#164 Teresa Oliveira [vídeo] - Coaching profissional em empresas: ética, natureza humana,...
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45 Graus Express, uma seleção dos melhores momentos de cada episódio do
podcast 45 Graus. Consultem a descrição deste episódio para saber mais sobre
o convidado ou a convidada da conversa que vão ouvir agora. Até
já! E essa questão da literacia emocional é engraçada, por acaso. Lembro-me
até de dos artigos que tu me mandaste para esta conversa que
falava da autora, a Salveu, ela chamava-lhe de profile awareness, quer dizer,
no
fundo termos noção seja de nós próprios, seja dos outros e o
que ela descreveu eu achei interessante porque ela descrevia que essa noção
era em muitos casos muito rudimentar
nas
pessoas e isso por acaso levou-me a pensar numa coisa, eu não
sei qual é a tua opinião sobre isso, que é a popularidade
que têm nas empresas aquelas ferramentas de recoleção de personalidade, que em
certo sentido parece contrariar isto, porque mostra que as pessoas estão cientes
da importância da personalidade e têm vontade de perceber, mas na prática
o que eu sinto é que paradoxalmente parece que as pessoas têm
uma apropriação enorme para pegar naquilo não como uma janela para compreender
as diferenças de personalidade, mas mais como uma ferramenta para nos pôr
todos em caixinhas, que normalmente são poucas e são simplistas porque são
caixas, são tipos, e fica ali o assunto arrumado. E depois as
pessoas acham que eu sou... Muitas vezes tem cores... Até tem lado
meio infantilóide. Às vezes eu sou verde ou sou... Tu és assim.
É por isso que te comportas assim e em certo ponto isto
tem lado interessante porque nós começamos a fazer sentido das outras pessoas,
mas depois torna-se bocado limitativo porque de repente enfiámos-las numa caixa e
a nós próprios também.
Teresa Oliveira [vídeo]
Sim. Eu tenho uma visão bocadinho ambivalente em relação a esse tipo
de instrumentos, ainda que, por exemplo, estou a recordar de processo que
eu tive em que foi muito útil eu usar este instrumento com
o meu cliente. Posso ir daqui a pouco, mas, se calhar, digo-te
já como é que eu olho para estes instrumentos. Quando nós nos
categorizamos em função de determinado, uma determinada preferência, estilo preferencial, Aos meus
olhos, nós estamos a limitar todas as nossas capacidades de desenvolvimento, é
a minha visão também, e também estamos a olhar para os outros
dessa forma reducionista, que é, tu és azul, portanto tu és assim,
ou eu sou encarnada e portanto eu sou assim. E nós esquecemos
todas as vezes em que já tivemos comportamentos que não se encaixam
nessa preferência e todas as vezes em que os nossos pares tiveram
comportamentos que não se encaixam naquela preferência. Portanto, cada vez que nós
repetimos eu sou assim, depois nos colocamos, sei lá, o MBTI é
o mais complexo, tem 16 estilos. Eu sou desta forma, ok, o
que é que isto significa? Não podes mudar e isto é a
negação daquilo que é a capacidade humana de crescer e dos objetivos
do coaching. Depois, também sou bocadinho ambivalente porque, frequentemente, os estilos preferenciais
não são neutros. Muitas vezes há cargas pejorativas fortes em relação a
determinados estilos preferenciais E aquilo que eu encontrei várias vezes ao longo
da minha vida é que como esses instrumentos resultam de self-assessment, portanto,
eu respondo sobre mim própria. Se eu disser que sou muito atenta
aos detalhes, muito estruturada e muito analítica, se for essa aí a
auto-imagem que eu tenho de mim, É isso que vai sair no
relatório, provavelmente. Eu estou hipersimplificada, está bem? Porque há modelos mais completos
do que isso, mais sofisticados. E, portanto, isto pode levar-me para sítio
onde eu acredito que sou aquilo que claramente não sou. E eu
já encontrei alguns casos desses na minha vida. Às vezes até em
termos de workshops em que as pessoas se classificam de determinada maneira
e acreditam que têm aquele tipo de comportamento, ainda que haja instrumentos
mais sofisticados, por exemplo. Eu recentemente tive a oportunidade de cliente, através
de outra empresa, que estava a fazer trabalho complementar, e eles usaram
modelo que inclui também feedback, entrevistas e portanto assim uma coisa muito
mais complexa. Portanto, o modelo, o relatório sobre as preferências comportamentais é
muito mais complexo e tem feedback de outras pessoas. É o Hogan.
