Extra: João Silva - Dos incêndios às inundações: a UE na liderança do combate aos desastres provo...

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José Maria Pimentel
Sabiam que a União Europeia é o maior doador de ajuda humanitária do mundo? E que coordena a resposta europeia a desastres naturais, respondendo a dezenas de emergências por ano, quase dois terços das quais fora da Europa? Eu também não. E neste episódio vamos falar precisamente sobre o papel da União Europeia nestas áreas, sobretudo na área da proteção civil, no combate a desastres naturais, desde grandes cheias a incêndios, os quais, devido às alterações climáticas, têm aumentado em frequência, em gravidade e, tão ou mais crucial, em imprevisibilidade. O convidado deste episódio é João Silva, que é Policy Officer na Comissão Europeia, onde integra a Unidade de Capacidades de Resposta a Emergências de Proteção Civil. O João é responsável pelos recursos da RESC-EU, em particular, as capacidades de combate a incêndios florestais por via aérea e transporte e logística. Este episódio tem o apoio da Direção-Geral de Proteção Civil e das Operações de Ajuda Humanitária Europeias, a DGECO, que é o departamento da Comissão Europeia responsável por estas áreas. Entre as centenas, se calhar milhares, de assuntos possíveis de abordar no 45°, não sei se chegaria alguma vez a dedicar episódio a este tópico específico. Mas a verdade, e só assim é que faz sentido tê-lo no 45°, é que este é tema à medida do podcast. Porque é importante e porque, como vão ver, a União Europeia está a fazer coisas muito interessantes nesta área e é player cada vez mais relevante a nível mundial. Além disso, este tema encaixa muito bem na série de episódios sobre alterações climáticas que tenho publicado, e vou continuar a publicar, onde faltava ainda dedicar episódio a este aspecto incontornável dos desafios criados pelo aumento de fenómenos extremos associados ao clima. Nesta conversa com o João, comecei por tentar perceber melhor o papel da União Europeia nestas áreas da ajuda humanitária e da proteção civil e a forma como elas, em muitos casos de intervenção, se tornam cada vez mais difíceis de distinguir na prática. O foco da nossa conversa foi então, sobretudo, a vertente da proteção civil. Falámos do principal instrumento europeu nesta área, o mecanismo de proteção civil, que gera cooperação entre as autoridades nacionais dos Estados participantes, os 27 Estados Membros Europeus e outros 10 países externos. Este mecanismo de proteção civil serve, sobretudo, para permitir uma resposta mais rápida e coordenada a emergências nos países que nele participam. Mas tem extra importante. É que qualquer país do mundo que enfrenta uma emergência destas pode pedir auxílio ao mecanismo. E cada vez mais países têm tirado partido dessa possibilidade. Nos últimos anos, como disse no início, quase dois terços das ativações vieram de fora da Europa, em países tão distintos como o Chile, o Canadá ou mesmo a Líbia. No entanto, uma vez que este mecanismo não tem recursos próprios, depende dos recursos de cada país individual, está dependente da disponibilidade dessas capacidades. E isso cria-lhe uma limitação importante. É que deixa de funcionar na prática quando a mesma emergência afeta vários países de uma vez só, como aconteceu, por exemplo, com os incêndios de 2017 em Portugal e com as alterações climáticas acontece cada vez mais. Foi isto que levou a que em 2019 os Estados-membros da União Europeia tenham chegado a acordo para dar passo ambicioso com a criação do RESC-EU, que é basicamente uma nova entidade que passa pela criação de capacidades a nível europeu, a nível da comissão, que é totalmente financiada pelo orçamento comunitário. Para além de fazer todo o sentido, esta é uma decisão que mostra aumento da solidariedade entre os Estados-membros da União Europeia. É algo que temos visto noutras áreas, como por exemplo com o lançamento do PRR na altura da pandemia, mas que no passado era muito mais difícil de conseguir. Estou a pensar, por exemplo, no caso da crise das dívidas soberanas. Este RESC-EU, como vão ver, tem âmbito mais limitado, mas também tem sido usado fora de portas como, por exemplo, recentemente na intervenção em Gaza. E claro, há sempre desafios que subsistem e por isso terminei a perguntar ao João o que é que ainda falta fazer nesta área E o que é que podemos esperar da atuação da União Europeia nestas áreas no futuro? Espero que gostem da conversa e até ao próximo episódio. João, muito bem-vindo ao 45°.
João Silva
Bom dia, bom dia Zé.
José Maria Pimentel
Olha, para começar, eu acho que faz sentido começar por aqui, explica-me como é que a União Europeia atua na tua barra, tem atuado na proteção civil e na ajuda humanitária.
João Silva
Falaste de proteção civil e ajuda humanitária, nós temos uma direção geral onde eu trabalho que se ocupa precisamente dessas duas áreas, que é a DGECO. São dois pilares muito importantes aqui dentro da casa. Por lado a ajuda humanitária, lembrar que a União Europeia é o maior doador mundial em termos de ajuda humanitária, somos os maiores operadores. E depois temos a parte da proteção civil, mais resposta imediata a tudo o que são emergências e catástrofos, mecanismo criado desde 2001 e hoje trabalhamos juntos com os nossos colegas de ajuda humanitária porque cada vez há mais complementariedade nestas duas intervenções.
José Maria Pimentel
Tu disseste que a União Europeia é o maior doador Mundial de Ajuda Humanitária. O que é que isso significa concretamente? Ou seja, o que é que está aí contabilizado? É a ajuda direta através da Digieco? É o somatório da ajuda dos países todos individuais? Como é que isso é... Porque isso é grande número, não é?
João Silva
Sim, é bocado dos dois. A pessoa só para te dar uma ideia, portanto, o nosso orçamento de 2024 para a ajuda humanitária é 1.8 bilhões de euros. Na parte da ajuda humanitária não atuamos diretamente, trabalhamos com base em projetos, com base em ONGs, com organizações internacionais, como as Nações Unidas, portanto doamos este dinheiro, ou seja, é mobilizado, mas no terreno é posto em prática por outras organizações que nós fazemos apenas a coordenação, porque nós não somos parte direta, não temos pessoal diretamente no terreno, apesar de termos escritórios em pouco em todo o mundo, em coreano de países, e trabalhamos diretamente com as ONGs, mas são as ONGs essencialmente que metem este dinheiro em prática e que fazem avançar todos os projetos onde nós estamos presentes.
José Maria Pimentel
O tema do nosso episódio já lá vemos é a proteção civil, mas agora não resiste. A ideia que eu tenho é que do lado da ajuda humanitária, a ONU por exemplo, para a maior parte das pessoas é muito mais conhecida nesta área do que a União Europeia. Tu achas que isso tem a ver com o quê? Com o facto da Europa o fazer desta maneira indireta?
João Silva
Para lado sim. Nós aí, bocado contra nós falamos, mas pegamos bocado pela parte da visibilidade, mas é bocado indiretamente o fruto disso. Não estarmos diretamente a gerir os projetos no terreno, ao contrário por exemplo das Ajudações Unidas ou do Programa Alimentar Mundial, que vemos muitas vezes na televisão. E portanto, muitas vezes não se sabe, mas vemos carregamentos da Unicef ou carregamentos do Programa Alimentar Mundial, mas que na sua base são financiados pela União Europeia. Isso acontece bastantes vezes.
