#159 João Pedro Gouveia - “Quais as soluções com maior potencial para travar o Aquecimento...

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José Maria Pimentel
Olá, eu sou o José Maria Pimentel, sejam muito bem-vindos ao 45°. Obrigado aos novos mecenas do podcast desde o último episódio, são eles André Chambel e António Nuvaes. Nos últimos anos fala-se cada vez mais de alterações climáticas. Desde a política, em que é tema cada vez mais presente, a nível nacional e internacional, à nossa vida privada, onde se fala cada vez mais de sustentabilidade e andamos todos, se ainda não fizemos, a pensar em mudar para carro elétrico. E no entanto, a verdade é que se olharmos para gráfico das emissões globais de gases de efeito de estufa, eles continuam basicamente, nos últimos anos, em máximo históricos. E este paradoxo mostra bem a complexidade do desafio que temos em mãos enquanto sociedade, que vai ser, provavelmente, o maior da nossa geração. E portanto é desafio a que ainda não estamos a dar a importância que devíamos. E eu próprio tenho sentido que tenho desvalorizado esse tema. É que embora tome algumas decisões pessoais com esta preocupação, embora não tantas como devia, e embora vá acompanhando a discussão, sinto muitas vezes que ainda não consigo ter uma opinião formada sobre várias questões importantes. Por exemplo, afinal, quão difícil é, ou vai ser, o desafio de limitar o aquecimento global aos 2 graus que ficaram estabelecidos no Acordo de Paris em 2015. É muito difícil? Será que já é impossível? E quais são as melhores soluções a adotar? Quais são as tecnologias de energia limpa que têm maior potencial? Que outras tecnologias existem que nos podem ajudar? E qual é o papel do Estado neste assunto? Qual é o papel das empresas? E já agora o que é que nós próprios, através das nossas escolhas, podemos fazer. Não ter uma resposta que eu sinta fundamentada a estas perguntas e a outras é algo que me anda a irritar cada vez mais nos últimos tempos. E além disso, e não por acaso, é também uma lacuna no 45°. É que até agora eu apenas arranhei a superfície deste tópico com o episódio já bem antigo, logo número 24, com o Filipe Duarte Santos. Por isso está mais que na altura de ratificar isto e conto dedicar alguns episódios a este tema nos próximos tempos. Para abrir esta série estava à procura de alguém que pudesse dar uma visão abrangente das diferentes soluções que vamos ouvindo falar e que são tão variadas que vão desde a aposta em novas formas de energia limpa até à mudança dos nossos hábitos de consumo em nossa casa e até à chamada justiça climática que tanta tinta tem feito correr. Desculpem o trocadilho. Andei durante muito tempo em prospeção para a pessoa certa, recebi várias recomendações até que alguém me falou do nome do João Pedro Gouveia. O João Pedro é engenheiro do ambiente e é doutorado precisamente em alterações climáticas e políticas do desenvolvimento sustentável pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. O convidado tem se dedicado à investigação nestas várias áreas, mas com foco muito forte em soluções práticas, contribuindo para vários projetos tanto nacionais quanto internacionais. Em particular, e foi essa a razão pela qual o convidei, é o único investigador português que contribuiu para projeto que tem dado muito que falar nesta área nos últimos anos, o projeto Drawdown. Este termo inglês, drawdown, refere-se basicamente a momento futuro, enfim, espera-se, em que os níveis de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera não só param de subir como começam depois a diminuir de maneira continuada. Este projeto reúne uma rede global de cientistas e dedica-se a investigar as soluções mais viáveis para conseguirmos alcançar esse momento. O resultado deste projeto é ranking, uma classificação ordenada, das diferentes tecnologias e práticas em termos do seu impacto, em termos da sua capacidade para reduzir as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Segundo as palavras da equipa de cientistas por trás deste projeto, a missão do Drawdown é ajudar a travar as alterações climáticas da forma, e cito, mais rápida, segura e equitativa possível. Estas três palavras não foram escolhidas por acaso. Elas dão uma ideia da filosofia, do tipo de abordagem que está por trás deste projeto e que o tornam diferente, mas também vale a pena discutir. Entre as três palavras, a primeira, soluções rápidas, traduz-se basicamente numa preferência por soluções e tecnologias que já existam e possam ser implementadas hoje, em detrimento de soluções que estejam ainda numa fase incipiente ou que até se possa acreditar que venham a ter grande potencial, mas são ainda muito incertas, como acontece por exemplo com algumas tecnologias renováveis. A segunda palavra, soluções seguras, leva a que esta equipa tenha decidido colocar em segundo plano tecnologias que até possam já existir, mas que acarretem riscos, como é, por exemplo, o caso do nuclear ou de algumas soluções de geoengenharia. Finalmente, quando dizem que procuram soluções o mais equitativas possíveis, isto basicamente traduz uma preocupação que vai para lá do âmbito habitual destes projetos e que não é apenas com as soluções em si, mas também com assegurar, por exemplo, que elas não afetam o direito das populações dos países emergentes ao desenvolvimento. Na nossa conversa discutimos, portanto, esta filosofia do Drawdown e, sobretudo, falámos das principais soluções que esta equipa propõe. Digo-vos já que vão provavelmente ficar surpreendidos com as primeiras posições desta lista, deste ranking de soluções, que podem encontrar na descrição do episódio, porque a primeira solução a aparecer relacionada com energia, no caso com energia eólica, surge apenas na 6ª posição. Isto mostra bem a análise original e interessante da equipa do Drawdown. Para além das soluções que aparecem no início da lista e que não vou dizer para não vos estragar a surpresa, falámos também do papel das renováveis, como a energia eólica, lá está, e a energia solar e também a energia das ondas, e falámos ainda, claro, do nuclear, que apesar de ser uma energia limpa, o drawdown classifica, como já disse, bastante em baixo. E aliás, este talvez seja o tópico da nossa conversa em que eu fiquei menos convencido. Mas estas tecnologias têm a ver com a geração de energia, pois é preciso assegurar que a energia está disponível quando é preciso usar e aí continua a haver desafio muito grande ao nível das baterias e portanto falamos também do potencial do hidrogênio enquanto alternativa às baterias para armazenar esta energia. Falamos ainda das indústrias em que vai ser mesmo difícil, se não quase impossível, descarbonizar completamente e como isto implica que para além de reduzir as emissões vamos ter também, para chegar ao tal drawdown, de aumentar a captura de carbono da atmosfera. Isto, a maneira mais fácil de consegui-lo é através da reflorestação, mas falámos também de algumas soluções mais criativas da chamada geoengenharia, a qual basicamente inclui tecnologias de remoção de dióxido de carbono da atmosfera ou, mais criativo ainda, tecnologias para diminuir a entrada de radiação solar na Terra. No final da conversa falámos ainda brevemente sobre desafio mais específico de Portugal, embora não exclusivo, que é o desafio da pobreza energética. Uma área que está relacionada com o desafio climático, mas vai para lá dele e em que o João Pedro tem estado muito ativo nos últimos anos. Espero que gostem deste episódio e, como disse no início, fica prometido que vai haver mais episódios sobre este tema, focados em vários aspectos, desde logo sobre as renováveis com maior potencial ou a questão do nuclear, que são dois temas que vale claramente a pena aprofundar. Até à próxima. João Pedro Gouveia, muito bem-vindo ao 45 Horas. Obrigado. Eu acho que faz sentido começarmos por, antes de falarmos das soluções para as alterações climáticas que é o nosso tema, Acho que faz sentido começar por falar das alterações climáticas propriamente ditas porque, como nós estávamos a comentar há bocado em off, embora sejam, tenham lado que é evidente para toda a gente, que é de que a temperatura está a aumentar, acho que também é evidente para toda a gente que há aumento da frequência do fenómeno extremos, mas é mais do que isso, não é? Eu acho que vale a pena falar disso porque os efeitos não se singem isso, não é? Seja os presentes, seja os futuros, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, o que é importante aqui perceber, em termos de contexto, é que nos últimos 400 mil anos nunca passámos de certo limite das concentrações de gases com efeito estufa na atmosfera. Portanto, andámos ali à volta das 300 partes por milhão da concentração de CO2, portanto de dióxido de carbono. Depois da revolução industrial, ou durante a revolução industrial, começou então pique de crescimento acentuado destas concentrações que deriva das emissões associadas a diferentes setores da economia, não só na produção de eletricidade, com a queima de combustíveis fósseis, de lotantes centrais a carvão ou a gás, dos transportes, do crescimento industrial, de todos os sectores, nas várias áreas. E, portanto, a partir do momento que percebemos que, nas últimas décadas, o crescimento do nosso impacto em termos de sociedade no planeta tem vindo a crescer de forma muito significativa é ponto de alerta, não é? Porque depois não é só uma questão do consumo de energia ou das emissões associadas, é o impacto que isto tem depois nas pessoas e nos ecossistemas e na maneira como vivemos. E é esse ponto que é muito relevante porque em termos estatísticos o que é identificado nas últimas décadas é que nos últimos 20 anos 19 foram os mais quentes de sempre. E não é só aquela perspectiva de aquecimento global, que é a palavra normalmente que se fala, ligada a alterações climáticas, mas é também perceber que essa diversidade acontece em diferentes regiões do mundo, é diferente o impacto. Numas podemos ficar mais frios, noutras mais quentes, mas o que acontece? E o que se verifica quase semanalmente pelos diferentes continentes é que temos vagas de frio, ondas de calor, secas extremas, cheias, situações onde temos, por exemplo, no mesmo período metade da Austrália em seca extrema e a outra metade quase debaixo de água. Posso exagerar, não é?
José Maria Pimentel
E porquê que isso acontece? Ou seja, por exemplo, do lado do frio, tendo em conta que o que está a aumentar é a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, porquê que isso em alguns casos produz mais frio?
João Pedro Gouveia
Isto tem a ver com as dinâmicas também dos oceanos e da atmosfera e, portanto, o equilíbrio... É como
José Maria Pimentel
se desequilibrar o sistema.
João Pedro Gouveia
Sim, claramente. O que acontece é que nós temos balanço. O efeito estufa é natural. O que acontece é que, desde a revolução industrial, que temos alterado este balanço entre o que é as emissões e o que é a captura natural dos ecossistemas terrestres e oceânicos, por exemplo. Porque o que acontece é que nas emissões que dia a dia, hora a hora, mês a mês emitimos para a atmosfera, cerca de 40% é sequestrado pelos ecossistemas terrestres, oceânicos e costeiros. 60% fica na atmosfera e é isto que vai aumentando a concentração de gases com efeito estufa que depois cria alterações na dinâmica da atmosfera e então estes distúrbios de temperatura e ventos extremos e vagas de frio e calor etc.
José Maria Pimentel
Eu estou aqui a olhar para mapa, Mundi, que tem basicamente a distribuição do aquecimento no cenário do aquecimento do 1,5ºC, no cenário, enfim, muito mais extremo, do aquecimento de 4ºC, futuro, não é? Portanto, isto são cenários futuros e é, enfim, pouco intuitivo que quando a pessoa olha para este aquecimento ele não é igual em todo o globo. Nós vemos, por exemplo, no cenário do 1,5°C, vemos zonas cuja temperatura se mantém mais ou menos igual e temos zonas, sobretudo, ali perto do Pólo Norte, que têm aumento muito mais alto, ou seja, há aumento... O aumento não é igual em todo lado, o que significa que depois o impacto nos ecossistemas também não é igual e o impacto, provavelmente, na vida das pessoas também não é igual. E eu acho que isto é pouco óbvio para as pessoas. Para mim era pouco óbvio. Que outras coisas, para além disto, pouco óbvias é que há num cenário de aquecimento global de dois ou mais graus a prazo, não é? Até o final do século.
João Pedro Gouveia
Sim, esse é ponto, tenho certeza, importante. E esse é o que é o nosso desafio enquanto sociedade, é perceber quais é que são as reais consequências. Ou seja, há muitos estudos e projeções e previsões do que é que pode ser o impacto Se o aumento da temperatura médio, e este é importante, o aumento da temperatura médio global for de 1,5°C, há uma lógica de prevenção, de precipita-precaução, o que é que pode acontecer e, portanto, como não sabemos bem os impactos que podem ter 1,5°C, 2°C, 3°C, 4°C, 5°C, 6°C, é preciso tentar ter o menos aumento de temperatura médio possível. E, portanto, o que acontece com isto é que estamos a afetar diferentes tipos de ecossistemas de diferentes formas, percebendo que as alterações climáticas provavelmente é dos nossos maiores problemas, se não o maior, associado, por exemplo, à perda de biodiversidade também, que está muito ligado com a desflorestação, com o nosso crescimento em termos de urbanizáveis. E então, esta incerteza pode ser, nós podemos ter com grau e meio ou dois graus, uma ideia que podemos não ter muito impacto, mas há muitos estudos científicos que demonstram, publicações internacionais, que há diversos, digamos, tipping points, pontos de viragem, não só...
José Maria Pimentel
Pontos de não retorno, Bruno.
João Pedro Gouveia
Pontos mais de viragem que é, que não sabemos bem onde é que, por exemplo, as correntes oceânicas, a corrente atlântica, pode criar problema sério. Ou até quando é que a desflorestação, o limite, pode-nos criar problema transformativo também. Até onde é que essa consequência pode virar no azoto, nos diferentes gases com efeito estufa? Há aqui várias componentes do sistema terrestre, não só da atmosfera, mas dos sistemas ecológicos, que podem virar de dia para o outro, digamos assim, com consequências imprevisíveis. E, portanto, esse é que é o nosso desafio, que é tentar limitar ao máximo esta evolução. E por isso é que, quando se fala da transição climática, transição energética, há aquele nível de urgência. Já se fala de urgência climática por isso mesmo.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E depois há outra questão, que também é relevante porque ao bocado falaste no início, as causas do lado da energia, da utilização de combustíveis fósseis, mas depois também entrar aqui em jogo aqueles feedback loops, não é? Que a partir de certo ponto, quando tens de gelo, isso também vai fazendo com que deixe de ser refletido parte da radiação solar de volta para o espaço e portanto tu vais tendo aqui efeitos de segunda ordem que ainda vão agravando isto, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, e esse é o problema porque nós por lado estamos a amplificar e a crescer todos os dias com as emissões de gases com efeito estufa, mas por outro estamos também na destruição dos ecossistemas que permitiam esse balanço, como florestas tropicais, por exemplo. Cerca de 30% das florestas tropicais já se perderam não só numa consequência direta com estes locais de sequestro natural de dióxido de carbono e que faz este balanço, Mas depois também com tudo o resto, pela biodiversidade, outros serviços de ecossistemas que se vão se perdendo ao longo do tempo com problemas graves em termos sociais, ambientais e económicos. E, portanto, quando vemos isso e vemos imagens como vemos relativamente frequentemente dos glaciares, o de gelo dos glaciares, não só os terrestres como os oceânicos. Quando vemos os Alpes no pico do inverno com uma porcentagem de cobertura de neve bastante baixa. Quando vemos já estudos como mostra o aumento do nível médio do mar devido ao de gelo. Portanto, tudo isto vai criando fatores de pressão que em diferentes regiões têm mais impacto, por exemplo, ouvimos muito também no Paquistão, no período das monções, que temos áreas do tamanho de Portugal inundadas, com uma consequência direta em termos da população e tudo o que é a vida normal das pessoas e, portanto, aqui é isto, estamos cada vez mais a agravar, ou seja, os fenómenos não são isolados, eles são interligados, são sistemas complexos, a atmosfera e o sistema climático é complexo e portanto vai-nos catapultando numa gravar de situação permanente.