José Maria Pimentel
Hogan. Curioso. Eu partiria grandemente da tua posição e embora eu achasse
isso interessante, ou seja, eu lembro-me quando descobri ferramentas de personalidade, para
mim foi uma aventura interessante de autoconhecimento e de heteroconhecimento, de conhecimento
dos outros. E naquela altura comecei com o MBTI e depois acabei
por perceber que na verdade... Porque há aqui paradoxo curioso que é
o modelo... Eu já falei disto aqui num podcast, o modelo com
mais validação na literatura, nesta área da psicologia, é o modelo dos
cinco fatores, que aliás, o qual aliás fala aquilo no livro, o
Big Five, que não é nada usado nas organizações. Nas organizações nós
apanhamos uma série de outras coisas, o MTI, o DISC, 30 por
uma linha, e o modelo dos cinco fatores quase nunca está lá,
é curioso. Não sei porquê, na verdade. Acho que tem problema de
branding.
José Maria Pimentel
Há uma coisa que o BigFact tem que os outros não têm,
e que faz todo sentido, que é a média das pessoas numa
escala e nessa escala. Como é lógico, a distribuição das pessoas chega
a uma distribuição normal e que a maior parte de nós estamos
no meio e, portanto, o que é relevante são aqueles entre os
cinco fatores em que nós estejamos perto do extremo. Os outros são
mais ou menos irrelevantes porque nós estamos a meio. As outras ferramentas
fazem o contrário, assumem que nós estamos num extremo ou no outro
e põem-nos nas ditas caixinhas. E eu acho que é aí que
a coisa corre bocado mal, que isso é obviamente uma simplificação porque
na maior parte dos traços de personalidade, se vamos dizer assim, a
maior parte de nós, por definição, não vai estar nem num extremo
nem no outro e, portanto, forçar a que nos coloquemos nessas caixinhas,
depois é aí que entra esta simplificação e esse efeito pernicioso que
tu falavas.
Teresa Oliveira [vídeo]
Este aqui é inspirado no disco, eu acho que estes dois autores
fizeram uma utilização muito feliz do disco E, por exemplo, já me
aconteceu com equipas, a trabalhar com equipas ou em workshops, usar modelo
mais na lógica de qual é que é a minha preferência e
como é que a minha preferência na maneira como eu comunico ou
tomo decisões, este modelo está focado nisto, é preferências do ponto de
vista da comunicação e tomar a decisão. Como é que a minha
preferência pode explicar a maior facilidade ou dificuldade que eu tenho a
interagir com os meus pares? E como é que nós conseguimos criar
aqui uma ponte, Este modelo chama-se Bridge, portanto a perspetiva de fazer
a ponte para as diferenças, na maneira como nós trabalhamos em conjunto,
na maneira como nós comunicamos, na maneira como organizamos as reuniões, na
maneira como nós colocamos os temas, na maneira como lidamos com a
ambigüidade e na maneira como nós nos conseguimos complementar e a sensação
que eu tenho muitas vezes é que este tipo de modelo pode
levar as pessoas a fortalecerem a sua crença de que o seu
estilo é que é
Teresa Oliveira [vídeo]
Já me aconteceu também a cliente que trabalhava numa empresa muito desafiante
e ele tinha estilo que não se encaixava no perfil desejável das
primeiras linhas e ele tinha muita dificuldade em aceitar que aquele era
o estilo preferencial dele. Pediu feedback à mulher e ela deu-lhe o
feedback e ele continuou a resistir. Mais tarde na empresa ele estava
a fazer também coaching de equipa, os pares deram-lhe feedback e foi
uma grande dificuldade para ele aceitar que tinha aquele estilo, uma liderança
extraordinária, homem extraordinário. Eu recolhi feedback para ele do apreço, de uma
capacidade analítica fantástica e uma capacidade humana fantástica. Portanto, foi dos melhores
relatórios de feedback que eu já recolhi até hoje, mas é impressionante
que, na cultura da empresa, aquele estilo de relação e tomar a
decisão e de comunicação, aparentemente era tão desvalorizado que ele tinha muita
dificuldade em aceitar que os outros à volta me reconheciam, e eu
própria, me reconheciam com aquele estilo preferencial.
