intermédio. Saltam,
Ana Estanqueiro [audio]
mas quando instalam, instalam tecnologia de dimensões completamente diferentes, em situações completamente diferentes, porque não dispõem de rede elétrica, portanto vão usar sistemas isolados, aquilo que se chama de isolados. Isolados, ou instalações híbridas e por vez o que se cria é uma coisa que chamamos uma ilha elétrica para uma aldeia, uma coisa assim, isso vê-se em África, por exemplo.
José Maria Pimentel
E depois também, provavelmente, a diferença é que o consumo per capita será muito menor também.
Ana Estanqueiro [audio]
É, quer dizer, não tem comparação. Enquanto nós temos todo o conforto associado à disponibilização de energia, neste caso de energia elétrica, nestes países, aquilo que quer. É curioso porque há fenómeno muito recente em que a coisa mais prioritária nesses locais é carregar o telemóvel. Antes era ter sistema pequeno de refrigeração e iluminação e ligar uma televisão à rádio. Eram as três cargas prioritárias. Agora aparece nas prioridades sempre a carregar telemóvel.
José Maria Pimentel
Os telemóveis é o outro exemplo de uma tecnologia que também se expandiu muito rapidamente porque...
Ana Estanqueiro [audio]
É o exemplo mais marcante.
José Maria Pimentel
Até porque depois permite suprir uma série de outras loucuras, o sistema bancário, por exemplo. O caso do Brasil, já agora se calhar vale a pena falar disso, para quem não está a ouvir, porque o Brasil tem quase 100% de produção com base em tecnologias verdes, que neste caso é a hídrica, e que das renováveis é a mais antiga, isto é, a mais antiga a que se desenvolveu antes.
Ana Estanqueiro [audio]
Sabe que Eu ensino estes temas e catalogo a hídrica como simultaneamente uma renovável. Já agora há facto curioso e quem está a começar agora a pensar em renováveis. No início, quando se começou a falar de tecnologias renováveis e a criar programas de financiamento para as tecnologias renováveis, a hídrica não era incluída nessas tecnologias renováveis, estava excluída e precisamente porque era uma tecnologia já testada e difundida. Então, a classificação que eu criei para ensinar aos meus alunos é distinguir o que são tecnologias renováveis e não renováveis do que são tecnologias convencionais e tecnologias inovadoras. Portanto, as convencionais, a hídrica é claramente uma tecnologia convencional. As tecnologias inovadoras, renováveis, por regra têm uma particularidade que é a sua variabilidade temporal e as que estão a crescer neste momento e aquilo que vai estar na base da transição energética, são tecnologias que dependem diretamente do recurso renovável. E a hídrica foge a essa característica por uma razão muito simples. Não é a única, mas a hídrica é mais marcante nesse aspecto, é a capacidade de armazenar o recurso. Exato. Eu consigo armazenar água e disso não é única, porque, por exemplo, se tivermos biocompostíveis ou biogás, eu também consigo armazenar. E há uma outra tecnologia que está em, franco, crescimento, mas ainda com custos elevados, que não sei se ouviu-se a falar, que é o solar de concentração. Solar de concentração são espalhos parabólicos que concentram os raios solares, emitem raio para sistema exatamente focal de concentração e aí aquecem fluido com uma grande inércia térmica que podemos armazenar.
José Maria Pimentel
Curioso, eu tinha... Isto parece bocado presunçoso isso, mas eu tinha pensado nessa hipótese, em algo do género, ligado à questão de armazenar energia, porque a hídrica tem esse aspecto ótimo de permitir armazenar. Basicamente, pelo que eu entendo, o que se faz é, quando o rio, vamos supor, está a produzir energia em excesso, o que se faz é usar essa energia para passar água para plano superior e que fica ali com uma espécie de bateria e depois quando é necessária ele volta a
Ana Estanqueiro [audio]
descer e produzes... E produz energias. E é preciso deixar... Isso que está a mencionar, de bombear a água para montante de reservatório, é já Desculpa, o anglicismo é adonja. É já uma operação adicional, porque quando falamos em armazenar recursos estamos simplesmente a dizer eu tenho a água na albufeira a montante, a montante retida. Quando eu consigo armazenar a água, porque é fluido denso, eu utilizo essa água para mover a turbina e com a turbina está solidar gerador elétrico quando quero. Ora, eu não consigo armazenar vento. Aliás, há umas invenções meias malucas que dizem que há barragens eólicas, não há nada de barragens eólicas. Já agora, não há parte num laboratório de Estado como eu estou, temos que lidar com inventores e aparece-nos de tudo, nomeadamente barragens eólicas. É, é Não deixou de
José Maria Pimentel
ter a sua voz. Não faço. Mas como é que os inventores fazem? Ou seja, submetem pedido para ele lá fora?
Ana Estanqueiro [audio]
Contactam-nos a nós diretamente e muitas vezes contactam a tutela, o Ministério, a Secretaria de Estado, que nos envia para nós analisarmos e darmos parecer sobre as coisas. E, claro, nós temos a obrigação, por variedíssimas razões, até porque não é impossível que numa daquelas inversões loucas todas haja uma com valor. Portanto, olhamos sempre de forma muito séria e damos parecer a isso, mas aparecem-nos as coisas mais mirabolantes que eu não vou aqui dizer.
José Maria Pimentel
Pode dizer, é só omitir a pessoa em causa.
Ana Estanqueiro [audio]
Não, eu felizmente não derroto o nome deles. Mas está a ver, não conseguimos armazenar a venda, portanto, quando há vento, sopra-vento, move as turbinas e injeta potência na rede. Quando não há vento, não há milagres. As turbinas param e não se injeta na rede. E o mesmo se passa com o solar fotovoltaico. Essa tecnologia que eu falei de solar de concentração é bocadinho de exceção a isto, porque embora não permita armazenar a radiação solar, permite armazenar vetor energético intermédio que é o fluido quente. E isso pode ser muito importante para uma fase de transição energética. Porquê? Porque eu só preciso de armazenar essa energia no fluido quente para passar, por exemplo, do pico de radiação solar para a zona de descida de produção fotovoltaica ao final da tarde. E saem estes solares fotovoltaicas de produção e podem entrar a solar de concentração a compensar.
José Maria Pimentel
E ao mesmo tempo, provavelmente isso é importante, não tem de ser armazenado durante muito tempo.
Ana Estanqueiro [audio]
Exato, até porque o tempo, vamos lá ver...
José Maria Pimentel
Vai perdendo temperatura neste caso.
Ana Estanqueiro [audio]
Eu não sei que background é nesse aspecto, mas a energia é a potência de equipamento vezes o tempo. Portanto, se eu precisar de... Imaginemos, eu costumo brincar com os mausolanas a dizer o meu secador de cabelo tem 2 kW, portanto, se eu secar o cabelo durante 4 horas, eu preciso de armazenar 4 horas vezes os 2 kW e a energia que eu lá ponho em jogo. Logo, aquilo que tocou, porque teve essa sensibilidade, é o mais importante. Se eu não precisar de armazenar durante muito tempo e eu armazeno energia, o meu sistema vai ter uma dimensão muito menor e custo. Ah, sim. Eu, na
José Maria Pimentel
verdade, nem estava a tocar nisso, embora aquilo em que
Ana Estanqueiro [audio]
eu estava a tocar pudesse... Mas tivesse a intuição.
José Maria Pimentel
O que eu estava a dizer pode fazer menos sentido, eu estava a assumir que com o passar do tempo essa energia se é dissipando porque é perdendo calor e libertando calor.
Ana Estanqueiro [audio]
Também, também, não estava a pensar mal, estava a pensar bem. Mas se o ciclo de armazenamento e utilização for curto, eu vou dimensionar sistema com uma dimensão, uma capacidade menor e evidentemente capacidade menor custos menores e perdas menores.
José Maria Pimentel
Já agora para fechar a questão do hídrico do Brasil, eu presumo que o potencial do Brasil tenha a ver com o Amazonas e com O facto de ser...
Ana Estanqueiro [audio]
Ah, tem imensos, eles têm imensos, o São Francisco, não sei o quê, eles têm imensos.
José Maria Pimentel
O Amazonas, e para o tempo que o Amazonas tem não sei quantos afluentes,
Ana Estanqueiro [audio]
não é que aquilo é uma... Tem, e eu penso que o Amazonas, eu não conheço muito bem o sistema hidrícolo brasileiro, devo dizer, tive alguns contactos com a hidróleoelétrica de São Francisco e com outra, mas o Amazonas tem imensas classificações e protecções ambientais e é rio que tem caudal imenso, mas que é muito difícil fazer barragens porque tem uma extensão também imensa. Os grandes aproveitamentos eu penso que não estão no Amazonas. O que tem é, sobretudo o Nordeste Brasileiro, tem sistema hídrico e uma quantidade de rios brutais e mesmo a parte do Sul também tem... E depois
José Maria Pimentel
tem a ver com a altura também, não é? Porque isso é importante, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Eles não têm grandes quedas, exceto no Sul.
José Maria Pimentel
Eu achei que a altura era importante para a hídrica.
Ana Estanqueiro [audio]
É, mas não é necessária. Depende da tecnologia que usem hídrica. Claro que a altura é parâmetro que vai influenciar na energia que conseguimos aproveitar e com uma grande altura e caudalzinho, fiozinho quase, produzimos imensa energia, mas nós temos barragens em Portugal que não têm queda. Podes dizer Castelo de Boda, Aguieira, as barragens do Norte, onde nós temos montanhas, aí sempre temos queda e usamos tipo de turbina hídrica completamente diferente.
José Maria Pimentel
Então, para além da queda, interessa o quê? A força d'água? O volume d'água?
Ana Estanqueiro [audio]
O volume d'água que é medida através do caudal do rio. Portanto, o Amazonas tem caudal imenso. E os rios brasileiros têm grande caudal, portanto a quantidade de água que passa por intervalo de tempo é muito elevada. Posso estar a dizer disparado, se não quero dizer, pode haver exceções, mas eu diria que na maioria dos sistemas que conheço a queda é relativamente baixa ou ainda existe.
José Maria Pimentel
Interessante, ainda bem que perguntei pelo caso do Brasil. Eu já agora convido quem nos está a ver a pesquisar o mapa-mundo e porque é interessante e coincido com muito o que nós estamos a falar aqui. O que salta à vista é basicamente alguns países africanos, o Brasil, ou seja, como países com mais porcentagem de fontes limpas e depois a Europa está relativamente bem, temos os países nórdicos, temos a França do nuclear.
Ana Estanqueiro [audio]
Depois temos na Europa, se quisermos referir os países que estão melhor em termos renováveis, são aqueles que já começaram a transição energética com uma componente hídrica elevadíssima. Noruega, por exemplo, que é quase toda hídrica também, está nos 80 e tal por cento. A Suécia e a Austrália estão na casa dos 60%, portanto também tem uma componente hídrica elevadíssima.
José Maria Pimentel
Tem uma vantagem normal partida, não
Ana Estanqueiro [audio]
é? Tem uma vantagem normal partida, não precisa se preocupar muito com estas modernices renováveis. Eu costumo brincar a dizer que a hídrica é a tecnologia ideal de produzir eletricidade. Ideal do ponto de vista técnico. Além dessa característica de ser não-ocluente, etc., tem impactos graves ambientais, mas além dessa característica tem uma outra que é muito importante do ponto de vista da operação de sistemas elétricos, que é uma resposta quase instantânea, rapidíssima. Por isso, é das mais usadas quando existe, quando está no mix de sistema elétrico, para manter a estabilidade desse sistema elétrico.
José Maria Pimentel
Exato, para equilibrar. E é engraçado porque fala-se menos da hídrica, curiosamente, pelo facto de já estar
Ana Estanqueiro [audio]
muito aproveitada. A hídrica é bocadinho mal amada em termos ambientais. As entidades ambientais, e com alguma razão, não são apologistas da hídrica, porque quando faz uma hídrica, sobretudo com água feira, aquilo que está a fazer é inundar terrenos do mais fértil que há, que são os terrenos dos valos. Caem as terras para ali fora e faz isso. Inunda os terrenos e torna impossível de utilizar para outras aplicações os terrenos muito férteis. Portanto, as entidades ambientais, e com razão, são grandes partidárias da tecnologia hídrica.
José Maria Pimentel
Sim, Não há soluções perfeitas.
Ana Estanqueiro [audio]
Não, não há. Almoços de graça, de fato.
José Maria Pimentel
Exatamente. Falamos de alguns bons alunos, quais são os maus alunos, a nível mundial?
Ana Estanqueiro [audio]
Há muitos. Bom, eu diria que entre os maus alunos não posso deixar de mencionar a Rússia. A Rússia é claramente mau aluno.
José Maria Pimentel
Tem poucos incentivos também, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Pois, tem grandes recursos fósseis a custos, provavelmente para eles ainda mais baratos do que eram para o Ocidente. E há outros maus alunos, podemos falar. Houve uma altura em que era chair do acordo de implementação da eólica da Agência Internacional de Energia e foi criada uma nomenclatura na agência que falava dos Plus Five. Os Plus Five eram os cinco países mais poluidores que não faziam parte da OCDE. Vamos ver se eu me lembro deles todos. Era a Rússia, era o Brasil e tive que sair a explicar à Agência Internacional de Energia em Paris, portanto à parte dirigente da Agência Internacional de Energia, que não deviam meter o Brasil no mesmo saco, porque o Brasil era mais renovável que nós todos
José Maria Pimentel
juntos. Juntos.