José Maria Pimentel
Só para ter uma dimensão do desafio que nós estamos aqui a falar, a pessoa fala muitas vezes que o ideal seria limitar o aquecimento a 1,5ºC, o compromisso de Paris é ficar, já não sei qual é a palavra certa, mas é ficar razoavelmente abaixo de 2ºC, salvo erro, uma coisa assim deste género. A frase que eu vi a propósito disto dizia que para te limitares o aquecimento a 1,5 implicaria baixar as emissões globais para metade até 2030 e chegar ao chamado net zero, portanto chegar a emissões líquidas zero em 2050. Emissões zero em 2050 parece praticamente difícil, mas mesmo baixar para metade em 2030, que está a seis anos de distância, quer dizer, na prática é quase impossível, não é?
João Pedro Gouveia
É, à escala global eu considero que seja. Claro que temos de ser ambiciosos nas políticas que desenhamos, mas há aí dois pontos. É que, até para perceber essa diferença, a alteração que é preciso. É que desde a revolução industrial nós aumentamos as emissões de gases com efeito de estufa, especialmente do dióxido de carbono, em 50%, em que isso nos refletiu atualmente já num aumento de cerca de grau, bocadinho acima de grau, de grau à escala global de temperatura média. E, portanto, se nós queremos inverter esta curva, lá está, inverter esta curva de crescimento, não só no crescimento das emissões, como depois numa lógica de redução dos gases com efeito estufa na atmosfera, a transição é realmente muito rápida. E Enquanto, por exemplo, vemos que em Portugal, dada ao longo dos anos de várias políticas relevantes na área, mas que temos contexto de potencial de energias renováveis, somos país relativamente pequeno, em que conseguimos, potencialmente vamos conseguir chegar a uma neutralidade carbónica do sistema português em 2050 ou até anos talvez, mas à escala global quando vemos que ainda atualmente se continua a explorar, a criar novas explorações de petróleo, continuamos a tirar gás, continuamos a construir novas centrais a gás e a carvão, a promoção dos combustíveis de fósseis continua diariamente e, portanto, só essa ideia mostra que a transformação, no muito curto prazo, estamos a falar de uma, duas, três décadas, é realmente desafio muito grande e o nosso desafio à escala global não está só, e isto é muito importante também, acho que vou dizer aqui, na área de energia. Porquê? Porque isto afeta a maneira como nós consumimos, como compramos roupa, como nos alimentamos, como nos movimentamos. Parte tem a ver com a energia, outra parte não tem. Alteração do uso do sol, desflorestação, o que comemos. Portanto, isto tudo numa escala global tem impacto e, portanto, estamos a falar de diferentes frentes de transformação que são precisas a ativar na sociedade e que, dada a estrutura atual, os lobbies instalados, a maneira como pensamos e como vivemos, tinha que sofrer uma disrupção bastante acentuada, o que de forma voluntária pode ser difícil.
José Maria Pimentel
Sim, vai ser difícil e quanto mais tu atrasas, mais abrupto tem que ser a alteração. Como é que estão os números agora? Ou seja, nos últimos cinco anos, como é que estão as emissões a nível global? Estão estáveis? Já estão a cair pouco?
João Pedro Gouveia
Não, as emissões continuam a crescer. Houve acerto...
José Maria Pimentel
Houve abandono com o Covid, provavelmente. Houve abandono
João Pedro Gouveia
com o Covid, houve ali uma certa esperança, digamos, da comunidade internacional que podia haver clique e as pessoas, ok, eu já percebi que se calhar posso trabalhar mais em casa, posso me movimentar de outra forma e então havia bocadinho de esperança, acho eu, na comunidade internacional que, bom, a seguir a isto talvez consiga a transformação. Mentira. Na verdade, tudo, as emissões de todos os sectores recuperaram e aceleraram para, digamos, recuperar o tempo perdido que tinham tido em termos de crescimento e desenvolvimento e criação de riqueza. O que realmente demonstra que mesmo com evento extremo que impactou o planeta todo, à escala global toda a sociedade, não conseguimos fazer essa mudança. Parcialmente, as pessoas trabalham mais em casa, há uma redução talvez nessa lógica, pelo menos da mobilidade, mas muito mínima para a transformação que é necessária, não é? Sim. Porque aqui na transformação… Ou
José Maria Pimentel
seja, continua a crescer a nível global. Sim. O que é que acontece? Sobretudo por via da China, provavelmente, imagino, não é? E outras economias emergentes.
João Pedro Gouveia
Temos a China, temos os Estados Unidos e depois temos muitos países que querem realmente ter o nível de vida que nós temos. Este aqui é também sempre desafio à escala global. É que porquê que eu posso ter e outra pessoa não tem, não é? E então é... Vocês já tiveram, não é? É essa a ideia. E o que é preciso também em termos de promoção deste desenvolvimento é que noutros países e noutros continentes, os países mais desenvolvidos consigam trazer dinâmicas de inovação, de promoção de tecnologia realmente mais eficiente e mais recente, digamos assim, nestes países para darem certo salto que nós tivemos que fazer o percurso todo. Destruímos, passamos pelo mal, estamos a evoluir para o bom. Em alguns contextos devemos tentar ajudar a dar este salto, como aconteceu na verdade, por exemplo, com as telecomunicações. Em África não houve o telefone de linha, não é? Passou-se diretamente de não ter nada para o telemóvel. Portanto, não foi necessário construir uma infraestrutura. E aqui podemos pensar que, por exemplo, na energia, na eletricidade concretamente, a ideia de construir mega redes a atravessar África, por exemplo, não faz o mínimo sentido. Temos zonas rurais dispersas, temos diferentes comunidades mais isoladas e, portanto, por exemplo, aí nesse caso a integração de fotovoltaico com baterias, produção de eletricidade centralizada é altamente relevante e que reduz o impacto em algumas dimensões e portanto aqui é dos pontos. Agora, em termos de transição, eu acho que há aqui três ou quatro linhas de ação que têm diferentes andamentos. Claramente é aquela ideia de temos que de forma acelerada reduzir as emissões. O crescimento das emissões, por momento parar e depois tentar desacelerar este crescimento e reduzir mesmo. E aqui estamos a falar de ações que não têm, se calhar, muito investimento, que tem mais a ver com o capacity building, com o conhecimento das pessoas que determinadas ações podem ser feitas, não só a nível individual, como de entidades, como em cidades, como nas empresas, quais é que são as coisas que, em termos tecnológicos ou de práticas, que eu posso avançar sem ter grande investimento. Então há aqui algumas coisas de melhoria de eficiência, de curto prazo e de comportamentais que podemos fazer. Depois há outras, digamos, duas ou três levas numa lógica de médio e de longo prazo, que é eu perceber como é que eu posso alterar as políticas, os business models, a ideia de modelos de negócio em termos de sociedade para não ser uma lógica de lucro e pensar em negócios que podem ser, digamos, planet positive, positivos para o planeta com impacto positivo e não é impacto em termos de lucro e distração de recursos, mas sim em termos de melhorar a situação que temos e realmente sermos positivos.
José Maria Pimentel
Dá exemplo disso, desculpa, deste segundo.
João Pedro Gouveia
É uma ideia que se nós conseguimos, por lado, reduzir as emissões, chegarmos à ideia de neutralidade carbónica, que não é emissões serem zero, é o balanço entre as emissões e a captura ser zero. E depois é os meses, os anos a seguir onde nos tornamos, digamos, positivos para o planeta, portanto sequestramos mais CO2 da atmosfera do que emitimos num caminho de regeneração e de sermos uma sociedade realmente não impactante em termos negativos mas em termos positivos.
José Maria Pimentel
Ou seja, recuperar este grau ou grau e meio ou dois graus que subiu até lá. Exatamente.
João Pedro Gouveia
É dar esta inflexão na curva muito importante.
José Maria Pimentel
Ou seja, a coisa não acaba no zero.
João Pedro Gouveia
Claro, e isso às vezes em termos de mensagem política parece que o dia a seguir ao final de 2050 não existe Porque se fala muito em 2050 para tudo, não é? Parece que em 2050 vamos fazer contas todos. Parece que estás a fazer dieta, não é? É, vamos fazer contas e dizer assim então conseguimos? Não, então pronto, já não vale a pena. Não é assim. Não é assim. E esta ideia de nós atuarmos a curto prazo de forma urgente é relevante porque temos caminho longo a percorrer e portanto lá está o... Não é só chegar a 2050, até lá é muito importante. Depois é aquela ideia, se não começarmos a atuar já, quanto mais tarde começarmos vamos sofrer mais impactos, mais rápida tem que ser a transformação e vai ser muito pior certamente.
José Maria Pimentel
Quando é que tu achas que vai ser atingido o pico?
João Pedro Gouveia
Não sei. Se formos ver cenários da Agência Internacional de Energia, os do IPCC, há diferentes cenários consoante a ambição política. Na verdade, o problema das alterações climáticas, como outros problemas associados, são decisões políticas, são decisões da economia. Estamos onde estamos porque a certa altura alguém decidiu, ou como entidades decidiram, que fazia sentido usar combustíveis fósseis para a mobilidade, não é? Houve uma altura que se estava a decidir, é carro, é veículo elétrico ou é gasolina? E alguém que tinha mais força decidiu que era caminho de gasolina, por exemplo.
José Maria Pimentel
E era a tecnologia melhor à altura, não é?
João Pedro Gouveia
Houve essa dúvida e depois houve uma tecnologia que venceu, digamos
José Maria Pimentel
assim, a certa altura. Sim, sim, é evidente, claro que quando eu te estava a perguntar era para perceber se eras otimista ou pessimista.
João Pedro Gouveia
O que eu acho é que em termos globais é desafio bastante grande, Mas temos que ser positivos porque senão desistimos. Portanto, numa lógica que é preciso uma transição e pensarmos no planeta, não só, eu acho que já não é só para os nossos filhos, já não é só aquela conversa das gerações futuras, nós atualmente vemos o impacto real no mundo todo, não é? Vemos os incêndios, vemos as secas, vemos noutros contextos os furacões. O impacto que isso tem, não só ao nível das pessoas, porque há muitas regiões do mundo que o impacto das alterações climáticas e os eventos extremos dá-se nas pessoas, portanto é mais mortalidade. A mortalidade devido às alterações climáticas acontece em países como o Paquistão, a Índia, a China com poucos recursos e pouca infraestrutura de adaptação. Onde é que depois o impacto das alterações climáticas acontece de forma mais significativa em termos da infraestrutura e da economia e financeiro? É nos Estados Unidos. Porquê? Os furacões que criam estes problemas e depois aí não morrem geralmente pessoas, mas têm impacto no ambiente construído e na estrutura da economia.
José Maria Pimentel
Mas que compromisso é que é agora? Por exemplo, da COP, o que é que resultaria daqueles compromissos em termos de evolução?
João Pedro Gouveia
A COP traz sempre muita discussão, porque mesmo a COP, agora a que aconteceu este ano, que vai acontecer para o ano, em países que na verdade são promotores principais à escala global de combustíveis fósseis, para mim traz uma discussão bastante grande, não é? Movimentarmos... Para ti
José Maria Pimentel
e para toda a gente, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, mas movimentarmos muita gente a esta discussão frequente que é, faz sentido movimentarmos a sociedade para uma discussão no Dubai ou nos Emirados para falar sobre atrações climáticas onde se calhar mais de metade das pessoas que lá estão são o lobby anti-transformação, são o lobby que promove as atrações climáticas e o uso de combustíveis fósseis, não é? Porque o que é que nós vemos também? Vemos que as estatísticas dos últimos anos, em cada ano, as top 5, o top 5 das empresas de combustíveis fósseis, têm lucros que rondam 200 mil milhões de dólares por ano. E não é só este pensamento do lucro, é também, há outros dados que demonstram que estas entidades, ou seja, a indústria dos combustíveis fósseis, continua a ter apoio, financiamento e cobertura de muitos estados, muitos governos, com dinheiro público, para continuarem-se a financiar. E, portanto, Se num momento que precisamos de urgência, de transição, queríamos anualmente nas COPES para discutir o que é que podem ser políticas, o que é que podem ser financiamentos. Temos aqui o anti a criar este atraso e a puxar para trás quem quer fazer a transformação, dá-nos problema maior. E depois aqui há uma outra dimensão que é, nas COPES discute-se muita coisa. Às vezes pode-se pensar que em termos da redução das emissões podemos não avançar tão rápido, mas há outras coisas que vão surgindo. Por exemplo, o financiamento para os países mais vulneráveis, para as ilhas, para a adaptação às alterações climáticas. Não é só reduzir emissões, é preciso o pensamento também, que se temos os impactos...
José Maria Pimentel
Como é que nos adaptamos?
João Pedro Gouveia
Esse financiamento para países mais vulneráveis, que tem aparecido, metas também para parar ou evitar a desflorestação. Há aqui várias políticas que se vão discutindo, às vezes parecem bocadinho laterais e acessórias, mas não, tudo isto serve para caminharmos numa ideia também de justiça climática e de transição energética e climática mais ambiciosa, mas realmente o que sai das copos anualmente a mim deixa-me sempre muito frustrado, porque acho que não avançamos tão rápido como devíamos.
José Maria Pimentel
Uma questão relacionada com o que estávamos a falar há bocado, eu acho que, enfim, se calhar estou errado, mas acho que a maior parte das pessoas intui que se nós parássemos de emitir, por exemplo, a temperatura pararia de aumentar, quando na verdade há aqui lag, não é? Imagina, quer dizer, num cenário obviamente absurdo, ou invenosível, impossível, na verdade, é que nós deixaríamos de produzir gases de efeito estufa, ou seja, passaríamos a esse net zero. Quanto é que a temperatura ainda aumentaria? Já aumentou cerca de 1, mas ainda continuava a aumentar.
João Pedro Gouveia
Sim, continua a aumentar. De cabeça não sei exatamente
José Maria Pimentel
os números. E há uma pergunta relacionada que é, se nós começarmos a diminuir, também o efeito não vai ser sentido logo.
João Pedro Gouveia
É, e isso às vezes pode ser o... Se estivéssemos nessa situação não estávamos tão mal assim, não é? Mas há estudos que demonstram que há efeito de atraso do impacto. É a mesma coisa, a temperatura que aumenta agora não é das emissões de ontem, não é? Claro, exato. É do stock. Há este acumulado e depois o impacto vai-se prolongando. E, portanto, isso é outro desafio que temos, mas aí lá está, é este balanço entre reduzir as emissões e aumentar o sequestro natural dos ecossistemas e a resiliência dos ecossistemas, portanto, para tentar que isso não aconteça de forma tão significativa.
José Maria Pimentel
Avançando para as soluções, que no fundo é o tema da nossa conversa, tu estás envolvido num projeto muito interessante que é o projeto Drawdown, que lista, aliás, compara uma série de soluções possíveis, na verdade em áreas completamente diferentes, nós há bocado estávamos a falar em off sobre isso e pelo que eu percebo até é a principal inovação deste projeto que já surgiu há... Quando é que surgiu? 2016, começou. Exatamente, 2016, é que compara, enfim, soluções tão disparos como energias renováveis e aumentar a educação das raparigas para promover o planeamento familiar. Coisas tão disparas quanto isto, e o seu impacto, obviamente com os desafios que tem comparar estas dimensões diferentes. E é interessante nesse sentido porque ele explora todas as soluções possíveis nestas áreas completamente diferentes e faz uma espécie de lista ordenada da que tem mais impacto para a que tem menos impacto. E aqui o drawdown significa o momento em que nós chegamos ao net zero.
