#159 João Pedro Gouveia - “Quais as soluções com maior potencial para travar o Aquecimento...
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José Maria Pimentel
Olá, eu sou o José Maria Pimentel, sejam muito bem-vindos ao 45°.
Obrigado aos novos mecenas do podcast desde o último episódio, são eles
André Chambel e António Nuvaes. Nos últimos anos fala-se cada vez mais
de alterações climáticas. Desde a política, em que é tema cada vez
mais presente, a nível nacional e internacional, à nossa vida privada, onde
se fala cada vez mais de sustentabilidade e andamos todos, se ainda
não fizemos, a pensar em mudar para carro elétrico. E no entanto,
a verdade é que se olharmos para gráfico das emissões globais de
gases de efeito de estufa, eles continuam basicamente, nos últimos anos, em
máximo históricos. E este paradoxo mostra bem a complexidade do desafio que
temos em mãos enquanto sociedade, que vai ser, provavelmente, o maior da
nossa geração. E portanto é desafio a que ainda não estamos a
dar a importância que devíamos. E eu próprio tenho sentido que tenho
desvalorizado esse tema. É que embora tome algumas decisões pessoais com esta
preocupação, embora não tantas como devia, e embora vá acompanhando a discussão,
sinto muitas vezes que ainda não consigo ter uma opinião formada sobre
várias questões importantes. Por exemplo, afinal, quão difícil é, ou vai ser,
o desafio de limitar o aquecimento global aos 2 graus que ficaram
estabelecidos no Acordo de Paris em 2015. É muito difícil? Será que
já é impossível? E quais são as melhores soluções a adotar? Quais
são as tecnologias de energia limpa que têm maior potencial? Que outras
tecnologias existem que nos podem ajudar? E qual é o papel do
Estado neste assunto? Qual é o papel das empresas? E já agora
o que é que nós próprios, através das nossas escolhas, podemos fazer.
Não ter uma resposta que eu sinta fundamentada a estas perguntas e
a outras é algo que me anda a irritar cada vez mais
nos últimos tempos. E além disso, e não por acaso, é também
uma lacuna no 45°. É que até agora eu apenas arranhei a
superfície deste tópico com o episódio já bem antigo, logo número 24,
com o Filipe Duarte Santos. Por isso está mais que na altura
de ratificar isto e conto dedicar alguns episódios a este tema nos
próximos tempos. Para abrir esta série estava à procura de alguém que
pudesse dar uma visão abrangente das diferentes soluções que vamos ouvindo falar
e que são tão variadas que vão desde a aposta em novas
formas de energia limpa até à mudança dos nossos hábitos de consumo
em nossa casa e até à chamada justiça climática que tanta tinta
tem feito correr. Desculpem o trocadilho. Andei durante muito tempo em prospeção
para a pessoa certa, recebi várias recomendações até que alguém me falou
do nome do João Pedro Gouveia. O João Pedro é engenheiro do
ambiente e é doutorado precisamente em alterações climáticas e políticas do desenvolvimento
sustentável pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
O convidado tem se dedicado à investigação nestas várias áreas, mas com
foco muito forte em soluções práticas, contribuindo para vários projetos tanto nacionais
quanto internacionais. Em particular, e foi essa a razão pela qual o
convidei, é o único investigador português que contribuiu para projeto que tem
dado muito que falar nesta área nos últimos anos, o projeto Drawdown.
Este termo inglês, drawdown, refere-se basicamente a momento futuro, enfim, espera-se, em
que os níveis de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera
não só param de subir como começam depois a diminuir de maneira
continuada. Este projeto reúne uma rede global de cientistas e dedica-se a
investigar as soluções mais viáveis para conseguirmos alcançar esse momento. O resultado
deste projeto é ranking, uma classificação ordenada, das diferentes tecnologias e práticas
em termos do seu impacto, em termos da sua capacidade para reduzir
as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Segundo as palavras
da equipa de cientistas por trás deste projeto, a missão do Drawdown
é ajudar a travar as alterações climáticas da forma, e cito, mais
rápida, segura e equitativa possível. Estas três palavras não foram escolhidas por
acaso. Elas dão uma ideia da filosofia, do tipo de abordagem que
está por trás deste projeto e que o tornam diferente, mas também
vale a pena discutir. Entre as três palavras, a primeira, soluções rápidas,
traduz-se basicamente numa preferência por soluções e tecnologias que já existam e
possam ser implementadas hoje, em detrimento de soluções que estejam ainda numa
fase incipiente ou que até se possa acreditar que venham a ter
grande potencial, mas são ainda muito incertas, como acontece por exemplo com
algumas tecnologias renováveis. A segunda palavra, soluções seguras, leva a que esta
equipa tenha decidido colocar em segundo plano tecnologias que até possam já
existir, mas que acarretem riscos, como é, por exemplo, o caso do
nuclear ou de algumas soluções de geoengenharia. Finalmente, quando dizem que procuram
soluções o mais equitativas possíveis, isto basicamente traduz uma preocupação que vai
para lá do âmbito habitual destes projetos e que não é apenas
com as soluções em si, mas também com assegurar, por exemplo, que
elas não afetam o direito das populações dos países emergentes ao desenvolvimento.
Na nossa conversa discutimos, portanto, esta filosofia do Drawdown e, sobretudo, falámos
das principais soluções que esta equipa propõe. Digo-vos já que vão provavelmente
ficar surpreendidos com as primeiras posições desta lista, deste ranking de soluções,
que podem encontrar na descrição do episódio, porque a primeira solução a
aparecer relacionada com energia, no caso com energia eólica, surge apenas na
6ª posição. Isto mostra bem a análise original e interessante da equipa
do Drawdown. Para além das soluções que aparecem no início da lista
e que não vou dizer para não vos estragar a surpresa, falámos
também do papel das renováveis, como a energia eólica, lá está, e
a energia solar e também a energia das ondas, e falámos ainda,
claro, do nuclear, que apesar de ser uma energia limpa, o drawdown
classifica, como já disse, bastante em baixo. E aliás, este talvez seja
o tópico da nossa conversa em que eu fiquei menos convencido. Mas
estas tecnologias têm a ver com a geração de energia, pois é
preciso assegurar que a energia está disponível quando é preciso usar e
aí continua a haver desafio muito grande ao nível das baterias e
portanto falamos também do potencial do hidrogênio enquanto alternativa às baterias para
armazenar esta energia. Falamos ainda das indústrias em que vai ser mesmo
difícil, se não quase impossível, descarbonizar completamente e como isto implica que
para além de reduzir as emissões vamos ter também, para chegar ao
tal drawdown, de aumentar a captura de carbono da atmosfera. Isto, a
maneira mais fácil de consegui-lo é através da reflorestação, mas falámos também
de algumas soluções mais criativas da chamada geoengenharia, a qual basicamente inclui
tecnologias de remoção de dióxido de carbono da atmosfera ou, mais criativo
ainda, tecnologias para diminuir a entrada de radiação solar na Terra. No
final da conversa falámos ainda brevemente sobre desafio mais específico de Portugal,
embora não exclusivo, que é o desafio da pobreza energética. Uma área
que está relacionada com o desafio climático, mas vai para lá dele
e em que o João Pedro tem estado muito ativo nos últimos
anos. Espero que gostem deste episódio e, como disse no início, fica
prometido que vai haver mais episódios sobre este tema, focados em vários
aspectos, desde logo sobre as renováveis com maior potencial ou a questão
do nuclear, que são dois temas que vale claramente a pena aprofundar.
Até à próxima. João Pedro Gouveia, muito bem-vindo ao 45 Horas. Obrigado.
Eu acho que faz sentido começarmos por, antes de falarmos das soluções
para as alterações climáticas que é o nosso tema, Acho que faz
sentido começar por falar das alterações climáticas propriamente ditas porque, como nós
estávamos a comentar há bocado em off, embora sejam, tenham lado que
é evidente para toda a gente, que é de que a temperatura
está a aumentar, acho que também é evidente para toda a gente
que há aumento da frequência do fenómeno extremos, mas é mais do
que isso, não é? Eu acho que vale a pena falar disso
porque os efeitos não se singem isso, não é? Seja os presentes,
seja os futuros, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, o que é importante aqui perceber, em termos de contexto, é
que nos últimos 400 mil anos nunca passámos de certo limite das
concentrações de gases com efeito estufa na atmosfera. Portanto, andámos ali à
volta das 300 partes por milhão da concentração de CO2, portanto de
dióxido de carbono. Depois da revolução industrial, ou durante a revolução industrial,
começou então pique de crescimento acentuado destas concentrações que deriva das emissões
associadas a diferentes setores da economia, não só na produção de eletricidade,
com a queima de combustíveis fósseis, de lotantes centrais a carvão ou
a gás, dos transportes, do crescimento industrial, de todos os sectores, nas
várias áreas. E, portanto, a partir do momento que percebemos que, nas
últimas décadas, o crescimento do nosso impacto em termos de sociedade no
planeta tem vindo a crescer de forma muito significativa é ponto de
alerta, não é? Porque depois não é só uma questão do consumo
de energia ou das emissões associadas, é o impacto que isto tem
depois nas pessoas e nos ecossistemas e na maneira como vivemos. E
é esse ponto que é muito relevante porque em termos estatísticos o
que é identificado nas últimas décadas é que nos últimos 20 anos
19 foram os mais quentes de sempre. E não é só aquela
perspectiva de aquecimento global, que é a palavra normalmente que se fala,
ligada a alterações climáticas, mas é também perceber que essa diversidade acontece
em diferentes regiões do mundo, é diferente o impacto. Numas podemos ficar
mais frios, noutras mais quentes, mas o que acontece? E o que
se verifica quase semanalmente pelos diferentes continentes é que temos vagas de
frio, ondas de calor, secas extremas, cheias, situações onde temos, por exemplo,
no mesmo período metade da Austrália em seca extrema e a outra
metade quase debaixo de água. Posso exagerar, não é?
José Maria Pimentel
Eu estou aqui a olhar para mapa, Mundi, que tem basicamente a
distribuição do aquecimento no cenário do aquecimento do 1,5ºC, no cenário, enfim,
muito mais extremo, do aquecimento de 4ºC, futuro, não é? Portanto, isto
são cenários futuros e é, enfim, pouco intuitivo que quando a pessoa
olha para este aquecimento ele não é igual em todo o globo.
Nós vemos, por exemplo, no cenário do 1,5°C, vemos zonas cuja temperatura
se mantém mais ou menos igual e temos zonas, sobretudo, ali perto
do Pólo Norte, que têm aumento muito mais alto, ou seja, há
aumento... O aumento não é igual em todo lado, o que significa
que depois o impacto nos ecossistemas também não é igual e o
impacto, provavelmente, na vida das pessoas também não é igual. E eu
acho que isto é pouco óbvio para as pessoas. Para mim era
pouco óbvio. Que outras coisas, para além disto, pouco óbvias é que
há num cenário de aquecimento global de dois ou mais graus a
prazo, não é? Até o final do século.
João Pedro Gouveia
Sim, esse é ponto, tenho certeza, importante. E esse é o que
é o nosso desafio enquanto sociedade, é perceber quais é que são
as reais consequências. Ou seja, há muitos estudos e projeções e previsões
do que é que pode ser o impacto Se o aumento da
temperatura médio, e este é importante, o aumento da temperatura médio global
for de 1,5°C, há uma lógica de prevenção, de precipita-precaução, o que
é que pode acontecer e, portanto, como não sabemos bem os impactos
que podem ter 1,5°C, 2°C, 3°C, 4°C, 5°C, 6°C, é preciso tentar
ter o menos aumento de temperatura médio possível. E, portanto, o que
acontece com isto é que estamos a afetar diferentes tipos de ecossistemas
de diferentes formas, percebendo que as alterações climáticas provavelmente é dos nossos
maiores problemas, se não o maior, associado, por exemplo, à perda de
biodiversidade também, que está muito ligado com a desflorestação, com o nosso
crescimento em termos de urbanizáveis. E então, esta incerteza pode ser, nós
podemos ter com grau e meio ou dois graus, uma ideia que
podemos não ter muito impacto, mas há muitos estudos científicos que demonstram,
publicações internacionais, que há diversos, digamos, tipping points, pontos de viragem, não
só...
