#161 Vicente Valentim - "Afinal, o voto na direita radical é ideológico ou de protesto?"

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Desde as eleições de 10 de março, com o incrível crescimento do Chega, que meio mundo, que é como quem diz, mundo inteiro menos 18% anda a puxar pela cabeça a tentar descobrir as causas que expliquem aquele resultado e, em particular, que expliquem o facto de o partido ter conseguido, em menos de 5 anos, multiplicar o seu resultado por 13. Mas este debate sobre o caso português entronca noutra discussão muito mais ampla sobre as causas da ascensão da direita radical nas democracias ocidentais este século e, em particular, na última década. Este é tema sobre o qual, nos últimos anos, muita investigação tem sido produzida e muito tem sido escrito, incluindo por pessoas pouco relevantes, como este que vos está a falar, mas também por pessoas que valem mesmo a pena ler e ouvir. E uma dessas pessoas é precisamente o convidado deste episódio, o Vicente Valentim. A investigação dele foca-se no fenómeno como metodo, mas ajuda-nos também, como vão ver, a compreender melhor o caso português. O Vicente é cientista político na Universidade de Oxford e dedica-se a estudar o papel das normas sociais no comportamento dos cidadãos em democracia. No seu doutoramento, que recebeu vários prémios, debruçou-se em particular sobre o estigma social que existia, durante muito tempo, na maioria das democracias, em torno das ideias de direita radical e o modo como esse estigma, nos últimos anos, se tem desfeito. Ao estudar a evolução destas normas na sociedade, o Vicente acabou por desencobrir uma causa, até e inexplorada, para o rápido crescimento eleitoral dos partidos de direita radical. Segundo ele, a verdade é que aquelas ideias já tinham, antes, apoio entre o eleitorado. Só que o estigma social que pendia sobre elas impedia que elas fossem expressadas abertamente. O resultado é que quem tinha essas ideias não tinha noção do seu apoio real e o mesmo é válido para os políticos, que gostariam de aproveitar esse filão, que também não tinham noção da prevalência dessas preferências. E, portanto, segundo ele, é esta espécie de reserva de apoio pré-existente a estas ideias que depois explica que os partidos da direita radical tenham conseguido crescer tão rapidamente pouco por todas as democracias e agora também em Portugal. O que acontece depois é que com o sucesso eleitoral destes partidos, o estigma que existia sobre aquelas ideias acaba por desfazer-se e elas passam a ser defendidas abertamente no que ele chama o processo de normalização destas ideias. E é este o termo que dá nome ao primeiro livro do Vicente, que sairá em Portugal no dia 16 de Abril, chamado o fim da vergonha, como a direita radical se normalizou. E foi também o tema de uma conferência académica que ele deu recentemente em Lisboa, à qual eu assisti e que depois me levou a convidá-lo para o 45°. Na nossa conversa comecei por pedir ao convidado para explicar melhor esta tese E discutimos como ela contrasta com outra explicação muito ouvida, sobretudo nas últimas semanas em Portugal, que é de que o voto nestes partidos é, sobretudo, voto de protesto em relação ao estado do sistema político e não tanto voto ideológico. E falámos também de uma outra explicação relacionada com este voto de protesto, que é o surgimento das redes sociais e o modo como nos últimos anos vieram a alterar rapidamente e de uma forma drástica a relação dos cidadãos com a política. A explicação do Vicente de que já existia esta espécie de reserva na população com aquelas ideias contrasta também com as explicações de fundo mais discutidas na investigação da ciência política, que vêem na ascensão da direita radical este século, sobretudo, uma consequência da insatisfação de muitos eleitores, por lado, com mudanças ocorridas na economia, sejam a globalização, a automação, o aumento das desigualdades e também com alterações ocorridas na sociedade, sejam elas o aumento da imigração, mudanças a nível de costumes ou as tensões identitárias que têm afetado as sociedades ocidentais nos últimos anos. No livro Política a 45° explico em detalhe, em profundidade, estas duas causas para o crescimento do populismo. Elas são claramente muito importantes, mas a verdade é que sozinhas elas dificilmente explicam como é que estes partidos têm crescido de forma tão rápida. Para isso, na minha opinião, é necessário ter em conta o papel das redes sociais e, provavelmente, também a explicação que o Vicente oferece. Este foi episódio muito interessante. Como vão perceber, fez-me olhar para este tema com outros olhos e acho que vão sentir o mesmo. Mas é também episódio que provavelmente vos vai dar luta, porque foi uma conversa intensa e exploratória e porque o tema em si é complexo. Há uma série de causas possíveis em que nós podemos pensar para o crescimento destes partidos. Aliás, quem participou no módulo 2 dos Workshops de Pensamento Crítico, chamado As Causas das Coisas, vai provavelmente encontrar aqui tipo de discussão vagamente familiar. E por falar nos Workshops de Pensamento Crítico, já estão abertas as inscrições para o módulo 3, chamado Decidir Melhor, que vai decorrer em maio em Lisboa, no Porto e também online. Vejam como se inscrever no site josemariapimentel.pt.br. Caso tenham interesse em serem informados de futuras sessões deste ou de outros módulos, deixem o vosso e-mail através do formulário que encontram na descrição do episódio. E agora deixo-vos com Vicente Valentim. Mas antes disso, momento publicitário. Como se lembram, explorámos recentemente no 45 Graus a ciência do sono com a médica Teresa Paiva. O episódio tornou-se rapidamente num dos mais ouvidos de sempre, o que é normal, porque dormirmos bem é fundamental para a saúde e a verdade é que hoje temos todos muito mais noção disso. A importância do sono tem levado a que surjam cada vez mais empresas nesta área e uma das mais inovadoras é a Blanqui, que patrocina este episódio. O primeiro produto que a Blanqui lançou são os chamados cobertores pesados. Este tipo de cobertores são usados há já bastante tempo por profissionais de saúde para ajudar pacientes com autismo, transtorno obsessivo-compulsivo ou perturbação de hiperatividade. E nos últimos anos, embora esta ainda seja uma área recente, tem surgido muita investigação que indica que eles podem também ajudar no tratamento das insónias. E há muitos clientes que parecem concordar. Podem encontrar a gama completa de produtos da Blanqui, que vai de lençóis a almofadas, visitando o site blanqui.pt. Podem comprar sem receio, porque podem devolver ou trocar gratuitamente. Usem o cupão 45graus, tudo junto, para desconto de 15%, não acumulável. Vicente, muito bem-vindo ao 45 Graus.
Vicente Valentim
Olá, obrigado pelo convite.
José Maria Pimentel
Eu te cido e convido-te para o podcast porque acho a tua, aliás, como já te disse, acho a tua investigação muito original, das investigações mais originais em ciência política que eu tenho apanhado nos últimos tempos e até muito diferente do que se teve feito nesta área. Eu confesso que quando apanhei o teu nome não sei onde, deve ter sido algures no Twitter originalmente, pensei ok, aqui está mais investigador a investigar estes temas, tudo bem, mas eu tenho algum ceticismo em relação à investigação sobre esta área, porque como é hot topic, tema da moda, tem tema que atrai muita gente e muitas vezes faltam dados e a pessoa está bocado a dizer mais do mesmo ou dizer umas coisas que na verdade não fazem sentido. E depois, quando percebi qual era a tua explicação, qual era a explicação que tu propunhas, aí realmente achei muito original e achei, e acho, embora tenho algumas dúvidas quando vos falar, mas acho que é uma explicação muito boa e muito original e tem duas características, acho eu, das boas explicações, que é, primeiro, parte é de uma boa pergunta, normalmente as boas explicações em ciência e nas ciências sociais é a mesma coisa, parte é de uma boa pergunta, e depois são aquelas explicações que em retrospectiva parecem evidentes, até só que ninguém se lembrou, mas em retrospectiva parece uma coisa evidente porque de facto há puzzle que estava por explicar, mas e pronto, eu decidi convidar-te para o podcast para divulgar o que tens feito e acho que vai dar uma discussão interessante e para partirmos para a nossa conversa, pedia-te que é o mais fácil, que vais fazer o melhor do que eu, para descreveres a tua investigação, as tuas conclusões, quer dizer, de onde é que partiste e onde é que chegaste basicamente.
Vicente Valentim
Bem, o livro é acerca da direita radical e do crescimento da direita radical principalmente na Europa, mas em fim nas democracias ocidentais em geral e há duas principais explicações acho eu na literatura. Uma tem a ver com a economia, há alterações na economia e isso faz com que as pessoas que se sentem deixadas para trás por essas alterações se aproximem da direita radical e outra é uma explicação mais cultural em que se parta uma ideia de que há mudança de valor nas sociedades e as pessoas que não se reveem nos novos valores por isso se aproximam da direita radical. Mas ambas as explicações acabam por desembocar numa ideia de que as pessoas não tinham necessariamente ideias de direita radical e acabam por desenvolver essas ideias. Eu acho que este projeto partiu bocadinho de uma espécie de uma contradição entre este ponto de partida, esta ideia de que as pessoas votam na direita radical porque passaram a ser direita radical e o que nós vemos quando olhamos para os dados, principalmente do crescimento destes partidos, que tendem a ser muito rápidos. Ou seja, por exemplo, em Portugal, que acabamos de ter eleições, o Chega passou de 1% dos votos para 7% para agora 18%. Isto é crescimento muito rápido. E nós tendemos a ver isto como, bem, isto significa que em 2019, 1% das pessoas em Portugal tinha ideias de direita radical, depois 7% e depois 18%. Vê-se muito este tipo de explicação, porquê é que as pessoas agora se estão a aproximar das ideias de direita radical, etc. Mas a verdade é que nós sabemos, e há muitos estudos acerca disto, que as ideias políticas das pessoas não mudam de onde parece, ou seja, é bastante, acho eu, implausível pensar que de 1% de pessoas de direito radical se foi para 7% passado 3 anos e para 18% passado de 2 anos. E novamente, isto não é só algo que acontece em Portugal, acontece em muitos outros países que os partidos de direita radical crescem a esta velocidade. E então, para tentar explicar como é que isto pode acontecer, como é que isto pode acontecer a esta velocidade, A explicação que eu dou é uma explicação baseada numa ideia, que é a ideia de normas sociais, que é a ideia de que as pessoas têm percepções daquilo que é dado como aceitável e não aceitável num determinado contexto. Então, baseando-me nisto, eu tenho que dizer muito rapidamente, depois podemos falar mais, é que, Na verdade, o motivo pelo qual o apoio a estes partidos cresce tão depressa é que muitas pessoas já tinham, de facto, ideias de direito radical antes, mas simplesmente tinham a percepção de que era dado como inaceitável expressar essas ideias e era por isso que não o faziam. Mas a partir do momento em que há político competente e hábil que entre na política com ideias de direita radical, estas pessoas acabam por se sentir mais confiantes a expressar estas ideias que já tinham e é por isso que os partidos acabam por crescer tão depressa, porque não implica necessariamente mudar as ideias das pessoas, só implica que as pessoas expressem ideias que já antes tinham.
José Maria Pimentel
Que já tinham, exato. Como eu dizia há bocado, o que eu acho interessante é que isso parte de uma ótima pergunta, que é a constatação de que seria inverosímil uma mudança tão rápida nas ideias das pessoas explicar este crescimento tão rápido. E portanto ele tem que ser explicado por outra coisa qualquer e a hipótese que tu propões é que, na verdade, ele é explicado não porque as ideias tenham mudado, ou pelo menos não totalmente porque as ideias tenham mudado, mas porque havia lá já pessoas que tinham essas ideias, só não as estavam a expressar. Nesta explicação estás a partir de pressuposto com o qual eu simpatizo, mas acho que algumas pessoas questionarão, não é? Que é de que as pessoas que votam nesses partidos fazem-no porque têm ideias de direita radical, digamos assim, ou seja, porque partilham das ideias daqueles partidos, não é? O que é que tu dizes às pessoas que propõem a tese de que as pessoas estão a votar por protesto e não por razões ideológicas? E o que é que os dados dizem sobre esta... Os dados permitem-te estudar isso que tu falavas, não é? Que a diferença entre as ideias que as pessoas já tinham e as ideias que as pessoas expressam, ou seja, permitem avaliar isso ao longo do tempo em vários países?