Ana Estanqueiro [audio]
É, de facto, não pensaram duas vezes. África do Sul, já temos três, não é? Então, encontram-se todos. China e Índia. Eu, desses todos, excluí a China, ou punho a China num patamar especial, porque muitas pessoas não sabem, mas a China foi país, dos primeiros no mundo, em que tinha plano de desenvolvimento económico e, subjacente ao plano de desenvolvimento económico, e isto que eu estou a dizer terá 15 anos, qualquer coisa desse tipo, se não 20, o tempo corre, subjacente a esse plano estava plano de sustentabilidade das tecnologias a utilizar e de avaliação do impacto ambiental. Portanto, nós ouvimos dizer que a China instala, sem trazer carvão, instala sem senhor, mas eles sabem que a única maneira de desenvolver a indústria, ao mesmo tempo, estão a fazer... Estão em todas as frentes. Estão em todas as frentes. Eles neste momento são país que tem mais eólica instalada, o país tem mais planeamento de eólica offshore, que produz os painéis fotovoltaicos para todo o mundo porque nós os deixamos. Digamos que... A China é país muito especial nesse aspecto e se há 15 anos, quando se esteve na classificação dos Plus Five pela Agência Internacional de Energia, estava com todo o direito, hoje em dia já não estará. E essa classificação já não existe, foi só para dizer, esses são provavelmente, com exceção do Brasil e hoje em dia da China, os maus alunos.
José Maria Pimentel
Sim. E, pois, há aqui desafios diferentes também. Aliás, toca naquela questão que falávamos da África, não é? Uma coisa é falávamos da Europa, em que se trata, essencialmente, de trocar energia para o mesmo nível de consumo de energia, ou enfim, para nível pouco maior, consumo de energia com base em combustíveis fósseis por energia limpa, no caso da China, país que está a crescer, agora já não. Ah, continua. Agora já não está a dois dígitos, mas até
Ana Estanqueiro [audio]
há muito tempo estava. Nós conhecemos a realidade da China desenvolvida. Quando vamos para a China rural deve-se comparar. Eu não conheço a China, devo dizer, mas do que vejo a reportagens e do que conheço em termos de consumo, o consumo per capita da China continua a ser baixíssimo. E em África, então, não existe. E mesmo os países da América do Sul e do Sudeste Asiático, os consumos per capita não têm nada a ver com o mundo ocidental. Como tal, há realidades muito dispares em termos de transição energética. Pode ser bom, sabe, Porque nós vamos fazer uma transição, esses países vão dar o salto diretamente de não terem pontes de energia nenhuma para fontes que vão ser muito provavelmente limpas, até porque é uma coisa que eu ouvi recentemente num podcast seu, que as renováveis são as mais caras. Não são. Todos os concursos tecnologicamente agnósticos, queria isto dizer que não mencionavam, tecnologias feitas em várias partes do mundo, quem ganha são sempre as renováveis. Portanto, a hierarquização em termos de custos unitários, eu penso que estará familiarizado com o LCOE, Levelized Cost of Energy.
José Maria Pimentel
O que é usado nos leilões de energia? Sim. Quer dizer, não estou muito familiarizado.
Ana Estanqueiro [audio]
É custo normalizado. Usa-se normalmente a definição da Agência Internacional da Energia, mas é custo que é usado em termos comparativos para tecnologias e também entre diferentes países ou partes do mundo. Portanto, do cálculo desse parâmetro tira-se o custo de dinheiro. Pronto, simplesmente isso. E quando hierarquizamos as tecnologias para produção de eletricidade, é o que eu estou a pensar, temos a celular fotovoltaica, carvão, é o óleo de condensador e gás. A hierarquia é para aí. A hídrica tem uma grande variabilidade, depende da situação geográfica, depende da queda, acho que da alta queda são muito mais caras em termos de custos específicos do que as de baixa.
José Maria Pimentel
E onde é que entrou o nuclear aí?
Ana Estanqueiro [audio]
O nuclear é carinho. O nuclear neste momento...
José Maria Pimentel
Deve variar muito país para país também,
Ana Estanqueiro [audio]
imagina. Não, mas o nuclear está claramente nos dois últimos custos específicos que eu conheço, que é o do Reino Unido e, antes disso, da Finlândia, está acima do carvão e bastante acima do carvão e acima da hídrica. E já estamos a contar com os 35 a 40 anos de vida útil...
José Maria Pimentel
Ou seja, os custos fixos são diluídos por esse tempo, é isso? Sim, por
Ana Estanqueiro [audio]
esse tempo. Quando se faz as contas em termos de custos normalizados da LCOE, toma-se a vida útil do equipamento. Portanto, no caso do nuclear, toma-se a vida útil do nuclear, da hídrica também, e das eólicas, fotovoltaicas, todas elas. Isso é diluído, portanto o CAPEX é diluído ao longo do tempo e o OPEX é incluído numa base anual.
José Maria Pimentel
Já agora, não era o meu plano, curiosamente, mas acabamos por falar inicialmente da hídrica, que eu não estava a contar, falar muito. Ainda não falámos das duas que se falam mais, que é eólica e a solar fotovoltaica. Talvez começamos pela eólica, não acho que faça sentido, tendo em conta que é a sua área de investigação.
Ana Estanqueiro [audio]
Eu fico mais confortável, claro.
José Maria Pimentel
Exato, começamos pela mais familiar. Como é que, pergunto-te, Como é que funciona a eólica? Aquilo basicamente converte a energia cinética do vento em... Energia mecânica primária e depois eléctrica.
Ana Estanqueiro [audio]
Bom, eu costumo brincar. Uma vez fui convidada para explicar o que era a eólica a colégio com alunos de, disseram, pré-primária e primária. Portanto, eles tinham entre os cinco e os sete anos. E eu fiquei bocadinho preocupada não é explicar...
José Maria Pimentel
Pelo menos há uma ventoinha. Se fosse explicar a volta a volta é que era mais complicado.
Ana Estanqueiro [audio]
Não sei, dizia que saltavam ali umas coisas. Não faço ideia, sei que fico bocadinho preocupada. Mas acabei por conseguir transmitir e é relativamente fácil perceber. Se nós soubermos como é que funciona a asa de avião, portanto o que a asa do avião tem é perfil alarg que, numa forma simplista, eu tenho uma capacidade como de retirar debaixo da asa. De facto, o que eu crio é uma sobrepressão debaixo da asa e uma subpressão da parte superior da asa do avião, portanto, cria-se uma força de sustentação vertical. Quando tenho as duas asas do avião é fácil, eu faço assim e se tiver... A única coisa que eu preciso para criar esse diferencial de pressões é ter movimento relativo entre o avião e o ar, portanto, os planadores não têm motor, mas têm ar a passar através das asas e cria-se a força de sustentação vertical. Bom, a inspiração não foi minha, foi de sátano dinamarquês excelente que tinha essas indicações para miúdos. É muito simples construir uma turbinéolica ou perceber como é que funciona uma turbina eólica se não soubermos como é que funcionam as asas de avião, porque corta uma asa do avião e põe a asa montada a 180°, ao contrário. O que é que acontece? Nesta a força é de baixo para cima, nesta, que passou a estar invertida, a força é de cima para baixo. A turbina roda, gera-se binário e a turbina roda. Portanto, isso é a primeira parte de como funciona rotor eólico. E depois é semelhante a qualquer outra unidade de conversão de uma forma de energia mecânica e de energia elétrica.
José Maria Pimentel
E, portanto, o que interessa aqui é basicamente a velocidade do vento.
Ana Estanqueiro [audio]
Sim. O mais importante para o sucesso do local ou de aproveitamento no local, o mais importante é, de facto, a velocidade do vento. Não é a única coisa, mas é o mais importante.
José Maria Pimentel
E depois há aqui uma outra coisa interessante que eu lhe pedi para explicar, que é a lei de Betts.
Ana Estanqueiro [audio]
Ai, a lei de Betts! Que é
José Maria Pimentel
uma questão de tempo, que é o limite teórico ao... No fundo, à energia que se pode retirar do vento, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Não é possível parar o vento. É isso que Betts em 1927, se a minha memória não me falha, demonstrou. É que se eu tentar construir uma turbina, e já agora vou fazer uma observação, há umas pessoas da área nuclear que dizem que as turbinas são pouco eficientes, só funcionam terço do tempo, por exemplo, as turbinas são tão eficientes quanto a sua concepção física e tecnológica lhes permite ser. E, exatamente, o que se passa numa turbina eólica é que, se eu pretendesse fazer uma turbina tão eficiente que retirasse mais do que uma determinada porcentagem de energia ao escoamento incidente, ao escoamento não perturbado, no tal princípio de energia mínima e de repouso que eu falei há pouco, o fluido o que fazia era desviar-se. Em lugar de atravessar a turbina e permitir que as pás da turbina convertam essa energia cinética em movimento, o fluido o que faz é desviar-se dela, porque gasta menos energia a desviar-se dela do que a atravessá-la. Donde o limite teórico da eficiência de uma turbina eólica são os tais 59% que Betts demonstrou ser o máximo que se consegue extrair. Acima disso, o escoamento foste, gasta menos energia a fugir.
José Maria Pimentel
Mas isto é uma pergunta muito estúpida, mas porquê é específica, vamos arredondar isto para 60, porquê é especificamente 40% de energia que é requerida para se desviar? Porque é que não é 20 ou não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Eu posso fazer a demonstração matemática, mas...
José Maria Pimentel
Mas isto que não vem a ter uma base mais fundamental, digamos assim, não é? Ou seja, a minha pergunta é, mais do que o cálculo, há algo no ar, na composição do ar que estabeleça... Que causa esses...
Ana Estanqueiro [audio]
Não, até porque na expressão não entra a densidade do ar. Por acaso, é curioso o que está a dizer porque eu não conheço nenhum estudo similar ao do Betes, por exemplo, para turbinas de maré. As turbinas hídricas são diferentes, porque têm sistema de concentração, a água é captada e canalizada através das turbinas. Mas os cálculos que se fazem para as turbinas eólicas no ar podem-se fazer de forma inversa para ventiladores. Portanto, tem energia que eu posso inverter o processo e as equações que governam o funcionamento das turbinas eólicas são as mesmas que governam o funcionamento de ventilador. Portanto, eu alimento com a energia elétrica e passo a transmitir energia cinética ao ar. Ventilador normal. E é funcionamento relativamente semelhante, por exemplo, às hélices de barco. A configuração das hélices de barco é completamente diferente da configuração óptima das turbinas eólicas. Não conheço nenhum estudo, mas pode existir e não é a minha área, claramente, que calcula o parâmetro. O que me está a perguntar é que calcula, por exemplo, a água, que é fluido, e muito possivelmente o cálculo é idêntico. Vou falar com os meus colegas que sabem de hidrodinâmica sobre isso. Agora também já me pôs curiosa.
José Maria Pimentel
E nós, pelo que já ouvi dizer, nós estamos próximos já deste limite, ou seja, as turbinas que existem atualmente já andam...
Ana Estanqueiro [audio]
Não, digamos que não estão nos 59%, mas há vários modelos de turbinas que estão nos 50. Sim,
José Maria Pimentel
provavelmente nunca vão chegar exatamente ao limite teórico.
Ana Estanqueiro [audio]
São perdas inerentes às tecnologias, perdas elétricas nos condutores, perdas de fricção mecânica, etc. Aquecimento e por aí fora. Portanto, este último patamar não... Digamos que há dois ou três equipamentos, em termos físicos, que têm rendimentos próximos de 100%. Turbinas não são deles.
José Maria Pimentel
Ou seja, o que se pode ganhar daqui para a frente já não é praticamente no desenvolvimento da tecnologia, mas mais provavelmente no custo. No custo e tem o impacto no preço, mas também no custo.
Ana Estanqueiro [audio]
Os últimos 10, 12 anos de desenvolvimento da tecnologia eólica têm tido uma vertente muito forte na parte de redução de custos. Aliás, redução de custos, redução dos custos de manutenção E aumento de dimensão das turbinas, mas só para aplicações offshore. Porque, do ponto de vista das aplicações onshore, nós já chegámos ao limite infraestrutural de dimensão de turbinas e de componentes de turbinas que conseguimos transportar por estrada, estradas de montanhas, das gruas que existem para as colocar no ar, etc. Já não cabem. Já não cabem, não dá mais.
José Maria Pimentel
E o solar, como é que está? Porque o solar, na verdade, é engraçado porque eu lembro-me, enfim, eu digo isto como outsider, mas eu lembro-me de haver uma fase em que se ouvia falar muito de eólica e não só se ouvia, como se via muito eólica, porque a pessoa andava pelo país e via várias turbinas e agora nos últimos anos tem-se falado sobretudo de solar, empresas põem painéis no telhado, as próprias pessoas, eu próprio incluído, põem painéis no telhado em casa, portanto a pessoa abre o correio e tem lá umas coisas de várias empresas a propor instalação de painéis solares. Ou seja, é tema que de repente fala-se muito e, de facto, se a pessoa olhar para o gráfico do preço dos módulos solares, elas têm decrescido a ritmo mortal.