João Pedro Gouveia
Pontos mais de viragem que é, que não sabemos bem onde é
que, por exemplo, as correntes oceânicas, a corrente atlântica, pode criar problema
sério. Ou até quando é que a desflorestação, o limite, pode-nos criar
problema transformativo também. Até onde é que essa consequência pode virar no
azoto, nos diferentes gases com efeito estufa? Há aqui várias componentes do
sistema terrestre, não só da atmosfera, mas dos sistemas ecológicos, que podem
virar de dia para o outro, digamos assim, com consequências imprevisíveis. E,
portanto, esse é que é o nosso desafio, que é tentar limitar
ao máximo esta evolução. E por isso é que, quando se fala
da transição climática, transição energética, há aquele nível de urgência. Já se
fala de urgência climática por isso mesmo.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E depois há outra questão, que também é relevante
porque ao bocado falaste no início, as causas do lado da energia,
da utilização de combustíveis fósseis, mas depois também entrar aqui em jogo
aqueles feedback loops, não é? Que a partir de certo ponto, quando
tens de gelo, isso também vai fazendo com que deixe de ser
refletido parte da radiação solar de volta para o espaço e portanto
tu vais tendo aqui efeitos de segunda ordem que ainda vão agravando
isto, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, e esse é o problema porque nós por lado estamos a
amplificar e a crescer todos os dias com as emissões de gases
com efeito estufa, mas por outro estamos também na destruição dos ecossistemas
que permitiam esse balanço, como florestas tropicais, por exemplo. Cerca de 30%
das florestas tropicais já se perderam não só numa consequência direta com
estes locais de sequestro natural de dióxido de carbono e que faz
este balanço, Mas depois também com tudo o resto, pela biodiversidade, outros
serviços de ecossistemas que se vão se perdendo ao longo do tempo
com problemas graves em termos sociais, ambientais e económicos. E, portanto, quando
vemos isso e vemos imagens como vemos relativamente frequentemente dos glaciares, o
de gelo dos glaciares, não só os terrestres como os oceânicos. Quando
vemos os Alpes no pico do inverno com uma porcentagem de cobertura
de neve bastante baixa. Quando vemos já estudos como mostra o aumento
do nível médio do mar devido ao de gelo. Portanto, tudo isto
vai criando fatores de pressão que em diferentes regiões têm mais impacto,
por exemplo, ouvimos muito também no Paquistão, no período das monções, que
temos áreas do tamanho de Portugal inundadas, com uma consequência direta em
termos da população e tudo o que é a vida normal das
pessoas e, portanto, aqui é isto, estamos cada vez mais a agravar,
ou seja, os fenómenos não são isolados, eles são interligados, são sistemas
complexos, a atmosfera e o sistema climático é complexo e portanto vai-nos
catapultando numa gravar de situação permanente.
José Maria Pimentel
Só para ter uma dimensão do desafio que nós estamos aqui a
falar, a pessoa fala muitas vezes que o ideal seria limitar o
aquecimento a 1,5ºC, o compromisso de Paris é ficar, já não sei
qual é a palavra certa, mas é ficar razoavelmente abaixo de 2ºC,
salvo erro, uma coisa assim deste género. A frase que eu vi
a propósito disto dizia que para te limitares o aquecimento a 1,5
implicaria baixar as emissões globais para metade até 2030 e chegar ao
chamado net zero, portanto chegar a emissões líquidas zero em 2050. Emissões
zero em 2050 parece praticamente difícil, mas mesmo baixar para metade em
2030, que está a seis anos de distância, quer dizer, na prática
é quase impossível, não é?
João Pedro Gouveia
É, à escala global eu considero que seja. Claro que temos de
ser ambiciosos nas políticas que desenhamos, mas há aí dois pontos. É
que, até para perceber essa diferença, a alteração que é preciso. É
que desde a revolução industrial nós aumentamos as emissões de gases com
efeito de estufa, especialmente do dióxido de carbono, em 50%, em que
isso nos refletiu atualmente já num aumento de cerca de grau, bocadinho
acima de grau, de grau à escala global de temperatura média. E,
portanto, se nós queremos inverter esta curva, lá está, inverter esta curva
de crescimento, não só no crescimento das emissões, como depois numa lógica
de redução dos gases com efeito estufa na atmosfera, a transição é
realmente muito rápida. E Enquanto, por exemplo, vemos que em Portugal, dada
ao longo dos anos de várias políticas relevantes na área, mas que
temos contexto de potencial de energias renováveis, somos país relativamente pequeno, em
que conseguimos, potencialmente vamos conseguir chegar a uma neutralidade carbónica do sistema
português em 2050 ou até anos talvez, mas à escala global quando
vemos que ainda atualmente se continua a explorar, a criar novas explorações
de petróleo, continuamos a tirar gás, continuamos a construir novas centrais a
gás e a carvão, a promoção dos combustíveis de fósseis continua diariamente
e, portanto, só essa ideia mostra que a transformação, no muito curto
prazo, estamos a falar de uma, duas, três décadas, é realmente desafio
muito grande e o nosso desafio à escala global não está só,
e isto é muito importante também, acho que vou dizer aqui, na
área de energia. Porquê? Porque isto afeta a maneira como nós consumimos,
como compramos roupa, como nos alimentamos, como nos movimentamos. Parte tem a
ver com a energia, outra parte não tem. Alteração do uso do
sol, desflorestação, o que comemos. Portanto, isto tudo numa escala global tem
impacto e, portanto, estamos a falar de diferentes frentes de transformação que
são precisas a ativar na sociedade e que, dada a estrutura atual,
os lobbies instalados, a maneira como pensamos e como vivemos, tinha que
sofrer uma disrupção bastante acentuada, o que de forma voluntária pode ser
difícil.
João Pedro Gouveia
com o Covid, houve ali uma certa esperança, digamos, da comunidade internacional
que podia haver clique e as pessoas, ok, eu já percebi que
se calhar posso trabalhar mais em casa, posso me movimentar de outra
forma e então havia bocadinho de esperança, acho eu, na comunidade internacional
que, bom, a seguir a isto talvez consiga a transformação. Mentira. Na
verdade, tudo, as emissões de todos os sectores recuperaram e aceleraram para,
digamos, recuperar o tempo perdido que tinham tido em termos de crescimento
e desenvolvimento e criação de riqueza. O que realmente demonstra que mesmo
com evento extremo que impactou o planeta todo, à escala global toda
a sociedade, não conseguimos fazer essa mudança. Parcialmente, as pessoas trabalham mais
em casa, há uma redução talvez nessa lógica, pelo menos da mobilidade,
mas muito mínima para a transformação que é necessária, não é? Sim.
Porque aqui na transformação… Ou
João Pedro Gouveia
Temos a China, temos os Estados Unidos e depois temos muitos países
que querem realmente ter o nível de vida que nós temos. Este
aqui é também sempre desafio à escala global. É que porquê que
eu posso ter e outra pessoa não tem, não é? E então
é...
Vocês já tiveram, não é?
É essa a ideia. E o que é preciso também em termos
de promoção deste desenvolvimento é que noutros países e noutros continentes, os
países mais desenvolvidos consigam trazer dinâmicas de inovação, de promoção de tecnologia
realmente mais eficiente e mais recente, digamos assim, nestes países para darem
certo salto que nós tivemos que fazer o percurso todo. Destruímos, passamos
pelo mal, estamos a evoluir para o bom. Em alguns contextos devemos
tentar ajudar a dar este salto, como aconteceu na verdade, por exemplo,
com as telecomunicações. Em África não houve o telefone de linha, não
é? Passou-se diretamente de não ter nada para o telemóvel. Portanto, não
foi necessário construir uma infraestrutura. E aqui podemos pensar que, por exemplo,
na energia, na eletricidade concretamente, a ideia de construir mega redes a
atravessar África, por exemplo, não faz o mínimo sentido. Temos zonas rurais
dispersas, temos diferentes comunidades mais isoladas e, portanto, por exemplo, aí nesse
caso a integração de fotovoltaico com baterias, produção de eletricidade centralizada é
altamente relevante e que reduz o impacto em algumas dimensões e portanto
aqui é dos pontos. Agora, em termos de transição, eu acho que
há aqui três ou quatro linhas de ação que têm diferentes andamentos.
Claramente é aquela ideia de temos que de forma acelerada reduzir as
emissões. O crescimento das emissões, por momento parar e depois tentar desacelerar
este crescimento e reduzir mesmo. E aqui estamos a falar de ações
que não têm, se calhar, muito investimento, que tem mais a ver
com o capacity building, com o conhecimento das pessoas que determinadas ações
podem ser feitas, não só a nível individual, como de entidades, como
em cidades, como nas empresas, quais é que são as coisas que,
em termos tecnológicos ou de práticas, que eu posso avançar sem ter
grande investimento. Então há aqui algumas coisas de melhoria de eficiência, de
curto prazo e de comportamentais que podemos fazer. Depois há outras, digamos,
duas ou três levas numa lógica de médio e de longo prazo,
que é eu perceber como é que eu posso alterar as políticas,
os business models, a ideia de modelos de negócio em termos de
sociedade para não ser uma lógica de lucro e pensar em negócios
que podem ser, digamos, planet positive, positivos para o planeta com impacto
positivo e não é impacto em termos de lucro e distração de
recursos, mas sim em termos de melhorar a situação que temos e
realmente sermos positivos.
João Pedro Gouveia
Claro, e isso às vezes em termos de mensagem política parece que
o dia a seguir ao final de 2050 não existe Porque se
fala muito em 2050 para tudo, não é? Parece que em 2050
vamos fazer contas todos. Parece que estás a
fazer dieta, não é?
É, vamos fazer contas e dizer assim então conseguimos? Não, então pronto,
já não vale a pena. Não é assim. Não é assim. E
esta ideia de nós atuarmos a curto prazo de forma urgente é
relevante porque temos caminho longo a percorrer e portanto lá está o...
Não é só chegar a 2050, até lá é muito importante. Depois
é aquela ideia, se não começarmos a atuar já, quanto mais tarde
começarmos vamos sofrer mais impactos, mais rápida tem que ser a transformação
e vai ser muito pior certamente.
João Pedro Gouveia
Não sei. Se formos ver cenários da Agência Internacional de Energia, os
do IPCC, há diferentes cenários consoante a ambição política. Na verdade, o
problema das alterações climáticas, como outros problemas associados, são decisões políticas, são
decisões da economia. Estamos onde estamos porque a certa altura alguém decidiu,
ou como entidades decidiram, que fazia sentido usar combustíveis fósseis para a
mobilidade, não é? Houve uma altura que se estava a decidir, é
carro, é veículo elétrico ou é gasolina? E alguém que tinha mais
força decidiu que era caminho de gasolina, por exemplo.
João Pedro Gouveia
O que eu acho é que em termos globais é desafio bastante
grande, Mas temos que ser positivos porque senão desistimos. Portanto, numa lógica
que é preciso uma transição e pensarmos no planeta, não só, eu
acho que já não é só para os nossos filhos, já não
é só aquela conversa das gerações futuras, nós atualmente vemos o impacto
real no mundo todo, não é? Vemos os incêndios, vemos as secas,
vemos noutros contextos os furacões. O impacto que isso tem, não só
ao nível das pessoas, porque há muitas regiões do mundo que o
impacto das alterações climáticas e os eventos extremos dá-se nas pessoas, portanto
é mais mortalidade. A mortalidade devido às alterações climáticas acontece em países
como o Paquistão, a Índia, a China com poucos recursos e pouca
infraestrutura de adaptação. Onde é que depois o impacto das alterações climáticas
acontece de forma mais significativa em termos da infraestrutura e da economia
e financeiro? É nos Estados Unidos. Porquê? Os furacões que criam estes
problemas e depois aí não morrem geralmente pessoas, mas têm impacto no
ambiente construído e na estrutura da economia.
João Pedro Gouveia
Sim, mas movimentarmos muita gente a esta discussão frequente que é, faz
sentido movimentarmos a sociedade para uma discussão no Dubai ou nos Emirados
para falar sobre atrações climáticas onde se calhar mais de metade das
pessoas que lá estão são o lobby anti-transformação, são o lobby que
promove as atrações climáticas e o uso de combustíveis fósseis, não é?
Porque o que é que nós vemos também? Vemos que as estatísticas
dos últimos anos, em cada ano, as top 5, o top 5
das empresas de combustíveis fósseis, têm lucros que rondam 200 mil milhões
de dólares por ano. E não é só este pensamento do lucro,
é também, há outros dados que demonstram que estas entidades, ou seja,
a indústria dos combustíveis fósseis, continua a ter apoio, financiamento e cobertura
de muitos estados, muitos governos, com dinheiro público, para continuarem-se a financiar.
E, portanto, Se num momento que precisamos de urgência, de transição, queríamos
anualmente nas COPES para discutir o que é que podem ser políticas,
o que é que podem ser financiamentos. Temos aqui o anti a
criar este atraso e a puxar para trás quem quer fazer a
transformação, dá-nos problema maior. E depois aqui há uma outra dimensão que
é, nas COPES discute-se muita coisa. Às vezes pode-se pensar que em
termos da redução das emissões podemos não avançar tão rápido, mas há
outras coisas que vão surgindo. Por exemplo, o financiamento para os países
mais vulneráveis, para as ilhas, para a adaptação às alterações climáticas. Não
é só reduzir emissões, é preciso o pensamento também, que se temos
os impactos...
