#156 Gregório Duvivier - Fazer humor no Brasil é coisa séria?

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel, sejam muito bem-vindos ao 45° primeiro episódio de 2024. Espero que tenham tido todos boas festas, bom Natal e desejo-vos grande novo ano. Obrigado por continuarem desse lado, a ouvir e divulgar o podcast e agradeço em particular aos novos mecenas Ricardo Campanhã, Nuno Pereira, Sérgio Romão, ao Miguel Matias, ao Aurélio Rodrigues e ao Tiago Almeida. Ano Novo rima com anúncios e tenho anúncio a fazer de que vêm aí novas sessões do workshop de pensamento crítico. Ainda uma sessão do módulo que tenho estado a dar de argumentar com lógica, que será online, e várias sessões do módulo 2 que vou lançar este ano, o módulo sobre explicações, ou seja, como produzir boas explicações, seja para explicar algo na nossa vida pessoal, para o nosso trabalho, sobre o país e a política, enfim, no fundo para conseguirmos formar opiniões com uma base mais sólida. Se tiverem interesse, vejam como se inscrever na descrição do episódio ou no site do podcast, 45grauspodcast.com. Aqui no 45 Graus começamos o ano em grande com excelente convidado, Gregório Duvivier. O Gregório é hoje uma das principais figuras da cultura brasileira, mas não é muito fácil defini-lo, porque ele é, ao mesmo tempo, ator, humorista, guionista e escritor. Começou a carreira como ator, no cinema e no teatro, onde deu nas vistas e, a partir de 2012, destacou-se também como dos criadores do coletivo porta dos fundos, cujos sketches o tornaram conhecido em Portugal. Nos últimos anos, o convidado tem se dedicado também à escrita, seja enquanto colonista, seja como autor com vários livros publicados que vão da comédia à poesia e até à literatura infantil. Nesta conversa com o Gregório falámos de muita coisa, mas andámos sempre a oscilar entre dois terrenos. Uma discussão meio filosófica sobre o humor, ao estilo das que já ouviram aqui com convidados humoristas anteriores, e uma conversa sobre a situação política do Brasil nos últimos anos. Sendo que, Na verdade, a maior parte do tempo estivemos, a alguros, na interseção entre estes dois terrenos. Isto porque o Greg News, talk show satírico, disponível na HBO e no YouTube, a que o convidado tem dado a cara nos últimos anos, habita precisamente esse espaço difícil de ferir. É programa de humor, mas com opinião. E essa opinião é visível seja no combate ao bolsonarismo, pela democracia, seja na defesa da imagem da desesquerda, que é perfeitamente assumida no programa. Entre as questões que discutimos na nossa conversa, falámos, do lado do humor, por exemplo, sobre em que medida é que os nossos valores, a nossa moralidade, colidem com a nossa capacidade para rir de algo e nos facilitam rir de outras coisas? Tema relacionado, que lugar existe na comédia para humor sobre temas tabu? E será que as melhores piadas transmitem algo de verdadeiro? Algo em que ainda não tínhamos pensado? E nessa linha, podemos falar de dever do humorista em desafiar, em provocar o público? A propósito do trabalho do Gregório no Greg News, perguntei-lhe qual desafiante tem sido fazer programa destes, de humor com opinião, quer na era Bolsonaro, quer agora com Lula, de quem ele tem uma maior proximidade política. E perguntei-lhe também se concorda com a observação que tem sido feita em relação aos Estados Unidos de que este tipo de programas estão em muitos casos a substituir o jornalismo tradicional no escrutínio ao poder político. E será que isso tem alguma coisa a ver com a perda de confiança dos cidadãos nas instituições tradicionais de que os média fazem parte, a mesma perda de confiança que explica também o sucesso precisamente de políticos populistas como Bolsonaro ou Javier Millei na Argentina. Relativamente à política brasileira, falámos sobre a polarização que existe na sociedade brasileira, muito maior do que em Portugal, sobre o novo mandato de Lula e sobre como lidar com a desigualdade e o racismo estrutural no Brasil sem, ao mesmo tempo, embarcar num identitarismo desbragado. Foi, como vão ver, uma bela conversa. Acabámos por falar mais sobre humor e política, mas o Gregório é também, como disse há pouco, ator e