#163 Catarina Barreiros - É nos nossos comportamentos que está a chave para tornar o Mundo...
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José Maria Pimentel
♪ Olá, o meu nome é José Maria Pimentel, sejam muito bem-vindos
ao 45 Graus, agora também em vídeo. No episódio de hoje converso
sobre sustentabilidade com a Catarina Barreiros, que nos últimos anos se tem
dedicado de corpo e alma a esta causa. A Catarina tem formação
em arquitetura e começou a trabalhar na área do marketing, até que
em 2018 decidiu começar a falar sobre sustentabilidade na sua página de
Instagram. A página foi crescendo e crescendo e hoje já tem mais
de 100 mil seguidores. Pelo caminho, a Catarina lançou, juntamente com o
marido, a loja do Zero e também o podcast do Zero e
ainda evento anual na cidade de Lisboa chamado Cidade do... Adivinharam? Zero.
Além disso, lançou também a Norm, uma marca de roupa interior menstrual
totalmente reutilizável e sustentável. Esta conversa é o terceiro episódio de uma
série de conversas que estou a gravar sobre ambiente e alterações climáticas.
Vou entrecalando estes episódios com outros temas, mas podem contar já para
muito breve com outro episódio, desta vez sobre energias renováveis. Voltando à
Catarina, nesta conversa discutimos a sustentabilidade nas suas várias vertentes, desde os
comportamentos individuais à ação coletiva. Começamos por falar sobre o que dizem
os estudos sobre os nossos comportamentos individuais mais penalizadores para o ambiente.
Desde o nosso consumo exagerado de carne na nossa dieta, ao desperdício,
à nossa dependência exagerada do carro e ao nosso consumismo que alimenta
toda uma indústria que depois acaba por contribuir para as alterações climáticas
e para poluir o planeta. Falámos também dos aspectos sociais e culturais
que tornam muitas vezes difícil alterarmos determinados hábitos enraizados, como os hábitos
alimentares ou até os hábitos de consumo. Sendo que a ação individual
é importante, mas a verdade é que dificilmente haverá alterações a sério
se não houver uma intervenção cívica e política. E por isso perguntei
também à Catarina qual é que ela acha que deve ser a
nossa conduta enquanto cidadãos, enquanto intervenientes no espaço público e perguntei-lhe também
o que é que ela acha de alguns atores que têm intervindo
nesta área como associações ambientalistas, os políticos e, claro, também as próprias
empresas. Foi uma excelente conversa com a Catarina, acho que vão gostar
muito deste primeiro episódio em vídeo. Antes disso, deixem-me só agradecer, como
sempre, aos novos mecenas do 45°. São eles o Nuno Ferreira, a
Susana Quadros, a Rita Varandas, a Ana Rita Faria, o André Emanuel
Dias, o Emanuel Furtado, a Sabrina Bacanti e, finalmente, o Miguel Domingos.
Muito obrigado a todos por apoiarem o 45° e agora deixo-vos com
a Catarina Barreiros. Até à próxima! Catarina Barreiros, bem-vinda ao 45°! Bem-vinda
ao 45° em vídeo!
José Maria Pimentel
Tens a honra, dúbia, de estrear o 45 Horas Versão Vídeo. Olha,
para começar, nós vamos falar de sustentabilidade, hábitos, e às vezes falamos
como é que tu vieste aqui parar, como é que tu de
repente vieste parar ao Instagram, ao podcast, à loja, ou à Cidade
do Zero, como é que vieste parar a isso?
Catarina Barreiros
Sim, sim, sustentabilidade estamos a falar de alterações climáticas, obviamente, biodiversidade, gás
e efeito estufa, tudo o que isso implica, mas também estamos a
falar daquilo que é justo socialmente, não estamos só a falar daquilo
que é ambientalmente factual e científico, a parte social é importante, a
parte económica é importante, portanto não existe resiliência num sistema que está
em constante falência económica, não é? Porque aí não conseguimos prover para
as pessoas nem garantir a subsistência da biodiversidade do planeta. Então é
conjunto de fatores, antigamente dizia-se que eram três pilares, os famosos ESG,
do ambiente, o pilar social e o pilar económico, mas na verdade
essa teoria dos pilares é muito mais dinâmica do que isso. Nós
estamos a falar de dimensões em que entra a cultura, em que
entra a qualidade de vida, em que entra monte de coisas que
não podem só ser colocadas em caixinhas. Mas pronto, é assim, em
geral falamos dos três pilares.
Catarina Barreiros
Exato, porque o que é que quer dizer sustentabilidade? Eu trabalho nisso
há cinco anos e eu continuo sem conseguir dar uma resposta que
vá para além do que os livros dizem, não é? Portanto é
bocado difícil definir o conceito de sustentabilidade, porque estamos a falar de
uma estabilidade própria do nosso planeta que garante o futuro para todas
as espécies, para todas as pessoas, mas isso é super ambíguo, não
é? E a verdade é essa, é que há distinções entre alterações
climáticas por iduro e por biodiversidade. Aliás, há duas copes, há uma
copa das alterações climáticas e há uma copa para a biodiversidade. Existem,
efetivamente, várias coisas dentro da sustentabilidade, mesmo no âmbito ambiental, que é
preciso avaliar.
José Maria Pimentel
Ah, entendi. Tu começaste bocado com esse ímpeto, iniciado, e depois ao
longo destes anos foste alterando uma série de comportamentos e tentando, por
várias pessoas, também alterar os deles, com base exatamente nessas preocupações. Qual
é que é o sistema que tu tentas resolver? Qual é a
tua equação? Obviamente não será uma equação a sério, mas o que
é que está na cabeça quando tu pensas nisso? Ok, porque é
que eu devo fazer esta mudança ou o que é que eu
devo priorizar esta em detrimento do outro, por exemplo, o que é
que está na balança quando tu pensas nisso?
Catarina Barreiros
É isso mesmo, porque, bem ou mal, e eu acredito muito nisto
nós todos devemos fazer alguma coisa mas a mudança não é apenas
individual ou não é sobretudo individual. Eu acho que aquilo que nós
fazemos de mudança individual depois nos capacita, enquanto indivíduos que fazem parte
de uma sociedade, de escritório, do sítio onde se trabalha, que seja
escritório ou não, mas todos os nossos núcleos sociais a seguir a
nossa esfera individual vão beber bocadinho da nossa transformação pessoal e por
isso eu acredito na mudança individual, porque essa mudança vai estimular uma
mudança coletiva e essa é a mudança que nós precisamos, porque pessoas
que estão mais capacitadas sobre pequenas escolhas individuais, são pessoas que depois
vão saber, assim de uma maneira muito básica, mas vão saber votar
melhor, vão saber priorizar melhor medidas políticas e avaliá-las, vão conseguir exigir
mais as suas juntas de freguesia, as suas autarquias, porque a mudança
não pode ser só de repente os consumidores mudam todos para shampoo
sólido e portanto as marcas de shampoo decidem que afinal não vale
a pena fazer líquido porque toda a gente mudou para sólido. Isso
não vai acontecer da noite para o dia. Não é assim tão
óbvia essa solução. Se bem que obviamente enquanto consumidores temos muita força
de mercado, mas tem de haver uma ação maior para resolver este
problema. Aliás, a maior parte dos gáses de efeito estufa estão associados
ao setor energético e a maior parte das pessoas não tem como
fazer alterações de base em relação ao seu sistema de energia.
Catarina Barreiros
Sim, a questão dos resíduos tem a ver, na origem tem mais
a ver com alterações climáticas por causa da produção de tudo aquilo
que nós consumimos e muitas vezes daquilo que é os plásticos que
implicam a extração de petróleo, portanto aí vai ter efeito direto nos
gáses, efeito estufa, mas depois vai ter efeito na biodiversidade na parte
do littering, quando existe, sobretudo no oceano, nós vemos muito isso, que
os plásticos no oceano matam animais, matam animais e matam a biodiversidade
porque criam uma camada por onde o sol não passa e sem
sol a fotossíntese se torna quase impossível. E claro, tem consequências muito
diretas na poluição, se bem que a poluição tem consequências também muito
diretas nas altas-cidades climáticas, portanto isto é uma pescadinha de rabo
José Maria Pimentel
Exatamente. Olhando para os números do Drawdown e do IPCC, há aqui
algumas coisas que vêm logo nos primeiros lugares. Isso por acaso é
exercício engraçado para mim, foi uma das boas razões para fazer estes
episódios, porque a pessoa tem uma vaga noção, não é? Mas é
completamente diferente de vezes os números e eles coincidem em alguns números,
pelo menos no impacto, depois a execuibilidade é outra questão, mas por
exemplo, desperdício alimentar, isso falámos no episódio com o João Pedro, alimentação
de base vegetal.
Logo no top 3.
Logo no top 3, né? Abdicar do carro, usar bastante menos o
carro, muito menos viagens de avião, e depois claro, melhor isolamento e
eletricidade sem ser com fontes baseadas em carbono. Mas só a questão
do desperdício alimentar
Catarina Barreiros
Tem, tem. Ou seja, o desperdício alimentar, pelo menos da última revisão
do Thorndine que vi, era o gesto com mais potencial para mitigação.
Até 2050, que é o caso da avaliação. Estamos a falar de
quase 90 toneladas até 2050 a poupança. De evitar o desperdício alimentar
como todo. E é muito engraçado, porque nós às vezes pensamos no
desperdício alimentar e pensamos que ele não é feito nas nossas casas,
porque as grandes superfícies é que tem. E é mesmo interessante, eu
agora vi ontem, na verdade, a posto do Parlamento Europeu, que realizava
estudo que dizia que na Europa metade está nas nossas casas. E
o perda também, em Portugal, já tinha analisado isto. Metade do desperdício
alimentar está nas nossas casas. E o resto está uma parte mais
pequena no retalho, portanto no norte global, está uma parte mais pequena
no retalho porque, em certo, o retalho se modernizou, consegue melhores refrigerações,
consegue tudo isso.
Catarina Barreiros
Supermercado, sim, Retalho alimentar. A indústria da transformação também perde uma porcentagem
e a produção também perde uma porcentagem pequena, mas os consumidores, no
chamado norte global, têm uma responsabilidade muito superior do que no sul
global, porque no sul global as pessoas são, tendencialmente, mais pobres E
até se fala em perdas e não em desperdício, porque são perdas
na produção e na cadeia de abastecimento porque se não há frigorífico
para se guardar leite, o leite estraga-se antes de chegar ao consumidor.
José Maria Pimentel
E tu achas, por acaso foi uma coisa que eu falei com
o João Pedro, mas muito odd leve eu acho que a grande
incógnita aqui é em quão execuível é ter estes ganhos, ou seja,
o diagnóstico bem, o diagnóstico poderá ser questionado obviamente, mas parece-me relativamente
sólido aqui a questão é, quanto disto é que tu consegues evitar?
Eu diria que deve haver início da curva que é muita pique
porque as pessoas estão a fazer as coisas tão mal, tão mal,
tão mal não custa nada, não é? Mas onde é que tu
achas que desta metade, destes 50%, onde é que tu achas que
a coisa depois começa a ser difícil? Porque ninguém consegue ser perfeito.
Te vais sempre deixar as coisas estragar, não há hipóteses, né?
Catarina Barreiros
Eu acho que isto tem muito a ver com os nossos padrões
de trabalho do século XXI. Isto é uma coisa que eu tenho
vindo a perceber. Parece-me que as pessoas que mais desperdiçam são aquelas
que passam menos tempo em casa. Têm menos tempo para preparar refeições.