José Maria Pimentel
Uma questão relacionada com o que estávamos a falar há bocado, eu
acho que, enfim, se calhar estou errado, mas acho que a maior
parte das pessoas intui que se nós parássemos de emitir, por exemplo,
a temperatura pararia de aumentar, quando na verdade há aqui lag, não
é? Imagina, quer dizer, num cenário obviamente absurdo, ou invenosível, impossível, na
verdade, é que nós deixaríamos de produzir gases de efeito estufa, ou
seja, passaríamos a esse net zero. Quanto é que a temperatura ainda
aumentaria? Já aumentou cerca de 1, mas ainda continuava a aumentar.
João Pedro Gouveia
É, e isso às vezes pode ser o... Se estivéssemos nessa situação
não estávamos tão mal assim, não é? Mas há estudos que demonstram
que há efeito de atraso do impacto. É a mesma coisa, a
temperatura que aumenta agora não é das emissões de ontem, não é?
Claro, exato.
É do stock.
Há este acumulado e depois o impacto vai-se prolongando. E, portanto, isso
é outro desafio que temos, mas aí lá está, é este balanço
entre reduzir as emissões e aumentar o sequestro natural dos ecossistemas e
a resiliência dos ecossistemas, portanto, para tentar que isso não aconteça de
forma tão significativa.
José Maria Pimentel
Avançando para as soluções, que no fundo é o tema da nossa
conversa, tu estás envolvido num projeto muito interessante que é o projeto
Drawdown, que lista, aliás, compara uma série de soluções possíveis, na verdade
em áreas completamente diferentes, nós há bocado estávamos a falar em off
sobre isso e pelo que eu percebo até é a principal inovação
deste projeto que já surgiu há... Quando é que surgiu?
2016, começou.
Exatamente, 2016, é que compara, enfim, soluções tão disparos como energias renováveis
e aumentar a educação das raparigas para promover o planeamento familiar. Coisas
tão disparas quanto isto, e o seu impacto, obviamente com os desafios
que tem comparar estas dimensões diferentes. E é interessante nesse sentido porque
ele explora todas as soluções possíveis nestas áreas completamente diferentes e faz
uma espécie de lista ordenada da que tem mais impacto para a
que tem menos impacto. E aqui o drawdown significa o momento em
que nós chegamos ao net zero.
João Pedro Gouveia
Na verdade é a inflação na lógica, não das emissões, mas da
concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera.
Então explica lá.
O drawdown é o ponto no tempo então onde a concentração de
gases com efeito de estufa na atmosfera para de aumentar e começa
a diminuir de forma consistente. E, portanto, é a seguir à naturalidade
carbónica na lógica que estamos a sequestrar mais da atmosfera do que
estamos a emitir e, portanto, estamos, então, a reduzir as emissões de
forma a sermos uma planet positive species, digamos assim, uma espécie positiva
para o planeta.
João Pedro Gouveia
Exatamente isso, é a inversão da curva. O que é que nós
e qual foi o pensamento também nas fases iniciais do projeto e
que depois acabou por derivar nessa listagem de, neste momento, mais de
100 soluções e ranking e olhando para vários sectores. Por lado era
perceber que era difícil para as pessoas elencarem as soluções mais impactantes,
fossem a nível individual, fossem a nível de comunidade, fossem a nível
global. E, portanto, o nosso exercício era bocadinho, na primeira fase do
projeto, era perceber então o que é que existe. O que é
que existe em diferentes contextos, não só em termos de tecnologias, não
só em termos de práticas, que é relevante, que tem impacto, que
podia ser escalado em diferentes contextos e que era também importante promover
como mensagem comunicacional. E portanto, com uma ideia também que é preciso
olhar para as fontes emissoras. Portanto, quando olhamos para os principais setores
emissores, o que é que temos? Temos mais ou menos grandes números,
pode variar, claramente varia nos diferentes anos, mas mais ou menos 25%
das emissões globais de gases com efeito de estufa vêm da produção
de eletricidade. Portanto, a queima de combustíveis fósseis centrais a carvão, a
gás e a fuel óleo. Depois, mais ou menos a mesma quantidade,
também quarto, que deriva da alteração do uso do solo e da
produção alimentar e da desflorestação. Portanto, o uso do solo à alteração
promove também emissões. Não é só não termos as fontes de sequestra
natural mas também a desflorestação e a alteração do uso do sol
para campos agrícolas e assim, promove também as emissões de gases com
efeito estufa. Porque aí quando falamos de gases de efeito estufa não
falamos só do dióxido de carbono, do CO2, falamos também do metano,
falamos de óxido de azoto, falamos de gases florados que têm diferentes
impactos, têm dimensões diferentes em termos de impacto e alterações climáticas.
João Pedro Gouveia
o outro tinha que ver com solos... Florestas e agricultura.
Exatamente.
Sim, e depois a seguir a indústria, cerca de 17%, 18%, produção
de cimento, ferro e aço, alumínio, pronto, os vários tipos de indústria
que existem, téstil, etc.
João Pedro Gouveia
Lá está sim, é tudo associado à... Na verdade, aí também existem,
por exemplo, no cimento existem não só emissões da combustão, que é
a queima de combustíveis fósseis, mas também de processo. Portanto, há setores
mais difíceis de reduzir para zero as emissões e o cimento é
uma dessas áreas. E depois temos, ah, e os transportes, a indústria,
os transportes, também ali 15, 16% mais ou menos, bocadinho abaixo da
indústria e depois os edifícios com 6 a 8%. E por que
é que os edifícios têm aquele valor tão baixo? É porque aqui
é importante nestas contabilizações das emissões evitar o double count. Exato. Portanto,
vamos pensar, em nossas casas eu tenho uma caldeira a gás óleo
para aquecer a água do banho. Essas emissões estão controladas nos edifícios.
Agora, se a eletricidade que eu uso em casa, que compro a
uma empresa de eletricidade, é produzida a carvão, as emissões não estão
na minha casa, no meu edifício, mas estão no setor da produção
de eletricidade.
Os 25%.
Isto é importante perceber esta dimensão, não é? E também fazer aqui
uma distinção entre o que é eletricidade e energia no geral. Porque
quando estamos a falar da produção de eletricidade é exatamente isso, é
na central a carvão, a central a gás. Quando olhamos para a
fotografia global, temos a energia, o gás óleo, a gasolina, o fuel
óleo que usamos na aviação, no transporte rodoviário, nas indústrias, em casa,
no esquentador. Portanto, isso é diferente. Energia é uma coisa maior do
que só a eletricidade.
E,
portanto, aqui estão as fontes emissoras e o que nós fizemos foi,
ok, então há estes setores que têm esta importância. O que é
que existe? O que é que está estudado em termos de literatura
científica, em termos de entidades internacionais, nas diferentes áreas que nos permitam
identificar quais é que podem ser as soluções, há uma fase de
identificação das soluções mais relevantes e depois o que nós fizemos foi
criar modelos individuais para cada solução e depois integrados no setor para
avaliar este impacto e qual foi a nossa análise, qual foi o
nosso pensamento? Foi Vamos analisar o impacto de eu adotar uma destas
tecnologias ou práticas, uma solução, digamos assim, nos próximos 30 anos, portanto,
ali entre 2020 e 2050, qual é o impacto que isso tem
substituindo o que eu atualmente faço. Por exemplo, o solar fotovoltaico. Analisamos.
Temos até o descentralizado, descentralizado, porque há diferentes contextos políticos de investimento
que era importante distinguir, mas aí o que é que fazer? Qual
é a conta? Basicamente é pensar que, olhando para os cenários do
futuro que vêm do IPCC, que vêm da Agência Internacional de Energia,
que vêm de entidades mais pró-fóssil, combustíveis fósseis ou mais pró-ambiental, digamos
assim, cenários variados. Analisámos 40, 50 cenários, uma abrangência muito grande e
percebemos onde é que estava a alguns podia estar mais a realidade,
ali uma certa média. E então O impacto é cálculo entre se
eu aumentar o solar de forma otimística, claramente, mas plausível, não é?
Ambiciosa, mas plausível, comparando com eu permanecer na minha situação atual de
referência de uso de combustíveis fósseis, de gás e assim, à escala
global, o que é que isso significava em termos de impacto? Quantas
emissões é que eu posso reduzir, evitar, na verdade, neste caso, qual
é o investimento necessário e também qual é que é os meus
custos de operação e manutenção que podem aumentar ou reduzir. Portanto, não
fizemos uma análise só em termos de impacto das emissões, seja na
parte das emissões ou no sequestro, mas também no investimento. Agora, o
ranking só olha para as emissões. Não fizemos nenhum ranking em termos
de investimento, necessidades de investimento. Conteúdelizamos, cada solução tem o investimento necessário
nos próximos 30 anos para a sua adoção, mas o ranking não
está por aí. Portanto, quando temos uma solução no número 1 ou
no número 2, é só em relação ao potencial de emissões evitadas.
João Pedro Gouveia
Temos análises integradas que demonstram, posso dizer isto, que é de forma
global, sumando tudo, o investimento, nós Testámos dois cenários, mais optimista plausível
e extremado de se fossemos ao limite realmente e numa aceleração muito
grande o que é que conseguimos fazer, mas o investimento é muito
significativo, mas o retorno ao investimento também consegue ser três a cinco
vezes superior. E, portanto, isto é que é importante também perceber, porque
nós no Drawdown a ideia sempre foi esta de, ok, o que
é que existe? Assim consigo comparar a redução do desperdício alimentar, por
exemplo, que é uma das soluções mais impactantes, na verdade é a
mais impactante na nossa lista, e já posso... Já lá vamos. Ou
depois temos o solar, a eólica, o isolamento, a proteção da floresta
tropical, a gestão de zonas agrícolas, gestão de pasturícia. Então, há aqui
várias e vários setores, na verdade em todos, que tentamos procurar qual
podia ser o impacto, fazendo este ranking e fazendo uma comparação, aqui
vou usar a expressão inglesa que é mais feliz, apples to apples,
comparamos maçãs com maçãs. E então isso traz aqui uma riqueza de
conhecimento relevante, não só porque percebemos o impacto à escala global, estamos
ali a perceber a priorização das medidas e depois há muito a
fazer a seguir. Há escala de diferentes contextos de política, de financiamento,
de regulamentação, que é preciso depois a cada país, em cada cidade,
em cada área explorar.
José Maria Pimentel
Pois, que variam de sítio para sítio, claro. Há bocado estavas a
falar, por exemplo, do solar e isso eu entendo bem também, no
fundo, vocês depois ao avaliar cada solução também são mais ou menos
agnósticos em relação àquelas categorias que tu destes há bocado, porque, por
exemplo, se tu aumentares o solar vais provavelmente ter mais produção de
eletricidade, não é?
João Pedro Gouveia
Não, isso é ponto importante, é que, na verdade, a descarbonização da
nossa economia global, maioritariamente, tem que ser feita pela eletrificação dos sistemas.
Portanto, a eletrificação dos transportes, da mobilidade, nas nossas casas, do aquecimento,
do arrefecimento, etc. E, portanto, porquê? Porque depois há por trás estas
possibilidades, estas tecnologias, umas mais maduras que outras nos mercados, no mercado
internacional, que podem então fazer essa transição de grande parte do problema,
que é as centrais a carvão e a gás e a fuel
óleo, para uma substituição, não só por solar, mas estamos a falar
de diferentes tipos de eólica madura e competitiva no mercado de eletricidade.
É claramente a energia eólica terrestre, mas em várias zonas temos pilotos
de tecnologias offshore, de energia das ondas, em alguns contextos da hídrica,
de aproveitamento geotérmico, de biomassa, de resíduos. Portanto, há aqui muitas tecnologias
que já conhecemos há muito tempo que podem ser adotadas e aceleradas
e é isso que temos vindo a assistir. O solar fotovoltaico e
o eólico, além de serem competitivos, o seu custo de investimento tem
vindo genericamente a baixar. Agora com a crise, com a guerra, com
o Covid, teve aqui algum impacto também nos custos das tecnologias, mas
tendencialmente essas tecnologias têm vindo a realmente ter decréscimo no seu custo,
portanto, Passa, digamos assim, a ação climática deixa de ser só para
quem acha que é problema e que deve atuar, mas também traz
benefícios já em termos económicos. E aí é que vamos buscar, se
calhar, agentes do mercado que por si só não são altruístas suficientes
para pensarem. É mercado, é a economia, portanto, se for lógica é
mais o lucro, resultados e lucro, portanto, se tivermos tecnologias e acontece
o mesmo, por exemplo, com isolamento, com outras dinâmicas que realmente é
uma questão de eficiência, de recursos e de redução do desperdício de
materiais e tentar fazer essa transformação na produção de eletricidade é dos
pontos mais importantes, em dúvida.