Ana Estanqueiro [audio]
Houve uma descida subita, quer dizer, aquilo que se passou na solar fotovoltaica é uma coisa interessantíssima e exemplo que não há centenos a dar e é, nós, quando falamos em investigação, falamos em investigação incremental. Normalmente as coisas desenvolvem-se em pequenos passos, é em cima do que já existe. No caso da solar fotovoltaica, houve claramente ali elemento disruptivo, que é outro tipo não tanto aplicado à investigação, mas ao processo de fábrico, que foi até determinada altura, e eu diria que foi em 2008, 2009, por aí, que os preços do tal LCOE da celular fotovoltaica caiu quase para 20, 25, 30% do que era antes disso e teve a ver com o processo de fabrico das chamadas pastilhas solares fotovoltaicas, porque as pastilhas solares fotovoltaicas eram fabricadas com os restos da indústria eletrónica E com o crescimento do setor solar fotovoltaico, portanto das aplicações solares fotovoltaicas, os restos da indústria eletrónica não eram suficientes para satisfazer o mercado. E então começaram a se instalar fábricas dedicadas somente ao processamento de silício para utilizar em painéis fotovoltaicos. Isso foi quando? Se a memória não me falha, eu estou a me referir a projeto que tinha na altura, porque quando comecei o projeto, a microeólica ainda era competitiva com a solar fotovoltaica, quando acabei o projeto já não era. Portanto, eu diria que estamos em 2009, 2010, por aí.
José Maria Pimentel
Faz sentido. Não estou aqui a olhar para o gráfico do preço. Ele vinha a cair, mas depois tinha mais ou menos estabilizado ali nos 2000 até 2005 e depois a partir daí começa a
Ana Estanqueiro [audio]
sair a PIC. Começa a descer subitamente. É isso que é feito.
José Maria Pimentel
Depois de 2 milhões, sobretudo.
Ana Estanqueiro [audio]
É que os custos de produção do silício associados à eletrónica tinham exigências em termos de salas limpas e de cuidados na produção de silício muito superiores aos que tinham para a produção de panais fotovoltaicos. Portanto, quando as indústrias se separaram...
José Maria Pimentel
Houve ali ganho de eficiência gigante, de repente.
Ana Estanqueiro [audio]
Ganho de custos.
José Maria Pimentel
Sim, eficiência palisténico. Eficiência que não é... Eficiência palisténico. Estou a dizer, eficiência é uma engenheira, é claro.
Ana Estanqueiro [audio]
Pois, eu começo a pensar... A eficiência ficou a mesma. Ficou a mesma. A eficiência ficou a mesma. Começou a prestar para aí quinto, agora.
José Maria Pimentel
Exato, sim. Porque a conversa é ambígua, não é? Porque nós há bocado estamos a falar de eficiência em outro sentido. E, realmente, o caso do solar fotovoltaico é incrível, porque se a pessoa olhar para o gráfico, aquilo costuma ser que segue uma lei de Moore, não é bem, não é tão rápido assim, mas ainda assim é que vai mesmo a cair a pique.
Ana Estanqueiro [audio]
Quer dizer, a lei de Moore aplica-se a uma situação específica, mas tem-se verificado de forma muito fiel, digamos, nas tecnologias renováveis. Eu diria que no solar fotovoltaico devemos excluir essa descida repentina associada à alteração do método de fabrico e antes não era muito evidente, A partir daí, a duplicação da potência instalada tem conduzido, pelo menos na fase de redução de preços, tem conduzido a uma redução que é próxima dos 53% como da lei inicial. De facto, devemos olhar para as tecnologias e verificar se essa lei de aprendizagem, curva de aprendizagem, quais são os parâmetros que os condicionam, mas no fim o que nós vamos obter é quando amadurece suficientemente quer a tecnologia, quer os métodos de fabrica, ou há uma estabilização, uma saturação dessa descida, portanto...
José Maria Pimentel
A minha dúvida e a minha pergunta é quando é que isso vai acontecer? Ou seja, por quanto tempo mais é que vai continuar a descer até estabilizar? Porque já é mais barata, não é? Isto, então, o tom que eu lhe dei parece uma coisa má. Não. Isto
Ana Estanqueiro [audio]
é uma coisa boa. Eu temo que ela vá subir pouco nos próximos tempos. Porque se pegarmos nas políticas... Mas por outros motivos, se calhar. Nas políticas dos países ocidentais, que bem acordaram com a necessidade de endogeneizar os fábricos de tecnologias solares fotovoltaicas. A eólica já era essencialmente na Europa, embora houvesse fornecimentos chineses, mas a tecnologia... Isto também é reparo que faço. A tecnologia de produção de turbinas eólicas é, essencialmente, uma tecnologia europeia. Portanto, fabricam-se as turbinas. Aliás, em Portugal há uma fábrica de turbinas e outra fábrica de pás e assemblagem. Infelizmente, nos concursos foi criada como contrapartida de concurso de atribuição de capacidade eólica em 2007 e talvez uma das iniciativas que foi levada em Portugal mais séria nesse sentido.
José Maria Pimentel
Mas e matérias-primas? Aí continuamos dependentes ou não?
Ana Estanqueiro [audio]
Completamente dependentes. Nas matérias-primas, eu estava a falar, se voltarmos a tentar captar o fabrico, por exemplo, de panéis de estrelas fotovoltaicos, que neste momento são quase todos fabricados na China.
José Maria Pimentel
Aliás, toda a cadeia está praticamente na China, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Perdeu-se isso na Europa. Digamos que se viram valores puramente económicos e não outros valores e hoje em dia há uma tentativa de voltar a captar, não sei se é possível, mas se voltarem para a Europa com certeza que voltarão com preços que não são comparáveis aos chineses.
José Maria Pimentel
Mas a questão é que mesmo... Por acaso é engraçado porque houve uma...
Ana Estanqueiro [audio]
Não só os chineses, deixa-me fazer a sucessão, porque eu não gosto de isolar. Se falarmos nos coreanos, em Taiwan, etc, os custos do sudeste asiático são muito baixos.
José Maria Pimentel
Houve até acho que ainda não saiu, mas está para sair relatório que o Mário Draghi, o antigo governador do Banco Central Europeu e antigo primeiro-ministro italiano, entre outras coisas... Ele tem trabalhado num relatório que é exatamente sobre esse tipo de desafios da Europa e dos que ele assinalava era essa questão de autonomia estratégica. O desafio, parece-me, é que transferir a produção para cá é uma coisa, mas não conseguimos inventar jazidas, não é? Portanto, não conseguimos inventar matéria-prima que não exista cá, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Mas essa matéria-prima eles vão adquirir a outros países. Tem muito, claro que a China tem muitas... Tem muitas reservas, não é? Tem muitas reservas, mas se olharmos para o Canadá e para os países da América do Sul, eles têm igualmente reservas, portanto... Eu devo dizer que o que me ocorre pensar e mencionar, quando assistimos à transferência da capacidade de fabrico de países europeus e ocidentais que dominavam os processos tecnológicos e no final dos anos 90, anos 2000, assistimos à transferência da capacidade industrial para a China e outros países do sudeste asiático. Isso teve muito a ver com os custos baixos, evidentemente, mas na Europa teve a ver com uma iniciativa de criação do mercado de certificados verdes. Eu fui sempre muito crítica. Havia na altura em que se discutiram os certificados verdes, havia duas políticas, digamos, de penalizar as emissões. Uma era através do mercado de certificados verdes e a cada processo produtivo poluente atribuir licenças e se poluíssem acima disso tinham que comprar certificados. E a alternativa é uma que após 20 anos ou 20 e poucos anos tornasse a ser discutida que é a taxa de carbono a entrada das fronteiras da União Europeia. E eu penso que a taxa, se se tivesse instituído na altura a taxa de carbono, que era taxar as emissões poluentes à entrada na comunidade, ou seja, olhar do ponto de vista ambiental o planeta como planeta único e não interessa onde é que a poluição é feita. Interessa que não seja feita e que os países fora da União Europeia tenham as mesmas preocupações do ponto de vista ambiental que nós temos. E se tivéssemos optado por a taxação das emissões onde quer que fossem feitas no planeta, provavelmente a maioria da produção industrial, e estou a falar de automóvel, de componentes automóveis, etc., não se tinha deslocalizado porque ao entrarem na Europa iam pagar as taxas equivalentes ao que já se gastava para despoluir na Europa. Agora, se não pensar nisso outra vez, eu detesto ter razão antes de tempo. Gostava mais que as pessoas que decidem tivessem razão em vez de eu ter.
José Maria Pimentel
Voltando à questão do fotovoltaico. Sim. Abstrair-nos dessas questões geoestratégicas, ou seja, só do ponto de vista da tecnologia em si, é claro que isso é fotologia, mas até quanto mais é que pode embaratecer o celular fotovoltaico?
Ana Estanqueiro [audio]
Eu acho que não vai embaratecer muito e peguei na história da testação de carbono exatamente por isso. Porque só se conseguiu embargadiceir tanto, porque se deslocalizou para países com custos produtivos, nomeadamente custos de mão de obra e a existência de taxas de qualquer tipo de segurança social, etc, etc, etc. Portanto, não só há uma tendência para trazer de volta essas indústrias para os países ocidentais, e assistimos nos Estados Unidos a políticas nesse sentido e na Europa também, como esses países, à medida que se vão desenvolvendo em termos económicos e também sociais, vão tendo exigências que não são compatíveis com a inexistência de serviços de saúde, a inexistência do mínimo de conforto em termos sociais e em termos pessoais. Portanto, nesses países os custos tendem a aumentar e se transferirmos a capacidade de fábrica novamente para o Ocidente também. Não tenho esperança. Há várias correntes, mas eu diria que a maioria das pessoas que se dedica à área, ou que estuda a área de planeamento de sistemas elétricos, estamos a pensar concretamente em sistemas elétricos, não espera reduções no custo de produção de energia elétrica. Com o metal também, eu diria, que não se esperam. Pode haver pontualmente, mas as coisas tenderão a estabilizar. Com exceções, digamos. Estamos a falar do fotovoltaico e do eo-hólico. Se falarmos, por exemplo, do eo-hólico offshore, Aí sim, ainda não chegamos à velocidade cruzeiro.
José Maria Pimentel
Sim, aí está muito no início.
Ana Estanqueiro [audio]
É, é muito inicio e piano.
José Maria Pimentel
E no caso do fotovoltaico também se diz que a indústria, por exemplo, na China é fortemente subsidiada, precisamente para tentar mudar o mercado.
Ana Estanqueiro [audio]
Dumping é o que dizem existir.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Portanto, também, enfim, mas de qualquer forma, tal como está, já está bastante barato.
Ana Estanqueiro [audio]
Às vezes até nem é muito credível o tão barato que está, quando comparado com os materiais que nós sabemos que leva, com os transportes.
José Maria Pimentel
Sim, a indústria queixa-se disso.
Ana Estanqueiro [audio]
Quando uma pessoa pensa nisso tudo, pensa mas afinal como é que eles conseguem colocar isto na Europa a este preço se nós tentarmos fabricar isto, vamos gastar quase duas vezes mais. Mas enfim, eu não vou dizer que fazem dumping, Há quem diga que sim, mas não tenho provas para o dizer.
José Maria Pimentel
Sim, nem ninguém, acho que não há números disso, mas há cálculos desse género.
Ana Estanqueiro [audio]
Cálculos desse género que dizem que de facto é difícil. Não é impossível, é difícil.
José Maria Pimentel
E como é que o... Comparando com o outro, como é que eles comparam o solar fotovoltaico e o eólico, em termos de performance, digamos assim?
Ana Estanqueiro [audio]
Em performance como? Como é que...
José Maria Pimentel
Eu estava a perguntar isto e a pensar, porque na verdade há aqui vários ângulos que nós podemos olhar. Em termos de preço, o fotovoltaico está abaixo, está mais barato.
Ana Estanqueiro [audio]
E vamos separar sempre, quando falarmos de eólico, sem mais nada é eólico onshore. São duas realidades diferentes.
José Maria Pimentel
Ou seja, é o que nós vemos aqui no país a andar pelos autostrados e não o que
Ana Estanqueiro [audio]
está no mar. Quando passamos de estrada 8 é o que vemos.
José Maria Pimentel
Exatamente, não é o que está no mar longe da vista. Em termos de produção a nível mundial, como é que eles comparam? Não faço ideia. Produção total de e de outro, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Bom, a eólica, vamos já ver, a eólica tem uma BNES do seu lado, é que consegue produzir as 24 horas do dia, não é? E a solar fotovoltaica nesse aspecto tem handicapo, que quando há luz solar produz, quando não há não produz. Do ponto de vista do desenvolvimento do setor, e há pouco mencionou isso, a eólica atingiu uma maturidade e custos comportáveis para a sociedade cerca de 10 a 15 anos antes da solar fotovoltaica. Portanto, quando estávamos no final dos anos 80, princípios dos anos 90, a instalação de tecnologia eólica era fortemente subsidiada, portanto ainda não era comparável aos custos médios da energia elétrica e isso, como viu no seu gráfico, aconteceu à solar fotovoltaica a partir aí de 2005, 2006, por essa altura. Portanto, digamos que a instalação e o crescimento de cada dos setores foi fortemente determinado no caso da eólica, inicialmente pelos incentivos dados em termos de chamadas tarifas verdes. A produção de eletricidade a partir de turbinas eólicas era retribuída por tarifas pré-definidas, as feeding tariffs, a sigla era FIT, e poucas salários fotovoltaicas se instalavam nessa altura porque as feeding tariffs que existiam instituídas não eram suficientes para recuperar o investimento em centrais salas fotovoltaicas. Os custos específicos eram ainda elevados. A partir do momento em que se reduzem os custos específicos da sala fotovoltaica, aí inverte-se o processo e quando disse há pouco agora só ouvimos falar de salas fotovoltaicas, não se fala de eólica, é porque se não forem introduzidos filtros nos concursos, nos leilões para atribuição de capacidade, sala fotovoltaica ganha aos todos. Está a concursos específicos, que são quase metade, entre dois terços e metade da eólica em terra. Portanto, em concursos que chamamos agnósticos, ganha-os todos.
