#163 Catarina Barreiros - É nos nossos comportamentos que está a chave para tornar o Mundo...

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José Maria Pimentel
♪ Olá, o meu nome é José Maria Pimentel, sejam muito bem-vindos ao 45 Graus, agora também em vídeo. No episódio de hoje converso sobre sustentabilidade com a Catarina Barreiros, que nos últimos anos se tem dedicado de corpo e alma a esta causa. A Catarina tem formação em arquitetura e começou a trabalhar na área do marketing, até que em 2018 decidiu começar a falar sobre sustentabilidade na sua página de Instagram. A página foi crescendo e crescendo e hoje já tem mais de 100 mil seguidores. Pelo caminho, a Catarina lançou, juntamente com o marido, a loja do Zero e também o podcast do Zero e ainda evento anual na cidade de Lisboa chamado Cidade do... Adivinharam? Zero. Além disso, lançou também a Norm, uma marca de roupa interior menstrual totalmente reutilizável e sustentável. Esta conversa é o terceiro episódio de uma série de conversas que estou a gravar sobre ambiente e alterações climáticas. Vou entrecalando estes episódios com outros temas, mas podem contar já para muito breve com outro episódio, desta vez sobre energias renováveis. Voltando à Catarina, nesta conversa discutimos a sustentabilidade nas suas várias vertentes, desde os comportamentos individuais à ação coletiva. Começamos por falar sobre o que dizem os estudos sobre os nossos comportamentos individuais mais penalizadores para o ambiente. Desde o nosso consumo exagerado de carne na nossa dieta, ao desperdício, à nossa dependência exagerada do carro e ao nosso consumismo que alimenta toda uma indústria que depois acaba por contribuir para as alterações climáticas e para poluir o planeta. Falámos também dos aspectos sociais e culturais que tornam muitas vezes difícil alterarmos determinados hábitos enraizados, como os hábitos alimentares ou até os hábitos de consumo. Sendo que a ação individual é importante, mas a verdade é que dificilmente haverá alterações a sério se não houver uma intervenção cívica e política. E por isso perguntei também à Catarina qual é que ela acha que deve ser a nossa conduta enquanto cidadãos, enquanto intervenientes no espaço público e perguntei-lhe também o que é que ela acha de alguns atores que têm intervindo nesta área como associações ambientalistas, os políticos e, claro, também as próprias empresas. Foi uma excelente conversa com a Catarina, acho que vão gostar muito deste primeiro episódio em vídeo. Antes disso, deixem-me só agradecer, como sempre, aos novos mecenas do 45°. São eles o Nuno Ferreira, a Susana Quadros, a Rita Varandas, a Ana Rita Faria, o André Emanuel Dias, o Emanuel Furtado, a Sabrina Bacanti e, finalmente, o Miguel Domingos. Muito obrigado a todos por apoiarem o 45° e agora deixo-vos com a Catarina Barreiros. Até à próxima! Catarina Barreiros, bem-vinda ao 45°! Bem-vinda ao 45° em vídeo!
Catarina Barreiros
Em vídeo, é verdade! Com bonitidade!
José Maria Pimentel
Tens a honra, dúbia, de estrear o 45 Horas Versão Vídeo. Olha, para começar, nós vamos falar de sustentabilidade, hábitos, e às vezes falamos como é que tu vieste aqui parar, como é que tu de repente vieste parar ao Instagram, ao podcast, à loja, ou à Cidade do Zero, como é que vieste parar a isso?
Catarina Barreiros
Na verdade foi assim meio random, como a maior parte das coisas da minha vida. Comecei a pensar bocadinho sobre isto, do que é estilo de vida mais sustentável, o que é sustentabilidade. Mas eu não acreditava em nada do que via, eu sou bocado cética. Então eu queria sempre isso salvar. E às tantas fiz post no Instagram quando eu e o meu marido decidimos, já que tínhamos casado e mudado de casa e mudado de hábitos começar a nossa vida bocadinho do zero bocadinho mais alinhado com os nossos valores e pus post no Instagram para os meus amigos a dizer, ah malta vou começar a comprar granel e vou fazer umas mudanças de vida. Acho que a maior parte deles achou que estava bem. Isto dura uma semana. Mas foi giro, foi assim, foi muito random, foi post nas redes sociais.
José Maria Pimentel
E a coisa começou por aí.
Catarina Barreiros
Começou por aí. Os amigos convidaram amigos, os amigos convidaram amigos e de repente somos 100 mil amigos.
José Maria Pimentel
Sempre para casa, é incrível. E diz-me uma coisa, este episódio está inserido numa série de episódios que eu tentei fazer com diferentes ângulos a propósito das alterações climáticas, mas a sustentabilidade vai muito para o lado disso.
Catarina Barreiros
Sim, sim, sustentabilidade estamos a falar de alterações climáticas, obviamente, biodiversidade, gás e efeito estufa, tudo o que isso implica, mas também estamos a falar daquilo que é justo socialmente, não estamos só a falar daquilo que é ambientalmente factual e científico, a parte social é importante, a parte económica é importante, portanto não existe resiliência num sistema que está em constante falência económica, não é? Porque aí não conseguimos prover para as pessoas nem garantir a subsistência da biodiversidade do planeta. Então é conjunto de fatores, antigamente dizia-se que eram três pilares, os famosos ESG, do ambiente, o pilar social e o pilar económico, mas na verdade essa teoria dos pilares é muito mais dinâmica do que isso. Nós estamos a falar de dimensões em que entra a cultura, em que entra a qualidade de vida, em que entra monte de coisas que não podem só ser colocadas em caixinhas. Mas pronto, é assim, em geral falamos dos três pilares.
José Maria Pimentel
Mas mesmo dentro do ambiental, tu tens alterações climáticas, sim. Tens biodiversidade, tu falaste agora, sim. Que não é a mesma coisa. Às vezes...
Catarina Barreiros
Às vezes estão ligadas.
José Maria Pimentel
Às vezes têm causas comuns, mas há outra parte das causas que não são comuns.
Catarina Barreiros
Sim, sim, é verdade. A biodiversidade não tem só a ver com alterações climáticas.
José Maria Pimentel
Exatamente. E tem também a questão da poluição, por exemplo, que também tem alguma superposição com as alterações climáticas. Tem muito em comum.
Catarina Barreiros
Sim, é engraçado porque nós ouvimos falar muito de alterações climáticas, se bem que eu acho que hoje em dia sustentabilidade é mais a palavra da ordem do dia, até está bocado gasta e às vezes não muito bem.
José Maria Pimentel
Quer dizer tudo e nada.
Catarina Barreiros
Exato, porque o que é que quer dizer sustentabilidade? Eu trabalho nisso há cinco anos e eu continuo sem conseguir dar uma resposta que vá para além do que os livros dizem, não é? Portanto é bocado difícil definir o conceito de sustentabilidade, porque estamos a falar de uma estabilidade própria do nosso planeta que garante o futuro para todas as espécies, para todas as pessoas, mas isso é super ambíguo, não é? E a verdade é essa, é que há distinções entre alterações climáticas por iduro e por biodiversidade. Aliás, há duas copes, há uma copa das alterações climáticas e há uma copa para a biodiversidade. Existem, efetivamente, várias coisas dentro da sustentabilidade, mesmo no âmbito ambiental, que é preciso avaliar.
José Maria Pimentel
Ah, entendi. Tu começaste bocado com esse ímpeto, iniciado, e depois ao longo destes anos foste alterando uma série de comportamentos e tentando, por várias pessoas, também alterar os deles, com base exatamente nessas preocupações. Qual é que é o sistema que tu tentas resolver? Qual é a tua equação? Obviamente não será uma equação a sério, mas o que é que está na cabeça quando tu pensas nisso? Ok, porque é que eu devo fazer esta mudança ou o que é que eu devo priorizar esta em detrimento do outro, por exemplo, o que é que está na balança quando tu pensas nisso?
Catarina Barreiros
Para mim, eu sou uma pessoa muito científica e portanto para mim é muito fact-based, exatamente. Ou seja, existe projeto que eu sei que tu conheces que é o projeto de Rodron, que nos diz basicamente onde é que vai haver mais impacto nas nossas escolhas e portanto eu tento fazer as escolhas de maneira informada a pensar onde é que eu posso gerar mais impacto. Mas ao mesmo tempo, como eu sou pessoa, tenho as minhas convicções e também tenho as minhas preferências e há coisas para mim que são mais fáceis de mudar do que outras eu penso naquilo que me é mais fácil mudar, o que eu consigo mudar porque aquilo em que eu acredito, qualquer coisa, as minhas
José Maria Pimentel
forças Ah, isso é interessante, a combinação entre o impacto e a... Sim, claro e a execuibilidade, para cada de nós
Catarina Barreiros
É isso mesmo, porque, bem ou mal, e eu acredito muito nisto nós todos devemos fazer alguma coisa mas a mudança não é apenas individual ou não é sobretudo individual. Eu acho que aquilo que nós fazemos de mudança individual depois nos capacita, enquanto indivíduos que fazem parte de uma sociedade, de escritório, do sítio onde se trabalha, que seja escritório ou não, mas todos os nossos núcleos sociais a seguir a nossa esfera individual vão beber bocadinho da nossa transformação pessoal e por isso eu acredito na mudança individual, porque essa mudança vai estimular uma mudança coletiva e essa é a mudança que nós precisamos, porque pessoas que estão mais capacitadas sobre pequenas escolhas individuais, são pessoas que depois vão saber, assim de uma maneira muito básica, mas vão saber votar melhor, vão saber priorizar melhor medidas políticas e avaliá-las, vão conseguir exigir mais as suas juntas de freguesia, as suas autarquias, porque a mudança não pode ser só de repente os consumidores mudam todos para shampoo sólido e portanto as marcas de shampoo decidem que afinal não vale a pena fazer líquido porque toda a gente mudou para sólido. Isso não vai acontecer da noite para o dia. Não é assim tão óbvia essa solução. Se bem que obviamente enquanto consumidores temos muita força de mercado, mas tem de haver uma ação maior para resolver este problema. Aliás, a maior parte dos gáses de efeito estufa estão associados ao setor energético e a maior parte das pessoas não tem como fazer alterações de base em relação ao seu sistema de energia.
José Maria Pimentel
Ou seja, tem de haver mudanças institucionais para conseguir... Sim. Já lá vamos, que eu queria falar contigo sobre isso. O Drawdown é projeto muito interessante, embora eu acho que os números deles são só para o efeito em termos de alterações climáticas.
Catarina Barreiros
Sim, só alterações climáticas.
José Maria Pimentel
E aliás, há relatório também do IPCC, o 2022, que pela primeira vez tentou calcular o impacto desse tipo de medida e que também acho que é só de alterações climáticas.
Catarina Barreiros
O IPCC também fala, mas também fala de algumas coisas na biodiversidade, mas sim, é painel de alterações climáticas.
José Maria Pimentel
Claro, como tu dizias, há uma sobreposição grande, não é? Mas há coisas se calhar que, por exemplo, a reciclagem, eu suspeito que a reciclagem tenha efeito maior em termos de poluição, por exemplo, do que
Catarina Barreiros
de alterações
José Maria Pimentel
climáticas, embora também tenha.
Catarina Barreiros
Sim, a questão dos resíduos tem a ver, na origem tem mais a ver com alterações climáticas por causa da produção de tudo aquilo que nós consumimos e muitas vezes daquilo que é os plásticos que implicam a extração de petróleo, portanto aí vai ter efeito direto nos gáses, efeito estufa, mas depois vai ter efeito na biodiversidade na parte do littering, quando existe, sobretudo no oceano, nós vemos muito isso, que os plásticos no oceano matam animais, matam animais e matam a biodiversidade porque criam uma camada por onde o sol não passa e sem sol a fotossíntese se torna quase impossível. E claro, tem consequências muito diretas na poluição, se bem que a poluição tem consequências também muito diretas nas altas-cidades climáticas, portanto isto é uma pescadinha de rabo
José Maria Pimentel
na boca. Sim, sim, sim. Não, claramente, ou seja, é difícil que haja uma coisa que não estejam os três pandas ao mesmo tempo. Podem não ter o mesmo peso.
Catarina Barreiros
Sem duvida, sem duvida. É como o consumo de água, por exemplo. Nós quando calculamos a pegada de carbono de produto ou de serviço, calculamos o carbono, não calculamos a água, mas a água também é fator que pode ter em conta.
José Maria Pimentel
Exatamente. Olhando para os números do Drawdown e do IPCC, há aqui algumas coisas que vêm logo nos primeiros lugares. Isso por acaso é exercício engraçado para mim, foi uma das boas razões para fazer estes episódios, porque a pessoa tem uma vaga noção, não é? Mas é completamente diferente de vezes os números e eles coincidem em alguns números, pelo menos no impacto, depois a execuibilidade é outra questão, mas por exemplo, desperdício alimentar, isso falámos no episódio com o João Pedro, alimentação de base vegetal. Logo no top 3. Logo no top 3, né? Abdicar do carro, usar bastante menos o carro, muito menos viagens de avião, e depois claro, melhor isolamento e eletricidade sem ser com fontes baseadas em carbono. Mas só a questão do desperdício alimentar
Catarina Barreiros
e alimentação são apartes individuais, se formos
José Maria Pimentel
tomar. Sim, sim, sim. E têm impacto, segundo eu, gigante.
Catarina Barreiros
Tem, tem. Ou seja, o desperdício alimentar, pelo menos da última revisão do Thorndine que vi, era o gesto com mais potencial para mitigação. Até 2050, que é o caso da avaliação. Estamos a falar de quase 90 toneladas até 2050 a poupança. De evitar o desperdício alimentar como todo. E é muito engraçado, porque nós às vezes pensamos no desperdício alimentar e pensamos que ele não é feito nas nossas casas, porque as grandes superfícies é que tem. E é mesmo interessante, eu agora vi ontem, na verdade, a posto do Parlamento Europeu, que realizava estudo que dizia que na Europa metade está nas nossas casas. E o perda também, em Portugal, já tinha analisado isto. Metade do desperdício alimentar está nas nossas casas. E o resto está uma parte mais pequena no retalho, portanto no norte global, está uma parte mais pequena no retalho porque, em certo, o retalho se modernizou, consegue melhores refrigerações, consegue tudo isso.
José Maria Pimentel
O retalho, desculpa, estás a falar do supermercado.
Catarina Barreiros
Supermercado, sim, Retalho alimentar. A indústria da transformação também perde uma porcentagem e a produção também perde uma porcentagem pequena, mas os consumidores, no chamado norte global, têm uma responsabilidade muito superior do que no sul global, porque no sul global as pessoas são, tendencialmente, mais pobres E até se fala em perdas e não em desperdício, porque são perdas na produção e na cadeia de abastecimento porque se não há frigorífico para se guardar leite, o leite estraga-se antes de chegar ao consumidor.
José Maria Pimentel
Exato, sim, sim. O João Pedro falou nisso, sabe ler, não é? Enquanto para nós é mais o... No fundo é tu deixar as coisas a poder ser no frigorífico, não é? Ou na dispensa.
Catarina Barreiros
Sim, ou não usares todas as partes dos alimentos. Imagina, tu comes uma banana e deitas fora a casca, certo? A casca é combustível. Podes fazer estufadinho com a casca, fica delicioso. Ah é? Sim. Ou a maior parte das pessoas quando faz brócolos, não usa o tal dos brócolos. Quer dizer, mesmo que se ponha numa base de uma sopa, ele dá para ser comido.
José Maria Pimentel
A sério não usa o tal?
Catarina Barreiros
Muitas pessoas não usam o tal dos brócolos. Porquê? Sei que é fibroso, tem esta fama de... Mas sim, há sim coisas, ou por exemplo, corta-se o alho francês. Há imensa gente que descarta as partes verdes do alho francês. A parte de cima, a parte mais branca. Tanto que às vezes no supermercado existe logo nas covetes
José Maria Pimentel
a parte branca. Ok, interessante. Qual era o número? Terço?
Catarina Barreiros
Em nossa casa é cerca de metade. Metade? Sim, no norte global, na Europa. Sim, na Europa. Se estivermos a falar mundialmente é terço a responsabilidade do consumidor.
José Maria Pimentel
E isso é interessante. E é entre esses desperdícios que tu fazes logo à cabeça, de partes não aproveitas e depois o resto que tu deixas estragar. Tu deixas a aparecer
Catarina Barreiros
e estragar. E os restos que não se comem porque entretanto passou e não se congelaram. É muito engraçado, ou não, o pão por exemplo é dos alimentos mais desperdiçados. Sim, o
José Maria Pimentel
pão é ultra desperdiçado.
Catarina Barreiros
É ultra desperdiçado e faz bocado de impressão porque é dos alimentos mais fáceis de congelar. É literalmente, pegásselo no pão e enfiásselo num congelador depois quando o tiras, se o fizeres no microondas com copo de água ele fica igual a como estava, portanto é bocado diferente.
José Maria Pimentel
E tu achas, por acaso foi uma coisa que eu falei com o João Pedro, mas muito odd leve eu acho que a grande incógnita aqui é em quão execuível é ter estes ganhos, ou seja, o diagnóstico bem, o diagnóstico poderá ser questionado obviamente, mas parece-me relativamente sólido aqui a questão é, quanto disto é que tu consegues evitar? Eu diria que deve haver início da curva que é muita pique porque as pessoas estão a fazer as coisas tão mal, tão mal, tão mal não custa nada, não é? Mas onde é que tu achas que desta metade, destes 50%, onde é que tu achas que a coisa depois começa a ser difícil? Porque ninguém consegue ser perfeito. Te vais sempre deixar as coisas estragar, não há hipóteses, né?