José Maria Pimentel
Interessante. Tu disseste há bocadinho que estas duas áreas da ajuda humanitária e da proteção civil são diferentes, eu acho que para quem está a ouvir isso faz sentido, não é? A ajuda humanitária tem a ver com ajudar em situações de guerra, em situações de, enfim, de crises humanitárias, não é? E a proteção civil, sobretudo, com desastres naturais e alguns criados pelo homem, mas tu dizias que elas cada vez mais se cruzam e eu fiquei curioso em relação a isso.
João Silva
Sim, eu posso te já dar alguns exemplos, mas ainda se envoltando dessa questão, portanto é uma situação que acontece, talvez ajuda humanitária, muitas vezes em zonas de conflito ou em zonas onde há tensões, digamos assim, políticas ou regionais, ao contrário da proteção civil que não tem tendência e não intervém em zonas de conflito. Isso não acontece. Mas depois há tal complementariedade e posso dar exemplo, por exemplo, que foi o ano passado, quando foi o grande terremoto de terra na Turquia e na Síria. Nas primeiras semanas foi acima de tudo uma missão de proteção civil, de salvar vidas, de remover escombros, de trazer abrigos, de pôr bocado as coisas a funcionar. E Depois, no longo termo, passa então mais pela ajuda humanitária e nós tivemos colegas que estiveram na parte turca, em Ankara, mobilizados, eu estive em Beiruto também com colega e a nossa missão, apesar de sermos da Proteção Civil, era fazer chegar ajuda humanitária à Síria, portanto às partes controladas pelo governo, à Cruz Vermelha da Síria. Portanto, há aqui esta complementariedade, quando se mete muita logística, transporte, em que a proteção civil pode ajudar a parte humanitária da casa e por isso trabalhamos muito uns com os outros.
José Maria Pimentel
Interessante, e pelo que eu percebo, Como tu dizias, nos casos de conflitos a Proteção Civil obviamente não intervém, mas nos casos de desastres naturais acaba por ser primeiro a Proteção Civil a intervir no desastre em si e depois a ajuda humanitária, enfim, nas consequências do desastre, digamos assim.
João Silva
Exatamente, exatamente. No passado era mais marcado, portanto, a Proteção civil eram operações de uma semana, de duas semanas no máximo e depois retirava-se e depois a bola passa para os nossos colegas do desenvolvimento ou da cooperação ou da ajuda humanitária, mas começa-se cada vez mais a esbater porque as crises cada vez mais prolongam-se mais no tempo E há muitas zonas em que nós podemos trabalhar em complementariedade com os colegas da ajuda humanitária. Por outro lado, eu disse que não intervimos em zona de guerra, mas isso também é algo que se está bocado a esbater com a situação na Ucrânia, portanto, foi também uma novidade para nós e é uma operação já que se mantém há dois anos, pelo menos, e vai continuar, pelos vistos, e de facto é algo que também não estávamos habituados e que tivemos que nos adaptar, que foi trabalhar e fazer chegar ajuda e equipamentos, etc. Às zonas em conflito e às zonas em tensão.
José Maria Pimentel
Através do braço, digamos assim, da proteção civil?
João Silva
Através do Mecanismo Europeu de Proteção Civil, exatamente.
José Maria Pimentel
Ok, então, boa. Então explica lá, era exatamente o que eu tinha de perguntar, porque uma das responsabilidades que vocês têm é a gestão e a coordenação do Mecanismo Europeu de Proteção Civil. Como é que ele funciona?
João Silva
Então, começando, portanto, primeiro por clarificar que a proteção civil não é uma competência comunitária, portanto é uma responsabilidade nacional, todos os Estados-membros, todas as nações são responsáveis acima de tudo pela primeira resposta, pela segurança dos seus cidadãos. A Comissão tem apenas papel de suporte, de coordenação, neste caso através do mecanismo, mas complementar o que é a primeira resposta dos Estados Membros. E, portanto, o mecanismo foi criado em 2001 como uma forma de trazer e de pôr todos os Estados Membros, e agora até mais do que os Estados Membros, juntos e ter ponto de contato aqui em Bruxelas, através do Centro Europeu de Resposta e Coordenação de Emergência, o ERCC. E, portanto, a ideia é teres centro onde concentres os 27, mais 10 atualmente, portanto temos o que nós chamamos de países participantes, que são países que estão fora da União Europeia, mas que pertencem ao mecanismo europeu de proteção civil. E os últimos a entrar foi precisamente a Ucrênia e a Moldávia, o ano passado a retificarem e a entrarem, mas temos por exemplo a Noruega, a Islândia, a Turquia, a Bósnia, a Albânia. E portanto, a grande vantagem é que tens ponto de contacto e em caso de problema no teu país, precisaste contactar a Europa, tens contato, tens e-mail, tens telefone, não tens que estar a mandar 37 e-mails a pedir ajuda, portanto mandas para centro, qual é que é o problema, o que é que precisas e depois a partir daí toda a coordenação é feita a partir de Vigelas e a partir do nosso centro. É mecanismo nascente na solidariedade, portanto os Estados-membros metem à disposição uns dos outros equipas, módulos, que é o que nós chamamos, o termo técnico, equipas ou capacidades, meios, peritos, etc. E portanto funciona nessa base de solidariedade, Estado-membro pede, o outro oferece, ou os podem oferecer, e assim vamos andando, ou fomos andando até 2017, até os fatídicos incêndios em Portugal que levaram à criação do Rescue. Falaremos bocadinho mais tarde.
José Maria Pimentel
Exato, já vamos ao Rescue. Mas portanto, pelo que eu entendo que tu explicaste, o mecanismo de proteção civil que foi criado em 2001, portanto não é tão antigo quanto isso, não é verdade? E a ideia é, por lado, coordenar a resposta entre vários países, ou seja, se por exemplo houver desastre em Portugal e tu precisares de reforços, a comissão atua aqui, não vou não perguntar aos países que têm excedente de meios para ajudar o país que está em déficit e por outro lado também ter ponto de contato único na União Europeia para fora, ou seja, para o caso de haver pedido de fora da União Europeia.
João Silva
Sim, portanto, isso é, tu castas num ponto bastante importante, que é o mecanismo responde na Europa, mas também responde em todo o mundo. Portanto, qualquer país no mundo pode ativar o mecanismo europeu ou até qualquer organização internacional. Portanto, as Nações Unidas, a Cruz Vermelha, portanto grandes organizações internacionais também podem ativar o mecanismo.
José Maria Pimentel
Aliás, eu tenho aqui, desculpe interromper-te, corrijo-me se este número estiver errado, mas eu estava a ver nos números de 2023 que houve 66 ativações e 47 foram fora da União Europeia, ou seja, a maioria, larga maioria, fora da União Europeia.