guionista. E aliás, no dia seguinte a termos gravado, fui ver o espetáculo Portátil, do Porta dos Fundos, uma peça de teatro de improviso que levou em tour pelo país o Gregório e os outros atores do grupo, incluindo uma convidada portuguesa, a Inês Aires Pereira. Gostei muito do espetáculo. Eles devem voltar, por isso recomendo que metam na agenda. E o Gregório é também escritor e poeta, sendo que a poesia, como ele diz a certo ponto na conversa, partilha com o humor uma certa maleabilidade, flexibilidade, que lhe permite chegar por vias travessas a verdades importantes que às vezes não são acessíveis no raciocínio normal. E exemplo disso é, claro, a crítica social. Por isso, decidi começar a nossa conversa a ler soneto de convidado que achei na muxe. O poema identifica hábito meio bizarro, mas que é quase universal entre nós, que é, quando estamos a conversar, em vez de estarmos concentrados em escutar o outro, que a partida tem algo a ensinar-nos, algo a dizer que nos pode interessar, nós tendemos a estar, muitas vezes, à escuta, e isso sim, de uma pausa, para termos uma aberta para meter a nossa colherada. Ou seja, em vez de estarmos a escutar o outro, queremos é falar e dar a nossa opinião. Espero bem que esta nossa conversa tenha fugido dessa regra. Estou convencido que sim, mas vejam lá o que acham. Gregório, bem-vindo ao 45 Grau.
Gregório Duvivier
Obrigado querido.
José Maria Pimentel
Enfim, tu eres tantas coisas, humorista, guionista, ator, escritor e há livro, há livro muito giro que tu tens de sonetos, pequeno livro, mesmo pequenino, até
Gregório Duvivier
bocado preguiçoso, não é? É bastante.
José Maria Pimentel
Precisas ter posto, sei lá, umas imagens só para...
Gregório Duvivier
Pois é, fiz falta, por isso, Mas eu pedi pelo menos para publicar poema a cada folha e não a cada página para ganhar pouquinho. Para fazer render. Para ver se o livro conseguia ficar de pé, mas não fica, ainda assim ele cai tem que abrir ele para ficar de pé, problema.
José Maria Pimentel
Há vários truques para isso, páginas mais grossas também ajudam eu recomendo porque o livro tem sonetos muito giros, entre os quais que eu acho que se tornou famoso com muita gente sobre Portugal, sobre dating em Portugal. E há que eu gostei imenso porque coincide com uma impressão que eu já partilhava. Eu acho que vou tentar ler. É a primeira vez que eu vou ler soneto no podcast. Isto pode ser o fim do podcast. Tu estás aqui a testemunhar. Acho que é a primeira vez que leio soneto alto desde o 11º ano. E chama-se Soneto Fático. E diz assim, repara nas pessoas conversando. Não é bate-papo, é uma luta. Todos querem para si o olhar do bando. Ninguém se entende, nem sequer escuta. Pode até parecer civilizado, mas se olhar com cuidado e lucidez, vai perceber que quem está calado só espera chegar a sua vez. Fale merda, que alguém no mesmo instante dirá uma merda mais irrelevante, que não tem nada a ver com a merda acima. Falar só serve para fazer barulho. Esse poema mesmo é entulho. Não muda nada, mas ao menos rima.
Gregório Duvivier
Lembravas-te? Não, não lembrava. A sério? Não lembrava vagamente, assim, porque já faz tempo que eu escrevi e eu acabo não relendo assim depois que publica. Eu não releio porque fui querendo mudar e fico achando ruim antes de ser trocado e tal.
José Maria Pimentel
Isso eu partilho dessa dor, sim, sim. É melhor não ler.
Gregório Duvivier
Não, é, eu fico mal, fico com cringe.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Eu gostei muito desta parte do que está calado só espera chegar a sua vez porque exatamente isso acontece nas conversas
Gregório Duvivier
exatamente é absurdo é absurdo as pessoas elas não ouvem elas estão esperando a vez delas de falar. E falam, tá, tá, tá bom, ouve você agora, ouve o que eu tô... É uma loucura, e eu acho que com a internet piorou. As pessoas desaprenderam pouco a arte da conversa, é, acho que desaprenderam a conversar. Porque elas falam muito sozinhas, né, na internet. E elas não tão muito... É diferente, não é uma conversa, é monte de gente falando sozinha na internet. Então acho que isso daí piorou pouco a qualidade do debate. Acho que não é lugar ideal para debater as redes sociais.