Certo.
Têm menos tempo para pensar nisso. Percebes? Imagina, quem trabalha em casa
se calhar desperdiça menos. Porque está mais visível as coisas que estão
à frente. E aqui estou obviamente, quem trabalha em casa há todo
espectro de trabalhos que com mais ou menos exigentes, com mais carga
horária ou com menos carga horária, se calhar quem trabalha em call
service em casa não tem sequer energia para pensar nisso depois. Mas
Acho que isto tem a ver com os nossos ritmos cotidianos, porque
se eu pensar na minha avó, na vida que ela levava, e
a minha avó já trabalhava, portanto não é que seja o protótipo
de uma mulher do antigamente. Trabalhava e cuidava da casa ainda exclusivamente
dela e ela não desperdiçava comida. E quando digo que ela não
desperdiçava comida, eu acho que a minha avó se calhar fazia caixote
de lixo por mês, de lixo orgânico, e ainda hoje em dia.
Porque havia uma cultura de estar em casa, de ter essa atenção
em casa e havia muito menos coisas deliciantes a fazer depois. A
mim apetece-me seguir ao meu trabalho e ainda estar bocadinho com os
meus amigos ou ir a alguma exposição ou ainda fazer alguma coisa.
E eu acho que isso é muito bom, obviamente, alimenta-nos também muito
o cérebro, mas temos de abrandar bocadinho os nossos ritmos de consumo,
porque senão é bocado difícil.
Catarina Barreiros
Isso é mesmo interessante, sabes? Porque eu estava, no outro dia, a
falar com uma amiga minha sobre uma coisa que não... É fazer
paralelismo com o consumo de moda. Quando eu limpei o meu armário,
eu tinha oito portas de armário e vendi praticamente tudo quando decidi
mudar bocado a minha vida e eu era completamente viciada em fast
fashion e moda e o meu marido até gozava de dizer que
eu devia ter ações de Inditex para compensar o que eu ia
gastar e eu cada vez que tinha menos roupa eu percebia que
me ajudava a ter cada vez menos, ou seja, Parece que há
uma clareza mental, onde tu consegues ver tudo o que tens, sabes?
Sim, sim.
Em que consegues usar as coisas porque não te esqueces, não há...
Eu acho que o nosso cérebro tem limite de coisas a que
consegue estar atento nos vários segmentos da nossa vida. E nós começámos
a consumir muito em todos, de género. Toda a gente tem muitas
peças de roupa, temos muitos alimentos em casa, temos muitos jogos de
tabuleiro por exemplo, o Dr. D. Estava a olhar para mim e
tinha móvel de jogos de tabuleiro e eu adoro jogos de tabuleiro,
mas jogo sempre os mesmos, portanto, senão...
Isso é bocado absurdo, sim.
É bocado absurdo,
Catarina Barreiros
E com as crianças, há uma sala de brinquedos e a minha
filha quer sempre os Legos, graças a Deus. Portanto, é... Portanto, é
assim, é tudo muito. E isso é verdade, porque em minha casa,
quando eu faço as listas de compras, aquilo que nós temos sempre
que ter em casa são os básicos, são os legumes da época,
são as leguminosas secas, que eu demolho e que se aguentam a
imenso tempo na dispensa, porque eu compro as leguminosas sempre secas e
depois demolho, cozinho e congelo para quando precisar de usar.
Luminosas, grão, feijão?
Grão, feijão, sim. Até ervilhas e tudo mais, sempre tudo. Ontem tomei
várias ervilhas porque ontem trouxemos frasco com ervilhas secas. Mas, portanto, nós
temos sempre estes básicos. E Eu sei que mesmo que eu não
tenha refeições planeadas para essa semana, eu com estes básicos, a massa,
o arroz, o feijão e os legumes da época, eu consigo safar-me.
Eu não preciso de ter tofus e seitanes e tempes, que são
ótimos para acrescentar à dieta e diversificar bocadinho, mas eu consigo safar-me
com os outros, portanto, nós temos a nossa despensa incluída nas gavetas
da cozinha, o que faz com que não tenhamos imenso espaço também
para termos demasiadas coisas e eu acho que isso nos ajuda porque
a nossa despensa é gavetão grande mais uma gaveta em cima e
isso ajuda-nos bocadinho a racionalizar as coisas que temos em casa e
a não desperdiçar.
Catarina Barreiros
São micro decisões e micro sentimentos de culpa. Que é, eu comprei
isto e ainda não usei e tu terás de olhar para o
teu cheque mas se eu ainda não usei isto, eu não devia
ter comprado. E depois é aquele sentimento de quero usar tudo o
que tenho, mas a minha vida são 365 dias por ano, não
são 1000, portanto, vamos lá ter calma, se eu tiver 20 pares
de calças, eu praticamente uso umas calças duas semanas e não as
repito ao longo do ano, percebes? Portanto, temos de ter bocado, de
abrandar bocado isto, porque depois são micro-decisões que temos de tomar todos
os dias, para além do nosso trabalho, para além da educação dos
nossos filhos, para além do nosso ativismo político ou da nossa participação
social, é tudo a somar decisões, e é difícil. Depois estamos todos
cansados e todos em barnault e todos com ansiedade e com pressão
sobre as doenças do século XXI. Eu acho que é por isto
que nós temos muitas opções.
Catarina Barreiros
Sim, era a camisola de bola alta e as calças de ganga,
ponto. O meu marido está sempre a dizer que... Aliás, o meu
marido é ótimo exemplo, não faz este...
Mas não faz isso?
Não faz isto, mas...
Está no caminho.
Está no caminho. Ele gostava muito de o fazer, mas basicamente ele
tem uma porta de armário de 60 centímetros onde em cima tem
as camisas e os casacos na primeira gaveta tem as calças, os
calções, os paredes de banho, a roupa de esporte na gaveta de
baixo tem t-shirts, camisolas e é isto. Ele tem armário pequenino, Ele
abre o armário e vê tudo o que tem. E os sapatos
estão lá também, ou seja, os sapatos estão na parte de cima.
Tem tudo, incluindo gravatos, tudo. Está tudo ali. A única coisa é
que não está, são meias e boxers, porque estão na casa de
banho, que é mais prático. O resto está tudo ali. E eu
acho que há uma certa paz de espírito. Ele tem camisas brancas,
ponto. Os casacos são neutros, não há assim grande variação. E isso
é parte de espírito. Eu olho para mim e tenho muito mais
opções e depois uso sempre a mesma coisa. Que é a parte
de cima branca ou preta, calças de gangue ou calças pretas ou
o que seja, e casaco neutro. Portanto, é engraçado que eu gosto
muito da variedade, mas é só para dias especiais.
O resto
do dia a dia acaba por sempre usando a mesma coisa, portanto
porquê que ter tanta coisa, não é?
Catarina Barreiros
Há imensa gente, CEOs de empresas, CEOs de grandes empresas, sobretudo na
América do Norte, têm muito esta filosofia, porque lá está, têm que
tomar tantas decisões tão importantes que não querem que esta seja mais
uma no seu dia. Para mim isso é bocadinho demais porque eu
gosto da expressão que a moda
também traz.
Mas é interessante pensar sobre isso. Simplificar não tem de ser armário
cápsula, não tem de ser sempre tudo igual, mas que nos traga
paz de espírito de alguma maneira. Para algumas pessoas vai ser abrir
e ver tudo o que tem, para outras vai ser ter excel
onde sabem tudo o que têm e pensar logo nas coisas no
excel, depende bocadinho das pessoas.
Catarina Barreiros
não é necessariamente vegetariana. Estamos a falar de uma alimentação tradicionalmente mediterrâneca
e o tradicionalmente é importante porque a alimentação que nós fazemos hoje
em dia, mesmo nos países do Mediterrâneo, já não é uma alimentação
mediterrâneca, é a alimentação que se fazia antigamente no Mediterrâneo. Portanto, estamos
a falar de uma boa base de legumes, de leguminosas, de cereais
e muito menos proteína animal. Portanto, estamos a, se calhar, falar de
uma quantidade pequena de leites e ovos. Falamos de peixe, uma alimentação
mediterrâneca inclui peixe. Na minha opinião, acho que devemos ter algumas reticências
em relação ao peixe, porque existe também pesca muito mal feita. Portanto,
eu levo uma alimentação de base vegetal que é quase vegetariana, mas
não estressamente vegetariana, portanto eu consumo ovos e laticínios. Por uma questão
de não conseguir reduzir essas duas coisas, se bem que ovos imagina,
nós somos três lá em casa, uma caixa de seis ovos lá
nos vai para duas semanas, porque é para nós é quando não
conseguimos fazer nada, não temos nada à mão, fazemos uns ovos mexidos
ou fazer bolo ou
o que
seja, porque se não é Exagerado. Existe projeto muito giro, para quem
quer perceber bocadinho melhor sobre a alimentação de base vegetal, que se
chama Eat Lancet, que foi basicamente uma comissão que a revista científica
da Lancet pediu para se responder à pergunta como é que se
vão alimentar os 10 beste de pessoas que vamos ter em 2010
de maneira saudável e sustentável. Portanto, teria, ao mesmo tempo, não pode
ser menos saudável para as pessoas para ser melhor para o ambiente.
Tem de
ser as duas coisas. Este diagrama de Venn tem de ser o
do meio. E isto, eu acho que este, para mim, foi estudo
bem feito. Foi buscar muito bons especialistas na área da alimentação e
da digestibilidade e chegar à conclusão que a dieta mais saudável e
mais sustentável seria a mediterrânica com muito menos carnes vermelhas e quando
estamos a falar de menos o intake de proteína de carnes vermelhas
por dia é menos de 30 calorias de proteína de carnes vermelhas
Portanto, é mesmo muito pouca carne vermelha.
Catarina Barreiros
Mas a nível de emissões de gás e efeito de estufa e
de regeneração é melhor. Ou seja, o que idealmente estaríamos a fazer?
Estaríamos a produzir mundialmente menos carne vermelha e produzir melhor. Depois vais-me
dizer, sim, mas isso alimenta menos pessoas. Certo, mas nós devíamos comer
menos carne vermelha, portanto, depois aproveitamos aquelas pastagens para produzir aquilo que
devíamos estar a comer na maior quantidade. Certo, certo. Aquilo que estes
estudos fazem são números globais de bovinhos alimentados a soja, por exemplo,
e que é preciso... Tu produzes a soja não para consumo direto
humano, mas para alimentar uma vaca, portanto, há perdas no sistema, deficiência
também, portanto, isto é preciso entender. E estes estudos também que devemos
apostar no peixe como, na parte dos alimentos animais que não são
a maior parte, incorporar o peixe como parte da inanimal prioritária. Pronto,
eu tento seguir isto, sendo que incorporo muito menos peixe na minha
dieta porque é muito complicado hoje em dia garantir que o peixe
que estamos a comer vem de pesca responsável garantir que não estamos
a sobrepescar as espécies de sempre da pescada, da sardinha que estão
em sobreconsumo ou o bacalhau, que nem sequer é da nossa costa
e que é a espécie que mais consumimos.
Então daí
o que eu faço é, se eu for, por exemplo, para os
Açores, comi veja, que é peixe local, pescado por pescadores locais e
aí eu abro essas todas as ações do mundo. Quero até ter
certeza de que eu estou a comer, até porque gosto de comer
vegetariano, não custa nada e faço essa alimentação. Porque é de facto
a dieta com menos impacto carbónico que existe, é a dieta vegetariana.