Vicente Valentim
Sim, se não te importares, eu falo primeiro bocadinho antes dessa ideia do voto do Portuguesa e depois logo digo o que é que eu faço. Novamente, como tu acabaste de dizer, eu não pretendo com isto dizer que isso explica a totalidade do voto na direita radical, acho que explica uma porção significativa e o suficiente para explicar porque é que eles se conhecem de toda uma pressa, mas podem estar outras coisas a acontecer ao mesmo tempo. Agora, dito isto, eu acho que, em relação a esta ideia do voto de protesto, acho que ela se baseia numa manifestação muito focada em Portugal e acaba por perder de vista as semelhanças que há entre o que aconteceu em Portugal e o que aconteceu em outros países. É verdade que nós sabemos que as pessoas que votam nos partidos de direita radical e as pessoas que votam no Chega, concretamente, tendem a ser pessoas que estão insatisfeitas com a performance do governo, que são insatisfeitas com a forma como a democracia funciona, etc. Mas eu acho que é salto algo grande assumir que estas ideias não são constantes, ou seja, que as pessoas se sentem insatisfeitas com a performance do governo agora, porque o PSG, etc. Eu acho que isso é uma atitude bocadinho mais prolongada, que estas pessoas têm sempre essas ideias. Além disso, eu acho que esta é a tese do voto de protesto. Enfim, mesmo que as pessoas votem por protesto, a verdade é que as pessoas não foram afastadas do Chega pelas suas ideias de direita radical, as Xenófobas, por isso as pessoas não podem ter ideias muito contrárias às do Chega, caso contrário teriam votado noutro partido e se isto tem a ver com prestações de corrupção, a ideia de que o PS já não devia estar no governo, etc. Havia outros partidos que propunham uma alternativa até à direita, podemos pensar, por exemplo, na Iniciativa Liberal, que também tinha uma retórica muito em torno desta questão da corrupção, da questão de ser necessário tirar o PS do governo, etc. Há motivo pelo qual a polícia-presidência não chega e não da iniciativa liberal ou de qualquer outro partido. E além disso, eu acho que associada a esta retórica vem uma ideia que é bastante, acho que foi difundida no debate português, que é a ideia de que há uma certa franja do eleitorado que vota em protesto e que agora não chega, mas que antes poderia ter votado noutro partido como o Bloco ou o PCP. E eu acho que, bem, não acho. O que os dados mostram, pelo menos em relação a eleições anteriores, é que não há propriamente transferência de voto no Bloco ou no PCP, até que ela chegue ou se há é completamente minoritária. Ainda não sabemos para estas eleições, mas pelo menos baseado naquilo que sabemos para 2019 e 2022 não há propriamente uma transferência significativa. Por isso acho que os problemas que tem com essa ideia do voto por teste, novamente não é para dizer que algumas dessas pessoas não poderão ter votado por esse motivo, mas é para dizer que eu acho que isso não explica porque é que o Chega teve 18% a se aplicar, é uma percentagem bastante pequenina desse apoio ao partido. Agora, concretamente passando para o que é que eu consigo mostrar que mostra que algumas pessoas já tinham essas ideias. Uma das coisas que eu começo por mostrar é a ideia de que há mais, aquilo que chamam custos sociais de expressar ideias de direita radical do que outras ideias, que é o ponto partido, ou seja, o ponto partido é que as pessoas, não é dado como aceitável apoiar partidos de direita radical, seja o chega ou partidos de outros países e é por isso que essas pessoas acabam por esconder as suas ideias. No livro eu mostro dados de artigo que eu tenho como coautora em que nós, aí estamos a estudar a Espanha porque foi antes do Chega ter catapultado pela estação mediática, mas o que nós fazemos é nós mostramos às pessoas uma imagem de alguém que tem uma t-shirt de partido numa praça e perguntamos como é que elas reagiriam. E damos conjunto de hipóteses de reação, que são baseadas em estudos anteriores. A conclusão desse estudo é que quando comparamos o VOX, que é o Partido de Direito Radical, com partidos de outras ideologias, é muito mais provável que as pessoas façam aquilo que nós chamamos de sanções sociais ao partido de direita radical ou ao ROCS do que outros partidos. Porque sanções sociais, entenda-se, invita com essa pessoa a dizer que as suas ideias políticas não são aceitáveis, no limite de a insultá-la, mas também espalhar rumores, não usar essa pessoa se fosse preciso, etc. Por isso, enfim, há mais custos socialmente falando de expressar ideias de direita radical do que outras ideias e nós, nos resultados deste estudo, é também que as pessoas sabem que isto é verdade, ou seja, não é só que as pessoas... Depois a gente pode fazer a diferença, mas outras também sabem que é isto que acontece se uma pessoa expressar ideias de direita radical. E depois o que é que logo...
José Maria Pimentel
Desculpa, estou a perder. Isso é intuitivo, não é? Quer dizer, toda a gente, nós temos essa experiência, não é? Mesmo em Portugal.
Vicente Valentim
Sim, eu acho que sim, ou seja, a mim também me parece que é intuitivo e por isso é que acho que era isto que estava a acontecer, mas enfim, era só uma forma de mostrar isto com dados empíricos, se não tinha sido selecto tanto quanto eu sei. Mas pronto, a ideia é que como há estes custos, perde-se mais socialmente a expressar ideias de direita radical do que outras ideias, muitas das pessoas que têm estas ideias acabam por não as mostrar. E isto eu tento mostrar de algumas maneiras no livro e em outros trabalhos que eu tenho. E o que eu tento fazer é comparar aquilo que as pessoas dizem e fazem em contextos em que estão mais em privado e se sentem mais à vontade e em contextos que são muito parecidos mas são mais públicos e têm que ter uma interação com outra pessoa. Então, por exemplo, eu olho para aquilo que as pessoas dizem em inquéritos em que estão completamente em privado, por exemplo, se fizeram os inquéritos no internet ou se os fizerem por carta ou em inquéritos em que têm que realmente ter uma interação com a pessoa que sabe fazer as perguntas. E nessa análise de dados, que é no caso da Alemanha, o que eu encontro é que as pessoas quando estão em privado estão mais dispostas a dizer que têm conjunto de ideias de direita radical, por exemplo, isto vai de dizerem que efetivamente apoiam o partido de direita radical, ações de política mais concretas como acharem que os refugiados são o maior problema do país. Isto na Alemanha de 2002, muito antes da direita radical ter sucesso e muito antes dos refugiados sendo realmente uma questão que se discutia no país. E depois outra análise de dados que eu faço mais comparativa tem a ver com comparar aquilo que as pessoas votam, ou seja, quando estão num contexto completamente privado em que podem votar no partido que for e ninguém sabe o que fizeram, com o partido em que as pessoas dizem que votam, ou seja, normalmente há inquéritos que se fazem no riscado das eleições em que alguém contacta as pessoas e pergunta em que partida que votaram na eleição que acabou de acontecer. E a ideia aqui é que isto é muito parecido com efetivamente votar, com a diferença que enquanto votar é privado e ninguém vai saber em quem é que se votou, dizer que se votou num partido já pode ter alguns custos sociais, ou seja, se eu disser que votei num partido que é dado como inaceitável ou indesejável, as pessoas podem-me julgar, etc, ao contrário do que acontece realmente na cabine de voto. E aí o que, a conclusão dessas análises é novamente que mesmo pessoas que estão dispostas a votar em partidos de direita radical, muitas vezes acabam por dizer que não o fizeram, novamente para evitar estímulos sociais. Isto é uma coisa que acontece com os partidos de direita radical, porque tem isto que eu chamo de estigma político, mas não acontece com partidos de outras ideologias. Ou seja, todas estas análises são para tentar mostrar que muitas vezes as pessoas têm ideias políticas, nomeadamente próximas à direita radical, mas porque têm a percepção que essas ideias são dadas como inaceitáveis, indesejáveis, acabam por não as mostrar.
José Maria Pimentel
E tu mostras que, basicamente, a partir do momento em que o partido começa a eleger e começa a ser partido normal do sistema, as ideias passam a ser mais aceitas e gera-se uma convergência entre o voto real e o voto admitido, digamos assim, não é?
Vicente Valentim
Exato, ou seja, isto que eu estava a dizer antes era mais ou menos a primeira fase deste processo, não é? Eu chamo isto de fase de litéracia, mas depois a ideia é que isto tudo pode mudar se aparecer político competente e hábil que é capaz de se aprecer que estas ideias existem e que as põem no debate político. No caso de Portugal, isso foi André Ventura, podemos falar bocadinho mais acerca de como é que ele fez, etc. Mas isto é padrão que acontece em todos os países que passam dessa fase para a fase em que Portugal está agora, em que de repente a Debita Radical tem muito apoio, as pessoas se sentem confortáveis em dizer que apoiam em público, etc. E como dizias, uma das análises que eu faço no livro é fazer esta comparação entre o partido em que as pessoas votam e o partido em que dizem ter votado, quando estes partidos não têm ainda sucesso eleitoral, por exemplo, se estão fora do Parlamento, etc. E depois de o terem quando já entraram para o Parlamento. E como dizias, a conclusão aí é que há uma convergência entre o voto real e o voto assumido depois destes partidos terem sucesso, ou seja, pessoas que já apoiavam a direita radical mas que muitas vezes acabavam por não dizer que o faziam porque tinham medo destes custos sociais, sentem-se muito mais à vontade em admitir que apoiam a direita radical depois destes partidos começarem a ter sucesso e é isso que eu chamo desse processo de normalização, ou seja, é processo através do qual as pessoas acabam por ter a percepção de que estas ideias que já tinham se tornaram mais socialmente aceites do que antes o eram.
José Maria Pimentel
Por acaso, há aspecto engraçado sobre isso, não sei se já te ocorreu. Eu acho que tu usas o termo normalização, aliás, ou se quiseres de outra forma, eu acho que em ciência política se usa o termo normalização da direita radical de uma maneira pouco diferente do significado que normalmente é dado no debate público. Ou seja, próximo mas diferente, porque normalmente quando se fala de normalizar a direita radical é do tipo, sei lá, o PSD vai fazer uma coligação com o Chega, ou fala com o Chega, ou leva-se o Chega a sítios... É quase como convidar para uma festa, não é? Normalizar no sentido de convidar para a convivência, normalmente fazem parte dos partidos educados, digamos assim, da democracia, não é? Portanto, tem mais a ver, parece-me, do lado das normas da democracia e dos políticos. Enquanto que o significado que tu dás é mais significado social, normalizar no sentido mais literal de passar a ser normal a pessoa ter e revelar preferências de... Com os seus amigos, digamos assim, ou seja, fora do espaço da política.
Vicente Valentim
É verdade, porque a forma como eu defino o conceito é muito mais social, como disseste, é muito mais do lado do eleitorado e não tanto do lado das redes políticas. Mas eu acho que eu continuaria a usar a expressão, por exemplo, o exemplo que deste do PSD, enfim, sentar à mesa com o Chega. Eu continuaria a dizer que isso é uma ação normalizadora de direita radical, no sentido em que é muito provável que acabe por ter...
José Maria Pimentel
Não, não, exatamente. Não, absolutamente. Só que o foco é diferente. Ou seja, o foco nessa é na ação. Ou seja, deve ou não deve o PSD, por exemplo, normalizar os cheiros, não é? E quanto ao teu foco, é mais no resultado, não é? É mais no...
Vicente Valentim
Certo, exato. E ao fim do dia, ou seja, continua a ser uma questão em aberto se esse tipo de ações acaba por normalizar ou não, não é? Pois, exatamente. Eu acho que fazem, não se livram, mas é verdade que isso não é necessariamente aquilo que eu chamo de normalização por si só. Normalmente, eu acho que na ciência política se acaba por dar nome bocadinho diferente a esse tipo de processo de que estás a falar, que é a ideia de paria, de paria disso em português, não é? Sim. Ou seja, que muitas vezes a direita radical são partidos de paria e que em fazendo esse tipo de ações os partidos mainstream deixam de os considerar como partidos de paria, que é mais uma, essa dinâmica de nível das elites políticas de que estás a falar e depois eu tento contrapor isso a essa ideia de normalização que é mais o que acontece ao nível do eleitorado. Agora naturalmente elas acabam por se influenciar uma
José Maria Pimentel
ou outra. Claro, claro. E parece-me, quer dizer, o teu, como é trabalho científico, não tem lado moral propriamente, não é? Tu estás a avaliar esse processo de normalização que acontece, não é? E não, como acontece quando normalmente se usa este termo no debate político, a fazer uma análise moral se o PSD deve ou não normalizar o cheiro, ou o Marcelo ou quem quer que seja. Enfim, isto é uma parte que me achei interessante porque até nas entrevistas que tens dado, isso muitas vezes vem no headline e, lá está, estão relacionados, mas suponho que as pessoas interpretem com lado moral que não está necessariamente subjacente à tua tese, embora depois obviamente tenha essas implicações, mas isso na base é diagnóstico de trabalho positivo, digamos assim.
Vicente Valentim
Sim, claro, Ou seja, e todas estas questões que têm a ver com normalização e que vêm da ideia de normas sociais, tanto podem ir num sentido que nós achamos que é bom normativamente, ou seja, ainda bem que aconteceu, como no sentido que é mau normativamente e nós achamos que não devia ter acontecido. Exato. Ou seja, há normas sociais que acabam por manter em lugar práticas que nós podemos achar que são boas, por exemplo, há normas sociais para as pessoas votarem em vez de se absterem ou reciclarem ou essas coisas que normalmente tenderíamos a concordar que são coisas boas, mas também há normas sociais que mantêm em lugar estruturas de desigualdade no que diz respeito a relações de género por exemplo ou práticas que acabam por fazer com que as pessoas façam coisas que talvez não queiram fazer e que são normas sociais más ou seja nós só lhe chamamos de normas sociais porque são regras de comportamento que não estão escritas legalmente e há coisas que as pessoas aderem porque acham que é o que as outras pessoas à volta delas acham que elas deem a fazer. Agora, se a regra é boa ou má e a regra deixa de existir é bom ou mau é uma questão completamente à parte. Que fora desta análise mais empírica de que costumava haver uma regra contra isto e deixou de existir.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, exatamente. Olha, voltando à tua explicação, o que tu propões, portanto, é que existe uma espécie de reserva de ideias próximas destes partidos da direita radical que não está a ser usada porque está-se num equilíbrio, no fundo, em que as pessoas acham que são dos poucos a ter essas ideias porque não as expressam publicamente e não vêem ninguém a expressar, os políticos do sistema também acham que há pouca gente que as tem, portanto têm pouco interesse a explorar esse filão, digamos assim, e portanto está-se num equilíbrio, não é? E portanto, no fundo propôs uma causa, mas é preciso, ela depende de uma condição para atuar. E aliás, não sei se te lembras, foi a pergunta que eu te fiz na conferência que tu deste no IJCT em que apresentaste isso e se eu ainda não tivesse falado disso e depois eu percebi ao ler o teu trabalho que esse é elemento também importante da tua tese em que tu dizes que isto está lá de facto mas para este equilíbrio ser desfeito tu dizes basicamente que é preciso haver trigger, choque quase exógeno e é preciso haver empreendedor político, não é?