José Maria Pimentel
Ou seja, acho que isso mudou a nossa interação ao vivo.
Gregório Duvivier
Mudou, com certeza. Eu vejo isso pelos meus pais, por exemplo, que são pessoas que usam muito celular. É curioso, né? Porque quando a gente pensa em uso de mais celular, a gente pensa em adolescente. Mas eu acho que, pelo menos no Brasil, a terceira idade, eu digo assim, eles têm 65, já são terceira idade, eles estão muito obcecados. Bom, Bolsonaro foi fruto disso, da entrada da terceira idade nas redes sociais, tem muito a ver com isso. Mas mesmo que não seja bolsonarista, que é o caso dos meus pais, que não são, todo o diálogo deles é, você viu o que eu postei ontem? Ou, ontem eu vi a vida real virou comentário da vida virtual então as pessoas elas se encontram para comentar o que os outros fizeram nas redes então as redes colonizaram pouco, eu acho que nossa existência e nossas trocas Porque a gente só fala das redes quase, no presencial. Isso aí me aflige muito mesmo, sabe? Gente que tá o tempo todo se referenciando. Como eu disse, você viu o que eu postei hoje? Você viu o que a fulana postou? Pelo amor de Deus, a gente tem que parar de comentar, tem que parar de ser pautado. Porque aí acaba que o algoritmo, além de pautar a vida virtual, também pauta nossas interações pessoais. E eu gosto de criar espaços livres de algoritmo, sabe? Espaços em que a gente aqui não tá gerido por alguma inteligência artificial, mas sim pela conversa, pelo assunto e tal.
José Maria Pimentel
É isso que tentas fazer no Greg News também?
Gregório Duvivier
Eu tento, exatamente. O Greg News é lugar curado pelos seres humanos, não pelo algoritmo. Então a gente nunca é pautado por, ah, esse assunto ia viralizar, ou ah, esse assunto, sabe, vai gerar polêmica, vão me xingar, então é bom porque vai... A gente nunca é pautado por isso, mas sim pela redação, né? Somos nós 10 pessoas na redação e o que nos pauta é o que nos move. A gente nunca pensa em redes e em viralização.
José Maria Pimentel
O que eu noto no programa é que está muito bem escrito e tem muita parte escrita, ou seja, é programa... Vocês usam imagens de vez em quando e usam até clipes de vídeo, às vezes clipes de áudio, mas há muito ali que é texto, que tu estás a ler e que és só tu com o ecrã, de vez em quando aparece uma imagem no canto superior esquerdo, mas tem muito texto e esse texto tem que estar trabalhado, Ou seja, é muito da piada. Por exemplo, estou a pensar no programa do Ricardo que é em Portugal, que é programa muito giro, que eu vejo quase todas as semanas, mas há tanto de bom na realidade, e aquilo também é muito colado ao que acontece na outra semana, que há piadas que quase se fazem por si próprias. Não tirando o mérito ao que eles fazem, obviamente, mas o que eu noto no Greg News é que há ali muito de texto, há ali muito de trabalho de texto quase que podia ser uma crónica se quiseres.
Gregório Duvivier
Podia, sim, entendo. É, tem uma diferença para o programa do Ricardo em que infelizmente nós não conseguimos fazer ao vivo. O do Ricardo é ao vivo, não é? Não. Se não é ao vivo é muito próximo. Quando digo ao vivo é indireto, né?
José Maria Pimentel
Ah, sim. Vocês não fazem em direto? Não. A
Gregório Duvivier
gente tem que gravar 3 dias antes, o que é inferno.
José Maria Pimentel
Ah, por causa da HBO, né?