José Maria Pimentel
E afeta a questão da comunicação, não é? Isso é ponto para
ti interessante, Bessle, porque é muito difícil comunicar com pessoas que pensam
de maneira diferente de nós, não é? Sobretudo se, na minha experiência,
se tiverem uma perceção diferente, ou seja, não tanto a parte do
julgamento, depois de formar a opinião e de decidir, mas sobretudo a
perceção do mundo. Se a perceção do mundo for diferente e a
maneira como nós processamos a informação que recolhemos do mundo, isso torna
muito difícil as pessoas comunicarem, porque estão a partir de... Elas estão
a ver o mesmo do ponto de vista objetivo, mas do ponto
de vista subjetivo estão a ver coisas completamente diferentes.
Teresa Oliveira [vídeo]
Sim. E confesso, por exemplo, já estão a ocorrer dois casos em
que eu usei este modelo e que aos meus olhos foi muito
útil. Ainda recentemente uma pessoa se queixava da dificuldade de comunicação com
a liderança e eu usei o modelo para ajudar a pessoa a
refletir sobre onde é que ela estava e onde é que a
sua liderança estava. E ela escolheu à conclusão, não era-se de grande
surpresa, que ela estava num sítio muito diferente da liderança. A liderança,
o administrador, homem completamente analítico, focado, quantitativo, e ela uma pessoa de
pessoas, muito da qualidade da relação, muito preocupada com os outros e
orientada a resultados também, mas com pessoas. Portanto, ela tinha muita dificuldade
em entender como é que alguns temas que ela lhe queria levar
não eram aproveitados por ele. Portanto, quando nós começamos a falar sobre
essa dificuldade à luz das diferenças, ela ganhou maior distanciamento. Estou a
lembrar-me de caso de uma pessoa que quis fazer coaching e era
uma startup e eram três sócios e esta pessoa era completamente diferente
dos sócios e vinha com os objetivos muito claros para o processo
de coaching, portanto uma coisa muito simples. E de repente eu comecei
a sentir que nas sessões de coaching, quando eu lhe perguntava qual
era o tema que a pessoa trazia e não, e começava-me a
falar disto e daquilo e daquele outro, e eu comecei a sentir
que havia muita dificuldade em estabilizar o tema. E quando eu perguntava
à pessoa o que é que seria o resultado esperado da sessão
começaram a falar coisas muito diferentes. E então, aos meus olhos foi
muito interessante que dia eu decidi usar modelo e convidar a pessoa
a colocar-se a si e aos sócios. E de repente aquela pessoa
compreendeu que aquilo que ela trazia para o coaching era o pedido
das pessoas à sua volta sobre o que é que achavam que
ele devia mudar, mas ele não queria mudar.
José Maria Pimentel
E nesse caso parece-me, e imagino que aconteça em muitos outros, e
quer dizer, acho que é uma coisa que nos acontece muito na
vida, que quando a pessoa... Há uma situação desse género em que
nós tomamos por verdadeiro o feedback qualquer que nos dão ou algo
que nos dizem que é o que deve ser e nós em
parte acreditamos naquilo, mas não acreditamos totalmente, há lado de nós que
não se identifica completamente com aquilo, mas, e esta é a chave,
não somos capazes de converter a nossa posição num raciocínio coerente, e
como não somos capazes de o fazer nunca verdadeiramente vamos contra isso,
e dá-me ideia que é o que aconteceu aí nesse caso.