João Pedro Gouveia
Na verdade é a inflação na lógica, não das emissões, mas da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera. Então explica lá. O drawdown é o ponto no tempo então onde a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera para de aumentar e começa a diminuir de forma consistente. E, portanto, é a seguir à naturalidade carbónica na lógica que estamos a sequestrar mais da atmosfera do que estamos a emitir e, portanto, estamos, então, a reduzir as emissões de forma a sermos uma planet positive species, digamos assim, uma espécie positiva para o planeta.
José Maria Pimentel
Daí o drawdown, não é? Estás a puxar para baixo.
João Pedro Gouveia
Exatamente isso, é a inversão da curva. O que é que nós e qual foi o pensamento também nas fases iniciais do projeto e que depois acabou por derivar nessa listagem de, neste momento, mais de 100 soluções e ranking e olhando para vários sectores. Por lado era perceber que era difícil para as pessoas elencarem as soluções mais impactantes, fossem a nível individual, fossem a nível de comunidade, fossem a nível global. E, portanto, o nosso exercício era bocadinho, na primeira fase do projeto, era perceber então o que é que existe. O que é que existe em diferentes contextos, não só em termos de tecnologias, não só em termos de práticas, que é relevante, que tem impacto, que podia ser escalado em diferentes contextos e que era também importante promover como mensagem comunicacional. E portanto, com uma ideia também que é preciso olhar para as fontes emissoras. Portanto, quando olhamos para os principais setores emissores, o que é que temos? Temos mais ou menos grandes números, pode variar, claramente varia nos diferentes anos, mas mais ou menos 25% das emissões globais de gases com efeito de estufa vêm da produção de eletricidade. Portanto, a queima de combustíveis fósseis centrais a carvão, a gás e a fuel óleo. Depois, mais ou menos a mesma quantidade, também quarto, que deriva da alteração do uso do solo e da produção alimentar e da desflorestação. Portanto, o uso do solo à alteração promove também emissões. Não é só não termos as fontes de sequestra natural mas também a desflorestação e a alteração do uso do sol para campos agrícolas e assim, promove também as emissões de gases com efeito estufa. Porque aí quando falamos de gases de efeito estufa não falamos só do dióxido de carbono, do CO2, falamos também do metano, falamos de óxido de azoto, falamos de gases florados que têm diferentes impactos, têm dimensões diferentes em termos de impacto e alterações climáticas.
José Maria Pimentel
Desculpem-me, comperto-te, mas tenho uma dúvida. Quando falas em florestas, por exemplo, vocês têm em consideração os dois efeitos? Ou seja, o efeito de desmatamento que liberta dióxido de carbono acumulado, e o efeito, quase o curso de oportunidade de tu deixares de ter aquelas árvores?
João Pedro Gouveia
Sim, na verdade é exatamente isso que nós fazemos é que olhamos para a perspetiva das quais é que são os setores emissores e aí está a desflorestação, está a floresta, está a agricultura, mas depois também olhamos para os setores de sequestro e Então fomos ver o potencial que era preservar a floresta, reflorestar. E aqui é a dimensão de captura e não de ebições. Então olhamos para esse dois lados.
José Maria Pimentel
Então mas deixe-me voltar. Tu estavas a explicar que era quarto por causa da eletricidade, basicamente com base em combustíveis fósseis,
João Pedro Gouveia
o outro tinha que ver com solos... Florestas e agricultura. Exatamente. Sim, e depois a seguir a indústria, cerca de 17%, 18%, produção de cimento, ferro e aço, alumínio, pronto, os vários tipos de indústria que existem, téstil, etc.
José Maria Pimentel
Combustíveis fósseis outra vez, não é?
João Pedro Gouveia
Lá está sim, é tudo associado à... Na verdade, aí também existem, por exemplo, no cimento existem não só emissões da combustão, que é a queima de combustíveis fósseis, mas também de processo. Portanto, há setores mais difíceis de reduzir para zero as emissões e o cimento é uma dessas áreas. E depois temos, ah, e os transportes, a indústria, os transportes, também ali 15, 16% mais ou menos, bocadinho abaixo da indústria e depois os edifícios com 6 a 8%. E por que é que os edifícios têm aquele valor tão baixo? É porque aqui é importante nestas contabilizações das emissões evitar o double count. Exato. Portanto, vamos pensar, em nossas casas eu tenho uma caldeira a gás óleo para aquecer a água do banho. Essas emissões estão controladas nos edifícios. Agora, se a eletricidade que eu uso em casa, que compro a uma empresa de eletricidade, é produzida a carvão, as emissões não estão na minha casa, no meu edifício, mas estão no setor da produção de eletricidade. Os 25%. Isto é importante perceber esta dimensão, não é? E também fazer aqui uma distinção entre o que é eletricidade e energia no geral. Porque quando estamos a falar da produção de eletricidade é exatamente isso, é na central a carvão, a central a gás. Quando olhamos para a fotografia global, temos a energia, o gás óleo, a gasolina, o fuel óleo que usamos na aviação, no transporte rodoviário, nas indústrias, em casa, no esquentador. Portanto, isso é diferente. Energia é uma coisa maior do que só a eletricidade. E, portanto, aqui estão as fontes emissoras e o que nós fizemos foi, ok, então há estes setores que têm esta importância. O que é que existe? O que é que está estudado em termos de literatura científica, em termos de entidades internacionais, nas diferentes áreas que nos permitam identificar quais é que podem ser as soluções, há uma fase de identificação das soluções mais relevantes e depois o que nós fizemos foi criar modelos individuais para cada solução e depois integrados no setor para avaliar este impacto e qual foi a nossa análise, qual foi o nosso pensamento? Foi Vamos analisar o impacto de eu adotar uma destas tecnologias ou práticas, uma solução, digamos assim, nos próximos 30 anos, portanto, ali entre 2020 e 2050, qual é o impacto que isso tem substituindo o que eu atualmente faço. Por exemplo, o solar fotovoltaico. Analisamos. Temos até o descentralizado, descentralizado, porque há diferentes contextos políticos de investimento que era importante distinguir, mas aí o que é que fazer? Qual é a conta? Basicamente é pensar que, olhando para os cenários do futuro que vêm do IPCC, que vêm da Agência Internacional de Energia, que vêm de entidades mais pró-fóssil, combustíveis fósseis ou mais pró-ambiental, digamos assim, cenários variados. Analisámos 40, 50 cenários, uma abrangência muito grande e percebemos onde é que estava a alguns podia estar mais a realidade, ali uma certa média. E então O impacto é cálculo entre se eu aumentar o solar de forma otimística, claramente, mas plausível, não é? Ambiciosa, mas plausível, comparando com eu permanecer na minha situação atual de referência de uso de combustíveis fósseis, de gás e assim, à escala global, o que é que isso significava em termos de impacto? Quantas emissões é que eu posso reduzir, evitar, na verdade, neste caso, qual é o investimento necessário e também qual é que é os meus custos de operação e manutenção que podem aumentar ou reduzir. Portanto, não fizemos uma análise só em termos de impacto das emissões, seja na parte das emissões ou no sequestro, mas também no investimento. Agora, o ranking só olha para as emissões. Não fizemos nenhum ranking em termos de investimento, necessidades de investimento. Conteúdelizamos, cada solução tem o investimento necessário nos próximos 30 anos para a sua adoção, mas o ranking não está por aí. Portanto, quando temos uma solução no número 1 ou no número 2, é só em relação ao potencial de emissões evitadas.
José Maria Pimentel
É só o ganho, não é o retorno sobre o investimento, digamos assim. Certo.
João Pedro Gouveia
Temos análises integradas que demonstram, posso dizer isto, que é de forma global, sumando tudo, o investimento, nós Testámos dois cenários, mais optimista plausível e extremado de se fossemos ao limite realmente e numa aceleração muito grande o que é que conseguimos fazer, mas o investimento é muito significativo, mas o retorno ao investimento também consegue ser três a cinco vezes superior. E, portanto, isto é que é importante também perceber, porque nós no Drawdown a ideia sempre foi esta de, ok, o que é que existe? Assim consigo comparar a redução do desperdício alimentar, por exemplo, que é uma das soluções mais impactantes, na verdade é a mais impactante na nossa lista, e já posso... Já lá vamos. Ou depois temos o solar, a eólica, o isolamento, a proteção da floresta tropical, a gestão de zonas agrícolas, gestão de pasturícia. Então, há aqui várias e vários setores, na verdade em todos, que tentamos procurar qual podia ser o impacto, fazendo este ranking e fazendo uma comparação, aqui vou usar a expressão inglesa que é mais feliz, apples to apples, comparamos maçãs com maçãs. E então isso traz aqui uma riqueza de conhecimento relevante, não só porque percebemos o impacto à escala global, estamos ali a perceber a priorização das medidas e depois há muito a fazer a seguir. Há escala de diferentes contextos de política, de financiamento, de regulamentação, que é preciso depois a cada país, em cada cidade, em cada área explorar.
José Maria Pimentel
Aliás, vem lá essa advertência logo no site, logo na lista das soluções, que aquilo é uma lista global, mas que depois será diferente para cada país.
João Pedro Gouveia
Até os leverage points, não é só ser uma lista global, claro, se fossemos fazer aquela lista para a Europa, o problema da floresta tropical, da proteção ou do restauro, não pode estar no top, não é como está no ranking global número 5. Mas não é só esta identificação do que é que é a prioridade, ou o que é que são as soluções mais impactantes, é também então quais é que são os pontos que eu tenho que dinamizar para conseguir promover a adoção dessa tecnologia ou dessa prática mais sustentável.
José Maria Pimentel
Pois, que variam de sítio para sítio, claro. Há bocado estavas a falar, por exemplo, do solar e isso eu entendo bem também, no fundo, vocês depois ao avaliar cada solução também são mais ou menos agnósticos em relação àquelas categorias que tu destes há bocado, porque, por exemplo, se tu aumentares o solar vais provavelmente ter mais produção de eletricidade, não é?
João Pedro Gouveia
Não, isso é ponto importante, é que, na verdade, a descarbonização da nossa economia global, maioritariamente, tem que ser feita pela eletrificação dos sistemas. Portanto, a eletrificação dos transportes, da mobilidade, nas nossas casas, do aquecimento, do arrefecimento, etc. E, portanto, porquê? Porque depois há por trás estas possibilidades, estas tecnologias, umas mais maduras que outras nos mercados, no mercado internacional, que podem então fazer essa transição de grande parte do problema, que é as centrais a carvão e a gás e a fuel óleo, para uma substituição, não só por solar, mas estamos a falar de diferentes tipos de eólica madura e competitiva no mercado de eletricidade. É claramente a energia eólica terrestre, mas em várias zonas temos pilotos de tecnologias offshore, de energia das ondas, em alguns contextos da hídrica, de aproveitamento geotérmico, de biomassa, de resíduos. Portanto, há aqui muitas tecnologias que já conhecemos há muito tempo que podem ser adotadas e aceleradas e é isso que temos vindo a assistir. O solar fotovoltaico e o eólico, além de serem competitivos, o seu custo de investimento tem vindo genericamente a baixar. Agora com a crise, com a guerra, com o Covid, teve aqui algum impacto também nos custos das tecnologias, mas tendencialmente essas tecnologias têm vindo a realmente ter decréscimo no seu custo, portanto, Passa, digamos assim, a ação climática deixa de ser só para quem acha que é problema e que deve atuar, mas também traz benefícios já em termos económicos. E aí é que vamos buscar, se calhar, agentes do mercado que por si só não são altruístas suficientes para pensarem. É mercado, é a economia, portanto, se for lógica é mais o lucro, resultados e lucro, portanto, se tivermos tecnologias e acontece o mesmo, por exemplo, com isolamento, com outras dinâmicas que realmente é uma questão de eficiência, de recursos e de redução do desperdício de materiais e tentar fazer essa transformação na produção de eletricidade é dos pontos mais importantes, em dúvida.
José Maria Pimentel
O que é incrível aqui, olhando para o vosso mapa, é que, como já disse há bocadinho, são soluções ligadas a aspectos muito diferentes, de tal forma que a energia, neste caso a eletricidade, surge a primeira vez em 6º lugar, o que é incrível, não é?
João Pedro Gouveia
Acho que é muito contra-intuitivo. É contra-intuitivo e para mim, até com o background todo que eu tenho de energia, não é? Também foi surpreendente. A primeira vez, quando juntámos, na altura para a publicação do primeiro livro, em 2017, quando começámos a juntar a tudo, pensámos, mas eu próprio fiquei bocado chocado. Não estavas à espera. Não estava à espera, porque para já representa quarto das emissões globais, vem da produção de eletricidade, não é? E eu acho que isto é que é a vantagem deste nosso pensamento, que foi, Dá a ideia que é preciso atuar em diferentes frentes e, portanto, quando nós vemos como solução número o redução da desperdícia alimentar, dá aqui uma mensagem muito importante também, num contexto global, porque também é diferente. Ou seja, aqui para quem está a ver e perceber, terço dos alimentos produzidos são desperdiçados.
José Maria Pimentel
É número incrível.
João Pedro Gouveia
É número absurdo, não é? E até mais, representam cerca de 8 a 9% das emissões de gases com efeito de estufa global, o que quer dizer que, se, digamos, este exercício teórico do desperdício alimentar fosse país, era o terceiro país mais emissor a seguir aos Estados Unidos e à China. E, portanto, mostra que, para já, alerta para problema, identifica problema relevante. Por outro, dá uma dinâmica que se percebe que é diferenciada entre país, digamos, num país mais desenvolvido, onde o desperdício alimentar acontece mais no final da cadeia de valor, acontece mais na distribuição, no supermercado, em nossas casas. Contrastando com os países em desenvolvimento, que têm mais a ver com a ineficiência das tecnologias, com a falta de tecnologia, com a falta de equipamentos de refrigeração, com a falta de algum conhecimento e, portanto, o que é que isto também diz? Alerta para problema global, olha para dinâmicas diferenciadas em termos regionais que dá ideias de transformação diferenciada, ou seja, nós, por exemplo, na Europa, temos que olhar para este problema mais para o final da cadeia de valor, digamos assim. Há vários projetos, mesmo em Portugal, que mostram que tenha promovido essa redução do desperdício alimentar, não é? Enquanto noutros contextos, se calhar é mais uma ativação tecnológica de capacitação, de dar essas tecnologias de refrigeração para esse desperdício não acontecer. Porque aqui temos que pensar que não é só o desperdício alimentar, não está só naquela maçã que foi para o lixo ontem em nossa casa. É pensar que tudo isto teve crédito, teve acumulado de energia, de água,
José Maria Pimentel
de ocupação do uso do solo,
João Pedro Gouveia
que tem que se pensar que isto tudo somado é que dá. Não é só aquela maçã, é tudo que foi necessário para transformarmos, para chegarmos ali. Portanto, eu acho que isso é importante.
José Maria Pimentel
Bom ponto, exatamente. Ou seja, quando a pessoa vê redução dos preços alimentares, a pessoa está a pensar, o que lhe vai à cabeça é isso, não é? É a comida que se estraga no frigorífico, ou whatever, mas na prática o vosso contrafactual é se aquela comida não tivesse existido, não teria sido gasta aquela energia, não teria sido gasta aquele solo, ou seja...
João Pedro Gouveia
Não tínhamos alterado se calhar alguma floresta para o campo agrícola, portanto há essa dinâmica toda que é preciso e que é importante porque tem diferentes escalas. Eu acho que isto aqui é dos pontos importantes, não é?
José Maria Pimentel
E dá-me, desculpa, dá-me número outra vez, se és de 8%?
João Pedro Gouveia
8% das emissões globais.