Catarina Barreiros
a diferença gigante. É o que diz o financial, há estudo muito
giro que é de dois senhores que é o PUR e o
Nemecek que é de 2018, já houve entretanto uma revisão em 2020,
não por eles mas por italiano, que vai mais ou menos corroborar,
até vai intensificar bocadinho o resultado das análises deles, que dizem, basicamente
fazem estudo daquilo que são os alimentos com mais ou menos pegada
carbónica e que demonstram que a carne vermelha produzida da melhor maneira
possível vem na mesma ter mais emissões do que vegetais. O que
é muito interessante porque isto é a ciência a ser feita, depois
claro, há pessoas que não gostam muito destes dados, mas são o
que são. Não significa que não se possa produzir melhor em quantidades
pequenas numa escala diferente, mas no geral é isto que temos.
Catarina Barreiros
Sim, a eleição mais salada e o desperdício alimentar para mim são
muito, muito importantes. Outras coisas que faço, vais ter uma estreia, uma
informação estreia, primeiramente nós deixámos de ter carro e decidimos viver sem
carro. Esta foi uma decisão recente. Nós tínhamos carro elétrico que era
empostado por uma marca e a parceria terminou e nós decidimos... Então,
era uma ótima oportunidade para vivermos sem carro. Porque tínhamos acabado de
vender o nosso último carro três semanas antes do fecho da parceria,
portanto foi assim. E eu penso, as coisas vêm e nós temos
duas hipóteses, não é? Ou ficamos chateados e tentamos relever à pressa
e não vai ser a melhor decisão, ou vamos tirar o melhor
do que isto nos dá. E a verdade é que nós somos
muito privilegiados, porque nós já fazíamos a maior parte da nossa vida
à pé de bicicleta e transportes públicos.
Catarina Barreiros
Sim, nós usávamos muito pouco carro. Usávamos o carro para fins de
semana, usávamos o carro para às vezes preguiça, muito honestamente. Se eu
tivesse vindo aqui ao podcast, em vez de utilizar a mobilidade partilhada,
se calhar trazia o carro só por uma questão de conveniência.
Mas a
verdade é que a mobilidade partilhada tem vantagens porque o mesmo carro,
em vez de estar parado durante 12 horas ou durante 8 horas,
isto é muito engraçado, nós usamos o carro, a maior parte das
pessoas usa o carro para ir para o trabalho, fica estacionado durante
as 8 horas de trabalho, depois vai para casa e depois fica
estacionado durante as 12 horas da noite. Portanto, o carro tem muito
pouca utilização. Na mobilidade partilhada, carro serve várias pessoas e isso ajuda-nos
a diminuir a população das cidades, melhorar a qualidade de vida e,
obviamente, tem menos emissões também associadas. Sobretudo porque eu só utilizo mobilidade
partilhada elétrica, o que é também benefício. Decidimos deixar mesmo usar o
carro. Comprámos a bicicleta de carga porque as nossas grandes dificuldades é
a nossa cadela, que é enorme e que vem com a nossa
escola lá, temos também uma filha, embora a nossa filha já saiba
andar de bicicleta, está a fazer as compras do mês, aquelas maiores,
se nós mandamos vir online, vem sempre tudo cheio de sacos e
tudo cheio e nós preferimos ir aos sítios e comprar e isso
a bicicleta de carga dá jeito ou sempre que precisávamos de outro
dia, precisávamos de ir buscar espelho e comprarmos em segunda mão uma
bicicleta de carga dá jeito, em vez do carro que é espelho
grande portanto tentamos fazer assim e agora vamos viver só com bicicleta
a pé, transportes públicos, desde que isto aconteceu já há quase mês
que andamos, tirámos o passo e de facto funciona super bem. E
até ir a concertos, em que acaba o concerto à uma da
manhã e nós andamos nunca na vida e viríamos de metro à
uma da manhã e agora vimos e é ótimo, estamos os dois
a conversar, não estão a conduzir é muito interessante, a nossa filha
adora passar a vida no metro adora andar de combojo
Catarina Barreiros
Ah, essa é outra. O que é que nós decidimos fazer? Nós
também vamos de férias, também vamos às 15 semanas, meus pais têm
em casa a minha família do fundão, a família dos bailarontes, portanto
nós precisamos ir. Quando precisamos ir a sítios que sejam longe de
género, se eu tiver de vir ao Eires, ou a Sintra, ou
o que seja, mobilidade partilhada, aqueles serviços de chamar carro, existem vários,
não quero estar aqui a destacar nenhum.
Catarina Barreiros
Sim, há muita oferta hoje em dia já, e ainda bem, sinceramente,
porque se nós começámos a pensar nos custos que tem carro, mesmo
financeiramente, esta foi a melhor decisão que nós podíamos ter tomado, porque
comprar carro, para nós, poderia sentir-se de ser carro elétrico e tinha
de ser carro destined para fins de semana como para coisas mais
pontuais e isso significava que tinha de ser, sendo carro elétrico com
estas características, nunca ia ficar super barato, então entre a entrada que
íamos dar para o carro, logo a entrada nós não gastamos se
queríssemos 3 anos de mobilidades partilhadas e alugar carros. Depois mais aquilo
que se tem que pagar todos os meses de crédito, porque nós,
nesse caso, não tínhamos como pagar carro a pronto. Quer dizer, é
incomparavelmente mais barato. Para não falar de iucos, para não falar de
revisões, de inspeções, de casas, de carros, de metodos de combustão, há
tantos gastos com carros. E depois é uma coisa, é passivo, porque
é, tu chegas ao stand, compras o carro, sais e desvaloriza-o para
metade. Portanto, não é sequer investimento racional e para a maior parte
da população é o segundo maior investimento que fazem não gosto de
se chamar investimento, porque investimento tem retorno, mas é a segunda maior
compra que
fazem a
segunda maior despesa para além da casa é o carro e em
Portugal então temos uma cultura enorme de usar o carro e somos
país de pessoas que não ganham assim tão bem portanto, deixar de
ter carro, na verdade para nós foi uma decisão que começou por
ser de necessidade imediata e de repente começamos a perceber que era
melhor para tudo. Para a nossa qualidade de vida, para a nossa
saúde, começámos a andar muito mais de bicicleta, mais a pé, para
o nosso orçamento familiar. Portanto, tem corrido bem.
Catarina Barreiros
Muito mais agradável. Eu e o João já experimentámos, por efeitos de
publicações nas redes sociais, o João ir de carro e eu ir
fazer de bicicleta de mobilidade partilhada, às giras, em rua, fazer exatamente
o mesmo, ir até ao mesmo sítio. E eu, entre o estacionamento,
o arranque, eu cheguei 10 minutos mais cedo. Com percurso que demora
20 minutos, 30 minutos de nossa casa até ao Saldanha, o João
demorou mais 10 minutos do que eu de bicicleta.
Porque depois teve que estacionar.
Porque ele teve que estacionar. E depois, lá fala do custo. Ele
teve que estacionar e pagar estacionamento.
Catarina Barreiros
Sim, além disso, nós não nos dessolvamos com a chuva. Essa é
outra, que às vezes parece que nós ficamos à chuva e é
tipo ácido cítrico.
Não é
cítrico, não sei como é que se chama aquele ácido que corroi
as pessoas. Mas nós conseguimos apanhar a chuva sem nos dissolvermos, Portanto,
está tudo certo. A nossa filha, por exemplo, adora andar na chuva
com a boca de fora, apanhar a chuva na cara. Adora. E
está tudo bem, depois seca. Nós às vezes traçamos com coisas
Catarina Barreiros
Mas é engraçado e também às vezes nós vivemos felizmente no século
XXI, temos medicina moderna à nossa disposição, à partida não morremos de
uma constipação.
Sim, exato.
Portanto, sim, pode ser bocadinho mais chato, mas sei lá, no caso
da minha filha se
calhar tem
alguns dias em casa nas mimocas com os pais, quer dizer, quando
não temos de trabalhar ou com os avós e pronto, está tudo
bem, ninguém faz parte
José Maria Pimentel
Sim, e as crianças é bom ponto para me consultar, vou-te perguntar
à bocado que estas mudanças são todas ou são algumas delas difíceis
de fazer por vários motivos, e por exemplo, no que toca a
mudanças de hábitos de alimentação, da moda que falámos há bocadinho, ou
das coisas a mais que nós temos em casa, por exemplo às
vezes é mesmo muito difícil desbloquear as coisas quanto a hábitos culturais,
por exemplo no caso das crianças, eu fiz isso com as minhas
filhas, elas têm claramente coisas a mais e há uma torrente que
eu não consigo parar.
Nem eu.
E a minha preocupação em pará-la não é só ambiental, digamos assim,
há bocado aquela coisa do desperdício faz bocado a impressão, não é?
Catarina Barreiros
Só que nós pedimos sempre ou oferecem tempo de qualidade, por exemplo
os meus sogros ofereceram-lhe as aulas de natação e são os meus
sogros com quem ela é à natação. Ou a Minha mãe já
ofereceu uma experiência deles irem ao Museu dos Costos em Cannan e
depois aqui, ainda bem que não foi comigo que isso faz bocado
de confusão dos costos com os cavalos e para a Terreira do
Sol, mas enfim Ah
não, sério?
Faz bocado de confusão Mas eu andei a cavalo durante imenso tempo
e a minha filha também anda e gostamos imenso mas acho que
há limites àquilo que cavalos à Terreira do Sol com uma caloça
em cima acho que temos... Depende da altura do ano Mas ela
foi e adorou porque ia com uma princesa, que era uma senhora
vestida de princesa e a minha mãe ofereceu esta experiência aos netos
e foi com elas. Portanto, para ela ter sido uma experiência que
lhes ficou para sempre marcada foi o termo de qualidade entre a
avó e os netos. Ou eu ofereci ao meu sobrinho aulas de
culinária porque ele queria imenso aprender, então foi fazer aulas de pastelaria
e aprender a cozinhar e ele adorou. Portanto, acho que há essas
experiências todas que nós podemos dar que são muito mais ricas do
que mais presente, mais brinquedo. Até porque o exponencial de felicidade quando
passas de 1 para 2 ou de 2 para 20, não é?
Claro. O 19 para o 20 já não há quase incremento de
felicidade. Isto é teoria económica, não é? Não há, não é...
Catarina Barreiros
para você. Mas é interessante, eu também não consigo controlar sempre. Acontece
sempre na altura do Natal, ela ficar com brinquedos a mais. Mas
nós temos essa política, eu falo dela abertamente, de ela não ficar
com tudo. E ela própria sabe disso. Ela adora as coisas que
recebe e ela percebe que há meninos que não têm brinquedos e
nós lhe damos esses meninos. Ou que às vezes há brinquedo, nós
achamos que pode ser muito giro para oferecer a amigo dela que
possa gostar muito de ser dado. Dinossauros e receber alguma coisa relacionada
com dinossauros ou relacionado com a Patrulha Pata e há uma amiga
dela que gosta da Patrulha Pata e nós guardamos e depois oferecemos,
portanto não é... É bom financeiramente, é bom socialmente,
é bom
a todos os níveis mesmo, por exemplo, a roupa em segunda mão
eu só como praticamente roupa em segunda mão a minha filha faço
mini mini exceções para algumas marcas nacionais que também gosto de apoiar
que fazem bom trabalho a nível de sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental.
Mas ela já pega na roupa, se for nova, e diz e
era de quem? Era de que menina? Era de que esta... Era
de que t-shirt? Porque ela já sabe que há uma história associada
às coisas, e isso não é mau. Eu lembro-me da primeira vez,
quando Comecei a dizer à nossa família que nós não íamos comprar
roupa nova, mas coitada minha, não vai ter nada novo. Mas coitada,
porquê? Porquê interessa o ser novo a não ser novo, não é?