Catarina Barreiros
Eu acho que isto tem muito a ver com os nossos padrões de trabalho do século XXI. Isto é uma coisa que eu tenho vindo a perceber. Parece-me que as pessoas que mais desperdiçam são aquelas que passam menos tempo em casa. Têm menos tempo para preparar refeições. Certo. Têm menos tempo para pensar nisso. Percebes? Imagina, quem trabalha em casa se calhar desperdiça menos. Porque está mais visível as coisas que estão à frente. E aqui estou obviamente, quem trabalha em casa há todo espectro de trabalhos que com mais ou menos exigentes, com mais carga horária ou com menos carga horária, se calhar quem trabalha em call service em casa não tem sequer energia para pensar nisso depois. Mas Acho que isto tem a ver com os nossos ritmos cotidianos, porque se eu pensar na minha avó, na vida que ela levava, e a minha avó já trabalhava, portanto não é que seja o protótipo de uma mulher do antigamente. Trabalhava e cuidava da casa ainda exclusivamente dela e ela não desperdiçava comida. E quando digo que ela não desperdiçava comida, eu acho que a minha avó se calhar fazia caixote de lixo por mês, de lixo orgânico, e ainda hoje em dia. Porque havia uma cultura de estar em casa, de ter essa atenção em casa e havia muito menos coisas deliciantes a fazer depois. A mim apetece-me seguir ao meu trabalho e ainda estar bocadinho com os meus amigos ou ir a alguma exposição ou ainda fazer alguma coisa. E eu acho que isso é muito bom, obviamente, alimenta-nos também muito o cérebro, mas temos de abrandar bocadinho os nossos ritmos de consumo, porque senão é bocado difícil.
José Maria Pimentel
E tu não achas que tem a ver também com o facto de nós hoje em dia temos acesso a uma oferta muito mais diversificada? Ou seja, para a tua avó, obviamente, provavelmente a dieta dela fazia-se em torno de 10 ou 20 ingredientes. Exato, sim, exato. Isto é quase uma coisa de matemática, não é? Quanto mais tu enches a tua dispensa e o teu frigorífico de coisas diferentes, mais difícil é que tu consigas consumi-las todas dentro do prazo, não é?
Catarina Barreiros
Isso é mesmo interessante, sabes? Porque eu estava, no outro dia, a falar com uma amiga minha sobre uma coisa que não... É fazer paralelismo com o consumo de moda. Quando eu limpei o meu armário, eu tinha oito portas de armário e vendi praticamente tudo quando decidi mudar bocado a minha vida e eu era completamente viciada em fast fashion e moda e o meu marido até gozava de dizer que eu devia ter ações de Inditex para compensar o que eu ia gastar e eu cada vez que tinha menos roupa eu percebia que me ajudava a ter cada vez menos, ou seja, Parece que há uma clareza mental, onde tu consegues ver tudo o que tens, sabes? Sim, sim. Em que consegues usar as coisas porque não te esqueces, não há... Eu acho que o nosso cérebro tem limite de coisas a que consegue estar atento nos vários segmentos da nossa vida. E nós começámos a consumir muito em todos, de género. Toda a gente tem muitas peças de roupa, temos muitos alimentos em casa, temos muitos jogos de tabuleiro por exemplo, o Dr. D. Estava a olhar para mim e tinha móvel de jogos de tabuleiro e eu adoro jogos de tabuleiro, mas jogo sempre os mesmos, portanto, senão... Isso é bocado absurdo, sim. É bocado absurdo,
José Maria Pimentel
não é? E com as crianças, por exemplo?
Catarina Barreiros
E com as crianças, há uma sala de brinquedos e a minha filha quer sempre os Legos, graças a Deus. Portanto, é... Portanto, é assim, é tudo muito. E isso é verdade, porque em minha casa, quando eu faço as listas de compras, aquilo que nós temos sempre que ter em casa são os básicos, são os legumes da época, são as leguminosas secas, que eu demolho e que se aguentam a imenso tempo na dispensa, porque eu compro as leguminosas sempre secas e depois demolho, cozinho e congelo para quando precisar de usar. Luminosas, grão, feijão? Grão, feijão, sim. Até ervilhas e tudo mais, sempre tudo. Ontem tomei várias ervilhas porque ontem trouxemos frasco com ervilhas secas. Mas, portanto, nós temos sempre estes básicos. E Eu sei que mesmo que eu não tenha refeições planeadas para essa semana, eu com estes básicos, a massa, o arroz, o feijão e os legumes da época, eu consigo safar-me. Eu não preciso de ter tofus e seitanes e tempes, que são ótimos para acrescentar à dieta e diversificar bocadinho, mas eu consigo safar-me com os outros, portanto, nós temos a nossa despensa incluída nas gavetas da cozinha, o que faz com que não tenhamos imenso espaço também para termos demasiadas coisas e eu acho que isso nos ajuda porque a nossa despensa é gavetão grande mais uma gaveta em cima e isso ajuda-nos bocadinho a racionalizar as coisas que temos em casa e a não desperdiçar.
José Maria Pimentel
Mas achas que isso dá-te uma espécie de pássaro de espírito? Ou seja, fazendo o paralelo com a roupa. Ou seja, tu achas que com a roupa havia lado de ti que convivia mal com aquilo? Ou seja, como se tivesse ali
Catarina Barreiros
Sim, porque eu adorava a moda e continuo a gostar muito, mas o ter muita coisa é uma decisão a mais que vais ter de tomar no teu dia.
José Maria Pimentel
E olhas para aquela desculpa e se calhar olhavas para aquela coisa e dizias ainda não usei isto, tenho que usar dia desses.
Catarina Barreiros
São micro decisões e micro sentimentos de culpa. Que é, eu comprei isto e ainda não usei e tu terás de olhar para o teu cheque mas se eu ainda não usei isto, eu não devia ter comprado. E depois é aquele sentimento de quero usar tudo o que tenho, mas a minha vida são 365 dias por ano, não são 1000, portanto, vamos lá ter calma, se eu tiver 20 pares de calças, eu praticamente uso umas calças duas semanas e não as repito ao longo do ano, percebes? Portanto, temos de ter bocado, de abrandar bocado isto, porque depois são micro-decisões que temos de tomar todos os dias, para além do nosso trabalho, para além da educação dos nossos filhos, para além do nosso ativismo político ou da nossa participação social, é tudo a somar decisões, e é difícil. Depois estamos todos cansados e todos em barnault e todos com ansiedade e com pressão sobre as doenças do século XXI. Eu acho que é por isto que nós temos muitas opções.
José Maria Pimentel
Eu já pensei várias vezes, eu não conheço ninguém em Portugal que faça isto, mas nos Estados Unidos há pessoas que fazem. Aquela coisa de ter uma tipo uniforme, tens uma roupa que usas sempre. O Steve Jobs fazia isso. Exatamente.
Catarina Barreiros
Sim, era a camisola de bola alta e as calças de ganga, ponto. O meu marido está sempre a dizer que... Aliás, o meu marido é ótimo exemplo, não faz este... Mas não faz isso? Não faz isto, mas... Está no caminho. Está no caminho. Ele gostava muito de o fazer, mas basicamente ele tem uma porta de armário de 60 centímetros onde em cima tem as camisas e os casacos na primeira gaveta tem as calças, os calções, os paredes de banho, a roupa de esporte na gaveta de baixo tem t-shirts, camisolas e é isto. Ele tem armário pequenino, Ele abre o armário e vê tudo o que tem. E os sapatos estão lá também, ou seja, os sapatos estão na parte de cima. Tem tudo, incluindo gravatos, tudo. Está tudo ali. A única coisa é que não está, são meias e boxers, porque estão na casa de banho, que é mais prático. O resto está tudo ali. E eu acho que há uma certa paz de espírito. Ele tem camisas brancas, ponto. Os casacos são neutros, não há assim grande variação. E isso é parte de espírito. Eu olho para mim e tenho muito mais opções e depois uso sempre a mesma coisa. Que é a parte de cima branca ou preta, calças de gangue ou calças pretas ou o que seja, e casaco neutro. Portanto, é engraçado que eu gosto muito da variedade, mas é só para dias especiais. O resto do dia a dia acaba por sempre usando a mesma coisa, portanto porquê que ter tanta coisa, não é?
José Maria Pimentel
Sim, é sério, é jogado. O Obama também tinha uma coisa desse género.
Catarina Barreiros
Há imensa gente, CEOs de empresas, CEOs de grandes empresas, sobretudo na América do Norte, têm muito esta filosofia, porque lá está, têm que tomar tantas decisões tão importantes que não querem que esta seja mais uma no seu dia. Para mim isso é bocadinho demais porque eu gosto da expressão que a moda também traz. Mas é interessante pensar sobre isso. Simplificar não tem de ser armário cápsula, não tem de ser sempre tudo igual, mas que nos traga paz de espírito de alguma maneira. Para algumas pessoas vai ser abrir e ver tudo o que tem, para outras vai ser ter excel onde sabem tudo o que têm e pensar logo nas coisas no excel, depende bocadinho das pessoas.
José Maria Pimentel
Essa é boa. Então, mas diz lá, quais são as... Nós já falamos aqui de algumas coisas, mas quais são os comportamentos principais para ti, ou seja, os comportamentos que para ti têm mais impacto e que tu recomendas mais às pessoas, digamos assim. Quais são as principais mudanças que as pessoas podem fazer?
Catarina Barreiros
Eu dou sempre o exemplo do desprezo alimentar na minha alimentação de base vegetal, sempre. Porque lá está, sou bocadinho fact based, mas muito depois já trot down e portanto para mim essa é muito óbvia. Eu sigo uma alimentação de base vegetal.
José Maria Pimentel
E já agora, desculpa, já agora para quem nos está a ouvir, descreve os benefícios da alimentação de base vegetal.
Catarina Barreiros
A alimentação de base vegetal
José Maria Pimentel
é, primeiro,
Catarina Barreiros
não é necessariamente vegetariana. Estamos a falar de uma alimentação tradicionalmente mediterrâneca e o tradicionalmente é importante porque a alimentação que nós fazemos hoje em dia, mesmo nos países do Mediterrâneo, já não é uma alimentação mediterrâneca, é a alimentação que se fazia antigamente no Mediterrâneo. Portanto, estamos a falar de uma boa base de legumes, de leguminosas, de cereais e muito menos proteína animal. Portanto, estamos a, se calhar, falar de uma quantidade pequena de leites e ovos. Falamos de peixe, uma alimentação mediterrâneca inclui peixe. Na minha opinião, acho que devemos ter algumas reticências em relação ao peixe, porque existe também pesca muito mal feita. Portanto, eu levo uma alimentação de base vegetal que é quase vegetariana, mas não estressamente vegetariana, portanto eu consumo ovos e laticínios. Por uma questão de não conseguir reduzir essas duas coisas, se bem que ovos imagina, nós somos três lá em casa, uma caixa de seis ovos lá nos vai para duas semanas, porque é para nós é quando não conseguimos fazer nada, não temos nada à mão, fazemos uns ovos mexidos ou fazer bolo ou o que seja, porque se não é Exagerado. Existe projeto muito giro, para quem quer perceber bocadinho melhor sobre a alimentação de base vegetal, que se chama Eat Lancet, que foi basicamente uma comissão que a revista científica da Lancet pediu para se responder à pergunta como é que se vão alimentar os 10 beste de pessoas que vamos ter em 2010 de maneira saudável e sustentável. Portanto, teria, ao mesmo tempo, não pode ser menos saudável para as pessoas para ser melhor para o ambiente. Tem de ser as duas coisas. Este diagrama de Venn tem de ser o do meio. E isto, eu acho que este, para mim, foi estudo bem feito. Foi buscar muito bons especialistas na área da alimentação e da digestibilidade e chegar à conclusão que a dieta mais saudável e mais sustentável seria a mediterrânica com muito menos carnes vermelhas e quando estamos a falar de menos o intake de proteína de carnes vermelhas por dia é menos de 30 calorias de proteína de carnes vermelhas Portanto, é mesmo muito pouca carne vermelha.
José Maria Pimentel
Isso é muito pouco de facto.
Catarina Barreiros
É mesmo muito pouco, é como bifinho por semana. Sim, é menos. Ou menos, na verdade é bocadinho menos. Sim, 300. Sim, vai a bocadinho menos. Depende dos bifos. Gramas no geral, não de proteína. Mas sim, mas é quase tudo proteína.
José Maria Pimentel
Ah, desculpa, não para isso.
Catarina Barreiros
Gramas de proteína. Portanto, são 30 gramas de proteína, o que significa que são... Ah, 30 gramas de proteína, ok. Acho que 30 gramas de proteína é 30 calorias de proteína. Tem de ir a ver, mas isto está a descobrir mal na internet, portanto está lá.
José Maria Pimentel
Na melhor das hipóteses, uma vez por semana.
Catarina Barreiros
Na melhor das hipóteses, uma vez por semana, acho que a média deve ser bocadinho menos do que isso. Se bem que depois é preciso nós analisarmos estes estudos e fazermos bocadinho contexto porque existe produção de gado bovino bem feito. Aquilo que se está a fazer nestes estudos e é importante sempre nós levarmos estes estudos como o que são, são médias estatísticas. Portanto é daquilo que se faz no mundo. Se há senhor ao nosso lado que faz criação de bovino em montado em regime de água floresta ou a produção regenerativa em que as vacas têm 2 hectares de pastagem Estamos a falar de números diferentes, obviamente. Mas estamos
José Maria Pimentel
a falar, desculpa, de números diferentes em que sentido? Porque esta também é muito menos eficiente.
Catarina Barreiros
É menos eficiente, mas é exatamente isso que diz. Se comparar com
José Maria Pimentel
aquele campo para vegetais, não é? O leguminoso.
Catarina Barreiros
Mas a nível de emissões de gás e efeito de estufa e de regeneração é melhor. Ou seja, o que idealmente estaríamos a fazer? Estaríamos a produzir mundialmente menos carne vermelha e produzir melhor. Depois vais-me dizer, sim, mas isso alimenta menos pessoas. Certo, mas nós devíamos comer menos carne vermelha, portanto, depois aproveitamos aquelas pastagens para produzir aquilo que devíamos estar a comer na maior quantidade. Certo, certo. Aquilo que estes estudos fazem são números globais de bovinhos alimentados a soja, por exemplo, e que é preciso... Tu produzes a soja não para consumo direto humano, mas para alimentar uma vaca, portanto, há perdas no sistema, deficiência também, portanto, isto é preciso entender. E estes estudos também que devemos apostar no peixe como, na parte dos alimentos animais que não são a maior parte, incorporar o peixe como parte da inanimal prioritária. Pronto, eu tento seguir isto, sendo que incorporo muito menos peixe na minha dieta porque é muito complicado hoje em dia garantir que o peixe que estamos a comer vem de pesca responsável garantir que não estamos a sobrepescar as espécies de sempre da pescada, da sardinha que estão em sobreconsumo ou o bacalhau, que nem sequer é da nossa costa e que é a espécie que mais consumimos. Então daí o que eu faço é, se eu for, por exemplo, para os Açores, comi veja, que é peixe local, pescado por pescadores locais e aí eu abro essas todas as ações do mundo. Quero até ter certeza de que eu estou a comer, até porque gosto de comer vegetariano, não custa nada e faço essa alimentação. Porque é de facto a dieta com menos impacto carbónico que existe, é a dieta vegetariana.
José Maria Pimentel
Sim, e subimos o gráfico e em comparação com a carne vermelha é mesmo
Catarina Barreiros
a diferença gigante. É o que diz o financial, há estudo muito giro que é de dois senhores que é o PUR e o Nemecek que é de 2018, já houve entretanto uma revisão em 2020, não por eles mas por italiano, que vai mais ou menos corroborar, até vai intensificar bocadinho o resultado das análises deles, que dizem, basicamente fazem estudo daquilo que são os alimentos com mais ou menos pegada carbónica e que demonstram que a carne vermelha produzida da melhor maneira possível vem na mesma ter mais emissões do que vegetais. O que é muito interessante porque isto é a ciência a ser feita, depois claro, há pessoas que não gostam muito destes dados, mas são o que são. Não significa que não se possa produzir melhor em quantidades pequenas numa escala diferente, mas no geral é isto que temos.
José Maria Pimentel
Sim. E mais, e fazes mais coisas. Ah, faço. Para além do desperdício.
Catarina Barreiros
Sim, a eleição mais salada e o desperdício alimentar para mim são muito, muito importantes. Outras coisas que faço, vais ter uma estreia, uma informação estreia, primeiramente nós deixámos de ter carro e decidimos viver sem carro. Esta foi uma decisão recente. Nós tínhamos carro elétrico que era empostado por uma marca e a parceria terminou e nós decidimos... Então, era uma ótima oportunidade para vivermos sem carro. Porque tínhamos acabado de vender o nosso último carro três semanas antes do fecho da parceria, portanto foi assim. E eu penso, as coisas vêm e nós temos duas hipóteses, não é? Ou ficamos chateados e tentamos relever à pressa e não vai ser a melhor decisão, ou vamos tirar o melhor do que isto nos dá. E a verdade é que nós somos muito privilegiados, porque nós já fazíamos a maior parte da nossa vida à pé de bicicleta e transportes públicos.
José Maria Pimentel
Pois, provavelmente vocês não passaram a usar menos carro no sentido de...