João Silva
Eu diria assim, dois terços talvez das ativações, nós vimos com uma média até 2019-2020, tanto antes de Covid, em 30 ativações por ano, 25-30. Após o Covid, claro, explodiu, passamos para volta das 100 ativações por ano, sendo que o Covid era maior parte das operações foram voos de repatriamento, mas a partir do Covid e conflito na Ucrânia passamos por uma média de 100 e poucas ativações por ano, sendo que quase dois terços de facto são fora da Europa.
José Maria Pimentel
É incrível, eu acho que é o tipo de coisa que a maior parte das pessoas não sabe, porque mesmo que vejas uma descrição geral do mecanismo, a pessoa assume que ele atua sobretudo dentro de portas, digamos assim.
João Silva
Sim, o objetivo primário é dentro de portas, mas como tu disses, funciona na base da solidariedade, portanto não fechamos a porta a ninguém, sempre que há pedido e maioritariamente fora. Se calhar também estamos bocado melhor protegidos em termos de proteção contra catástrofes na Europa, mas a verdade é que sim, dois terços são efetivamente fora. Sendo que algumas também às vezes são ativações, quando falamos em ativações, mas podem ser por exemplo missões de aconselhamento ou envio de peritos. Também acontece muito. Mas a maioria são, de facto, ativações com envio seja de bens, seja de equipas para a Europa.
José Maria Pimentel
Era isso que eu tinha de perguntar. Como é que o mecanismo ajuda estes países? Aliás, se quiseres dar, estas coisas vão ser melhores com exemplos. Se quiseres, se houver exemplo concreto que te venha à cabeça, deste ano ou anterior.
João Silva
Tenho exemplo do ano passado e que onde Portugal esteve envolvido, foi por exemplo os incêndios no Canadá. O ano passado o Canadá sofreu, e este ano já está outra vez, mas uma vaga terrível de incêndios, ativou, pediu ajuda ao mecanismo e o que nós fizemos foi, Portugal, Espanha e França enviaram cerca de 300 e poucos bombeiros através do mecanismo e nós o que fizemos foi coordenar com o Canadá e facilitar toda a logística E depois também o que acontece é que quando há ativações, seja dentro seja fora da Europa, enviamos o que nós chamamos aqui de oficiais de ligação, do mecanismo que no fundo vão para ajudar a fazer a coordenação entre o terreno e aqui no Shell, no fundo tratar de todos os problemas que há diariamente e no fundo ocupar-se dos destacamentos destas equipas no terreno.
José Maria Pimentel
Esse é exemplo interessante porque o Canadá ainda por cima não é propriamente país pobre, digamos assim. Portanto, isto mostra que mesmo em países desenvolvidos pode haver desastre natural e neste caso foi, acho que os piores incêndios de sempre, basicamente, que torna o país incapaz de conseguir responder, ele precisa de ajuda externa. É interessante, enfim, estou a olhar para isto vendo a coisa de fora, mas é interessante não existir nada a nível da ONU, por exemplo, que faça este tipo de coordenação, não é? E o Canadá ter de pedir à União europeia ajuda, não é? Quer dizer, por lado, dá-nos certo orgulho de ser europeus, mas por outro lado, vendo a coisa de fora, gera alguma perplexidade.
João Silva
Sim, mas a grande vantagem é que o mecanismo tem equipas, tem pessoas e, portanto, eu diria que é muito prático e responde, portanto, pedes ajuda e as equipas vão, enquanto a ONU não traz equipas dedicadas.
José Maria Pimentel
E não tem equivalente, provavelmente, não é?
João Silva
Não tem meio equivalente, apesar de também intervir nesta área das catástrofes e das que estão com organizações que têm, com a OSCE e com outras, mas não tem esta capacidade. Nós temos de mobilizar equipas e, por exemplo, dar exemplo, ano passado, quando foi o tomate na Turquia, nós enviamos equipas de busca e salvamento, tivemos quase 50 e tal equipas de busca e salvamento, a preparar, portanto, abrigos, água potável, etc, etc, etc, mas são equipas concretas, que vão dos países, que se metem num avião e que vão. Quando tivemos, por exemplo, a Cheia, aqui na Bélgica, Holanda e Luxemburgo, e também parte da Holanda, também vieram equipas aqui de toda a Europa, mas essencialmente aqui de perto, tanto da Itália, da Áustria, da Alemanha, a ajudar, e passa-se tudo num espaço de horas portanto muitas vezes isto coordenamos mas a reação é de facto bastante rápida quando acontece.
José Maria Pimentel
Isto é bom ponto para falarmos do rescue porque tu já aludiste há bocado ao facto de ter sido criado, pelo menos em parte, em resposta aos grandes incêndios de 2017 em Portugal. Mas não foi, quer dizer, está visto, não veio substituir o mecanismo, que continua a funcionar, por exemplo, neste caso do Canadá que nós vimos. Portanto, o que é que criou esta necessidade de ter uma, no fundo, uma reserva de capacidades europeias centralizadas e não dispersas pelos países, como é o caso do SQ?
João Silva
O ponto de partida, como te disse, foram os incêndios de 2017. Como te disse ao princípio, o mecanismo assenta na que nós chamamos de pulo voluntário, onde tens equipas, capacidades, de forma voluntária. O que é que aconteceu em 2017? Uma época terrível de incêndios, Portugal pede ajuda, ninguém pode oferecer ajuda, porque infelizmente também estavam os meios a ser precisos, Portugal pediu aviões, os meios também estavam a ser precisos em França, em Espanha, em Itália, portanto ninguém conseguiu responder, deu-se a tragédia que sabemos e aí aquilo tocou, aqui o Presidente da Comissão, na altura o Presidente Juncker, que disse que era inaceitável, que o Estado mesmo peça ajuda e que a Comissão não possa fazer nada, a única coisa que pode fazer é enviar condolências e que isso não podia ser. E, portanto, A partir daí decidiu-se que precisávamos de que nós chamamos de uma rede de segurança. Portanto, no caso do polo voluntário ninguém conseguia responder, ninguém conseguia ir, então nós precisamos de meios próprios de nós conseguirmos suprir essa carência que há no polo voluntário. O que acontece muitas vezes porque muitas vezes os meios estão em manutenção ou não podem porque estão sendo necessários, portanto, no Estado Membro de onde vêm e, portanto, decidiram-se avançar com a criação desta rede de segurança, o Rescue, que começou com os fogos, isto portanto depois envolveu, claro, alterar a legislação, etc., mas foi extremamente rápido, isto foi em 2017, nós em 2019 tínhamos a legislação pronta e começámos logo a trabalhar. Sim, é muito rápido. Muito rápido. Dos catalisadores também, curiosamente, foi os incêndios na Suécia em 2018, que em 2017 Tivemos o sul da Europa, tivemos Portugal, Grécia, incêndios terríveis. Os países de Norte da Europa estavam bocado céticos, mas aqui já estou a tocar na parte das alterações climáticas, mas em 2018 também tivemos incêndios brutais na Suécia e penso que isso foi o catalisador em que nos apercebemos que, de facto, isto deixou de ser problema do clube médio e é risco para o União Europeia. Hoje em dia temos incêndios de norte a sul da Europa, não é? Tínhamos dúvidas e é mais que evidente. E, portanto, isso acelerou, de facto, a criação e a vontade política de todos os Estados-membros de criarem esta rede de segurança, que começou com os aviões para os fogos, mas depois também muito rapidamente evoluiu, portanto veio o Covid e começámos a avançar para a parte médica, para a parte do que é o armazenamento de equipamento médico, seja máscaras, seja aparelhos médicos, etc. E depois com o conflito na Ucrânia também, avançamos para outras áreas que não pensávamos há 3 ou 4 anos, como os abrigos, como energias, geradores, tudo o que é laboratórios para análise de ambientes químicos, radiológicos e nucleares, ou equipas de controlo, o armazenamento também de contramedidas para este tipo de riscos, portanto áreas que fogem bocado do que era tradicional a nível de proteção civil, os clássicos incêndios, termos de terra, etc. Portanto estamos, de facto, numa expansão para outras áreas, bocado fruto dos acontecimentos que estamos a viver.