Vicente Valentim
Sim, exato. Ou seja, essas são as duas condições pelas quais pode passar para aquela fase inicial desse equilíbrio que falavas agora, que é aquilo que se chama fase de latência, para começar-se este processo de normalização. E a ideia é que às vezes há eventos que acontecem na vida de uma democracia que fazem com que as pessoas que já têm estas ideias lhes deem importância suficiente para se expressarem em público durante curto período de tempo. E eu quiser falar bocadinho mais acerca do que essas coisas são em geral e do que aconteceu no caso português, mas a ideia é que as pessoas acabam por sentir estas ideias, que estas ideias são muito importantes para elas e expressam-nas publicamente, mas só algumas pessoas e só durante curto período de tempo. Ou seja, isto não seria suficiente para, por si só, acabar por levar à normalização das ideias de direita radical, mas é suficiente para fazer com que estes sociais, em período de dois políticos, se apercebam de que, se calhar, há aqui algumas ideias que não estão a ser representadas e que eu posso explorar e assim acabar por ter sucesso eleitoral.
José Maria Pimentel
Ou seja, é o suficiente para revelar que havia lá aquela procura que estava escondida. Exato.
Vicente Valentim
Uma das coisas que é importante ter em mente é que a política funciona muito como mercado económico, ou seja, os partidos e os atores políticos que ainda não estão institucionalizados, que ainda não fazem parte do Parlamento, etc., têm sempre incentivo para encontrar novos temas, novas referências, novas coisas de modo geral, que ainda não estão representadas no sistema, porque é assim que normalmente eles acabam por entrar nesse sistema. E a ideia então é que há conjunto de elites políticas que estão sempre à procura destas novas ideias. E a partir do momento em que há este momento, este trigger de que falavas, em que algumas pessoas se sentem bocadinho mais confortáveis em expressar ideias de direito radical, há alguém que já estava à procura de o que é que pode funcionar politicamente e que vê isso e percebe-se, ah, se calhar isto acaba por funcionar mais do que eu antes tinha achado e é isso que faz com que esta pessoa depois acabe por concorrer para uma eleição com ideias que são de direito radical. E depois só para acabar bocadinho aquilo que é a tese aqui, depois acaba por ser o sucesso destas pessoas, ou seja, o momento em que acabam por terem maiores votações e entrarem no parlamento etc, que faz com que verdadeiramente se comece a normalizar a direita radical porque as pessoas que já tinham estas ideias mas achavam que estavam mais ou menos isoladas na sociedade como dizias, acabam por se aperceber que, bem, se a direita radical tem uma percentagem do voto tão grande isso significa que há muitas outras pessoas que têm as mesmas ideias que eu na sociedade ainda que antes eu não me apercebesse. Por isso, esse é mais ou menos o verso do início.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, começavas no equilíbrio que era a ver já pessoas com essas ideias mas que não as expressavam e os políticos também não percebiam. De repente há este choque que faz as pessoas começarem a falar do tema, os políticos percebem, há político com jeito que cria partido com aquelas ideias, consegue eleger e depois as ideias tornam-se normalizadas, digamos assim, no sentido em que passam a ser aceites e deixa de haver aquele desfazemento que nós falávamos inicialmente entre o que as pessoas acreditam e aquilo que as pessoas dizem.
Vicente Valentim
Pois é, é precisamente isso. E isso no fim acaba por ter também efeito nas elites políticas no sentido em que na fase inicial as elites políticas se calhar achavam que não havia dividendos eleitorais a tirar de concorrer para uma eleição com partido de direito radical ou com ideias de direito radical e na fase final agora que a direita radical já teve bons resultados eleitorais as elites políticas apercebem-se que bem afinal uma pessoa pode ter sucesso eleitoral com este tipo de ideias e isso acaba por depois também fazer com que mais políticos sejam dispostos a aderir à direita radical só para preferir este efeito nas elites, que é uma coisa que ainda não tínhamos a problema só.
José Maria Pimentel
Pois não, pois não, exatamente, sim, sim. E a vermos de lá. Mas antes disso, queria falar, porque eu acho que vale a pena explorar esta fase 2, que é quando o equilíbrio se começa a desfazer. Porque ela tem estes dois elementos, de choque externo, tema de repente que surge na agenda e leva a que se fale e a que determinadas ideias surjam no debate, que eu não vi até ali, e haver uma figura política, que seja aprendendo, no sentido de meter pés ao caminho e explorar aquele filão. No primeiro caso, no caso desse evento, tu dás por exemplo o exemplo de ataques terroristas, pode ser o influxo de imigração, por exemplo, tu no caso de Portugal dirias que é qual? Ou que foi qual?
Vicente Valentim
Ou seja, eu acho que o caso de Portugal não foi tanto choque nesse sentido, foi mais o facto de André Ventura ter concorrido primeiro para as eleições autárquicas e tê-lo feito em Lourdes que tinha historial de tensões com a comunidade cigana. Ou seja, é daí que ele tem essa perceção de que provavelmente nesta região, pelo menos, este tipo de retórica contra a comunidade cigana vai ressoar e depois, efetivamente, isso acontece, ele deu resultado bastante bom nessas eleições e é daí que ele acaba por se trapelar para o país todo e pensar bem se isto resultou nesta região provavelmente acaba por funcionar no país todo. Mas isto acaba por ser parecido com os outros choques de que falavas no sentido em que tudo o que é preciso é que este empreendedor político tenha por motivo ou por outro a perceção de que há ideias que não estão a ser necessariamente representadas no plano neoliberal político do país, mas que se alguém as pudesse no tema podiam ressoar com as pessoas. E era essa a intuição que o André Ventura tinha em relação concretamente à questão da comunidade cigana, mas bocadinho mais em geral, em relação a termos bocadinho mais xenófobos.
José Maria Pimentel
Sim, mas é engraçado porque a minha pergunta sobre o caso português é em certo sentido injusta, não é? Porque a tua tese é muito mais abrangente do que isso e obviamente como todas as teses na ciência, sobretudo nas ciências sociais, é probabilística, não é? E portanto o nosso... O caso português não tem de coincidir necessariamente com a norma, não é? Para até ser válido, digamos assim. E o caso português parece-me que até é especial e, a certo sentido, isso mostra a qualidade, digamos, empreendedora do André Ventura porque teve, parece-me, bastante mais deste segundo elemento de empreendedorismo, chamemos-lhe assim, do que o primeiro. Ou seja, ele foi capaz de encontrar filão que não tinha sido expresso até ali. E tu davas o exemplo de Loures, mas ele perdeu a eleição à Câmara de Loures, ele não foi assim tão bem sucedido.
Vicente Valentim
Sim, mas eu acho que, enfim, são umas eleições em que o...
José Maria Pimentel
E eu, oh desculpa, desculpa interromper, eu lembro-me na altura de se comentar como a estratégia dele tinha sido errada e o PSD tinha feito mal em escolher aquele candidato porque a estratégia... Ele teve, sabe o erro, o resultado idêntico ao que tinha tido o candidato nas eleições autórquicas anteriores também não é normal o PSD ganhar valores, que era do PCP mas aquilo, quer dizer, toda a gente interpretou aquilo como tendo sido erro e ele não, com razão
Vicente Valentim
certo, bem, eu não sei até que ponto é que interpretar aquilo como erro foi juízo de facto ou juízo de valor, ou seja
José Maria Pimentel
pois, justamente, sim wishful thinking, não é?
Vicente Valentim
Não, exato, e até numa perspectiva de novamente, de não tentar normalizar esse tipo de ideias, etc. Eu não sei se o facto de muitas elites do PSD terem rejeitado esse caminho não foi mais no sentido de dizer, nós não achamos que isto seja caminho para o nosso partido, mais do que propriamente que isto não tenha funcionado efetivamente em termos eleitorais. Eu acho que o André Ventura pessoalmente achou que tinha funcionado, mas eu acho que há motivos para acreditar que funcionou. Ou seja, o PSD aumentou a votação em relação às eleições anteriores e se não me engano passou de 2 para 3 variadores, o que pode não parecer tão extraordinário, principalmente porque não ganhou, mas é preciso pensar que isto aconteceu num contexto de umas eleições em que o PSD saiu bastante derrotado e perdeu várias câmaras que anteriormente tinha. Ou seja, num contexto em que no país todo o PSD está a perder, o André Ventura acaba por conseguir ir contra essa tendência. E é verdade que ele, no riscado dessas eleições, ele fez várias afirmações até dirigidas a quadros do PSD, dizendo que eu acho que esta estratégia funcionou e eu acho que o PSD devia segui-la e há momento até em que André Ventura fala de concorrer para a aliança do PSC, que depois é rejeitado por a elite do PSC e é nesse momento que ele acaba por criar o Cheguem. Mas eu acho que há momento em que ele está convencido e com legitimidade para dizer este caminho funcionou e é este o caminho que eu acho que o partido devia seguir e é depois quando o partido não se mostra aberto a isso que ele acaba por criar o seu próprio partido.
José Maria Pimentel
Sim, mas que era, para continuarmos com a analogia do empreendedorismo, foi uma empresa de alto risco, ou seja, a coisa resultou, mas na altura, E ainda por cima foi uma coisa quase feita sozinho, digamos assim, sem haver... Eu acho que tem alguns paralelos com outros casos da Europa, mas sem haver tensões de uma magnitude como existem noutros países com, por exemplo, a comunidade imigrante. Em Portugal tu não tinhas... Agora começas a ter, mas na altura não tinhas nada disso. Diziam-se chegando, mas quer dizer, é uma coisa muito localizada, não é? Muito localizada e sobretudo que a maioria das pessoas não tem... As pessoas até poderiam concordar, mas não existe uma... Não tem uma importância para a vida da maioria das pessoas suficiente para irem votar num determinado partido, não é? E no entanto, ele apanhou esse filão, de facto.
Vicente Valentim
Sim, mas eu gostava de dizer em relação a isso que noutros países, e isso é uma coisa que os estudos de turismo também têm vindo a mostrar, o que importa para as pessoas aderirem à retórica desses partidos não é até que ponto é que estes incidentes são numerosos ou efetivamente afetam a vida das pessoas, é a percepção de que eles são numerosos e a percepção de que afetam a vida das pessoas. As duas coisas não são necessariamente a mesma. É verdade nós podemos pensar em casos como a Alemanha em que a direita radical aumentou a seguir a choque de imigração que efetivamente, se olharmos para números, era muito grande. Mas muitas vezes A direita radical acaba por ter sucesso porque as pessoas acham que há muita imigração e porque as pessoas acham que essa imigração está a afetar a criminalidade, por exemplo, ou a segurança, etc. Mesmo que isso não seja verdade, ou seja, o que importa é esta percepção, não é o facto real, se quisermos pensar assim. Só para voltar atrás à questão deste gatilho, deste explotador, Eu acho que o que importa é que isso no fundo, no limite, pode ser quase tudo, desde que faça com que esse empreendedor político se aperceba, ok, há aqui qualquer coisa que não estava a ser explorada. E eu acho que, eu refiro isto no livro, mas há podcast muito interessante do Vitor Matos acerca do André Ventura, em que uma das coisas que se diz lá é que há momento em que o André Ventura está a ter esta discussão com pessoas que lhe são próximas e isso é antes dele fazer aquela primeira entrevista em que tem estas primeiras declarações xenófobas contra a comunidade cigana que depois explodem e lhe dão muita atenção mediática etc. E quando se está a discutir se este é ou não o caminho que a sua candidatura deve levar, ele acho que, num algum momento, acaba por dizer que tem acesso a uns dados de inquérito que sugerem que as pessoas têm uma perspectiva negativa dos ciganos na Câmara de Louros, etc. Mas depois se descobriu que estes dados não existiam realmente, ou seja, ele tinha uma intuição muito forte de que isto ia funcionar. E no fundo é isto que é preciso, ou seja, é preciso que de alguma forma este empreendedor político tenha, como dizia a gente, para a política, ganhe esta intuição forte. E o que é que cria essa intuição pode depender bastante de país para país. Novamente, eu acho que neste caso foi o facto de ele estar a concorrer para uma Câmara onde historicamente tinham havido mais tensões com essa comunidade do que se calhar em outras Câmaras e por isso ele tinha esta intuição. Mas podia ter sido uma coisa diferente desde que acabássemos nesta mesma intuição.
José Maria Pimentel
Sim. E na verdade a intuição inicial, se formos olhar para o discurso que chega hoje, tem peso quase irrelevante, se é que tem algum, não é? Portanto, não é? Na verdade ele acabou por pegar num tema que foi bastante diferente disso. Eu queria te perguntar uma coisa, na verdade, sobre o que está na base da tua explicação, da tua hipótese de partida, que é o que eu fiquei a pensar, não é? Porque tu partes da constatação de que há desfazamento entre as normas, digamos assim, entre o que é aceito defender e aquilo em que as pessoas acreditam, o que significa que as pessoas, tanto cidadãos, tanto as pessoas como os agentes políticos, subestimam a dimensão real das ideias próximas da direita radical na população. E depois, como já explorámos a tua explicação, parte daí. Mas eu queria te fazer uma pergunta antes disso. Não sei se tu pensaste nisto o quê. O que é que explica que surge esse desfazamento, sem que ninguém se dê conta, entre as normas, entre os costumes, digamos assim, entre o que é aceito publicamente e as ideias de uma parte da população. Porque isso também tem que ter uma origem, esse próprio desfazemento.