Catarina Barreiros
Sim, nós usávamos muito pouco carro. Usávamos o carro para fins de semana, usávamos o carro para às vezes preguiça, muito honestamente. Se eu tivesse vindo aqui ao podcast, em vez de utilizar a mobilidade partilhada, se calhar trazia o carro só por uma questão de conveniência. Mas a verdade é que a mobilidade partilhada tem vantagens porque o mesmo carro, em vez de estar parado durante 12 horas ou durante 8 horas, isto é muito engraçado, nós usamos o carro, a maior parte das pessoas usa o carro para ir para o trabalho, fica estacionado durante as 8 horas de trabalho, depois vai para casa e depois fica estacionado durante as 12 horas da noite. Portanto, o carro tem muito pouca utilização. Na mobilidade partilhada, carro serve várias pessoas e isso ajuda-nos a diminuir a população das cidades, melhorar a qualidade de vida e, obviamente, tem menos emissões também associadas. Sobretudo porque eu só utilizo mobilidade partilhada elétrica, o que é também benefício. Decidimos deixar mesmo usar o carro. Comprámos a bicicleta de carga porque as nossas grandes dificuldades é a nossa cadela, que é enorme e que vem com a nossa escola lá, temos também uma filha, embora a nossa filha já saiba andar de bicicleta, está a fazer as compras do mês, aquelas maiores, se nós mandamos vir online, vem sempre tudo cheio de sacos e tudo cheio e nós preferimos ir aos sítios e comprar e isso a bicicleta de carga dá jeito ou sempre que precisávamos de outro dia, precisávamos de ir buscar espelho e comprarmos em segunda mão uma bicicleta de carga dá jeito, em vez do carro que é espelho grande portanto tentamos fazer assim e agora vamos viver só com bicicleta a pé, transportes públicos, desde que isto aconteceu já há quase mês que andamos, tirámos o passo e de facto funciona super bem. E até ir a concertos, em que acaba o concerto à uma da manhã e nós andamos nunca na vida e viríamos de metro à uma da manhã e agora vimos e é ótimo, estamos os dois a conversar, não estão a conduzir é muito interessante, a nossa filha adora passar a vida no metro adora andar de combojo
José Maria Pimentel
geralmente Os meus adoram sim, sim
Catarina Barreiros
Adora E fica fascinada com coisas que eu acho mesmo que é engraçado no campo grande o metro vem para cima da rua e os olhos dela
José Maria Pimentel
tipo magia, né?
Catarina Barreiros
É mesmo muito engraçado E levamos a bicicleta dela para andar de metro e para sairmos o metro e ela está com a bicicleta. Uma vida muito mais saudável, muito mais ritmada, mais lento, não é? Ritmo mais lento e mais sustentável.
José Maria Pimentel
Desculpa a pergunta de cético, mas e de férias?
Catarina Barreiros
Ah, essa é outra. O que é que nós decidimos fazer? Nós também vamos de férias, também vamos às 15 semanas, meus pais têm em casa a minha família do fundão, a família dos bailarontes, portanto nós precisamos ir. Quando precisamos ir a sítios que sejam longe de género, se eu tiver de vir ao Eires, ou a Sintra, ou o que seja, mobilidade partilhada, aqueles serviços de chamar carro, existem vários, não quero estar aqui a destacar nenhum.
José Maria Pimentel
Podes dizer, podes dizer. Não sei, não sei muito bem qual é a tua política. Nunca percebi porque é que não se podia dizer.
Catarina Barreiros
Pronto, tipo as Ubers da vida e os Bolts e tudo mais, ou os táxis, e quando andamos de férias, alugar carros, rentar carros. E eu não sabia disto, mas por exemplo na Uber dá para alugar carros. É como a renta-carro na mesma mas o processo é todo por aplicação o que facilita.
José Maria Pimentel
E acho que essa... Tenho amigo aqui há uns anos, não foi há tanto tempo assim que ele quis fazer isso de... Ele trabalhava perto de casa, para que os deixassem ter carro e passar a alugar carro quando precisava e não conseguiu. Mas agora já há muita oferta, porque depois outro amigo meu, recentemente, disse-me que tinha alugado carro baratíssimo.
Catarina Barreiros
Sim, há muita oferta hoje em dia já, e ainda bem, sinceramente, porque se nós começámos a pensar nos custos que tem carro, mesmo financeiramente, esta foi a melhor decisão que nós podíamos ter tomado, porque comprar carro, para nós, poderia sentir-se de ser carro elétrico e tinha de ser carro destined para fins de semana como para coisas mais pontuais e isso significava que tinha de ser, sendo carro elétrico com estas características, nunca ia ficar super barato, então entre a entrada que íamos dar para o carro, logo a entrada nós não gastamos se queríssemos 3 anos de mobilidades partilhadas e alugar carros. Depois mais aquilo que se tem que pagar todos os meses de crédito, porque nós, nesse caso, não tínhamos como pagar carro a pronto. Quer dizer, é incomparavelmente mais barato. Para não falar de iucos, para não falar de revisões, de inspeções, de casas, de carros, de metodos de combustão, há tantos gastos com carros. E depois é uma coisa, é passivo, porque é, tu chegas ao stand, compras o carro, sais e desvaloriza-o para metade. Portanto, não é sequer investimento racional e para a maior parte da população é o segundo maior investimento que fazem não gosto de se chamar investimento, porque investimento tem retorno, mas é a segunda maior compra que fazem a segunda maior despesa para além da casa é o carro e em Portugal então temos uma cultura enorme de usar o carro e somos país de pessoas que não ganham assim tão bem portanto, deixar de ter carro, na verdade para nós foi uma decisão que começou por ser de necessidade imediata e de repente começamos a perceber que era melhor para tudo. Para a nossa qualidade de vida, para a nossa saúde, começámos a andar muito mais de bicicleta, mais a pé, para o nosso orçamento familiar. Portanto, tem corrido bem.
José Maria Pimentel
Sim, eu andava de bicicleta por exemplo, mas estava a falar disso há bocado em outro. É muito mais agradável do que andar de carro, não é verdade?
Catarina Barreiros
Muito mais agradável. Eu e o João já experimentámos, por efeitos de publicações nas redes sociais, o João ir de carro e eu ir fazer de bicicleta de mobilidade partilhada, às giras, em rua, fazer exatamente o mesmo, ir até ao mesmo sítio. E eu, entre o estacionamento, o arranque, eu cheguei 10 minutos mais cedo. Com percurso que demora 20 minutos, 30 minutos de nossa casa até ao Saldanha, o João demorou mais 10 minutos do que eu de bicicleta. Porque depois teve que estacionar. Porque ele teve que estacionar. E depois, lá fala do custo. Ele teve que estacionar e pagar estacionamento.
José Maria Pimentel
Exato, exato.
Catarina Barreiros
Por além disso, sendo que no caso as bicicletas partilhadas de Lisboa estão incluídas no passo de 30 euros, portanto anualmente podemos andar com as bicicletas à vontade. No caso, nós também temos a bicicleta nossa, que usamos sempre que não existem bicicletas partilhadas disponíveis para ir a algum lado, que também acontece. Ou às vezes o sistema está aí embaixo, dá jeito de ter esse plano B. Mas a bicicleta é uma opção mais saudável, mais sustentável e mais agradável, sinceramente. É muito melhor ir de bicicleta. É mesmo.
José Maria Pimentel
Quer dizer, quando está a chover não dá de...
Catarina Barreiros
Sim, mas mesmo com uma capa de chuva também não chove assim tanto. Nós tivemos felizmente muita chuva este ano. Mas não chove assim, não chove 100 dias por ano em Lisboa.
José Maria Pimentel
Sim, contas-lhe quando tiver a chover muito apanhas Uber.
Catarina Barreiros
Exato, se tiver a chover muito, muito, muito é exceção. Portanto, senão está tudo bem.
José Maria Pimentel
Sim, Exato. Tu não és...
Catarina Barreiros
Sim, além disso, nós não nos dessolvamos com a chuva. Essa é outra, que às vezes parece que nós ficamos à chuva e é tipo ácido cítrico. Não é cítrico, não sei como é que se chama aquele ácido que corroi as pessoas. Mas nós conseguimos apanhar a chuva sem nos dissolvermos, Portanto, está tudo certo. A nossa filha, por exemplo, adora andar na chuva com a boca de fora, apanhar a chuva na cara. Adora. E está tudo bem, depois seca. Nós às vezes traçamos com coisas
José Maria Pimentel
que não... Sim, mas acho que a nossa cultura não tem uma ligação grande aos elementos, não é? Nós inconstantes.
Catarina Barreiros
Sim, não, sim. Eu acho que, para mim, é aquela coisa dos avós, quando vêem que a Graça está a brincar à chuva Ai meu Deus, ela vai ficar constipada! Os miúdos não se constipam por andar ao ar. Nem para apanhar frio, constipam-se por causa de vírus. Portanto, são elementos virais que passam...
José Maria Pimentel
Sem vírus não há constipação.
Catarina Barreiros
Exato! Portanto, é engraçado. Ai, coitadinha da miúda, está aí à chuva. Ela está a rir-se, a brincar, é divertida. Coitadinha, porquê? De quem é? Não
José Maria Pimentel
é? Neste orquestro de pensamento crítico eu tenho dado no módulo 2 que era sobre causalidade, Eu começava sempre a pegar uma partida que estava na audiência que era dizer no outro dia apanhei uma constipação, daqui a uns dias e tal, passei bocado mal, porquê que terá sido? E variava, mas normalmente havia alguém que levantava a mão e dizia porque apanhaste chuva, apanhaste frio. Pode ter sido, mas não foi só.
Catarina Barreiros
Não foi só isso, pode ter baixado bocadinho
José Maria Pimentel
as dificuldades. Sim, na pior das hipóteses não pode ter sido só isso.
Catarina Barreiros
Mas é engraçado e também às vezes nós vivemos felizmente no século XXI, temos medicina moderna à nossa disposição, à partida não morremos de uma constipação. Sim, exato. Portanto, sim, pode ser bocadinho mais chato, mas sei lá, no caso da minha filha se calhar tem alguns dias em casa nas mimocas com os pais, quer dizer, quando não temos de trabalhar ou com os avós e pronto, está tudo bem, ninguém faz parte
José Maria Pimentel
Sim, e as crianças é bom ponto para me consultar, vou-te perguntar à bocado que estas mudanças são todas ou são algumas delas difíceis de fazer por vários motivos, e por exemplo, no que toca a mudanças de hábitos de alimentação, da moda que falámos há bocadinho, ou das coisas a mais que nós temos em casa, por exemplo às vezes é mesmo muito difícil desbloquear as coisas quanto a hábitos culturais, por exemplo no caso das crianças, eu fiz isso com as minhas filhas, elas têm claramente coisas a mais e há uma torrente que eu não consigo parar. Nem eu. E a minha preocupação em pará-la não é só ambiental, digamos assim, há bocado aquela coisa do desperdício faz bocado a impressão, não é?
Catarina Barreiros
Sim, sim, sim. Eu adorava ter uma resposta para ti. Juro. Adorava, Porque eu também não consigo, imagina. Nós até o dia não comprámos brinquedos para a nossa filha porque toda a gente tem anjo de coisas e nós temos brinquedos nossos de quando éramos pequeninos, portanto, nós o que pedimos sempre à família é não lhe deem mais brinquedos, deem livros. Se tiverem uma dúvida, deem livros. Ou deem experiências para ela ir fazer cerâmica ou ir fazer alguma brincadeira ao ar livre ou fazer...
José Maria Pimentel
Essa é boa, sim, essas duas são boas.
Catarina Barreiros
Só que nós pedimos sempre ou oferecem tempo de qualidade, por exemplo os meus sogros ofereceram-lhe as aulas de natação e são os meus sogros com quem ela é à natação. Ou a Minha mãe já ofereceu uma experiência deles irem ao Museu dos Costos em Cannan e depois aqui, ainda bem que não foi comigo que isso faz bocado de confusão dos costos com os cavalos e para a Terreira do Sol, mas enfim Ah não, sério? Faz bocado de confusão Mas eu andei a cavalo durante imenso tempo e a minha filha também anda e gostamos imenso mas acho que há limites àquilo que cavalos à Terreira do Sol com uma caloça em cima acho que temos... Depende da altura do ano Mas ela foi e adorou porque ia com uma princesa, que era uma senhora vestida de princesa e a minha mãe ofereceu esta experiência aos netos e foi com elas. Portanto, para ela ter sido uma experiência que lhes ficou para sempre marcada foi o termo de qualidade entre a avó e os netos. Ou eu ofereci ao meu sobrinho aulas de culinária porque ele queria imenso aprender, então foi fazer aulas de pastelaria e aprender a cozinhar e ele adorou. Portanto, acho que há essas experiências todas que nós podemos dar que são muito mais ricas do que mais presente, mais brinquedo. Até porque o exponencial de felicidade quando passas de 1 para 2 ou de 2 para 20, não é? Claro. O 19 para o 20 já não há quase incremento de felicidade. Isto é teoria económica, não é? Não há, não é...
José Maria Pimentel
Na realidade mas geral é muito baixa.
Catarina Barreiros
É muito, muito baixa, mas geralmente não ganhas nada com isso. Se calhar ganhas muito mais em...
José Maria Pimentel
Esse é bom ponto, sim, sim. Em brincar com os meninos. Já estou a recolher argumentos
Catarina Barreiros
para você. Mas é interessante, eu também não consigo controlar sempre. Acontece sempre na altura do Natal, ela ficar com brinquedos a mais. Mas nós temos essa política, eu falo dela abertamente, de ela não ficar com tudo. E ela própria sabe disso. Ela adora as coisas que recebe e ela percebe que há meninos que não têm brinquedos e nós lhe damos esses meninos. Ou que às vezes há brinquedo, nós achamos que pode ser muito giro para oferecer a amigo dela que possa gostar muito de ser dado. Dinossauros e receber alguma coisa relacionada com dinossauros ou relacionado com a Patrulha Pata e há uma amiga dela que gosta da Patrulha Pata e nós guardamos e depois oferecemos, portanto não é... É bom financeiramente, é bom socialmente, é bom a todos os níveis mesmo, por exemplo, a roupa em segunda mão eu só como praticamente roupa em segunda mão a minha filha faço mini mini exceções para algumas marcas nacionais que também gosto de apoiar que fazem bom trabalho a nível de sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental. Mas ela já pega na roupa, se for nova, e diz e era de quem? Era de que menina? Era de que esta... Era de que t-shirt? Porque ela já sabe que há uma história associada às coisas, e isso não é mau. Eu lembro-me da primeira vez, quando Comecei a dizer à nossa família que nós não íamos comprar roupa nova, mas coitada minha, não vai ter nada novo. Mas coitada, porquê? Porquê interessa o ser novo a não ser novo, não é? Para ela é uma história nas coisas e depois ela passa a roupa dela a outros amigos dos nossos filhos. E há carinho, para quem é que vai? Agora vai para a Carlota, agora vai para a Francisca. E depois ela vê os filhos dos nossos amigos com a roupa e vês, ah, este era meu, que giro, pronto. E há uma relação que se constrói disso, a roupa não é só a utilidade de vestir, também tem este attachment emocional e os miúdos percebem isso e não se sentem coitadinhos se nós não os fizermos sentir coitadinhos.
José Maria Pimentel
Claro, sim. Eu acho que isso é cultural e na verdade tem a ver com... Liga outros obstáculos nesta área, que é que antigamente havia uma escassez de materiais, tanto que mesmo em famílias relativamente privilegiadas era normal as roupas passarem de irmãos para irmãos. Certo. As pessoas cresceram nesse ambiente, ou seja, na melhor das hipóteses, cresceram nesse ambiente. E portanto, até agora não vais deixar de dar coisas novas aos teus netos, por exemplo.
Catarina Barreiros
Sem dúvida. Eu fui a terceira e eu usei roupa dos meus irmãos e eu sou a única rapariga. E usei roupas de toda a gente e sempre teve tudo bem porque como já era a terceira já era a passagem de uns para os outros ainda assim tive algumas roupas, não? Mas o que seja. Mas eu acho que há este... Por exemplo, à minha avó não lhe faz confusão arremendar roupa e tudo mais mas a roupa em segundo não lhe faz alguma confusão porque para a minha avó, que é de uma aldeia pobre e nunca viveu com imensas possibilidades isso é trigger para aquilo que foi uma infância difícil Isso, exato Então eu percebo e eu não levo a mal a minha avó dizer coitadinha mas levo a mal a minha mãe dizer-me coitadinha sabes? Porque, quer dizer nunca passámos necessidades e nós também usámos roupa passávamos-nos para os outros. Então eu consigo perceber que existe Portugal rural envelhecido para quem isto é problema e com razão, porque para eles, eles fizeram esforço para ultrapassar essas barreiras para os filhos deles. Portanto, nós estamos a querer voltar atrás. O que eu acho que esta geração, provavelmente, não é tão fácil, a maior parte da geração perceber é que nós hoje em dia temos à nossa disposição muito mais opções de segunda mão e há muito mais consumo. Porque para a minha avó, isto é uma questão difícil, mas ela sempre comprou na modista porque nunca comprou mais do que uma peça de roupa a cada 2, 3 anos. Portanto, também não comprava roupa ao desbarato, em quantidades enormes, que iam depois encher o deserto do Atacama de roupa, percebes? Portanto, essa não era a realidade dela. Por isso, a realidade dela faz sentido. Se quer comprar uma boa peça de roupa, feita numa modista para lhe caber, para lhe ficar bem, uma vez a cada dois anos. E isso seria consumo sustentável. Ela não precisaria da segunda mão para isso. Portanto, quando as peças lhes chegavam em segunda mão, quem usava as roupas em segunda mão, imagina uma peça de roupa que foi usada durante 20 anos por alguém e depois é passada em segunda mão para uma pessoa, como diz a minha avó, pobrezinha. E aí já não chegava em bom estado. Isso era a roupa de segunda mão que estão habituados. Não é a realidade hoje em
José Maria Pimentel
dia. Era bastante diferente. E eu acho que há outro desafio também, não para a geração da nossa voz, mas mais para as gerações... Ou para outra, se calhar também, mas menos visível aí. E que na verdade, de novo, tem a ver com outros desafios em muitas áreas, até, por exemplo, termos hábitos melhores para a nossa saúde. Que tem a ver com o nosso instinto e com a maneira como nós fomos programados para a evolução, digamos assim. Por exemplo, porque é difícil nós controlarmos para não comermos muito açúcar. Para nós evoluirmos para quando há uma fonte de alto conteúdo de hidratos de carbono, nós consumimos aquilo que é uma fonte de energia rápida. E da mesma forma...
Catarina Barreiros
A carne, a mesma coisa. A carne é a mesma coisa. Para desenvolver-se.