José Maria Pimentel
8% das emissões globais vêm... Da desperdício alimentar. Ok, sim. E portanto esta medida implicaria reduzir para lá 2,5% das emissões atuais, é isso?
João Pedro Gouveia
Sim, porque 30% da comida é desperdiçada, logo aí tem este processo, sim, anda à volta desses valores. Portanto, isto é a solução número 1. O que é que temos como solução, e eu vou saltar aqui, depois posso saltar a ela, a solução número 3. Temos uma dieta, a introdução para português é dieta rica em vegetais, ou seja, aqui a nossa ideia não era tanto fazer, é alertar também para problema que é, já é conhecimento muito geral, não é o impacto que é o consumo de carne e tudo o que está associado à produção de gado, especialmente bovino, aí não é só o metano pela digestão das vacas, por exemplo, mas também é todo o consumo de água, de outros recursos, lá está também a produção de soja ou de outro tipo de alimentos para o gado, que promove a desflorestação, portanto é caminho também grande. E Nessa ideia das dietas ricas em vegetais tem duas ou três premissas. Uma é que realmente consumimos de forma geral mais carne do que devíamos. Em termos de dieta saudável, porque está mais ou menos estabelecido que nós devíamos, uma dieta saudável por dia, devíamos consumir ali entre 2200 e 2500 quilo calorias. O que é que acontece? Nos Estados Unidos consome-se se calhar 3500, 4000 quilo calorias. Na Europa mais do que esta healthy diet, esta perspectiva de uma dieta saudável. Ou seja, por lado é isto, é que consumimos mais do que devíamos, então para nos aproximarmos mais de uma dieta saudável, tinha que ser mais rica em vegetais, fazer balanço ao longo da semana do nosso consumo regular. Pronto, isso é uma visão. A outra é que realmente a produção de gado e de carne tem impacto ambiental muito significativo comparado com outras alternativas, não é? Sim,
José Maria Pimentel
o gráfico é incrível, não é? Ver o gráfico das emissões até, seja as emissões globais, seja as emissões até por caloria. Produto alimentar. Produto alimentar é uma diferença gigante.
João Pedro Gouveia
Sim, o nosso consumo de laticínios e de carne é bastante significativo. Mas aí há outro ponto interessante também de explorar que é numa dinâmica de pós-sequência, que é diferentes países, diferentes continentes têm diferentes características da sua dieta, não é? O que para nós faz sentido, comer algum determinado tipo de coisas, noutros contextos é estranho. E então esta ideia de fazer quase uma prescrição de como é que as pessoas devem comer à escala global também não faz muito sentido. Aqui há uma ideia de alertar para problema mais uma vez e perceber que em certos contextos temos que baixar o consumo de calorias e a maneira como nos alimentamos para uma dieta mais equilibrada e mais sustentável e em outros contextos é preciso aumentar o consumo na África, no Sudeste Asiático, na América do Sul. Há problemas de nutrição aqui e ali que são precisos também resolver. Então, este balanço é bocado teórico, é pensamento pouco teórico, mas é alertar mais uma vez para problema e depois as ações à escala local e a política à escala local.
José Maria Pimentel
E isso está refletido aqui, neste número? Sim. Ou seja, está refletido cenário em que em alguns países até aumenta e nos países desenvolvidos... Reduz. Reduz e tu tens ideia do que é que está a portar isto? Ou seja, de que é que estamos a falar, pelo que eu entendi da tua explicação, consumo calórico menor e uma prevalência de uma dieta que não é totalmente vegetal, não é na vegetariana propriamente, mas mais vegetal do que é agora.
João Pedro Gouveia
Sim, isso é caminho. Ou seja, a nossa ideia também aqui não é dar indicações, não é, numa forma autoritária, de dizer que as pessoas devem ser vegans ou vegetarianas. Não, não,
José Maria Pimentel
eu quero é perceber o que é que está por trás deste número. Ou seja, estamos a falar de quê? De passarmos a comer carne duas vezes por semana? Qualquer coisa que não sabes exatamente, não te lembras ao certo, não é? Mas estamos a falar de quão ambicioso é que é.
João Pedro Gouveia
É assim, essas contas são realmente difíceis porque a escala de uma especialidade é muito diferenciada de como é que as pessoas comem na China ou como é que se come na Europa, não é? Portanto, há aqui diferentes perfis de dieta. E o que nós tentámos fazer aqui foi com isso, foi perceber que os estudos que existem qual é que é o impacto de determinada dieta é mais numa análise regional do que provavelmente individual, dizer assim, olha, se comes 5 vezes devias comer 2. Isso claramente, não é? Porque quanto menos se comer...
José Maria Pimentel
Claro, mas por trás disso, se fores converter, daria com...
João Pedro Gouveia
Não, dá, dá. A questão é que, quando estamos a falar a escala global, nós baseámos em estudos científicos que demonstram o impacto, ou seja, nas emissões, de determinado perfil de dieta. É essa a comparação. E, portanto, alinhando, sabendo que determinada região do planeta tem uma dieta mais equilibrada e, se calhar, mais eco-friendly, amiga do ambiente, alinhando mais por ali...
José Maria Pimentel
Ah, já percebi, alinhar as outras por essa.
João Pedro Gouveia
Por exemplo, com esta dinâmica de valor médio de referência, é mais por aí.
José Maria Pimentel
Sim, eu estou a perguntar isto, enfim, é exercício que daria para episódio só por si. Sim, cada
João Pedro Gouveia
uma das soluções é uma análise profundada.
José Maria Pimentel
Exatamente, não é? E cada uma delas há uma parte, e no fundo é o grande valor acrescentado ao vosso exercício, que é calcular o impacto de uma maneira comparável, e depois cada uma delas depende do, lá está, do investimento que tenho de falar-vos há bocadinho, mas também de quão viável ela é na prática. Por exemplo, estava a pensar na primeira da redução do desperdício e presumo que há já ali... A curva deve ser relativamente inclinada no início e que deve haver... Ineficiências básicas. Exatamente, fáceis de corrigir e depois a partir de certo ponto já deve ser muito difícil. Mas não sei onde é que a curva inflete, não faço ideia.
João Pedro Gouveia
Mas aí lá está, aí uma coisa que nos perguntavam muito ao princípio, depois dos primeiros rankings terem saído, era ok, mas então a nível individual o que é que eu posso fazer, não é? E nós tentámos fazer este exercício que era ok, então daqui o que é que individualmente podemos atuar? E as duas que eu acabei de falar individualmente tu podes fazer sim. Podemos fazer, ou seja, pensarmos se...
José Maria Pimentel
Podes sempre ser cínico e dizer aquela coisa, ah, tá bem, não vou contribuir nada, não é? Não, mas... Mas ultrapassando isso, claramente, podes fazer.
João Pedro Gouveia
Não, e há muitas temos a parte que toda a gente conhece, é o que muitas vezes fala da reciclagem, da adoção de tecnologias mais eficientes, bombas de calor, LEDs, isolamento das casas, são tudo iniciativas que nós individualmente podemos contribuir. Agora, há outras, se vamos investir em eólica marítima ou ondas ou vamos apostar na proteção da floresta, a nível individual é bastante difícil, portanto, Há outras entidades, agentes que têm esse papel. E, portanto, é esse balanço aqui percebendo que temos que atuar não só a nível individual como comunidade, tentando criar estas parcerias de entidades públicas, privadas, de governos, de empresas para realmente apostar em cada uma das soluções de forma mais acelerada possível.
José Maria Pimentel
Mas então continua na lista porque tu…
João Pedro Gouveia
Sim, posso faltar atrás e ir à segunda. A segunda nós falamos de educação e saúde, na verdade. Porquê? Porque aqui também, lá está, também não é Uma ideia de fazer uma limitação da população, nem falar nada desse tipo de medidas, é pensar que realmente nós somos os cenários de futuro das projeções das Nações Unidas para o crescimento populacional, seja em fortaleza média ou mais alta, Podemos estar a chegar a 10 bilhões, 11 bilhões de pessoas. E, portanto, é muito diferente, ou seja, todo o impacto das alterações climáticas, o consumo de energia, o consumo de recursos, deriva diretamente, não só do crescimento populacional acentuado, que tivemos no último século, vá, pouco mais que isso, que depois, diretamente, liga ao crescimento económico, obviamente, à transição das pessoas de ambiente rural para ambiente urbano, que consome muito mais recursos. E, portanto, sabendo que é muito diferente de eu ter 7 bilhões de pessoas, 8, 9, ou 10 ou 11. E, então, nesta ideia é perceber também que não é dizer que não podemos crescer mais que isto, ser mais que determinado número, é pensar que dando acesso à educação, à saúde em diferentes países, em diferentes contextos, onde esses valores, onde essa ideia de acesso universal à educação e à saúde não existe, não é? Estamos também a promover que não haja tantos filhos, não haja as famílias não sejam tão grandes.
José Maria Pimentel
Dar às pessoas a hipótese de fazer planeamento familiar mais informado.
João Pedro Gouveia
Está a ser nessa base. Num planeamento familiar, na educação para mais uma lógica das raparigas normalmente, porque? Porque cerca de 90 milhões de raparigas no contexto mais até africano e na Ásia não têm acesso à educação. E, portanto, é claro que nesses contextos, há muitos estudos que olham para esta dimensão deste assunto, deste tema, que demonstra que com mais conhecimento, com irem à escola, desenvolverem o seu conhecimento, conseguem ter mais rendimento e, portanto, por consequência também não precisam ter tantos filhos e há mais conhecimento na área de planeamento familiar e assim. E, portanto, é uma ideia e a nossa análise é uma análise também aí bastante, relativamente simples, porque era difícil de fazer individualmente, que é analisarmos todas as soluções num cenário médio de crescimento de populacional. Isto é a nossa referência para o ranking. E depois fizemos o exercício que é, ok, então agora vamos pegar se tivemos uma taxa de crescimento populacional no máximo, o que é que isso significava? E portanto tínhamos o impacto em cada solução do diferencial. Juntámos toda essa diferença e combinámos no saúde e educação de forma agregada. Portanto, para dar também esta mensagem que o acesso universal à educação e à saúde é realmente muito crítico e é preciso promovê-lo em diferentes locais.
José Maria Pimentel
Sim, mas que não está a fazer double counting, não é? Ou seja, isso não está a sobrepor, sabe?
João Pedro Gouveia
E esse foi exercício também complexo que tivemos que fazer depois que era, apesar de analisarmos as soluções individualmente, analisámos sempre a sua interligação no setor. Por exemplo, se eu estou a integrar isolamento, estou a promover bombas de calor, equipamentos mais eficientes, ou estou a integrar janelas, vidros duplos, etc., estou a reduzir as minhas necessidades de consumo de energia. Quer dizer, então, que no outro lado eu não preciso produzir tanta eletricidade ou produzir tanta energia e então há aqui este balanço que era preciso também contabilizar ou seja, a adoção do veículo elétrico está-me a pedir mais eletricidade mas se eu sou mais eficiente em alguns sectores está-me a reduzir portanto, fomos contabilizando esse balanço para tentar de forma mais...
José Maria Pimentel
Sim, para ser comparável. E outra coisa, aqui em quarto lugar, eu não sei se a minha lista é exatamente igual à tua, porque houve uma ordem do que tu disseste que era pouco relevante, mas era ligeiramente diferente. O que eu tenho em quarto lugar é a gestão de refrigerantes, mas em português não sei como é que se traduz, no fundo são os gases que os aires condicionados e afins usam. Sim. Que aí parecem quarto lugar, que é extraordinário.
João Pedro Gouveia
Sim, e na verdade, eu se calhar disse algum número anteriormente, mas anda por aí. Não, não,
José Maria Pimentel
mas pode ter a ver com o ano, de certeza.
João Pedro Gouveia
Mas sim, mas o que importa aqui, e isso também é ainda bem que trouxeste isso, porque ponto importante é, Aqui não é tão relevante se é 49,27 de gigatoneladas de CO2 evitado. É perceber a dimensão. É perceber que realmente se eu apostar no top 5 ou no top 10 ou no top 15, são soluções que a escala global tem muito mais impacto que as causas que andam lá mais no final de linha. Então acho que é onde nós também devemos apontar os nossos esforços de forma mais acelerada. Agora, a gestão dos gases florados é muito curioso. Porquê? Porque, na verdade, no primeiro ranking todos apareciam primeiro. Isso foi altamente surpreendente também. Porquê? Porque é uma solução que não é muito falada, não é uma parte do problema também assim identificada, ou seja, nós ouvimos falar muito dos veículos elétricos, é do solar, é mesmo de alguma parte agora mais recentemente também da alimentação e da população, mas de repente gases florados, mas gestão de gases florados. Explica lá,
José Maria Pimentel
Pérez. Primeiro explica o que é que são gases florados. Não sabia que era assim que se traduzia.
João Pedro Gouveia
Sim, são HFCs, são fluorescent gases. Portanto, o que é que são gases ou gases refrigerados? São dos gases de efeito estufa que tem impacto de efeito estufa de cerca de 15 mil a 40 mil vezes uma molécula desses gases comparado com o CO2, com o dióxido de carbono. E, portanto, de aí terem esse impacto também é porque realmente uma molécula desses gases que existem é onde? Nos nossos frigoríficos, nos ar-condicionados. E então o que é que estamos a falar aqui concretamente nessa fase, nessa solução de gestão? Que é, no fim do tempo de vida do meu frigorífico ou do ar-condicionado, na maior parte do mundo não se faz nenhum tratamento, não se faz nenhuma recuperação daqueles gases. Portanto, deixam-se num aterro, colocam-se na rua, num aterro, vai parar aterro e vai para a atmosfera. E, portanto, aqui essa solução concretamente é gerir, fazer uma gestão. Na Europa há muitas leis sobre isto, mas à escala global lá está. É que há alguns desafios que à escala europeia mais próxima nos parece. Ah, mas isto não me parece ser assim grande problema. Mas não. Depois quando olhamos nesta perspectiva global realmente são. Mas aqui, porquê que passou, agora está em quarto e porquê que estava em primeiro e deixou de estar? Porquê? Não tem a ver com os números propriamente dita, com nenhuma alteração, tem mais a ver com a maneira como nós decidimos depois, numa segunda iteração do ranking, pensar sobre as soluções. Então o que é que fizemos? Dividimos a solução em duas. Que originalmente era tudo. E o que era tudo? Era a gestão e alternativas. Estou a ver aqui, sim. Gás alternativos. E, portanto...
José Maria Pimentel
E agora aparecem em sétimo. Eu estava, aliás.