José Maria Pimentel
Sim, é bastante mais barato. E há algum equivalente à Lei de Betes para o fotovoltaico? Não é estritamente comparável, não é o que a pessoa mede ali.
Ana Estanqueiro [audio]
Não, não é comparável.
José Maria Pimentel
Na verdade é muito mais baixa, imagino eu.
Ana Estanqueiro [audio]
É consideravelmente mais baixa. Vamos deixar a Lei de Bette de lado e vamos falar no que é a produtividade típica de uma turbina eólica ou de uma central eólica e de uma central fotovoltaica. Enquanto nós podemos falar de produtividade num parâmetro que é talvez o mais usado na Europa, que é o número de horas equivalentes à potência nominal. Ou seja, pegamos na energia toda e vamos empurrar o tempo, o eixo do tempo e obter a mesma área, mas à potência nominal. E numa central eólica, sabendo nós que o ano tem 8.760 horas, nós numa boa central temos esse indicador com 3.000 horas, 3.100 horas. Posso dizer que em média em Portugal estamos nas 2.700 horas. Equivalentemente numa central fotovoltaica não chega às 2.000 horas. Qualquer coisa na casa das 1800 horas, por aí. Portanto, está bocadinho acima de metade. Mesmo assim, em Portugal, sobretudo do centro para baixo, centro e sul, temos das melhores condições da Europa, portanto, estamos confortáveis.
José Maria Pimentel
Mas depois, na prática, digamos que estou a ver isto bem, mesmo sendo menos eficiente em termos efetivos, se a fotovoltaica produz energia mais barata.
Ana Estanqueiro [audio]
Os seus custos de investimento são proporcionalmente mais baratos do que a diferença entre a eficiência de uma e da outra. Portanto, quando é calculado, digamos, a mais-valia do investimento em solar fotovoltaica com o investimento em eólica, neste momento torna-se mais favorável o investimento em solar fotovoltaico.
José Maria Pimentel
Ou seja, embora seja menos eficiente, acaba por produzir mais barato.
Ana Estanqueiro [audio]
Menos eficiente energeticamente, mais eficiente economicamente. Já estamos aqui a distinguir as eficiências.
José Maria Pimentel
Estamos aqui à luta com a polissemia da eficiência. Por acaso é interessante, é muito engraçado comparar os... É interessante comparar estas duas, porque são as não só as renováveis que se fala mais, como são as duas principais desta categoria das renováveis variáveis no tempo. E é engraçado porque elas... A solar varia bastante mais no tempo sob dois pontos de vista. Se nós olharmos para o dia, o gráfico da eólica não é completamente plano, mas é quase. Tem ali uma... E o da solar faz assim sino, não é? Faz sino para cima. E se olharmos para o ano, é a mesma coisa. O da eólica, eu acho que nos meses de inverno há mais vento, mas não
Ana Estanqueiro [audio]
é muito mais. Nos meses de inverno há mais vento, depois há mês com muito vento, aliás, dois meses de julho e agosto. Julho
José Maria Pimentel
e agosto. Ah, curioso, eu não sabia. Julho
Ana Estanqueiro [audio]
e agosto Tem bastante vento.
José Maria Pimentel
Mas o solar é muito mais sazonal. No solar a pessoa olha... Muito. Estou aqui a olhar para uns gráficos dos paper sales que me enviou e o solar faz mesmo... É o que é expectável. É o
Ana Estanqueiro [audio]
que é expectável. Segue o ciclo solar diário. Mas sabe que uma das coisas que temos feito a investigação e nos temos dedicado, e eu penso que com mais interesse e mais valia, não só para o país, mas que tem tido mais atenção em termos internacionais, tem sido o estudo da complementariedade. E como estrategicamente planear o desenvolvimento de sistema elétrico tomando em conta a complementariedade de centrais. Ou seja, aquilo que eu acho, se me perguntarem, aquilo que eu acho que Portugal devia fazer neste momento era abrir a possibilidade a todas as centrais eólicas de instalarem uma porcentagem, 15%, 20%, 25% da potência instalada, mas em tecnologia só a fotovoltaica. Gerando com isso centrais híbridas. Porquê? Porque a infraestrutura elétrica não precisava de ser alterada. Digamos que o facto de uma turbina eólica quase nunca estar nos 100% da sua capacidade máxima, o que nos indica é que o gap em termos de capacidade do cabo elétrico, o gap era o exato do que o solar fotovoltaico. E ainda por cima, na maioria dos locais, na altura em que a eólica produz menos são exatamente as horas em que o solar fotovoltaico está no seu máximo, no zenito solar. Portanto, o que nós conseguíamos era reduzir a variabilidade do conjunto.
José Maria Pimentel
Mas elas são assim tão complementares? Porque, na verdade, se eu olhar... São bastante complementares. Há de haver uma métrica para isso, mas se eu olhar para o gráfico da solar...
Ana Estanqueiro [audio]
Sim, sim, há o índice de complementaridade.
José Maria Pimentel
Ah, e qual é? Está nos meus coelhos. O gráfico é tão diferente, o gráfico do solar e
Ana Estanqueiro [audio]
da eólica. O que nós temos que fazer é, aliás, correm-se modelos de otimização para dizer que capacidade, ou para nos indicar, calcular, que capacidade solar eu devo instalar associada a determinado parque eólico para que o solar complemente à escala anual, com a sazonalidade que mencionou, e à escala diária Os gaps da produção eólica.
José Maria Pimentel
E depois depende do consumo também, não é? À escala anual o consumo deve ser mais ou menos estável, mas no dia o consumo...
Ana Estanqueiro [audio]
Sim, o consumo varia e nós temos perfil de consumo, ao contrário dos países nórdicos que têm perfil quase constante ou muito constante, nós temos perfil muito variável e dominado por uma coisa que é triste dizer, é pelo consumo doméstico. O nosso pico de consumo é quase sempre ao fim da tarde, não é industrial. Se separam-se os países pela característica do seu perfil de consumo de eletricidade. Quando o pico é ao fim da manhã ou início da tarde, é país industrializado. Quando o pico é dominado pelo consumo doméstico, normalmente é sinal que o país não é industrializado.
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante. Aliás, a energia tem este lado engraçado, que até para alguém que vê da economia como eu, é outra fotografia do mundo, mas largamente complementar é engraçado. Pode-se contar uma história do mundo, da mesma forma como se pode contar uma história do mundo sob vários ângulos, mas para além dos tradicionais, pode-se contar uma história do mundo e da civilização, de sua valente economia e sua valente engenharia também, da energia, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Da energia, sim. Aliás, eu diria que avanços na área da energia, na área dos aproveitamentos energéticos, conduziram a grandes avanços económicos. Estiveram sempre muito
José Maria Pimentel
associados. Exato. É muito interessante isso. É isso. Foi quando se começou a usar recursos com mais capacidade, desde lá o carvão na revolução industrial. Na verdade, quando a pessoa começa a olhar para trás a partir dessa lente, tudo se torna bastante óbvio.
Ana Estanqueiro [audio]
Sempre a ver com a utilização de recursos energéticos. O carvão deu origem à revolução industrial, não foi a primeira fonte de produção de energia elétrica, mas foi de produção de energia térmica, portanto de calor, então continua a ter uma componente energética e eu vejo de facto que estão correlacionadas, aquilo que disse faz todo sentido.
José Maria Pimentel
E se calhar mais do que relacionadas uma causa à outra, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Sim, tem alguma relação de causa e efeito.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E alimentam-se mutuamente também, provavelmente. Esta, eu ia dizer intermitência outra vez, peço desculpa, esta variabilidade no tempo... Vamos embora, Vamos embora, fomos logo. Esta variabilidade do tempo destas energias renováveis cria aqui desafio, uma maneira de mitigar de certa forma essa articulação entre uma e outra.
Ana Estanqueiro [audio]
Que não está quase a ser usada, devo dizer.
José Maria Pimentel
Pois, que não está quase a ser usada.
Ana Estanqueiro [audio]
Que é uma coisa, é quase ofensivo. E não somos os únicos hoje em dia que começam a aparecer grupos de investigação. Por exemplo, na Dinamarca, estive recentemente a fazer a arregulança de uma tese de doutoramento na DTU, que tem grupo de centrais híbridas. A Agência Internacional de Energia, o Acordo de Implementação de Eólica, também tem uma task de investigação de centrais e liberdades e quem está fortemente a investir nisso são os americanos do NREL, National Renewable Energy Laboratory. Aliás, os Estados Unidos têm essa característica, estão interessadíssimos. E não só do NREL, As instituições americanas, a ESIG também, agora vai me perguntar o que é que é a ESIG. Não, não é preciso. Não há problema. Eu só tenho que lhe dizer mais tarde que não me lembro
José Maria Pimentel
de qual. É uma instituição americana.
Ana Estanqueiro [audio]
É uma associação, digo-lhe o que é, é uma associação de empresas elétricas americanas e estão a investir fortemente no desenvolvimento de centrais híbridas. O que é que são as centrais híbridas? São aquilo que eu há pouco disse que era o que mandava fazer em Portugal, porque é a reunião no mesmo espaço, na mesma área de intervenção, da capacidade de geração eólica e geração fotovoltaica regularizando o sinal de potência, portanto, que se injeta na rede elétrica.
José Maria Pimentel
Isto é uma pergunta básica, de certeza, mas qual é a diferença entre fazer essa regularização a nível da central ou a nível do sistema?
Ana Estanqueiro [audio]
A nível da central já agora levanta problema interessantíssimo que é se as duas tecnologias tiverem espacialmente na mesma região, isto é, se partilharem o ponto de interligação à rede, Eu defino a central como uma central hibrida. Podendo ter ou não armazenamento. Quando tem armazenamento, tem outras particularidades e outras condições para tornar a potência de saída ainda mais controlável e regularizável. Quando não temos a tal junção espacial e o fazemos à escala, não vou dizer do sistema, mas à escala, por exemplo, de uma região ou de uma região da rede elétrica, em lugar da denominação ser de central hídrica. Nós chamamos de central virtual. O que quer dizer que temos os diferentes grupos geradores e a única coisa que os vê em conjunto e comanda, digamos, é uma central de controle. Portanto, através da internet conseguimos fazer
José Maria Pimentel
isso tudo. Mas tem alguma desvantagem a central virtual face à híbrida?
Ana Estanqueiro [audio]
Quer dizer, uma central virtual tem vantagens e desvantagens. A vantagem que eu vejo na central virtual face à híbrida é pegar em unidades existentes e aquilo que eu faço é criar centro de controle, portanto, de monitorização de controle conjunto, que me permite dar informações ao operador do sistema, quer de previsão de produção, que vento é que vai fazer nas horas seguintes ou no dia seguinte, ou que sol é que vai fazer, e de alguma forma receber ordens também da operação do sistema, imagino que para o dia seguinte há produção a mais. Eu como operador de uma central virtual posso comandar a minha central, ou as unidades geradoras da minha central, para reduzir a produção. Eu costumo dizer que uma central virtual, se dotada de uma unidade de armazenamento, podem ser baterias ou pode na central virtual eu posso ter associada, por exemplo, uma central hídrica. E se ela tiver albufeira, aquilo que eu posso fazer na central hídrica é só... Agora vou ser horrorosa na maneira como vou descrever isto, mas é tapar os buracos, as falhas das outras. Quando as outras falham, a hídrica entra em produção, como tem uma resposta muito rápida, entra em produção.
José Maria Pimentel
Na verdade há paper que tem gráfico exatamente sobre isso.
Ana Estanqueiro [audio]
Sobre isso. E ela vai assumir comportamento tão próximo quanto possível de uma central convencional, onde a central virtual tem essa particularidade. Perguntam-me qual é a vantagem entre uma híbrida e uma virtual. A híbrida tem essa vantagem, tem uma adicional, é que eu partilho a infraestrutura elétrica. Portanto, estou a reduzir os custos de interligação de ambas as tecnologias. Portanto, se tivesse que priorizar o que é mais importante por a funcionar antes, provavelmente aproveitar toda a capacidade de complementariedade para centrais hídricas e depois aquelas que não tivessem características de desenvolvimento para centrais híbridas. Então iria para as virtuais com sistemas de armazenamento de energia dedicada.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. E isso era exatamente o que eu queria falar, a questão do armazenamento, porque uma tecnologia que nós já temos é a tal que é usada na hídrica, nas barragens, como falávamos há bocadinho, armazena água ou pelo menos contéina e depois pode usar na altura necessária. Outra hipótese, se calhar no outro extremo, em vários sentidos, no sentido da tecnologia e provavelmente do potencial para este efeito, são as baterias de litio. São aquilo que todos nós temos no telemóvel. E depois há outras...
Ana Estanqueiro [audio]
Não há temas para o telemóvel, desde que lhe diga. Para móvel computador eu não queria outras.