José Maria Pimentel
Exatamente. E a carne é a mesma coisa, que é calórica e tem gordura. O cuidar das crianças é a mesma coisa, não é? Nós somos uma espécie altricial, não é? Nós temos... Estamos completamente focados nas crianças e queremos apaparicá-las, não é? E é muito difícil. Então, da mesma forma que esse instinto de comer açúcar funcionava bem quando tu apanhavas uns frutos silvestres e umas frutas de vez em quando não funciona tão bem como quando vais ao supermercado e tens lá bolos, este instinto de cuidar das crianças funcionava bem quando era proteger-las de facto quando de repente entras numa loja e entras na Zara, sei lá, e tens uma roupa tão gira e tal, é quase irresistível de compras aquilo,
Catarina Barreiros
não é? Sim, é engraçado isso, porque é mesmo uma questão da evolução, mas ao mesmo tempo nós deixamos de viver em comunidade, eu acho que nós entrámos meio em curto circuito, porque ao mesmo tempo que continuamos a ter este instinto de proteger as nossas crianças e dar o melhor que conseguimos deixámos de ter à nossa volta, a maior parte das pessoas, a comunidade de apoio que é a It Takes a Village to Raise a Child, não é? E quando não temos uma comunidade forte temos muita coisa à disposição e nós tentamos compensar uma coisa com outra. Do género, não temos os avós perto, mas vou-lhe comprar mais uma peça para ela se sentir. Tentamos dar amor
José Maria Pimentel
às vezes. E os avós também. E os avós? E os avós a mesma coisa, não é? É isso?
Catarina Barreiros
Há muitos avós que veem os netos, se calhar uma vez por mês, e quando veem dão presente. Porque não veem sempre, não é? Tanto há esta ligação, quer que tu te lembres de mim, quer que tu saibas que és cuidado, que és amado E eu percebo o porquê, está nos nossos instintos
José Maria Pimentel
E tu tirares-lhes isso é quase... Fazer de perto aquilo que eu acho que foi uma insensibilidade
Catarina Barreiros
E eu percebo o porquê, porque imagina Aqueles avós não estão tão presentes a vida dos netos e não querem duplicar o amor que lhes dão no momento em que estão e para eles o oferecer é uma forma de cuidar, não é? E é difícil de contrapor isto porque nós precisávamos de viver mais perto uns dos outros e criar crianças em comunidade para isto não ser lixo. Eu acho mesmo que se voltássemos bocadinho a viver todos mais em famílias, em comunidades, não necessariamente famílias diretas, mas às vezes há comunidades que se criam, que são comunidades de apoio, redes de apoio para as crianças, que de repente nós queremos passar mais tempo a estar uns com os outros e a ver as nossas crianças crescerem umas com as outras e estarmos em comunidade do que propriamente se estivéssemos no centro comercial ou sábado à tarde ou domingo à tarde.
José Maria Pimentel
Eu nunca tinha pensado na... Isso é ponto engraçado, Facaça. É uma
Catarina Barreiros
questão social, não é?
José Maria Pimentel
Sim, mas eu nunca tinha pensado que essa questão da comunidade podia ter implicações para o nosso consumismo.
Catarina Barreiros
Eu acho que tem. É interessante. Há alguns sociólogos que concordam, mas não acho que seja algo super consensual. Mas pensa assim, se tu tiveres em casa e tiver dia de chuva e estás com as tuas filhas em casa ao fim de semana, o que é que pensas fazer? Se calhar ir ao cinema, que é num centro comercial, onde vais comprar pipocas, onde se calhar ainda passas por alguma loja, onde alguma coisa gira. Agora, se tiveres fim de semana e tens o almoço combinado com os seus amigos em tua casa, ficam todos lá em casa a comer e a... Claro que também há consumo, também compram coisas para se alimentar e tudo mais, mas os miúdos estão a brincar com os brinquedos uns dos outros, portanto há partilha de brinquedos, volta e meia se calhar há que leva brinquedo para casa e a tua filha fica com outro de outro miúdo e convivemos mais e consumimos menos, não é?
José Maria Pimentel
Sim, é o meu ponto, é o meu ponto.
Catarina Barreiros
Se calhar há uma falácia aqui qualquer por trás.
José Maria Pimentel
Há de ver aí, vem causas conflitantes, mas é interessante isso, faz algum sentido.
Catarina Barreiros
Pelo menos eu sinto isso, sinto-me cada vez que estou mais perto dos meus amigos e faço mesmo esforço por isso, porque eu tendencialmente sou consumista, é uma coisa que eu tento muito batalhar em mim, mas tendencialmente sou, e tento sempre ter os fins de semana ocupados com atividades dos amigos.
José Maria Pimentel
Sim, para controlar o instinto.
Catarina Barreiros
E não só porque gosta de estar com eles. Exato, exato. Acho que me acrescenta muito mais do que ir às compras.
José Maria Pimentel
Sim, sim, claro, exatamente. É bocado como deixar de comer doces em barra, não é? De falar o comparado, não é? Sim, sim, sim. O nome talvez substitui-os por uma coisa melhor. Sim. Eu estava a pensar noutra coisa. Por exemplo, no caso da moda, isso está bocado estereótipo, mas acho que é estereótipo que não é muito exagerado, eu acho que fugir ao consumismo do lado da moda é especialmente difícil para as mulheres. Ou seja, estão obertas.
Catarina Barreiros
Temos muitas opções.
José Maria Pimentel
E porque também tens uma cultura em torno disso, não é? Se mesmo apetecer ter armário mais curto, tranquilo, não é? Sim, sim,
Catarina Barreiros
aliás, há canais de televisão que já fizeram, ou seja, o Pivô e a Pijô durante uma semana levaram todas a mesma roupa e eles só receberam e-mails, isto foi no Reino Unido, se não me engano, e eles só receberam e-mails sobre a mulher que está assim com a mesma roupa.
José Maria Pimentel
Receberam e-mails? E-mails. Isso é muito bom.
Catarina Barreiros
Não sei se foi o K, eu mando-te o link.
José Maria Pimentel
Sim, eu depois ponho na descrição.
Catarina Barreiros
Portanto, é engraçado porque há uma cultura muito... Por exemplo, tu vêes as noites de Oscars e afins, é sempre sobre os vestidos delas e as roupas delas, que mal ou bem vão sempre de fato. Portanto, a variação é só usarem mesmo fato durante 20 anos se calhar há pessoas que obviamente porque há fatos e fatos e há, mesmo os homens hoje em dia já têm muito mais expressão criativa na maneira como se vestem mas o standard continua a ser vão com o fato preto o standard, não significa que sejam todos assim portanto, elas é que se repetirem vestido de uma passadeira vermelha para a outra dizem então mas repetiu o vestido e se calhar ela está a usar o mesmo fato há 20 anos por acaso o meu marido tem o mesmo fato desde o dia em que casou e usa para todos os casamentos e eu por acaso também uso muitas vezes as mesmas roupas o mesmo vestido e o mesmo... Porque quero mas a maior parte das minhas amigas usa roupas diferentes ou pede-me para ir variando para casamentos pede-me vestidos meus e trocamos entre nós para não ir sempre com o mesmo vestido que é uma coisa que é muito mais...
José Maria Pimentel
Ou seja, o que eu quero dizer é ao lado disto que é externo e nós podemos considerar certo injustiço, não é? Ambos os pivôs têm o direito de usar a mesma roupa, isso é evidente. Mas também há culto no mundo feminino, digamos assim, há gosto... Como é que vais dizer? A roupa é interesse de muitas mulheres, não é? E por exemplo, da mesma maneira que muitos homens vão ao futebol para se parecer, muitas mulheres vão às compras para se parecer.
Catarina Barreiros
Sim, sim. Mas isso tem obviamente contexto histórico, porque as mulheres, se eu pensar na mulher dos anos 70 ou 60, se calhar, dos 40 aos 60 lá, estavam em casa e tinham de estar bonitas quando o marido chegasse. Portanto, tinham este culto da imagem porque tinham de agradar aos homens, porque a vida das mulheres dependia de agradar aos homens ou seja,
José Maria Pimentel
os homens... Eu percebo isso, mas eu acho que isso é muito mais píritupio, hoje em dia é muito mais...
Catarina Barreiros
Mas tem contexto histórico, eu acho. Acho que não podemos...
José Maria Pimentel
Ou seja, não estou a valorizar esse contexto, como é lógico Porque é de termos
Catarina Barreiros
chegado até aqui, não é? Porque eu não acho que as mulheres gostem mais de sentir bonitas do que os homens por uma questão de biologia. Acho que isso não está no nosso ADN, garantidamente, das mulheres das cavernas.
José Maria Pimentel
Acho que as duas coisas, sim.
Catarina Barreiros
Acho que não deviam ter grande diferença porque... Agora, podemos ter sentido estético às vezes mais apurado, isso pode ser verdade, mas existem muitos artistas homens e, adicionalmente, se tu pensas em 10 artistas que te venham à cabeça, a menos que penses na Frida Kahlo, não te venha mais nenhuma mulher à cabeça, provavelmente. Artistas plásticos. Artistas muito conhecidos do antigamente, portanto, não é que possamos dizer que o sentido estético é mais apurado nas mulheres do que nos homens, porque pelo menos nós valorizamos mais o sentido estético apurado dos homens enquanto artistas. Sim. Para que a nossa sociedade...
José Maria Pimentel
Eu acho que tinha isso a ver com outro tipo de justiças, não é?
Catarina Barreiros
Sim, sim. Ou seja, se for dizer, ah, mas as mulheres são mais sensíveis à estética, então porque é que nunca foram valorizadas pelo sentido que deram à estética?
José Maria Pimentel
Anyway, ou seja, mesmo que seja 100% cultural, e por exemplo, gosto dos homens pelo futebol, por exemplo, não nos admitem que é 100% cultural. Eu estou a dizer isto...
Catarina Barreiros
É cultural, eu também acho que é cultural.
José Maria Pimentel
Eu não vou ao futebol hoje em dia, portanto... Sim, sim, o meu marido também não, mas... Sou fujo desse estereótipo. Sim, sim, sim. Mas claramente, se eu dissesse a muitos homens, sei lá, olhem, vocês, por exemplo, se eu dissesse a alguns amigos meus, apá, o futebol aquilo é mundo de fugir, que aliás é uma das razões pelas quais eu deixo de ver futebol, pá, deixa de ir ao estádio, né? E eles diziam, apá, não aquilo é aquilo é o meu momento de relax semanal e para muitas mulheres o momento de relax é o momento de ir às compras
Catarina Barreiros
são as endorfinas, porque os homens é a testosterona, não é? É o comportamento grupo, os canos vocais Sim,
José Maria Pimentel
este é o lado grupal e é forte.
Catarina Barreiros
As mulheres também querem... Não é necessariamente endorfinas, são dopaminas. Não percebo muito o assunto, confesso. Mas há alguma coisa no nosso cérebro que nos faz ir à procura daquela felicidade instantânea. E se calhar essa felicidade instantânea para as mulheres tem a ver também com o consumo da roupa. E eu acredito que sim, já não está muito enraizada, já está muito em nós. Mas hoje em dia também os homens cada vez mais gostam mais de se arrajar, de se vestir.
José Maria Pimentel
Sim, sim, claro.
Catarina Barreiros
Mas acho que também isso é associado a fenómeno histórico. Porque havia esse conhecimento quando o marido chegasse a casa e disse, ah, estás tão bonita hoje, eu me vesti de novo. Sim, sim. E o cérebro começa a deseclar. Hoje em dia acho que já não nos vestimos para os homens, muito honestamente. Aliás, às vezes quando o João não gosta de alguma coisa eu acho que ainda uso com mais orgulho, porque quer posso e manto do que eu visto. Não, estou a brincar. Obviamente que também me interessa o que eu visto. Mas acho que já não nos vestimos para os homens, mas continuamos com esse reconhecimento do nosso cérebro instantâneo da gratificação de vestir uma peça de roupa e sentir-nos mais bonitas. Portanto, acho que sim, acho que existe essa ligação.
José Maria Pimentel
E depois é difícil fazer a... Mas não tu conseguiste fazer essa transição?
Catarina Barreiros
Consegui porque não foi transitório para mim, foi uma paragem abrupta, vendi 80% do armário e não voltei a entrar numa loja de fast fashion porque senão eu não confio em mim, porque por muito que eu saiba os motivos que me levaram a deixar de consumir fast fashion, às vezes há instinto de facto que o meu cérebro vai puxar para mim, portanto eu nem vou.
José Maria Pimentel
Sim, e encontraste coisas que te realizam mais do que isso, não é?
Catarina Barreiros
Sim, sim, absolutamente. Isso é muito importante, nós ocupamos o tempo com coisas que efetivamente nos deixam felizes. E às vezes o deixar feliz, por exemplo, para mim a música ajuda-me imenso. Eu toco piano desde que sou mínima e voltei às aulas de piano há ano e tal, dois anos porque acho que me preenche muito e me ajuda muito nos momentos, mesmo em binge eating, sabe? Aquela coisa de ir ao frigorífico, porque eu trabalho muito em casa então muitas vezes tenho esse...
José Maria Pimentel
Aquele ímpeto de ir ao frigorífico, sim,
Catarina Barreiros
sim, sim. E às vezes não tenho fome, estou só aborrecida. Então, desligar para o piano ajuda-me bocado.
José Maria Pimentel
É engraçado, é uma boa dica também.
Catarina Barreiros
Ou esses 5 minutos para o sol. A baranda, em sol. Ajuda essas coisas pequeninas.
José Maria Pimentel
Havia alguém, de não sei onde é que o vi isto, e não estava certeza que fosse só em relação à comida, mas era truque que eu achei engraçado, que era quando tu tens esse impulso, a pessoa dar 5 minutos e depois filmar-te.
Catarina Barreiros
O meu problema são esses 5 minutos, sabes? Porque é, se eu aguentar para lá desses 5 minutos, já passou. Só que o aguentar esses 5 minutos é uma nervoseira para mim, por isso piano.
José Maria Pimentel
Exato. Pois os 5, quer dizer, se os 5 minutos para a pessoa estar... São truque para mim, são suporte.
Catarina Barreiros
Sim, fico sentada a pensar. Ainda hoje, queria imenso comer chocolate. E estava tipo, quero imenso comer chocolate, quero imenso comer chocolate e queria tipo de chocolate que eu geralmente não tenho em casa que é aquele chocolate mesmo mau, que eu gosto de mais chocolate bom, porque gosto tipo, aquele wine to bar, chocolate preto com flor de sal é mesmo bom, mas eu tinha mesmo aquele Kinder, sabes? Tipo, E eu pensei, eu vou sair de casa para ir comprar, já está a níveis absolutamente catastróficos. Estou mesmo com vontade de comer aquele tipo de chocolate específico. E estava sentada, estava a tentar trabalhar e eu só pensava, só via à minha frente, offs Kinder, sabes? E eu culpo a Páscoa por isto. Porque offseram-me muito soffs Kinder e eu culpo a Páscoa. Mas pronto, lá me distraí, fui até à varanda, fiz chá, distraí, respirei fundo e depois voltei a trabalhar mais concentrada.
José Maria Pimentel
Sim. Essa é boa. Só acho engraçado tu a demitir as ações dificuladas, isso é interessante.
Catarina Barreiros
Eu tenho imenso, vivo imenso com problema comigo própria porque eu sei o que é que é mais responsável, mais sustentável, o que é que eu devo fazer, como todas as pessoas. Eu acho que não sou muito diferente da 99% das pessoas.
José Maria Pimentel
Mas às vezes quem está na tua posição parece que tem discurso moralista, não é?
Catarina Barreiros
Sim, mas não, acho que esse discurso não pode, até porque as pessoas não podem ser culpabilizadas por tudo, não é? Nós temos indústrias que são altamente poluentes e que fogem às... A indústria da aviação não paga impostos sobre o carosene. Está isenta. Percebes? Tipo, não vou culpar alguém...
José Maria Pimentel
O carosene que é o combustível.
Catarina Barreiros
Que anda de carro e que paga taxas sobre combustível altíssimas que se calhar são metade daquilo que...
José Maria Pimentel
Sim, e depois tens... Lá está, as pessoas têm, por trás dessa vontade, muitas vezes têm razões que são compreensíveis ou da nossa evolução... Claro, ou da vida delas. Ou da vida... E o tutorial delas, por exemplo, o carro em Portugal, uma das barreiras às pessoas deixarem de usar carro e usarem transportes públicos é que o carro está associado a tu subires na vida, não é? Claro! Há uma diferença percepcionada, enfim, em grande medida, real, não é? Entre as pessoas que conseguem usar carro e aquelas que estão condenadas a andar de autocarro, não é? Certo! Então é quando a pessoa consegue sair do autocarro...
Catarina Barreiros
Querem a liberdade do carro!
José Maria Pimentel
Tu dizes de repente, não, não, agora vais...
Catarina Barreiros
Vais continuar a andar de autocarro.
José Maria Pimentel
Ou a usar bicicleta, que é tão fixe. Exato. Não, quer dizer, eu tenho a vida toda para...