João Pedro Gouveia
Sim. Porquê é que isto nos fez sentido? Faz mais ou menos a mesma lógica de nós não termos o solar como todo. Há quatro tipos de soluções de solar. Há o solar térmico, que é para as nossas habitações, para aquecer a água, que tem contexto. E depois, por exemplo, para a produção de eletricidade temos três tecnologias diferentes que são três soluções. O solar fotovoltaico descentralizado, para os nossos telhados e assim. O solar fotovoltaico centralizado, as grandes centrais, e depois o CSP ou o solar de concentração. É uma tecnologia diferente. Porquê que isto é relevante? E o mesmo se passa aqui com estas duas soluções dos gases refrigerados. É que são diferentes, lá está, podem ser diferentes políticas, podem ser diferentes esquemas de alterar, pode ser uma inovação tecnológica, são diferentes agentes de atuação. Enquanto no solar, exemplo, o solar fotovoltaico descentralizado, eu e tu podemos decidir se queremos pôr na nossa casa, há uma determinada dinâmica regulamentar, há uma determinada dinâmica de financiamento e de apoio e de conhecimento. Mas não sou eu que vou decidir se no Alentejo vão estar 200 hectares de selar centralizado. O mesmo se passa aqui, que é nós identificando problema, que é a gestão, a solução pode ser, por lado, me gerir melhor o que temos, por outro é, ok, se estes gajos não fazem sentido, onde é que está a alternativa? Amónia, mesmo o dióxido de carbono surge como alternativa. E, portanto, é pensar que... E por isso é que também é importante perceber que o ranking dá uma escala de impacto, mas não é muito importante se é o 4º ou 5º. Porque isso também depende muito da maneira como nós criamos as fronteiras ao que estamos ali a tratar, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim. Esse é bom ponto. É isso e depois o facto de, em alguns casos, serem medidas alternativas e em outros casos medidas complementares. Portanto, há cenários em que tu podes, em que tu poderias ter a redução do desperdício, uma dieta mais vegetal, plenamente familiar e se calhar a redução ou a melhoria da gestão destes gases e eu tenho que ter isso e aquilo tudo, mas ao invés de ser a melhoria do sistema dos gases, tinham-se os gases alternativos, porque são medidas substitutas, não são complementares, enquanto há uma série de outras, como estas que eu listei agora, que são complementares.
João Pedro Gouveia
Sim, e isso também, quando olhamos para o ranking total e olhamos até depois por setores, é interessante perceber, E trago o exemplo talvez dos transportes e da mobilidade. Nós temos soluções que é a alteração, por exemplo, da fonte de energia, do combustível, ou seja, quando falamos do veículo elétrico, dos carros elétricos, falamos de uma alteração do que é veículo com combustão interna, carro a gás óleo, para uma substituição direta para carro elétrico. E aqui é uma transformação, é uma dinâmica de eficiência, porque alteramos combustível que é muito impactante. Depois, quando falamos de soluções que temos, melhorar a eficiência associada ao transporte marítimo, mercadorias, por exemplo, ou aumentar a eficiência dos aviões, na aviação. Tudo que é eficiência tem impacto normalmente menos significativo. Pode ser mais rápido de atuar, mas acaba por ter uma transformação grande, uma tecnologia por outra, não é? Isso também é interessante perceber nos detalhes, ver que determinadas soluções que não são transformativas, são só marginais, não é? De evolução marginal ou
José Maria Pimentel
que pode ser... Ou incremental, vê no fundo, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, numa lógica de evolução incremental. Por exemplo, uma das soluções que, na verdade, acaba por ter impacto relevante e que nós já hoje, durante o nosso dia a dia, temos, que é a iluminação LED. Iluminação LED tem aumento de eficiência de quase 90% face ao que eram as lâmpadas fluorescentes compactas e até mais, mais para trás, até esses valores com as incandescentes. Isso foi uma coisa que se calhar há 10 anos nós pensávamos, e hoje há muito tempo que olho para cenários de futuro, e que era, vai ser muito caro, vai demorar, mas na verdade não, não é? Nós agora vamos a qualquer loja e conseguimos comprar quase ao lado do xampão, está uma lâmpada relativamente barata que conseguimos trazer. E eu acho que essa dinâmica acontece já em outras tecnologias como o solar fotovoltaico. Eu tenho esperança, mais do que esperança, na realidade com dados, que é que aconteça o mesmo com as baterias, que possa potencialmente vir a acontecer o mesmo de forma mais acentuada com os veículos elétricos ou com as boas de calor ou com o isolamento, tudo, tecnologias, tudo, situações que são muito importantes para a transição e que têm de ser promovidas. Agora, também acho que ponto importante trazer aqui é que não há nenhuma solução que não tenha impacto. Isto é muito importante quando nós pensamos em alternativas. Porquê? Porque se a nossa ideia como sociedade é mudarmos milhão de carros a gasóleo por milhão de carros elétricos, isto não vai correr bem. Talvez resolvemos problema das emissões a certa do uso, mas em consumo de recursos, em problemas de destruição de ecossistemas e assim, continua. Continua ou agrava. Continua ou agrava, depende da tecnologia que estamos a falar. Mas é muito importante esta ideia de agora vou tirar o carvão e o medo solar. Não tem impacto. Não tem impacto. É impacto muito menor e por isso é que são apresentadas como soluções e como alternativas de futuro porque a situação que temos, já demonstramos no princípio da conversa, fez-nos chegar onde estamos. Portanto, isto não... Temos que mudar, temos que transformar. Agora, que a transformação também é que a reta custa, também tem desigualdades, também tem desafios, claramente tem e é preciso também pensarmos é nisso, é que quando estamos a fazer alguma política, quando estamos a fazer algum investimento, estar conscientes de toda, digamos, uma integração de problema, da multidimensionalidade, ou seja, não podemos só olhar para uma dimensão, olhar para o benefício ambiental. Então, mas o social e o económico, a que custa? É que as coisas se fazem e depois é fazer a que é esta conta. Justifica-se? Sim, justifica-se porque tem benefícios locais, tem impacto relevante, pronto, então é avançar. Mas é preciso pensar, as vezes os políticos e quem decide, olha só para uma dimensão.
José Maria Pimentel
Sim, este é claramente o problema que cruza várias dimensões.
João Pedro Gouveia
Isso também queria, várias áreas.
José Maria Pimentel
E tem uma série de incertezas que tu só vais percebendo, e esse exemplo dos LEDs é bom, à medida que vais implementando. Esta análise é começo de conversa e depois tu vais percebendo ao implementar cada medida, quão viável ela é, que o efeito secundário é que tem, qual é o potencial que tem, na verdade, comparativamente com o outro. Em alguns casos, se calhar, vai ter menos do que se esperava. Em outros, de repente, há uma mudança tecnológica e as coisas correm melhor.
João Pedro Gouveia
Absolutamente. E nós temos visto isso. Tem várias tecnologias que há essa aceleração do dia para a noite. De repente...
José Maria Pimentel
Depois há outras que é ao contrário. Tinhas grande esperança e aquilo...
João Pedro Gouveia
Exatamente. E então isso acho que dá uma ideia também importante que é, nós não podemos escolher à priori cavalos de corrida vencedores. Porquê? Porque podem existir desafios e, portanto, podemos entrar por caminhos pouco complicados como estamos com os combustíveis fósseis, que é, se de hoje para amanhã toda a produção de eletricidade vai ser solar ou eólica, mas de onde é que vem o silício? De onde é que vêm os materiais? Se calhar deixamos de estar dependentes dos países produtores de petróleo e estamos dependentes dos países produtores de lítio ou do que seja. E, portanto, esta diversidade e a necessidade de continuarmos a avançar inovação tecnológica em áreas que se calhar à partida não são, não está já aqui à vista, não é? É muito importante. E isso liga com aquilo que eu há pouco estava a conversar de uma ideia de linhas de ação que é, primeiro temos coisas mais prioritárias mas mais fáceis de implementar, depois talvez escalar as tecnologias que já sabemos que existem e que funcionam, mas sempre aqui numa linha paralela, continuar a investigação de novas tecnologias, novas ideias, porque daqui a 20, daqui a 30 anos, calhar são essas que vão ser as vencedoras e que são aquelas que temos que dinamizar para a promoção desta transformação.
José Maria Pimentel
Sim, e eu julgo que interpreto bem uma mensagem central deste vosso trabalho é que o drawdown é atingível com as tecnologias atuais.
João Pedro Gouveia
Sim, porque o nosso desafio também foi, e era uma, digamos, uma premissa base é que vamos selecionar, identificar e depois trabalhar sobre medidas e sobre soluções que existam. Podem estar em diferentes níveis de maturidade. Por exemplo, nós temos, faz parte do nosso ranking, da nossa análise, energia das ondas, o uso para a produção de eletricidade de energia das ondas. Mas é uma tecnologia que está ainda em fase muito preliminar de desenvolvimento. Ainda temos vários tipos de protótipos, em termos de mecânica, em termos de funcionamento, ainda não há a tal tecnologia vencedora. Mas eu vejo essa tecnologia como bastante potencial futuro. Perguntas. Nos próximos 5 anos? Não, nos próximos 10 também acho que não, mas daqui a 20 talvez, ou daqui a 30.
José Maria Pimentel
Mas como é que ela está modelizada aqui?
João Pedro Gouveia
Não, o que nós fazemos, e isso também é ponto importante, é que nós, como é óbvio não somos donos da verdade da absoluta de todos os temas, a equipa era muito extensa, quase 100 pessoas, de diferentes países que trabalharam em conjunto e especialistas de diferentes áreas, mas a base sempre foi a investigação científica que experts de várias áreas, em diferentes contextos, faziam. Nós o que trouxemos foi essa informação e trouxemos e agregámos-la e fazemos essa análise. E, portanto, quando nós olhamos para estes cenários futuros, fomos olhar para o que é que diziam vários estudos de projeção, cenários diferenciados de se chegarmos ao grau e meio, ou a dois graus, ou a três, ou sermos mais ambiciosos em termos de metas ou de investimento, quais é que eram as gamas de adoção de determinadas tecnologias e depois analisamos em conjunto. O solar e o eólico representam grande parte da solução, por exemplo, à produção de eletricidade, mas depois temos outras, geotérmica em determinados contextos, não é à escala global, é onde há esse potencial, as ondas a caminharem mais lá para a frente a terem papel talvez relevante. Portanto, mix de eletricidade diferente do que temos hoje.
José Maria Pimentel
Sim, mas eu estou a tentar perceber é com conservadores que vocês foram para estimar os números, por exemplo, do potencial da energia das ondas. Sim. Que cenário é que vocês têm? Não há de ser a tecnologia como ela está agora, mas é que é uma coisa…
João Pedro Gouveia
Não, há uma evolução tecnológica com base não só no passado, mas no que é identificado com outras tecnologias, em que, pelo que vemos, em termos de custos e em termos de investimento, e é o que em termos internacionais, em vários estudos orientados para este tema falam é o solar fotovoltaico vai ter papel crítico no sistema elétrico, como o eólico onshore, o eólico terrestre. Tudo o resto é pouco... Depende da evolução, por exemplo, do floating em Portugal, do offshore do eólico ou das ondas. Essas duas tecnologias são as principais que necessitam mais desenvolvimento.
José Maria Pimentel
Vocês foram relativamente conservadores. Absolutamente.
João Pedro Gouveia
A ideia foi não fomos buscar os cenários mais ambiciosos, dois para amanhã temos 100% de uma terrena de tecnologia. Não. É esse balanço sabendo que as tecnologias que são hoje mais baratas e que têm mais potencial à escala global são claramente aquelas que vão ter a frente da transformação.
José Maria Pimentel
Era isso que eu estava a tentar perceber. Ou seja, a vossa abordagem é, e enfim, e neste âmbito parece-me bastante defensável, que é usar o que existe por muito que vocês reconheçam. Há tecnologias que têm grande potencial e até podem vir a tornar-se em linha de avenida, mas para já, no cenário central,
João Pedro Gouveia
não há nada que o prome. Isso dá uma ideia conservadora mesmo. E depois é outra que é também não alinhamos com cenários de evolução de custos mirabolantes. Há muitos estudos que dizem, isto agora reduz 90% em 3 anos. Não, preferimos usar para as contas do investimento e dos custos de operação e manutenção os valores atuais. Depois com discount factor, mas não aquela ideia de hoje custa 1000 e vai custar 500.
José Maria Pimentel
Sim, pois é cenário conservador nesse sentido.
João Pedro Gouveia
Também em termos de investimento, sim.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. E olha, antes de irmos à energia, enfim, ao solar, a eólica e outros, enfim, eu depois não vou percorrer a lista, quem tiver curiosidade pode encontrar isto tudo no site, mas há uma que ainda não falámos, sobretudo porque corresponde a uma categoria de quem ainda não falámos, que é a reflucitação, que corresponde à categoria de, não de diminuição de emissões, mas de captura de carbono. E portanto é interessante porque é ponto que não falámos, falámos há bocadinho, e aqui tu há bocado destes valores para as emissões de carbono, por ser autor, atualmente como é que é o cenário do outro lado da moeda, como é que é o cenário da captura de carbono. O que é que nós temos e o que é que podemos vir a ter?
João Pedro Gouveia
Sim, mais ou menos, e depois vai variando ano para ano, estes são valores de referência, cerca de 20 a 25% das emissões são capturadas pelos ecossistemas terrestres, não é só florestas, estamos a falar de ecossistemas diferenciados, não é só a floresta tropical que faz captura de CO2, de óxido de carbono. E Depois o restante, cerca dos 40%, 20% a 25% também, depende, nos oceanos e nas zonas costeiras. Então aqui é esta dinâmica, também este pensamento, que as soluções apontam para isso é aumentarmos a capacidade dos ecossistemas de capturarem CO2, de capturarem dióxido de carbono. É esta a dinâmica e, portanto, isto tem dois caminhos. É, por exemplo, zonas, áreas abandonadas, promover uma reflorestação ou uma plantação de bambu, por exemplo, também temos como solução. É, digamos assim, aumentar o potencial do planeta de capturar CO2. Então, na parte do armazenamento da captura, digamos assim, aumentá-lo na parte natural. E, evitando, portanto, uma das soluções também que está relacionada com a floresta é a conservação da floresta, que é não desflorestar. Porque se eu estou a desflorestar, estou a aumentar as emissões. Portanto, isto tem a capturar as duas vantagens, que é, se eu protejo a floresta e a amplifico, por lado não emito e por outro lado aumenta a captura.
José Maria Pimentel
Exatamente, sim, sim. E quando mandas uma floresta abaixo, era aquilo que falámos há bocado, não é? Estás a mandar para a atmosfera que estava lá guardada e estás a diminuir o potencial para a frente de continuar a capturar. Mas, portanto, não falando ainda de soluções de geoengenharia, depois que estivermos a falar disso, basicamente o que nós temos enquanto soluções atuais existentes são as florestas, os solos, ou seja, no fundo é... É parte natural dos ecossistemas naturais. Porque os oceanos, tu falaste dos oceanos, mas os oceanos não há mais nada a fazer, não é?
João Pedro Gouveia
Na verdade há, e nós numa fase mais recente começámos a olhar mais para os oceanos. Porquê? Porque há zonas, muitas áreas nos oceanos que são desertos. Portanto, há uma potencialidade de uma lógica de permacultura marinha. Podemos estar a plantar algas em zonas em que não existe nada.
José Maria Pimentel
Ah, curioso. Ok. Ou seja,
João Pedro Gouveia
aí estamos a dinamizar várias coisas, a criar novos ecossistemas para a vida marinha, não é? E depois podemos aqui, claro que isto são coisas que precisam de investimento e portanto têm que ter produto acessório, não é coproduto, em que as algas em diferentes partes do planeta, incluindo nós já também, servem para alimentação, servem para cosméticos, mas estão também a promover que o oceano seja mais saudável com maior potencialidade de captura de CO2. E, portanto, é esta a ideia também. Interessante.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim.
João Pedro Gouveia
Interessante. E, portanto, depois de alinhar com a temperatura dos oceanos e etc. Mas há algumas coisas. Quando olhamos para os oceanos também e nós começamos a alargar bocadinho o âmbito de impacto e de análise é olhar, por exemplo, para a parte da aquacultura e da pesca. A pesca selvagem, digamos assim, tem impacto não só nos barcos, mas também na consequência que isso tem na perda de biodiversidade. E, portanto, também começamos a olhar para essas dimensões. Como na área da indústria, começamos a olhar também para o que é a indústria da moda, por exemplo, que é muito impactante, não só no consumo de água, nos recursos de algodão, tudo isto é muito relevante.