Vicente Valentim
Isto não é uma coisa que eu exploro no livro porque fica bocadinho para lá dos objetivos aí, mas é uma coisa em que eu na verdade sou a trabalhar agora e é uma coisa que eu quero continuar a trabalhar no futuro, mas eu acho que esse momento inicial é momento em que há aquilo que eu chamo de estigma político contra a direita radical, que é a ideia de que as pessoas acham que isto não é aceitável socialmente. E eu acho que este tipo de estigmas acaba por vir de situações de conflito, principalmente. Eu acho que no que diz respeito à direita radical, tem a ver muito com a associação dessa ideologia à Segunda Guerra Mundial e àquilo que aconteceu nesse período e nas ditaduras que houve em muitos países da Europa Ocidental e ter havido uma reconstrução desse período histórico como tendo sido mau. Ou seja, a Segunda Guerra Mundial e as ditaduras diretas são dadas como uma coisa má e a direita radical é dada como a ideologia que esteve associada a ele. E é, essa é a origem desta ideia de que a ideologia direita radical de uma maneira geral é inevitável ou inaceitável. Mas eu acho que, de certa forma, acaba por haver na maior parte das sociedades uma proporção considerável da população que percebe que naquele momento não é aceitável expressar estas ideias mas que acaba por continuar até elas. Diz-se, falavas disto há bocadinho, que há este contingente mais ou menos, não que ele seja estável mas que é significativo na maior parte das sociedades. Por exemplo, há estudo muito interessante que mostra que no caso alemão, as regiões onde a AfD, o partido de direita radical na Alemanha, teve mais sucesso eleitoral quando apareceu em 2017 são as mesmas regiões onde o Partido Nazi tinha tido mais sucesso nos anos 30 ou seja, a ideia aqui é que alguma coisa aconteceu no meio, aconteceu a 2ª Guerra Mundial principalmente na Alemanha e isso teve, como é óbvio, consequências absolutamente catastróficas e há uma reconstrução desse período. Como sendo mau, há uma associação do direito radical a esse período e como tal as pessoas acabam por não mostrar esse tipo de ideias, mas a verdade é que estes mesmos sítios acabavam por ter reservatório de pessoas que acabavam por ter ideias.
José Maria Pimentel
E há eu não sei se te ocorreu isto, mas há uma espécie de espelho da tua explicação que é da mesma maneira que é inverosímil que crescimento tão rápido dos partidos de direita radical tenha na base uma evolução proporcional das ideias das pessoas, portanto é mais provável que houvesse lá ideias, da mesma forma também é inverosímil que com o fim das ditaduras, a fim desde logo com o fim da segunda guerra mundial, de repente as pessoas que estavam a apoiar aquele regime tenham todas de repente deixado de partilhar as ideias.
Vicente Valentim
Exato, claro. Eu acho que isso é ótimo ponto, eu não tinha pensado nisso assim, mas concordo inteiramente nem que seja porque muitas dessas pessoas ativamente participaram no regime muitas dessas pessoas tinham cargos no regime etc. Algumas delas foram condenadas mas aos níveis mais baixos muitas dessas pessoas continuaram a viver na sociedade e como dizia o Arsène Bourbaud, que essas pessoas mudassem realmente de ideias. É muito mais uma questão de como aconteceu algo tão trágico, as pessoas perceberam isto agora não é aceitável, como era antigamente, do que é essas pessoas terem realmente mudado de
José Maria Pimentel
ideias. Sim. E depois também, para ser generoso, também acontece processo aí que fica tudo agrupado com a memória histórica daqueles regimes, ou seja, pode haver pessoas que tenham ideias próximas da direita radical mas que não sancionassem necessariamente enfim, todas essas atrocidades, mas que depois não as conseguem expressar, deixam de poder expressá-las publicamente porque passou a estar tudo junto, não é? Portanto, passou a ser inaceitável qualquer discurso... Quer dizer, e bem, não é? Se não entende o que eu quero dizer, não é? Como passou a ser inaceitável qualquer discurso que se aproximasse, não é? É como se aquela área do espectro passasse a ser terreno radioativo, não é?
Vicente Valentim
Sim, mas eu acho precisamente isso. Eu acho que... Eu discuto isto no aumento do livro também. A ideia de que isto basicamente é cluster de ideias que estão associadas como sendo ideias de direita radical e tudo o que importa é que uma determinada ideia esteja associada àquela ideologia política. E O conjunto de ideias que o está até pode ser diferente de país para país, não é?
José Maria Pimentel
E é, pois, justamente.
Vicente Valentim
E é, dependendo da forma como o debate político evolua num país ou no outro, mas a partir do momento em que a ideia X fica associada à direita radical, essa ideia passa a ter estigma, não é? Ou seja, Não é só uma pessoa dizer eu apoio a Partido X que é a direita radical, mas é...
José Maria Pimentel
É a própria ideia, exatamente. É a TV com a mídia continental,
Vicente Valentim
que faz parte de falar muito de questões de género, por exemplo, as posições do partido nas questões de género. Mas, por exemplo, as questões de género acho que são uma questão interessante porque é uma questão em que há muita variação de país para país, ou seja, há partidos de direita radical que são muito antifeministas, mas há outros que podemos discutir a definição deles de feminismo e devíamos, mas há partidos de direita radical que diriam que são a proteger os direitos das mulheres. E isto retóricamente é uma questão muito diferente, ou seja, pensarmos em Macri e Lepen que têm discurso contra a emigração baseado na ideia de que a imigração é má para os direitos das mulheres e temos casos como o Vox em Espanha que faz muita da sua retórica explicitamente sendo contra o feminismo. Isto são conceitos muito diferentes.
José Maria Pimentel
E há exemplo que eu acho ainda mais vincado do que isso, que é a questão das liberdades sexuais e da maneira como, sei lá, a posição de alguns partidos de direita radical que são completamente contra uma sexualidade, ou seja, completamente ultraconservadores nesse sentido, depois acho que se aderra o partido da Holanda que são ultraliberais nesse sentido, embora depois sejam radicais noutros outros aspectos.
Vicente Valentim
Exato, e na Holanda o primeiro partido dedicado a ter efetivamente sucesso eleitoral era partido que se chamava a lista de Pim Fortuyn, que era a lista de Pim Fortuyn, que era professor de sociologia que era abertamente gay e cujo argumento era precisamente, nós temos que parar a imigração porque a imigração está a tentar contra valores que demoraram muito a conquistar na nossa sociedade, incluindo as liberdades para a minoria sexual. Ou seja, acaba por ser argumento parecido com a posição em relação ao feminismo e há algum trabalho a ser feito disto, que chama isto de femonacionalismo. Mas acaba por ser... Bom nome. A ideia é de que há certo número de valores ocidentais que foram conquistados e agora quando abrimos as portas à imigração esses valores estão em causa. Mas novamente, há muita variação na Europa em relação a até que ponto é que os partidos são desta posição ou são da posição completamente oposta que é nós somos contra esses próprios valores, ou seja, nós não fazemos campanha para os líderes das minorias sexuais, nós somos contra esses valores da mesma maneira que somos contra a migração. Pronto, isto foi desvio, mas o que eu queria dizer é que o que importa para este tipo de processo é que uma determinada ideia esteja associada com a direita radical. Há variação, por exemplo, estas ideias, num país estão associadas com a direita radical, noutras não, mas o que importa é, se pessoa vive num determinado país, ideia X está associada com a direita radical, logo há certo tipo de normas sociais que se lhe aplicam que não se aplicam a outras ideias que não estão tão associadas com essa ideologia política.
José Maria Pimentel
Sim, mas enfim, parte da graça do podcast é poder fazer desvios. E esse é desvio interessante, que tu fizeste até porque agora estava aqui a pensar numa coisa que já pensei várias vezes, que é uma intuição que eu tenho, na relação à qual não tenho certeza nenhuma, e não sei se tu partilhas dela, que eu tenho a impressão, não sei sequer se há algum inquérito sobre isto, mas eu tenho a impressão que a maioria dos líderes populistas de direita radical, digamos assim, que têm sucesso no seu país, pensemos no vários europeus, ou pensemos no Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil, são amplamente rejeitados fora do seu país, inclusive por pessoas que no seu país apoiam este tipo de figuras e vice-versa. Ou seja, parece-me, mas eu não tenho certeza nenhuma em relação a isto, mas parece-me que as pessoas quando vêm de fora há uma rejeição grande, até porque muitas vezes as causas, lá está como tu dizias, não são exatamente as mesmas, Mas depois muitas vezes as pessoas podem votar no mesmo, ou essas mesmas pessoas muitas vezes votam no político populista do seu país, se calhar não concordando 100% com ele, mas porque ele está a interessar coisas que elas acham que são problemas do sistema, digamos assim, ou problemas daquele país.
Vicente Valentim
Eu também nunca tinha pensado nisso, mas eu acho que isso é interessante, novamente porque acho que se relaciona bocadinho com esta ideia de normas e de haver coisas que são dadas como inaceitáveis, não é? Ou seja, se eu viver num outro país eu acho que a retórica de alguém como Donald Trump é inaceitável, até isso acontecer no meu país e eu ter se calhar interesse pessoal em apoiar esse tipo de retórica e depois parte daquilo que é o talento destes políticos tem a ver com saber ajustar determinado tipo de retórica que o gesto coleta é muito parecido à realidade do país e Eu acho que voltando bocadinho à questão do André Ventura e dos Gigantes, ano atrás eu estava no podcast do Daniel Oliveira e estávamos a falar da questão do PNR existente do Chega. E como este partido era, acho eu, o partido de liderança, era o típico exemplo do partido de direita radical que acostumava a existir naquela que eu chamo esta fase de latência, que é partido cujo líder não tem tanta competência e tanto talento político e uma das coisas que nós falávamos nesse podcast era o facto de o PNR ter uma retórica contra questões como o Islão e etc. Que não ressoavam com o eleitorato português. Sim. Parte do talento político de André Ventura foi pegar numa retórica que é parecida com os outros partidos de direita radical em outros países, em termos de ser Xenófobo e etc, mas adaptá-la ao contexto português e pegar na questão dos chegados que essa sim acabava por ressoar com as pessoas em Portugal.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, absolutamente. Quer dizer, eu acho que não é a única explicação, tem também político bastante mais talentoso do que o tipo do PNR, mas isso é essencial. Exato, é isso.
Vicente Valentim
A parte do talento é que essa ideia, que as ideias já estavam lá, isso tem que ir a qualquer coisa que as pessoas já tinham pensado, não é? E novamente, principalmente na região de Louros, provavelmente muitas das pessoas já tinham, enfim, tido algum tipo de ideias de novo com relação à comunidade cigana e é por isso que isto se ressoava, mas se sequer se tivesse falado de Isle-de-Lanc, as pessoas não tinham propriamente, enfim, feito nenhuma ligação com aquilo que já tinham pensado anteriormente.
José Maria Pimentel
Sim, sim. De facto, esse ponto é muito bom porque o PNR defendia e deve continuar a defender coisas que para as pessoas já são totalmente irrelevantes. O tipo de nacionalismo mais tipo Estado Novo que o PNR defende é uma coisa que para a maior parte das pessoas já não tem relevância nenhuma. Tinha relevância naquele tempo, porque era tempo em que Portugal tinha colónias, províncias ultramarinas. Hoje em dia, que estás na União Europeia, para a maior parte das pessoas isso é mais ou menos irrelevante. Porque é uma questão diferente da imigração, não é? O tipo de discurso nacionalista do Estado Novo não tem nada a ver, embora possa tocar enfim nos mesmos nervos morais, digamos assim, ou em nervos morais próximos, mas não tem nada a ver com a questão da imigração,
Vicente Valentim
não é? Claro, eu acho que sim. Mas isso era só para falar daquilo que estavas a dizer, que eu acho que é ponto muito interessante. As pessoas noutros países muitas vezes acabam por se afastar daquela retórica, se calhar porque acabam por ter umas certas matizes que não têm a ver com o que acontece no seu país e como de modo geral aquilo parece mais ou menos inaceitável é muito mais fácil de substanciar e pensar bem eu não tenho nada contra o Islão eu tenho é contra no caso por isso era fácil dizer o Islão eu não tenho nada contra porque isso não afeta absolutamente nada daquilo que eu penso no meu país, mas se falarmos da comunidade cigana a coisa já muda de figura, não é? Mas isso facilita muito dizer que eu não tenho simpatia nenhuma por política X na Holanda, por exemplo, que tem toda uma retórica contra o Islam porque, novamente, isso não tem nada a ver com a realidade que as pessoas experienciam no outro país, neste caso, Portugal.