José Maria Pimentel
Assim, uma de água no couro não dava muito jeito. E depois há outras tecnologias, depois há o hidrogénico que se fala muito, há outras, oxiridox, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Oxiridox, as oxiridox são umas tecnologias fantásticas, super poluentes, mas...
José Maria Pimentel
Olhando para, sei lá, daqui a 10, 15 anos, tentando fazer este exercício de fotologia, que é difícil, qual é o que acha que tem mais potencial para resolver este problema, ou minimizar este problema da variabilidade do tempo?
Ana Estanqueiro [audio]
Eu espero que se descubra uma nos próximos 10 anos, sinceramente. Melhora. Uma melhor. Bom, cada uma tem as suas características. Eu ainda recentemente falei de baterias e as pessoas ficaram a pensar que eu era antibateria. Não sou nada antibateria. Eu acho é que as baterias, quando se pensa na sua instalação, por exemplo, nas centrais híbridas, com a potência nominal da central híbrida, se está a fazer mau trabalho. Porque se eu estudar a complementariedade entre a potência eólica e a potência solar fotovoltaica, estudar qual é a variabilidade da central conjunta, portanto, qual é a flutuação da central. E dimensionar a minha bateria ou o meu sistema de armazenamento, mesmo sem identificar uma tecnologia, somente para armazenar e regularizar a flutuação, Eu tenho custo de bateria e uma necessidade de armazenar energia muito inferior. E as pessoas estão, a meu ver, a facilitar e a dizer, não, eu tenho uma central 10 MW, vou lá pôr 5 MW hora ou 5 MW durante dia ou dois dias ou três dias. E isso não é fazer as contas muito bem feitas. Portanto, há modelos de otimização, há modelos de...
José Maria Pimentel
Sim, isso não faz muito sentido.
Ana Estanqueiro [audio]
Não faz muito sentido, mas é pouco as contas que estão feitas e se olharmos para a legislação nacional também obriga, na definição de uma central líbrida, a ter sistema de armazenamento. E, de facto, por vezes o sistema de armazenamento não é necessário. Quando me perguntam qual é a melhor tecnologia, bom, para mim a melhor tecnologia é sempre a que cumpra as especificações técnicas ao mais baixo custo.
José Maria Pimentel
Mas eu digo, portanto, a nível de uma central pode não ser necessário sistema de armazenamento, mas a nível do país será, para as renováveis terem potencial.
Ana Estanqueiro [audio]
A nível do país e com as políticas energéticas e as metas que nós temos, nós não o conseguimos fazer sem armazenamento de energia de maneira nenhuma. E mesmo com armazenamento de energia as coisas podem não ser assim tão simples. Porquê? Porque Nós temos armazenamento nas albufeiras, mas não temos albufeiras, com exceção do Alqueva, nós não temos albufeiras com capacidade de armazenar água de forma plurianual. Ou seja, se tiver reparado, e eu creio que hoje em dia toda a gente reparou, nós, ao contrário do que eu via na minha juventude, em que chovia todos os invernos, nós temos tido invernos muito secos. E os invernos muito secos estão-se a começar a repetir todos os 4, 5, 6 anos. Ou seja, nós fizemos recentemente uns cálculos que tinham a ver com o recurso hídrico, é a afluência hídrica, e curiosamente a média do recurso hídrico é a mesma nos últimos anos. O desvio padrão é que aumentou enormemente, o que quer dizer que tivemos muito mais anos muito úmidos, como o inverno passado choveu desalmadamente em Horesboa e no Norte, e depois temos invernos super secos. Portanto, o que nós tivemos foi quatro vezes o desvio padrão, uma coisa assim, nos últimos
José Maria Pimentel
10 anos. A volatilidade não aumentou. O que é este efeito É mau porque é outro tipo de variabilidade,
Ana Estanqueiro [audio]
não é? Exatamente. Portanto, quando nós pensamos no armazenamento de água em albufeiras, nós teríamos que ter albufeiras com uma capacidade de armazenar água muito superior para nos resolver o problema de dimensionamento do sistema elétrico, que é sistema não intra-anual, mas inter-anual. Portanto, com os planos que temos, nós não vamos ter capacidade de resposta num ano seco. Se nos depararmos com uma situação, agora vou dizer chavão horrível, mas que é o termo técnico usado em todo o mundo, que é o Dunkeldflucht. O Dunkeldflucht é a falha, é uma calmaria em termos de sol e de vento. São dias sem sol e sem vento.
José Maria Pimentel
É uma tempestade imperfeita ou, na verdade, quase o oposto disso.
Ana Estanqueiro [audio]
São calmas escuras. É a tradução de letras. Calmas escuras. Elas ocorrem, pelo menos uma vez por ano. Às vezes já há partes do mundo em... Estamos a escrever paper sobre isso numa táxi que já é. Mas, se tivermos isso no futuro, num ano seco, nós não vamos ter capacidade de geração hídrica para suportar o consumo. Portanto, sem dúvida que temos que fazer plano nacional de armazenamento de energia. Qual a tecnologia que devemos instalar? Bom, eu volto a referir aquilo que disse há pouco, que é aquela que economicamente for mais eficiente, cumprindo as especificações técnicas.
José Maria Pimentel
E ambientais, não é? Porque as baterias de lítio têm esse problema também, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
As baterias que têm o problema ambiental, eu diria que as baterias de lítio são excelentes para a utilização que têm hoje em dia, ou a grande utilização, que é armazenar energia em relativamente pouca quantidade nos telemóveis, nos portáteis e por aí fora, e mesmo no sector automóvel. Quando passamos para o armazenamento, eu acho que as pessoas, mesmo aquelas que tomam decisões nesse sentido, não têm noção do volume de baterias que é necessário para equiparar o armazenamento de energia na barragem de uma central elétrica.
José Maria Pimentel
Deve ser gigantesco.
Ana Estanqueiro [audio]
Não fazemos ideia. As baterias que se distinguem por ter uma capacidade, digamos, de intensidade energética superior são as tais de dox-redox, que ainda são muito caras. E há poucos fabricantes de oxirredox e há investigação sobre outros materiais, nomeadamente de... Quando eu disse há pouco espero que apareçam outros tipos de baterias e espero sinceramente porque precisamos delas. É, por exemplo, a construção de baterias não com materiais pouco abundantes na Terra, mas com materiais muito abundantes na Terra. Há projetos de investigação nesse sentido e espero bem que deem frutos. E o hidrogênio, exatamente. Pois, o hidrogênio é assim. O hidrogênio, nós chamamos o hidrogênio de vetor energético, portanto uma forma de transmitir energia que tem a particularidade, a eletricidade é outro vetor energético, os combustíveis fósseis também. O hidrogênio tem uma particularidade que é a possibilidade do seu armazenamento, e nomeadamente do seu armazenamento durante períodos alargados temporais. Portanto, se nós conseguirmos produzir hidrogênio e armazenar hidrogênio, nós talvez consigamos ultrapassar a tal situação que é mais grave do que o planeamento do nosso sistema elétrico em Portugal, que é ultrapassar ano e cinco. E com algumas vantagens. Porquê? Porque as centrais, hoje em dia, a gás natural, conseguem queimar e ser convertidas e calibradas para queimar hidrogênio ou uma parte de hidrogênio, uma mistura entre hidrogênio e gás natural. Portanto, eu diria que a produção de hidrogênio não é incontornável, mas tem uma grande sinergia com o desenvolvimento das renováveis e com o processo de transição energética em que estamos.
José Maria Pimentel
E como é que a coisa funciona na prática? Ou seja, vamos voltar a... Vamos imaginar que uma turbina, como falámos há bocadinho, energia cinética convertida em energia mecânica e depois para o hidrogênio, não é? E depois imagina que seja daí...
Ana Estanqueiro [audio]
E a energia elétrica da turbina alimenta o eletrolizador que produz hidrogênio.
José Maria Pimentel
E depois volta-se de certa forma quase a reverter, não é bem reverter o processo, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
As pessoas quando inicialmente pensavam na produção do hidrogênio, pensavam tudo em novas tecnologias, sem combustão, e para aproveitar o hidrogênio pensavam em fuel cells.
José Maria Pimentel
Células de combustível.
Ana Estanqueiro [audio]
Pilhas de combustível ou células de combustível. Simplesmente este fuel cells tem tempo de vida e ciclos relativamente reduzidos, tem eficiências baixas, portanto eu penso que numa fase inicial de transição energética recolher a fuel cells não é o mais adequado, até porque os centrais ciclo-aberto ou ciclo-combinado a gás permitem cumprir esse papel de forma muito mais segura e eficiente.
José Maria Pimentel
E no meio disto tudo, a partir do vento, a energia mecânica, depois hidrogênio, depois na fábrica para produzir eletricidade, não há aqui perdas também de eficiência neste processo, porque isto de certa forma introduz mais uma... Há sempre. Há sempre, pois. Se for para as baterias,
Ana Estanqueiro [audio]
deve ser a mesma coisa. Nesse aspecto, continua a ser a central hídrica que tem uma eficiência de ciclo fechado mais elevada. Normalmente assume-se na casa dos 75%. Todos os processos de combustão são processos relativamente pouco eficientes. Portanto, em média, uma central de ciclo combinado, eu diria que tem uma eficiência na casa dos 50%, se tanto, normalmente abaixo disso. Portanto, a partir do momento em que nós armazenamos o hidrogênio para depois entrar numa combustão mesmo combinada com o gás natural de uma central térmica de gás, nós vamos reduzir as eficiências fortemente. Mas neste momento já são baixas. Portanto, de qualquer modo, nós estamos a partir de uma situação de eficiência relativamente baixa de combustão com o gás natural, num processo de transição energética que substituamos parte do gás natural por hidrogênio, a vantagem é que substituímos o combustível fóssil por eletricidade que é obtida de uma fonte renovável, portanto é o chamado hidrogênio verde. Estamos a progredir no sentido positivo.
José Maria Pimentel
Sim, claro. Em termos de eficiência energética é mais ou menos igual e tem a vantagem do ambiente. Sim. Nas emissões, neste caso, da ausência de emissões. Aliás, por falar em ambiente, nós ainda não falámos disto. Embora as renováveis, estas renováveis, tenham genericamente boa imprensa, falta de melhor palavra, a verdade é que também há críticas do lado do impacto ambiental, não do lado das emissões na produção de eletricidade, mas do lado do fabrico, do lado dos materiais que são usados no fabrico, do próprio processo de fabrico. Qual a verdade é que é isto e como é que compara a eólica com a fotovoltaica neste aspecto?
Ana Estanqueiro [audio]
Bom, eu costumo dizer que eu sou bocadinho mazinha para os ambientalistas. Mazinha no sentido em que quando começam a protestar contra tudo e mais alguma coisa, eu digo, tudo bem, mas quando deixarem de escalar a casa e rodarem o interruptor para ligar a iluminação, podem começar a ter essas atitudes de alguma agressividade, por vezes, face à produção, e estamos a falar concretamente de energia elétrica. A produção de energia elétrica tem impacto ambiental, tem sempre impacto ambiental. Umas mais, outras menos, mas o impacto ambiental está lá. Eu não tenho de memória, nem quero ter, confesso, as características do ponto de vista de recuperação, fala-se a recuperação da energia usada para fabricar uma turbina eólica ou para fabricar painel fotovoltaico, mas do ponto de vista de eficiência destes equipamentos, eu tenho ideia que uma turbina eólica, ao fim de dois ou três meses, já produziu toda a energia que gastou a fabricar. Agora, é incontornável que eu vou ter que minerar os materiais para a produzir, pelo menos na primeira geração de turbinas, porque se olharmos para o aço que é utilizado numa turbina, na segunda geração 95% do aço da turbina é completamente reciclado. 95% do cobre no gerador elétrico é reciclado. Há componente da turbina que começa agora a ser reciclado e que durante anos foi, digamos, a mancha negra na tecnologia eólica, que foram as pás. As fibras de vidro, e a maioria das pás são de fibra de vidro com algum componente de fibra de carbono, as fibras de vidro não eram até muito recentemente recicláveis e começaram a ser. Consegue-se ir à internet e ver umas jesidas de par de turbinas nos desertos dos Estados Unidos que são chocantes. Mas, de facto, era problema não só da indústria eólica, mas da indústria náutica de recreio, com os barcos de fibra de vidro e tudo isso. Era uma área muito problemática dessas indústrias. Felizmente está a ser ultrapassado. Há projeto que neste momento já está em quase velocidade cruzeiro e há pelo menos mais dois que estão a desenvolver metodologias não de reutilização das fibras para par já não conseguem ser utilizadas em pás de turbinas, mas conseguem ser noutro tipo de indústrias de forma útil. Os outros materiais, digamos os metálicos, que são aqueles que, na regra geral, nós pensamos que são mais gravosos de mineração, as recuperações de turbinas eólicas estão entre os 90% e 95%. Portanto, para a segunda geração de turbinas o problema é muito menos gravoso. Eu conheço menos bem a área do selar fotovoltaico, mas não creio que exista uma carência de silício assim tão substancial. Ele pode ser produzido a partir de areias e areias abundam por esse mundo fora. Portanto, o resto dos componentes, cobre, mesmo aço, ferros, são idênticos às turbinas eológicas, portanto as taxas de reciclagem terão que ser também idênticas às eológicas.