José Maria Pimentel
Também tem desperdício enorme.
João Pedro Gouveia
Também tem desperdício enorme. Queima de roupa que não é usada. E, portanto, começámos também a tentar alargar bocadinho o âmbito, percebendo que é preciso trazer aqui várias áreas de atuação para cada de nós perceber o que é que realmente pode fazer em diferentes contextos.
José Maria Pimentel
Boa. Então vamos à energia, que acho que é tema que interessa a muita gente, eu incluído. Basicamente, se nós quisermos chegar à naturalidade carbónica, enfim, pelos cenários que eu vi, teríamos de ter 85, 90% de energia limpa, produzida, não é? Quer dizer, é mais ou menos isto que estamos a falar, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, claro, depende da contabilização a nível de cada país.
José Maria Pimentel
Não, estou a falar global.
João Pedro Gouveia
Mas global, sim, porque é esse balanço que lá está, se conseguimos 20, 30, 40% de captura, o resto tem que ser...
José Maria Pimentel
Ou seja, ainda continuavas a produzir uma parte com combustíveis fósseis, mas era para aí 10, 15% e o resto era tudo de...
João Pedro Gouveia
Sim, porque a ideia dessas contabilizações também é perceber quais é que são os setores, e isso deve ainda ser bastante estudado, quais é que são os setores que é quase impossível eu reduzir as emissões a zero. Lá está
José Maria Pimentel
no cinema. Aviação, provavelmente.
João Pedro Gouveia
Não, aí depende do que é que pode aparecer como tecnologia.
José Maria Pimentel
Pois, então explica, desculpa.
João Pedro Gouveia
Tem mais a ver com uma ideia que é, se eu uso gás, eu se calhar em muitos contextos posso substituir por eletricidade, e eletricidade sendo renovável. Se eu precisar de uma indústria, e aqui é o problema às vezes que está mais nas indústrias, que é se numa indústria eu preciso de muito calor, a eletricidade não funciona e, portanto, preciso mesmo de ter que queimar alguma coisa. Então aqui temos que encontrar outras alternativas e ou mudamos o material, Quando pensamos, por exemplo, no cimento, se calhar o futuro não é o cimento. O futuro da construção pode ser outro material qualquer.
José Maria Pimentel
Não requer tanto calor.
João Pedro Gouveia
É desafio para o cimento que tem que se reinventar e tem vindo a fazer, em alguns contextos, perceber como é que podem integrar outros materiais, por exemplo, na produção de cimento e depois do botão e assim, mas também, se calhar, em termos globais, é alterar. Portanto, este material não funciona, mas procuram novo que tenha menos impacto e isso acontece. Agora, o que é que nós como sociedade temos que fazer? É pensar nisto como se fosse uma balança. Por lado, se eu tenho as fontes emissoras, eu quero reduzir as fontes emissoras a zero ou mais perto de zero. No outro lado da balança, para dar este equilíbrio, eu quero pelo menos preservar o que tenho em termos de ecossistemas naturais ou aumentar. E portanto, a partir do momento que isto fica, o lado esquerdo e o lado direito ficam equilibrados, estou naquela ideia de neutralidade climática, neutralidade carbónica. A partir do momento que eu tenho o lado direito, portanto, do sequestro maior, estou a melhorar aqui e estou a ter este impacto positivo.
José Maria Pimentel
Mas tu estavas a dizer que há setores onde precisaremos, pelo menos no futuro visível, no futuro mais próximo a este século, precisaremos sempre de combustíveis fósseis, em alguns casos como por exemplo a indústria e depois há outros que se calhar não é tão certo. Estava a dar o exemplo da aviação, mas pode surgir hidrogênio e eventualmente que...
João Pedro Gouveia
É uma possibilidade. Na verdade o hidrogênio surge como possibilidade nos transportes, por exemplo, de longa distância. A mim faz muito sentido, mas pronto, ainda está
José Maria Pimentel
tudo muito... Mas já vamos ao hidrogênio, então. Desculpa. Vamos... Isto era só... Fizemos este parênteses que era só para explicar o ponto de que há casos que será mesmo muito difícil
João Pedro Gouveia
de deixar de usar. É o desafio de diferenciação. Eu vou completar essa ideia. Porquê? Porque quando olhamos para a produção da eletricidade, eu diria que atualmente já existem, grande parte das tecnologias que podem ter papel de transformação, de eu conseguir reduzir tudo o que é as emissões associadas à produção da eletricidade por combustíveis fósseis. No entanto, é bom exemplo, os transportes a determinadas áreas que pode ser mais difícil e com as tecnologias e com o que conhecemos agora não parece muito óbvio como é que eu consigo ter 100% sem emissões. O mesmo acontece em algumas indústrias. É perceber onde é que eu consigo atuar de forma mais rápida, para depois, em outras, tem que se encontrar outras alternativas. Por isso é que mesmo... E aí liga bocadinho a ideia da geoengenharia e de usar a tecnologia de sequestro. Não ser a parte natural, mas ser a engenharia para essa componente. Que é, se calhar, e os cenários futuros, que estão muitos no IPCC com essa indicação, é que nós realmente se calhar somos conseguidos chegar a esse objetivo global com o recurso de tecnologias. Agora, sequestro é isso? Sequestro.
José Maria Pimentel
Mas já lá vamos ao sequestro. Ok, também. Desculpa, era só para manter isto compartimentalizado. Porque a energia, tem aqui muitos sub-temas, não é? Pelo que eu percebi do que tu estavas a dizer há bocado, tu achas que o grosso da solução, pelo menos com as tecnologias atuais, vem do solar, bem, em detrimento de várias outras, mas desde logo em trimento de eólica. Ou seja, tu achas que o solar tem maior potencial de crescimento. Nas suas várias vertentes que falaste há bocadinho, seja os painéis solares que nós temos em casa, ou aqueles campos, enfim, não sei como é que isso se chama, que tens uma série de painéis no... Uma... Central de produção, no fundo, é assim.
João Pedro Gouveia
Esse negócio me veio o nome em inglês, de utility scale, mas, sim, é uma grande central.
José Maria Pimentel
Uma grande central, sim. E depois ainda há o outro que tu disseste há bocado.
João Pedro Gouveia
Só de concentração.
José Maria Pimentel
Que eu não faço a mínima ideia do que seja.
João Pedro Gouveia
Não é fotovoltaico. Não é com panéis fotovoltaicos. É com sal. É molten salt. Basicamente é criação de calor. Depois uma turbina com base no sol, aquece esse sal como uma mistura, que depois liberta... É uma turbina de vapor depois também, produz eletricidade. Existe nos Estados Unidos, existe no norte de África alguns exemplos, existe em Espanha alguns exemplos também, pressão de muita água para a refrigeração, pressão de muita área, o que é que tem-se visto? É que o solar fotovoltaico parece ser mais competitivo e, portanto, a aposta está mais no solar fotovoltaico. No entanto, em alguns contextos pode fazer sentido e, portanto, é preciso... E porquê
José Maria Pimentel
é que o solar é melhor do que o óleo? Não, não é questão de sentido. Melhor, desculpa.
João Pedro Gouveia
Não, eu acho que, na verdade, eles podem vir a ter papel muito semelhante, muito parecido. Agora, é perceber como é que elas vão se desenvolver, porque é muito mais fácil nós conseguirmos… lá está, depende, como é que em termos de regulação, de integração dos cidadãos, hoje fala-se muito também de comunidades de energia e assim, como é que vamos conseguir criar uma dinâmica de transformação nas nossas casas, por exemplo, de integração do solar? Por outro lado, o que é que vai acontecer ao eólico offshore, ao marítimo? E, portanto, para dizer assim, o eólico vai ser melhor que o solar como todo ou o contrário? Não sabemos bem. Há vários cenários que dão indicações diferentes, mas que as duas vão ser, na minha opinião, as principais fontes de produção de eletricidade, vão.
José Maria Pimentel
E como é que funciona a energia das ondas que falaste há bocado? É desses termos que eu conheço, mas confesso que não sei exatamente como. Ou por outra, não sei o que é que está a impedir de escalar.
João Pedro Gouveia
Sim, na verdade é a força do oceano, força do mar. Acaba por ser, porque há muita investigação, até em Portugal, no Reino Unido, na Escócia, há várias áreas ali na Irlanda, no Atlântico, que têm desenvolvido e tentado desenvolver várias tecnologias, há vários consórcios que exploram essas tecnologias. E o que acontece é que acaba por ter muita evolução, mas, por lado, ainda tem custo elevado. Por outro, estamos ainda num nível, na minha opinião, de pouco de prototipagem, que é, ainda não sabemos bem qual é aquele tipo de mecânica que pode ser útil para, de forma mais eficiente e que aguente a força do mar, digamos assim. Já temos exemplos em Portugal também de projeto que se chamava Pelamis, que era uma cobra de forma simplificada no topo que capturava a eletricidade com este movimento das ondas. Pois é que eu ia perguntar isso. Temos alguns casos, no fundo, que são oscilobotentes. Há várias aqui, temperatura... Portanto, ainda estamos nesta fase de perceber qual é que pode ser a tecnologia. Por isso é que é preciso investir mais em inovação.
José Maria Pimentel
Tu tens de conseguir converter, Para leigo como eu, tu tens de conseguir converter aquela energia num meio utilizável, no caso de eletricidade. No caso do vento é através das turbinas, no caso do fotovoltaico, enfim, através daquelas células fotovoltaicas. E nesse caso, como é que aquilo tem a ver com o movimento, não é?
João Pedro Gouveia
Algumas têm a ver com o movimento, outras não. Lá está. É que ainda estamos nessa fase de experimentar quais é que podem ser as tecnologias que aguentam a força do mar. Porque isto é muito importante, porque muitos projetos neste nível, e também é parcialmente o desafio do EOLI com offshore, é os invernos, a força das ondas. Ou seja, vamos lá, passado o mês já não está lá nada, já foi tudo destruído. E, portanto, há este desafio e, portanto, por isso é que o custo de investimento e o dinheiro necessário é maior ali porque há desafio muito grande em termos de impacto. E depois, também, a lógica depois do acesso às redes, de toda a cabulagem, da ligação e os problemas que pode vir a ter na vida marinha. Portanto, há aqui algumas regras que têm que ser cumpridas, que tem-se desenvolvida uma inovação e regulamentação nessa linha, mas que se pensarmos como uma entidade, ou uma empresa, vou escolher o quê? Vou investir em solar ou vou investir em ondas? Não, mas o solar é muito mais barato que ondas, vou apostar aqui nestes leilões, por exemplo, não é nos outros.
José Maria Pimentel
Sim, sim. E porquê que vocês... Eu sei que vocês analisaram o nuclear, não é? Estou a falar do nuclear de fissão, não é o que existe atualmente. Porquê que ele ficou lá para baixo na lista? Não sei em que lugar é que está, mas sei que está lá para baixo.
João Pedro Gouveia
Sim, está por duas coisas. Uma, e aqui a minha opinião também pessoal, pouco, que é, faz sentido usar as centrais que temos. O que existe, o que está instalado faz sentido. O que é que temos vindo a assistir também? É que muitas das novas centrais que têm vindo a aparecer têm atraso na construção enorme, têm investimento orçamentado altamente não cumprido, não é? Temos investimento muito superior ao que era orçamentado. Sim, acontecem todas. E, portanto, acho que não são tecnologias que alinham com esta necessidade de transição, de descentralização, de democratização do acesso à energia. E, então, até com riscos mais acentuados. Nós vimos, já nem falo mais para trás de Fukushima e assim, mas mesmo mais recentemente em Zaporozhye, na Ucrânia, naquelas semanas que havia aquele problema ali à volta, que se via que havia uma tensão. Porquê? Porque temos sítio com risco potencial, mas que é sítio onde está a produção de eletricidade. Comparando isso, contemos centenas, milhares de painéis em nossas casas, painéis selados em nossas casas, o risco, mesmo o desafio, não só nesta questão de guerra, mas de impactos a alterações climáticas, de repente se há uma cheia, se há incêndio, estamos muito mais dependentes de sítio, que é isso que também queremos mudar. Agora também tínhamos sítio com uma central de carvão ou outro com uma central de gás. Portanto, há aqui várias questões em relação ao nuclear. Depois, em relação aos cálculos que nós fizemos, eu relembro que o que nós fazemos é a evolução nos próximos 30 anos face ao atual. E, portanto, atualmente o nuclear, agora assim de cabeça, eu acho que anda ali nos 12, 15% não sei se tanto da produção de eletricidade à escala global. E portanto o que nós perspectivamos olhando para vários cenários é que este crescimento não vai ser tão grande assim. E então se eu comparo com a referência não tenho tanto impacto. É basicamente isso. Ou seja, se eu mantiver os 15% de produção de eletricidade e não crescer, fiquem na mesma, não tenho impacto futuro porque é o impacto que eu tenho atualmente já.
José Maria Pimentel
Ah, sim, ou seja, não é que vocês achem que o nuclear não teria impacto, vocês acham que não justifica investir no nuclear em detrimento dos outros. Sim, e
João Pedro Gouveia
por isso é que nós também incluímos no livro, porquê? Porque tem impacto relevante na redução das emissões de CO2, porque se o nosso problema for só as alterações climáticas e as emissões de CO2, o nuclear tem sentido, o nuclear que existe, lá está. É aproveitar, não é fechar.
José Maria Pimentel
Mas se dizia assim, mas desculpa, mas é que nas outras soluções vocês não estão a limitar, quer dizer, estão a limitar ao potencial da tecnologia, não ao potencial de utilização daquela solução, não é? Não, há potencial de utilização que é. Mas devia estar pouco misturado.
João Pedro Gouveia
Exato. Se eu hoje tenho menos de 1% de utilização do celular, se os cenários perspetivam que isso possa crescer para 40%, esse 39% de crescimento é o impacto que me substitui o que eu estava a usar agora.
José Maria Pimentel
Sim, o que eu quero dizer com isto é que na vossa tabela está misturado, enfim, é normal que esteja nesta abordagem em duas dimensões, que é o potencial daquela solução e quão benéfica vocês acham aquela solução em detrimento de outras. Percebe o que eu quero dizer?
João Pedro Gouveia
Mas não é bem, está mais associado ao potencial do que à nossa opção. Portanto, se fôssemos ver combinado, e foi o que nós fizemos, 40, 50 estudos que se calhar mostram 100 cenários de evolução dos sistemas elétricos à escala global, muito poucos dão crescimento muito significativo nuclear, não é verdade? E, portanto, com esta lógica e sabendo que há outras tecnologias que, para nós, não é para nós, mas faz muito mais sentido em termos de, como eu estava a dizer, da democratização, do acesso às pessoas.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim.
João Pedro Gouveia
Portanto, há sempre essa competição, pensando assim, eu preciso de ter X de eletricidade. Isto não pode ser feito todas ao mesmo tempo a crescerem ao mesmo tempo. Portanto, há balanço, cada uma tem a sua representatividade.
José Maria Pimentel
Pois, mas a questão é pouco essa, ou seja, já gosto de me apreciar, por exemplo, vocês não defendem fechar as que já existem, portanto, imagino que não defendam medidas como foram tomadas em alguns países como fechar centrais para substituir por carvão e gás. Também me parece evidente. Vocês acham que não se deve construir mais, não é?
João Pedro Gouveia
Mas não é só o achar, não é? É Com os dados que existem, o investimento que eu faço numa central nuclear nova, eu posso investir muito mais rapidamente, dinamizando muito mais economias locais, com outro tipo de soluções, com outro tipo de alternativas. É mais isso. E se calhar com muito menos impacto potencial de acontecer alguma coisa.