Catarina Barreiros
Agora vou subir na vida. Sim. Mas sabes que isso também está muito associado à nossa falta de investimento da ferrovia e enorme investimento em rodovia. Porque se tu conseguisse ir a todo lado e fazer tudo de comboio, no centro da Europa, o comboio é a primeira escolha para viagens, não é a segunda. É a primeira. E há uma frase que é, país devolvido é aquele em que os mais ricos são em transportes públicos, não em que os mais pobres têm carro. Porque país em outro, ele é aquele que tem infraestrutura disponível para que toda a gente tenha acessibilidade e que faça a sua vida sem ter de gastar dinheiro num transporte individual. Porque transporte individual é das coisas que, em termos de sociedade, faz menos sentido no mundo. Faz menos sentido para as pessoas, porque gastam mais dinheiro, faz menos sentido para a sociedade porque não se estimulam as ligações, as redes, não é? Sim, sim, isola as pessoas, não é? Exatamente. Isola muito mais as pessoas, tens transporte individual do que coletivo. E não faz sentido financeiramente para as famílias. O problema é que tu estiveste 20 anos em que estiveste consistentemente a investir em rodovia, por exemplo agora eu vou ao Fundão e há autostrada direta para chegar lá, ou vou... E antigamente não, antigamente demorava 4 ou 5 horas a chegar ao Fundão. E agora demora duas, certinho, a chegar lá. Mas se eu for de comboio, eu vou ter de parar em Castelo Novo, só há senhor que faz táxi e que pode ir buscar do Castelo Novo para me levar até a terra da minha avó que é na Ataleia do Campo. Portanto, se eu quiser ir para o Fundão, e tive essa experiência na semana passada, porque eu tive de ir para lá dar uma palestra, eu tenho casa no Fundão, 15 minutos do Fundão, na Ataleia do Campo, e eu não pude ir de comboio. Porque eu não tinha horários para conseguir chegar a Castelo Novo de autocarro. O senhor ainda estava a fazer serviço de táxi, porque eu ia chegar a uma da manhã e ele não estava a fazer serviço. Se eu fosse de bicicleta, porque essa era a maneira pessoal que nós estávamos a estudar, levar a bicicleta no comboio e ir, eu ia demorar duas horas de bicicleta, porque é lá serra. Da minha bicicleta, nem sequer tinha carga para aguentar e eu não tenho estofo para aguentar de serra durante 2 horas, portanto eu depois não conseguia sair da minha casa da Atalaia, ir até ao fundão da Arapalestra e depois apanhar outra vez o outro comboio. Acaba 5 horas à espera e também não dava. Mas Quer dizer, nós podíamos ter resolvido isto com o chamado light railers, são os comboios que fazem as ligações mais pequenas, bom investimento na nossa ferrovia, com a eletrificação, com a automação. E existem pessoas a falar disto em Portugal há anos e anos. Tens especialistas de mobilidade, tens o Mário Alves, tens o Carlos Gaivoto, que há anos que têm soluções para as coisas. O problema é que não se faz, porque dizeres em Portugal, politicamente, que vais investir na ferrovia e deixar de investir no carro, tu não tens ninguém que vote em ti. Não tens! Porque as pessoas ainda não perceberam que esta roda de âmessera que foram habituadas é pior para elas. E pensam, quando estamos a tirar direitos aos automobilistas e às pessoas que conduzem, estamos a tirar direitos às pessoas e a verdade é que nós queremos dar mais direitos às pessoas, a todas as pessoas, em todos os sítios do país. Porque há neste momento uma discrepância enorme entre o que é o Portugal rural e o Portugal urbano, porque não temos a socialidade que ligue os dois. Portanto, se não temos a socialidade para ligar os dois, como é que vamos desenvolver o interior do país? Como é que não vai haver desertificação? Como é que vai haver coesão territorial? Porque se
José Maria Pimentel
tens mais gente no urbano, portanto, eleitoralmente é difícil fazer isto.
Catarina Barreiros
É muito difícil fazer isto. E tens muita gente no urbano e muita gente a querer sair dos meios rurais e ir para a cidade porque querem subir na vida. Isso, querem isso. Quando nós devíamos estar a ter políticas de coesão territorial que nos permitam viver bem em qualquer zona do nosso país. E esse é que eu acho que a sustentabilidade pode resolver, porque não é só uma questão do ambiente. É uma questão de melhorias na acessibilidade, melhorias no nosso estilo de vida, na habitação. Se tiveres comboio ultra rápido que faça Lisboa-Coimbra em 40 minutos, qual é a diferença entre viveres em Coimbra ou viveres em Cascais?
José Maria Pimentel
Nenhuma. Sim, claro, exato.
Catarina Barreiros
Portanto, de repente, há-de-se uma oportunidade de habitação na maioria do país, se tiveres acessibilidade de qualidade.
José Maria Pimentel
Sim, é como é isso. As cidades europeias que as pessoas vivem muito fora da cidade, mas tem comboio qualquer que faz a ligação diária.
Catarina Barreiros
Verdade. Londres, por exemplo. Já deixaste ir a Londres, é isso que eu ia dizer, já deixaste ir a Londres porque vais para Stuttgart, por exemplo. Não, porque há comboio que liga... Que é o aeroporto mais longe. Por acaso não sei se é mais longe, mas é super longe. É uma hora e meia do centro da cidade. Mas há comboio que liga.
José Maria Pimentel
Ah não, desculpa, foi aí que eu fiquei, exatamente.
Catarina Barreiros
Foi Stuttgart. Portanto, na verdade, toda a gente é muito contra aeroportos fora de Lisboa, mas nós temos país que de comboio se fazia muito rápido. Eu morei em Milão durante ano e do aeroporto até ao centro da cidade demorava quase uma hora. E era o aeroporto que existia, estamos a falar de Malpensa, que é o aeroporto em Milão.
José Maria Pimentel
Sim, Portugal é excepcional nesse aspecto.
Catarina Barreiros
Não é normal haver metro no aeroporto. No centro da cidade, isso é que não é normal, mas são lutas difíceis, conversas muito difíceis politicamente, não há muita coragem política.
José Maria Pimentel
Houve investimento, houve mal-estudo, acho que é essa altura
Catarina Barreiros
em que se deixou de... Mas menos do que aviação, exige menos investimento do que aviação, sobretudo menos do que recuperar empresas com dinheiro de contribuir.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Nesse período em que nós investimos muito na rodovia, eu lembro que havia argumentos a favor desse tipo de investimento que envelheceram mal, já não me lembro quais é que eram exatamente.
Catarina Barreiros
Não, e há argumentos... Com o
José Maria Pimentel
comboio, desculpa, o comboio teve o seu após eu e depois foi perdendo, parecia quase transporte do passado e depois voltou. Voltou.
Catarina Barreiros
Porque se percebeu o que é? Em termos de eficiência, constrói-se uma ferrovia com menos dinheiro do que se investirem porque depois a ferrovia vai dando também publicamente dinheiro. Tu pagas os bilhetes ou pagas os passos de comboio e o dinheiro também vai dando do Estado. Não é só aqui tiveres de inventar as portagens para pagar. Também não é gratuita uma rodovia muitas vezes, as mais modernas não são gratuitas, portanto não é que seja serviço público, serviço público já estava a construir e são as nacionais, não é? Portanto, tiveste vantagens de construir, tiveste muitas vantagens para grandes empresas também, obviamente, Mas a rodovia não é a longo prazo tão vantajosa como a ferrovia, porque hoje em dia já existe ferrovia muito moderna, eletrificada, automatizada, em que já consegues interligar uma rede de comboios complexíssima e tu consegues interligá-la. Portanto, Quando fui a Bruxelas o ano passado com a Comissão Europeia, estava a falar com a senhora que lá vivia, que era francesa, e que dizia que ia a Paris todos os fins de semana ver a família, porque era uma hora de comboio.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é impecável.
Catarina Barreiros
Percebes-te? Isto é o mundo em que eu quero viver, eu não quero viver num mundo em que eu demoro mais tempo a ir ao fundão de autocarro do que se calhar ir a Paris de avião, não é? Não faz sentido, nós temos de arranjar maneira de nos ligarmos às cidades do nosso país e às cidades europeias, com menos custo para as pessoas, com menos custos ambientais e com melhores benefícios sociais e isso chama-se ferrovia.
José Maria Pimentel
Exatamente. E tu andares de carro, A verdade é, tu andares... Eu acho que é uma das coisas para as quais nós daqui a... Até já não diga, mas para aí a 20 anos vamos olhar com alguma estranheza. É esta coisa de nós irmos a conduzir o nosso carro durante horas. Rídico. Que é uma perda de tempo. E nós estamos cansados. Se estás
Catarina Barreiros
a pensar não podes ir a fazer nada.
José Maria Pimentel
Podes vir a ouvir podcast.
Catarina Barreiros
Sim, vais a ouvir podcast. Eu me faço feliz. Sei lá, eu quando vou no Metro com o João e vamos os dois a algum lado, a concerto, jantar fora ou o que seja, vamos a conversar o tempo todo, vamos no carro, acabamos por ir ouvir o podcast ou ouvir uma música. De nós está ao telemóvel, o outro não pode portar a conduzir.
José Maria Pimentel
Sim, mas é uma seca, sim.
Catarina Barreiros
É meio estranho, porque não irmos todos a conversar e não é? É muito mais confortável andar de comboio do que andar de carro. Não ter de ser eu a conduzir e depois ficas cansada e tenho de pôr os óculos à noite quando estou a conduzir porque levo com as luzes e tenho estigmatismo, sabes? Não faz sentido! Vais cansado, há mais acidentes. Não faz sentido.
José Maria Pimentel
Eu quando vou ao porto, por exemplo, vou sempre, ou tento isso, sempre de comboio. Claro. Depois não é sempre fácil, depois tiveste que ir
Catarina Barreiros
a mais gentes. Se tiveste de marcar bilhete na véspera, às vezes já não o apanhas.
José Maria Pimentel
Já não o apanhas, exato. Sim, sim, exatamente. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. Outro obstáculo cultural que existe para mudança de hábitos, por exemplo, do lado da alimentação, é a cultura em torno da carne. Sim,
Catarina Barreiros
claro, a conversada com a lente de gênio e a bebida do fundão, não é? Do fundão e depois do outro lado traz os mondos. Portanto, sim.
José Maria Pimentel
Tu tens duas dimensões disto. Tens uma dimensão mais compreensível e uma menos compreensível. A mais compreensível é que há almoço de família e se tiver que ser feito prato especial para a pessoa que é vegetariana é chato, eu super percebo-se. E depois há outra que eu acho mais incompreensível que é como se... Imagina, vais jantar fora e tu és vegetariana e pedes prato vegetariano é como se quebrasses a harmonia da refeição, não é?
Catarina Barreiros
Sim, as duas são uma coisa... Ora, A primeira coisa que eu acho que é importante dizer é que eu nunca peço para ninguém fazer pratos especiais para mim. Eu safo-me sempre, porque nem que fique a comer batatas fritas, isso é uma refeição na minha vida inteira. Não é por aí. E também não peço aos meus amigos para escolherem restaurantes diferentes, porque mais da vez, se houver pão, Eu estou bem. Pãozinho e queijinho nunca faltam a minha mesa portuguesa. E pois é engraçado estas questões culturais porque nós tradicionalmente temos muitos pratos festarianos em Portugal. Se nós fomos pensar, o que é que a minha avó comia muitas vezes? Sopa de feijão com couve. É. Que em termos nutricionais tem proteína, tem hidratos, tem nutrientes, todos os que nós precisamos. Gente, nós normalizamos a sopa de feijão com couve, e bem, mas depois se eu puder chourizinho lá, é que já não dá, não é? E não faz muito sentido, na verdade, porque nós tradicionalmente a carne era para alturas de festa, porque não havia poder de compra para ter carne todos os dias. O peixe não era... No interior do país então não se comia peixe, não é? Ou comia-se peixe salgado, não é? Mas não era sempre. A minha avó o que comia mais eram as leguminosas e os legumes e comia a carne dos enchidos, porque só os restos. Era o que era mais barato. Portanto, se me forem dizer, entre nack de carne ou pão com chouriço, eu vou escolher pão com chouriço. Eu não vou porque não como, mas se tiver que comer, como o pão com chouriço, porque só os restos dos restos dos restos. Chouriço não é bom exemplo, a alheira é mais e as bolinheiras são mais. Faz pior, faz pior, são muito mais processados. Mas é engraçado porque nós em Portugal, nós por sermos país mais pobre, encontramos formas da nossa alimentação de combater o desperdício alimentar, não é? Sim, exatamente. Os enchites são exemplo.
José Maria Pimentel
Sim, tradicionalmente tu combatias o desperdício, não por ser boa pessoa, mas porque era necessário.
Catarina Barreiros
Certo, claro. Qual é a que leva arroz? Não sei se é a farinheira que leva arroz. Arroz é... Morcela?
José Maria Pimentel
Sim, acho que sim.
Catarina Barreiros
A Morcela. Estamos aqui ao alquail do David. David diz que sim. Portanto, nós ponhemos os restos, ou os pastéis do quer que seja eram restos, as pataniscas são restos enfiados e fritos, não é? Portanto, nós temos uma cultura que também... As pataniscas vegetais são portuguesas, as migas são vegetarianas, é pão com legumes, depois podem enfiar lá outras coisas, mas existem pratos vegetarianos em Portugal. Há que eu dou sempre por exemplo, que não é português, mas na maior parte dos restaurantes há pizza. A pizza é vegetariana, não é vegan, mas é vegetariana. Nós gostamos de coisas vegetarianas, só que há tantas... Temos aquela percepção de que, ah não, eu não como vegetariano. Toda a gente que é hominífera come o vegetariano, os vegetarianos já não comem a carne, é ao contrário.
José Maria Pimentel
Sim, claro, claro.
Catarina Barreiros
Portanto, ok, eu percebo a parte familiar, sei que seja chato o fazer prato, mas eu nunca obriguei ninguém a fazer prato para mim. Se eu quiser muito, leva prato e leva prato para toda a gente. Tenho exemplo muito engraçado. Para aí há três ou quatro anos, nós fazemos em casa dos meus pais, no Algarve, fazemos todos os anos encontro de primos, que são os primos da minha mãe. E a minha mãe tem sempre o leitão, arroz de pato, coisas grandes, porque somos muitos. E eu para aí há três ou quatro anos, decidi fazer uma lasanha de ricota e espinafres. E a minha mãe disse, ah, mas faz pouco que ninguém vai comer isso. Eu fiz uma lasanha, sim, para seis ou oito pessoas, grande. A primeira coisa a ir embora foi a lasanha. Portanto, nós não temos aversão ao vegetariano, nós só pensamos que temos. Pois as pessoas quando comem gostam, não é? Sim, sim, sim. E esse já
José Maria Pimentel
agora, desculpa, para fazer paralelo com a nossa conversa anterior, e não querendo, enfim, não gosto muito de estereótipos exagerados a distinções de sexo, mas por exemplo do caso vegetariano acho que passa exatamente o contrário, que há muitos homens que têm uma... Estigma? Sim, como se fosse... Não sei, não percebo. Uma espécie de fraqueza, não percebo muito bem.
Catarina Barreiros
Mas é a mesma cultura que faz com que as mulheres apreciem mais a beleza, é aquela que faz com que os homens não queiram tirar a carne, a carne vermelha, que dá-nos os gonzatos.
José Maria Pimentel
Olha, uma coisa que já tem sido estudada que era interessante era medir a variação disso, dessa aversão ao vegetarianismo nos homens, ou seja, a diferença entre sexo ou heterogêneo na aversão ao vegetarianismo, compará-la entre países e perceber o que é que explica.
Catarina Barreiros
Olha, deve ser engraçado. Não sei se existe. Já alguém me pegou nisso, de certeza. De certeza, mas Eu nunca vi. Também não. Mas parece inocente. Mas é engraçado, por exemplo, felizmente à minha volta tenho muitos homens que combatem muito a seriose. Tipo, o meu marido é o primeiro a querer fazer uma alimentação vegetariana em casa, embora fora de casa coma carne por opção. Ele prefere mesmo que em casa não come carne, porque diz que se em casa não comer, depois não se sente mal, se desfeções fora de casa. Ou o padrinho da minha filha, que tem quase 2 metros de altura e que em casa também faz uma alimentação vegetariana, só que quando vão a jantar fora é que come carne.
José Maria Pimentel
Esse é bom esquema, sim, eu sempre achei esse bom esquema. É bom esquema Porque te
Catarina Barreiros
permite socialmente, culturalmente, continuares, não tens grande diferença nos jantares de amigos, nos jantares de família, mas depois no teu dia-a-dia diminuis o consumo da proteína animal. E além disso, é mais barato. O auxílio dessa questão para mim é que mudar para o estilo de vida mais sustentável faz-te poupar dinheiro e poupar o ambiente e melhorar a saúde, na maior parte dos casos. Porque nem seja saúde mental, quando diz respeito à quantidade de coisas que tens, saúde física, quando diz respeito a comer menos processados, mais produtos de época e mais proteínas saudáveis, não é? Mais saudáveis, menos precisadas. E para a carteira isso é mais barato. Eu gasto muito menos do que os meus amigos que comem carne em casa e produtos ultra processados em casa e tudo o que faço é comprar alguns frutas luminosas, portanto não é rocket science. Dá mais trabalho? Não acho. Eu acho que dá mais trabalho se o tivéssemos habituado ao outro porque tens de mudar hábito.
José Maria Pimentel
No sentido em que se eu tiver pedaço de carne e o puser no forno...
Catarina Barreiros
Se eu pegar pedaço de couve-flor e o puser no forno, sabe mesmo bem. Mesmo! Uma das coisas que eu mais gosto de comer é couve-flor.
José Maria Pimentel
É a questão que eu gosto de cozinhar a vegetariana, não tenho certeza de que estamos a estar a dizer que eu não
Catarina Barreiros
estava. Mas, eu acho que depende da maneira como as coisas são cozinhadas. Quando nós não estamos habituados a cozinhar cozinha vegetariana, achamos que é mais difícil porque não nos sai bem ao início. Por exemplo, eu só cozinhar carne e vai-me sair desastre.
José Maria Pimentel
Mas a questão da carne... Mateus, isto não é desculpa, mas a carne...
Catarina Barreiros
É passa de lado, passa do outro, está feito.
José Maria Pimentel
E como tem gordura?
Catarina Barreiros
Sim, mas há coisas justarianas com gordura.
José Maria Pimentel
Há coisas justarianas com gordura, sim.