José Maria Pimentel
Nós já falámos bocadinho disto a propósito, à bocado das centrais híbridas e das virtuais e dos desafios de usar estas renováveis para alimentar o consumo energético do país, digamos assim. Mas eu acho que ainda vale a pena falar pouco disto porque a questão de como integrar estas energias com tipo completamente diferente na rede elétrica, no sistema elétrico, é uma coisa que eu acho que se fala pouco e tem muito a ver com a sua investigação. E fala-se pouco porque eu acho que pessoas como eu, que não percebem desta área, que não investigam esta área, tendem a concentrar-se na tecnologia e a pensar menos neste desafio, que também é importante...
Ana Estanqueiro [audio]
É o maior.
José Maria Pimentel
Talvez seja o maior, exatamente, desintegrar no sistema, porque o sistema está montado para outro tipo de...
Ana Estanqueiro [audio]
Esse é o maior desafio. Sem dúvida que esse é o maior desafio. Eu recordo-me quando comecei a trabalhar e a fazer investigação em energia eólica e na área de integração de energia eólica na rede elétrica, de haver professor meu que dizia... Toda gente falava, e nessa altura falava-se muito em intermitência, agora vou utilizar o termo, e que dizia não tem problema nenhum a intermitência de eólica porque intermitente é e foi desde sempre o consumo.
José Maria Pimentel
Claro, o desafio é casar com o outro.
Ana Estanqueiro [audio]
O desafio é casar com o outro. Portanto, só para os ouvintes terem uma noção disto, para operar de forma estável sistema elétrico eu tenho que garantir e assegurar que em cada instante no tempo a produção é igual ao consumo. Portanto, se todos os ouvintes ligarem a máquina de lavar louça às 8 da noite, alguém vai ter que rolar o botão numa central chamada despachável, porque tem botão para regular a produção, para suprir esse consumo de todos os ouvintes às 8 da noite ligarem a sua máquina.
José Maria Pimentel
Uma dúvida que eu tenho em relação a isso. Quanto tempo é que há entre esse desequilíbrio gerar-se, ou seja, uma pessoa a mais ligar a máquina de lavar e alguém ligar esse interruptor no controle? É rapidíssimo. Mas é o quê? Centésimos de segundo? Segundos?
Ana Estanqueiro [audio]
Não, não. É centésimos de segundo a primeira resposta, uma resposta subtransitória, automática das centrais de arroba. Normalmente em Portugal são centrais hídricas que dão essa resposta de forma automática e depois temos sistema chamado de reservas em que temos uma reserva para alguns minutos, para intervalos de tempo entre os 30 minutos e as duas horas e para várias horas. Portanto, todos os mercados de eletricidade, que é mercado muito especial e diferente dos outros, têm que prever essas temporizações das respostas, por forma a terem sempre de sobreaviso backup de energia capaz de quer subir a produção se o consumo subir, quer reduzir a produção se o consumo se ter. Qual é o problema? É que as tecnologias que estão a crescer hoje em dia são tecnologias chamadas não despacháveis. Portanto, não tem botão. Há vento que produz eletricidade, há sol que produz eletricidade, não há não produz. Então, à medida que estas crescem, como é que eu vou ter essa capacidade de fazer os ajustes? Eu perco a capacidade de controle.
José Maria Pimentel
E quanto mais estiver mais perto, no início de balce
Ana Estanqueiro [audio]
norte, menos. Isto não é linear. Quanto mais participação eu tiver de renováveis variáveis no tempo, menos capacidade de responder a rampas eu vou ter, menos capacidade de descompensar eu tenho. Portanto, das duas uma. Ou eu uso centrais como a hídrica, tem essa despachabilidade, essa capacidade de controle, para compensar as rampas eólicas e tenho que assegurar que tem capacidade hídrica e água armazenada para fazer esse tipo de controle ou eu tenho que instalar centrais, por exemplo, no futuro alimentadas a hidrogênio verde com essa capacidade de regulação. Sem capacidade de compensar as rampas das renováveis variáveis do tempo eu não consigo operar sistema elétrico. E é como eu digo, quanto mais nos aproximamos... Eu nunca falo de sistemas 100% renováveis. Os últimos 4, 5, 6% são tão caros e tecnologicamente tão difíceis que não valem a pena.
José Maria Pimentel
E não Precisamos deles para ter net zero, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Exatamente, não precisamos deles. Mas, quanto mais nos aproximamos dos 100%, maior é o problema, porque menos centrais com capacidade de regulação de potência temos. E as pessoas pensam, e a solução que oferecem é terem armazenamento em baterias de lítio. As baterias de lítio neste momento não se recuperam em investimento em parte do mundo. Portanto, devemos avançar para a instalação em massa de baterias de lítio ou devemos preparar-nos para primeiro ter outro tipo de respostas, eventualmente mais económicas, e guardar as baterias de lítio para quando não há outra solução. E para as situações realmente de emergência, que não há capacidade de resposta das hídricas, nem das térmicas, por exemplo, com o ciclo aberto, que tem uma resposta rapidíssima. Eu diria que me sinto mais confortável com primeiro usar as outras tecnologias de menor custo e pouco mais tradicionais e deixar as baterias, que São os equipamentos nobres e que servem a seu propósito muito bem noutras áreas da engenharia e da tecnologia e deixá-las exatamente para essas utilizações. Não sou anti baterias de lítio de maneira nenhuma, elas serão muito úteis, mas é como eu disse há bocado, para a flutuação da central hídrica, para situações particulares de uma resposta muito instantânea, porque tem essa capacidade de resposta instantânea, são mal empregadas para armazenar energia pura e dura. Pronto, é pouco a minha visão do setor.
José Maria Pimentel
E nós, atualmente, tal como estão as coisas, nós em Portugal, se Portugal tiver déficit de energia, nós podemos importar de Espanha?
Ana Estanqueiro [audio]
Oh, que pergunta difícil. Bom, Nós nem devíamos dizer que importávamos de Espanha, porque nós estamos num mercado único, num mercado ibérico, no Mibel. Portanto, entre Portugal e Espanha devíamos operar o mercado como só mercado e não falar de importações de país para
José Maria Pimentel
o outro. Em teoria é uma compensação de quando está em
Ana Estanqueiro [audio]
excesso e o outro... Em teoria é uma compensação. Nós fornecemos energia no âmbito do mercado à Espanha, a Espanha fornece energia no âmbito do mercado a Portugal e não devíamos olhar neste particular como uma importação. Na prática, Portugal é país soberano e quando vai fazer as contas aquilo aparece ali como a importação. Isto é uma visão do problema, em termos de mercados, e é errado, em termos de mercados, falar de importação porque os planeamentos até deviam ser conjuntos. Depois, sobre outro ponto de vista, as pessoas usam o facto do sistema, em termos de mercado, ser conjunto e dizer não tem problema nenhum se num ano seco eu não tiver capacidade de geração em Portugal porque importo de Espanha. E esquecem-se que ano seco em Portugal é ano seco em Espanha.
José Maria Pimentel
Mas Em teoria seria verdade, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Em teoria seria verdade, mas a correlação dos parâmetros meteorológicos é quase total em Portugal e Espanha.
José Maria Pimentel
São países vizinhos na mesma latitude.
Ana Estanqueiro [audio]
Vai ser o problema de vai ser o problema do outro. E há pressuposto que se faz nos planeamentos europeus, que é, hoje em dia, os sistemas elétricos e a rede elétrica funcionam de forma interligada à escala europeia. Mas a interligação de países funciona para trocas de energia sem ser em situações gravosas e ou de emergência. É para situação normal de funcionamento. Em situações gravosas, cada Estado Membro pode dizer eu tenho que cortar as ligações porque não tenho energia para mim.
José Maria Pimentel
E nós não temos, aliás, acho que esse é dos projetos que estão em cima da mesa, não é? Existe este mercado único ibérico, mas não existe mercado único de energia a nível europeu, certo?
Ana Estanqueiro [audio]
Já existe mercado europeu.
José Maria Pimentel
Portanto, é muito recente. Ou seja, isto que nós temos com Espanha, de supostamente ser gerido como uma rede só, Não existe a nível europeu.
Ana Estanqueiro [audio]
Está neste momento a ser criado e foi dos objetivos de uma organização da Associação de Operadores de Sistema, a ENDSOI, que foi exatamente criar as bases para mercado de eletricidade à escala europeia. Claro que é mercado com particularidades muito grandes e que está neste momento a ser constituído, mas de facto a intenção da União Europeia nesse aspecto foi nobre, que foi tentar de alguma forma uniformizar a negociação de energia à escala europeia. Mas há constrangimentos muito grandes a nível de interligações e, sob esse ponto de vista, nós funcionamos em ilha elétrica com Espanha porque as interligações com França são reduzidíssimas.
José Maria Pimentel
Se houvesse, facilitaria bastante este avião.
Ana Estanqueiro [audio]
Se houvesse, facilitaria bastante.
José Maria Pimentel
E provavelmente, e se calhar o futuro vai para aí, é preciso haver uma entidade a nível europeu que faça a gestão de alguma forma dessa reserva, a nível centralizado, e que possa suprir as lacunas de cada sistema, algo desse tipo. Uma coisa meio mutualizada, não sei exatamente como.
Ana Estanqueiro [audio]
No fim vai estar sempre limitado pela capacidade dos condutores elétricos, das linhas de transmissão estabelecidas, portanto, que não são infinitas como tal.
José Maria Pimentel
Ah, claro, claro, estava a pensar nisso. Pois,
Ana Estanqueiro [audio]
Isso era ótimo, mas na prática não há capacidade financeira para instalar linhas infinitas, nem materiais para os fazer, portanto, no fim, a gestão vai ser
José Maria Pimentel
sempre regional
Ana Estanqueiro [audio]
à escala europeia. Aliás, o mercado ibérico chama-se mercado regional à escala europeia.
José Maria Pimentel
Pois, é interessante, ou seja, isto que nós estamos a falar, desta flexibilidade, na prática, tem de ser gerida a nível regional. Em teoria, podia ser gerida a nível do continente se houvesse uma rede suficientemente densa.
Ana Estanqueiro [audio]
Em teoria, e na definição dos modelos de mercados, isso pode ser tudo a nível europeu, mas quando se chega à gestão do tal equilíbrio entre produção e consumo, ele tem que ser feito a nível nacional ou há uma outra terminologia que se usa quando o país, as fronteiras do país não correspondem com as fronteiras espaciais da regulação chama-se uma zona de controle. Por exemplo, a Alemanha está dividida em várias zonas de controle e cada zona de controle, Portugal é uma zona de controle, Espanha é outra, cada zona de controle tem a obrigação dentro das suas fronteiras de assegurar o equilíbrio entre produção e consumo. Portanto, isso à escola europeia não é muito realizável, embora a Europa esteja a fazer esforço muito interessante e com resultados muito positivos em termos de uniformização de princípios de negociação e de definição de mercados.
José Maria Pimentel
É engraçado porque nós fomos referindo aqui vários países, até acabámos a falar do Brasil e não falámos explicitamente ainda de Portugal. Como é que Portugal está atualmente a este nível? Qual é que é o nosso... Eu presumo que isto varia de ano para ano, até pelo que nós já falámos, mas qual é basicamente o nosso mix atual de produção de eletricidade? Em termos de fontes. Ora, muito bem.
Ana Estanqueiro [audio]
Em termos de fontes, nós temos uma capacidade instalada de hídrica que é idêntica à capacidade eólica, bocadinho superior, mas muito idêntica.
José Maria Pimentel
É muito mais antiga.
Ana Estanqueiro [audio]
Sim, a eólica cresceu fortemente. Depois temos, curiosamente, uma capacidade em termos de centrógico ciclocombinado, portanto, térmicas, que é bocadinho... É da mesma ordem de grandezas.
José Maria Pimentel
A gás, não é? Essas são a gás.
Ana Estanqueiro [audio]
A gás, sim. Centro Central Silico Combinado a gás natural. E depois temos, vamos olhar para a solar fotovoltaica, com bocadinho menos de metade da eólica, mas a crescer fortemente. E as outras são pequeninas e residuais. Portanto, neste momento o nosso mix energético é hídrica, eólica, ciclo combinado. Num ano ciclo, o ciclo combinado domina. Num ano hídrico, como o que estamos a ter, a hídrica há muitos anos que não dominava e tem sido dominante e penso que foi o ano passado pela primeira vez a eólica produziu mais que a hídrica. Fortemente mais que a hídrica.
José Maria Pimentel
Ou seja, é difícil dizer exatamente quanto é que... Exatamente, Claro que é difícil, mas é difícil dizer, mesmo em termos gerais, quanto é que produz cada uma e é por isso também difícil dizer quanto é que nós produzimos de renováveis.
Ana Estanqueiro [audio]
Ah não, não é difícil dizer isso.
José Maria Pimentel
Ah, não, como elas variam? Por exemplo, se a hídrica varia muito torna...
Ana Estanqueiro [audio]
Normalmente A complementaridade dos recursos renováveis leva a que nós oscilemos à volta de entre 50 e tal, 55 a 60 e poucos por cento neste momento. Digamos que os nossos objetivos para 2030 estão na casa dos 85%, estão ambiciosos, temos que dar salto substancial para sair dos 60% a 65% para os 85%, portanto aumentar 20% é substancial.
José Maria Pimentel
É o fotovoltaico, basicamente, não é? Ou seja, este caminho...