João Pedro Gouveia
Acho que é muito contra-intuitivo. É contra-intuitivo e para mim, até com
o background todo que eu tenho de energia, não é? Também foi
surpreendente. A primeira vez, quando juntámos, na altura para a publicação do
primeiro livro, em 2017, quando começámos a juntar a tudo, pensámos, mas
eu próprio fiquei bocado chocado.
Não estavas à espera.
Não estava à espera, porque para já representa quarto das emissões globais,
vem da produção de eletricidade, não é? E eu acho que isto
é que é a vantagem deste nosso pensamento, que foi, Dá a
ideia que é preciso atuar em diferentes frentes e, portanto, quando nós
vemos como solução número o redução da desperdícia alimentar, dá aqui uma
mensagem muito importante também, num contexto global, porque também é diferente. Ou
seja, aqui para quem está a ver e perceber, terço dos alimentos
produzidos são desperdiçados.
João Pedro Gouveia
É número absurdo, não é? E até mais, representam cerca de 8
a 9% das emissões de gases com efeito de estufa global, o
que quer dizer que, se, digamos, este exercício teórico do desperdício alimentar
fosse país, era o terceiro país mais emissor a seguir aos Estados
Unidos e à China. E, portanto, mostra que, para já, alerta para
problema, identifica problema relevante. Por outro, dá uma dinâmica que se percebe
que é diferenciada entre país, digamos, num país mais desenvolvido, onde o
desperdício alimentar acontece mais no final da cadeia de valor, acontece mais
na distribuição, no supermercado, em nossas casas. Contrastando com os países em
desenvolvimento, que têm mais a ver com a ineficiência das tecnologias, com
a falta de tecnologia, com a falta de equipamentos de refrigeração, com
a falta de algum conhecimento e, portanto, o que é que isto
também diz? Alerta para problema global, olha para dinâmicas diferenciadas em termos
regionais que dá ideias de transformação diferenciada, ou seja, nós, por exemplo,
na Europa, temos que olhar para este problema mais para o final
da cadeia de valor, digamos assim. Há vários projetos, mesmo em Portugal,
que mostram que tenha promovido essa redução do desperdício alimentar, não é?
Enquanto noutros contextos, se calhar é mais uma ativação tecnológica de capacitação,
de dar essas tecnologias de refrigeração para esse desperdício não acontecer. Porque
aqui temos que pensar que não é só o desperdício alimentar, não
está só naquela maçã que foi para o lixo ontem em nossa
casa. É pensar que tudo isto teve crédito, teve acumulado de energia,
de água,
José Maria Pimentel
Bom ponto, exatamente. Ou seja, quando a pessoa vê redução dos preços
alimentares, a pessoa está a pensar, o que lhe vai à cabeça
é isso, não é? É a comida que se estraga no frigorífico,
ou whatever, mas na prática o vosso contrafactual é se aquela comida
não tivesse existido, não teria sido gasta aquela energia, não teria sido
gasta aquele solo, ou seja...
João Pedro Gouveia
Sim, porque 30% da comida é desperdiçada, logo aí tem este processo,
sim, anda à volta desses valores. Portanto, isto é a solução número
1. O que é que temos como solução, e eu vou saltar
aqui, depois posso saltar a ela, a solução número 3. Temos uma
dieta, a introdução para português é dieta rica em vegetais, ou seja,
aqui a nossa ideia não era tanto fazer, é alertar também para
problema que é, já é conhecimento muito geral, não é o impacto
que é o consumo de carne e tudo o que está associado
à produção de gado, especialmente bovino, aí não é só o metano
pela digestão das vacas, por exemplo, mas também é todo o consumo
de água, de outros recursos, lá está também a produção de soja
ou de outro tipo de alimentos para o gado, que promove a
desflorestação, portanto é caminho também grande. E Nessa ideia das dietas ricas
em vegetais tem duas ou três premissas. Uma é que realmente consumimos
de forma geral mais carne do que devíamos. Em termos de dieta
saudável, porque está mais ou menos estabelecido que nós devíamos, uma dieta
saudável por dia, devíamos consumir ali entre 2200 e 2500 quilo calorias.
O que é que acontece? Nos Estados Unidos consome-se se calhar 3500,
4000 quilo calorias. Na Europa mais do que esta healthy diet, esta
perspectiva de uma dieta saudável. Ou seja, por lado é isto, é
que consumimos mais do que devíamos, então para nos aproximarmos mais de
uma dieta saudável, tinha que ser mais rica em vegetais, fazer balanço
ao longo da semana do nosso consumo regular. Pronto, isso é uma
visão. A outra é que realmente a produção de gado e de
carne tem impacto ambiental muito significativo comparado com outras alternativas, não é?
Sim,
João Pedro Gouveia
Sim, o nosso consumo de laticínios e de carne é bastante significativo.
Mas aí há outro ponto interessante também de explorar que é numa
dinâmica de pós-sequência, que é diferentes países, diferentes continentes têm diferentes características
da sua dieta, não é? O que para nós faz sentido, comer
algum determinado tipo de coisas, noutros contextos é estranho. E então esta
ideia de fazer quase uma prescrição de como é que as pessoas
devem comer à escala global também não faz muito sentido. Aqui há
uma ideia de alertar para problema mais uma vez e perceber que
em certos contextos temos que baixar o consumo de calorias e a
maneira como nos alimentamos para uma dieta mais equilibrada e mais sustentável
e em outros contextos é preciso aumentar o consumo na África, no
Sudeste Asiático, na América do Sul. Há problemas de nutrição aqui e
ali que são precisos também resolver. Então, este balanço é bocado teórico,
é pensamento pouco teórico, mas é alertar mais uma vez para problema
e depois as ações à escala local e a política à escala
local.
João Pedro Gouveia
Não, dá, dá. A questão é que, quando estamos a falar a
escala global, nós baseámos em estudos científicos que demonstram o impacto, ou
seja, nas emissões, de determinado perfil de dieta. É essa a comparação.
E, portanto, alinhando, sabendo que determinada região do planeta tem uma dieta
mais equilibrada e, se calhar, mais eco-friendly, amiga do ambiente, alinhando mais
por ali...
José Maria Pimentel
Exatamente, não é? E cada uma delas há uma parte, e no
fundo é o grande valor acrescentado ao vosso exercício, que é calcular
o impacto de uma maneira comparável, e depois cada uma delas depende
do, lá está, do investimento que tenho de falar-vos há bocadinho, mas
também de quão viável ela é na prática. Por exemplo, estava a
pensar na primeira da redução do desperdício e presumo que há já
ali... A curva deve ser relativamente inclinada no início e que deve
haver...
Ineficiências básicas.
Exatamente, fáceis de corrigir e depois a partir de certo ponto já
deve ser muito difícil. Mas não sei onde é que a curva
inflete, não faço ideia.
João Pedro Gouveia
Não, e há muitas temos a parte que toda a gente conhece,
é o que muitas vezes fala da reciclagem, da adoção de tecnologias
mais eficientes, bombas de calor, LEDs, isolamento das casas, são tudo iniciativas
que nós individualmente podemos contribuir. Agora, há outras, se vamos investir em
eólica marítima ou ondas ou vamos apostar na proteção da floresta, a
nível individual é bastante difícil, portanto, Há outras entidades, agentes que têm
esse papel. E, portanto, é esse balanço aqui percebendo que temos que
atuar não só a nível individual como comunidade, tentando criar estas parcerias
de entidades públicas, privadas, de governos, de empresas para realmente apostar em
cada uma das soluções de forma mais acelerada possível.
João Pedro Gouveia
Sim, posso faltar atrás e ir à segunda. A segunda nós falamos
de educação e saúde, na verdade. Porquê? Porque aqui também, lá está,
também não é Uma ideia de fazer uma limitação da população, nem
falar nada desse tipo de medidas, é pensar que realmente nós somos
os cenários de futuro das projeções das Nações Unidas para o crescimento
populacional, seja em fortaleza média ou mais alta, Podemos estar a chegar
a 10 bilhões, 11 bilhões de pessoas. E, portanto, é muito diferente,
ou seja, todo o impacto das alterações climáticas, o consumo de energia,
o consumo de recursos, deriva diretamente, não só do crescimento populacional acentuado,
que tivemos no último século, vá, pouco mais que isso, que depois,
diretamente, liga ao crescimento económico, obviamente, à transição das pessoas de ambiente
rural para ambiente urbano, que consome muito mais recursos. E, portanto, sabendo
que é muito diferente de eu ter 7 bilhões de pessoas, 8,
9, ou 10 ou 11. E, então, nesta ideia é perceber também
que não é dizer que não podemos crescer mais que isto, ser
mais que determinado número, é pensar que dando acesso à educação, à
saúde em diferentes países, em diferentes contextos, onde esses valores, onde essa
ideia de acesso universal à educação e à saúde não existe, não
é? Estamos também a promover que não haja tantos filhos, não haja
as famílias não sejam tão grandes.
João Pedro Gouveia
Está a ser nessa base. Num planeamento familiar, na educação para mais
uma lógica das raparigas normalmente, porque? Porque cerca de 90 milhões de
raparigas no contexto mais até africano e na Ásia não têm acesso
à educação. E, portanto, é claro que nesses contextos, há muitos estudos
que olham para esta dimensão deste assunto, deste tema, que demonstra que
com mais conhecimento, com irem à escola, desenvolverem o seu conhecimento, conseguem
ter mais rendimento e, portanto, por consequência também não precisam ter tantos
filhos e há mais conhecimento na área de planeamento familiar e assim.
E, portanto, é uma ideia e a nossa análise é uma análise
também aí bastante, relativamente simples, porque era difícil de fazer individualmente, que
é analisarmos todas as soluções num cenário médio de crescimento de populacional.
Isto é a nossa referência para o ranking. E depois fizemos o
exercício que é, ok, então agora vamos pegar se tivemos uma taxa
de crescimento populacional no máximo, o que é que isso significava? E
portanto tínhamos o impacto em cada solução do diferencial. Juntámos toda essa
diferença e combinámos no saúde e educação de forma agregada. Portanto, para
dar também esta mensagem que o acesso universal à educação e à
saúde é realmente muito crítico e é preciso promovê-lo em diferentes locais.
João Pedro Gouveia
E esse foi exercício também complexo que tivemos que fazer depois que
era, apesar de analisarmos as soluções individualmente, analisámos sempre a sua interligação
no setor. Por exemplo, se eu estou a integrar isolamento, estou a
promover bombas de calor, equipamentos mais eficientes, ou estou a integrar janelas,
vidros duplos, etc., estou a reduzir as minhas necessidades de consumo de
energia. Quer dizer, então, que no outro lado eu não preciso produzir
tanta eletricidade ou produzir tanta energia e então há aqui este balanço
que era preciso também contabilizar ou seja, a adoção do veículo elétrico
está-me a pedir mais eletricidade mas se eu sou mais eficiente em
alguns sectores está-me a reduzir portanto, fomos contabilizando esse balanço para tentar
de forma mais...
João Pedro Gouveia
Mas sim, mas o que importa aqui, e isso também é ainda
bem que trouxeste isso, porque ponto importante é, Aqui não é tão
relevante se é 49,27 de gigatoneladas de CO2 evitado. É perceber a
dimensão. É perceber que realmente se eu apostar no top 5 ou
no top 10 ou no top 15, são soluções que a escala
global tem muito mais impacto que as causas que andam lá mais
no final de linha. Então acho que é onde nós também devemos
apontar os nossos esforços de forma mais acelerada. Agora, a gestão dos
gases florados é muito curioso. Porquê? Porque, na verdade, no primeiro ranking
todos apareciam primeiro. Isso foi altamente surpreendente também. Porquê? Porque é uma
solução que não é muito falada, não é uma parte do problema
também assim identificada, ou seja, nós ouvimos falar muito dos veículos elétricos,
é do solar, é mesmo de alguma parte agora mais recentemente também
da alimentação e da população, mas de repente gases florados, mas gestão
de gases florados. Explica lá,
João Pedro Gouveia
Sim, são HFCs, são fluorescent gases. Portanto, o que é que são
gases ou gases refrigerados? São dos gases de efeito estufa que tem
impacto de efeito estufa de cerca de 15 mil a 40 mil
vezes uma molécula desses gases comparado com o CO2, com o dióxido
de carbono. E, portanto, de aí terem esse impacto também é porque
realmente uma molécula desses gases que existem é onde? Nos nossos frigoríficos,
nos ar-condicionados. E então o que é que estamos a falar aqui
concretamente nessa fase, nessa solução de gestão? Que é, no fim do
tempo de vida do meu frigorífico ou do ar-condicionado, na maior parte
do mundo não se faz nenhum tratamento, não se faz nenhuma recuperação
daqueles gases. Portanto, deixam-se num aterro, colocam-se na rua, num aterro, vai
parar aterro e vai para a atmosfera. E, portanto, aqui essa solução
concretamente é gerir, fazer uma gestão. Na Europa há muitas leis sobre
isto, mas à escala global lá está. É que há alguns desafios
que à escala europeia mais próxima nos parece. Ah, mas isto não
me parece ser assim grande problema. Mas não. Depois quando olhamos nesta
perspectiva global realmente são. Mas aqui, porquê que passou, agora está em
quarto e porquê que estava em primeiro e deixou de estar? Porquê?