Teresa Oliveira [vídeo]
Mais outro. Quando me falaste de livros, gosto imenso deste livro, este
livro foi escrito por uma coach do Vajnar Azimath, que é o
CEO da Novartis, e ela fala sobre os main traps da liderança
para mundo complexo. E então o que é que ela diz? Quais
são as características do cérebro humano que limitam a nossa capacidade de
nos adaptarmos a mundo complexo e a mudança, que é o desejo
das histórias simples, é a primeira, José Maria, depois a nossa crença
de que estamos certos porque sentimos que estamos certos e há muita
investigação que mostra por que razão é que o cérebro humano acredita
que está certo, independentemente do estar ou não. Depois o desejo de
acordo, que tem a ver com a nossa sobrevivência, exatamente, porque se
nós não tivéssemos em acordo não sobrevíamos nas tribos. O desejo de
controle e o desejo de salvaguardar o nosso ego e de fugirmos
ao erro. Há livro fascinante, acho eu, que se chama On Being
Wrong e que fala muito sobre essa... Fala só sobre essa dificuldade
humana de aceitar que nós falhamos em alguma coisa, que é altamente
ameaçador do ponto de vista da nossa sobrevivência.
José Maria Pimentel
É engraçado isso, de facto, essa nossa apetência por histórias, por simplificar,
não é? Tudo o que é complexo, e os símbolos têm claramente
esse papel. Porque o mundo é complexo, significa também que nós podemos
não ter ponto de... Uma via de comunicação com os outros e
as histórias, e os símbolos em particular, independentemente da sua validade factual,
na minha experiência tem bocado esse lado, é o início de conversa,
não é?
É o
início de conversa, aquilo pode não estar certo, mas é o início
de conversa, é quase que começas por ali e depois aquilo pode
não ser certo, mas é uma ponte para tu falares daquela pessoa
ou aspecto daquela pessoa no qual os dois interlocutores concordam e depois
a partir daí conseguem discutir o resto. É bocado isso que acontece.
José Maria Pimentel
Eu não estava a falar disso, esse ponto é importante, as histórias
têm esse lado grupal também,
me
parece ser muito o meio-foco desse livro,
e esse
lado do grupo, e nas organizações, está muito presente a vários níveis.
É ponto para fazer uma pergunta que eu peço desculpa já porque
é uma pergunta muito geral, mas tenho muita curiosidade em fazer-te, que
tem a ver com isso, que é nesta tua experiência de quase
20 anos de coaching, o que é que tu aprendeste sobre a
natureza humana? O que é que estes anos todos ensinaram há 3
a 2, que há 3 a 20 anos eu não conhecia, sobre
a maneira como as pessoas funcionam, não é? Que no fundo, parte
nós já falámos, isto será muito disso, não é? Mas o que
é que mais te ensinou? Porque essa é uma experiência, eu tenho
muita inveja de pessoas que trabalham nesta área, tal como tenho inveja
de, eu sei que não é a mesma coisa, mas tenho inveja
de ser psicoterapeutas, por exemplo. Ou terapeutas de casal, por exemplo. Sim,
sim, fomos dizer lá. No sentido de que é uma situação invejável
para conhecer as pessoas e porque tu lidas com pessoas em situações,
não tanto em situações emocionalmente... Quer dizer, também emocionalmente difíceis, mas sobretudo
que envolvem os seus comportamentos, envolvem as suas angústias, a dificuldade que
as pessoas têm em mudar, não é? Portanto, é uma perspectiva, quer
dizer, que eu não tenho propriamente, não é? Porque não é essa
a minha atividade. O que é que tu aprendeste ao longo deste
ano?