José Maria Pimentel
Ou seja, no fundo houve aqui dois movimentos. Houve movimento de criação de recursos a nível centralizado, para além dos que existem dispersos entre cada país, ou seja, criar uma pool de recursos, e depois também houve uma expansão do espectro, que é o que estás a descrever agora, desses mesmos recursos para lá da proteção civil clássica.
João Silva
Sim, é curioso, estamos a assistir de facto a transformar do mecanismo, expandir de áreas de atuação do mecanismo que não tínhamos. Só para explicar bocado o conceito do RESCUE, Os meios são da comissão, ou são adquiridos pela comissão, mas não faz sentido a comissão operar aviões ou manter estes toques. Portanto, o princípio base é nós atribuímos uma subvenção ao Estado Membro, o Estado Membro adquire, faz a gestão, mas o controle do meio é a comissão. Portanto, neste caso, o poder de decisão fica com a comissão sobre enviar ou sobre ativar ou sobre mobilizar meios de armazém etc.
José Maria Pimentel
Ou seja, o poder de decisão está centralizado mas a gestão operacional está descentralizada, não
João Silva
é? Exato, exato. Sendo que o poder de decisão, quer dizer, é a comissão que toma a decisão, mas obviamente em consonância ou em consulta com o Estado Membro, porque o caso dos fogos, eu não trabalho, é mais fácil de falar, vamos supor que o Estado Membro pede ajuda, o Estado ao lado tem meios do SQU, tem aviões do SQU, mas também está a precisar, obviamente não vamos mobilizar se no outro vizinho do lado temos meios disponíveis. Portanto, é preciso fazer bocado esta gestão.
José Maria Pimentel
O que não dá é, digamos, direito de precedência para a utilização desses meios do país que calha estar a geri-los. Exato. No fundo é isso, não é? Ou seja, Porque até agora o que acontece é, se Portugal tem o conjunto de meios de bombeiros, de aviões, enfim, seja o que for, obviamente têm direito antes de mais a usá-los como entender e depois pode ajudar outros países. O que acontece neste caso é, obviamente, ter em conta a situação por que cada país esteja a passar, mas se por acaso Portugal calhar estar a gerir a frota de aviões, vamos supor, não tem direito a precedência sobre eles, não é? Em relação à Espanha, por exemplo.
João Silva
Bem, é bocadinho mais complexo. É assim, neste caso específico dos aviões, o que estamos a fazer é equipar aviões, bombardeiros médios, anfibios, no sul da Europa, aviões mais ligeiros no Norte e helicópteros. Estes meios são pertença da Comissão, ou são, quando nós atribuímos o subsídio ao Estado Membro para adquirir, mas eles são pertença da Comissão, mas o Estado Membro pode usá-los para fins nacionais. Portanto, quando eles não estão a ser mobilizados para o RSQ, podem ser usados e devem, porque não faz sentido ter os aviões parados se tens fogos à porta de casa, portanto os meios são usados a nível nacional, mas quando há necessidade de serem ativados por RSQ o Estado mesmo tem então que os enviar.
José Maria Pimentel
É caso muito interessante este porque toca aqui em vários temas que eu diria que estão na ordem do dia. Por lado, e já vou-vos falar disso em mais detalhe, a questão das alterações climáticas, que veio mostrar, como tu dizias, veio mostrar que, de repente, para dizer isto em termos muito técnicos, a probabilidade de desastre natural ocorrer em vários países deixou de ser evento independente, não é que ele fosse completamente independente, obviamente, mas passou a ser menos independente do que era porque tu tens, no fundo, uma causa como as alterações climáticas que vai tender a gerar desastres deste tipo, não digo no continente europeu como todo de uma vez, mas pelo menos em zonas alargadas. E depois tens aqui esta vontade europeia de fazer esta agregação de recursos, que é uma coisa que tem acontecido também noutras áreas, estou a me lembrar só do PNR, por exemplo, e que até há poucos anos era uma coisa bastante difícil de acontecer e aqui, como tu dizes, até aconteceu muito rápido, é caso muito interessante nesse sentido.
João Silva
O catalisador, já falamos do catalisador, mas sim, de facto, aconteceu rápido e penso que os Estados-membros estão a ganhar consciência que é uma coisa que faz sentido, porque são meios caros e que faz sentido ter em comum, gerir em comum e, portanto, partilhar, de certa forma, a disponibilidade destes meios a nível mais supranacional, se quisermos. Não esquecendo, claro, que o Estado mesmo é sempre responsável pela primeira resposta ao objetivo do SQU, ou do mecanismo, não é substituir a primeira intervenção dos Estados mesmos, é sempre, vem sempre como segunda ou terceira camada, portanto, em caso de o Estado mesmo necessitar de ajuda, porque as capacidades nacionais não chegam ou estão sobrecarregadas.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Sim que é o que faz sentido, na verdade. Só para quem está a ouvir ter uma ideia, como é que comparam, atualmente, os recursos do RESCUE com os recursos despertos pelos países, digamos assim.
João Silva
É difícil fazer uma comparação. O nosso objetivo não é, digamos, comparar diretamente, mas é ser complementar.
José Maria Pimentel
Claro, mas eu entendo. Estou a tentar perceber a dimensão, no fundo, comparada.
João Silva
Sim, sim. Não, é procurar áreas onde faça sentido termos meios comuns e meios partilhados e portanto intervir nessa área. Nós não fazemos nada de nossa vontade, portanto, temos grupos de parítios e grupos de trabalho e portanto Cada vez que decidimos avançar é sempre porque houve consenso geral de que, sim senhora, devemos avançar para esta área, devemos desenvolver esta capacidade. E têm sido sempre assim mobilizados, infelizmente, por 2017, pelo Covid, pelo conflito na Ucrânia, mas tem sido esse o motor, bocado, do desenvolvimento do Rescue.