Para ela é uma história nas coisas e depois ela passa a
roupa dela a outros amigos dos nossos filhos. E há carinho, para
quem é que vai? Agora vai para a Carlota, agora vai para
a Francisca. E depois ela vê os filhos dos nossos amigos com
a roupa e vês, ah, este era meu, que giro, pronto. E
há uma relação que se constrói disso, a roupa não é só
a utilidade de vestir, também tem este attachment emocional e os miúdos
percebem isso e não se sentem coitadinhos se nós não os fizermos
sentir coitadinhos.
Catarina Barreiros
Sem dúvida. Eu fui a terceira e eu usei roupa dos meus
irmãos e eu sou a única rapariga. E usei roupas de toda
a gente e sempre teve tudo bem porque como já era a
terceira já era a passagem de uns para os outros ainda assim
tive algumas roupas, não? Mas o que seja. Mas eu acho que
há este... Por exemplo, à minha avó não lhe faz confusão arremendar
roupa e tudo mais mas a roupa em segundo não lhe faz
alguma confusão porque para a minha avó, que é de uma aldeia
pobre e nunca viveu com imensas possibilidades isso é trigger para aquilo
que foi uma infância difícil
Isso, exato
Então eu percebo e eu não levo a mal a minha avó
dizer coitadinha mas levo a mal a minha mãe dizer-me coitadinha sabes?
Porque, quer dizer nunca passámos necessidades e nós também usámos roupa passávamos-nos
para os outros. Então eu consigo perceber que existe Portugal rural envelhecido
para quem isto é problema e com razão, porque para eles, eles
fizeram esforço para ultrapassar essas barreiras para os filhos deles. Portanto, nós
estamos a querer voltar atrás. O que eu acho que esta geração,
provavelmente, não é tão fácil, a maior parte da geração perceber é
que nós hoje em dia temos à nossa disposição muito mais opções
de segunda mão e há muito mais consumo. Porque para a minha
avó, isto é uma questão difícil, mas ela sempre comprou na modista
porque nunca comprou mais do que uma peça de roupa a cada
2, 3 anos. Portanto, também não comprava roupa ao desbarato, em quantidades
enormes, que iam depois encher o deserto do Atacama de roupa, percebes?
Portanto, essa não era a realidade dela. Por isso, a realidade dela
faz sentido. Se quer comprar uma boa peça de roupa, feita numa
modista para lhe caber, para lhe ficar bem, uma vez a cada
dois anos. E isso seria consumo sustentável. Ela não precisaria da segunda
mão para isso. Portanto, quando as peças lhes chegavam em segunda mão,
quem usava as roupas em segunda mão, imagina uma peça de roupa
que foi usada durante 20 anos por alguém e depois é passada
em segunda mão para uma pessoa, como diz a minha avó, pobrezinha.
E aí já não chegava em bom estado. Isso era a roupa
de segunda mão que estão habituados. Não é a realidade hoje em
José Maria Pimentel
dia. Era bastante diferente. E eu acho que há outro desafio também,
não para a geração da nossa voz, mas mais para as gerações...
Ou para outra, se calhar também, mas menos visível aí. E que
na verdade, de novo, tem a ver com outros desafios em muitas
áreas, até, por exemplo, termos hábitos melhores para a nossa saúde. Que
tem a ver com o nosso instinto e com a maneira como
nós fomos programados para a evolução, digamos assim. Por exemplo, porque é
difícil nós controlarmos para não comermos muito açúcar. Para nós evoluirmos para
quando há uma fonte de alto conteúdo de hidratos de carbono, nós
consumimos aquilo que é uma fonte de energia rápida. E da mesma
forma...
José Maria Pimentel
Exatamente. E a carne é a mesma coisa, que é calórica e
tem gordura. O cuidar das crianças é a mesma coisa, não é?
Nós somos uma espécie altricial, não é? Nós temos... Estamos completamente focados
nas crianças e queremos apaparicá-las, não é? E é muito difícil. Então,
da mesma forma que esse instinto de comer açúcar funcionava bem quando
tu apanhavas uns frutos silvestres e umas frutas de vez em quando
já
não funciona tão bem como quando vais ao supermercado e tens lá
bolos, este instinto de cuidar das crianças funcionava bem quando era proteger-las
de facto quando de repente entras numa loja e entras na Zara,
sei lá, e tens uma roupa tão gira e tal, é quase
irresistível de compras aquilo,
Catarina Barreiros
não é? Sim, é engraçado isso, porque é mesmo uma questão da
evolução, mas ao mesmo tempo nós deixamos de viver em comunidade, eu
acho que nós entrámos meio em curto circuito, porque ao mesmo tempo
que continuamos a ter este instinto de proteger as nossas crianças e
dar o melhor que conseguimos deixámos de ter à nossa volta, a
maior parte das pessoas, a comunidade de apoio que é a It
Takes a Village to Raise a Child, não é? E quando não
temos uma comunidade forte temos muita coisa à disposição e nós tentamos
compensar uma coisa com outra. Do género, não temos os avós perto,
mas vou-lhe comprar mais uma peça para ela se sentir. Tentamos dar
amor
Catarina Barreiros
Eu acho que tem. É interessante. Há alguns sociólogos que concordam, mas
não acho que seja algo super consensual. Mas pensa assim, se tu
tiveres em casa e tiver dia de chuva e estás com as
tuas filhas em casa ao fim de semana, o que é que
pensas fazer? Se calhar ir ao cinema, que é num centro comercial,
onde vais comprar pipocas, onde se calhar ainda passas por alguma loja,
onde alguma coisa gira. Agora, se tiveres fim de semana e tens
o almoço combinado com os seus amigos em tua casa, ficam todos
lá em casa a comer e a... Claro que também há consumo,
também compram coisas para se alimentar e tudo mais, mas os miúdos
estão a brincar com os brinquedos uns dos outros, portanto há partilha
de brinquedos, volta e meia se calhar há que leva brinquedo para
casa e a tua filha fica com outro de outro miúdo e
convivemos mais e consumimos menos, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim, claro, exatamente. É bocado como deixar de comer doces em
barra, não é? De falar o comparado, não é?
Sim, sim, sim.
O nome talvez substitui-os por uma coisa melhor. Sim. Eu estava a
pensar noutra coisa. Por exemplo, no caso da moda, isso está bocado
estereótipo, mas acho que é estereótipo que não é muito exagerado, eu
acho que fugir ao consumismo do lado da moda é especialmente difícil
para as mulheres. Ou seja, estão obertas.
Catarina Barreiros
Acho que não deviam ter grande diferença porque... Agora, podemos ter sentido
estético às vezes mais apurado, isso pode ser verdade, mas existem muitos
artistas homens e, adicionalmente, se tu pensas em 10 artistas que te
venham à cabeça, a menos que penses na Frida Kahlo, não te
venha mais nenhuma mulher à cabeça, provavelmente.
Artistas plásticos.
Artistas muito conhecidos do antigamente, portanto, não é que possamos dizer que
o sentido estético é mais apurado nas mulheres do que nos homens,
porque pelo menos nós valorizamos mais o sentido estético apurado dos homens
enquanto artistas.
Sim.
Para que a nossa sociedade...
José Maria Pimentel
Eu não vou ao futebol hoje em dia, portanto...
Sim, sim, o meu marido também não, mas...
Sou fujo desse estereótipo.
Sim, sim, sim.
Mas claramente, se eu dissesse a muitos homens, sei lá, olhem, vocês,
por exemplo, se eu dissesse a alguns amigos meus, apá, o futebol
aquilo é mundo de fugir, que aliás é uma das razões pelas
quais eu deixo de ver futebol, pá, deixa de ir ao estádio,
né?
E eles
diziam, apá, não aquilo
é
aquilo é o meu momento de relax semanal e para muitas mulheres
o momento de relax é o momento de ir às compras
Catarina Barreiros
Mas acho que também isso é associado a fenómeno histórico. Porque havia
esse conhecimento quando o marido chegasse a casa e disse, ah, estás
tão bonita hoje, eu me vesti de novo.
Sim, sim.
E o cérebro começa a deseclar. Hoje em dia acho que já
não nos vestimos para os homens, muito honestamente. Aliás, às vezes quando
o João não gosta de alguma coisa eu acho que ainda uso
com mais orgulho, porque quer posso e manto do que eu visto.
Não, estou a brincar. Obviamente que também me interessa o que eu
visto. Mas acho que já não nos vestimos para os homens, mas
continuamos com esse reconhecimento do nosso cérebro instantâneo da gratificação de vestir
uma peça de roupa e sentir-nos mais bonitas. Portanto, acho que sim,
acho que existe essa ligação.
Catarina Barreiros
Sim, fico sentada a
pensar.
Ainda hoje, queria imenso comer chocolate. E estava tipo, quero imenso comer
chocolate, quero imenso comer chocolate e queria tipo de chocolate que eu
geralmente não tenho em casa que é aquele chocolate mesmo mau, que
eu gosto de mais chocolate bom, porque gosto tipo, aquele wine to
bar, chocolate preto com flor de sal é mesmo bom, mas eu
tinha mesmo aquele Kinder, sabes? Tipo, E eu pensei, eu vou sair
de casa para ir comprar, já está a níveis absolutamente catastróficos. Estou
mesmo com vontade de comer aquele tipo de chocolate específico. E estava
sentada, estava a tentar trabalhar e eu só pensava, só via à
minha frente, offs Kinder, sabes? E eu culpo a Páscoa por isto.
Porque offseram-me muito soffs Kinder e eu culpo a Páscoa. Mas pronto,
lá me distraí, fui até à varanda, fiz chá, distraí, respirei fundo
e depois voltei a trabalhar mais concentrada.
José Maria Pimentel
Sim, e depois tens... Lá está, as pessoas têm, por trás dessa
vontade, muitas vezes têm razões que são compreensíveis ou da nossa evolução...
Claro, ou da vida delas.
Ou da vida... E o tutorial delas, por exemplo, o carro em
Portugal, uma das barreiras às pessoas deixarem de usar carro e usarem
transportes públicos é que o carro está associado a tu subires na
vida, não é? Claro! Há uma diferença percepcionada, enfim, em grande medida,
real, não é? Entre as pessoas que conseguem usar carro e aquelas
que estão condenadas a andar de autocarro,
não é?
Certo! Então é quando a pessoa consegue sair do autocarro...
Catarina Barreiros
Agora vou subir na vida. Sim. Mas sabes que isso também está
muito associado à nossa falta de investimento da ferrovia e enorme investimento
em rodovia. Porque se tu conseguisse ir a todo lado e fazer
tudo de comboio, no centro da Europa, o comboio é a primeira
escolha para viagens, não é a segunda. É a primeira. E há
uma frase que é, país devolvido é aquele em que os mais
ricos são em transportes públicos, não em que os mais pobres têm
carro. Porque país em outro, ele é aquele que tem infraestrutura disponível
para que toda a gente tenha acessibilidade e que faça a sua
vida sem ter de gastar dinheiro num transporte individual. Porque transporte individual
é das coisas que, em termos de sociedade, faz menos sentido no
mundo. Faz menos sentido para as pessoas, porque gastam mais dinheiro, faz
menos sentido para a sociedade porque não se estimulam as ligações, as
redes, não é?