Catarina Barreiros
Não é exclusivo, portanto, podes perfeitamente fazer uma coisa com mais gordura. Imagina, a questão na cozinha justariana, eu acho que é o molho, os condimentos que tu pões às coisas. Em minha casa, eu adoro couve no forno. Adoro, e é super português. Uma boa couve, bem marinada, regada com azeite ou com manteiga, com pimentão doce, com alha, mistura. Fica uma maravilha. E eu sou perfeitamente capaz de comer metade da couve à refeição, sabes? Depois, claro, ponho grão, ponho tudo mais. Caril de grão é prato maravilhoso eu acho que há muitas pessoas que gostam muito de caril de grão com espinafres ou com couve e asso fofona no meio ou o que seja eu acho que é uma questão de nós sabermos cozinhar as coisas e a maior parte das pessoas não sabe cozinhar as coisas mas há muitas pessoas na internet fora a dar receitas maravilhosas de comida vegetariana. Eu tornei-me vegetariana e aprendi a cozinhar por necessidade e hoje em dia só sei cozinhar vegetariano. Se me puserem a fazer qualquer coisa que não seja vegetariana eu acho que vou ter muita dificuldade. E não vai calhar bem, garantidamente. Porque não estou habituada.
José Maria Pimentel
Eu não sei se tu ouviste esse episódio do Ricardo Fellner, que foi convidado para ir a uns 15 episódios talvez. E era sobre gastronomia e ele dá uma explicação interessante de... Ou seja, segundo ele, havia ali uma viragem na cozinha vegetariana que durante muito tempo não teve grande graça e depois eles começaram a usar... Sobretudo, segundo ele, a tirar partido de uma coisa que chama a reação de Maillard, que é quando basicamente tu tostas os alimentos, ou seja, quando eles ficam meio tostados e que eles geram uma reação química, basicamente são os aminoácidos que se desfazem, não me perguntes mais do que isso, e que dá o sabor que nós gostamos no pão, por exemplo, ou que gostamos na pizza, lá está. Ai que chido. E eles, por exemplo, gostaram dos vegetarianos, começaram a usar esse tipo de reações muito mais de maneira consciente ou inconsciente e a fazer coisas com texturas diferentes, por exemplo, que deu muito mais graça à cozinha vegetariana. E provavelmente é o que tu fazes também em casa.
Catarina Barreiros
Não vou assim tão longe em casa. Se calhar
José Maria Pimentel
não estás a pensar nisso, mas podes estar a fazer isso na mesma hora.
Catarina Barreiros
Bom, se calhar. Sim, eu faço...
José Maria Pimentel
Intuitivamente, não é?
Catarina Barreiros
Confitados e afins. Sim, por exemplo. É engraçado dizeres disso. Eu sinto que antigamente, quando se falava em comida vegetariana num restaurante, eram os macrobióticos, eram aqueles que recebiam tipo uma salada de cuscuz com pimento cru. Eu sou vegetariana e eu não como essas coisas. Eu gosto de comida consistente. E é engraçado, nada contra o cuscuz e contra pimentos, eu não gosto de pimentos crus, é indigesto para mim, mas gosto de cuscuz misturado em outras coisas. Eu não sou pessoa de saladas, eu não gosto de salada, eu não gosto de alface. E quando eu me tornei vegetariana uma das coisas era mas como é que tu és vegetariana e não gostas nem de salada nem de alface porque não é isso que os vegetarianos comem, isso é o que os coelhos comem as pessoas vegetarianas não comem alface, as pessoas vegetarianas são pessoas portanto gostam de comer como pessoas
José Maria Pimentel
não, porque o alface é o que os não vegetarianos comem em certo sentido se
Catarina Barreiros
calhar sim, só é salada de alface e tomate com avampanhar só para dizer que comeram lume. E porquê aquilo
José Maria Pimentel
não tem clorofila? É genuíno. O ganho
Catarina Barreiros
nutricional é zero. De uma alface tem a clorofila com água, não tem nada.
José Maria Pimentel
Mas é estranho o hábito que nós adquirimos.
Catarina Barreiros
Não é? É estranhíssimo. Não sabe bem, não sabe nada.
José Maria Pimentel
Eu gosto, mas repara, até... A minha filha adora. A propósito, nós falámos há bocadinho de uma economia de subsistência com pouca capacidade produtiva e ter desenvolvido o hábito de consumir...
Catarina Barreiros
Uma coisa que não acrescenta, naturalmente.
José Maria Pimentel
É curioso, não é? Não sei de onde é que isso vem, gostava de saber.
Catarina Barreiros
Não sei, não faço ideia. É porque é muito rápido de crescer os alfaces. Pois. Acho muito rápido. Pode ser disso. E tem água que também sabe bem nos meios mais quentes. Sim. Mas, sim. Mas, entretanto, os restaurantes vestarianos agora têm imensa qualidade. O Gui Michelin já tem a estrela verde, não é? Portanto, eu levei amigos a restaurante vestariano que é o Arco, que é de longe onde eu mais gosto de ir, e não há carnívoro que entre lá e que não fique apaixonado. Nos meus anos, eu fiz lá o meu jantar de anjos há dois anos, foram os meus 30, e os meus amigos estavam fascinados, diziam, mas isto é vegetariano? Eu dizia, sim, é todo vegetariano. Como assim é vegetariano? É comida tipo alta cozinha, vegetariana. É inacreditável. É inacreditável. Portanto, eu acho que felizmente os chefes começaram a pegar na comida vegetariana e fazê-la de maneira a que até não vegetariano se babe por ir àqueles restaurantes que servem esse tipo de comida.
José Maria Pimentel
Eu acho que o Rui cá falava desse restaurante.
Catarina Barreiros
É possível, eu acho. Mas tens outros, tens o Encarna de Viva também que é espetacular no Porto, que é bocadinho mais acessível para quem queira experimentar. Tens o Fava Tonka que é maravilhoso em Lácega da Palmeira, há muito bons. Ainda não fui a alguns que agora ganharam guia. Tens o Duos Porão que não é vegetariano mas é de base vegetal e tem cuidado em nível de sustentabilidade são muito interessantes, também ganhaste o rolo verde, o da molhadinha também, muito bom. Portanto, também não é vegetariano mas também tem boas opções vegetarianas, portanto eu acho que hoje em dia já começam a haver muito boas opções vegetarianas e as pessoas já começam a querer escolhê-las mesmo não sendo vegetarianas, porque sabem bem, são boas. O risoto de espargos sabe bem,
José Maria Pimentel
não é? Sim, sim, sim. Eu como vegetariano sem problemas.
Catarina Barreiros
Pois sim, se calhar não és a pessoa certa para comer.
José Maria Pimentel
Sim, embora não seja vegetariano, não é? E a casa como carne, mas não é uma coisa que me faça diferença. Talvez é algumas situações. Engraçado, por acaso. Há situações em que me apetece comer o mesmo carne, não sei quais. Eu não sabe fazer essa análise.
Catarina Barreiros
Mas isso aconteceu a bocado. Eu já tive transgravidezes, infelizmente, só uma é que avançou. E quando estou grávida tenho vontade de comer carne vermelha, em sangue. E eu não me inibo nesses casos. Porque é pedido muito específico do meu corpo, até porque eu tenho... A minha mãe já tinha anemia e come carne, então se não é travesariana, mas eu tenho muitas vezes, tenho falta de ferro e nas gravidades muita falta de ferro ao ponto de ter de levar transfusões e eu acho que isso é o meu corpo a pedir e portanto eu nunca ignorei nessas situações.
José Maria Pimentel
Interessante, faz sentido nesse caso, faz todo sentido na verdade. Uma coisa que eu tenho muita curiosidade de saber, neste teu percurso, ou seja, tu, no fundo estamos a voltar ao início da conversa, tu lançaste a página, foste lançando uma série de coisas, e hoje em dia tens imensa gente a seguir, e portanto tu foste acompanhando a evolução também das próprias pessoas, neste sentido. E este é jogo interessante porque a evolução das pessoas para se tornarem mais sustentáveis faz, em parte, por o que nós poderíamos chamar avanço, progresso moral, no sentido de tu pensas num determinado assunto, concluís que é moralmente melhor fazer dessa forma, que consegues levar-te a fazê-lo, mas obviamente, como nós já demonstramos aqui, e é visível em uma série de áreas da vida, isso por si só não é suficiente. Ou seja, depois tens de facilitar de certa forma o caminho.
Catarina Barreiros
Tens de mostrar que existem opções.
José Maria Pimentel
Tens de mostrar que existem opções, tens de levar, quase como o teu exemplo com o guarda-roupa, tens de arranjar uma maneira de não ir por naquela direção e outro caminho que te atraia. E o que é que tu sentes nas pessoas que têm funcionado mais para elas? Ou seja, tu dirias que a maior parte das pessoas, o que é que as motiva? Por exemplo, imagina, nós já falamos aqui de várias coisas, mas pode motivar preocupações ambientais do corpo, pode motivar preocupações sociais, pode motivar uma espécie de aversão ao desperdício que nós também temos, ou seja, embora nós desperdicemos com muita facilidade, nós temos esse ímpeto da aversão ao desperdício nós não gostamos muito disso. Pode ser a ordem, por exemplo, eu não sei se já falávamos sobre isso, eu até puse isso no Instagram a certa altura, uma tia minha, que na verdade a tia da minha mulher, que já não sei quem é que ela tinha separado de uma maneira ultra-professionista no lixo, na reciclagem. O ímpeto dela é sumo.
Catarina Barreiros
Era do envelope, acho eu, do cartão, de tirar a janelinha, não era?
José Maria Pimentel
Talvez fosse isso. Agora, o que é curioso aqui é, por exemplo, para ela, o ímpeto é, obviamente, que é em parte a reciclagem enquanto ação de 70 mil e oito, mas o principal ímpeto para ela é da organização.
Catarina Barreiros
É das coisas organizadas. É curioso, não é? Eu acho que tu respondeste à pergunta enquanto tu... Que é? Qualquer desses. Pois, mas quais é que têm mais peso?
José Maria Pimentel
Que é a Catarina da... Há quantos anos é que lançaste?
Catarina Barreiros
Agosto de 2018. Há 10 anos.
José Maria Pimentel
Que é a Catarina da...?
Catarina Barreiros
10 anos. Achava que... Eu acho que a culpa nunca moveu a maior parte das pessoas. Isso é uma coisa exclusivamente minha, mas não acho que move a maior parte das pessoas. Aquilo que eu acho é que a empatia e o mostrar que eu faço porque é fácil, mas que ninguém é obrigado a isto, mas está aqui à disposição, é mais fácil, é mais sustentável, é mais financeiramente também compensa, então porquê é que não o vemos de fazer?
José Maria Pimentel
E é interessante, ou seja, o facto tem a ver com que estás a fazer uma coisa boa que até não é difícil de fazer. Mas também haverá em muitos casos apelo, não é? Olha, isto é trendy ou... Porque há vários destes comportamentos que nós, por exemplo, a questão da roupa em segunda mão... Terminou-se cool. Pode ser cool também, não é? Sim. Aliás, o IPCC tinha uma frase engraçada sobre isso, que ele dizia, por exemplo, enquadrar comportamentos de poupança de energia como high status, como coisas que no fundo permitem às pessoas destacar-se, é uma estratégia promissora para reduzir as emissões, por exemplo. Na verdade, só vou citar paper.
Catarina Barreiros
Mas faz sentido, porque imagina, quando tu começas a ver que as cool girls do Instagram estão todas a comprar em segunda mão...
José Maria Pimentel
De repente vira esta coisa ao contrário.
Catarina Barreiros
Exato, exato. Eu até arrisco-me a dizer, e isto vai soar mal, eu sei como é que vai soar, vou dizer a mesma com esta consciência, se os carros elétricos estivessem vindo para o mercado e começassem logo a ser a opção mais barata não iria ter o estatuto cool que teve e as camadas com mais poder de compra não iam ter adotado o carro elétrico como adotaram e obviamente não sendo a solução perfeita porque queremos diminuir o uso de automóvel continua a ser a opção melhor dentro da mobilidade individual.
José Maria Pimentel
Por acaso é engraçado, nas estimativas do IPCC, os carros elétricos, como já vimos, não são os primeiros, é salvo erro a estimativa que eles fazem que têm maior intervalo de confiança, ou seja, aquilo vai, a barra vai desde bastante positivo a razoavelmente negativo. Porque depende, não é? Porque depois tens muitos problemas associados aos carros elétricos, depende do que estás a substituir por carro elétrico.
Catarina Barreiros
Exatamente, se tu deixares de andar dos esforços públicos para teres carro elétrico é pior ideia de ser. Pois, exato. Se tu passares de usar carro de combustão para carro elétrico, sendo que não tinhas a opção de passar por sistema de mobilidade partilhada ou suave, então é uma melhor ideia. E à medida que a nossa energia for ficando cada vez mais eletrificada, com fontes renováveis, em vez de combustíveis fósseis, então elas vão se tornar cada vez melhores. E à medida também que a tecnologia avançar, para as baterias usarem menos lítios ou poderem ser mais recicladas, que já se provou que é possível fazer oitéis recicladas com mesma performance, ou poderem ser mais facilmente desmanteladas para reciclagem, portanto, tudo isto depois tem o seu impacto dentro daquilo que são as escolhas dos carteletes.
José Maria Pimentel
Sim. No início falámos de... Tu descreveste isto como movimento coletivo, no fundo, ou seja, para gerar uma ação coletiva. Qual é que tu achas que é o caminho? Eu não sei, francamente, por exemplo, o que é que tu achas de iniciativas como a Climáximo, por exemplo, ou seja, coisas que vão mesmo, ou seja, tentam trazer o tema para a agenda de uma maneira radical, digamos assim. Qual é que tu achas que é o caminho? Porque eu não sei qual é, na verdade, e isso faz-me alguma impressão, mas quanto mais penso sobre ele, na verdade, melhor acho, até.
Catarina Barreiros
Então, existem iniciativas radicais e iniciativas radicais. As iniciativas radicais não têm necessariamente de interferir com a vida das pessoas. A partir do momento em que interferem com a vida do cidadão comum, que não tem responsabilidade nenhuma no que se está a passar, ou que tendo responsabilidade do seu estilo de vida não há grande coisa que possa fazer para mudar, para mim é right flag. Não há? Uma pessoa que tenha 5 empregos, a câmara onde vive não dá opções de mobilidade partilhada ou coletiva decentes, tem que trabalhar para alimentar a família, tem horários de trabalho muito exigentes.
José Maria Pimentel
Mas não é isso, desculpa, não é isso que eu quero dizer. Claro que não, ou seja, nós já falámos disso há bocadinho, claro que essas coisas são perfeitamente compreensíveis, mas por exemplo aquilo que tu dizias há bocadinho de que as pessoas precisam perceber que na verdade
Catarina Barreiros
há opções
José Maria Pimentel
E isto é para o bem de todos, por exemplo.
Catarina Barreiros
Mas há maneiras de fazer ver isso sem ser com imposição. Ou seja, a minha opinião é, eu percebo o drama que essas pessoas sentem, eu também o sinto, acho sim que há uma grande inação política corajosa, acho que há muito a fazer que não está a ser feito por falta de coragem política e por interesses que nada têm a ver com a população. O que me parece é que se me perguntares entre bloquear jatos privados ou ir parar a segunda circular, há uma grande diferença. Ok? Porque com enorme probabilidade...
José Maria Pimentel
Se os jatos privados são do pior que é, não é?
Catarina Barreiros
Com enorme probabilidade, alguém que usa jato privado, não há de ser por causa de uma assistência médica, de a pessoa estar à beira da morte e precisar de ir voar para Paris para cirurgião. À partida não é esse o caso, não é? E com enorme probabilidade essa pessoa consegue uma alternativa melhor e tem poder de compra para uma alternativa melhor. Até podia comprar comboio se lhe apetecesse. Estou a dizer, obviamente. Mas bloquear a 2ª circular, para mim, é tiro no pé, porque vai mobilizar a sociedade civil contra a causa climática, porque ninguém vai voltear a estar no tránsito, além de que é contraproducente porque o trânsito gera mais emissões. Portanto, não faz grande sentido.
José Maria Pimentel
Eu percebo o que queres dizer, mas do ponto de vista das greves também mobiliza a sociedade civil contra... Bem, é argumento que muita gente faz, mas acho parcialmente verdade,
Catarina Barreiros
mas não totalmente. Eu acho diferente, porque as greves mobilizam enorme grupo de pessoas para avenidas e tudo mais. Estamos a falar de centenas, milhares de pessoas. Ali tiveste 3 ou 4 pessoas, eu conheço muito bem uma delas que chico ela e gosto muito dela, mas tiveste 3 ou 4 pessoas que pararam milhares de pessoas de chegar aos seus empregos em hora de ponta. E eu percebo, ou seja, resultou bem, a comunicação social falou sobre o assunto, mas neste momento tens cada vez mais pessoas contra os ativistas climáticos porque lhes interromperam momento importante que é ir para o trabalho. E as pessoas têm direito de ir para o trabalho, porque o direito ao trabalho é direito.
José Maria Pimentel
Claro, isto não atua... É assim, se eu estivesse nessa situação não teria gostado nada.
Catarina Barreiros
Eu percebo o porquê de o fazerem, mas acho que existem outros meios. E existem meios mais democráticos para o fazer.
José Maria Pimentel
A Minha dúvida é a seguinte, mas eu não sei, ou seja...
Catarina Barreiros
Calma, também não acho que eles sejam... Agora nas campanhas eleitorais houve a questão do vidro, de ser tirado tinta contra vidro, em séries de campanha e a comunicação social dizia, houve ataque até calma, não é ataque tiraram o vidro para uma... Não é ataque, é vidro numa janela. É chato ver tecidos a limpar e não os coitados das pessoas que trabalham no hotel, mas não é ataque. Ataque é com armas, não é?
José Maria Pimentel
Sim, as palavras parecem...
Catarina Barreiros
Foram grupo de pessoas que tirou tinta para vidro. Calma!
José Maria Pimentel
As palavras às vezes vão perder de sentido.
Catarina Barreiros
Exato. Acho que também se está a fazer disto, quer dizer, talvez os postos de redes sociais, a chamar-lhes terroristas, vamos lá ter calma também, não é? Tipo, existe terrorismo hoje em dia no mundo, infelizmente, e nós vamos acontecer. Vamos escolher as palavras, porque senão perde o significado, não é?