Não tem a ver com os números propriamente dita, com nenhuma alteração,
tem mais
a ver
com a maneira como nós decidimos depois, numa segunda iteração do ranking,
pensar sobre as soluções. Então o que é que fizemos? Dividimos a
solução em duas. Que originalmente era tudo. E o que era tudo?
Era a gestão e alternativas.
Estou a ver aqui, sim.
Gás alternativos. E, portanto...
João Pedro Gouveia
Sim. Porquê é que isto nos fez sentido? Faz mais ou menos
a mesma lógica de nós não termos o solar como todo. Há
quatro tipos de soluções de solar. Há o solar térmico, que é
para as nossas habitações, para aquecer a água, que tem contexto. E
depois, por exemplo, para a produção de eletricidade temos três tecnologias diferentes
que são três soluções. O solar fotovoltaico descentralizado, para os nossos telhados
e assim. O solar fotovoltaico centralizado, as grandes centrais, e depois o
CSP ou o solar de concentração. É uma tecnologia diferente. Porquê que
isto é relevante? E o mesmo se passa aqui com estas duas
soluções dos gases refrigerados. É que são diferentes, lá está, podem ser
diferentes políticas, podem ser diferentes esquemas de alterar, pode ser uma inovação
tecnológica, são diferentes agentes de atuação. Enquanto no solar, exemplo, o solar
fotovoltaico descentralizado, eu e tu podemos decidir se queremos pôr na nossa
casa, há uma determinada dinâmica regulamentar, há uma determinada dinâmica de financiamento
e de apoio e de conhecimento.
Mas não
sou eu que vou decidir se no Alentejo vão estar 200 hectares
de selar centralizado. O mesmo se passa aqui, que é nós identificando
problema, que é a gestão, a solução pode ser, por lado, me
gerir melhor o que temos, por outro é, ok, se estes gajos
não fazem sentido, onde é que está a alternativa? Amónia, mesmo o
dióxido de carbono surge como alternativa. E, portanto, é pensar que... E
por isso é que também é importante perceber que o ranking dá
uma escala de impacto, mas não é muito importante se é o
4º ou 5º. Porque isso também depende muito da maneira como nós
criamos as fronteiras
ao que
estamos ali a tratar, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim. Esse é bom ponto. É isso e depois o facto
de, em alguns casos, serem medidas alternativas e em outros casos medidas
complementares. Portanto, há cenários em que tu podes, em que tu poderias
ter a redução do desperdício, uma dieta mais vegetal, plenamente familiar e
se calhar a redução ou a melhoria da gestão destes gases e
eu tenho que ter isso e aquilo tudo, mas ao invés de
ser a melhoria do sistema dos gases, tinham-se os gases alternativos, porque
são medidas substitutas, não são complementares, enquanto há uma série de outras,
como estas que eu listei agora, que são complementares.
João Pedro Gouveia
Sim, e isso também, quando olhamos para o ranking total e olhamos
até depois por setores, é interessante perceber, E trago o exemplo talvez
dos transportes e da mobilidade. Nós temos soluções que é a alteração,
por exemplo, da fonte de energia, do combustível, ou seja, quando falamos
do veículo elétrico, dos carros elétricos, falamos de uma alteração do que
é veículo com combustão interna, carro a gás óleo, para uma substituição
direta para carro elétrico. E aqui é uma transformação, é uma dinâmica
de eficiência, porque alteramos combustível que é muito impactante. Depois, quando falamos
de soluções que temos, melhorar a eficiência associada ao transporte marítimo, mercadorias,
por exemplo, ou aumentar a eficiência dos aviões, na aviação. Tudo que
é eficiência tem impacto normalmente menos significativo. Pode ser mais rápido de
atuar, mas acaba por ter uma transformação grande, uma tecnologia por outra,
não é? Isso também é interessante perceber nos detalhes, ver que determinadas
soluções que não são transformativas, são só marginais, não é? De evolução
marginal ou
João Pedro Gouveia
Sim, numa lógica de evolução incremental. Por exemplo, uma das soluções que,
na verdade, acaba por ter impacto relevante e que nós já hoje,
durante o nosso dia a dia, temos, que é a iluminação LED.
Iluminação LED tem aumento de eficiência de quase 90% face ao que
eram as lâmpadas fluorescentes compactas e até mais, mais para trás, até
esses valores com as incandescentes. Isso foi uma coisa que se calhar
há 10 anos nós pensávamos, e hoje há muito tempo que olho
para cenários de futuro, e que era, vai ser muito caro, vai
demorar, mas na verdade não, não é? Nós agora vamos a qualquer
loja e conseguimos comprar quase ao lado do xampão, está uma lâmpada
relativamente barata que conseguimos trazer. E eu acho que essa dinâmica acontece
já em outras tecnologias como o solar fotovoltaico. Eu tenho esperança, mais
do que esperança, na realidade com dados, que é que aconteça o
mesmo com as baterias, que possa potencialmente vir a acontecer o mesmo
de forma mais acentuada com os veículos elétricos ou com as boas
de calor ou com o isolamento, tudo, tecnologias, tudo, situações que são
muito importantes para a transição e que têm de ser promovidas. Agora,
também acho que ponto importante trazer aqui é que não há nenhuma
solução que não tenha impacto. Isto é muito importante quando nós pensamos
em alternativas. Porquê? Porque se a nossa ideia como sociedade é mudarmos
milhão de carros a gasóleo por milhão de carros elétricos, isto não
vai correr bem. Talvez resolvemos problema das emissões a certa do uso,
mas em consumo de recursos, em problemas de destruição de ecossistemas e
assim, continua.
Continua ou agrava.
Continua ou agrava, depende da tecnologia que estamos a falar. Mas é
muito importante esta ideia de agora vou tirar o carvão e o
medo solar. Não tem impacto. Não tem impacto. É impacto muito menor
e por isso é que são apresentadas como soluções e como alternativas
de futuro porque a situação que temos, já demonstramos no princípio da
conversa, fez-nos chegar onde estamos. Portanto, isto não... Temos que mudar, temos
que transformar. Agora, que a transformação também é que a reta custa,
também tem desigualdades, também tem desafios, claramente tem e é preciso também
pensarmos é nisso, é que quando estamos a fazer alguma política, quando
estamos a fazer algum investimento, estar conscientes de toda, digamos, uma integração
de problema, da multidimensionalidade, ou seja, não podemos só olhar para uma
dimensão, olhar para o benefício ambiental. Então, mas o social e o
económico, a que custa? É que as coisas se fazem e depois
é fazer a que é esta conta. Justifica-se? Sim, justifica-se porque tem
benefícios locais, tem impacto relevante, pronto, então é avançar. Mas é preciso
pensar, as vezes os políticos e quem decide, olha só para uma
dimensão.
José Maria Pimentel
E tem uma série de incertezas que tu só vais percebendo, e
esse exemplo dos LEDs é bom, à medida que vais implementando. Esta
análise é começo de conversa e depois tu vais percebendo ao implementar
cada medida, quão viável ela é, que o efeito secundário é que
tem, qual é o potencial que tem, na verdade, comparativamente com o
outro. Em alguns casos, se calhar, vai ter menos do que se
esperava. Em outros, de repente, há uma mudança tecnológica e as coisas
correm melhor.
João Pedro Gouveia
Exatamente. E então isso acho que dá uma ideia também importante que
é, nós não podemos escolher à priori cavalos de corrida vencedores. Porquê?
Porque podem existir desafios e, portanto, podemos entrar por caminhos pouco complicados
como estamos com os combustíveis fósseis, que é, se de hoje para
amanhã toda a produção de eletricidade vai ser solar ou eólica, mas
de onde é que vem o silício? De onde é que vêm
os materiais? Se calhar deixamos de estar dependentes dos países produtores de
petróleo e estamos dependentes dos países produtores de lítio ou do que
seja. E, portanto, esta diversidade e a necessidade de continuarmos a avançar
inovação tecnológica em áreas que se calhar à partida não são, não
está já aqui à vista, não é? É muito importante. E isso
liga com aquilo que eu há pouco estava a conversar de uma
ideia de linhas de ação que é, primeiro temos coisas mais prioritárias
mas mais fáceis de implementar, depois talvez escalar as tecnologias que já
sabemos que existem e que funcionam, mas sempre aqui numa linha paralela,
continuar a investigação de novas tecnologias, novas ideias, porque daqui a 20,
daqui a 30 anos, calhar são essas que vão ser as vencedoras
e que são aquelas que temos que dinamizar para a promoção desta
transformação.
João Pedro Gouveia
Sim, porque o nosso desafio também foi, e era uma, digamos, uma
premissa base é que vamos selecionar, identificar e depois trabalhar sobre medidas
e sobre soluções que existam. Podem estar em diferentes níveis de maturidade.
Por exemplo, nós temos, faz parte do nosso ranking, da nossa análise,
energia das ondas, o uso para a produção de eletricidade de energia
das ondas. Mas é uma tecnologia que está ainda em fase muito
preliminar de desenvolvimento. Ainda temos vários tipos de protótipos, em termos de
mecânica, em termos de funcionamento, ainda não há a tal tecnologia vencedora.
Mas eu vejo essa tecnologia como bastante potencial futuro. Perguntas. Nos próximos
5 anos? Não, nos próximos 10 também acho que não, mas daqui
a 20 talvez, ou daqui a 30.
João Pedro Gouveia
Não, o que nós fazemos, e isso também é ponto importante, é
que nós, como é óbvio não somos donos da verdade da absoluta
de todos os temas, a equipa era muito extensa, quase 100 pessoas,
de diferentes países que trabalharam em conjunto e especialistas de diferentes áreas,
mas a base sempre foi a investigação científica que experts de várias
áreas, em diferentes contextos, faziam. Nós o que trouxemos foi essa informação
e trouxemos e agregámos-la e fazemos essa análise. E, portanto, quando nós
olhamos para estes cenários futuros, fomos olhar para o que é que
diziam vários estudos de projeção, cenários diferenciados de se chegarmos ao grau
e meio, ou a dois graus, ou a três, ou sermos mais
ambiciosos em termos de metas ou de investimento, quais é que eram
as gamas de adoção de determinadas tecnologias e depois analisamos em conjunto.
O solar e o eólico representam grande parte da solução, por exemplo,
à produção de eletricidade, mas depois temos outras, geotérmica em determinados contextos,
não é à escala global, é onde há esse potencial, as ondas
a caminharem mais lá para a frente a terem papel talvez relevante.
Portanto, mix de eletricidade diferente do que temos hoje.
João Pedro Gouveia
Não, há uma evolução tecnológica com base não só no passado, mas
no que é identificado com outras tecnologias, em que, pelo que vemos,
em termos de custos e em termos de investimento, e é o
que em termos internacionais, em vários estudos orientados para este tema falam
é o solar fotovoltaico vai ter papel crítico no sistema elétrico, como
o eólico onshore, o eólico terrestre. Tudo o resto é pouco... Depende
da evolução, por exemplo, do floating em Portugal, do offshore do eólico
ou das ondas. Essas duas tecnologias são as principais que necessitam mais
desenvolvimento.
José Maria Pimentel
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a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon,
bem como os benefícios associados a cada modalidade. E olha, antes de
irmos à energia, enfim, ao solar, a eólica e outros, enfim, eu
depois não vou percorrer a lista, quem tiver curiosidade pode encontrar isto
tudo no site, mas há uma que ainda não falámos, sobretudo porque
corresponde a uma categoria de quem ainda não falámos, que é a
reflucitação, que corresponde à categoria de, não de diminuição de emissões, mas
de captura de carbono. E portanto é interessante porque é ponto que
não falámos, falámos há bocadinho, e aqui tu há bocado destes valores
para as emissões de carbono, por ser autor, atualmente como é que
é o cenário do outro lado da moeda, como é que é
o cenário da captura de carbono. O que é que nós temos
e o que é que podemos vir a ter?