José Maria Pimentel
Então, mas vocês... Ou seja, a questão da segurança é evidente, não é? Embora muitas vezes seja exagerada, é claro que é evidente que é problema potencial de tu teres uma central nuclear que pode ser numa situação de guerra como aquela. Agora, deixando isso pouco de lado, tendo em conta depois outras questões, como o facto do nuclear ter outras vantagens, porque não tenho até certeza ao nível dos materiais que requer como estas tecnologias mais novas, não é? Portanto, tem menos nesse sentido, menos impacto no meio ambiente e nos recursos que faz isso, que é uma vantagem, faça algumas renováveis como por exemplo o solar. Não seria interessante ter uma estratégia diversificada em que tu... Bocadinho de ao contrário daquilo que tu falavas há bocadinho, não é? Que não punhas os ovos todos no mesmo cesto, não é? Vais apostando em todas as tecnologias... Obviamente... Eu sou capaz de fazer episódio sobre isso, mas... Não sei o que é que o convidado irá nessa altura, mas acho que ninguém defende apostar só no nuclear, não é? Até pela estrada, porque todas as tecnologias têm a certeza, mesmo o nuclear que já existe há muito tempo, e o facto das centrais estarem a demorar mais tempo do que o previsto a construir, enfim, é em si mesmo uma forma de incerteza. Mas não faria sentido pôr os ovos em vários cestos, não é?
João Pedro Gouveia
Mas isso, na verdade, acaba por acontecer. O que nós temos que pensar é que não há uma entidade global que decide como é que é o sistema elétrico a nível global. E, portanto, o que é que temos que fazer? E é o que se faz, é que cada país olha e vê as suas alternativas. E, por exemplo, quando nós olhamos para o contexto, vamos pegar em Portugal que é mais fácil, olhamos para o contexto português, Temos já atualmente 60 a 70% de eletricidade que vem de fontes renováveis, que temos potencial de crescimento. Portugal é o país da Europa com mais horas de solo. Somos dos países que menos têm aproveitado o solar fotovoltaico. Num contexto de autonomia, de independência energética, de uso dos recursos que temos atualmente, não tem, em Portugal então, não tem cabimento nenhum a prestar em centrais, em uma central nuclear.
José Maria Pimentel
Mas aí podia exportar, não?
João Pedro Gouveia
Não, porque o pensamento é, cada país acaba por pensar também qual é a sua melhor opção e portanto depois estamos a canibalizar pouco o mercado elétrico com esta ideia de vamos exportar, mas se todos pensarem assim, todos exportam, então quem é que recebe?
José Maria Pimentel
Então, mas é ao contrário, nós agora temos problema, se eu estou a ver bem a coisa, nós temos problema gigante, déficit de produção de energia limpa a nível mundial. Claro que tu podes chegar a ponto em que tens excesso e portanto tens excesso de capacidade instalada, mas se eu estou a ver bem nós estamos muito longe disso ainda.
João Pedro Gouveia
Claro, mas a questão aqui é que num caso de determinadas regiões depende do seu contexto. Portugal não pode exportar, tem uma limitação, tem que passar por Espanha e até onde nos Pirinelos cria-se essa discussão constantemente na Europa. Porquê? Porque França tem nuclear e tem esse pensamento também. E, portanto, o que é que nós também vemos? Basta olhar. Últimas semanas, no inverno, no problema do inverno que foi tão grave em termos de impacto nas populações e nos preços de energia assim, que tudo o que dependia, por exemplo, do gás, neste caso da Rússia concretamente, E quando olhamos para Portugal e para a Espanha, com uma capacidade de energia renovável que têm, não teve menos impacto no preço da eletricidade. Ainda agora, últimas semanas, últimos dias, é quase preço zero.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Não, não. Portanto... Isso eu não estou a por isso. É evidente que é ótimo. Não, não, claro. Agora... Eu digo, é quase como tu ires para uma guerra e dispensar alguns soldados, não é? Quer dizer, sobretudo, havendo incerteza daqueles que vão ficar doentes ou daqueles que têm mais capacidade do que outros, não é? Estar a deixar de lado. Ou seja, eu entendo que haja uma discussão de até que ponto é que tu deves apostar, não é? Mas apostar zero, ou seja, não construir... Então vou falar a nível global, não necessariamente de Portugal.
João Pedro Gouveia
Mas isso é diferente, porque aí nós temos que olhar para o potencial que cada país tem dos seus recursos. Se fôssemos olhar para a Polónia, a Polónia usa, não tem muito potencial de energias renováveis, usa muito carvão. Quais é que são as alternativas? Não tem muitas. E tem exemplo que se calhar pode, em algum contexto, fazer sentido. Agora, olhando para as alternativas em cima da mesa, olhando para os custos que têm, olhando para os impactos potenciais, olhando para a velocidade de transformação, o que nos mostra, os dados que nos mostram, é que não parece ser muito viável também a tecnologia que temos atualmente. Pois há conversas de tecnologias mais para a frente podem aparecer, mas esta conversa de nuclear alternativo tem 60, 70 anos, sempre com esta ideia de agora é que vai aparecer. E demora a aparecer. Ou seja, esta ideia de uma tecnologia de futuro que nos vai salvar é uma má prática também porque nós também queremos transformar o pensamento face a esta área, transformar a economia, dinamizar as pessoas e portanto tudo o que podemos fazer de forma mais aberta é o ideal.
José Maria Pimentel
Sim, a fusão era ótimo, mas não... Para caso fiz episódio sobre isso, mas não tinha que perguntar isso porque se ninguém faz ideia ainda. E depois há a questão da produção de energia e depois da maneira como ela é utilizada e aí tu tens, basicamente pelo que eu percebo, por exemplo, em veículos tu tens a hipótese de converter em eletricidade, que depois fica armazenada uma bateria, ou a questão do hidrogênio, que é muito falado há uns anos. Qual é verdadeiramente o potencial do hidrogênio? Na tua opinião, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, lá está. Isso tem uma conversa muito grande por trás porque é muito importante a maneira como nós produzimos hidrogênio.
José Maria Pimentel
Porque o hidrogênio não é a energia do curo, não é?
João Pedro Gouveia
Não, é como a eletricidade. Como ela é armazenada. É vetor. É vetor, exatamente. É vetor. E portanto, aqui é muito importante. Agora, ou seja, se estamos a... É a mesma ideia da eletricidade. Se eu tenho carro elétrico mas estou a produzir com carvão, tem menor impacto se eu estiver a produzir com energias renováveis. E o hidrogênio é exatamente a mesma coisa. Se eu estou a produzir hidrogênio de combustíveis fósseis, não é uma vantagem como potencialmente pode ser o hidrogênio com energias renováveis. E aí é que está também a conversa, que é muito importante. A ideia de nós integrarmos muito mais, incorporarmos energias renováveis no nosso mix de eletricidade em alturas de excesso de produção, que lá está, não podemos controlar, o hidrogênio, as baterias podem surgir com este equilíbrio do sistema. Portanto, eu acho que pode ter potencial, eu acho que, na minha opinião, não vai competir com, e pelos dados que têm visto, não vai propriamente competir com os veículos elétricos de passageiros, ou seja, nós se calhar não vamos ter veículo hidrogênio, mas faz-nos mal o que estava a dizer. Mas caminhões, hidrogênio. Caminhões, a mercadoria, veículos pesados, mais longa distância, que precisam de mais capacidade também, talvez a parte marítima, potencialmente a aviação, ou seja, vejo mais a funcionar aí. E depois, claro, em algumas indústrias, para a queima do hidrogênio lá está, para aquela parte do calor necessário. Portanto, não há de ser transversal até porque é pensar assim, aqui no hidrogênio, vamos até olhar para a mobilidade, não estamos a pensar que é só eu trocar carro a gás a óleo para hidrogênio. Porque enquanto eu faço, eu posso ter esse pensamento de eletricidade e toda a gente tem eletricidade em casa, há uma rede elétrica estruturada na Europa, em Portugal, quando eu olho para o hidrogênio tinha que criar essa infraestrutura. Portanto, tem custo adicional muito superior. Portanto, Há este equilíbrio todo que é preciso ter atenção. Eu acho que há de ser mais aqui em alguns locais, em algum nicho e em alguns contextos.
José Maria Pimentel
Mas qual é a vantagem e a desvantagem que o hidrogênio tem, face a teres de carro a bateria? É que tem mais potência ou por outra, permite armazenar mais do que uma bateria de carro.
João Pedro Gouveia
Sim, é uma maneira diferente. Na verdade, também, nós quando começámos a ver há alguns anos os veículos elétricos, as baterias duravam, eram 0,5 km, 50, 100, 150 e de repente temos, facilmente, temos carros, não é, só o Tesla ou outros, que chegam a 700 km de autonomia e, portanto, aqui pode não estar tanto por aí. Eu acho que é mais aquela ideia da diversidade, não é? É explorar. Depois depende da evolução dos custos, do que vai acontecer. Eu acho que é explorar as duas. E depois ver onde é que é que para. Porque podemos chegar a uma transformação tecnológica tão rápida que os veículos de hidrogênio podem ser muito mais baratos que os outros e, portanto, ganharam e avançam-se por aí. Isso sempre assim, não é? Sim, por ora não parece ser o caso.
José Maria Pimentel
Não, agora não. Mas as baterias têm... A ideia que eu tenho é que há aí grande desafio porque mesmo... Lá está mesmo... Há algumas exceções, mas mesmo Os melhores carros elétricos continuam a ter... A ideia é que eu tenha menos autonomia do que carro a gasolina ou a gás óleo. E, por exemplo, eu aqui em casa instalei painéis fotovoltaicos e considerei por uma bateria. E os tipos da própria empresa que instalou, portanto, que teriam interesse até em fornecer o produto deles, disseram que não valia a pena porque é que ele tem pouca capacidade e depois também como tem uma sucessência relativamente rápida não ia justificar o investimento que significa que depois ainda há parte da energia que não estou a usar, não é?
João Pedro Gouveia
Sim, isso também é desafio dos early promoters de uma tecnologia, não é? Que é, é preciso mais desenvolvimento, não está na sua eficiência maior, mas que é bocadinho diferente o que é que são essas baterias para as casas do que são as baterias nos veículos. Há aqui uma certa diferença de utilização também, mas eu vejo ambas, tanto nos veículos como para as casas e para a gestão da rede elétrica, como muito importantes. Portanto, os custos também têm vindo a reduzir acompanhando as tendências dos solares e assim.
José Maria Pimentel
Boa, e finalmente, deixámos pendurada a questão da geoengenharia, não é? Porque naquelas medidas que aparecem na tabela nós vemos a questão de recuperar florestas, há aquilo que se chama silvopasture.
João Pedro Gouveia
Na verdade é o montado, o ecossistema de montado.
José Maria Pimentel
Ou seja, isto é natural. Não é geoengenharia.
João Pedro Gouveia
Não temos na lista nenhuma. De geoengenharia. Não temos. E porquê? Porque é
José Maria Pimentel
também muito incerto, provavelmente.
João Pedro Gouveia
Não é só incerteza, é aquela ideia que parte do nosso problema tem a ver com a dinâmica de economia, da extração de combustíveis fósseis, de todo o impacto que isso tem. Numa ideia que se encontramos uma tecnologia, que nesta APA aparece de forma significativa, que nos, por exemplo, consiga capturar numa chaminé de uma central a carvão ou de uma indústria. Essas emissões, para além de terem custo energético muito acentuado, há alguns pilotos e protótipos pequeninos que demonstram que há acréscimo de gasto, mantemos a ideia de extração de recursos e de combustíveis fósseis do planeta. Portanto, não há uma transformação para energias renováveis ou assim porque podemos manter tudo como está. Isso é o ideal para o lobby dos combustíveis fósseis. Mas porquê que isso é mau? Está tudo bem? Não, porque atualmente já vemos, mostramos no princípio, que chegamos a ponto com muito impacto e derivado à cama de combustíveis fósseis. Portanto, a ideia de eu continuar a poder extrair petróleo de areias bituminosas no Canadá com uns forços energéticos gigantes já na altura para tirar bocado de terra, petróleo, que depois venho a usá-lo numa indústria ou que estou a extrair carvão em condições de impacto igual ou muito pior do que também estou a extrair lítio, ou outra provavelmente muito pior do que extraio novos materiais que são tão criticados ou tão comentados nas novas tecnologias energéticas. E portanto, se a ideia for, posso manter tudo como está, posso usar o carvão que eu quiser, posso usar o gás que eu quiser, que depois no fim de linha, no final de uma central ou assim, eu consigo fazer a captura de parte desse CO2, mas consigo fazer a captura e depois preciso armazená-lo nalgum lado, que tem riscos ou tem problemas.
José Maria Pimentel
Ah, ou seja, a vossa objeção é por isso.
João Pedro Gouveia
Não é só isso, é que não conseguimos mudar efetivamente sistema para sistema que impacte positivamente o planeta, porque afinal podemos manter tudo como está. E depois olhando, Não há nenhuma tecnologia, ou seja, agora assim o número de cabeça é por aqui, que é em todas as centrais, em todos os pilotos que existem de captura de CO2 nas indústrias e nas fábricas e nas centrais, capturam ao longo de ano as emissões de dia. Portanto, estamos muito longe. E já se meteram muitos milhões de euros nestas tecnologias. E, portanto, o que é que isto demonstra? Demonstra que não podemos esperar, ou seja, não podemos manter o status quo que temos de desenvolvimento económico e de extração de combustíveis fósseis e na economia da energia, digamos assim, como estamos? Porque a ideia não pode ser, olha, agora vou esperar 20 anos, podemos ficar aqui parados, daqui a 20 anos pode aparecer alguma tecnologia relevante. Ah, pois, pois. Isso não funciona. Essa ideia do silver bullet, seja para o que for, não funciona. E portanto temos que desde hoje pegar no que existe realmente o terreno e escalá-lo. E esse aqui é o tal desafio. É a mesma coisa da ideia de uma tecnologia que é captura direta de carbono do ar. Em inglês é DACS, Direct Air Capture. Isto é tipo aspirador que puxa o ar e há algumas empresas que tentam perceber como é que isto funciona, mas estamos neste nível. Portanto, o que é que acontece? E na verdade, quando olhamos para os cenários do IPCC, quando olhamos para os cenários do futuro, para 2050 e assim, essas tecnologias podem ter papel relevante naquele balanço para tentar chegar ao zero das emissões. A que custa? Muito acentuado. Primeiro aparece tudo o resto. Aparece o isolamento, aparecem tecnologias renováveis, aparecem as lâmpadas, bombas de calor, veículos de sudo e mais alguma coisa, porque em alguns contextos pode fazer sentido. E aqui é que esses cenários todos do futuro demonstram também que é. Eu transformei a maioria dos sectores, consigo transformar a maioria dos sectores, mas há alguns que são difíceis. E é nesses que são difíceis que eu vou usar aqui e ali essas tecnologias de captura e sequestro de carbono. Exato, sim. Não é em todo o lado, não é manter tudo o que temos e continuar.
José Maria Pimentel
E há umas mais maradas ainda, como aquelas espécies de espelhos.
João Pedro Gouveia
Ah bom, mas isso é outro... Exato, lá está. Isso não é captura, isso é... Isso é na geoengenharia de... Isso é
José Maria Pimentel
corrigir a equação do outro lado. Sim, isso é completamente... Para quem nos está a ouvir, diminuir os raios que chegam à Terra, no fundo. Há
João Pedro Gouveia
várias ideias de ficção científica que vão surgindo, que eu acho que acabam por ser sempre muito baseadas numa manutenção da situação atual e na minha opinião são muito puxadas pelos lobbies de combustíveis fósseis.