José Maria Pimentel
Mas eu acho que vai mais longe do que isso, eu acho que é mais do que a questão das normas, porque há uma série de realidades de outros países que tu não experiencias, mas consegues empatizar com elas, digamos assim. Mas aqui, admitindo que esta é a hipótese de partida, é verdade, pode não ser, mas aquilo diria que é mesmo uma questão da tua opinião legítima, não é? Pegando na tua distinção inicial. Aliás, é engraçado porque, de facto, uma coisa que complica, mas também torna mais interessante este exercício, é que os seres humanos são complicados, não é? E portanto esta questão das ideias que nós estamos a falar, em certo sentido, é uma simplificação, não é? A pessoa... Até que ponto é que a pessoa tem ideias correspondentes àquele partido, neste caso correspondente ao Chega? É uma questão gradativa, não é? E eu acho que tu tens toda a razão, e penso nisso várias vezes, no diagnóstico que tu fizeste em relação àquela hipótese das pessoas andarem a mudar do PCP e do Bloco para o Chega, isso também me parece bastante inverosímil, precisamente pelo que tu dizias no início, que é difícil... Parece-me inverosímil que alguém vote num partido de direita radical sem pelo menos tolerar as ideias desse partido, e alguém que tivesse ideias próximas do Bloco ou do PCP, sobretudo do Bloco, Claro que haverá casos, não é? Mas dificilmente há uma fatia grande de pessoas dessas que depois possam transitar facilmente para partido de direita radical porque têm dificuldade em tolerar essas ideias, não é? Mas também parece que o oposto talvez não seja verdade. Ou seja, eu acho que muita gente que vota nestes partidos, no caso portuguesa que vota no Chiga, racionaliza de certa forma o voto para ela própria, ou seja, ela não acha que perfilha exatamente daquelas ideias todas, não é? Mas eu também, e aí concordo contigo, também não acho que seja voto anti-sistema puro, não é? Não é voto anti-sistema puro, é que aquelas ideias de facto estão lá em parte, ou seja, as pessoas têm essa intuição, ou essa aversão, se quiseres falar de imigrantes, acham que é problema que os outros partidos não estão a lidar e estão dispostas a votar num partido que carrega naquela técnica que eles acham importante, se calhar bocado mais do que elas tolerariam e, portanto, aí não estão dispostas a tolerar quando, por exemplo, acontece num outro país em cuja realidade elas já não se sentem, mas ali já estão dispostas a dar o voto. Ou seja, em certo sentido é pouco o intermédio entre as duas explicações. Ou seja, não é verdade que as pessoas não tenham aquelas crenças, mas eu também diria que em muitos casos, quer dizer, eu não acredito que haja 18% de portugueses com ideias de direito radical como nós estamos a definir aqui. Não sei o que é que tu achas sobre isso.
Vicente Valentim
Eu acho que é muito difícil de pôr número destas coisas porque, como tu dizias, elas são gravativas. Agora, eu estou bastante confortável em dizer que há 18% das pessoas para quem a proteção das minorias não é tão importante como outras coisas e eu acho que enfim, podemos ter diferentes submissões disto, mas eu acho que isso não as faz claramente antirracistas pelo menos, não é? Ou seja, para pôr isto noutros termos, pode haver pessoas cuja razão principal para terem votado num partido como o Schengen não foi a questão das minorias, mas o facto disso não as terem incomodado significa que ao fim do dia isso não é assim tão importante para elas e isto não é tanto para elas atenderem atentados contra a segurança no limite dessas minorias. Eu acho que isso é como... Ou seja, quando se vê historiografia acerca de regimes ditatoriais, por exemplo, eu acho que grande parte daquilo que é o apoio a esses regimes, no sentido de pessoas que lutaram e pessoas que foram coniventes, pelo menos, com esses regimes, muitas dessas pessoas não diriam que eram ativamente a favor daquilo que foram as coisas mais catastróficas desses regimes, mas simplesmente eram pessoas que não se incomodavam com essa parte da ideologia e que por isso a deixavam passar. Se chamamos estas pessoas de direito radical, se chamamos racistas, etc. Eu acho que depende da definição que temos daquilo que é racismo, etc. É muito difícil pôr isto em termos de... Sim, sim. Mas eu acho que deveria ser bastante pacífico dizer que para estas pessoas isto não é assim tão importante, porque caso contrário teriam votado noutro partido, ou não teriam votado. A verdade é que a indiferença mais generosa estiveram dispostas a tapar o nariz em relação a essas coisas em prol de outras coisas que estavam na retórica do partido. E depois alguns haverá que se calhar não fossem desempregos, votaram no partido precisamente por causa dessas ideias. Eu queria só fazer parênteses em relação a essa questão do PCP para o Chega, ou seja, eu quero dizer que isso não é só uma opinião, ou seja, há dados acerca de como é que as pessoas votaram numa eleição e como é que votaram na eleição seguinte e são esses dados que mostram que essa transferência era muito residual. Novamente, esses dados ainda não existem para a eleição de 2020. Só sabemos o que aconteceu nessas eleições, mas para as três eleições anteriores, ou seja, para as duas legislativas e para as presidenciais, as pessoas que votaram no Chega, aquelas que antes tinham votado, quer no PCP, quer no Bloco, era uma clara, clara, clara minoria do eleitorado destes partidos. Ou seja, faz sentido, de uma outra vista teórica, como estavas a dizer, mas para além disso também faz
José Maria Pimentel
o meu saber. Lembro-me, esses números, eu já apanhei esses números mas não tenho certeza de onde é que eles vêm, se é baseado em sondagens ou sejam em perguntas feitas à mesma pessoa que revela o partido em que votou antes e o partido em que votou nestas eleições.
Vicente Valentim
Sim, isto normalmente a Católica é que tem destes dados em que o que eles fazem é perguntar às pessoas em quem é que elas tinham votado antes que não é o caso ideal. O caso ideal é tu perguntares mesmo à mesma pessoa várias vezes e tens parágrafo. Infelizmente eu acho que tanto quanto eu sei esses dados não existem no caso de Portugal por isso o que tens é a melhor coisa que podes ter sem isso, que é perguntar às pessoas em quem é que votou nesta eleição e em quem é que vinha votada anteriormente. É certo que às vezes têm alguns problemas, as pessoas muitas vezes não se lembram ou tendem a dizer que mais facilmente votaram no partido em que votaram desta vez, etc. Mas com todas estas ressalvas é o mais próximo que nós temos de alguma informação desse género e eu acho que realmente por este tipo de figura geral acaba por captar bastante bem de onde é que vêm os votos principalmente. Agora, Claro que depois se quisermos pôr efetivamente número nisto, tem mais problemas do que estudos realmente do painel.
José Maria Pimentel
Sim, sim. E parece-me que é imperfeito, mas eu não diria que é necessariamente enviesado e portanto para este propósito parece-me que é suficiente para tirar uma conclusão.
Vicente Valentim
100% de acordo. Eu acho que se é enviesado em alguma direção é no sentido das pessoas tentarem dizer que votaram no mesmo partido agora do que antes porque as pessoas tendem a ser coerentes. Mas acho que principalmente nas primeiras eleições, que são as de 2019, as pessoas não podiam dizer que em 2015 tinham votado. Não chega porque chega ainda não existia, não é? Por isso acho que aí eu não sei porque é que há de estar enviado contra as pessoas dizerem que antes tinham votado no PCP ou no Bloco e a favor das pessoas terem dito que não tinham votado ou votado no PSD, que é o que se vê principalmente. Não parece que seja necessariamente uma das limitações desse tipo de estudos.
José Maria Pimentel
Sim. Eu estava a pensar uma coisa. Não sei se isso já foi estudado. A partir do momento em que deixa de haver aquele desfazamento entre aquilo em que as pessoas acreditam realmente e o que as pessoas dizem, torna-se interessante estudar uma coisa que elucidaria este debate que nós estávamos a ter, que é a diferença entre a direção de voto das pessoas e as ideias que elas dizem ter. Ou seja, o Partido de Eta Radical tem 30% no determinado país, quantas pessoas desse país é que dizem que a imigração é o principal problema do país? Eu sei que isso já foi estudado, mas nunca apanhei estes dois números comparados, por acaso. Seria interessante, porque isto de certa forma permite resolver empiricamente a conversa que nós estávamos a ter, que é qual é o casamento entre estas duas coisas, porque se elas estiverem muito próximas é porque de facto as pessoas votam naquele partido, porque partilham das suas ideias. Se elas estiverem mais distantes, a pessoa já pode argumentar que é mais voto anti-sistema. Estou a falar quando o partido, a direita radical já está normalizada, e aqui trata-se de perceber em que medida é que o voto reflete alinhamento de ideias direto com estes partidos ou o voto mais de protesto.
Vicente Valentim
Claro, mas sendo... Enfim, a questão com esse tipo de análise seria que aquilo que as pessoas dizem pode ser o reflexo de já tinham estas ideias e agora sentem-se confortáveis em dizer elas ou poderia ser o reflexo de antes não tinham estas ideias mas a partir do momento em que começaram a ser mais expostas à retórica do partido alinearam-se com elas. Porque nós também sabemos, e isto na verdade tem bocadinho a ver com uma coisa que dizias antes de algumas das pessoas que estavam no chegue, provavelmente não concordam com toda a retórica do partido. Uma das coisas que nós sabemos é que, e estávamos a falar disso há bocadinho, as pessoas querem ser coerentes, as pessoas tendem a não dizer uma coisa num determinado tema e outra coisa num determinado tema. E isso significa que, normalmente quando se aproximam de partido, mesmo que se aproximem, concordando com uma parte da retórica mas não com a outra, com o tempo e continuando a apoiar esse partido, que é uma coisa que nós sabemos, as pessoas tendem a apoiar o mesmo partido ao longo da vida, acabam muitas vezes por absorver as outras partes da retórica também. Eu acho que isso tem importância quando falamos à sequência da questão do evote-protesto ou não, porque mesmo que nós estemos dispostos a assumir que, mesmo que toda a gente votasse só por o protesto, eu acho que havia uma probabilidade muito alta de algumas dessas pessoas depois acabarem por adotar as posições do partido em outras questões também. Mas voltando àquilo que estavas a perguntar, eu acho que isso acaba por, enfim, de ponto de vista de estudo empírico, acaba por não permitir separar entre as duas coisas. Há mais pessoas agora que dizem que são contra a imigração porque já o achavam ou há mais pessoas que dizem que são contra a imigração porque aderiram ao partido por, digamos, por exemplo, questões de corrupção e depois adotaram também a retórica do partido noutras questões. Essas duas coisas são impossíveis de separar. Dito isto, com todas estas ressalvas, há estudo que mostra algo desse género, ou seja, que a partir do momento em que a direita radical tem sucesso, há mais pessoas que se opõem à migração do que antes. Novamente, não sabemos se isto é porque as pessoas mudaram de opinião ou porque já tinham esta opinião e se sentem mais confortáveis a expressá-la. Mas, enfim, do modo de vista mais consequencialista, se acharmos que as democracias deviam ser inclusivas e deviam garantir condições para os minoristas se sentirem confortáveis nelas, o que eu pessoalmente acho, isto acaba por ser problemático de qualquer das maneiras. Ou seja, quer seja porque o sucesso destes partidos faz com que as pessoas que já tinham estas ideias se sintam confortáveis a expressá-las ou porque mais pessoas adotem estas ideias, a verdade é que quando estes partidos têm sucesso há mais pessoas que se opõem à integração de minorias, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, claro, claro. O que eu acho interessante na tua tese é que ela é compatível com não haver uma alteração das ideias das pessoas, não é? Ou seja, tu não estás a dizer que as ideias das pessoas não se alteram, não estás a dizer que aquela é a única causa, mas a tua explicação seria suficiente mesmo que as ideias das pessoas não se alterasse. Isso é que é interessante. Claro que é lógico que as ideias das pessoas se alteram e é provável que as ideias das pessoas se tenham alterado no sentido de convergir com as ideias desses partidos, mas mesmo num país onde isso não acontecesse, partido de direita radical podia ter sucesso apenas por haver esta reserva escondida de vontade de votar nesses partidos. E depois desta questão da... Temos falado aqui de certa forma duas dualidades, não é? A dualidade entre esta reserva escondida e uma evolução das pessoas no sentido de desenvolver aquelas ideias e a outra dualidade que é a questão de aquelas ideias são de facto muito importantes para as pessoas, para as pessoas que votam naqueles partidos ou o voto é voto antissistema mas que tolera aquelas ideias. Isso parece-me dos pontos mais importantes que fizeste nesta conversa que é, não há voto anti-sistema puro, não é? Ou seja, as pessoas têm que tolerar aquelas ideias, não existe essa história, tipo, ninguém vai fazer voto anti-sistema puro, a pessoa tem que tolerar aquelas ideias. Agora, o que é que domina sobre o quê? E isso é interessante, não é? Porque, de certa forma, há aqui duas coisas que nós ainda não falámos, quer dizer, tu falaste bocadinho no início, dois tipos de explicação, muitas vezes dados para a ascensão dos partidos populistas e que entram aqui nestas duas dualidades. O primeiro tem a ver com a... Este tu falaste no início, que são as outras causas que normalmente são levantadas por os sucessos desses partidos, que têm a ver com alterações económicas, globalização, automação, enfim, é uma série de coisas também, lá está de novo, varia de país para país, depois questões mais sociais, é a imigração, mudanças de costumes, extensões sociais, enfim, é uma série, uma série de coisas que, lá está, a tua tese funcionaria mesmo que isto não aconteça, não é? Mas tu admites que isso te possa ajudar, de certa forma, complementando aquele choque externo, não é? A levantar aqui a maré, não é? Para trazer as pessoas que já tinham aquelas ideias previamente à partida e, portanto, aumentar o apoio destes partidos. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção apoiar para ver como contribuir diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. E depois há outra questão, que era aquela que eu queria falar agora, que ainda não falámos, que é a questão das redes sociais e a questão de ter mudado o modo como nós nos relacionamos com a política. E este parece-me interessante porque, de novo, há aqui uma condição necessária que é as pessoas têm que tolerar as ideias do Partido de Direito Radical a que estou a votar. E este ponto parece-me muito importante, ou seja, não há votos sem haver tolerância. Agora, há uma diferença, apesar de tudo, entre tolerar aquelas ideias, ou seja, e perfilhá-las em absoluto, né? E aqui eu suspeito que as redes sociais vieram, de certa forma, também alargar, de certa forma, o terreno, este terreno desta ambiguidade. E é uma explicação que tem uma característica em comum com a que tu dás, porque a tua explicação, ou seja, a tua hipótese, parte da constatação de que é inverosímil que estes partidos ganham apoio tão rápido, num tão curto espaço de tempo. E tu dizes, é inverosímil e, portanto, uma hipótese para explicar isso é que o apoio já lá estivesse. E eu diria, outra hipótese, que eu acho que não é substituto, é complementar, é outra alteração, a única alteração que me ocorre muito rápida em todo o mundo, que ocorreu neste período e que ocorreu de forma igual que foi o surgimento das redes sociais, as pessoas passarem a consumir informação de maneira diferente, passarem a lidar com a... A discutir política uns com os outros de maneira diferente. Em muitos casos, por exemplo, eu lembro do episódio com o Claudio Couto, salvo erro, a propósito do caso do Brasil, e me parece que nós estamos a passar por período idêntico aqui em Portugal, há uma politização de muitas pessoas que até aí se abstinham e estavam mais ou menos fora do sistema, não é? E portanto isto, as redes sociais se calhar estão a fazer aumentar o apoio a estes partidos nesta área ambígua de pessoas que não estão nos antípodos daquelas ideias, mas também não eram ideias particularmente importantes para elas à partida, mas que têm sobretudo uma enorme descanência do sistema, começam a achar que o sistema está minado, basicamente, e tu no Brasil tiveste isso com os cândidos de corrupção e do Lava Jato e essa história toda, e em Portugal na verdade tiveste uma coisa semelhante, não é? Basta pensar no... Começa tudo com o caso Sócrates e agora com a queda deste governo, com a investigação que foi feita, que de repente acaba por minar o sistema todo e, quer dizer, não me parece por acaso que o discurso do André Ventura tem aquela vertente anticorrupção, desde sempre, mas agora particularmente marcada e antissistema muito forte, não é? O que é que tu achas disto? Das redes sociais enquanto explicação, não é?