Ana Estanqueiro [audio]
Mas o fotovoltaico está a ver... Eu não
José Maria Pimentel
estou a dizer o que vai fazer, mas é
Ana Estanqueiro [audio]
como é que ele está a contar. Tem que ter associado o tal programa de armazenamento de energia. Pois,
José Maria Pimentel
claro. Nada serve produzir muito se não está a ser usado.
Ana Estanqueiro [audio]
Exatamente. Tem aquele pico em forma de sino e depois não vamos ter consumo para escoar a produção no pico. Ou armazenamos ou vamos ter que cortar a produção ou temos que fazer uma coisa que eu ainda não falei que é a gestão de consumo.
José Maria Pimentel
Ah, era aí que eu ia também. Era? Ótimo.
Ana Estanqueiro [audio]
A gestão de consumo é a minha opinião que não conseguimos passar determinado limite de penetração das renováveis variáveis no tempo sem gestão de consumo. Portanto, nós estamos a mudar de paradigma em que a produção era completamente flexível, ela conseguia controlar a produção de eletricidade e o consumo era quase completamente inflexível. E no futuro vamos inverter os papéis. Portanto, a produção vai ser maioritariamente inflexível ou ter pouca flexibilidade, que é o caso da eólica solar fotovoltaica, e o consumo tem que se tornar muito mais flexível do que é hoje em dia. Tem sido difícil já dar. As pessoas não gostam de alterar os seus hábitos.
José Maria Pimentel
Claro, pois, justamente.
Ana Estanqueiro [audio]
E pensar que têm que deixar as suas máquinas programadas. Antes era durante a noite, na tarifa biorária. No futuro vai ser durante o dia quando recebem sinal de preço e nessa altura a máquina... Sabe que eu tenho uma máquina alemã que já recebe sinais automáticos à espera disso.
José Maria Pimentel
Eu faço isso, como tenho painéis solares, faço essa gestão, mas não sou tão sofisticado, portanto não é de maneira automática. É olho.
Ana Estanqueiro [audio]
A olho também funciona, sabe quando é que o sol está no máximo.
José Maria Pimentel
E durante o dia, que ele está quase sempre em excedente. É, Então tem uma excelente instalação. Durante o dia, no dia com o sol, está quase sempre... Depois, se calhar... Só que depois à noite...
Ana Estanqueiro [audio]
Tem baterias?
José Maria Pimentel
Não. Não, porque a empresa que me instalou, a própria empresa disse que não compensava. E provavelmente tinha razão. E tem razão, porque eles teriam Interesse em vender, mas não.
Ana Estanqueiro [audio]
Sim, provavelmente teria razão. Repare, as contas que a empresa que usou fez são as mesmas que eu faço com os modelos de otimização. As baterias não recuperam o investimento. Pois, é isso. Portanto, fizeram as contas e deram-lhe a informação mais correta possível.
José Maria Pimentel
Esta questão dos hábitos de consumo é importante e provavelmente vai ser desafio grande e de que se fala pouco, não é? No fundo é o reverso da medalha, de que nós vamos ter de alterar hábitos, se calhar menos se conseguir desenvolver tecnologias para armazenamento, mas alguma coisa de certeza teremos de fazer. E isso, na verdade, é bom ponto para a questão do nuclear. Que nós ainda mais tocámos aqui e ali, mas não falámos muito. O nuclear não permitiria resolver isso? Tendo essa vantagem de ser uma tecnologia... Como é que é? Despachável? Não é despachável. Ah, não é despachável. O
Ana Estanqueiro [audio]
problema do nuclear é exatamente esse. Eu começo sempre a dizer que não sou anti-nuclear porque posso ainda andar por cá quando precisarmos delas todas. Por isso é o meu ponto de partida. Eu diria que o nuclear não é despachável, portanto não é controlável a potência, mas não é despachável por, provavelmente, conforto.
José Maria Pimentel
Mas quanto tempo é que demora a pôr a trabalhar ou a aumentar a...
Ana Estanqueiro [audio]
Horas. Digamos que as centrais mais lendas de resposta excluindo o nuclear, que diz que não pode regular a produção. Agora os franceses já começam a regular a produção porque não tem alternativa. Mas, Quando surgiu, nos anos 60, digamos, quando surgiu em força, a tecnologia nuclear e a indústria nuclear teve uma capacidade fantástica, foi de conseguir convencer o setor elétrico que não devia diminuir a potência máxima, Devia estar sempre ao máximo, que é excelente se eu fabricar produto qualquer e convencer os meus clientes que têm que me comprar a totalidade da minha produção, é a situação ideal. Foi isso que eles conseguiram, portanto, tenho os meus parabéns, não poderiam ter tido mais sucesso. O que quer dizer que, por regra, uma central nuclear está naquilo que se chama a base do diagrama de produção. Está sempre a produzir e está sempre a produzir o máximo que não exija regulação. Ora, como o consumo, falámos há pouco que o consumo é continuamente variável no tempo, do ponto de vista de gestão do sistema elétrico, de quem tem que assegurar que a produção é igual ao consumo e que o fiel da balança faz match, é tão mau ter produções continuamente variáveis no tempo, como a eólica ou a fotovoltaica, como ter produções contínuas no tempo, como a nuclear. Casar as duas é a reunião de dois extremos não desejáveis.
José Maria Pimentel
Isso não é algo que o nuclear tem em comum com a eólica, essa constância, relativa constância?
Ana Estanqueiro [audio]
Não, a eólica está sempre a flutuar e a nuclear em princípios está sempre constante.
José Maria Pimentel
Está sempre a flutuar mas se a pessoa fizeres máutel, ao contrário da solar que faz aquele U...
Ana Estanqueiro [audio]
Não, a eólica está sempre, quando vir sinal de potência eólica, ela está sempre continuamente a flutuar.
José Maria Pimentel
Mas não é essa flutuação que se gere? Ela tem essa flutuação, não é? Mas aqui o que nos interessa para efeito do alinhamento com o consumo, não é esta volatilidade? É mais como é que ela flutua ao longo do dia ou ao longo do ano?
Ana Estanqueiro [audio]
A questão é que quando faz a reunião uma soma das flutuações de várias centrais, aquilo que se verifica é cancelamento das flutuações de mais alta frequência. Portanto, algumas flutuações cancelam-se e vê sinal relativamente mais suave, mas continua a vê-lo fortemente variável no tempo. Ao longo do tempo ele não é constante, ele é variável.
José Maria Pimentel
Ou seja, o nuclear casa mal com as renováveis.
Ana Estanqueiro [audio]
Com as renováveis variáveis no tempo. Eólica e fotovoltaica. É a tecnologia, sob esse ponto de vista, que casa pior. Portanto, quando país tem uma aposta forte nas renováveis, normalmente essa aposta forte nas renováveis está associado a uma não aposta nos sistemas nucleares. Mas eu digo que isso não é obrigatório, porque em lugar de andarem a investigar outras coisas, Se os investigadores na área das tecnologias nucleares se dedicassem a desenvolver a tecnologia que pode perfeitamente ser despachável, eu não preciso de andar a tirar o núcleo e o combustível do meio do reator, basta-me, porque aqui eu tenho circuitos primários e secundários, eu não sou especialista em nuclear, mas aquilo é uma central térmica, basta desviar o fluido quente da turbina, eu posso ter uma central controlável. Portanto, se desenvolverem no sentido de complementar as flutuações das renováveis variáveis no tempo, coisa que ainda não fizeram e não tiveram essa preocupação. Tiveram mais preocupação em tentar opor-se às renováveis e de gladear-se em termos tecnológicos e não em desenvolver-se para ter a flexibilidade que falta às renováveis.
José Maria Pimentel
Para serem complementares. Para serem complementares. Há países, por exemplo, a China, eu tenho a ideia que está a investir nas duas, não é? A China está a investir
Ana Estanqueiro [audio]
em todas. Sim, em França, não precisamos ir para a China. A França é país nuclear por excelência e não deixou de investir em renováveis. E neste momento está a controlar as nucleares, o que é sem patamares, quer dizer, não está a pôr as nucleares a seguir rampas rápidas de potência em ordem ao tempo. Mas não há razão para não o fazerem. É só alterar o controle do ponto de vista dos fluidos que atuam a turbina. Não precisa ser a nível da combustão nuclear.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, estou a perceber. Não tem que ser na origem?
Ana Estanqueiro [audio]
Não tem que ser na origem, pode ser nos sistemas. Há vários sistemas intermédios, não é? Circuito primário, secundário, hoje em dia terciário e por aí fora.
José Maria Pimentel
Ou seja, tal como ele está, numa realidade em que isso ainda não é possível, o que acontece é que esse chute dentro do nuclear de facto daria jeito para compensar as renováveis, mas ao mesmo tempo estar-se ainda a aumentar o excesso que é produzido naquelas horas de sucesso. Exatamente. O que depois tem problema econômico também, não é? Porque tem que se amortizar aquele capex, aquele investimento de capital. Imenso. E, portanto, num sistema em que não haja essa regulação, cria casamento complicado.
Ana Estanqueiro [audio]
Nós costumamos dizer que a nuclear e as renováveis variáveis no tempo ocupam a base do diagrama de cargas. Eu depois mando-lhe estes gráficos. Ou seja, em princípio têm prioridade de acesso à rede elétrica, portanto, auto-excluem-se. Mas não há razão para isso acontecer, Porque a nuclear pode se tornar flexível se investir nesse sentido.
José Maria Pimentel
É interessante porque eu conheço mal, mas sei que nestes setores são dois campos que se opõem brutalmente e na verdade é uma coisa que não faz sentido.
Ana Estanqueiro [audio]
Não faz sentido nenhum haver oposição entre os dois campos. São as duas tecnologias limpas, são as duas hoje em dia se chegarmos para a realidade europeia, são as duas tomadas como a chave para descarbonizar as economias.
José Maria Pimentel
Europeias mais ou menos, porque a política da Comissão Europeia, o gringo dele não tem lá o nuclear.
Ana Estanqueiro [audio]
Sim, mas de qualquer modo continuam a ter uma série de benesses e protecções que a nuclear nunca perdeu.
José Maria Pimentel
Sim, em França nomeadamente.
Ana Estanqueiro [audio]
Em França nomeadamente e, aliás, os novos mercados de eletricidade e dos novos modelos que foram publicados pela Comissão Europeia têm lá os mecanismos todos certos para proteger o que há a proteger. Mas, em termos de desenvolvimento tecnológico, e critico bocadinho não só a nuclear, mas até a outras tecnologias, assistiu-se a desenvolvimento muito grande e marcante das tecnologias renováveis, que têm sido sucesso. Os últimos 30 anos foram sucesso das tecnologias renováveis e as outras tecnologias hibernaram. Não houve desenvolvimento a nível tecnológico na área nuclear.
José Maria Pimentel
Eu acho que esse é o maior argumento contra o nuclear, digamos assim.
Ana Estanqueiro [audio]
É, e eu diria não só do nuclear, até no que diz respeito a centrais térmicas de combustão. Quer dizer, podia haver mais. Porque, por exemplo, uma das coisas que me apetecia trabalhar e montar projeto era numa central virtual em que eu tenho grupos geradores eólicos, grupos geradores solares fotovoltaicos e depois essa minha central é uma central que vai vender energia em mercado e eu tenho uma central térmica que pode ser a hidrogênio ou pode ser a gás combinado com hidrogênio e que tem a capacidade de compensar todas as flutuações eólicas somadas às solares fotovoltaicas. No fim, o que eu estou a construir com a minha central virtual é uma central convencional, completamente despachada. Porque, desde que eu tenha os grupos todos geradores, o meu sistema de comando, eu estou a aproveitar os recursos renováveis que existem, o que foi produzido em hidrogênio ou em outro sistema de armazenamento qualquer, e ter a capacidade de compensação e a garantia de segurança ao sistema que me dá uma central completamente despachável, como uma de ciclo combinado. De ciclo aberto são mais rápidas e há umas de ciclo misto. Eu acho estranho que quem tem essas tecnologias e as fabrica não se esteja a preparar para esta realidade.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, vai continuar a ter uso como essa última válvula... Exatamente. ...De estabilização do sistema.
Ana Estanqueiro [audio]
Digamos que o negócio dessas centrais é exatamente nesse nicho e eu não as vejo preparadas para isso, ou a preparar a esse país.
José Maria Pimentel
Esta questão de que tecnologia usar, eu acho que é vários anos, por exemplo, a nível de Portugal, que é país que está a apostar fortemente nas renováveis, de facto isto cria desafio, por exemplo, falando nuclear e nesta versão que não consegue regular, é difícil casar as duas. Mas isto é uma outra questão a nível global. Se nós olhamos a nível global, em que ainda há muito por fazer, nós não sabemos que curva é que resta a cada uma, ou é ólico ou solar fotovoltaico, e mesmo a hídrica, e num paradigma em que o consumo de energia não para de aumentar.
Ana Estanqueiro [audio]
E não vai parar de aumentar. A eletrificação das economias é irreversível.
José Maria Pimentel
Temos, do lado dos países em desenvolvimento, estão a desenvolver-se, e mesmo do lado dos países desenvolvidos...
Ana Estanqueiro [audio]
Desenvolvidos, o consumo elétrico está a aumentar por via da eletrificação de uma série de indústrias e de transportes.
José Maria Pimentel
E depois há uma própria... Os seres humanos têm uma voragem tal por energia, não é que nós estamos sempre a arranjar tecnologias que precisam de mais energia, de certa forma.