Gregório Duvivier
Tem que ir a... Vai até os Estados Unidos, eles aprovam lá, volta, Nesse trâmite a gente perde 3 dias. Então o programa do Ricardo tem muito mais calor. Ele fala sobre realmente o que acabou de acontecer. Ele tem frescor muito maior. O nosso, por causa dessa restrição, a gente acaba falando de coisas mais perenes, mais duradouras. Então tem mais uma cara de crônica. Talvez por isso, não sei. A gente tenta falar de coisas que vão continuar fazendo sentido daqui a uma semana, assim. Então, claro, o problema é que o programa é muito menos quente. E, sim, tem uma vantagem que ele dura talvez mais, mas ainda assim, no Brasil tudo muda tanto que é difícil às vezes. A gente volta e meia fica fazendo equilíbrio, malabarismo, para não parecer que o programa é gravado três dias antes, porque de fato é problema.
José Maria Pimentel
Sim, vocês não deixam de cobrir a atualidade, mas não estão circunscritos à atualidade da semana. Pode ser uma coisa que tenha acontecido, sei lá, estou a me lembrar do... Não sei se este é o último episódio, mas será perto disso, depois da eleição do Millet na Argentina. Aquilo não era o acontecimento do dia, era o acontecimento daquele período, teria uma ou duas semanas na altura, não é?
Gregório Duvivier
Exatamente, a gente tenta falar do que está-se falando no mês, não no dia nem na semana. Porque senão a gente vai estar sempre chegando atrasado. Ainda mais com a internet, todas as piadas já foram feitas. Não dá pra competir com o Twitter nesse sentido. As piadas já foram feitas todas. Então eles tentam falar do que não está sendo dito naquela semana justamente. E aí o Valtimire tenta antecipar, por exemplo, o Milley. A gente sabia que ia ser o assunto daqui a mês por causa das eleições argentinas.
José Maria Pimentel
Só se ele não fosse eleito. Exatamente. Mas já Tudo indicava que sim.
Gregório Duvivier
Tudo indicava que sim. Cara, foi uma tragédia anunciada. Pouco como Bolsonaro no Brasil também.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. E vocês têm, vocês já devem ter perguntado isto muitas vezes, vocês têm referências? Ou seja, há programas estrangeiros, nomeadamente americanos, que vos sirvam de referência. Estou pensando no do John Oliver.
Gregório Duvivier
Sim, claro. John Oliver é uma referência. O John Stewart sempre, né? O Daily Show era muito forte pra mim. E para além disso, o Ricardo é uma grande referência, claro. O Ricardo no começo, sabe que ele foi colaborador até nosso.
José Maria Pimentel
Eu sei, essa história é muito boa. Conta aí, como é que isso aconteceu?
Gregório Duvivier
Cara, muito bom, ele me escreve e fala assim Cara, que bom que você está fazendo programa de humor político e tal Eu queria colaborar. Eu falei, colaborar com o Moscombo? O que eu faço? Não tenho dinheiro pra te pagar. Tipo, você imagina quanto que seria o cachê do Ricardo pra ele colaborar. Ele falou, não, não, faz o desgraça. Sério, manda pra mim o tema e eu te mando piadas. Que maravilha. Aí durante tempo eu mandava pra ele o texto do Greg News sem piadas. E ele me devolvia com mil piadas ótimas. Toda a primeira temporada tinha várias piadas do Ricardo.
José Maria Pimentel
Mas tu mandavas o quê? Mandavas típicos que iam abordar? Era isso?
Gregório Duvivier
Não, porque o texto do Greg News, eu não sei se o dele é assim também, mas o texto do Greg News eu faço, primeiro vem texto sem humor nenhum dos jornalistas. A gente chama de hortelado porque É uma piada com cara que eu adoro no Brasil, o clube, que é analista político que não tem humor, que faz textos muito sérios. E aí a gente falou assim, ah primeiro, lá no começo, você tem que mandar fazer texto tipo o do hortelado. Aí virou hortelado, tu viu? A gente chamou, até a gente chama, tem que hortelar esse texto, tirar a graça.
José Maria Pimentel
E aí... Foi do nome para o substantivo...
Gregório Duvivier
Exatamente, Virou verbo, como se ele fosse hortelado.
José Maria Pimentel
E o adjetivo está demasiado hortelado.