José Maria Pimentel
Isso por ora é bastante light, por ora. Sim, eu
Catarina Barreiros
só acho é contraproducente, acho mesmo e tenho visto isso nas minhas redes sociais.
José Maria Pimentel
Pois, talvez seja, ou seja, deixa-me tentar explicar o meu raciocínio. Eu não queria falar especificamente da Climaxim porque elas têm uma agenda política que vai para lá da questão ambiental com a qual eu não concordo, mas percebo até certo ponto a ação e a verdade é, eu tenho vindo a olhar para ela com melhores olhos Ok, eu percebo absolutamente a ação Não, mas não, desculpa, claro que eu percebo a motivação, mas do ponto de vista consequencialista eu até, do ponto de vista das consequências, eu até sou obrigado a dar-lhes alguma razão no sentido em que o que é que acontece se tu não fizeres nada daquilo? Tu tens a campanha eleitoral e o que é que se discute na campanha eleitoral? Discutes os assuntos menos importantes do que as alterações climáticas, mas mais urgentes.
Catarina Barreiros
Sim, se aquilo se tornar assunto urgente, se passa a discutir.
José Maria Pimentel
E eles de repente fazem... Tu não consegues contornar aquilo.
Catarina Barreiros
A verdade é, nos debates tiveste uma menção às alterações climáticas na mesma e ele já estava falando. Pois. Portanto, eles não resolveram
José Maria Pimentel
também isso. Mas é que ele passou no tele-jornal, não é que...
Catarina Barreiros
Passou, mas não resolveu na mesma. Porquê? Porque o que eles dizem é que há falta de ação política e, portanto, eles iam tornar o tema tão público que ia passar a ser obrigatório e os políticos falarem dele. Mas não conseguiram o que queriam. Porque a verdade é que nos debates não falaram de crise climática. É verdade, é verdade. Nas ações climáticas não foram faladas.
José Maria Pimentel
Mas pode ser caminho, não é? Torná-lo...
Catarina Barreiros
Pode absolutamente ser caminho. A questão é que foi caminho que não só não teve a consequência positiva que se esperava ter e foi ter uma consequência muito negativa, em alturas eleitorais, de pôr muitas pessoas contra os movimentos climáticos.
José Maria Pimentel
Pois, então, mas espera, desculpa, antes de passar ao segundo elemento da minha explicação, qual é para ti a alternativa?
Catarina Barreiros
A alternativa é quem que está muito focado nestes temas tem de estar mais ligado à política. Ah, daí
José Maria Pimentel
Estás a fazer tu própria esse caminho, ok.
Catarina Barreiros
Sim, eu não vou entrar em nenhum partido político, não estou, mas por exemplo, agora vou fazer parte das comissões cidadãos, que é uma iniciativa cidadã, a partir da área de cariz político. Ou da lista sombra agora para as europeias, também é uma iniciativa a partir da área de cidadãos, jovens, portanto, Estou a tentar fazer alguma coisa com a audiência que tenho que está interessada nesses assuntos, que quer fazer alguma coisa e, portanto, eu faço parte do grupo de reflexão da Presidência da República, portanto, também levo sempre esses temas das alterações climáticas para os meus colegas e para a Presidência da República, portanto, faço questão de, em todas as situações políticas, intervir de maneira...
José Maria Pimentel
Mas pela via institucional.
Catarina Barreiros
Pela via institucional, porque a via institucional é que precisa de ser mudada. Porque se não, a alternativa que nós temos à democracia, para estes grupos, já há de ser uma anarquia.
José Maria Pimentel
Não, tu podes fazer o botamap, não é? Tu podes gerar na população essa vontade. Mas é engraçado o que tu estás a dizer porque é exatamente essa dúvida que eu tenho. Eu, por outra, há duas maneiras de resolver problemas em política. Simplificando, é a via democrática, digamos assim, que se gera uma maioria a favor daquele comportamento, ou é a via tecnocrática. Nem sempre é isto, mas é no sentido em que, obviamente, continuando a existir numa democracia que é sancionada pelo voto, é sobretudo pessoas que entendem do assunto que tratam daquele assunto. E, sei lá, tu tens uma série de matérias políticas que são tratadas assim, não podia ser de outra forma. A saúde pública, por exemplo, né? O Covid foi bom exemplo disso. E eu não sei qual é a maneira de resolver este problema, porque eu não sei se tu consegues...
Catarina Barreiros
Mas eles não propõem nenhuma nem outra.
José Maria Pimentel
Bem, eu não sei deles no caso, não é?
Catarina Barreiros
Não, ou seja, se tu pensares no que é que tu associarias a que espectro, à democracia ou à tecnocracia? O que eles fazem, estarias encurralado na democracia?
José Maria Pimentel
À democracia, no sentido de... Eu não sei se é esse o objetivo, não é?
Catarina Barreiros
Mas é democrático se é toda a gente contra eles.
José Maria Pimentel
Sendo benevolente? Não, pois, mas essa é que é a questão, não é? Ou seja, sendo benevolente o objetivo é dar nas vistas para... É como, sei lá, as marchas do Martin Luther King nos Estados Unidos, não é? É dar nas vistas para as pessoas perceberem que há ali uma injustiça e gerar uma vontade popular. Sim, sim. Agora, o meu ponto é, na verdade, eu não sei se é possível fazer isso com a rapidez que o assunto precisa.
Catarina Barreiros
Eu estou-te fazendo 100%
José Maria Pimentel
de acordo. O exemplo do Carrão é ótimo exemplo. Ou seja, estas alterações todas que tu precisas de fazer, por supõem mudanças tão grandes...
Catarina Barreiros
Mas o que está a acontecer agora é uma polarização tão grande que tu não estás nem a conseguir o consenso da população, nem o consenso político. Porque neste momento, se fazes medidas ambientais, se isto continuar assim, vai começar a ser mal visto. Porque vai começar a ser associado aos dissidentes. Percebes?
José Maria Pimentel
Eu acho que já era pouco mal visto, quando o governo anterior introduziu aquele imposto sobre o... Descendo do combustível. Descendo do combustível, aquilo é uma imensa polémica porque lá está as pessoas, tem o carro que precisam... É muito difícil fazer essas alterações. A questão
Catarina Barreiros
é que o governo impôs isso, sem investir em ferrovias, sem investir em mobilidade alternativa. Mas vai
José Maria Pimentel
investir nisso do pé para a mão, não vai?
Catarina Barreiros
Porque existe muito dinheiro mal alocado publicamente,
José Maria Pimentel
não é? Mas, com essa rapidez, é difícil tu fazer... E como isto é uma emergência...
Catarina Barreiros
Isto tem consequência de 20 anos de más decisões políticas. Ou seja, a questão é, Os nossos ciclos eleitorais são a cada quatro anos. E isto é péssimo para resolver problemas estruturais. Porque, e nós vimos agora com o logotipo que governo faz, é mudar o logotipo. Desfaz o que o outro fez. Desfaz o que o outro fizer, nem que seja para bater o pé. Mesmo sejam coisas tão idiotas como logotipo, não é? Portanto, Aquilo que nós estamos sempre a fazer, quando têm 4 anos e a desfazer o que os outros fizeram, visse se não nos dá tempo a construir. Enquanto não houver uma tentativa de sistematização em que se sentam todos os partidos políticos e estabelecem metas e áreas em que se vai trabalhar e que ninguém pode mexer durante 20 anos, vamos continuar nisto. E vamos continuar. Enquanto não houver consenso político de vamos fazer uma aposta na ferrovia, porque isto é especialmente idiota porque eu analiso os programas eleitorais do ambiente de todos os partidos políticos há uma coisa que todos, todos, sem exceção dos mais à direita aos mais à esquerda, passamos pelos mais e menos liberais passando até pelos negacionistas que todos os partidos falam é de mobilidade e de inacessibilidade que está assente na ferrovia. Portanto, todos eles falam nisto, como é que não se faz plano ferroviário para Portugal há 20 anos, em que todos têm de ir construindo e ninguém pode fazer o que os outros fizerem. Como é que isto não é feito? E isto em temas tão fundamentais como a mobilidade e a acessibilidade, portanto falamos da mesma coisa mais ou menos, em temas como a saúde, em temas como a educação, em temas como a justiça, como a habitação, tem de haver mínimo dos concessos para onde é que nós estamos a ir, porque senão vamos estar só a brincar aqui ao monofólio, não é?
José Maria Pimentel
Eu concordo 100% contigo, só que isso hoje em dia com as redes sociais é mais difícil fazer porque os concessos políticos fazem-se de certa forma despolitizando os temas. Sim. E tu hoje vives numa era de politização da maior parte dos temas, não é? Absolutamente. E daí a minha dúvida, ou seja, eu acho que a atitude da Klimatsky e outras do género está correta se a resposta for politizar os temas para gerar uma maioria a favor dele. Eu não sei se é possível.
Catarina Barreiros
Isso é o que eu acho que deve ser feito. Ou seja, existe argumento que está estruturado e com base nesse racional faz sentido. Eu é que não acredito que isso sem é efeito positivo. Eu acredito que cada vez que nós polarizamos estamos a afastar as pessoas. E na vida em sociedade é uma vida de comunhão e não de dissociação, não é? Portanto, se torna-se antissocietal, assim que se diz, estamos a afastar as pessoas em vez de estar a tentar encontrar os pontos comuns. E mesmo nas alterações climáticas existem muitos pontos comuns, porque, ok, se calhar a maneira como se chega às coisas não é tão óbvia. Mas existem estratégias e, Por exemplo, a descarbonização é exemplo disso, que é dotado da esquerda e da direita porque traz, por exemplo, benefícios económicos e benefícios sociais. Portanto, os temas de adaptações climáticas e da sustentabilidade são sobre melhorar a vida das pessoas. E se todos os partidos começarem a unificar, e imagina não tendo votado na AD, o Montenegro, uma coisa que fez agora foi pegar em medidas de vários partidos. Isso é uma tentativa de aproximação que a mim, que sou de centro, faz-me sentido, porque está a assumir a representatividade daquilo que as pessoas elegeram. Portanto, se as pessoas elegeram aqueles partidos, as pessoas daqueles partidos também merecem ver algumas medidas que aqueles partidos levaram à frente valorizadas numa proposta orçamental, não é? E eu acho que isso faz sentido. Isso faz sentido enquanto sociedade, nós vermos o que é que os outros têm, que pontos em comum é que nós temos? Então começamos por esses e logo vamos aos mais difíceis porque só nesses já há muito trabalho a fazer e há muita coisa de fundo que é preciso mudar portanto, parece-me que unir em vez de segregar é sempre a melhor estratégia mas lá está, eu sou uma pessoa muito moderada para o bem e para o mal. Muitas vezes não devia ser tão moderada em muitos aspectos. Mas não acredito que gritar mais alto vá resolver o problema da surdez coletiva. Não se resolve assim. É com aparelhos auditivos, com a investigação, é com o texto. Temos de ter algum cuidado para manter formas de vida em sociedade que respeitam a nossa diversidade. E é isso que eu acho que é difícil, é que nós falamos muito em diversidade e é que tem o Massimo também e bem, mas depois não queremos respeitar a diversidade. E às vezes querer ouvir o avô que vive não sei onde e que tem uma visão completamente para nós inconcebível do mundo, nós temos de falar com ele e perceber o que é que o leva a fazer isso. Se calhar é porque a realidade dele é muito diferente da nossa. E portanto nós temos de tornar as nossas realidades aproximadas sempre que conseguimos encontrar pontos de encontro.
José Maria Pimentel
Eu acho que o grande obstáculo disso é o tempo.
Catarina Barreiros
O impacto contra o tempo. As alterações climáticas não vão chegar só às pessoas que não têm dinheiro. As pessoas nas férias mais elevadas vão sofrer com as alterações climáticas, porque quem vai passar férias a sítio exótico, onde só as pessoas com mais poder de compra vão, se houver aí mega tsunami, como já aconteceu em muitos lugares do mundo, as pessoas também morrem. De covid também morrem os ricos. Portanto, eu acho que toda a gente tem interesse partilhado em resolver este problema. E se calhar há pessoas que veem este tema com menos urgência. Mas toda a gente vai ficar sem água e sem oxigênio. Não são só uns. A perda de biodiversidade vai levar a perdas de rendimento alimentar que vão afetar mais as pessoas com menos poder de compra, sim. E as pessoas com menos poder de compra e as pessoas do sul global vão ser mais afetadas pelas situações climáticas, sim. Mas não são as únicas que vão ser afetadas e nós felizmente, acho que também vivemos num mundo onde muitas pessoas do norte global se preocupam com as pessoas do sul global porque estão longe da vista mas não estão longe do coração e nós com o mundo globalizado e com as novas tecnologias nós conseguimos muito rapidamente perceber que existem problemas do mundo. O facto de estarem famílias a morrer à fome em Gaza, a mim afeta-me enquanto mãe. E eu não tenho de estar lá para isto me afetar. Ou o facto de estarem famílias a serem deslocadas do Uluatu, porque o Uluatu vai ficar submerso, a mim afeta-me. E claro, no caso eu vivo num país também que é rodeado de mar, mas no sítio onde eu vivo a partir da noite chega o oceano, mas a mim também me afeta, ou seja, eu também sinto a dor dos outros humanos na volta do globo e como eu a maioria da população. A questão é que há uma minoria muito vocal com menos escrúpulos e eu acho que nós às vezes nos deixamos levar e achamos que o mundo é de pessoas más. Existe uma minoria, eu acredito que existe uma minoria de pessoas más e estatisticamente pessoas com patologias como psicopatias e afins são menos do que aquelas que têm empatia pelos outros.
José Maria Pimentel
Ah, claro. Eu também não partilho, não acho isso. A questão é as pessoas terem assuntos mais urgentes, embora menos importantes, com que lidar. E isso politicamente de facto está complicado. Quer dizer, tens uma campanha eleitoral, Vais falar disso para deixar de falar o quê? Da habitação? Boa sorte, não é? Sim. Porque as pessoas querem...
Catarina Barreiros
Mas está ligado? Como é que se podia falar da habitação em tempo falado? Se eu fosse do Spinaly, está claro.
José Maria Pimentel
Está ligado, mas... Podes falar de mobilidade. Mas a prazos diferentes, não é? Ou seja, a pessoa tem problema urgente. E este é o... E isso é certo contra-senso porque isto é uma emergência em certo sentido, não é?
Catarina Barreiros
Não demora assim tanto fazer uma linha de ferrovia. Demora menos do que construir uma casa.
José Maria Pimentel
Não, claro, está bem, mas... Ou seja, o que eu quero, se os preços na cidade que eu vivo estão... De repente subiram brutalmente, o que eu quero é ter uma habitação...
Catarina Barreiros
Mas tu podes fazer duas coisas, ou seja, imagina. Tu podes falar de habitação em dizer uma solução que nós propomos para a habitação é que as pessoas possam viver mais perto em termos de horas do seu trabalho e poderem viver com mais qualidade de vida fora dos centros urbanos altamente poluídos. Se tu ouvires isto, tu pensas, eu vou demorar menos tempo, vou viver num sítio com menos poluição e vou ter condições de habitação acessível. E depois eles dizem, e como nós vamos fazer isto? É através de ferrovia, light rail, e conseguir dispersar as pessoas mais por uma zona maior, garantido que chegam mais rápido e sem congestionamento. Alguém gosta de estar no trânsito? Não. Se nós dissermos às pessoas que vão demorar menos tempo, não ter trânsito, viver num sítio onde têm mais qualidade de vida que eu acho que toda a gente que tem crianças gostava que elas tivessem espaço livre para brincarem, não é? Numa casa até se calhar pode ser bocadinho maior onde vão ter telhado onde possam pôr panéis folares e não têm que lidar com o vizinho que não quer porque não percebe nada do assunto, sabes? Há tantas, umas não são contra as outras, pelo contrário! Não, não, claro que... Uma medida boa para a habitação, para além de isenções de MT ou do que quer que seja, pode ser dizer, para resolver o problema da habitação na Grande Lisboa, nós vamos servir as regiões à volta de uma melhor rede ferroviária. E isso vai nos permitir viver mais longe e estar mais perto do nosso trabalho em termos temporais. E eu não sei se isto é assim tão esquisito de dizer num debate, levou-me 30 segundos, minuto a dizer
José Maria Pimentel
isto. Não, não é. Eu acho que são essas ótimas medidas. O desafio que elas têm é, demoram tempo e dois, por suporte...
Catarina Barreiros
Menos tempo que a construir casas. E houve montes de partidos a exigir a construção de casas.
José Maria Pimentel
Sim, menos tempo sim. Mas a questão da construção de casas é... Bem, depende dos partidos, não é? Mas não por suposto é tanta confiança no poder político, não é? Porque se forem partidos mais liberais, o mercado vai construir, vamos baixar impostos e vão construir casas. Essas medidas, suponho que tu confias que o governo é capaz de construir a ferrovia e não sei o quê. O que é que uma coisa típica dos nossos governos é políticas que passam por dar dinheiro porque são as mais fáceis de confiar, não é? Ou é que está? Por isso
Catarina Barreiros
é que precisamos de programa há 20 anos e eu acho que...
José Maria Pimentel
E tu estás a fazer muito bem a meter-te nessas... Eu acho que estás a seguir pela via certa, precisamente.
Catarina Barreiros
E acho que ser a partidário ajuda porque se eu enviar uma proposta para a Assembleia ou se enviarmos na Comissão do Ambiente, do Ambiente de Cidadãos, se mandarmos uma proposta para a Assembleia, como não vem de nenhum partido, a probabilidade de vir ser analisada sem viéses cognitivos é maior, ou com menos viéses cognitivas. É maior. E preconceitos. E preconceitos, sim. Portanto, vamos tentando, não é? Mas acho mesmo que é preciso os crescidos sentarem-se à mesa e pararem de ser crianças.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E quando eu chamava via tecnocrata há bocado, o conceito tem uma carga negativa, o que eu quero dizer é isso, é no sentido de, é a democracia na mesma, mas participada pelas pessoas que estão mais investidas naquela causa e sabem mais daquela causa. Sim, sim, eu
Catarina Barreiros
não me oponho, acho que nós precisamos de mais especialistas no governo.