Sim, sim, isola as pessoas,
não é? Exatamente. Isola muito mais as pessoas, tens transporte individual do
que coletivo. E não faz sentido financeiramente para as famílias. O problema
é que tu estiveste 20 anos em que estiveste consistentemente a investir
em rodovia, por exemplo agora eu vou ao Fundão e há autostrada
direta para chegar lá, ou vou... E antigamente não, antigamente demorava 4
ou 5 horas a chegar ao Fundão. E agora demora duas, certinho,
a chegar lá. Mas se eu for de comboio, eu vou ter
de parar em Castelo Novo, só há senhor que faz táxi e
que pode ir buscar do Castelo Novo para me levar até a
terra da minha avó que é na Ataleia do Campo. Portanto, se
eu quiser ir para o Fundão, e tive essa experiência na semana
passada, porque eu tive de ir para lá dar uma palestra, eu
tenho casa no Fundão, 15 minutos do Fundão, na Ataleia do Campo,
e eu não pude ir de comboio. Porque eu não tinha horários
para conseguir chegar a Castelo Novo de autocarro. O senhor ainda estava
a fazer serviço de táxi, porque eu ia chegar a uma da
manhã e ele não estava a fazer serviço. Se eu fosse de
bicicleta, porque essa era a maneira pessoal que nós estávamos a estudar,
levar a bicicleta no comboio e ir, eu ia demorar duas horas
de bicicleta, porque é lá serra. Da minha bicicleta, nem sequer tinha
carga para aguentar e eu não tenho estofo para aguentar de serra
durante 2 horas, portanto eu depois não conseguia sair da minha casa
da Atalaia, ir até ao fundão da Arapalestra e depois apanhar outra
vez o outro comboio. Acaba 5 horas à espera e também não
dava. Mas Quer dizer, nós podíamos ter resolvido isto com o chamado
light railers, são os comboios que fazem as ligações mais pequenas, bom
investimento na nossa ferrovia, com a eletrificação, com a automação. E existem
pessoas a falar disto em Portugal há anos e anos. Tens especialistas
de mobilidade, tens o Mário Alves, tens o Carlos Gaivoto, que há
anos que têm soluções para as coisas. O problema é que não
se faz, porque dizeres em Portugal, politicamente, que vais investir na ferrovia
e deixar de investir no carro, tu não tens ninguém que vote
em ti. Não tens! Porque as pessoas ainda não perceberam que esta
roda de âmessera que foram habituadas é pior para elas. E pensam,
quando estamos a tirar direitos aos automobilistas e às pessoas que conduzem,
estamos a tirar direitos às pessoas e a verdade é que nós
queremos dar mais direitos às pessoas, a todas as pessoas, em todos
os sítios do país. Porque há neste momento uma discrepância enorme entre
o que é o Portugal rural e o Portugal urbano, porque não
temos a socialidade que ligue os dois. Portanto, se não temos a
socialidade para ligar os dois, como é que vamos desenvolver o interior
do país? Como é que não vai haver desertificação? Como é que
vai haver coesão territorial? Porque se
Catarina Barreiros
Porque se percebeu o que é? Em termos de eficiência, constrói-se uma
ferrovia com menos dinheiro do que se investirem porque depois a ferrovia
vai dando também publicamente dinheiro. Tu pagas os bilhetes ou pagas os
passos de comboio e o dinheiro também vai dando do Estado. Não
é só aqui tiveres de inventar as portagens para pagar. Também não
é gratuita uma rodovia muitas vezes, as mais modernas não são gratuitas,
portanto não é que seja serviço público, serviço público já estava a
construir e são as nacionais, não é? Portanto, tiveste vantagens de construir,
tiveste muitas vantagens para grandes empresas também, obviamente, Mas a rodovia não
é a longo prazo tão vantajosa como a ferrovia, porque hoje em
dia já existe ferrovia muito moderna, eletrificada, automatizada, em que já consegues
interligar uma rede de comboios complexíssima e tu consegues interligá-la. Portanto, Quando
fui a Bruxelas o ano passado com a Comissão Europeia, estava a
falar com a senhora que lá vivia, que era francesa, e que
dizia que ia a Paris todos os fins de semana ver a
família, porque era uma hora de comboio.
Catarina Barreiros
Sim, as duas são uma coisa... Ora, A primeira coisa que eu
acho que é importante dizer é que eu nunca peço para ninguém
fazer pratos especiais para mim. Eu safo-me sempre, porque nem que fique
a comer batatas fritas, isso é uma refeição na minha vida inteira.
Não é por aí. E também não peço aos meus amigos para
escolherem restaurantes diferentes, porque mais da vez, se houver pão, Eu estou
bem. Pãozinho e queijinho nunca faltam a minha mesa portuguesa. E pois
é engraçado estas questões culturais porque nós tradicionalmente temos muitos pratos festarianos
em Portugal. Se nós fomos pensar, o que é que a minha
avó comia muitas vezes? Sopa de feijão com couve. É. Que em
termos nutricionais tem proteína, tem hidratos, tem nutrientes, todos os que nós
precisamos. Gente, nós normalizamos a sopa de feijão com couve, e bem,
mas depois se eu puder chourizinho lá, é que já não dá,
não é? E não faz muito sentido, na verdade, porque nós tradicionalmente
a carne era para alturas de festa, porque não havia poder de
compra para ter carne todos os dias. O peixe não era... No
interior do país então não se comia peixe, não é? Ou comia-se
peixe salgado, não é? Mas não era sempre. A minha avó o
que comia mais eram as leguminosas e os legumes e comia a
carne dos enchidos, porque só os restos. Era o que era mais
barato. Portanto, se me forem dizer, entre nack de carne ou pão
com chouriço, eu vou escolher pão com chouriço. Eu não vou porque
não como, mas se tiver que comer, como o pão com chouriço,
porque só os restos dos restos dos restos. Chouriço não é bom
exemplo, a alheira é mais e as bolinheiras são mais. Faz pior,
faz pior, são muito mais processados. Mas é engraçado porque nós em
Portugal, nós por sermos país mais pobre, encontramos formas da nossa alimentação
de combater o desperdício alimentar, não é?
Sim,
exatamente. Os enchites são exemplo.
Catarina Barreiros
A Morcela. Estamos aqui ao alquail do David. David diz que sim.
Portanto, nós ponhemos os restos, ou os pastéis do quer que seja
eram restos, as pataniscas são restos enfiados e fritos, não é? Portanto,
nós temos uma cultura que também... As pataniscas vegetais são portuguesas, as
migas são vegetarianas, é pão com legumes, depois podem enfiar lá outras
coisas, mas existem pratos vegetarianos em Portugal. Há que eu dou sempre
por exemplo, que não é português, mas na maior parte dos restaurantes
há pizza. A pizza é vegetariana, não é vegan, mas é vegetariana.
Nós gostamos de coisas vegetarianas, só que há tantas... Temos aquela percepção
de que, ah não, eu não como vegetariano. Toda a gente que
é hominífera come o vegetariano, os vegetarianos já não comem a carne,
é ao contrário.
Catarina Barreiros
Portanto, ok, eu percebo a parte familiar, sei que seja chato o
fazer prato, mas eu nunca obriguei ninguém a fazer prato para mim.
Se eu quiser muito, leva prato e leva prato para toda a
gente. Tenho exemplo muito engraçado. Para aí há três ou quatro anos,
nós fazemos em casa dos meus pais, no Algarve, fazemos todos os
anos encontro de primos, que são os primos da minha mãe. E
a minha mãe tem sempre o leitão, arroz de pato, coisas grandes,
porque somos muitos. E eu para aí há três ou quatro anos,
decidi fazer uma lasanha de ricota e espinafres. E a minha mãe
disse, ah, mas faz pouco que ninguém vai comer isso. Eu fiz
uma lasanha, sim, para seis ou oito pessoas, grande. A primeira coisa
a ir embora foi a lasanha. Portanto, nós não temos aversão ao
vegetariano, nós só pensamos que temos. Pois as pessoas quando comem gostam,
não
é? Sim, sim, sim.
E esse já
José Maria Pimentel
agora, desculpa, para fazer paralelo com a nossa conversa anterior, e não
querendo, enfim, não gosto muito de estereótipos exagerados a distinções de sexo,
mas por exemplo do caso vegetariano acho que passa exatamente o contrário,
que há muitos homens que têm uma... Estigma? Sim, como se fosse...
Não sei, não percebo. Uma espécie de fraqueza, não percebo muito bem.
Catarina Barreiros
Olha, deve ser engraçado. Não sei se existe. Já alguém
me pegou nisso, de certeza.
De certeza, mas Eu nunca vi.
Também
não. Mas parece inocente. Mas é engraçado, por exemplo, felizmente à minha
volta tenho muitos homens que combatem muito a seriose. Tipo, o meu
marido é o primeiro a querer fazer uma alimentação vegetariana em casa,
embora fora de casa coma carne por opção. Ele prefere mesmo que
em casa não come carne, porque diz que se em casa não
comer, depois não se sente mal, se desfeções fora de casa. Ou
o padrinho da minha filha, que tem quase 2 metros de altura
e que em casa também faz uma alimentação vegetariana, só que quando
vão a jantar fora é que come carne.
Catarina Barreiros
permite socialmente, culturalmente, continuares, não tens grande diferença nos jantares de amigos,
nos jantares de família, mas depois no teu dia-a-dia diminuis o consumo
da proteína animal. E além disso, é mais barato. O auxílio dessa
questão para mim é que mudar para o estilo de vida mais
sustentável faz-te poupar dinheiro e poupar o ambiente e melhorar a saúde,
na maior parte dos casos. Porque nem seja saúde mental, quando diz
respeito à quantidade de coisas que tens, saúde física, quando diz respeito
a comer menos processados, mais produtos de época e mais proteínas saudáveis,
não é? Mais saudáveis, menos precisadas. E para a carteira isso é
mais barato. Eu gasto muito menos do que os meus amigos que
comem carne em casa e produtos ultra processados em casa e tudo
o que faço é comprar alguns frutas luminosas, portanto não é rocket
science.
Dá mais trabalho?
Não acho. Eu acho que dá mais trabalho se o tivéssemos habituado
ao outro porque tens de mudar hábito.
Catarina Barreiros
Não é exclusivo, portanto, podes perfeitamente fazer uma coisa com mais gordura.
Imagina, a questão na cozinha justariana, eu acho que é o molho,
os condimentos que tu pões às coisas. Em minha casa, eu adoro
couve no forno. Adoro, e é super português. Uma boa couve, bem
marinada, regada com azeite ou com manteiga, com pimentão doce, com alha,
mistura. Fica uma maravilha. E eu sou perfeitamente capaz
de comer
metade da couve à refeição, sabes? Depois, claro, ponho grão, ponho tudo
mais. Caril de grão é prato maravilhoso eu acho que há muitas
pessoas que gostam muito de caril de grão com espinafres ou com
couve e asso fofona no meio ou o que seja eu acho
que é uma questão de nós sabermos cozinhar as coisas e a
maior parte das pessoas não sabe cozinhar as coisas mas há muitas
pessoas na internet fora a dar receitas maravilhosas de comida vegetariana. Eu
tornei-me vegetariana e aprendi a cozinhar por necessidade e hoje em dia
só sei cozinhar vegetariano. Se me puserem a fazer qualquer coisa que
não seja vegetariana eu acho que vou ter muita dificuldade. E não
vai calhar bem, garantidamente. Porque não estou habituada.