Gregório Duvivier
Exatamente. E as pessoas chegam, os novos jornalistas, nem sabem a referência, mas já falam normal. Talvez até já tenha saído do Greg News essa expressão. Mas é esse texto sem humor, mas com uma tese, uma análise. E aí, esse daí vai pros humoristas, e os humoristas pegam esse texto sem humor e põem humor por cima. Aí eu mandava esse texto pro Ricardo, esse texto sem graça. E aí ele me respondia com piadas anotadas assim ao longo do texto então eu tinha dois textos, tinha com os humoristas brasileiros, com o Ricardo e eu fazia a redação final unindo, migrando, acrescentando, tirando engraçado,
José Maria Pimentel
eu não sabia que vocês usavam essa abordagem o que é interessante, porque vocês outra diferença, faça programas mais clássicos do humor da atualidade, é que vocês fazem a investigação. Eu tinha a ideia que vocês faziam tudo ao mesmo tempo, mas isso mostra que até ao contrário em certo sentido, a investigação precede a piada. Ou seja, há ali trabalho investigativo que é feito por jornalistas e depois vocês vão meter as piadas por cima e no fundo que tu estás ali, o delivery é uma mistura entre factos e humor.
Gregório Duvivier
Exatamente. O começo e o final estamos todos juntos. No começo, que é a reunião de pauta, estão humoristas e jornalistas juntos sugerindo pauta. Às vezes a pauta vem do humor. Feito uma, por exemplo, coach. Veio do humor. O humorista falou Cara, a gente tem que fazer algo sobre coach, porque os vídeos são muito bons e tal. Aí a partir daí o jornalista pegou Ah sim, deixa eu ver se tem uma investigação interessante. Aí investigou e descobriu que Realmente teve uma explosão de coaches no Brasil Virou tipo Uber. Todo mundo virou coach de alguma coisa, coach financeiro, coach...
José Maria Pimentel
Sim, aqui também é o cara.
Gregório Duvivier
Então ele primeiro veio do humor, aí o jornalista trouxe toda uma pesquisa sozinha que ele fez e aí depois o humor voltou. E aí no final, que é o último dia, a gente, no dia da filmagem, a gente se reúne de manhã, faz uma passada. Antes a gente fazia com o público. Infelizmente, a gente não faz mais. Por causa da pandemia, a gente mudou e acabou se adaptando assim. Mas a gente fazia uma versão, uma passada do texto, pra ver o tamanho que tá e pra ver as graças. E aí passa o dia reescrevendo ele. O dia de terça que é o dia que a gente grava. E aí é todo mundo junto, os humoristas, jornalistas, às vezes tem discussões do tipo puxando mais para o humor, outro mais para o humor. Não, você não pode falar isso, os fatos. Aí vão lá. Exato, exato. Malditos fatos. E aí a gente fica nessa cabo de guerra assim e no final do dia na terça-noite a gente grava.
José Maria Pimentel
Sim. Tu sentes que o vosso programa, e isso não é caso único, mas sentes que vocês estão a fazer bocado o que os médias, não é precisamente o que os jornalistas faziam antes. Eu estou a perguntar isto porque nos Estados Unidos falou-se muito nisso na altura do Trump, de que programas como o do John Oliver, mas não só, tinham de certa forma passado a fazer o escrotínio que tradicionalmente era feito pelos médias. Porquê? Porque, enfim, há várias maneiras de olhar para isto, mas uma delas, a mais maravilhante de todas, é que quando tu andas no terreno em que os factos são disputados, o trabalho do jornalista torna-se muito complicado e o jornalista que queira ser imparcial, ou que tem os meios parciais, mas esses são parciais, ou que queira ser imparcial rapidamente entra naquela coisa do he said, she said, este disse isto, o outro disse o outro, mas eu não vou pronunciar sobre o que é verdadeiro ou falso. E humorista, programa de humor, tem uma liberdade criativa maior. Vocês podem pôr ângulo que quiserem porque é programa de humor, não é? Não estão tão presos aos factos. E disse-se isso muito na altura nos Estados Unidos. E eu presumo que vocês tenham tido ali papel semelhante, ou pelo menos isso esteja na sua cabeça, não é? Funcionar de certa forma como escrutínio.