João Pedro Gouveia
Sim, mais ou menos, e depois vai variando ano para ano, estes
são valores de referência, cerca de 20 a 25% das emissões são
capturadas pelos ecossistemas terrestres, não é só florestas, estamos a falar de
ecossistemas diferenciados, não é só a floresta tropical que faz captura de
CO2, de óxido de carbono. E Depois o restante, cerca dos 40%,
20% a 25% também, depende, nos oceanos e nas zonas costeiras. Então
aqui é esta dinâmica, também este pensamento, que as soluções apontam para
isso é aumentarmos a capacidade dos ecossistemas de capturarem CO2, de capturarem
dióxido de carbono. É esta a dinâmica e, portanto, isto tem dois
caminhos. É, por exemplo, zonas, áreas abandonadas, promover uma reflorestação ou uma
plantação de bambu, por exemplo, também temos como solução. É, digamos assim,
aumentar o potencial do planeta de capturar CO2. Então, na parte do
armazenamento da captura, digamos assim, aumentá-lo na parte natural. E, evitando, portanto,
uma das soluções também que está relacionada com a floresta é a
conservação da floresta, que é não desflorestar.
Porque se eu estou
a desflorestar, estou a aumentar as emissões. Portanto, isto tem a capturar
as duas vantagens, que é, se eu protejo a floresta e a
amplifico, por lado não emito e por outro lado aumenta a captura.
José Maria Pimentel
Exatamente, sim, sim. E quando mandas uma floresta abaixo, era aquilo que
falámos há bocado, não é? Estás a mandar para a atmosfera que
estava lá guardada e estás a diminuir o potencial para a frente
de continuar a capturar. Mas, portanto, não falando ainda de soluções de
geoengenharia, depois que estivermos a falar disso, basicamente o que nós temos
enquanto soluções atuais existentes são as florestas, os solos, ou seja, no
fundo é... É parte natural dos ecossistemas naturais. Porque os oceanos, tu
falaste dos oceanos, mas os oceanos não há mais nada a fazer,
não é?
João Pedro Gouveia
aí estamos a dinamizar várias coisas, a criar novos ecossistemas para a
vida marinha, não é? E depois podemos aqui, claro que isto são
coisas que precisam de investimento e portanto têm que ter produto acessório,
não é coproduto, em que as algas em diferentes partes do planeta,
incluindo nós já também, servem para alimentação, servem para cosméticos, mas estão
também a promover que o oceano seja mais saudável com maior potencialidade
de captura de CO2. E, portanto, é esta a ideia também. Interessante.
João Pedro Gouveia
Interessante. E, portanto, depois de alinhar com a temperatura dos oceanos e
etc. Mas há algumas coisas. Quando olhamos para os oceanos também e
nós começamos a alargar bocadinho o âmbito de impacto e de análise
é olhar, por exemplo, para a parte da aquacultura e da pesca.
A pesca selvagem, digamos assim, tem impacto não só nos barcos, mas
também na consequência que isso tem na perda de biodiversidade. E, portanto,
também começamos a olhar para essas dimensões. Como na área da indústria,
começamos a olhar também para o que é a indústria da moda,
por exemplo, que é muito impactante, não só no consumo de água,
nos recursos de algodão, tudo isto é muito relevante.
José Maria Pimentel
Boa. Então vamos à energia, que acho que é tema que interessa
a muita gente, eu incluído. Basicamente, se nós quisermos chegar à naturalidade
carbónica, enfim, pelos cenários que eu vi, teríamos de ter 85, 90%
de energia limpa, produzida, não é? Quer dizer, é mais ou menos
isto que estamos a falar, não é?
João Pedro Gouveia
Tem mais a ver com uma ideia que é, se eu uso
gás, eu se calhar em muitos contextos posso substituir por eletricidade, e
eletricidade sendo renovável. Se eu precisar de uma indústria, e aqui é
o problema às vezes que está mais nas indústrias, que é se
numa indústria eu preciso de muito calor, a eletricidade não funciona e,
portanto, preciso mesmo de ter que queimar alguma coisa. Então aqui temos
que encontrar outras alternativas e ou mudamos o material, Quando pensamos, por
exemplo, no cimento, se calhar o futuro não é o cimento. O
futuro da construção pode ser outro material qualquer.
João Pedro Gouveia
É desafio para o cimento que tem que se reinventar e tem
vindo a fazer, em alguns contextos, perceber como é que podem integrar
outros materiais, por exemplo, na produção de cimento e depois do botão
e assim, mas também, se calhar, em termos globais, é alterar. Portanto,
este material não funciona, mas procuram novo que tenha menos impacto e
isso acontece. Agora, o que é que nós como sociedade temos que
fazer? É pensar nisto como se fosse uma balança. Por lado, se
eu tenho as fontes emissoras, eu quero reduzir as fontes emissoras a
zero ou mais perto de zero. No outro lado da balança, para
dar este equilíbrio, eu quero pelo menos preservar o que tenho em
termos de ecossistemas naturais ou aumentar. E portanto, a partir do momento
que isto fica, o lado esquerdo e o lado direito ficam equilibrados,
estou naquela ideia de neutralidade climática, neutralidade carbónica. A partir do momento
que eu tenho o lado direito, portanto, do sequestro maior, estou a
melhorar aqui e estou a ter este impacto positivo.
João Pedro Gouveia
de deixar de usar. É o desafio de diferenciação. Eu vou completar
essa ideia. Porquê? Porque quando olhamos para a produção da eletricidade, eu
diria que atualmente já existem, grande parte das tecnologias que podem ter
papel de transformação, de eu conseguir reduzir tudo o que é as
emissões associadas à produção da eletricidade por combustíveis fósseis. No entanto, é
bom exemplo, os transportes a determinadas áreas que pode ser mais difícil
e com as tecnologias e com o que conhecemos agora não parece
muito óbvio como é que eu consigo ter 100% sem emissões. O
mesmo acontece em algumas indústrias. É perceber onde é que eu consigo
atuar de forma mais rápida, para depois, em outras, tem que se
encontrar outras alternativas. Por isso é que mesmo... E aí liga bocadinho
a ideia da geoengenharia e de usar a tecnologia de sequestro. Não
ser a parte natural, mas ser a engenharia para essa componente. Que
é, se calhar, e os cenários futuros, que estão muitos no IPCC
com essa indicação, é que nós realmente se calhar somos conseguidos chegar
a esse objetivo global com o recurso de tecnologias. Agora, sequestro
é isso?
Sequestro.
José Maria Pimentel
Mas já lá vamos ao sequestro. Ok, também. Desculpa, era só para
manter isto compartimentalizado. Porque a energia, tem aqui muitos sub-temas, não é?
Pelo que eu percebi do que tu estavas a dizer há bocado,
tu achas que o grosso da solução, pelo menos com as tecnologias
atuais, vem do solar, bem, em detrimento de várias outras, mas desde
logo em trimento de eólica. Ou seja, tu achas que o solar
tem maior potencial de crescimento. Nas suas várias vertentes que falaste há
bocadinho, seja os painéis solares que nós temos em casa, ou aqueles
campos, enfim, não sei como é que isso se chama, que tens
uma série de painéis no... Uma... Central de produção, no fundo, é
assim.
João Pedro Gouveia
Não é fotovoltaico. Não é com panéis fotovoltaicos. É com sal. É
molten salt. Basicamente é criação de calor. Depois uma turbina com base
no sol, aquece esse sal como uma mistura, que depois liberta... É
uma turbina de vapor depois também, produz eletricidade. Existe nos Estados Unidos,
existe no norte de África alguns exemplos, existe em Espanha alguns exemplos
também, pressão de muita água para a refrigeração, pressão de muita área,
o que é que tem-se visto? É que o solar fotovoltaico parece
ser mais competitivo e, portanto, a aposta está mais no solar fotovoltaico.
No entanto, em alguns contextos pode fazer sentido e, portanto, é preciso...
E porquê
João Pedro Gouveia
Não, eu acho que, na verdade, eles podem vir a ter papel
muito semelhante, muito parecido. Agora, é perceber como é que elas vão
se desenvolver, porque é muito mais fácil nós conseguirmos… lá está, depende,
como é que em termos de regulação, de integração dos cidadãos, hoje
fala-se muito também de comunidades de energia e assim, como é que
vamos conseguir criar uma dinâmica de transformação nas nossas casas, por exemplo,
de integração do solar? Por outro lado, o que é que vai
acontecer ao eólico offshore, ao marítimo? E, portanto, para dizer assim, o
eólico vai ser melhor que o solar como todo ou o contrário?
Não sabemos bem. Há vários cenários que dão indicações diferentes, mas que
as duas vão ser, na minha opinião, as principais fontes de produção
de eletricidade, vão.
João Pedro Gouveia
Sim, na verdade é a força do oceano, força do mar. Acaba
por ser, porque há muita investigação, até em Portugal, no Reino Unido,
na Escócia, há várias áreas ali na Irlanda, no Atlântico, que têm
desenvolvido e tentado desenvolver várias tecnologias, há vários consórcios que exploram essas
tecnologias. E o que acontece é que acaba por ter muita evolução,
mas, por lado, ainda tem custo elevado. Por outro, estamos ainda num
nível, na minha opinião, de pouco de prototipagem, que é, ainda não
sabemos bem qual é aquele tipo de mecânica que pode ser útil
para, de forma mais eficiente e que aguente a força do mar,
digamos assim. Já temos exemplos em Portugal também de projeto que se
chamava Pelamis, que era uma cobra de forma simplificada no topo que
capturava a eletricidade com este movimento das ondas. Pois é que eu
ia perguntar isso. Temos alguns casos, no fundo, que são oscilobotentes. Há
várias aqui, temperatura... Portanto, ainda estamos nesta fase de perceber qual é
que pode ser a tecnologia. Por isso é que é preciso investir
mais em inovação.
João Pedro Gouveia
Algumas têm a ver com o movimento, outras não. Lá está. É
que ainda estamos nessa fase de experimentar quais é que podem ser
as tecnologias que aguentam a força do mar. Porque isto é muito
importante, porque muitos projetos neste nível, e também é parcialmente o desafio
do EOLI com offshore, é os invernos, a força das ondas. Ou
seja, vamos lá, passado o mês já não está lá nada, já
foi tudo destruído. E, portanto, há este desafio e, portanto, por isso
é que o custo de investimento e o dinheiro necessário é maior
ali porque há desafio muito grande em termos de impacto. E depois,
também, a lógica depois do acesso às redes, de toda a cabulagem,
da ligação e os problemas que pode vir a ter na vida
marinha. Portanto, há aqui algumas regras que têm que ser cumpridas, que
tem-se desenvolvida uma inovação e regulamentação nessa linha, mas que se pensarmos
como uma entidade, ou uma empresa, vou escolher o quê? Vou investir
em solar ou vou investir em ondas? Não, mas o solar é
muito mais barato que ondas, vou apostar aqui nestes leilões, por exemplo,
não é nos outros.
João Pedro Gouveia
Sim, está por duas coisas. Uma, e aqui a minha opinião também
pessoal, pouco, que é, faz sentido usar as centrais que temos. O
que existe, o que está instalado faz sentido. O que é que
temos vindo a assistir também? É que muitas das novas centrais que
têm vindo a aparecer têm atraso na construção enorme, têm investimento orçamentado
altamente não cumprido, não é? Temos investimento muito superior ao que era
orçamentado. Sim, acontecem todas. E, portanto, acho que não são tecnologias que
alinham com esta necessidade de transição, de descentralização, de democratização do acesso
à energia. E, então, até com riscos mais acentuados. Nós vimos, já
nem falo mais para trás de Fukushima e assim, mas mesmo mais
recentemente em Zaporozhye, na Ucrânia, naquelas semanas que havia aquele problema ali
à volta, que se via que havia uma tensão. Porquê? Porque temos
sítio com risco potencial, mas que é sítio onde está a produção
de eletricidade. Comparando isso, contemos centenas, milhares de painéis em nossas casas,
painéis selados em nossas casas, o risco, mesmo o desafio, não só
nesta questão de guerra, mas de impactos a alterações climáticas, de repente
se há uma cheia, se há incêndio, estamos muito mais dependentes de
sítio, que é isso que também queremos mudar. Agora também tínhamos sítio
com uma central de carvão ou outro com uma central de gás.
Portanto, há aqui várias questões em relação ao nuclear. Depois, em relação
aos cálculos que nós fizemos, eu relembro que o que nós fazemos
é a evolução nos próximos 30 anos face ao atual. E, portanto,
atualmente o nuclear, agora assim de cabeça, eu acho que anda ali
nos 12, 15% não sei se tanto da produção de eletricidade à
escala global. E portanto o que nós perspectivamos olhando para vários cenários
é que este crescimento não vai ser tão grande assim. E então
se eu comparo com a referência não tenho tanto impacto. É basicamente
isso. Ou seja, se eu mantiver os 15% de produção de eletricidade
e não crescer, fiquem na mesma, não tenho impacto futuro porque é
o impacto que eu tenho atualmente já.