José Maria Pimentel
E nós já passámos várias vezes ao lado da questão das alterações climáticas, vale a pena falar disso em particular, porque no fundo era aquilo que falámos há bocadinho, as alterações climáticas vieram gerar efeitos que tendem a acontecer em mais de país ao mesmo tempo, que foi o que eu referi à bocado, mas também para além disso, e mais importante, vieram a aumentar o número e a intensidade deste tipo de desafios em números absolutos, porque aumentaram a frequência e a gravidade deste tipo de catástrofes para que a proteção civil serve, com o que a proteção civil tem que lidar.
João Silva
Sim, e eu adicionaria se calhar a imprevisibilidade também, porque cada vez vemos estes fenómenos aparecerem às vezes em alturas do ano em que não estamos à espera. Eu lembro o ano passado que foi outra vez ano complicado de incêndios, nomeadamente na Grécia, mas o primeiro grande incêndio complicado que tivemos foi em Espanha, penso que em Fevereiro. Portanto, completamente fora do que será a época tradicional de incêndios. Tivemos o caso da Grécia, que tivemos o maior incêndio registrado em solo europeu, quase 100 mil hectares, no final de Agosto, e o incêndio Durou quase duas semanas, estamos quase na fase de extinção, então estávamos a desmolinizar os meios e tivemos as piores cheias, na mesma altura, as piores cheias na Grécia, na mesma semana. Portanto, passamos de factos extremos. Incrível. Na altura, os colegas gregos, para se pegar as mãos na cabeça e dizer o que é que temos de fazer? É de facto uma imprevisibilidade e sentiram-se bocado não de mãos atadas, mas perplexos também, não sei se será a palavra, mas de facto é bocado abismado, depois duas catástrofes que se abateram num espaço de duas semanas sobre o país.
José Maria Pimentel
E duas catástrofes mais ou menos opostas, não é? Ou pelo menos que a pessoa tenderia a achar opostas.
João Silva
E completamente opostas. Mas tem sido este bocado o panorama, se calhar vou tocar sempre quase mais na tecla dos incêndios, mas pronto, temos vindo a assistir de facto a aumento das áreas ardidas, sobretudo aqui no centro e norte da Europa. E o Estorna Bélgica, por exemplo, e vejo de ano para ano, é óbvio que a dimensão em comparação com Portugal em termos de área ou com o solo da Europa, é menor, mas em termos de ambiente, de área ardida, as porcentagens são muito maiores, porque começamos a ver incêndios com muito mais frequência aqui no centro e norte da Europa. E depois temos, claro, o fenómeno das cheias, penso que este ano também tem sido, pelo menos aqui na Europa Central, tem sido bastante investigada e é dos problemas recorrentes, apesar de, diria, que estarmos bem equipados a nível do mecanismo para isso, mas nunca é demais. E penso que sim, que têm sido os fenómenos assim que mais nos têm investigado e alertado.
José Maria Pimentel
Tu agora tocaste aí num ponto importante, porque as alterações climáticas para lá de produzirem desastres mais graves, mais frequentes e mais imprevisíveis, outra característica que têm, que aliás foi tema até de episódio recente aqui no podcast, ou foi falado num episódio recente, é que geram impactos desiguais com a sua teoria de geografia. E mesmo sendo a Europa, obviamente, se a pessoa olhar para o mapa mundo e continente relativamente pequeno, a verdade é que eu imagino que os impactos também não sejam os mesmos em todo o lado. Ou seja, imagino, e vocês vão ter já olhado para estes números, que há países que estão a ser especialmente fustigados por estes desastres, enquanto outros, se calhar, comparativamente, têm sido relativamente poupados, não?
João Silva
É bocado difícil fazer assim mapeamento, digamos assim, das áreas de risco. Temos obviamente áreas onde há mais probabilidade ou temos tido mais foco, como a nível de inundações, por exemplo. Mas é difícil fazer assim, generalizar. Falei, por exemplo, do Canadá, nunca estávamos à espera, já Sabemos, obviamente, que tem imensos incêndios e que são áreas mortais comparado aqui com a Europa, quando fazemos a comparação, mas nunca pensaríamos que chegasse ao nível que chegou. Mas é difícil fazer assim uma zonagem, digamos, das zonas mais complexas a nível de impacto das alterações e a relação com a proteção civil.
José Maria Pimentel
E depois também não acabou isto, digamos que o filme está longe de ter acabado. Exatamente. Tu podias fazer essa análise para este ano, mas se calhar nos próximos anos há país que tem sido relativamente poupado.
João Silva
Exatamente, depois aparece sempre onde tu não estás à espera. Dito o exemplo da Grécia, que estávamos com os fogos e na mesma semana, bomba, as maiores cheias que tinham registado. Tivemos a Eslovénia também, tivemos também há 3 ou 4 anos o Tumor Terra, com pouco impacto, mas em Zagreb, na Croácia, portanto é sempre bocado imprevisível. Temos neste momento, só duas de manhã, está a haver uma crise císmica também em Itália, portanto é muito difícil fazer. Obviamente que há países que têm mais riscos do que outros. Os países da Bacia Mediterrânea, que ali, agora falei em Itália, mas Itália, por exemplo, tem uma série de riscos, e ali os países balcânicos também. Mas depois é difícil fazer o mapeamento
José Maria Pimentel
de impacto. Claro, na verdade é evidente que os países do sul da Europa, que são países mais quentes, tenderão a ter mais incêndios, a ter mais fogos. A minha pergunta tem a ver com algo que é muito mais difícil de prever, como estavas a dizer, que é o diferencial entre essa tendência ou prevalência de fogos nesses países anteriormente e agora o que podemos esperar no pós, enfim, neste mundo de alterações climáticas, não é? E é muito mais difícil.
João Silva
Sim, sim, sem dúvida, sem dúvida. Apesar de, falando em Portugal, temos vindo a assistir, eu penso que desde 2017, uma ligeira redução, uma redução da área ardida e do número de ignições, o que é bastante positivo e penso que é o impacto de certa forma das medidas que têm sido implementadas e do despertar de consciência de certa forma sobre este risco.
José Maria Pimentel
Vocês conseguem fazer algum tipo de, ou tentam fazer algum tipo de previsão, ou seja, imagina, a planear o ano tentam fazer algum tipo de previsão de onde é que os recursos é mais provável de serem necessários?
João Silva
Nós temos alguma capacidade de antecipação e de previsão e fazemos esse trabalho, eu diria não numa escala pequena, numa escala mais micro, isso é feito a nível dos Estados-membros, obviamente, mas tentamos sim fazer uma previsão mais macro, uma tentativa de evolução, de perceber o que é que está a passar e o nosso Instituto Científico, entre aspas, o JRC, os nossos colegas em INSPR, temos uma série de instrumentos de alerta precoce, nomeadamente para incêndios, para cheias, e portanto tentamos fazer bocado esse trabalho de antecipação, de alerta aos Estados-membros e de muitas vezes de pré-posicionamento de meios, também acontece, ou de distribuição. E na parte dos focos, fazemos depois durante a época dos focos, temos aqui equipas de peritos dos Estados-membros, que vêm fazer rotações de duas semanas e que nos analisam, nos ajudam a analisar e a fazer essa análise bocadinho mais fina em contato com os Estados Membros. Para além disso, fazemos também muitas videoconferências com os Estados Membros, fazemos uma vez por semana na época dos focos, precisamente para antecipar, tentar antecipar normalmente às quintas-feiras o que é que vai ser o fim de semana, o que é que os Estados Membros nos dizem em termos de análise fina, de previsão para os próximos dias, de disponibilidade de meios, etc., por forma a tentar fazer algum trabalho possível de antecipação, se necessário.