José Maria Pimentel
Eu não sei se tu ouviste esse episódio do Ricardo Fellner, que
foi convidado para ir a uns 15 episódios talvez. E era sobre
gastronomia e ele dá uma explicação interessante de... Ou seja, segundo ele,
havia ali uma viragem na cozinha vegetariana que durante muito tempo não
teve grande graça e depois eles começaram a usar... Sobretudo, segundo ele,
a tirar partido de uma coisa que chama a reação de Maillard,
que é quando basicamente tu tostas os alimentos, ou seja, quando eles
ficam meio tostados e que eles geram uma reação química, basicamente são
os aminoácidos que se desfazem, não me perguntes mais do que isso,
e que dá o sabor que nós gostamos no pão, por exemplo,
ou que gostamos na pizza, lá está. Ai que chido. E eles,
por exemplo, gostaram dos vegetarianos, começaram a usar esse tipo de reações
muito mais de maneira consciente ou inconsciente e a fazer coisas com
texturas diferentes, por exemplo, que deu muito mais graça à cozinha vegetariana.
E provavelmente
é o que tu fazes também em casa.
Catarina Barreiros
Confitados e afins. Sim, por exemplo. É engraçado dizeres disso. Eu sinto
que antigamente, quando se falava em comida vegetariana num restaurante, eram os
macrobióticos, eram aqueles que recebiam tipo uma salada de cuscuz com pimento
cru. Eu sou vegetariana e eu não como essas coisas. Eu gosto
de comida consistente. E é engraçado, nada contra o cuscuz e contra
pimentos, eu não gosto de pimentos crus, é indigesto para mim, mas
gosto de cuscuz misturado em outras coisas. Eu não sou pessoa de
saladas, eu não gosto de salada, eu não gosto de alface. E
quando eu me tornei vegetariana uma das coisas era mas como é
que tu és vegetariana e não gostas nem de salada nem de
alface porque não é isso que os vegetarianos comem, isso é o
que os coelhos comem as pessoas vegetarianas não comem alface, as pessoas
vegetarianas são pessoas portanto gostam de comer como pessoas
Catarina Barreiros
Não sei, não faço ideia. É porque é muito rápido de crescer
os alfaces. Pois. Acho muito rápido. Pode ser disso. E tem água
que também sabe bem nos meios mais quentes. Sim. Mas, sim. Mas,
entretanto, os restaurantes vestarianos agora têm imensa qualidade. O Gui Michelin já
tem a estrela verde, não é? Portanto, eu levei amigos a restaurante
vestariano que é o Arco, que é de longe onde eu mais
gosto de ir, e não há carnívoro que entre lá e que
não fique apaixonado. Nos meus anos, eu fiz lá o meu jantar
de anjos há dois anos, foram os meus 30, e os meus
amigos estavam fascinados, diziam, mas isto é vegetariano? Eu dizia, sim, é
todo vegetariano. Como assim é vegetariano? É comida tipo alta cozinha, vegetariana.
É inacreditável. É inacreditável. Portanto, eu acho que felizmente os chefes começaram
a pegar na comida vegetariana e fazê-la de maneira a que até
não vegetariano se babe por ir àqueles restaurantes que servem esse tipo
de comida.
Catarina Barreiros
É possível, eu acho. Mas tens outros, tens o Encarna de Viva
também que é espetacular no Porto, que é bocadinho mais acessível para
quem queira experimentar. Tens o Fava Tonka que é maravilhoso em Lácega
da Palmeira, há muito bons. Ainda não fui a alguns que agora
ganharam guia. Tens o Duos Porão que não é vegetariano mas é
de base vegetal e tem cuidado em nível de sustentabilidade são muito
interessantes, também ganhaste o rolo verde, o da molhadinha também, muito bom.
Portanto, também não é vegetariano mas também tem boas opções vegetarianas, portanto
eu acho que hoje em dia já começam a haver muito boas
opções vegetarianas e as pessoas já começam a querer escolhê-las mesmo não
sendo vegetarianas, porque sabem bem, são boas. O risoto de espargos sabe
bem,
José Maria Pimentel
Interessante, faz sentido nesse caso, faz todo sentido na verdade. Uma coisa
que eu tenho muita curiosidade de saber, neste teu percurso, ou seja,
tu, no fundo estamos a voltar ao início da conversa, tu lançaste
a página, foste lançando uma série de coisas, e hoje em dia
tens imensa gente a seguir, e portanto tu foste acompanhando a evolução
também das próprias pessoas, neste sentido. E este é jogo interessante porque
a evolução das pessoas para se tornarem mais sustentáveis faz, em parte,
por o que nós poderíamos chamar avanço, progresso moral, no sentido de
tu pensas num determinado assunto, concluís que é moralmente melhor fazer dessa
forma, que consegues levar-te a fazê-lo, mas obviamente, como nós já demonstramos
aqui, e é visível em uma série de áreas da vida, isso
por si só não é suficiente. Ou seja, depois tens de facilitar
de certa forma o caminho.
José Maria Pimentel
Tens de mostrar que existem opções, tens de levar, quase como o
teu exemplo com o guarda-roupa, tens de arranjar uma maneira de não
ir por naquela direção e outro caminho que te atraia. E o
que é que tu sentes nas pessoas que têm funcionado mais para
elas? Ou seja, tu dirias que a maior parte das pessoas, o
que é que as motiva? Por exemplo, imagina, nós já falamos aqui
de várias coisas, mas pode motivar preocupações ambientais do corpo, pode motivar
preocupações sociais, pode motivar uma espécie de aversão ao desperdício que nós
também temos, ou seja, embora nós desperdicemos com muita facilidade, nós temos
esse ímpeto da aversão ao desperdício nós não gostamos muito disso. Pode
ser a ordem, por exemplo, eu não sei se já falávamos sobre
isso, eu até puse isso no Instagram a certa altura, uma tia
minha, que na verdade a tia da minha mulher, que já não
sei quem é que ela tinha separado de uma maneira ultra-professionista no
lixo, na reciclagem. O ímpeto dela é sumo.
José Maria Pimentel
E é interessante, ou seja, o facto tem a ver com que
estás a fazer uma coisa boa que até não é difícil de
fazer. Mas também haverá em muitos casos apelo, não é? Olha, isto
é trendy ou... Porque há vários destes comportamentos que nós, por exemplo,
a questão da roupa em segunda mão... Terminou-se cool. Pode ser cool
também,
não é?
Sim. Aliás, o IPCC tinha uma frase engraçada sobre isso, que ele
dizia, por exemplo, enquadrar comportamentos de poupança de energia como high status,
como coisas que no fundo permitem às pessoas destacar-se, é uma estratégia
promissora para reduzir as emissões, por exemplo. Na verdade, só vou citar
paper.
José Maria Pimentel
Por acaso é engraçado, nas estimativas do IPCC, os carros elétricos, como
já vimos, não são os primeiros, é salvo erro a estimativa que
eles fazem que têm maior intervalo de confiança, ou seja, aquilo vai,
a barra vai desde bastante positivo a razoavelmente negativo. Porque depende, não
é? Porque depois tens muitos problemas associados aos carros elétricos, depende do
que estás a substituir por carro elétrico.
Catarina Barreiros
Exatamente, se tu deixares de andar dos esforços públicos para teres carro
elétrico é pior ideia de ser.
Pois, exato.
Se tu passares de usar carro de combustão para carro elétrico, sendo
que não tinhas a opção de passar por sistema de mobilidade partilhada
ou suave, então é uma melhor ideia. E à medida que a
nossa energia for ficando cada vez mais eletrificada, com fontes renováveis, em
vez de combustíveis fósseis, então elas vão se tornar cada vez melhores.
E à medida também que a tecnologia avançar, para as baterias usarem
menos lítios ou poderem ser mais recicladas, que já se provou que
é possível fazer oitéis recicladas com mesma performance, ou poderem ser mais
facilmente desmanteladas para reciclagem, portanto, tudo isto depois tem o seu impacto
dentro daquilo que são as escolhas dos carteletes.
José Maria Pimentel
Sim. No início falámos de... Tu descreveste isto como movimento coletivo, no
fundo, ou seja, para gerar uma ação coletiva. Qual é que tu
achas que é o caminho? Eu não sei, francamente, por exemplo, o
que é que tu achas de iniciativas como a Climáximo, por exemplo,
ou seja, coisas que vão mesmo, ou seja, tentam trazer o tema
para a agenda de uma maneira radical, digamos assim. Qual é que
tu achas que é o caminho? Porque eu não sei qual é,
na verdade, e isso faz-me alguma impressão, mas quanto mais penso sobre
ele, na verdade, melhor acho, até.
Catarina Barreiros
Com enorme probabilidade, alguém que usa jato privado, não há de ser
por causa de uma assistência médica, de a pessoa estar à beira
da morte e precisar de ir voar para Paris para cirurgião. À
partida não é esse o caso, não
é?
E com enorme probabilidade essa pessoa consegue uma alternativa melhor e tem
poder de compra para uma alternativa melhor. Até podia comprar comboio se
lhe apetecesse. Estou a dizer, obviamente. Mas bloquear a 2ª circular, para
mim, é tiro no pé, porque vai mobilizar a sociedade civil contra
a causa climática, porque ninguém vai voltear a estar no tránsito, além
de que é contraproducente porque o trânsito gera mais emissões. Portanto, não
faz grande sentido.
Catarina Barreiros
Exato. Acho que também se está a fazer disto, quer dizer, talvez
os postos de redes sociais, a chamar-lhes terroristas, vamos lá ter calma
também, não é? Tipo, existe terrorismo hoje em dia no mundo, infelizmente,
e nós vamos acontecer. Vamos escolher as palavras, porque senão perde o
significado, não é?
José Maria Pimentel
Pois, talvez seja, ou seja, deixa-me tentar explicar o meu raciocínio. Eu
não queria falar especificamente da Climaxim porque elas têm uma agenda política
que vai para lá da questão ambiental com a qual eu não
concordo, mas percebo até certo ponto a ação e a verdade é,
eu tenho vindo a olhar para ela com melhores olhos Ok, eu
percebo absolutamente a ação
Não, mas não, desculpa, claro que eu percebo a motivação, mas do
ponto de vista consequencialista eu até, do ponto de vista das consequências,
eu até sou obrigado a dar-lhes alguma razão no sentido em que
o que é que acontece se tu não fizeres nada daquilo? Tu
tens a campanha eleitoral e o que é que se discute na
campanha eleitoral? Discutes os assuntos menos importantes do que as alterações climáticas,
mas mais urgentes.
Catarina Barreiros
Sim, eu não vou entrar em nenhum partido político, não estou, mas
por exemplo, agora vou fazer parte das comissões cidadãos, que é uma
iniciativa cidadã, a partir da área de cariz político. Ou da lista
sombra agora para as europeias, também é uma iniciativa a partir da
área de cidadãos, jovens, portanto, Estou a tentar fazer alguma coisa com
a audiência que tenho que está interessada nesses assuntos, que quer fazer
alguma coisa e, portanto, eu faço parte do grupo de reflexão da
Presidência da República, portanto, também levo sempre esses temas das alterações climáticas
para os meus colegas e para a Presidência da República, portanto, faço
questão de, em todas as situações políticas, intervir de maneira...
José Maria Pimentel
Não, tu podes fazer o botamap, não é? Tu podes gerar na
população essa vontade. Mas é engraçado o que tu estás a dizer
porque é exatamente essa dúvida que eu tenho. Eu, por outra, há
duas maneiras de resolver problemas em política. Simplificando, é a via democrática,
digamos assim, que se gera uma maioria a favor daquele comportamento, ou
é a via tecnocrática. Nem sempre é isto, mas é no sentido
em que, obviamente, continuando a existir numa democracia que é sancionada pelo
voto, é sobretudo pessoas que entendem do assunto que tratam daquele assunto.