Vicente Valentim
Eu tenho uma posição bocadinho meio de ter uma relação às redes sociais, Ou seja, eu acho que há pessoas que dizem que as redes sociais revolucionaram completamente as sociedades contemporâneas, há pessoas que dizem que as redes sociais não fizeram absolutamente nada, eu acho que estou bocadinho no meio. Mas concretamente, para aquilo que estamos a falar aqui, do crescimento da direita radical, da normalização, etc. Eu acho que as redes sociais fazem com que estes processos possam ser mais rápidos e talvez bocadinho mais abrangentes, mas eu acho que não alteram fundamentalmente os processos micro a nível psicológico através do qual isto acontece. E antes de dizer porque é que eu acho que isso é verdade, só para dizer porque é que eu acho que isto não é tudo movido por redes sociais. Há padrões parecidos que nós verificámos antes das redes sociais existirem, por exemplo, quando se vê o crescimento da direita radical em França, por exemplo, que aconteceu nos anos 80 e também é muito rápido, ou seja, e nesta altura ainda não fez muito progresso. É verdade, Mas
José Maria Pimentel
é mais ou menos caso único, não é?
Vicente Valentim
Sim, bem, eu não conheço assim tão bem o caso austríaco, mas parece-me que a partir do momento em que eles mudam de liderança o crescimento também é bastante rápido e novamente é caso que é anterior às redes sociais. E podes pensar nisso ao contrário e pensar em casos em que as redes sociais já existiam e já estavam bastante instituídas e ainda não tinham direito a radical, por exemplo, Portugal ou Espanha ou
José Maria Pimentel
algo mais. Exato.
Vicente Valentim
Sim, sim, sim. Eu acho que o aparecimento normalmente não é concomitante com o aparecimento das redes sociais. Agora, dito isto, eu acho que é verdade que aquele tipo de processo que eu estou aqui a tentar descrever, que é processo através do qual quando a direita radical começa a ter sucesso, as pessoas se apercebem que não sou só as minhas na sociedade e que há muitas outras que têm as mesmas ideias que elas, é muito mais fácil de acontecer nas redes sociais porque antes das redes sociais essa percepção só se podia criar através das pessoas com quem eu interajo no dia a dia, não é? Os amigos que vejo no trabalho, no café, etc. A partir do momento em que existem redes sociais, eu posso interagir com pessoas que me apercebam que têm ideias parecidas com as minhas e cobrar esse ciclo de percepção de isolação e essas pessoas no limite serão pessoas com quem eu nunca vou interagir na vida real. Por isso, aglisa muito este processo, mas aquilo que acontece a nível micro é a mesma coisa. Eu achava que estava mais ou menos isolado nas minhas ideias e agora percebo que afinal não, existem mais pessoas que têm estas ideias. Exato, exato. Porque não quero me apresentar a conflito comigo e voltar, sei lá, do outro lado do país e que além de me pôr perigo.
José Maria Pimentel
Mas isso é engraçado porque nem era esse o ponto que eu estava a fazer. Tu agora estás a levantar ponto muito interessante que por acaso tinha-me ocorrido há bocadinho e agora não me lembro dele, que é o papel das redes sociais até de certa forma encaixa bem na tua hipótese. E provavelmente no caso português aconteceu pouco isso. Portanto, a tua hipótese é que há choque externo, ou seja, enfim, há evento qualquer que gera uma discussão e percebe-se que existem aquelas ideias de base no país. Mas outra forma, portanto, das pessoas, mas sobretudo do empreendedor político, perceber que existem essas ideias de base no país é precisamente perceber que há de repente alguém que escreveu uma coisa, precisamente porque nas redes sociais as pessoas têm mais coragem de fazer isso, não é? Posto qualquer, incendiário, o Xenófobo ou whatever, e de repente aquilo tem imensa atração, não é? E a pessoa percebe, ok, há aqui filão. Ou seja, é outra maneira de revelar esse filão, é interessante.
Vicente Valentim
Sim, sim, sim. Ou seja, E eu agora estava a falar do processo a seguir a isso, que é depois da direita radical ter sucesso e como é que isso se faz, como que as pessoas gerem a percepção de que isto é mais aceitável do que era antes, mas nessa fase, que é a fase antes de porque é que o empreendedor político entra na política, eu acho que também pode acontecer nas redes sociais e na verdade Eu discuto bocadinho estudo que existe na Alemanha em que eles olham precisamente para isso, ou seja, há par de ataques terroristas na Alemanha e depois o que eles fazem é ter uma espécie de fórum artificial, que parece Facebook, em que as pessoas comentam e o que eles concluem é que depois de ter havido esses ataques terroristas as pessoas estão novamente, durante espaço curto de tempo, mais à vontade para expressar ideias novas. Por isso eu acho que é perfeitamente plausível pensar que isto é o tipo de pista
José Maria Pimentel
que eu poderia pegar para depois
Vicente Valentim
pensar, afinal isto se calhar tem mais sucesso do que eu antes teria pensado.
José Maria Pimentel
Sim, é interessante, porque de facto eu acho que encaixa muito bem na tua tese, ou seja, encaixa perfeitamente no mecanismo que tu propões, ou seja, é outra maneira de fazer assinar mecanismo E que se calhar também pode explicar, ou pode ajudar a explicar, porque é que é hoje que nós estamos a assistir a este desbloqueio, não é? Porque houve certo bloqueio, não é? Tu tinhas preferências que já existiam mas não davam a ser aproveitadas. E estamos a assistir a este desbloqueamento em vários países, se calhar não porque há provavelmente mais choques daquele tipo de eventos que geram muita discussão, mas também porque as redes sociais permitem que se perceba que há outras pessoas. Quer dizer, tu vais ao YouTube, apanhas uns vídeos de pessoas próximas do Chega e aquilo de repente tem dezenas ou centenas de milhares de visualizações e alguém que está a ver aquilo percebe, ah, ok, não estou sozinho, não é? E se calhar o empreendedor político também, ou seja, o Ventura neste caso viu, apanhou umas coisas desse género e percebeu, ok, há este vilão que não está a ser explorado.
Vicente Valentim
Eu acho que isso é bom ponto porque eu acho que para este tipo de processo acontecer, as pessoas precisam de ser expostas a certo tipo de retórica, mas também precisam de ter uma espécie de sinal de que essa retórica é popular, não é? E por exemplo, eu acho que nesse aspecto, essa questão dos redes sociais é bastante diferente da televisão, por exemplo. Ou seja, se calhar já havia este tipo de ideias expressadas na televisão, mas eu vejo uma coisa na televisão e eu não sei quantas outras pessoas é que estão a ver, enquanto que, como tu dizias, Se eu for ao YouTube e vir que vídeo tem 3 milhões de visualizações, eu sei que houve 3 milhões de pessoas que foram ver aquilo e eu sei quantas pessoas é que deram like, do Twitter eu sei quantas pessoas é que deram retweet, etc.
José Maria Pimentel
Por isso eu tenho número que não é uma percepção de vídeo qualquer.
Vicente Valentim
Como o que é que isto é? É completamente diferente da rádio ou da televisão em que alguém diz qualquer coisa mas no limite aquilo pode não ter eco nenhum na população. Ou seja, alguém pode dizer uma coisa xenófoba e eu penso, bem, mas que é toda a gente que está a ouvir isto, se opõem, enquanto que se eu tiver o número de likes por baixo, eu sei, bem, a verdade é que há muitas pessoas que gostaram disto. Por isso, essa segunda componente de não só exposição à retórica, mas também feedback. Quantas pessoas é que aderem a isto? É crucial. Isso acontece com as eleições, por exemplo, não é? Que é há partido que tem esta retórica e dois, esse partido tem sucesso. Por isso, há suficientes pessoas que votam por isso e dizem, ok, Isto é popular. As redes sociais têm também essa segunda parte que é eu tenho número de quantas pessoas é que gostam disto.
José Maria Pimentel
Sim, sim, que se identificam e que não têm, lá está. Podem estar muito distantes de mim, portanto eu posso viver num ambiente que continua a ser, isto pré-normalização, Continua a ser dominado por essas normas sociais, anti esse tipo de discurso, mas de repente eu vou ao YouTube ou ao Facebook ou ao que for e vejo posto de alguém que tem esse tipo de retórica e tem imensa gente a apoiar, imensos comentários e portanto há desfazer das normas na versão online. É engraçado isso, por acaso.
Vicente Valentim
Agora, dito isto, Eu queria fazer uma ressalva em relação a isto, que é, todos os estudos que eu conheço destas dinâmicas de mudança de normas, etc, mesmo estudos recentes e publicados depois das redes sociais existirem, continuam a sugerir que o meio físico onde as pessoas estão continua a importar. Ou seja, novamente, isto não é incompatível com isto que estamos a dizer, é uma coisa alternativa, mas isto sim nas duas coisas, ou seja, eu tenho feedback de quantas pessoas é que têm estas ideias quando vou ao meu Twitter ou ao meu Facebook, ou seja o que for, e tenho outro quando eu vou ao meu trabalho com os meus amigos, etc. Esta segunda parte continua a importar, porque normalmente as conclusões deste tipo de estudo continuam a ser que os resultados são diferentes dependendo se as pessoas estão em ambientes onde estas ideias são mais populares ou menos, etc. Por isso se as redes sociais criassem isto, independentemente do ambiente físico onde uma pessoa está, não se verificariam estas diferenças. Se elas existem é porque o meio físico continua a importar alguma coisa e isto solta bocadinho àquela ideia que eu estava a dizer, que eu acho que as redes sociais alteram as coisas, mas não drasticamente.
José Maria Pimentel
Sim, e não é uma substituição, isso é bom ponto, não é uma substituição da nossa socialização pelo socialização online e provavelmente, isso faz sentido, a base da nossa socialização continua a ser a versão física, digamos assim. Ou seja, a outra atua mas não tem exatamente o mesmo poder de fogo, esse é ponto interessante.
Vicente Valentim
Ou seja, se nós pensarmos intuitivamente que isto tem tudo a ver com sentimento de pertença e nós enquanto seres humanos queremos pertencer a grupo social etc. Eu acho que todos nós podemos pensar, enfim, temos bocadinho disso online e é bom ter, gosto de as minhas postas, seja o que for, mas ao fim do dia acho que é muito mais significativo para nós estar com grupo de amigos e sentir que pertence fisicamente do que online. Por isso faz todo o sentido que se continua a ter muito mais peso na hora de decidir se eu estou disposto a fazer uma coisa que os meus amigos se calhar vão desaprovar ou não fisicamente do que o online.