José Maria Pimentel
E o RESC-EU também atua para fora como mecanismo? Ou seja, também é usado para socorrer, digamos assim, países fora da União Europeia?
João Silva
Boa pergunta. O RISK EU foi criado maioritariamente ou na base…
José Maria Pimentel
Porque ele chama-se RISK EU, não é? Exatamente.
João Silva
Como camada de intervenção, mas a nível europeu. No entanto, a legislação permite que se houverem cidadãos europeus em risco em alguma parte do mundo, o SQIU poderá intervir fora da Europa. E posso já dar dois exemplos. Por exemplo, no ano passado tivemos uma ativação de incêndios na Tunísia e havia cidadãos franceses e, portanto, houve uma ativação de mecanismo para incêndios e tivemos, depois, em novembro, com o repatriamento de cidadãos europeus, quando se começou o conflito na faixa de Gaza, a evacuação de cidadãos europeus e, portanto, pusemos autocarros sobre a alçada Rescue a fazer o transporte de cidadãos da fronteira até o Cairo. Portanto, dois exemplos de intervenção do Rescue fora da Europa, sendo que, maioritariamente, a prioridade é a intervenção na Europa.
José Maria Pimentel
Sendo que, No caso de Gaza, a União Europeia tem tido uma intervenção humanitária muito para o lado do Rescue, não é? Ou seja, o que está a dizer é apenas o papel do Rescue, mas tem havido muita intervenção desta área em Gaza nos últimos tempos.
João Silva
Sim, sim, sim. Temos colegas que estão permanentemente no cargo, já desde novembro. Estamos a fazer o que chamamos de pontes humanitárias e, portanto, a organização de voos e de logística para fazer a chegada da ajuda humanitária à faixa de Gaza.
José Maria Pimentel
É engraçado porque tanto pela via do mecanismo de proteção civil como do rescue, tem havido uma série de intervenções nos últimos anos que eu acho que, quer dizer, falo por mim, eu acho que a pessoa não tem noção de que elas são coordenadas a nível europeu, digamos assim, ou seja, a pessoa assume que elas ocorrem a nível dos Estados individuais quando ocorrem dentro da União e sobretudo estes casos externos, como eu dizia há bocado, eu acho que na verdade são a maioria, como nós vimos, a pessoa não tem noção de que eles acontecem. Eu estava com vontade de puxar por ti para falar-te de mais alguns casos específicos, estava a pensar como é que se perguntava isso. Se calhar uma maneira gira, ou ângulo gira de olhar para isso, pode ser perguntar-te destes casos dos últimos anos em que houve intervenção, Normalmente fora da União Europeia. Não sei se me consegues dizer caso para o qual vocês olhem como algo correu excecionalmente bem, quase motivo de orgulho recorrente em reuniões daquele caso que era desafiante e correu tudo bem. E, por outro lado, ou no sentido inverso, caso para que vocês olhem como caso de lessons learned, de caso em que as coisas não tenham ocorrido como planeado e depois vos tenha ao mesmo tempo, quer dizer, no fundo é sempre o único lado bom deste tipo de coisas que é a pessoa conseguir tirar lições para depois em resposta a casos semelhantes no futuro conseguir fazer as coisas de maneira diferente. Faz sentido este ângulo?
João Silva
Faz sentido, sinto que é uma pergunta difícil, por acaso correram mal, não me estou. Há sempre situações, quer dizer, todas as ativações têm o seu tipo de problemas, o seu tipo de desafios e isso é uma coisa que fazemos sempre, depois de cada ativação é lessons learned, é exercício de primeira quente e depois normalmente fazemos de uma forma mais global, pelo menos uma vez por ano fazemos sempre lesson's learn dedicado exclusivamente aos fogos florestais. O ano passado foi fogos florestais e inundações, mas é algo que fazemos sempre. Depois de cada ativação há sempre retorno de experiência e uma discussão.
José Maria Pimentel
Isso é interessante. Agora deixa-me perguntar-te sobre isso. Ou seja, vocês vão olhar para cada ativação e vão ver não apenas o que correu bem, mas também o que correu mal. Ou seja, vão analisar de tudo o que foi feito, o que é que correu bem e é para manter, o que é que correu mal e é para eliminar. E se calhar, aspectos que correram bem, mas por sorte, digamos assim. Ou no sentido inverso, aspectos que correram mal, mas podiam ter corrido bem, quer dizer, não é que vocês tenham planeado especialmente mal, é que havia uma confluência de fatores que levou a que a coisa corresse mal.
João Silva
Sim, sim, disseste bem. Eu penso que nós tentamos, acima de tudo, é olhar para o que correu mal, ou para o que poderia ter corrido melhor, porque é isso de facto que faz evoluir o mecanismo e que nos faz evoluir. E uma das peças do mecanismo é não só estas lições aprendidas e estes upgrades e melhoramentos que vamos depois fazendo, como é toda a formação, porque há todo componente de formação que não se vê, mas que está na sombra, mas que é também dos pilares do mecanismo. É toda a formação que fazemos ao longo do ano, com todos os Estados-membros, com equipas, seja exercícios mais simples, que nós chamamos de tabletops, bocadinho mais de papel, até verdadeiros exercícios que nós chamamos de full-scale e modex, onde de facto metemos as equipas no terreno a trabalharem em conjunto e isso de facto depois facilita muito. Mas voltando aos Lessons Learned, de facto é o nosso mantra, depois de cada intervenção, discutir, sem papas na língua eu diria, discutir sobre o que é que correu mal, o que é que teria corrido melhor e depois a partir daí cada tira as suas conclusões e fazemos os melhoramentos necessários. E eu diria que em geral corre bem, quer dizer, não me recordo assim de algo que tenha corrido particularmente mal. Obviamente depois há situações mais complexas, ativações mais complexas, mais desafiantes, outras mais simples no sentido de serem mais clássicas para a proteção civil. Que tenha corrido mal não, mas mais complexas o exemplo, por exemplo, da Ucrânia, país em guerra, portanto, onde é difícil nós intervirmos.
José Maria Pimentel
E algo completamente novo, não é? Em vários aspectos.
João Silva
O desafio foi criarmos o que nós chamamos de hubs. Portanto, criámos na altura, no pico, criámos, ou logo ao princípio criámos, na Roménia, tivemos também, e temos dois na Polónia, Para, por lado, logístico, para fazer chegar ajuda, para fazer chegar geradores de energia, tudo o que seja necessário e que nós consigamos, obviamente, fazer chegar. E outro, hub médico para fazer evacuações médicas da Ucrânia, isso é algo que acontece com muita regularidade. Temos avião de evacuação médica da Noruega, também a Rescue, e que vai fazendo pontos aéreos entre este tabo médico na Polónia e as várias capitais que decidem apelhar pacientes ucranianos.