João Pedro Gouveia
Mas não é bem, está mais associado ao potencial do que à
nossa opção. Portanto, se fôssemos ver combinado, e foi o que nós
fizemos, 40, 50 estudos que se calhar mostram 100 cenários de evolução
dos sistemas elétricos à escala global, muito poucos dão crescimento muito significativo
nuclear, não é verdade? E, portanto, com esta lógica e sabendo que
há outras tecnologias que, para nós, não é para nós, mas faz
muito mais sentido em termos de, como eu estava a dizer, da
democratização, do acesso às pessoas.
José Maria Pimentel
Então, mas vocês... Ou seja, a questão da segurança é evidente, não
é? Embora muitas vezes seja exagerada, é claro que é evidente que
é problema potencial de tu teres uma central nuclear que pode ser
numa situação de guerra como aquela. Agora, deixando isso pouco de lado,
tendo em conta depois outras questões, como o facto do nuclear ter
outras vantagens, porque não tenho até certeza ao nível dos materiais que
requer como estas tecnologias mais novas, não é? Portanto, tem menos nesse
sentido, menos impacto no meio ambiente e nos recursos que faz isso,
que é uma vantagem, faça algumas renováveis como por exemplo o solar.
Não seria interessante ter uma estratégia diversificada em que tu... Bocadinho de
ao contrário daquilo que tu falavas há bocadinho, não é? Que não
punhas os ovos todos no mesmo cesto, não é? Vais apostando em
todas as tecnologias... Obviamente... Eu sou capaz de fazer episódio sobre isso,
mas... Não sei o que é que o convidado irá nessa altura,
mas acho que ninguém defende apostar só no nuclear, não é? Até
pela estrada, porque todas as tecnologias têm a certeza, mesmo o nuclear
que já existe há muito tempo, e o facto das centrais estarem
a demorar mais tempo do que o previsto a construir, enfim, é
em si mesmo uma forma de incerteza. Mas não faria sentido pôr
os ovos em vários cestos, não é?
João Pedro Gouveia
Mas isso, na verdade, acaba por acontecer. O que nós temos que
pensar é que não há uma entidade global que decide como é
que é o sistema elétrico a nível global. E, portanto, o que
é que temos que fazer? E é o que se faz, é
que cada país olha e vê as suas alternativas.
E, por
exemplo, quando nós olhamos para o contexto, vamos pegar em Portugal que
é mais fácil, olhamos para o contexto português, Temos já atualmente 60
a 70% de eletricidade que vem de fontes renováveis, que temos potencial
de crescimento. Portugal é o país da Europa com mais horas de
solo. Somos dos países que menos têm aproveitado o solar fotovoltaico. Num
contexto de autonomia, de independência energética, de uso dos recursos que temos
atualmente, não tem, em Portugal então, não tem cabimento nenhum a prestar
em centrais, em uma central nuclear.
João Pedro Gouveia
Claro, mas a questão aqui é que num caso de determinadas regiões
depende do seu contexto. Portugal não pode exportar, tem uma limitação, tem
que passar por Espanha e até onde nos Pirinelos cria-se essa discussão
constantemente na Europa. Porquê? Porque França tem nuclear e tem esse pensamento
também. E, portanto, o que é que nós também vemos? Basta olhar.
Últimas semanas, no inverno, no problema do inverno que foi tão grave
em termos de impacto nas populações e nos preços de energia assim,
que tudo o que dependia, por exemplo, do gás, neste caso da
Rússia concretamente, E quando olhamos para Portugal e para a Espanha, com
uma capacidade de energia renovável que têm, não teve menos impacto no
preço da eletricidade. Ainda agora, últimas semanas, últimos dias, é quase preço
zero.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Não, não. Portanto... Isso eu não estou a por
isso. É evidente que é ótimo. Não,
não, claro. Agora...
Eu digo, é quase como tu ires para uma guerra e dispensar
alguns soldados, não é? Quer dizer, sobretudo, havendo incerteza daqueles que vão
ficar doentes ou daqueles que têm mais capacidade do que outros, não
é? Estar a deixar de lado. Ou seja, eu entendo que haja
uma discussão de até que ponto é que tu deves apostar, não
é? Mas apostar zero, ou seja, não construir... Então vou falar a
nível global, não necessariamente de Portugal.
João Pedro Gouveia
Mas isso é diferente, porque aí nós temos que olhar para o
potencial que cada país tem dos seus recursos. Se fôssemos olhar para
a Polónia, a Polónia usa, não tem muito potencial de energias renováveis,
usa muito carvão. Quais é que são as alternativas? Não tem muitas.
E tem exemplo que se calhar pode, em algum contexto, fazer sentido.
Agora, olhando para as alternativas em cima da mesa, olhando para os
custos que têm, olhando para os impactos potenciais, olhando para a velocidade
de transformação, o que nos mostra, os dados que nos mostram, é
que não parece ser muito viável também a tecnologia que temos atualmente.
Pois há conversas de tecnologias mais para a frente podem aparecer, mas
esta conversa de nuclear alternativo tem 60, 70 anos, sempre com esta
ideia de agora é que vai aparecer. E demora a aparecer. Ou
seja, esta ideia de uma tecnologia de futuro que nos vai salvar
é uma má prática também porque nós também queremos transformar o pensamento
face a esta área, transformar a economia, dinamizar as pessoas e portanto
tudo o que podemos fazer de forma mais aberta é o ideal.
José Maria Pimentel
Sim, a fusão era ótimo, mas não... Para caso fiz episódio sobre
isso, mas não tinha que perguntar isso porque se ninguém faz ideia
ainda. E depois há a questão da produção de energia e depois
da maneira como ela é utilizada e aí tu tens, basicamente pelo
que eu percebo, por exemplo, em veículos tu tens a hipótese de
converter em eletricidade, que depois fica armazenada uma bateria, ou a questão
do hidrogênio, que é muito falado há uns anos. Qual é verdadeiramente
o potencial do hidrogênio? Na tua opinião, não é?
João Pedro Gouveia
Não, é como a eletricidade. Como ela é armazenada. É vetor.
É
vetor, exatamente. É vetor. E portanto, aqui é muito importante. Agora, ou
seja, se estamos a... É a mesma ideia da eletricidade. Se eu
tenho carro elétrico mas estou a produzir com carvão, tem menor impacto
se eu estiver a produzir com energias renováveis. E o hidrogênio é
exatamente a mesma coisa. Se eu estou a produzir hidrogênio de combustíveis
fósseis, não é uma vantagem como potencialmente pode ser o hidrogênio com
energias renováveis. E aí é que está também a conversa, que é
muito importante. A ideia de nós integrarmos muito mais, incorporarmos energias renováveis
no nosso mix de eletricidade em alturas de excesso de produção, que
lá está, não podemos controlar, o hidrogênio, as baterias podem surgir com
este equilíbrio do sistema. Portanto, eu acho que pode ter potencial, eu
acho que, na minha opinião, não vai competir com, e pelos dados
que têm visto, não vai propriamente competir com os veículos elétricos de
passageiros, ou seja, nós se calhar não vamos ter veículo hidrogênio, mas
faz-nos mal o que estava a dizer. Mas caminhões, hidrogênio. Caminhões, a
mercadoria, veículos pesados, mais longa distância, que precisam de mais capacidade também,
talvez a parte marítima, potencialmente a aviação, ou seja, vejo mais a
funcionar aí. E depois, claro, em algumas indústrias, para a queima do
hidrogênio lá está, para aquela parte do calor necessário. Portanto, não há
de ser transversal até porque é pensar assim, aqui no hidrogênio, vamos
até olhar para a mobilidade, não estamos a pensar que é só
eu trocar carro a gás a óleo para hidrogênio. Porque enquanto eu
faço, eu posso ter esse pensamento de eletricidade e toda a gente
tem eletricidade em casa, há uma rede elétrica estruturada na Europa, em
Portugal, quando eu olho para o hidrogênio tinha que criar essa infraestrutura.
Portanto, tem custo adicional muito superior. Portanto, Há este equilíbrio todo que
é preciso ter atenção. Eu acho que há de ser mais aqui
em alguns locais, em algum nicho e em alguns contextos.
João Pedro Gouveia
Sim, é uma maneira diferente. Na verdade, também, nós quando começámos a
ver há alguns anos os veículos elétricos, as baterias duravam, eram 0,5
km, 50, 100, 150 e de repente temos, facilmente, temos carros, não
é, só o Tesla ou outros, que chegam a 700 km de
autonomia e, portanto, aqui pode não estar tanto por aí. Eu acho
que é mais aquela ideia da diversidade, não é? É explorar. Depois
depende da evolução dos custos, do que vai acontecer. Eu acho que
é explorar as duas. E depois ver onde é que é que
para. Porque podemos chegar a uma transformação tecnológica tão rápida que os
veículos de hidrogênio podem ser muito mais baratos que os outros e,
portanto, ganharam e avançam-se por aí. Isso sempre assim, não é?
Sim, por ora não parece ser
o caso.
João Pedro Gouveia
Não é só incerteza, é aquela ideia que parte do nosso problema
tem a ver com a dinâmica de economia, da extração de combustíveis
fósseis, de todo o impacto que isso tem. Numa ideia que se
encontramos uma tecnologia, que nesta APA aparece de forma significativa, que nos,
por exemplo, consiga capturar numa chaminé de uma central a carvão ou
de uma indústria. Essas emissões, para além de terem custo energético muito
acentuado, há alguns pilotos e protótipos pequeninos que demonstram que há acréscimo
de gasto, mantemos a ideia de extração de recursos e de combustíveis
fósseis do planeta. Portanto, não há uma transformação para energias renováveis ou
assim porque podemos manter tudo como está. Isso é o ideal para
o lobby dos combustíveis fósseis. Mas
porquê que isso é mau?
Está tudo bem? Não, porque atualmente já vemos, mostramos no princípio, que
chegamos a ponto com muito impacto e derivado à cama de combustíveis
fósseis. Portanto, a ideia de eu continuar a poder extrair petróleo de
areias bituminosas no Canadá com uns forços energéticos gigantes já na altura
para tirar bocado de terra, petróleo, que depois venho a usá-lo numa
indústria ou que estou a extrair carvão em condições de impacto igual
ou muito pior do que também estou a extrair lítio, ou outra
provavelmente muito pior do que extraio novos materiais que são tão criticados
ou tão comentados nas novas tecnologias energéticas. E portanto, se a ideia
for, posso manter tudo como está, posso usar o carvão que eu
quiser, posso usar o gás que eu quiser, que depois no fim
de linha, no final de uma central ou assim, eu consigo fazer
a captura de parte desse CO2, mas consigo fazer a captura e
depois preciso armazená-lo nalgum lado, que tem riscos ou tem problemas.
João Pedro Gouveia
Não é só isso, é que não conseguimos mudar efetivamente sistema para
sistema que impacte positivamente o planeta, porque afinal podemos manter tudo como
está. E depois olhando, Não há nenhuma tecnologia, ou seja, agora assim
o número de cabeça é por aqui, que é em todas as
centrais, em todos os pilotos que existem de captura de CO2 nas
indústrias e nas fábricas e nas centrais, capturam ao longo de ano
as emissões de dia. Portanto, estamos muito longe. E já se meteram
muitos milhões de euros nestas tecnologias. E, portanto, o que é que
isto demonstra? Demonstra que não podemos esperar, ou seja, não podemos manter
o status quo que temos de desenvolvimento económico e de extração de
combustíveis fósseis e na economia da energia, digamos assim, como estamos? Porque
a ideia não pode ser, olha, agora vou esperar 20 anos, podemos
ficar aqui parados, daqui a 20 anos pode aparecer alguma tecnologia relevante.
Ah, pois, pois.
Isso não funciona. Essa ideia do silver bullet, seja para o que
for, não funciona. E portanto temos que desde hoje pegar no que
existe realmente o terreno e escalá-lo. E esse aqui é o tal
desafio. É a mesma coisa da ideia de uma tecnologia que é
captura direta de carbono do ar. Em inglês é DACS, Direct Air
Capture. Isto é tipo aspirador que puxa o ar e há algumas
empresas que tentam perceber como é que isto funciona, mas estamos neste
nível. Portanto, o que é que acontece? E na verdade, quando olhamos
para os cenários do IPCC, quando olhamos para os cenários do futuro,
para 2050 e assim, essas tecnologias podem ter papel relevante naquele balanço
para tentar chegar ao zero das emissões. A que custa? Muito acentuado.
Primeiro aparece tudo o resto. Aparece o isolamento, aparecem tecnologias renováveis, aparecem
as lâmpadas, bombas de calor, veículos de sudo e mais alguma coisa,
porque em alguns contextos pode fazer sentido. E aqui é que esses
cenários todos do futuro demonstram também que é. Eu transformei a maioria
dos sectores, consigo transformar a maioria dos sectores, mas há alguns que
são difíceis. E é nesses que são difíceis que eu vou usar
aqui e ali essas tecnologias de captura e sequestro de carbono.