E, sei lá, tu tens uma série de matérias políticas que são
tratadas assim, não podia ser de outra forma. A saúde pública, por
exemplo, né? O Covid foi bom exemplo disso. E eu não sei
qual é a maneira de resolver este problema, porque eu não sei
se tu consegues...
José Maria Pimentel
Sendo benevolente? Não, pois, mas essa é que é a questão, não
é? Ou seja, sendo benevolente o objetivo é dar nas vistas para...
É como, sei lá, as marchas do Martin Luther King nos Estados
Unidos, não é? É dar nas vistas para as pessoas perceberem que
há ali uma injustiça e gerar uma vontade popular.
Sim, sim.
Agora, o meu ponto é, na verdade, eu não sei se é
possível fazer isso com a rapidez que o assunto precisa.
Catarina Barreiros
Isto tem consequência de 20 anos de más decisões políticas. Ou seja,
a questão é, Os nossos ciclos eleitorais são a cada quatro anos.
E isto é péssimo para resolver problemas estruturais. Porque, e nós vimos
agora com o logotipo que governo faz, é mudar o logotipo.
Desfaz o que o outro fez.
Desfaz o
que o
outro fizer, nem que seja para bater o pé. Mesmo sejam coisas
tão idiotas como logotipo, não é? Portanto, Aquilo que nós estamos sempre
a fazer, quando têm 4 anos e a desfazer o que os
outros fizeram, visse se não nos dá tempo a construir. Enquanto não
houver uma tentativa de sistematização em que se sentam todos os partidos
políticos e estabelecem metas e áreas em que se vai trabalhar e
que ninguém pode mexer durante 20 anos, vamos continuar nisto. E vamos
continuar. Enquanto não houver consenso político de vamos fazer uma aposta na
ferrovia, porque isto é especialmente idiota porque eu analiso os programas eleitorais
do ambiente de todos os partidos políticos há uma coisa que todos,
todos, sem exceção dos mais à direita aos mais à esquerda, passamos
pelos mais e menos liberais passando até pelos negacionistas que todos os
partidos falam é de mobilidade e de inacessibilidade que está assente na
ferrovia. Portanto, todos eles falam nisto, como é que não se faz
plano ferroviário para Portugal há 20 anos, em que todos têm de
ir construindo e ninguém pode fazer o que os outros fizerem. Como
é que isto não é feito? E isto em temas tão fundamentais
como a mobilidade e a acessibilidade, portanto falamos da mesma coisa mais
ou menos, em temas como a saúde, em temas como a educação,
em temas como a justiça, como a habitação, tem de haver mínimo
dos concessos para onde é que nós estamos a ir, porque senão
vamos estar só a brincar aqui ao monofólio, não é?
Catarina Barreiros
Isso é o que eu acho que deve ser feito. Ou seja,
existe argumento que está estruturado e com base nesse racional faz sentido.
Eu é que não acredito que isso sem é efeito positivo. Eu
acredito que cada vez que nós polarizamos estamos a afastar as pessoas.
E na vida em sociedade é uma vida de comunhão e não
de dissociação, não é? Portanto, se torna-se antissocietal, assim que se diz,
estamos a afastar as pessoas em vez de estar a tentar encontrar
os pontos comuns. E mesmo nas alterações climáticas existem muitos pontos comuns,
porque, ok, se calhar a maneira como se chega às coisas não
é tão óbvia. Mas existem estratégias e, Por exemplo, a descarbonização é
exemplo disso, que é dotado da esquerda e da direita porque traz,
por exemplo, benefícios económicos e benefícios sociais. Portanto, os temas de adaptações
climáticas e da sustentabilidade são sobre melhorar a vida das pessoas. E
se todos os partidos começarem a unificar, e imagina não tendo votado
na AD, o Montenegro, uma coisa que fez agora foi pegar em
medidas de vários partidos. Isso é uma tentativa de aproximação que a
mim, que sou de centro, faz-me sentido, porque está a assumir a
representatividade daquilo que as pessoas elegeram. Portanto, se as pessoas elegeram aqueles
partidos, as pessoas daqueles partidos também merecem ver algumas medidas que aqueles
partidos levaram à frente valorizadas numa proposta orçamental, não é? E eu
acho que isso faz sentido. Isso faz sentido enquanto sociedade, nós vermos
o que é que os outros têm, que pontos em comum é
que nós temos? Então começamos por esses e logo vamos aos mais
difíceis porque só nesses já há muito trabalho a fazer e há
muita coisa de fundo que é preciso mudar portanto, parece-me que unir
em vez de segregar é sempre a melhor estratégia mas lá está,
eu sou uma pessoa muito moderada para o bem e para o
mal. Muitas vezes não devia ser tão moderada em muitos aspectos. Mas
não acredito que gritar mais alto vá resolver o problema da surdez
coletiva. Não se resolve assim. É com aparelhos auditivos, com a investigação,
é com o texto. Temos de ter algum cuidado para manter formas
de vida em sociedade que respeitam a nossa diversidade. E é isso
que eu acho que é difícil, é que nós falamos muito em
diversidade e é que tem o Massimo também e bem, mas depois
não queremos respeitar a diversidade. E às vezes querer ouvir o avô
que vive não sei onde e que tem uma visão completamente para
nós inconcebível do mundo, nós temos de falar com ele e perceber
o que é
que o leva
a fazer isso. Se calhar é porque a realidade dele é muito
diferente da nossa. E portanto nós temos de tornar as nossas realidades
aproximadas sempre que conseguimos encontrar pontos de encontro.
Catarina Barreiros
O impacto contra o tempo. As alterações climáticas não vão chegar só
às pessoas que não têm dinheiro. As pessoas nas férias mais elevadas
vão sofrer com as alterações climáticas, porque quem vai passar férias a
sítio exótico, onde só as pessoas com mais poder de compra vão,
se houver aí mega tsunami, como já aconteceu em muitos lugares do
mundo, as pessoas também morrem. De covid também morrem os ricos. Portanto,
eu acho que toda a gente tem interesse partilhado em resolver este
problema. E se calhar há pessoas que veem este tema com menos
urgência. Mas toda a gente vai ficar sem água e sem oxigênio.
Não são só uns. A perda de biodiversidade vai levar a perdas
de rendimento alimentar que vão afetar mais as pessoas com menos poder
de compra, sim. E as pessoas com menos poder de compra e
as pessoas do sul global vão ser mais afetadas pelas situações climáticas,
sim. Mas não são as únicas que vão ser afetadas e nós
felizmente, acho que também vivemos num mundo onde muitas pessoas do norte
global se preocupam com as pessoas do sul global porque estão longe
da vista mas não estão longe do coração e nós com o
mundo globalizado e com as novas tecnologias nós conseguimos muito rapidamente perceber
que existem problemas do mundo. O facto de estarem famílias a morrer
à fome em Gaza, a mim afeta-me enquanto mãe. E eu não
tenho de estar lá para isto me afetar. Ou o facto de
estarem famílias a serem deslocadas do Uluatu, porque o Uluatu vai ficar
submerso, a mim afeta-me. E claro, no caso eu vivo num país
também que é rodeado de mar, mas no sítio onde eu vivo
a partir da noite chega o oceano, mas a mim também me
afeta, ou seja, eu também sinto a dor dos outros humanos na
volta do globo e como eu a maioria da população. A questão
é que há uma minoria muito vocal com menos escrúpulos e eu
acho que nós às vezes nos deixamos levar e achamos que o
mundo é de pessoas más. Existe uma minoria, eu acredito que existe
uma minoria de pessoas más e estatisticamente pessoas com patologias como psicopatias
e afins são menos do que aquelas que têm empatia pelos outros.
Catarina Barreiros
Mas tu podes fazer duas coisas, ou seja, imagina. Tu podes falar
de habitação em dizer uma solução que nós propomos para a habitação
é que as pessoas possam viver mais perto em termos de horas
do seu trabalho e poderem viver com mais qualidade de vida fora
dos centros urbanos altamente poluídos. Se tu ouvires isto, tu pensas, eu
vou demorar menos tempo, vou viver num sítio com menos poluição e
vou ter condições de habitação acessível. E depois eles dizem, e como
nós vamos fazer isto? É através de ferrovia, light rail, e conseguir
dispersar as pessoas mais por uma zona maior, garantido que chegam mais
rápido e sem congestionamento. Alguém gosta de estar no trânsito? Não. Se
nós dissermos às pessoas que vão demorar menos tempo, não ter trânsito,
viver num sítio onde têm mais qualidade de vida que eu acho
que toda a gente que tem crianças gostava que elas tivessem espaço
livre para brincarem, não é? Numa casa até se calhar pode ser
bocadinho maior onde vão ter telhado onde possam pôr panéis folares e
não têm que lidar com o vizinho que não quer porque não
percebe nada do assunto, sabes? Há tantas, umas não são contra as
outras, pelo contrário!
Não, não, claro que...
Uma medida boa para a habitação, para além de isenções de MT
ou do que quer que seja, pode ser dizer, para resolver o
problema da habitação na Grande Lisboa, nós vamos servir as regiões à
volta de uma melhor rede ferroviária. E isso vai nos permitir viver
mais longe e estar mais perto do nosso trabalho em termos temporais.
E eu não sei se isto é assim tão esquisito de dizer
num debate, levou-me 30 segundos, minuto a dizer
Catarina Barreiros
Não, mas eu concordo, eu acho que não existe só uma ou
outra, percebes? Eu acho que tu podes ter uma autoridade política composta
por especialistas dentro de uma democracia e acho que é muito perigoso
discurso de segregação das pessoas e isto tanto para a extrema-esquerda como
para a extrema-direita como para o extremo-liberalismo ou neoliberalismo ou o que
seja acho que temos que ter muito cuidado com a maneira como
nós queremos pôr-nos uns contra os outros porque a maior parte de
nós tem mais em comum do que de diferente, o facto de
todos somos pessoas, todos nos alimentamos, todos dormimos, todos temos, ou muitos
temos filhos gostamos de animais, uns mais do que outros, uns gostam
mais de cães, outros gostam mais de gatos, todos gostamos de admirar
pôr do sol, todos gostamos de uma paisagem bonita. Nós temos muita
coisa em comum. Temos diferentes visões sobre como é que se chega
a esse ideal de felicidade. Mas se nos sentarmos de maneira empática,
abertas às ideias dos outros, conseguimos talvez encontrar a melhor entre os
trabalhos de grupos na escola. Não concordávamos todos, mas encontrávamos meio térmico.
Geralmente aqueles trabalhos de grupo em que havia uma pessoa que bateu
o pé e dizia não porque era assim, eram os que acabavam
sempre o grupo todo chateado e os trabalhos não pegavam conta da
qualidade. Os trabalhos com mais qualidade são coisas em que cada pessoa
contribui e todos encontram consenso entre aquilo que faz sentido fazer, sendo
que há coisas que temos partido princípios universais. Por exemplo, para mim
é muito difícil discutir com negacionista climático Porque não partimos os dois
da mesma informação, não acreditamos os dois na ciência e quer dizer,
provavelmente não temos os dois a mesma literacia para perceber como é
que a ciência funciona, porque qualquer pessoa a quem é dado a
literacia percebe que a ciência está em constante evolução que o facto
de dizer uma coisa agora diferente da que dizia há 30 anos
chama-se evolução e chama-se integridade, é por integridade no fundo. Portanto, a
escapar disto tudo, há uma coisa que nós não podemos descurar, que
é o investir em educação, investir em literacia, porque esse é o
grande evoluidor social e quando investimos em educação, investimos em ter uma
comunidade que de maneira bocadinho mais homogénea é capaz de entender os
assuntos. Porque é muito difícil ter uma conversa sobre alterações climáticas com
alguém que não percebe porque é que existe fertilizante que emite gases
de efeito de estufa porque ele não está emitindo gases porque olha
lá não está aqui vapor nenhum, percebes? Portanto, é muito difícil ter
essa discussão.