José Maria Pimentel
E isto também vos coloca, como nós falámos no início, a fronteira entre a prestação civil e a ajuda humanitária. Esbate-se bastante. Esbate-se bastante, não é? Isso também vos faz ter protagonismo nesta área que já toca na ajuda humanitária bastante maior do que tinham até aqui, quando isso era feito, sobretudo de maneira indireta, não é como tu dizias no início.
João Silva
Sim, exatamente. Para te dar outro exemplo, estes hubs foram criados há dois anos, mas começam a ficar estruturas permanentes, quer dizer, já algo que nós estávamos habituados. Outra situação, para te dar exemplo, é o Correio Marítimo a partir de Chipre, para fazer chegar ajuda humanitária a Gaza também. Também estamos a estabelecer hub logístico, estamos a ajudar as autoridades chipriotas e estamos também a ter colegas lá em permanência, juntamente com as Nações Unidas, com os Estados Unidos, com as autoridades cipriotas, de forma a estabelecer também lobo logístico e, portanto, algo também que começou em novembro, ou essencialmente em novembro do ano passado e que se tem começado agora a internizar, portanto, cada vez mais complexo a área de intervenção.
José Maria Pimentel
E a sensação com que eu fico a ouvir-te é que esta expansão dos recursos e da intervenção europeia tem que ver certamente com aumento do número e da intensidade dos desafios, sobretudo, mas não só por causa das alterações climáticas e também no caso da Ucrânia e de Gaza com a guerra, mas eu fico com a sensação que também tem que ver com uma certa mudança de perspectiva, digamos assim, ou seja, eu também leio aqui alguma vontade da União Europeia ter uma intervenção mais assertiva nestas áreas, nestas duas áreas da proteção civil e da ajuda humanitária externamente. Ou seja, é verdade que os desafios aumentaram, mas também parece haver aumento da assertividade europeia, digamos assim, ou seja, uma vontade de intervir mais.
João Silva
Sim, vontade de intervir dentro dos limites e aí é também bocado vítima do sucesso do mecanismo, porque de facto as pessoas veem que quando recorrem ao mecanismo que as coisas funcionam e que...
José Maria Pimentel
Os clientes voltam, não é?
João Silva
Os clientes infelizmente voltam. As crises não, as crises sucedem-se, mas as pessoas veem resultados e veem respostas, sobretudo. Acima de tudo veem isso.
José Maria Pimentel
Isso é interessante, aliás. É uma boa ponta para o último tema que eu queria falar contigo, que é olhar para o futuro. Olhando para o futuro, há desafios que se vão manter e provavelmente vão intensificar, nomeadamente estes das alterações climáticas. O que é que tu achas que falta fazer, tanto a nível dos países como a nível europeu?
João Silva
É uma pergunta bastante complexa, que chega numa altura interessante, porque vamos ter para a semana, no dia 4 e 5, vamos ter o Fórum Anual da Proteção Civil, E é onde batemos muitas vezes estas questões, porque nós, como disse a Comissão, a proteção civil não é uma competência comunitária, não é uma política comunitária. Exato, exato. Nós avançamos, digamos assim, até onde os Estados mesmos decidirem que seja necessário, que seja possível o que eles querem que nós avancemos. Nós, obviamente, se calhar faríamos mais, também temos que ver a questão orçamental, não é?
José Maria Pimentel
Exato, exato. Sim, porque o Rescue, por exemplo, exigiu mais recursos.
João Silva
Muito mais recursos e, portanto, temos sempre esse limite pessoal e de dinheiro, como todas as instituições e como os governos.
José Maria Pimentel
Sim, de conforto político, claro.
João Silva
A questão é que temos cada vez mais crises e sobretudo cada vez mais crises que se prolongam no tempo, portanto, que nos consolem bastante.
José Maria Pimentel
E crises que tocam o continente ou vários países de uma vez, não é? Que é essa questão importante,
João Silva
não é? Sim, sim. Mas relativamente ao futuro, assim, muito por alto, o que é que temos a discutir, ou a pensar discutir, a pensar e a discutir com os Estados-membros é, eu não diria não dar mais poder ao mecanismo ou ao Centro Europeu de Coordenação de Resposta de Emergência, mas centralizar mais, se calhar, a nível da comissão, tudo o que é resposta à crise aqui no centro, porque, de facto, as pessoas veem que, como eu te disse, é centro que responde, que tem uma rede de contatos brutal a nível dos Estados Membros e dos Estados Participantes e que atua muitas vezes numa questão de horas, portanto as pessoas vêm em resposta.
José Maria Pimentel
Que é uma variável importante, a questão do tempo.
João Silva
É, não tem exemplos, mas a nível dos fogos muitas vezes estamos de facto a falar de horas. O Estado Membro na Grécia pediu ajuda às 7 da manhã e ao fim da tarde os aviões já estavam a trabalhar, os aviões franceses e italianos já tinham chegado à Grécia e já estavam a trabalhar, portanto no espaço de 3 horas os aviões descolam e está tudo pronto a andar. Mas dizer, portanto, uma expansão bocado das responsabilidades do centro de crise, Até só que está em discussão, isto não é a minha opinião pessoal, é bocado da discussão que estamos a ter com os Estados-membros, é de facto, se faz sentido concentrar mais o que seja a resposta à crise, em que algumas áreas, por exemplo, está aqui espalhada na Comissão, como por exemplo a área consular, que é também uma responsabilidade dos Estados Membros, mas onde o mecanismo também pode intervir muito, e aqui com os colegas do Serviço Europeu de Ação Externa. E portanto temos assim várias áreas que poderíamos abarcar nós, obviamente que isso depois terá consequências a nível pessoal e etc, mas isso são outras discussões. A nível do mecanismo, temos vindo a meter bocadinho mais de foco também no que é a prevenção e a preparação. Eu penso que a nível de resposta estamos bem equipados, obviamente quanto mais módulos tivermos equipas, etc, melhor. Mas de facto acho que nos últimos 5 anos, o Rescue T5 anos, foi de facto passo enorme que demos, grande salto em frente. E agora temos que pensar também na segunda fase, que é manter tudo isto a funcionar. Porque nós criamos isto, mas é preciso manter os armazéns, vai ser preciso manter os aviões operacionais, etc. Portanto, temos esse desafio no futuro, que é manter o... E quando digo desafio, digo orçamento, não é?
José Maria Pimentel
Exato. Que eu ouço mesmo.