José Maria Pimentel
É, especialistas nesse sentido, especialistas como tu, não é? Não, como
Catarina Barreiros
eu não sou especialista, mas há pessoas muito especialistas aí neste momento.
José Maria Pimentel
Perceba, mudaste, mas neste sentido és especialista, não é no sentido de estar...
Catarina Barreiros
Não, mas eu concordo, eu acho que não existe só uma ou outra, percebes? Eu acho que tu podes ter uma autoridade política composta por especialistas dentro de uma democracia e acho que é muito perigoso discurso de segregação das pessoas e isto tanto para a extrema-esquerda como para a extrema-direita como para o extremo-liberalismo ou neoliberalismo ou o que seja acho que temos que ter muito cuidado com a maneira como nós queremos pôr-nos uns contra os outros porque a maior parte de nós tem mais em comum do que de diferente, o facto de todos somos pessoas, todos nos alimentamos, todos dormimos, todos temos, ou muitos temos filhos gostamos de animais, uns mais do que outros, uns gostam mais de cães, outros gostam mais de gatos, todos gostamos de admirar pôr do sol, todos gostamos de uma paisagem bonita. Nós temos muita coisa em comum. Temos diferentes visões sobre como é que se chega a esse ideal de felicidade. Mas se nos sentarmos de maneira empática, abertas às ideias dos outros, conseguimos talvez encontrar a melhor entre os trabalhos de grupos na escola. Não concordávamos todos, mas encontrávamos meio térmico. Geralmente aqueles trabalhos de grupo em que havia uma pessoa que bateu o pé e dizia não porque era assim, eram os que acabavam sempre o grupo todo chateado e os trabalhos não pegavam conta da qualidade. Os trabalhos com mais qualidade são coisas em que cada pessoa contribui e todos encontram consenso entre aquilo que faz sentido fazer, sendo que há coisas que temos partido princípios universais. Por exemplo, para mim é muito difícil discutir com negacionista climático Porque não partimos os dois da mesma informação, não acreditamos os dois na ciência e quer dizer, provavelmente não temos os dois a mesma literacia para perceber como é que a ciência funciona, porque qualquer pessoa a quem é dado a literacia percebe que a ciência está em constante evolução que o facto de dizer uma coisa agora diferente da que dizia há 30 anos chama-se evolução e chama-se integridade, é por integridade no fundo. Portanto, a escapar disto tudo, há uma coisa que nós não podemos descurar, que é o investir em educação, investir em literacia, porque esse é o grande evoluidor social e quando investimos em educação, investimos em ter uma comunidade que de maneira bocadinho mais homogénea é capaz de entender os assuntos. Porque é muito difícil ter uma conversa sobre alterações climáticas com alguém que não percebe porque é que existe fertilizante que emite gases de efeito de estufa porque ele não está emitindo gases porque olha lá não está aqui vapor nenhum, percebes? Portanto, é muito difícil ter essa discussão.
José Maria Pimentel
É o desafio social, o desafio de tratar esses temas técnicos na...
Catarina Barreiros
Na democracia.
José Maria Pimentel
Embora há projetos muito interessantes que de certa forma casam estes dois mundos, como por exemplo aquelas assembleias de cidadãos, não é? Claro. Em que aí tu tens políticos que contactam diretamente com os eleitores e são forçados a perceber as necessidades deles e os eleitores ou os representantes dos eleitores, normalmente isto é... Para quem está a ver, isto normalmente são pessoas escolhidas, no ideal, escolhidas à sorte da população portanto é uma espécie de amostra representativa E essas pessoas também contactam com a maneira como se faz política a sério. E percebem as dificuldades. E têm de perceber as dificuldades e têm de estudar os temas porque têm de chegar no consenso com o que tu dizes. Em frança acontece isso. Sim, eles criaram aquilo.
Catarina Barreiros
E a verdade é que as pessoas tornam-se eleitores mais conscientes e pessoas com mais tolerância para o tempo que as coisas levam a serem feitas, porque percebem a dificuldade que é de ser democrático nas decisões.
José Maria Pimentel
Sim. E despolitizas, na associação que eu estava a dar ao termo há bocado, despolitizas o assunto, não é? Sim, isso. Porque despolitizas neste sentido, mas despolitizas no sentido de despolarizas, não é? Para falar o povo.
Catarina Barreiros
Sim, acho que despartidarizas. Exato.
José Maria Pimentel
Tiras a ideologia. Exato. Quer dizer desideologizas mas não fica lá.
Catarina Barreiros
É bocado a língua portuguesa.
José Maria Pimentel
Bem isto já vai long. Deixa-me só perguntar-te uma ou duas coisas para terminar. Algumas coisas interessantes que não cobrimos. Uma que não te esqueci de perguntar é, eu não sei se tu, em que medida é que tu achas que a resposta passa por impostos, ou seja, por exemplo, tens imposto sobre a carne, que fará a carne ser mais cara e, portanto, vai regularizar o consumo, ou até no limite, por exemplo, outro dia falava comigo, que trabalha nesta área, ele falava da hipótese da pessoa ter uma espécie de carbon budget, orçamento de carbono, que tu tinhas orçamento pessoal do carbono que tu podias gastar e tu podias, imagina, eu podia escolher usar mais carro e ter uma alimentação vegetariana e tu se calhar escolhias o contrário, por exemplo.
Catarina Barreiros
Parece muito distópico, mas sim.
José Maria Pimentel
Absolutamente. E outra coisa que não falámos é a questão das empresas, por exemplo, eu não sei que papel, e o meu amor seja muito para o mercado, confesso muito estética em relação ao papel das empresas nisto, ou seja, acho que as coisas evoluem muito devagar, por isso também há muitas informações, há muitas coisas como por exemplo aquela história do neutro em carbono, não é? Se a pessoa for ver aquilo é basicamente impossível. Portanto, há alguns céticis, mas enfim, tenho curiosidade sobre o que é que tu achas.
Catarina Barreiros
Olha, vou primeiro para a última. Então, a mim parece-me que não é incompatível nós queremos que haja mercado competitivo e que haja mercado empresarial saudável, financeiramente, economicamente, compatibilizando com uma boa aposta em regulamentação, fiscalização. Porque uma coisa é ter os mercados livres, Outra coisa é ter os mercados que com a sua liberdade estragam a liberdade das pessoas.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Sim, criam externalidades.
Catarina Barreiros
Exatamente, e era isso que eu ia dizer. Para mim, o que nós temos de fazer é contabilizar financeiramente externalidades positivas e negativas. Ou seja, se uma empresa está a fazer lestejamentos de papel e a poluir caudais, se começar a ter de pagar os efeitos que está a causar, se calhar vai poluir menos. Claro, sim. E em Portugal, por exemplo, as empresas já têm alguns impostos e algumas regulamentações com as quais têm de cumprir. Mas as externalidades negativas e positivas, económicas, muitas vezes sociais, culturais, não são financeiramente contabilizadas nos balanços das empresas. Isto não é obrigatório fazer. E eu acho que isso mudava muito as regras do jogo. Mudaria muito as regras do jogo, porque de repente tu ou subsidiavas imenso indústrias altamente poluentes, que fazes hoje em dia, Portugal continua a subsidiar combustíveis fósseis, que é algo que para mim, como é que isto é sequer possível, é inatingível, portanto ou terias de subsidiar muito para compensar ou elas tinham que ter de mudar sob o risco de morrerem. Portanto, para mim compensar externalidades é ponto necessário e isto é uma questão de se fazer uma análise de como é que podem ser contabilizadas de maneira científica. Por exemplo, quanto é que nós consideramos que as emissões custam depois à sociedade civil, ao ambiente, aos ecossistemas, qual é o valor que isto tem? Porque tem valor.
José Maria Pimentel
Claro, o ideal era que as empresas conseguissem auto-regular, numa perspetiva de... Em que tu internalizas essas externalidades, no sentido de que o ambiente, por exemplo, passa a ser stakeholder como os outros, não é? No mundo cor-de-rosa, não é? Tu conseguias auto-regular, te vazias lá os produtos neutros em carbono e tal. Sim. Eu tenho, confesso, tenho bastante cético em relação a isso.
Catarina Barreiros
Sim, eu acho que mesmo tem de ser importante a haver reposições locais. Há Uma coisa muito gira que me foi dito agora há pouco tempo, que é ao mesmo tempo que proibimos temos de dar uma cenoura. Porque não se pode. Tem que se achar que está errado, ao mesmo tempo que se dá palmadinhos nas costas que o que está certo. E isto é mais ou menos como educar uma criança. A minha filha sabe que não pode bater. Nem a mim, nem a ninguém. Porque não pode bater. Portanto, isso eu digo-lhe não, não podes, está fora de questão de bater em quem quer que seja, não vês isso à tua volta, não vais fazer, não se faz. Mas quando ela é muito querida com alguém e alguém que não foi simpático para ela, ela diz eu acho que não foste muito querido, precisas de abraço, eu digo-lhe boa graça. É mesmo isso, temos mesmo de ser queridos com as pessoas. Portanto, a lógica é mesmo a de falar com uma criança das empresas. Eu tenho empresas, portanto, eu acho que é muito visto que é proibir aquilo que manifestamente faça mal ao planeta e que tenha mais do que comprovado que passa muito mal, isso já existe, existe no mercado de carbono, existe o mercado regulado e o mercado voluntário. O mercado regulado de carbono já vai às indústrias mais poluentes que têm de, na Europa pelo menos, e em alguns lugares do mundo, que têm de ser compliantes com as regras. Embora, Na minha opinião, ainda pode fazer trading, não é? Que é uma coisa ridícula, que é eu poluo a mais, tu poluas a menos, eu vendo de ti as minhas licenças de emissão. Que é só... Para mim não faz sentido nenhum, mas tudo bem, é mercado. Portanto, o que eu acho que nós devemos fazer é proibir e incentivar ao mesmo tempo. Proibir aquilo que manifestamente não der mesmo, que não fizer sentido nenhum. Imagina, trabalho de escravo, absolutamente fora de questão. Importar produtos com trabalho de escravo, está fora de questão. Não há valor no mundo que possas pagar para compensar o facto de ter uma criança a trabalhar por ti e para eu estar a usar esse produto. Ponto, não entra, não há como. Outra coisa é dar benefícios de modessa. Uma empresa consegue, num ano, baixar 20% das suas emissões. Podemos dar-lhe incentivo fiscal? Por que não? Ou incentivos fiscais para as empresas que aumentarem os seus trabalhadores? Por que não? Por que não? Porque essa é uma dificuldade que as empresas sentem. Eu senti isso enquanto tinha pessoas... Eu tenho pessoas que trabalham para mim, não é? Quer dizer, é difícil aumentar salários, nós pagamos imensos impostos, isso é uma realidade. Se eu tiver incentivo fiscal para aumentar, eu prefiro, em vez de pagar tudo em impostos, pagar mais ao meu colaborador. Isso é limpinho, Eu vou ganhar o mesmo, mas prefiro que a pessoa fique mais feliz e mais motivada pelo trabalho que está a fazer. Então eu acho que não pode ser uma ou a outra. Taxar aquilo que manifestamente não podemos admitir no século XXI e incentivar a mudança. Em relação à primeira pergunta, que era sobre se devíamos ter impostos em tudo, que vai muito ligado à primeira. Eu acho que, sobretudo, taxar indivíduos, demasiado, só vai criar mais afronta em relação aos sistemas políticas. Acho que os green taxes fazem algum sentido em alguns produtos. Imagina, se estivéssemos a falar de produtos e não quero aqui ser muito sedenciosa, mas quer dizer, faz-me sentido que o jato privado pague mais impostos do que carro. Claro que vais-me dizer, certo, mas já pagam porque são mais caros do que carro, portanto já pagam mais impostos. Mas estou a dizer mesmo marginalmente, seja em termos percentuais, têm que pagar mais. Mas não faz sentido taxar o indivíduo. Não faz porque nós já pagamos impostos em tudo na nossa vida, nós quase que respiramos e
José Maria Pimentel
pagamos impostos. Mas eu não estou a ver, eu percebo a tua preocupação, mas sem impostos, como é que vais lá rapidamente?
Catarina Barreiros
Eu acho que os impostos têm de ser aplicados à indústria e têm de existir de maneira... Mas O indivíduo vai acabar
José Maria Pimentel
a pagar. É igual, isto pode ser igual.
Catarina Barreiros
Mas sabes que tu podes fazer agora que já é só não subsidiar aquilo que está mal feito. Porque tu continuas a ter subsídios à produção superintensiva, a cotização de fertilizantes que são proibidos em muitos países da Europa, tu continuas a ter subsídios para os combustíveis fósseis, portanto em vez de estares a pensar em taxar os indivíduos, tira os subsídios disso e ficas com mais dinheiro público para depois ajudares as pessoas a resolver as dificuldades que vão sentir quando os preços subirem.
José Maria Pimentel
Entendo, desculpa ser o chato, mas em termos líquidos é igual.
Catarina Barreiros
Em termos líquidos é igual, mas...
José Maria Pimentel
Para o eleito, para o cidadão, é a mesma coisa.
Catarina Barreiros
Mas manda sinal diferente, que é que eu não estou a subsidiar o combustível em espócios. Isto é bicho até. Quando pões dinheiro para a segurança social, os fundos em que o sucesso social investe, investem em combustíveis fósseis. Eu só pelo facto de trabalhar, eu invisto em combustíveis fósseis. Isto vai contra tudo aquilo em que eu acredito e eu não quero e não tenho a opção de não fazer. Portanto, se toda a gente deixasse de investir em combustíveis fósseis, se toda a gente deixasse de investir e começasse a usar esse dinheiro para investir em soluções renováveis, eu vou dar exemplo muito concreto que dá mais dinheiro para as pessoas, o mesmo valor líquido para os cofres do Estado e descarboniza ao mesmo tempo. Energia descentralizada, produção de energia renovável descentralizada. É uma medida que eu não percebo, como é que não estão todos de acordo e como é que não começa já a ser implementado. Portugal é o segundo país na Europa com maior capacidade para produzir energia renovável descentralizada. O que é que isso significa? Significa que nos nossos telhados nós podemos produzir tanta energia que somos o segundo país da Europa a conseguir comatar mais necessidades energéticas. Nós podíamos comatar 50% das nossas necessidades energéticas apenas usando os nossos telhados. Já não estamos a falar de utilizar fachadas, não estamos a falar de utilizar fences de vedações.
José Maria Pimentel
É só mesmo no telhado.
Catarina Barreiros
Só no telhado. 50% das nossas necessidades energéticas. Isto é muito. E continuamos a apostar em enormes parques que desbravam a biodiversidade toda ou a subsidiar combustíveis fósseis. Se nós desviarmos esse investimento dos combustíveis fósseis para apostar em soluções de descentralização em todos os bilhetes portugueses, as pessoas poupam na fatura da energia, nós tornamos o nosso país mais descarbonizado, ou seja, mais compliant com os objetivos europeus de descarbonização, poupamos dinheiro, a energia solar entrou em níveis negativos até em termos de valores de produção. Nós conseguimos, existem soluções, a solução não é só tirar de lado e de repente ficou do outro e as pessoas ficaram com o net cost, ficou igual. Não ficou! Se emprestas a energia descarbonizada, tu consegues que as pessoas ganhem dinheiro, porque poupam na energia ao final do mês. Mas, como ganham responsabilidade sobre os seus próprios consumos, percebem que quanto menos energia usarem, menos vão pagar, porque os painéis solares vão ser utilizados para mais coisas. Se eu tiver as luzes ligadas à noite, eu vou pagar mais de energia do que se eu não estiver ligadas à noite, porque eu vou ver a fatura de energia a descer. Então o meu consumo, eu vou ser responsável pelo meu consumo, mas eu não fui taxada por isso. Eu tive apoio para conseguir ver o meu consumo baixar, é bom para as pessoas, é bom para a economia e é bom para o ambiente. Portanto, tu tens exemplos e a mobilidade tem a mesma coisa. Portanto, tu tens ganhos financeiros para as pessoas com políticas ambientais. Só que vais ter perdas para as grandes empresas de energia, com isso elas não tiverem on-board. Qual é que é a solução que eu proponho? É que as empresas ajudem a fazer esta produção descentralizada, porque obviamente os painéis celulares de alguém tendo-os produzir, as ligações elétricas e as conduções para passar a voltagem, os cabos de passar energia têm de ser postos para alguém. Portanto, vai haver ligeiras perdas para as energéticas, mas também elas se viram lucrar como nunca nos últimos anos. Portanto, também não é que... Quer dizer, às vezes é só injusto para as grandes empresas.
José Maria Pimentel
Sim, isso é a ver com a questão das empresas que falavas há bocado. Certo.
Catarina Barreiros
É que não pode de repente ser injusto para as empresas, mas não pode continuar a ser injusto para os cidadãos. Portanto, Eu acho que temos de encontrar equilíbrio e neste momento não existe.
José Maria Pimentel
Eu depois mando-te este clipe quando apresentares a tua candidatura eleitoral.
Catarina Barreiros
Ah não, eu não. Está aqui uma última mensagem. Eu acho que não me meto em partidos políticos tão cedo na minha vida.
José Maria Pimentel
Já estava aqui. Nem precisas de ensaiar.
Catarina Barreiros
Não, eu não me meto nisso, infelizmente não. Porque lá está, eu quero conseguir falar com pessoas de vários aspectos políticos sem haver esse peso que traz a pertencida a
José Maria Pimentel
grupo. Certo, percebo. Catarina, obrigadíssimo. Obrigada. Grande estreia.
Catarina Barreiros
Obrigada. Obrigada.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.