Ana Estanqueiro [audio]
Nós estamos a tentar, digamos que as medidas de eficiência energética, que são sérias e em Portugal são muito sérias, são no sentido de minimizar esses aumentos, mas não deixam de ser, em grande medida, boas intenções, porque nós já temos uma intensidade energética e consumo per capita muito baixo. Portanto, digamos que o sucesso no nosso país é relativo em termos de redução de consumos. E em muitas áreas vamos ter aumento de consumo e penso que já se dá a notar.
José Maria Pimentel
A minha pergunta tem a ver com isso, porque independentemente desta questão de qual é a tecnologia, eu vi umas declarações recentes de tipo que deve conhecer, porque está muito ligado a essas causas, o francês Jean-Marc Jankovici, acho que é assim que se pronuncia, mas enfim, o francês não é grande coisa. Ele é engenheiro da área da energia e tem estado muito ativo na divulgação nesta área e o ponto dele que eu achei interessante era que tendo em conta esta voragem por energia que nós temos, queremos todo tipo de equipamentos, queremos andar de carro, queremos andar de avião, queres dizer, ou seja, não só muitos de nós se habituar a determinado nível de vida, como há muitos outros que anseiam para esse nível de vida, e isso em si mesmo vai requerer mais energia, ou seja, para lá desta substituição ainda é preciso garantir essa capacidade de produção de energia. E o ponto dele, e eu acho que percebo o que ele quer dizer, a nível global é difícil achar que vamos poder fazê-lo só com renováveis, ou seja, fazer esta transição, que já é desafio gigantesco, ainda por cima, quer dizer, grau e meio de aquecimento global, basicamente já não vai ser possível, mas mesmo estes objetivos ambiciosos, tentar fazê-los, já é difícil fazê-lo com o consumo de energia que está a aumentar, só com renováveis, por muito extraordinário que tenha sido o desenvolvimento nestas últimas décadas que tem sido, ele diz que é impossível. Eu não sei se é porque não percebo nada, mas essa é a minha pergunta. Os
Ana Estanqueiro [audio]
recursos renováveis são, de facto, se pensarmos em terra, os aproveitamentos, por exemplo, é o Olyx onshore, tem cap. É evidente que os terrenos com características, se pensarmos em Portugal, que é o território que eu conheço melhor, os terrenos com características, têm limite. Aliás, o UNEC já calculou esse limite e muito recentemente. Evidentemente que depois o limite é sempre flexível porque depende das exigências ambientais. Nós reservamos e tomamos como restrito todo determinadas classificações ambientais. Eu diria que num cenário, se olharmos para 2050, de carência energética, alguém vai reduzir as restrições ambientais porque pode considerar, ou será lógico que venha a considerar que é menos importante essa proteção e mais importante o serviço à população e às necessidades energéticas. É uma visão.
José Maria Pimentel
E nós temos, em Portugal, temos... Já ouvi dizer isto, acho que é a Serra do Monschique e a Serra da Estrela Sábio Verde, que são sítios ótimos em termos de potencial, só que estão protegidos. Sim, estão
Ana Estanqueiro [audio]
protegidos e eu devo dizer-lhe, acho muito bem que estejam protegidos. Sim, sim, estou a dizer que não. Nós temos que ter esse princípio de que há sítios que devem estar protegidos e, aliás, local na Serra da Estrela que tem parque eólico, que eu sou da opinião que não devia existir, felizmente não tive nada a ver com aquilo. É porque tem castelo e o castelo tem uma turbina em frente, uma coisa horrorosa. Mas, enfim, é uma das exceções que existe em Portugal, até porque Portugal é exemplo em termos de impactos ambientais e da seleção de locais. Mas, isto para lhe dizer que excluindo a instalação de turbinas e também de painéis fotovoltaicos, aliás, eu devo dizer que me revojo nos protestos que se veem hoje em dia de alguma população de ocupação de terrenos férteis para a instalação de centrais fotovoltaicas. Eu aí tenho a herança da minha família e sou eu própria uma jardineira amadora, portanto, acho que terra fértil não é para instalar para nesses fotovoltaicos. As pessoas gostam muito mais ou precisam muito mais de se alimentar do que de ter energia elétrica. Portanto, deve haver filtro sobre esse ponto de vista e devem ser escolhidos terreno fértil, a não ser que sejam aplicações sinergéticas que ainda não conheço nenhuma em Portugal. Há culturas para as quais o sombreamento produzido pelos painéis solares fotovoltaicos é positivo. Mas não conheço nenhum projeto desses em Portugal. Mas se tomarmos essas limitações para Portugal, continuamos a poder progredir para o mar. E o recurso energético no mar é praticamente ilimitado. Se pensarmos em centrais eólicas offshore, que hoje em dia têm custos ainda substanciais, mas se pensarmos em centrais offshore, Aí passamos a não ter grandes limites em termos de progressão da capacidade a instalar renovável. Dizer é preciso casar isto com outra tecnologia, eu poria completamente lá dos combustíveis fósseis, sete pontualmente nos tais 4, 5 ou 6%, que eu também penso que podem ser alimentados com hidrogênio verde. Colocar o nuclear na equação, sim, com certeza, é de considerar, mas penso que o nuclear, em termos tecnológicos, em termos de investigação da maneira como funciona, tem que se preocupar em casar com as renováveis e que se desenvolver de uma maneira que nos últimos anos não se tem desenvolvido.
José Maria Pimentel
Mas são dois pontos diferentes, não é? Ou seja, esse ponto parece-me fazer todo sentido, mas é sobretudo a nível de cada país ou de cada região, não é? E desse equilíbrio do sistema dentro de cada Depois, a nível global, a questão é, e eu não sei francamente, que expectativa é que nós podemos ter que apenas com as renováveis nós consigamos fazer esta transição energética e ainda absorvendo este aumento de energia nas próximas décadas?
Ana Estanqueiro [audio]
É assim, todas as estimativas de cálculo da disponibilidade de recursos renováveis dizem que é possível. Depois há aqui outro forecast, há aqui uma outra estimativa que é, Será que a vida na Terra é sustentável com a população a continuar a aumentar com as taxas que têm aumentado? Isso é problema que se calhar nenhum de nós quer entrar por aí. É entrar por aí até porque é bocadinho de deprimente pensar no que é que pode ser feito para alimentar a esse nível porque eu acredito que as pessoas têm todas direito ao seu conforto energético e a consumir energia. Haverá capacidade para providenciar à população em 2050 o nível de consumo que tem país desenvolvido hoje em dia, em 2024, ou em 2025, é complicado. Isso é a fase da transição energética que eu acho que nem a União Europeia, certamente não os Estados Unidos. A Agência Internacional de Energia às vezes explora, mas muito superficialmente, porque a resposta é algo que nós não queremos ouvir. E acho que me fico por aqui, porque realmente não tanto em recurso, recurso energético existe, existirão depois os recursos em termos infraestruturais, criar redes, criar... Se calhar não temos capacidade para o fazer, mas eu espero que sim, sou uma otimista, espero que sim e que a sociedade tenha capacidade de o fazer e de encontrar soluções construtivas e positivas para todas as populações a nível mundial.
José Maria Pimentel
Mas esse é bom ponto, de facto, porque o que torna difícil e ao mesmo tempo interessante esta questão é que isto toca várias dimensões diferentes, não é? O que torna este problema complexo. Não é só a dimensão de engenharia, digamos assim, mas também a económica, também a social, não é?
Ana Estanqueiro [audio]
Pois, porque quando nós olhamos para o mundo ocidental, o mundo desenvolvido, o problema não está resolvido, mas nós sabemos que caminhos e que metodologias e estratégias alterar para resolver o problema. Está identificado o problema, portanto o primeiro passo está dado. O problema é o resto do mundo. Quer dizer, como é que nós vamos ajudar ou permitir, permitir é uma palavra muito forte, mas como é que nós vamos apoiar o resto do mundo num processo de transição energética que seja sustentável para todos. Não é fácil, Ana. Diria que o problema nem sequer estava enformulado quanto mais arresto pós-estadada.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Verdade. Bom, Ana, obrigadíssimo.
Ana Estanqueiro [audio]
Eu é que agradeço. Conversa ótima.
José Maria Pimentel
E, enfim, quem está a ver não sabe, mas Ana tinha dado uma aula antes e agora veio aqui dar uma segunda, enfim, ninguém merece.
Ana Estanqueiro [audio]
Não, pelo amor de Deus. Eu gosto... Eu dou aulas por prazer, sou professora convidada, portanto, não sou obrigada a dar aulas.
José Maria Pimentel
Mas daí ia dar duas seguidas, eu também sei que às vezes custa. Não, mas
Ana Estanqueiro [audio]
isto não foi aula, foi conversa. Foi conversa interessante e depois vou pensar em duas ou três coisas que eu ainda vou ver.
José Maria Pimentel
Ah, boa. Obrigado, dizem. Fico muito contente com isso. Alguma coisa a propósito, nestes temas muito grandes eu normalmente gosto antes de terminar perguntar se há alguma coisa que eu não tenha perguntado, alguma coisa que não tenhamos falado.
Ana Estanqueiro [audio]
Bom, só uma coisa que eu gostava de alertar e que está relacionada com o meu mais recente projeto de investigação, que é projeto europeu, financiado pela A2020, de nome Trade Rares, precisamente negociação de renováveis. Aquilo que se assistiu nos últimos anos e que se tem visto, se olharmos para a evolução de preços, por exemplo, no Mibel durante sábado, domingo, ou fim de semana, e mesmo por essa Europa fora, é que os fins de semana ou as férias, feriados, são exemplo daquilo que se vai passar em termos de mercados de eletricidade nos próximos anos, quando a participação renovável, que não é despachável, que não é controlável, aumentar substancialmente face ao consumo, uma vez que os feriados e os fins de semana são, por regra, dias de pouco consumo. E os preços da energia elétrica vêm para quase zero e nos mercados que permitem para valores positivos. Portanto, isto o que indicia é que o desenho dos mercados de eletricidade, que as pessoas pensam que é algo que está em prática há muito tempo, mas não. Foi desenvolvido durante os anos 80 do século passado e foi desenvolvido para tecnologias despacháveis, com capacidade de controlar a produção. Portanto, não está minimamente adaptado às características das renováveis variáveis no tempo que, coitadas, estão a jogar jogo com o tabuleiro de outros.
José Maria Pimentel
Exato, tem regras feitas por outros.
Ana Estanqueiro [audio]
Com regras preparadas e feitas para as capacidades tecnológicas de outros. Portanto, a única coisa que de facto eu não mencionei é que há que alterar o desenho, o modo como os mercados funcionam, nomeadamente para permitir às renováveis variáveis no tempo, previsões com erros muito menores, porque os erros em mercado são fortemente penalizados. Às vezes uma central eólica vai a mercado e o que consegue em retribuição no mercado do dia seguinte perde-o em penalizações, porque essas penalizações estão feitas para centrais com o tal portão e a capacidade de regulação. E é que mudar isso de algum modo, porque senão não é possível negociar. Pode afastar
José Maria Pimentel
o investimento no setor também, que é o que se queixa atualmente.
Ana Estanqueiro [audio]
Não só afasta, como é dos riscos inerentes e fortemente penalizadores do investimento ao setor. Portanto, o redesenho dos mercados era dos passos, digamos, que eu penso mais importantes para diminuir o risco e favorecer as renováveis de uma forma inteiramente justa, que é só preparar a negociação para as suas características técnicas.
José Maria Pimentel
Pois, é adaptar, no fundo. É adaptar. E para terminar, costumamos terminar sempre com a recomendação de livro, que pode ser qualquer coisa.
Ana Estanqueiro [audio]
Bom, eu agora ia brincar a dizer que gosto muito de banda desenhada. Não, Não vou recomendar livro de banda desenhada, mas pensando num livro que as pessoas possam consultar e que lhes permita perceber como opera sistema elétrico e as particularidades que têm as renováveis variáveis do tempo quando inseridas num sistema elétrico. Ele é livro já com muitos anos, mas é a melhor explicação que eu conheço da operação de sistemas elétricos. Não sei o título de cor, mas é livro publicado pelos I3ES. Muito pequenino, muito sintético, mas que permite a quem o consulta perceber como funciona sistema elétrico, que posso lhe mandar os dados desse livro, que incluo sempre nas minhas bibliografias para os meus alunos e que acho que é uma fonte de informação excelente.
José Maria Pimentel
Uma espécie de ganhar literacia de sistema elétrico. É, mas é... Que É uma coisa que a pessoa tem pouco, acho.
Ana Estanqueiro [audio]
Que as pessoas têm pouco. Tudo que nós damos por adquirido. Está em inglês, peço desculpa, não existe tradução. Algum dia pode ser que me entusiasme a traduzir o livrinho, se me deixarem. Posso contratar...
José Maria Pimentel
Pode ser que algum... Contactar o 3S, não é? Pode ser que alguma vinte arraje financiamento para
Ana Estanqueiro [audio]
esse projeto. Financiamento para esse projeto. Não, É uma espécie de guião muito pequenino e muito elucidativo.
José Maria Pimentel
Boa, boa. Excelente. Ana Estaqueira, obrigadíssimo.
Ana Estanqueiro [audio]
Para que agradeço, muito obrigada. Foi excelente de conversa.
José Maria Pimentel
Foi excelente mesmo. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.