Exato, sim.
Não é em todo o lado, não é manter tudo o que
temos e continuar.
José Maria Pimentel
Sim, porque não é preciso fazer mudanças de divisores. Há aqui uma
tensão e eu acho que vocês tomam uma posição nessa tensão, que
eu acho que é legítima. Ou seja, é bom ser transparente, acho
que é perfeitamente legítima que há uma tensão entre tu considerares que
o que existe são as soluções atuais e portanto isso vai requerer
esforço maior de alteração de hábitos falámos aqui de uma série de
coisas, não é? Transformação energética para as tecnologias que já existem uma
dieta mais baseada em vegetais menos desperdício e tudo mais e depois
há o outro cenário em que tu confias que tecnologia pode resolver
o problema e pode ser nestas áreas todas, pode ser porque de
repente surge fusão nuclear, pode ser porque consegues capturar carbono, pode ser
que nesses cenários de mais deficiência científica e aí requeriria menos alterações,
Menos alterações aos indivíduos e menos alterações a esses lobbies que tu
falavas, não é? No fundo, que os incumbentes, não é? Que beneficiam...
E na verdade nós não sabemos o que é que vai acontecer,
não é? E vocês tomam partido pelo primeiro cenário?
João Pedro Gouveia
Mas, porquê? A lógica é... O... A outro lado é válido. É
válido é a médio ou a longo prazo perceber que tudo é
válido, tudo pode aparecer. Agora, esperarmos, não fazermos nada, pensamos que a
situação atual está boa, que não está e, portanto, não se atua,
é que é errado. Porque não é só uma questão tecnológica. É,
claramente, o papel da tecnologia é muito relevante, não é? Mas há
outras dinâmicas que é preciso...
José Maria Pimentel
Sim. O que eu quero dizer é, aqui também é uma questão
política, não é? E há quem diga, e a pessoa pode dizer
que é discurso bocado cínico, e em muitos casos será, mas não
te acho que não, não é? Quem diga que estas alterações que
vocês disseram são pouco viáveis no sentido em que o desperdício provavelmente
tem alguns ganhos fáceis mas depois a partir de certo ponto há
desperdício que é quase incontrolável, é muito difícil mudar os hábitos das
pessoas e portanto tu tens de apostar tudo na tecnologia para conseguir,
nas várias frentes, para conseguir resolver o problema é a única solução.
Há quem seja dessa escola. E isto tem certo lado político-político no
sentido de lato, no sentido valorativo, da pessoa dizer, não, nós temos
de facto fazer essas mudanças. Temos de combater o lobby dos combustíveis
fósseis, não é? Tu falavas há bocadinho.
João Pedro Gouveia
Sou mais eficiente, consumo menos recursos, sou mais confortável, tenho menos problemas
de saúde. Isto é uma dinâmica. No outro lado, eu apostar em
celular fotovoltaico. Nós, se calhar, aqui nesta conversa, até de repente, e
como temos o nosso contexto, pensamos em solar fotovoltaico e pensamos logo,
era num prédio em Lisboa ou num armazém Algures. Mas, este tipo
de soluções, em especial o solar fotovoltaico, tem num contexto, no meio
da África, Algures, numa ilha isolada, tem contexto, pode ser muito significativo
em termos até económicos, que era, usava-se, usava querosene para uma lâmpada
com custo muito grande, com impacto em termos de qualidade do ar
na sua pequena casa, passando a ter painel solar fotovoltaico tem outra
dimensão, acesso à educação, questões de saúde, económicas, para aquelas famílias alterações
climáticas é o menos que interessa, a não ser os impactos. Mas
não é por isso que surge uma alteração. É bocado aqui por
aqui. Há uma alteração tecnológica altamente necessária, mas há em muitas áreas
uma alteração comportamental que é preciso, porque somos muito eficientes, somos muito
utilizadores de recursos e com impacto muito significativo.
José Maria Pimentel
E na verdade, diz-me se eu estou a retratar isto bem, o
que acontece é, numa casa de alguém que tenha meios para pagar
isso, ela vai deixar de consumir tanta eletricidade e, portanto, vai deixar
de poluir tanto por essa via porque tem a casa mais bem
isolada. Numa casa de alguém que não tem recursos para aquecer, a
pessoa estava a passar frio e deixa de passar frio. Ou seja,
na primeira, tu resolveste o problema ambiental, na segunda resolveste problema, de
fundo desigualdade, problema social com a mesma solução.
João Pedro Gouveia
É exatamente isso. E até há aqui outra dinâmica interessante que é
quando olhamos para o problema em Portugal nós temos mais ou menos
milhão e meio, quase três milhões de portugueses em condições de pobreza
energética. E aqui a questão também deriva de três coisas principais, que
é os preços de energia, que são muito significativos, porque se eu
posso aquecer ou não a casa, se posso ligar o aquecimento ou
o ar-condicionado ou o que seja. Por outro lado, temos também a
componente bastante mais estrutural e de uma génese, de uma história mais
alargada, da qualidade dos nossos edifícios. Ali 70, 80% dos edifícios em
Portugal não são eficientes, portanto não têm isolamento, as janelas também são
de vidro simples, a caixilharia com problemas. Com quarto, as estatísticas dizem
que quarto das habitações em Portugal têm problemas de umidade, infiltrações e
bologros. Portanto, não é só uma questão de eficiência energética ou de
energia lata ou das emissões, é muito mais, na minha opinião, uma
questão de social e de impacto nas pessoas e de saúde. Se
eu tenho estas questões tão significativas, é problema que acaba por ser
problema político, não só em Portugal, mas na União Europeia. Estamos aqui
porque decisões políticas nos fizeram chegar aqui. Olhe lá está, porquê? Para
acabar este triângulo de origem. Temos os edifícios, equipamentos, a eficiência dos
equipamentos e edifícios, temos os preços com energia e temos o rendimento.
Em Portugal, 17% dos portugueses também, olhem daqui pessoal a Portugal, estão
em risco de pobreza, com bastantes dificuldades. Quase 800 mil famílias em
Portugal recebem apoio para pagar a sua fatura de eletricidade, a tarifa
social. Temos aqui, drivers, promotores de vulnerabilidade muito significativos. Isto não é
problema só português, é problema também a nível europeu. Ali, 45 milhões,
assim, número de referência, 40 a 45 milhões de europeus estão em
alguma condição de pobreza energética e eu aqui digo condição porque...
João Pedro Gouveia
Estes números, na verdade, acabam por ser uma gama. Como eu também
disse em Portugal, há uma gama. Na Europa também varia entre os
30 e talvez 100 milhões de europeus. E porquê é que é
este número? Porque a Comissão, e nós fazemos parte, nós na Faculdade,
eu coordeno cientificamente o Energy Poverty Advisory Hub, que é comitê de
apoio à Comissão Europeia na área de pobreza energética. E o que
a Comissão não gosta assim tanto, não ter número, não dizer assim,
é melhor ter número, não é? E nós sempre dizemos que, na
verdade, por ser problema multidimensional, as pessoas podem estar com a incapacidade
de aquecer a casa no inverno, podem estar vulneráveis no verão e
não conseguir ter desconforto no verão, que são dois números diferentes, são
dois indicadores diferentes, duas estatísticas. Podem, por exemplo, ter que é problema
que em Portugal não temos assim tanto, por diferentes questões que eu
posso explorar bocadinho, mas que é traze no pagamento de contas de
energia. Em muitos países europeus isto é problema significativo. Por exemplo, quem
tem redes de calor permanentemente está confortável em casa, mas também quer
dizer que está permanentemente a gastar, tem uma fatura de gás, por
exemplo, ou de calor para pagar. Que em Portugal não temos essa
situação. Porquê? Porque, A maioria dos portugueses passa frio em casa, por
exemplo, estamos genericamente desconfortáveis, isso também não quer dizer que toda a
gente esteja em pobreza energética. Depois...
João Pedro Gouveia
Não, e saúde e desconforto, lá está, porque a pobreza energética acaba
por ser quando temos a incapacidade ou a dificuldade e não é
uma questão de escolha, não é tanto uma questão de escolha, porque
eu posso dizer assim, eu não quero gastar dinheiro a aquecer aqui
a minha casa porque quero ir ao cinema, ok? E jantar fora,
tem prioridades, não é? Estamos a falar de situações bastante extremadas que
as pessoas não conseguem aquecer, mas não aquecem porque têm que comprar
medicamentos
ou porque
têm que se alimentar, ou, pronto, aqui várias situações de vulnerabilidade. E
então, quando nós em Portugal não temos estes valores de atraso no
pagamento de contas é relativamente baixo, temos 5% da população comparado com
os outros indicadores que andam ali à volta dos 20, 25, 30.
Porquê? Por a primeira razão é que passamos frio, portanto nós não
ligamos o aquecimento, já sabemos, não vou ligar porque isto vai correr
mal no final do mês, não é? Pronto, Isso é fator. O
outro fator, como eu já disse há pouco, se temos 800 mil
famílias, 20% da população quase das habitações a receber em tarifa social,
que faz uma redução de cerca de 33% à fatura da eletricidade,
também estão a ser apoiadas, portanto não temos essa dificuldade. E, por
último, em Portugal o segundo combustível mais usado nas habitações é a
lenha, que também não aparece uma fatura, não é? Portanto, há diferentes
expressões.
É sério? Incrível.
Sim, é a eletricidade e depois é a lenha.
Incrível.
E então...
João Pedro Gouveia
Exatamente, e isso tem aqui duas vantagens, não é vantagens, mas tem
duas dimensões que é preciso olharmos, que é, por lado, tem uma
vantagem usarmos lenha porque nas pessoas mais vulneráveis, se calhar, num contexto
mais rural, têm acesso a combustível ou barato ou grátis, não têm
acesso ao campo ou o que seja, Mas por outro lado, quando
as pessoas já estão mais avançadas de idade, já têm problemas de
saúde, também não é fácil… deixam de poder usar, porque deixam de
conseguir ir cortar, deixam de conseguir usar, deixam de conseguir transportar e
têm problemas de qualidade do ar relevantes. Portanto, mesmo quando olhamos para
a pobreza energética e tentamos apontar soluções de longo prazo e até
alinhando com a descarbonização e com alterações climáticas, é preciso percebermos que
as soluções, eu tenho dito muito isto até a nível de pensamento
político, que é político quando está a atuar sobre alguma estratégia de
descarbonização ou de alterações climáticas deve pensar assim, ok, mas qual é
a vantagem positiva e negativa, por exemplo, para as pessoas mais vulneráveis?
Pensar sempre assim, mas agora ok, vou dar este subsídio para o
solar ou vou dar este subsídio para o veículo elétrico, eu estou
a chegar às pessoas mais vulneráveis, não estou a deixá-las de fora
da transição. O que é que eu posso fazer então para resolver
esse problema? E quando olhamos, por exemplo, para a parte da lenha,
que é tendencialmente em termos de sistema energético e de otimização e
de eficiência e assim, idealmente toda a gente devia ter uma bomba
de calor no futuro, altamente eficiente, sem problemas de qualidade do ar
e consequências. Agora, em que contexto? Se eu tenho uma casa pequena,
se eu tinha grátis a lenha, mas tenho dinheiro para investir no
sistema abstrato e total, mais eficiente, eu tinha dinheiro para investir? Não
tenho e, portanto, é preciso ver esse balanço como é que eu
realmente consigo ajudar as pessoas numa transição energética, numa lógica justa, de
equidade, mas sabendo que eu não posso aumentar mais vulnerabilidades.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Sim, e há soluções que... Estou a lembrar, por
exemplo, daquela medida que o governo tinha tomado de aumentar o imposto
do... Aumentar o IUC, que resolveu errar os carros, a gasolina e
a gás e óleo, que na verdade é uma medida... Enfim, pode-se
discutir se é por aí ou não, mas é uma medida cuja
direcção faz todo sentido, só que depois acaba por prejudicar que ainda
não teve meios para passar por
João Pedro Gouveia
carro elétrico. Exatamente. E isso é o que nós vemos também. Mas
aí é que está o desafio. Por isso é que faz sentido
ter sempre políticas orientadas e financiamentos orientados para esta franja da população,
que é bastante significativa, infelizmente, em Portugal, mais vulnerável. Porquê? Porque qualquer
coisa que surge mais transversal para a sociedade, acabam por ser as
pessoas mais capacitadas, com mais conhecimento, com mais literacia, não só energética,
financeira, digital, não é que acabam por aceder. Estamos na
linha da frente.
Estamos na linha da frente porque percebem, até têm alguma coisa se
calhar para dar o apoio do investimento, percebem como é que as
coisas se preenchem, sabem com quem falar e chegam lá. Portanto, os
outros todos, que são quem devíamos priorizar, estão com mais dificuldades e
isso é preciso atuar nessa dimensão também.