José Maria Pimentel
Sim, sim, eu estou contigo. Por isso é que eu sou pouco misantrópico em relação àquelas ideias de que a juventude está perdida porque agora está tudo online, não sei o quê. Claro, isto é uma tangente da nossa conversa, mas claramente nós temos uma poluição social física, que é mais forte do que a online, por muito que a online tenha de facto mudado as coisas. Deixa-me voltar ao outro lado das redes sociais, que era o que eu tinha falado inicialmente, que é das redes sociais enquanto aumentando esse sentimento antissistema que depois interage com as ideias das pessoas, digamos assim, porque eu tenho se calhar uma posição difícil de explicar em relação às redes sociais porque eu acho que é uma causa muito importante, mas não acho e aí concordo contigo que ela funciona sozinha, ou seja, ela claramente não há, como já dissemos isso várias vezes, mas é importante reforçar, não há voto a ter sistema puro. Agora, o que pode haver é voto que, por ter esta maior insatisfação com o sistema, aumenta a tolerância com ideias de direita radical. E há uma versão da tua tese, contínua em vez de binária, ou seja, em vez da maneira como tu apresentas, porque o que tu dizes é, de certa forma, há uma reserva de eleitores com ideias de direita radical que não está a ser explorada. E essa reserva pode ser 5%, pode ser 10%, pode ser 15%, o que for. E isso é uma versão binária, ou têm ideias de direita radical ou não têm. E faz sentido, não é? Claro, porque Se eu não usasse esse tipo de simplificação era difícil de mostrar isso, não é? Mas, na verdade, o que acontece não é as pessoas terem ideias de direita radical ou não terem ideias de direita radical, o que acontece é que há contínuo, não é? E se nós pensarmos que este contínuo de simpatia ou de tolerância com essas ideias interage com, por exemplo, esta questão da insatisfação do sistema, o que pode acontecer é que tu não tens, lá está, tu não tinhas uma reserva de 5, 10 ou 15%, tu tinhas uma gradação em que tinhas pessoas que estavam muito próximas dessas ideias de direita radical e depois ias descendo até pessoas que se identificavam muito pouco, mas tinhas ali uma massa provavelmente muito relevante de pessoas que tolerariam pelo menos ideias de direita radical e se calhar, essa é a hipótese que estou a lançar, com as redes sociais, com este discurso todo antissistema com a politização crescente que nós estamos a viver, isso vai gerando nas pessoas, em muita gente, uma insatisfação enorme em relação ao sistema e para quem tem uma antipatia enorme para com ideias de direita radical, isso pouco faz, quer dizer, elas talvez dirijam o seu voto para outros partidos ou talvez se abstenham mas jamais irão votar naquele partido. Mas para pessoas que estejam no outro sistema da distribuição, portanto próximas dessas ideias da direita radical, claramente é muito fácil votarem nesse partido, mas se calhar mesmo para pessoas que não estão assim tão próximas elas tolerarão votar nesse partido até fazendo aquilo que tu já sugeriste há bocadinho e que eu, na minha experiência, tenho... Enfim, não falei muitas vezes com pessoas que votassem no Chega mas estou a extrapolar de uma amostra muito pequenina, mas noto sempre uma tentativa de... Dessas poucas vezes, de racionalização, ou seja, da pessoa de certa forma racionalizar o voto, e uma das maneiras de racionalizar é precisamente essa questão de... Estão todos corruptos ou estão da caba do país ou... Enfim, toda a gente sabe do que é que a pessoa está a falar. Ou seja, de certa forma, O que eu estou aqui a propor é que possa haver uma interação entre estas duas coisas, entre uma reserva de pessoas com aquelas ideias, embora uma gradeção de simpatia com aquelas ideias, e depois aumento deste sentimento antissistêmico, que permite ao Partido Direito Radical aproveitar uma fatia cada vez maior de eleitores nessa distribuição.
Vicente Valentim
Eu acho que isso é perfeitamente possível e enfim eu quero fazer uma ressalva que é parte de fazer teoria social é inerentemente tornar as coisas mais simples para fazer sentido da...
José Maria Pimentel
Claro, exatamente.
Vicente Valentim
Para a dinheira e a dinheiridade das coisas, claro que não é para dizer que isto efetivamente funciona assim no mundo, é para dizer que isto ajuda-nos a compreender o que é que está a acontecer. Mas eu concordo inteiramente com o que estás a dizer e eu acho que se calhar outra maneira de pensar nisto é a seguinte, quando as pessoas dizerem que há contingente de pessoas que já têm essas ideias, Nós podemos pensar que há dois limites, não é? Há contingente de pessoas que estão dispostas a aderir completamente a essas ideias, que é número mais pequeno, e há depois uma distribuição que vai até outro limite, que é o limite das pessoas que em certo tipo de circunstâncias estariam dispostas
José Maria Pimentel
A votar por causa da própria tributária, não é?
Vicente Valentim
Depois há todos os padrões cinzentos entre uma coisa e outra. E se eu entendo o que estás a dizer corretamente, é, bem, em circunstâncias em que a percepção de corrupção aumenta ou há uma crise económica, ou seja o que for, o partido tem mais capacidade de chegar ao segundo limite, que é as pessoas que são dispostas a ignorar a parte mais xenófoba mesmo, ou seja, a parte mais importante delas e ainda assim votar no partido. E em momentos em que essas coisas são menos salientes, de verdade o partido só consegue mobilizar aquelas pessoas que aderem completamente a todas as partes. Eu acho que isso é 100% verdade e novamente a ideia aqui não é tentar explicar todo o voto no Chega e quando eu digo que eu não acho que o voto no Chega tenha sido maioritariamente voto de protesto não é para dizer que uma parte desse voto não possa ter sido isto que acabavas de dizer e eu até acho que é possível que é muito pouco claro quando e em condições é que vai haver umas próximas eleições, mas se houver umas próximas eleições em que este tema da corrupção não é tão importante etc. Eu acho que é plausível pensar que o voto do Chega pode reduzir-se bocadinho. Agora, eu acho que o que não é plausível pensar é que isto foi tudo ou maioritariamente voto de protesto e que em estas condições deixando disso de existir o Chega vai desaparecer como apareceu. Sim, sim, sim. Não é possível. Deve ser que ele está bocadinho por baixo, é possível que algumas destas pessoas, novamente, não se revejam completamente na parte mais xenófoba, mas é isto, que estamos perto daquele segundo limite que eu falava há pouco, não é? Se calhar é difícil chegar a crescer muito mais do que isto a menos que mudere bastante a sua ideologia.
José Maria Pimentel
E aquilo tu dizes há bocadinho, quer dizer, mesmo nenhum voto de protesto é voto de protesto puro, não é? Pelo menos tem que haver uma tolerância para com aquelas ideias, mesmo que não sejam perfilhadas totalmente, não tem de haver uma tolerância. O que eu acho interessante na tua explicação, face àquelas explicações mais económicas e sociais e culturais, é aquilo que nós já falámos, é que esse tipo de explicações sempre me fizeram a impressão porque, bem, primeiro são bocadinho de cherry picking, não sei como é que se diz em português, ou seja, é a explicação à posteriori, isto aconteceu, vamos ver o que aconteceu de mal que possa justificar isso. Isso que aconteceu de mal varia de imenso país para país e são coisas, invariavelmente, que não aumentaram tanto assim no passado recente, e às vezes as explicações são umas coisas cientificamente bastante discutíveis como as pessoas deixaram de estar para isso, não é? As pessoas agora chatearam-se, não é? Sei lá, agora, por exemplo, falavas do voto no Algarve, as pessoas sempre sentiram longe dos centros de decisão, não sei o quê, e agora chatearam-se. Certo, quer dizer, claramente parte do voto será por isso, não é? Mas não foi porque as pessoas agora se chatearam, não é? Foi porque mudou alguma coisa na base, na relação das pessoas com a política, não foi porque de repente as pessoas satiaram ou porque de repente o problema tenha aumentado brutalmente, quer dizer, não há nenhum problema que seja hoje muito maior em Portugal do que era há 10 anos ou há 5.
Vicente Valentim
Do modo geral, eu acho que parte da minha crítica em relação às explicações anteriores é que elas normalmente são de dos dois tipos ou são demasiado lentas ou são demasiado rápidas. Ou seja, este exemplo do Algarve é exemplo de uma explicação demasiado lenta. Ou seja, claro que isto pode aumentar a apropriação das pessoas para votar num partido como o Chega mas isto não começou em 2024 ou em 2019. Isto é processo muito lento e o que nós vemos não é o voto num partido como chega a aumentar lentamente com essa explicação. E depois há outro tipo de explicação que é muito rápida que é do género. Ok, houve aumento de imigração, como por exemplo no caso alemão, não é? Ok, Houve grande aumento de imigração e de pedidos de asilo, ao volto de 2015 e 2016, mas se isto explicasse tudo, então nós teríamos visto a FDA crescer imenso e depois a decrescer quando isto deixa de ser tema. Nós verificamos que não é nem uma coisa nem outra, é Estado mais ou menos sustentável, em que a direita radical basicamente não tem sucesso num país e depois uma mudança muito rápida para outro estado mais ou menos estável também em que a direita radical é parte do sistema político e ainda ele se vai embora. E a maneira como eu tento mais ou menos motivar a minha explicação é que eu acho que, enfim, eu espero que ela possa compreender este tipo de processo em que estado é estável e o outro também é estável, mas a passagem de para o outro é bastante rápida.
José Maria Pimentel
Exatamente. E para cá, há aspecto que eu ainda não te perguntei, mas tu dizes a certo ponto, aliás, tu começas o teu livro a dizer que tu propôs uma explicação que tem uma versão geral e uma versão específica. E a explicação que tu propões na sua versão geral é que o que as pessoas fazem aquilo em que as pessoas acreditam não é necessariamente a mesma coisa e tu depois exploras isso no caso específico da exceção de direito radical que é o que nós temos estado a falar aqui agora mas tu sugeres no livro que isto é uma explicação geral que se pode aplicar a uma série de outras questões, de outras áreas da sociedade, digamos assim. Ocorre-te algum ou algum que tu tenhas explorado, ou seja, outro aspecto do nosso comportamento em que possa estar a ver ou possa ter havido no passado este tipo de desfazamento?
Vicente Valentim
Eu acho que Uma das outras áreas que é assim mais óbvia é partidos que não são de direita radical. Por exemplo, se pensares nos partidos de esquerda radical em países pós-comunistas do leste da Europa é preciso que tipo de procedimento exista aí e na verdade há trabalho acerca disso, acerca de como depois da transição para a democracia há estigma contra a esquerda e não contra a direita porque aí os regimes eleitorais foram de esquerda. Ok, isto ainda é bastante parecido com o tipo de processo que eu estou a descrever aqui mas é para dizer que o mesmo tipo de processo, em outras condições, se poderia aplicar a outros tipos de partidos mas eu acho que é mecanismo psicológico mais abrangente e eu acho que não tendo suportado este tipo de processos, todo tipo de processos que muda assim muito depressa, eu acho que é plausível pensar que vêm deste tipo de mecanismo. Por exemplo, eu acho que o aumento do apoio aos direitos de minorias sexuais, por exemplo ao casamento homossexual que na maior parte dos países também aumentou muito depressa. Ou por exemplo nos Estados Unidos agora de repente há muito apoio à legalização da marihuana. Este tipo de processo em que, novamente, há período muito estável em que uma determinada ideia parece ter apoio muito baixo e de repente ter apoio muito mais alto, eu acho que o pessoal nunca poderá ouvir deste tipo de conversa. Interessante, sim. O pessoal nunca vai entender nenhum destes processos, mas acho que olhando para os níveis parece que pode ser uma coisa parecida também.
José Maria Pimentel
Sim, e o caso que tu estavas a dar dos países da Europa de Leste parece-me caso muito interessante para explorar o... Lá está, o espelho desta tese do lado da esquerda, porque de facto, como são países que tiveram ditaduras comunistas, é verosímil que aconteça lá o reverso do que nós estamos a falar aqui. E isso também ajudaria a responder àquela outra pergunta que eu te fiz há bocadinho, de onde é que vem este desfazamento, de onde é que surge este desfazamento. Porque acontecer ele pela razão que nós estivemos a explorar, que é o facto da extrema-direita ter estado associada aos regimes fascistas do século XX, então aí será normal que aconteça ao contrário, ou seja, aí que aconteça uma norma social anti-esquerda radical e, portanto, que gere esse desfazamento e que depois esse desfazamento possa desfazer-se eventualmente, embora não estejamos a assistir a isso, quando esses partidos ascenderem.
Vicente Valentim
Eu quero só fazer, Risalvo, que eu acho que são coisas ligeiramente diferentes no sentido em que eu acho que o estigma contra a direita radical vem de duas coisas. Vem de... No caso de países que tiveram uma ditadura direta, vem da memória dessa ditadura, mas mesmo no caso de países que não tiveram essa ditadura, vem da memória da 2ª Guerra Mundial e da associação da direita radical com a 2ª Guerra Mundial. Ah, bom ponto. Ou seja, a gente diz que Portugal teve... Enfim, assumindo que Portugal foi afetado pela 2ª Guerra Mundial, apesar de não participar diretamente, essas duas coisas coexistem. Mas mesmo em casos de países que não tiveram uma ditadura de direita, como a maior parte das democracias ocidentais foi de uma forma ou de outra afetada pela Segunda Guerra Mundial, eu acho que este estigma que existia contra a direita radical acaba por afetar, enfim, grosso modo, todas as democracias ocidentais. Está bocadinho diferente do caso da esquerda, porque aí o estigma é que isso tem que vir só da ditadura. E então acaba por se aplicar só aos países que tiveram uma ditadura de esquerda, enquanto a direita ocidental acaba por se aplicar a quase todos os que foram afetados pela Segunda guerra mundial.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, exatamente. Bom ponto. Não tinha pensado nisso, mas faz todo sentido, porque isso de facto está num imaginário coletivo. Enfim, e depois também há outras coisas que a pessoa podia explorar, que as ideias... Estas ideias têm muitas vezes uma lógica grupal e as ideias políticas com uma lógica grupal são sempre difíceis de... Há muita gente que acredita nelas, mas são sempre difíceis de defender no debate político, não é? Portanto, também concorro para que elas sejam mais ou menos silenciadas. Uma coisa que eu estava a pensar, quando estava a preparar esta conversa, que não tem exatamente a ver com o que nós estamos a falar, mas tenho curiosidade de saber o que é que tu achas disso. Há uma situação peculiar na ciência política, que é o facto de estes partidos de direito radical estarem a ascender e no entanto, embora a investigação em ciência política deva ser, pelo menos na empírica, não seja normativa e portanto deva estar isenta de considerações morais, a verdade é que tu percebes que toda a investigação que existe nesta área, enfim, não parte propriamente de uma simpatia pelas ideias de direita radical, embora a melhor investigação depois seja boa independentemente disso, porque depois chega o método científico por cima disso. Mas existem, eu nunca apanhei, mas existem investigadores de ciência política que sejam próximos, que tenham simpatias por este tipo de ideias?