João Silva
Exato. Mas dentro de pouco Vamos começar a discutir o próximo ciclo de orçamento aqui da comissão, a partir de 27, mas as discussões começam sempre uns anos antes. E essa é uma das questões que nós temos, nós queremos estima-lhes todos, mas isto agora para se pardonizar no tempo vamos precisar, obviamente, de orçamento para isto. O centro de crise, bocado, expandir bocado, ou pelo menos se calhar bocadinho mais de responsabilidade. A nível de equipas penso que temos uma paleta já enorme de áreas de intervenção e de experiência, de peritos, e estava-te a dizer falar bocado na prevenção e na preparação, portanto manter tudo o que é exercícios. E a nível da preparação, o que fizemos foi há dois anos lançamos os Objetivos de Resiliência, que são objetivos voluntários para os Estados-membros, mas que no fundo são metas que nós pensamos que os Estados-membros deveriam atingir a nível de resiliência e que tocam não só a resposta mas também a prevenção, os mecanismos de alerta precoce, etc. Portanto, dar bocado de indicações. Isto claro, discutindo com os Estados Membros, o objetivo não é impor estándares ou mínimos europeus ou coisa que se pareça, é de facto discutir qual seria o nível ideal comum de resiliência nestas diferentes áreas.
José Maria Pimentel
Boa, excelente João. Eu gosto de fazer esta pergunta sempre no final e este tema está mesmo a pedir. Há alguma coisa que eu não tenha perguntado e que tu achas importante falar.
João Silva
Falaria só do pré-posicionamento de bombeiros, que é conceito interessante, bocado de antecipação, que temos vindo a desenvolver, que começou há três anos, começou como uma experiência piloto, troca de experiências, troca de peritos entre Estados-membros e que agora ao fim de três anos começa a cimentar-se como uma prática bastante interessante. No fundo o princípio é, equipas do Norte da Europa vêm até o Sul da Europa e são pré-posicionadas este ano em quatro países, vamos ter Portugal, Espanha, França e Grécia, e estas equipas vêm e portanto a ideia é que haja troca de experiências, haja troca
José Maria Pimentel
de conhecimento, de
João Silva
informação, de conhecimento, uma vez que isto é risco que, como já falamos, cada vez sobe mais para o Norte da Europa, portanto que haja troca de experiências e discussão, mas que as equipas também intervenham, se possível, no terreno, que é o que tem acontecido e aconteceu ano passado em Portugal. E portanto estas equipas vêm, fazem turnos de duas, três, quatro semanas, vão trocando e no fundo ficam no Estado Membro. Este ano vamos ter 12 países participantes, aleijados em 4 Estados Membros, total de quase 600 bombeiros.
José Maria Pimentel
Estados Membros, desculpa, do mecanismo aos Estados Membros europeus.
João Silva
Do mecanismo, dos Estados Membros. Os europeus mais ex. Mais ex, exatamente. Temos a União Soviética do Norte, por exemplo, que participa este ano também. Mas, portanto, a ideia esta é troca de conhecimentos, troca de experiências, não é obviamente reforçar o mecanismo. Em Portugal vamos ter, penso que, 64 ou 65 bombeiros durante duas ou três semanas de verão. O objetivo não é, obviamente, reforçar o mecanismo, não faz sentido. Até porque estas equipas vêm e são, de certa forma, necessitam de acompanhamento, tem que se tratar delas, é preciso logística, portanto não são fardo entre aspas, mas é preciso rumo a algum tempo ao estado que acolhe. Mas a ideia é esta, de facto é trocar experiências e é aqueles que depois partam com outras ideias e com outras experiências para o Norte e a Europa e só ao fim de três anos já se começa a ver, as equipas vêm mais preparadas e já sabem o que é que contam, entretanto já adaptaram as suas normas operacionais, por exemplo, no Norte, já adaptaram o seu equipamento, proteção individual, por exemplo, coisas simples como isto e, portanto, pouco a pouco, aumentar este exercício que tem sido bastante interessante.
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante porque isso, aliás, até era uma ideia que teria aplicações noutras áreas, ou noutras áreas muito para o lado do nosso tema de hoje, porque no fundo isso permite uma espécie de nivelamento por cima pelo que cada país é melhor a fazer, não é? Neste caso, os países que estão mais habituados a lidar com incêndios tenderão a ter mais conhecimento nessa área.
João Silva
Exatamente. O objetivo não é uniformizar, não é uniformizar modos de operação, não é uniformizar equipamentos, etc. É apenas pôr em confronto diferentes realidades, diferentes experiências e o facto de que cada beba e leva o melhor dos outros e evolua no fundo e de facto expandir. Não sei onde é que isto poderá acabar, mas todos os anos temos vindo a ver aumento de países interessados em participar, aumento do número de bombeiros envolvidos. Penso que obviamente nunca será, já chamamos isto pré-posicionamento, mas no sentido mais de troca de experiências, não de primeira resposta. Não sei, tenho havido bastante apetite dos Estados-membros, tem sido uma experiência bastante interessante e vê-se que ao fim de três anos as equipas vêm, já estão integradas, já conhecem melhor o sistema e, portanto, as coisas começam a rolar de uma forma mais fluida, que é também o que vemos com os nossos exercícios que fazemos, no mecanismo. Fazemos bastantes exercícios entre as equipas e quando há uma intervenção verdadeira as equipas já praticamente já se conhecem ou alguém já esteve sempre com alguém numa formação e, portanto, isso parece que não, mas facilita imenso porque as pessoas chegam a cumprir meios de uso e começam logo a trabalhar, não estão a discutir, porque a maneira de trabalhar dentro do mecanismo é mais ou menos uniforme, portanto as pessoas conhecem os meios, apesar de falarem línguas diferentes, mas a maneira de se trabalhar é muito similar e, portanto, Isso facilita imenso.
José Maria Pimentel
Isso faz uma diferença gigante, sim, sim, sim. Eles chegarem e já estarem todos na mesma página para traduzir diretamente uma expressão inglesa,
João Silva
não é? Sim, sim, sim. E se visse por exemplo intervenções gigantes como tivemos na Turquia o ano passado em que tivemos cinquenta e tal equipas e a coisa correu às mil maravilhas porque todas as equipas sabem no fundo dentro do sistema onde é que se integra, onde é que estão, o que é que têm que fazer, a quem é que respondem, etc. Portanto, isso de facto é brilhante. É muito giro ver na prática como é que as coisas funcionam e a fluidez que se atingiu ao longo destes anos.
José Maria Pimentel
E deve ser uma alteração gigante face ao que havia entre 2001 e uma mudança grande nas últimas duas décadas e que acelerou muito nos últimos anos, não
João Silva
é? Correto, exatamente. E infelizmente a tendência penso que será de continuarmos com este aumento.
José Maria Pimentel
Sim, por causa destes desafios que nós falamos, causados pelas alterações climáticas. João, obrigado, foi muito interessante ficar a conhecer o que vocês têm estado a fazer.
João Silva
Foi enorme prazer.
José Maria Pimentel
Enfim, há uma série de coisas que eu confesso que não sabia e imagino que quem nos está a ouvir também não soubesse. Por isso foi muito interessante, olha, Obrigado.
João Silva
Ficou convido para visitares aqui o centro da próxima vez que vieres a Bruxelas. Foi prazer enorme falar contigo.
José Maria Pimentel
Obrigado. Obrigado. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua Para a continuidade e crescimento deste projeto, no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.