José Maria Pimentel
Bem isto já vai long. Deixa-me só perguntar-te uma ou duas coisas
para terminar. Algumas coisas interessantes que não cobrimos. Uma que não te
esqueci de perguntar é, eu não sei se tu, em que medida
é que tu achas que a resposta passa por impostos, ou seja,
por exemplo, tens imposto sobre a carne, que fará a carne ser
mais cara e, portanto, vai regularizar o consumo, ou até no limite,
por exemplo, outro dia falava comigo, que trabalha nesta área, ele falava
da hipótese da pessoa ter uma espécie de carbon budget, orçamento de
carbono, que tu tinhas orçamento pessoal do carbono que tu podias gastar
e tu podias, imagina, eu podia escolher usar mais carro e ter
uma alimentação vegetariana e tu se calhar escolhias o contrário, por exemplo.
José Maria Pimentel
Absolutamente. E outra coisa que não falámos é a questão das empresas,
por exemplo, eu não sei que papel, e o meu amor seja
muito para o mercado, confesso muito estética em relação ao papel das
empresas nisto, ou seja, acho que as coisas evoluem muito devagar, por
isso também há muitas informações, há muitas coisas como por exemplo aquela
história do neutro em carbono, não é? Se a pessoa for ver
aquilo é basicamente impossível. Portanto, há alguns céticis, mas enfim, tenho curiosidade
sobre o que é que tu achas.
Catarina Barreiros
Exatamente, e era isso que eu ia dizer. Para mim, o que
nós temos de fazer é contabilizar financeiramente externalidades positivas e negativas. Ou
seja, se uma empresa está a fazer lestejamentos de papel e a
poluir caudais, se começar a ter de pagar os efeitos que está
a causar, se calhar vai poluir menos. Claro, sim. E em Portugal,
por exemplo, as empresas já têm alguns impostos e algumas regulamentações com
as quais têm de cumprir. Mas as externalidades negativas e positivas, económicas,
muitas vezes sociais, culturais, não são financeiramente contabilizadas nos balanços das empresas.
Isto não é obrigatório fazer. E eu acho que isso mudava muito
as regras do jogo. Mudaria muito as regras do jogo, porque de
repente tu ou subsidiavas imenso indústrias altamente poluentes, que fazes hoje em
dia, Portugal continua a subsidiar combustíveis fósseis, que é algo que para
mim, como é que isto é sequer possível, é inatingível, portanto ou
terias de subsidiar muito para compensar ou elas tinham que ter de
mudar sob o risco de morrerem. Portanto, para mim compensar externalidades é
ponto necessário e isto é uma questão de se fazer uma análise
de como é que podem ser contabilizadas de maneira científica. Por exemplo,
quanto é que nós consideramos que as emissões custam depois à sociedade
civil, ao ambiente, aos ecossistemas, qual é o valor que isto tem?
Porque tem valor.
José Maria Pimentel
Claro, o ideal era que as empresas conseguissem auto-regular, numa perspetiva de...
Em que tu internalizas essas externalidades, no sentido de que o ambiente,
por exemplo, passa a ser stakeholder como os outros, não é? No
mundo cor-de-rosa, não é? Tu conseguias auto-regular, te vazias lá os produtos
neutros em carbono e tal. Sim. Eu tenho, confesso, tenho bastante cético
em relação a isso.
Catarina Barreiros
Sim, eu acho que mesmo tem de ser importante a haver reposições
locais. Há Uma coisa muito gira que me foi dito agora há
pouco tempo, que é ao mesmo tempo que proibimos temos de dar
uma cenoura. Porque não se pode. Tem que se achar que está
errado, ao mesmo tempo que se dá palmadinhos nas costas que o
que está certo. E isto é mais ou menos como educar uma
criança. A minha filha sabe que não pode bater. Nem a mim,
nem a ninguém. Porque não pode bater. Portanto, isso eu digo-lhe não,
não podes, está fora de questão de bater em quem quer que
seja, não vês isso à tua volta, não vais fazer, não se
faz. Mas quando ela é muito querida com alguém e alguém que
não foi simpático para ela, ela diz eu acho que não foste
muito querido, precisas de abraço, eu digo-lhe boa graça. É mesmo isso,
temos mesmo de ser queridos com as pessoas. Portanto, a lógica é
mesmo a de falar com uma criança das empresas. Eu tenho empresas,
portanto, eu acho que é muito visto que é proibir aquilo que
manifestamente faça mal ao planeta e que tenha mais do que comprovado
que passa muito mal, isso já existe, existe no mercado de carbono,
existe o mercado regulado e o mercado voluntário. O mercado regulado de
carbono já vai às indústrias mais poluentes que têm de, na Europa
pelo menos, e em alguns lugares do mundo, que têm de ser
compliantes com as regras. Embora, Na minha opinião, ainda pode fazer trading,
não é? Que é uma coisa ridícula, que é eu poluo a
mais, tu poluas a menos, eu vendo de ti as minhas licenças
de emissão. Que é só... Para mim não faz sentido nenhum, mas
tudo bem, é mercado. Portanto, o que eu acho que nós devemos
fazer é proibir e incentivar ao mesmo tempo. Proibir aquilo que manifestamente
não der mesmo, que não fizer sentido nenhum. Imagina, trabalho de escravo,
absolutamente fora de questão. Importar produtos com trabalho de escravo, está fora
de questão. Não há valor no mundo que possas pagar para compensar
o facto de ter uma criança a trabalhar por ti e para
eu estar a usar esse produto. Ponto, não entra, não há como.
Outra coisa é dar benefícios de modessa. Uma empresa consegue, num ano,
baixar 20% das suas emissões. Podemos dar-lhe incentivo fiscal? Por que não?
Ou incentivos fiscais para as empresas que aumentarem os seus trabalhadores? Por
que não? Por que não? Porque essa é uma dificuldade que as
empresas sentem. Eu senti isso enquanto tinha pessoas... Eu tenho pessoas que
trabalham para mim, não é? Quer dizer, é difícil aumentar salários, nós
pagamos imensos impostos, isso é uma realidade. Se eu tiver incentivo fiscal
para aumentar, eu prefiro, em vez de pagar tudo em impostos, pagar
mais ao meu colaborador. Isso é limpinho, Eu vou ganhar o mesmo,
mas prefiro que a pessoa fique mais feliz e mais motivada pelo
trabalho que está a fazer. Então eu acho que não pode ser
uma ou a outra. Taxar aquilo que manifestamente não podemos admitir no
século XXI e incentivar a mudança. Em relação à primeira pergunta, que
era sobre se devíamos ter impostos em tudo, que vai muito ligado
à primeira. Eu acho que, sobretudo, taxar indivíduos, demasiado, só vai criar
mais afronta em relação aos sistemas políticas. Acho que os green taxes
fazem algum sentido em alguns produtos. Imagina, se estivéssemos a falar de
produtos e não quero aqui ser muito sedenciosa, mas quer dizer, faz-me
sentido que o jato privado pague mais impostos do que carro. Claro
que vais-me dizer, certo, mas já pagam porque são mais caros do
que carro, portanto já pagam mais impostos. Mas estou a dizer mesmo
marginalmente, seja em termos percentuais, têm que pagar mais. Mas não faz
sentido taxar o indivíduo. Não faz porque nós já pagamos impostos em
tudo na nossa vida, nós quase que respiramos e
Catarina Barreiros
Mas manda sinal diferente, que é que eu não estou a subsidiar
o combustível em espócios. Isto é bicho até. Quando pões dinheiro para
a segurança social, os fundos em que o sucesso social investe, investem
em combustíveis fósseis. Eu só pelo facto de trabalhar, eu invisto em
combustíveis fósseis. Isto vai contra tudo aquilo em que eu acredito e
eu não quero e não tenho a opção de não fazer. Portanto,
se toda a gente deixasse de investir em combustíveis fósseis, se toda
a gente deixasse de investir e começasse a usar esse dinheiro para
investir em soluções renováveis, eu vou dar exemplo muito concreto que dá
mais dinheiro para as pessoas, o mesmo valor líquido para os cofres
do Estado e descarboniza ao mesmo tempo. Energia descentralizada, produção de energia
renovável descentralizada. É uma medida que eu não percebo, como é que
não estão todos de acordo e como é que não começa já
a ser implementado. Portugal é o segundo país na Europa com maior
capacidade para produzir energia renovável descentralizada. O que é que isso significa?
Significa que nos nossos telhados nós podemos produzir tanta energia que somos
o segundo país da Europa a conseguir comatar mais necessidades energéticas. Nós
podíamos comatar 50% das nossas necessidades energéticas apenas usando os nossos telhados.
Já não estamos a falar de utilizar fachadas, não estamos a falar
de utilizar fences de vedações.
Catarina Barreiros
Só no telhado. 50% das nossas necessidades energéticas. Isto é muito. E
continuamos a apostar em enormes parques que desbravam a biodiversidade toda ou
a subsidiar combustíveis fósseis. Se nós desviarmos esse investimento dos combustíveis fósseis
para apostar em soluções de descentralização em todos os bilhetes portugueses, as
pessoas poupam na fatura da energia, nós tornamos o nosso país mais
descarbonizado, ou seja, mais compliant com os objetivos europeus de descarbonização, poupamos
dinheiro, a energia solar entrou em níveis negativos até em termos de
valores de produção. Nós conseguimos, existem soluções, a solução não é só
tirar de lado e de repente ficou do outro e as pessoas
ficaram com o net cost, ficou igual. Não ficou! Se emprestas a
energia descarbonizada, tu consegues que as pessoas ganhem dinheiro, porque poupam na
energia ao final do mês. Mas, como ganham responsabilidade sobre os seus
próprios consumos, percebem que quanto menos energia usarem, menos vão pagar, porque
os painéis solares vão ser utilizados para mais coisas. Se eu tiver
as luzes ligadas à noite, eu vou pagar mais de energia do
que se eu não estiver ligadas à noite, porque eu vou ver
a fatura de energia a descer. Então o meu consumo, eu vou
ser responsável pelo meu consumo, mas eu não fui taxada por isso.
Eu tive apoio para conseguir ver o meu consumo baixar, é bom
para as pessoas, é bom para a economia e é bom para
o ambiente. Portanto, tu tens exemplos e a mobilidade tem a mesma
coisa. Portanto, tu tens ganhos financeiros para as pessoas com políticas ambientais.
Só que vais ter perdas para as grandes empresas de energia, com
isso elas não tiverem on-board. Qual é que é a solução que
eu proponho? É que as empresas ajudem a fazer esta produção descentralizada,
porque obviamente os painéis celulares de alguém tendo-os produzir, as ligações elétricas
e as conduções para passar a voltagem, os cabos de passar energia
têm de ser postos para alguém. Portanto, vai haver ligeiras perdas para
as energéticas, mas também elas se viram lucrar como nunca nos últimos
anos. Portanto, também não é que... Quer dizer, às vezes é só
injusto para as grandes empresas.