Vicente Valentim
Eu acho que sim, pelo menos no Reino Unido, ocorrem duas ou três pessoas que começaram, eu diria sem serem propriamente ativistas a este tipo de ideias, mas depois com o passar do tempo acabaram por, no debate político, enfim, defender muito mais este tipo de ideias e no limite acabamos por se tornar mais opinion makers do que propriamente académicos. Eu sou a favor de pluralidade de ideias, mas eu acho que tendo em conta aquilo que os estudos nas ciências sociais mostram, acho que é difícil ser contra ideias de tolerância e inclusão e apoio à democracia como sendo ideais normativamente desejáveis. Pois, exato. Porque nós queremos todas as coisas de boa qualidade, não é? E eu acho que é isso mais do que viés ideológico de partida que faz com que haja consenso, acho que não só em ciência política, mas nas ciências sociais de modo geral, que pelo menos este tipo de coisas é melhor ter democracia do que não ter tudo resto constante, é melhor ter uma democracia inclusiva do que uma que não seja inclusiva de resto constante, etc. Depois, enfim, o que é que se põe dentro disso? Eu acho que há mais divergência, mas acho que isso são mais ou menos pontos que em uma parte não descuidaríamos, precisamente porque isso fica tanto trabalho mostrar que essas coisas são melhores para toda a gente. Não só para a integração de minorias, mas mesmo para as maiorias, muitas vezes isto acaba por ter vantagens em termos de inovação na sociedade, etc.
José Maria Pimentel
É interessante porque como é quase elemento de partida da maior parte dos processos que tu estás a estudar, não é? E tu, no fundo é por isso que depois duas vertentes que tu referiste, não é? Por lado tu sabes que os processos funcionam melhor em democracia, não é? Que a democracia conduza uma série de autocâmaras positivas e tu sabes que os elementos que a democracia tem de ter e o lado, a seguir ao hífano, liberal não é importante, ou seja, todo tipo de movimentos que atentem contra, enfim, o Estado de Direito, liberdade de imprensa e não sei quê, quem quer conhecer os elementos centrais da democracia tenderá a ser reativo. E depois também conhece a história, então também sabes de onde é que as ideias vieram, ou seja, por isso é que eu fiz esta pergunta, porque acho que eu não gosto de dogmas, mas parece-me difícil uma pessoa que trabalha nesta área ter esse tipo de ideias. É curioso. Tu tens outro paper que me mandaste que é sobre, no fundo, o papel dos partidos mainstream em, de certa forma, normalizar, lá está, estou a usar aqui normalizar no outro sentido, a reatória com outros partidos de direita radical. E é paper, é artigo muito interessante, agora não temos tempo de estar a falar sobre o paper provavelmente dito, mas tenho curiosidade de saber, aqui mais enquanto conselheiro político, se tu pudesse aconselhar os partidos da direita democrática, chamemos-lhe assim, e em Portugal nomeadamente o PSD, como é que tu achas que estes partidos devem lidar com o Partido de Direita Radical? Porque é bastante difícil, não é? Ou seja, o grande avio é que tu sabes que são preocupações que existem na cabeça dos eleitores, por outro lado não podes copiar exatamente o discurso, não só porque não coincide com os teus valores, como porque provavelmente as pessoas vão preferir o autêntico à cópia, e portanto coloca-te aqui numa posição muito complicada, não é?
Vicente Valentim
Eu acho que é útil pensar naquilo que estávamos a falar há bocadinho, de pensar que há uma gradação da distribuição das preferências das pessoas, não é? E que se calhar há reservatório de pessoas que agora estão a apoiar a direita radical porque já tinham 100% deste tipo de ideias e depois há zonas de cinzento em que as pessoas estão dispostas a tolerar essas ideias porque a direita radical lhes dá outra coisa que é ainda mais importante para elas. Eu acho que o primeiro tipo de eleitor será muito difícil de ganhar de volta à direita radical e acho que é preciso assumir que por algum motivo isto não era saliente no sistema político mas agora esse Marco Partido como se diz em inglês, Isso não vai voltar. Aquelas pessoas já tinham aquela ideia de agora há partido que as representa, elas vão continuar a votar naquele partido e se o centro de direita tentar copiar, como tu disseste, vão preferir o original à cópia. Mas acho que há algum trabalho a fazer nas pessoas que estão na área mais cinzenta, não é? Ou seja, se calhar há algumas pessoas que, novamente, eu acho que não serão antirracistas, mas que se calhar não estão a votar na direita radical primordialmente pelas questões mais ligadas à xenofobia, etc. Se calhar estão a fazê-lo mais por questões ligadas a descontentamento com o funcionamento das instituições, por descontentamento com o caso de corrupção, etc. Eu acho que há espaço para ganhar pelo menos essa parte do eleitorado, admitindo que a outra é impossível de se ganhar de volta. Mas para o fazer, eu acho que é preciso haver alguma diferenciação, ou seja, a partir do momento em que estes partidos se tornam iguais à direita radical, perdem a vantagem comparativa que têm, que é dizer, de lado, nós achamos que as preocupações são legítimas, mas nós achamos que a solução que se dá a sociedade por este partido seja a solução legítima. Ou seja, o que eu quero dizer é que acho que é preciso traçar uma linha clara entre o centro-direita e a direita radical, dizer que não se vai alinhar em retóricas xenófoba etc. Mas compreender que as preocupações das pessoas, a ansiedade em relação às mudanças tecnológicas, em relação às mudanças económicas etc. É real e que é preciso fazer alguma coisa em relação a isso. Eu não tenho provavelmente uma solução de concretamente que tipo de políticas é que se devem propor, mas em termos gerais eu acho que a ideia devia ser uma linha clara entre o centro de direita e a direita radical, dizer que nós não achamos que isso seja aquilo que uma democracia devia ter como objetivo, nós não vamos por aí, mas nós ouvimos as preocupações das pessoas e, normalmente, para essas pessoas que ainda são possíveis de ganhar de volta, vamos tentar propor soluções alternativas, não a mesma solução.
José Maria Pimentel
Sim, também me parece que vai ter de ir por aí, embora como sempre nestas coisas seja muito mais fácil dizer como vai ter que ser feito do que exatamente o quê, né? Isso depois na prática.
Vicente Valentim
Não, claro.
José Maria Pimentel
Não, não, isso não era uma critica, sabe? É que de facto é agórdio difícil de desatar, não é? É uma coisa complicada. Por acaso, agora estava a pensar. A proposta ainda da tua explicação, ou seja, da explicação que tu propões, eu acho que ela também ajuda, também é útil para explicar aspecto do surgimento destes partidos que não é necessariamente óbvio. E pensemos de novo no caso do Chega, não é? O Chega foi partido que surgiu colado à direita radical e que tem, aliás nessas últimas eleições foi muito visível e acho que houve muitos comentadores que não perceberam essa distinção, isso também ajuda a explicar porque é que mais pessoas votaram no Chega. O discurso foi convergindo para discurso que é discurso antissistema e de direita conservadora, digamos assim, conservadora aqui na seção da ciência política, ou seja, da direita, mas já não é aquele discurso original, aquela história dos chiganos já foi à vida, quer dizer, houve uma série de coisas que saíram. E isto não é óbvio, não é? Seria perfeitamente possível que o partido tivesse surgido, alguns no espaço do CDS, e depois tivesse começado a apontar para os dois lados, não é? Para o lado mais à direita, mas também para o lado mais próximo do centro. E não, o que aconteceu foi que ele surgiu com o lado à direita. E isto me parece também que vai ao encontro da tua explicação, que ele surgiu precisamente levantando aquela reserva, aquele reservatório de... Não sei qual foi a expressão que tu usaste à bocada, acho que era mais feliz, de pessoas que já tinham aquelas ideias e que lhe deu aquele boost inicial e depois a partir daí começou a explorar o resto.
Vicente Valentim
Eu acho que é exatamente isso que está a acontecer, ou seja, novamente, voltando a esta ideia de empreendedores que estávamos a falar há bocado, eu acho que o mais difícil na política é, ou uma das coisas mais difíceis, é ter aquele momento inicial, aquele boost inicial do que falavas, não é? E o ter, ir ao encontro deste tipo de ideias que não estavam a ser expressadas, acho que foi crucial para conseguir isso, para conseguir pôr o Chega no mapa e ter apoio eleitoral bastante expressivo. Mas depois, a partir do momento em que o partido já é claramente parte do sistema político, no momento em que não há nenhum outro partido credível à sua direita, ele tem todo o incentivo em mover-se para o centro, porque é assim que cresce, ou seja, aquelas pessoas de direita, as pessoas mais extremistas que votam no partido não têm outro partido em que votar, por isso, mesmo que o partido se mexa bocadinho mais para o centro, eu vou continuar a votar nele. E é muito cheio de gente que marca o centro, se calhar chega, novamente a estas pessoas de que estávamos a falar, que se calhar votam num partido primordialmente por questões que não são a questão xenófoba e isso permite ganhar bocadinho mais eleitoral. Eu acho que a questão mais complicada do ponto de vista de estratégia do partido será quando isso aparecer num partido à sua direita, que acontece em
José Maria Pimentel
alguns países. Exatamente. Tipo Itália.
Vicente Valentim
Exato. O Icálio. E aí sim, o partido tem dilema estratégico maior. Neste momento, claro que tudo o incentivo é em... Enfim, não é para se pôr no centro de direita porque aí perdia completamente a sua identidade e a sua marca, mas é encher-se bocadinho mais para o centro de direita e tentar alienar o mínimo possível de eleitores ali na direita conservadora, não há nada a perder em fazer isso e acho que foi isso que aconteceu muito nessas eleições.
José Maria Pimentel
Exatamente, sim. Mas deixa-me reforçar o ponto que eu fiz há bocado, porque isso é parece que dá muita força à tua tese, e eu não tinha pensado nisto originalmente, é que é historicamente muito difícil, não é o parte dos sistemas políticos, mas o nosso em particular, surgir em partidos novos. Nós basicamente tivemos o partido do Ianos que depois foi à vida, e lá está a que vinha com o Ianos atrás, e o bloco na verdade surgiu da conjugação de vários partidos e agora é que começamos a ter partidos mais novos a surgir. Agora, isso é muito difícil e, portanto, na verdade, se tu tivesses esse reservatório de eleitorado que não está a ser explorado, mas já lá está, ou seja, as pessoas só não sabem que existe espaço para aquelas ideias tu tens ali uma plataforma para conseguir crescer muito rapidamente do nada, não é? E isso explica o que seria a partir de puzzle que é o Shaggy ter-se posicionado no extremo direito porque ele podia ter ido para a zona do CDS, para uma coisa qualquer do género e isso parece-me ponto, enfim, é ponto interessante a favor da tua tese Enfim, a conversa já vai longa, temos que terminar, mas eu... Esta conversa foi muito interessante e para mim... Eu pensei nisto várias vezes ao longo aqui da nossa gravação isto é uma coisa aliás que eu escrevo, acho que no prólogo do meu livro Das coisas mais giras de fazer podcast é tu poderes ter este tipo de conversas em que estás a ter debate sangueão, digamos assim, não é? E aquilo tu diz há bocadinho, a certo ponto de não estarmos a desviar-nos de tanta gente. Em certo sentido é a graça que estas coisas têm e a pessoa está a pensar, e eu senti-me, quando li, obviamente, o que tu mandaste, mas sobretudo aqui na nossa conversa, a pensar alto e o pensar alto às vezes ter o seu lado desorganizado, mas eu acho que isso faz parte do que podcast permite e faz-te ter novas ideias e arrumar as ideias que tinhas na cabeça para mim esta conversa foi muito útil para arrumar uma série de... Impressões de dados, às vezes contraditórios, que eu tinha na cabeça sobre este fenómeno que não tinha feito sentido e ler o teu livro e ter esta conversa ajudou-me imenso. Enfim, espero que também ajude quem está a ouvir a ter uma ideia mais clarecida sobre isto. Enfim, olha, parabéns mais uma vez, Lívia, pela investigação que está por trás porque, como eu disse no início, eu acho mesmo muito original e é destas coisas, é destas ideias óbvias em retrospectiva ou seja, em retrospectiva, de facto faz todo sentido até alguém ter essa ideia porque explica, ou ajuda a explicar, lá está, obviamente não é a única causa, tu não estás a propor isso e eu próprio coloco ainda aquela hipótese das redes sociais que falámos há bocadinho, agora claramente é difícil desmentir que este é elemento importante porque ajuda a explicar uma série de coisas que aconteceram nos últimos tempos. Portanto, parabéns e espero que o livro seja sucesso. E por falar em livro, tu tens livro para recomendar, não é? Que não tem nada
Vicente Valentim
a ver com isto. Sim, não tem nada a ver com isto. Eu acho que livro...
José Maria Pimentel
Tem alguma coisa a ver.
Vicente Valentim
Tem a ver com ciência política se quisermos, mas quando me perguntaste livro para recomendar eu acho que esse foi o último livro que eu li, apesar de já ter lido, talvez, há dois anos, que verdadeiramente me marcou e mudou bocadinho a minha maneira de pensar, que é livro que se chama Meio Sol Amarelo, em português, da Shima Amanda Ngozi Adichie, que é livro sobre romance histórico sobre a guerra civil na Nigéria e eu acho que, enfim, não só reflete muito bem os horrores da guerra, etc, mas como todos os livros bons parece que têm todos os elementos da vida lá dentro, não é? Ou seja, tem amor, traição, guerra, perda, morte, todas essas coisas, mas talvez com as melhores personagens que eu alguma vez li num romance. Por isso, enfim, Se alguém estiver a ouvir e não tiver lido o livro, eu acho que vale muito a pena.
José Maria Pimentel
Bom, é começar por mim. Certo. Que sou uma dessas pessoas, encaixo nesse perfil. Orelha Vicente, obrigado. Foi uma excelente conversa.
Vicente Valentim
Obrigado, foi prazer. Obrigado pelo convite.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.