José Maria Pimentel
Sim, porque não é preciso fazer mudanças de divisores. Há aqui uma tensão e eu acho que vocês tomam uma posição nessa tensão, que eu acho que é legítima. Ou seja, é bom ser transparente, acho que é perfeitamente legítima que há uma tensão entre tu considerares que o que existe são as soluções atuais e portanto isso vai requerer esforço maior de alteração de hábitos falámos aqui de uma série de coisas, não é? Transformação energética para as tecnologias que já existem uma dieta mais baseada em vegetais menos desperdício e tudo mais e depois há o outro cenário em que tu confias que tecnologia pode resolver o problema e pode ser nestas áreas todas, pode ser porque de repente surge fusão nuclear, pode ser porque consegues capturar carbono, pode ser que nesses cenários de mais deficiência científica e aí requeriria menos alterações, Menos alterações aos indivíduos e menos alterações a esses lobbies que tu falavas, não é? No fundo, que os incumbentes, não é? Que beneficiam... E na verdade nós não sabemos o que é que vai acontecer, não é? E vocês tomam partido pelo primeiro cenário?
João Pedro Gouveia
Mas, porquê? A lógica é... O... A outro lado é válido. É válido é a médio ou a longo prazo perceber que tudo é válido, tudo pode aparecer. Agora, esperarmos, não fazermos nada, pensamos que a situação atual está boa, que não está e, portanto, não se atua, é que é errado. Porque não é só uma questão tecnológica. É, claramente, o papel da tecnologia é muito relevante, não é? Mas há outras dinâmicas que é preciso...
José Maria Pimentel
Sim. O que eu quero dizer é, aqui também é uma questão política, não é? E há quem diga, e a pessoa pode dizer que é discurso bocado cínico, e em muitos casos será, mas não te acho que não, não é? Quem diga que estas alterações que vocês disseram são pouco viáveis no sentido em que o desperdício provavelmente tem alguns ganhos fáceis mas depois a partir de certo ponto há desperdício que é quase incontrolável, é muito difícil mudar os hábitos das pessoas e portanto tu tens de apostar tudo na tecnologia para conseguir, nas várias frentes, para conseguir resolver o problema é a única solução. Há quem seja dessa escola. E isto tem certo lado político-político no sentido de lato, no sentido valorativo, da pessoa dizer, não, nós temos de facto fazer essas mudanças. Temos de combater o lobby dos combustíveis fósseis, não é? Tu falavas há bocadinho.
João Pedro Gouveia
O balanço é sempre. Eu acho que nessa perspectiva eu até acho que sou bastante equilibrado, que é a tecnologia é essencial. Demonstra isso. A eficiência energética é muito importante, as pessoas estarem mais confortáveis em casa, as pessoas terem acesso a tecnologia mais limpa, reduz nos problemas. Porque a questão é, aqui também tem a ver que soluções de combate às alterações climáticas são soluções que, maioritariamente, são soluções que mesmo sem alterações climáticas eram relevantes de aplicarmos. Ou seja, Eu estar a apostar em isolamento. Ter isolamento em casa ou ter janelas duplas...
José Maria Pimentel
É mais eficiente.
João Pedro Gouveia
Sou mais eficiente, consumo menos recursos, sou mais confortável, tenho menos problemas de saúde. Isto é uma dinâmica. No outro lado, eu apostar em celular fotovoltaico. Nós, se calhar, aqui nesta conversa, até de repente, e como temos o nosso contexto, pensamos em solar fotovoltaico e pensamos logo, era num prédio em Lisboa ou num armazém Algures. Mas, este tipo de soluções, em especial o solar fotovoltaico, tem num contexto, no meio da África, Algures, numa ilha isolada, tem contexto, pode ser muito significativo em termos até económicos, que era, usava-se, usava querosene para uma lâmpada com custo muito grande, com impacto em termos de qualidade do ar na sua pequena casa, passando a ter painel solar fotovoltaico tem outra dimensão, acesso à educação, questões de saúde, económicas, para aquelas famílias alterações climáticas é o menos que interessa, a não ser os impactos. Mas não é por isso que surge uma alteração. É bocado aqui por aqui. Há uma alteração tecnológica altamente necessária, mas há em muitas áreas uma alteração comportamental que é preciso, porque somos muito eficientes, somos muito utilizadores de recursos e com impacto muito significativo.
José Maria Pimentel
Isto liga bem. Uma coisa que tu tens falado muito que é a questão da pobreza energética, particularmente em Portugal, porque nós temos, embora... É aquele nosso paradoxo, que embora tenhamos bom clima, depois há aquela brincadeira que eu já ouvi mensagem de fazer que vivem, por exemplo, em países europeus mais frios, que passa mais frio cá do que lá, porque as nossas casas são de facto muito mal isoladas e há casos em que as pessoas passam o mesmo frio no inverno.
João Pedro Gouveia
É exatamente isso. Eu acho que até é problema que tem alinhamento muito parecido com o combate a alterações climáticas, na verdade, porque o combate à pobreza energética alinha muito com soluções também que são importantes para a descarbonização e para a melhoria nessa componente que estávamos agora a conversar, que é eu apostar em eficiência energética, apostar em isolamento, eu integrar energias renováveis nas habitações. Tudo isto é útil não só para a descarbonização, mas também para o combate à pobreza energética. Portanto, eu acho que este alinhamento em termos tecnológicos e de soluções é muito importante. É os tais co-benefícios. Estou a atacar problema e estou a resolver se calhar outro.
José Maria Pimentel
E na verdade, diz-me se eu estou a retratar isto bem, o que acontece é, numa casa de alguém que tenha meios para pagar isso, ela vai deixar de consumir tanta eletricidade e, portanto, vai deixar de poluir tanto por essa via porque tem a casa mais bem isolada. Numa casa de alguém que não tem recursos para aquecer, a pessoa estava a passar frio e deixa de passar frio. Ou seja, na primeira, tu resolveste o problema ambiental, na segunda resolveste problema, de fundo desigualdade, problema social com a mesma solução.
João Pedro Gouveia
É exatamente isso. E até há aqui outra dinâmica interessante que é quando olhamos para o problema em Portugal nós temos mais ou menos milhão e meio, quase três milhões de portugueses em condições de pobreza energética. E aqui a questão também deriva de três coisas principais, que é os preços de energia, que são muito significativos, porque se eu posso aquecer ou não a casa, se posso ligar o aquecimento ou o ar-condicionado ou o que seja. Por outro lado, temos também a componente bastante mais estrutural e de uma génese, de uma história mais alargada, da qualidade dos nossos edifícios. Ali 70, 80% dos edifícios em Portugal não são eficientes, portanto não têm isolamento, as janelas também são de vidro simples, a caixilharia com problemas. Com quarto, as estatísticas dizem que quarto das habitações em Portugal têm problemas de umidade, infiltrações e bologros. Portanto, não é só uma questão de eficiência energética ou de energia lata ou das emissões, é muito mais, na minha opinião, uma questão de social e de impacto nas pessoas e de saúde. Se eu tenho estas questões tão significativas, é problema que acaba por ser problema político, não só em Portugal, mas na União Europeia. Estamos aqui porque decisões políticas nos fizeram chegar aqui. Olhe lá está, porquê? Para acabar este triângulo de origem. Temos os edifícios, equipamentos, a eficiência dos equipamentos e edifícios, temos os preços com energia e temos o rendimento. Em Portugal, 17% dos portugueses também, olhem daqui pessoal a Portugal, estão em risco de pobreza, com bastantes dificuldades. Quase 800 mil famílias em Portugal recebem apoio para pagar a sua fatura de eletricidade, a tarifa social. Temos aqui, drivers, promotores de vulnerabilidade muito significativos. Isto não é problema só português, é problema também a nível europeu. Ali, 45 milhões, assim, número de referência, 40 a 45 milhões de europeus estão em alguma condição de pobreza energética e eu aqui digo condição porque...
José Maria Pimentel
Como é que se mede isso?
João Pedro Gouveia
Estes números, na verdade, acabam por ser uma gama. Como eu também disse em Portugal, há uma gama. Na Europa também varia entre os 30 e talvez 100 milhões de europeus. E porquê é que é este número? Porque a Comissão, e nós fazemos parte, nós na Faculdade, eu coordeno cientificamente o Energy Poverty Advisory Hub, que é comitê de apoio à Comissão Europeia na área de pobreza energética. E o que a Comissão não gosta assim tanto, não ter número, não dizer assim, é melhor ter número, não é? E nós sempre dizemos que, na verdade, por ser problema multidimensional, as pessoas podem estar com a incapacidade de aquecer a casa no inverno, podem estar vulneráveis no verão e não conseguir ter desconforto no verão, que são dois números diferentes, são dois indicadores diferentes, duas estatísticas. Podem, por exemplo, ter que é problema que em Portugal não temos assim tanto, por diferentes questões que eu posso explorar bocadinho, mas que é traze no pagamento de contas de energia. Em muitos países europeus isto é problema significativo. Por exemplo, quem tem redes de calor permanentemente está confortável em casa, mas também quer dizer que está permanentemente a gastar, tem uma fatura de gás, por exemplo, ou de calor para pagar. Que em Portugal não temos essa situação. Porquê? Porque, A maioria dos portugueses passa frio em casa, por exemplo, estamos genericamente desconfortáveis, isso também não quer dizer que toda a gente esteja em pobreza energética. Depois...
José Maria Pimentel
Pois, por isso é que eu estava a perguntar como é que se me dia,
João Pedro Gouveia
não é? Sim, sim.
José Maria Pimentel
Numa divisão muito lata eu também estou em pobreza energética, também passo frio em casa e não me parece que seja.
João Pedro Gouveia
Não, e saúde e desconforto, lá está, porque a pobreza energética acaba por ser quando temos a incapacidade ou a dificuldade e não é uma questão de escolha, não é tanto uma questão de escolha, porque eu posso dizer assim, eu não quero gastar dinheiro a aquecer aqui a minha casa porque quero ir ao cinema, ok? E jantar fora, tem prioridades, não é? Estamos a falar de situações bastante extremadas que as pessoas não conseguem aquecer, mas não aquecem porque têm que comprar medicamentos ou porque têm que se alimentar, ou, pronto, aqui várias situações de vulnerabilidade. E então, quando nós em Portugal não temos estes valores de atraso no pagamento de contas é relativamente baixo, temos 5% da população comparado com os outros indicadores que andam ali à volta dos 20, 25, 30. Porquê? Por a primeira razão é que passamos frio, portanto nós não ligamos o aquecimento, já sabemos, não vou ligar porque isto vai correr mal no final do mês, não é? Pronto, Isso é fator. O outro fator, como eu já disse há pouco, se temos 800 mil famílias, 20% da população quase das habitações a receber em tarifa social, que faz uma redução de cerca de 33% à fatura da eletricidade, também estão a ser apoiadas, portanto não temos essa dificuldade. E, por último, em Portugal o segundo combustível mais usado nas habitações é a lenha, que também não aparece uma fatura, não é? Portanto, há diferentes expressões. É sério? Incrível. Sim, é a eletricidade e depois é a lenha. Incrível. E então...
José Maria Pimentel
Bom, sim, quer dizer, incrível. Também não estou a ver... Mas aparece quão longe, desculpa, da eletricidade?
João Pedro Gouveia
Repara que temos que olhar para a parte do aquecimento, da climatização. E então, agora assim, de repente, não... Mas é uma diferença, não é assim tão grande. Porque nós, em Portugal...
José Maria Pimentel
Faz sentido, é meios mais rurais, não é uma coisa muito...
João Pedro Gouveia
Exatamente, e isso tem aqui duas vantagens, não é vantagens, mas tem duas dimensões que é preciso olharmos, que é, por lado, tem uma vantagem usarmos lenha porque nas pessoas mais vulneráveis, se calhar, num contexto mais rural, têm acesso a combustível ou barato ou grátis, não têm acesso ao campo ou o que seja, Mas por outro lado, quando as pessoas já estão mais avançadas de idade, já têm problemas de saúde, também não é fácil… deixam de poder usar, porque deixam de conseguir ir cortar, deixam de conseguir usar, deixam de conseguir transportar e têm problemas de qualidade do ar relevantes. Portanto, mesmo quando olhamos para a pobreza energética e tentamos apontar soluções de longo prazo e até alinhando com a descarbonização e com alterações climáticas, é preciso percebermos que as soluções, eu tenho dito muito isto até a nível de pensamento político, que é político quando está a atuar sobre alguma estratégia de descarbonização ou de alterações climáticas deve pensar assim, ok, mas qual é a vantagem positiva e negativa, por exemplo, para as pessoas mais vulneráveis? Pensar sempre assim, mas agora ok, vou dar este subsídio para o solar ou vou dar este subsídio para o veículo elétrico, eu estou a chegar às pessoas mais vulneráveis, não estou a deixá-las de fora da transição. O que é que eu posso fazer então para resolver esse problema? E quando olhamos, por exemplo, para a parte da lenha, que é tendencialmente em termos de sistema energético e de otimização e de eficiência e assim, idealmente toda a gente devia ter uma bomba de calor no futuro, altamente eficiente, sem problemas de qualidade do ar e consequências. Agora, em que contexto? Se eu tenho uma casa pequena, se eu tinha grátis a lenha, mas tenho dinheiro para investir no sistema abstrato e total, mais eficiente, eu tinha dinheiro para investir? Não tenho e, portanto, é preciso ver esse balanço como é que eu realmente consigo ajudar as pessoas numa transição energética, numa lógica justa, de equidade, mas sabendo que eu não posso aumentar mais vulnerabilidades.
José Maria Pimentel
Sim, e há soluções que não funcionam em todas as... E esse
João Pedro Gouveia
é outro contexto, por isso é que aquela análise à escala local, não só no âmbito da pobreza energética, mas de tudo o que estávamos a falar, é muito importante porque as coisas têm diferentes enquadramentos.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Sim, e há soluções que... Estou a lembrar, por exemplo, daquela medida que o governo tinha tomado de aumentar o imposto do... Aumentar o IUC, que resolveu errar os carros, a gasolina e a gás e óleo, que na verdade é uma medida... Enfim, pode-se discutir se é por aí ou não, mas é uma medida cuja direcção faz todo sentido, só que depois acaba por prejudicar que ainda não teve meios para passar por
João Pedro Gouveia
carro elétrico. Exatamente. E isso é o que nós vemos também. Mas aí é que está o desafio. Por isso é que faz sentido ter sempre políticas orientadas e financiamentos orientados para esta franja da população, que é bastante significativa, infelizmente, em Portugal, mais vulnerável. Porquê? Porque qualquer coisa que surge mais transversal para a sociedade, acabam por ser as pessoas mais capacitadas, com mais conhecimento, com mais literacia, não só energética, financeira, digital, não é que acabam por aceder. Estamos na linha da frente. Estamos na linha da frente porque percebem, até têm alguma coisa se calhar para dar o apoio do investimento, percebem como é que as coisas se preenchem, sabem com quem falar e chegam lá. Portanto, os outros todos, que são quem devíamos priorizar, estão com mais dificuldades e isso é preciso atuar nessa dimensão também.
José Maria Pimentel
Boa, olha, terminamos. Eu gosto, neste tipo de conversa, de perguntar sempre isto. Há alguma coisa que eu não tenha perguntado?
João Pedro Gouveia
Não, acho que está ok. Explorámos aqui muita coisa diferente. Bom,
José Maria Pimentel
João Pedro, obrigado.
João Pedro Gouveia
Obrigado eu.
José Maria Pimentel
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