Gregório Duvivier
Claro, perfeito. Eu acho que a imparcialidade no jornalismo é uma falácia há muito tempo. Então, o público já não confia mais nessa imparcialidade, ainda mais vindo de corporações, como é o caso da maioria dos jornais. Então, essa ideia de que o jornal e o jornalista eram observador imparcial da luta política, ela foi por terra, pra população que desconfia muito das mídias. E para além disso, essas novas figuras políticas que surgiram na extrema direita, esses bufões todos no mundo todo, eles são muito difíceis de você cobrir imparcialmente. Eu diria que são impossíveis. Então, como é que você vai cobrir isso imparcialmente? Sujeito que fala barbaridades, ele vai falar, vai negar o holocausto, por exemplo. Você vai apenas dizer que ele acredita que o holocausto não existe, sem dizer que existe e que isso é absurdo, sabe? Você tem que comentar. Então eu acho que essa radicalização da política obrigou os jornalistas a comentarem e a se colocarem. Eu acho que o humorista tem essa vantagem, ele é uma pessoa que existe, ele fala na primeira pessoa, ele tem uma subjetividade assumida. Ninguém acredita que o humorista é imparcial, porque isso é inviável. O humor é sempre olhar subjetivo sobre o mundo. Então eu acho que isso faz com que ele seja mais confiável. A subjetividade dele é assumida. Você sabe que é ser humano que está assumindo, que está assinando o que ele diz, que é algo que os jornais às vezes não tem. O editorial de jornal foi escrito como se fosse por O jornal ainda defende que tem essa alma do jornal que fala que é o editorial e olha o mundo. Não. O humorista, ele é ser humano, você sabe qual é a posição política dele, sabe onde ele mora, você sabe de onde ele vem, qual é a idade, e eu acho que isso torna ele mais honesto, sabe? Eu acho que... E sobretudo, numa época em que os políticos cresceram muito, essa extrema-direita cresceu muito se dizendo honesta, dizendo que ela fala a verdade, enquanto os jornais ficam dourando a pílula. E o humorista é uma pessoa que também, por definição, fala a verdade. Então, ele é pacto. O humorista tem pacto de sinceridade com o público. E eu acho que isso faz com que a gente tenha, acho que a gente cobriu, por lado, com mais honestidade, esse avanço da extrema-direita, do que é muitos jornais.
José Maria Pimentel
Tiveste aí várias coisas que me interessam por aí. Eu estava a ter ouvido, estava a pensar numa coisa. Não sei se concordas com isto. Tu davas o exemplo do holocausto, e esse exemplo é fácil de concordar, porque é tão factual, que o trabalho do jornalista será sempre dizer que o holocausto existiu. Mas há outros terrenos que são bocadinho mais movediços, sobretudo em era de redes sociais e desinformação. Pensa no exemplo do Milenio, para voltar ao caso da Bocado, que também deu muito que falar cá em Portugal, sobretudo no Twitter, que é como quem diz 0,01% da população. Exatamente. Estamos a falar de uma bolha, não é? Mas deu grande discussão. E aí entras num terreno... Tu enquanto jornalista... Quer dizer, não é tu, jornalista entra num terreno difícil porque tu tens de facto coisas absurdas que ele disse mas depois tens outras que se calhar foram descontextualizadas, depois se calhar tens outras de sentido contrário que te podem não ter chegado porque tu vives numa bolha mais enviesada contra ele e eu, o jornalista, eu imagino que tenha muito receio de meter o pé na poça não sei se essa expressão existe no Brasil. Existe, existe. Enquanto o humorista está mais tranquilo, quer dizer, se tu me andares a uma piada e aquilo tiver sido descontextualizado, sou ato, não é? Quer dizer, no fundo, a grande parte das piadas fazem-se precisamente de certa forma descontextualizando, ou seja, há uma liberdade para navegar estas águas mais turvas da desinformação, ou seja, para tolerar esse erro que jornalista que cometa erro desses, quer dizer, que pega numa coisa que se provou não ser bem verdade, está lixado. E para ti não, quer dizer, obviamente que tu desejas que isso não aconteça, não é? E se estiveres sempre a pegar em coisas que se provaram estar descontextualizadas, também estás. Mas consegues navegar melhor essas águas. Parece-me, não é?
Gregório Duvivier
Eu acho que o humorista tem esse pacto de transparência. Então ele é abertamente falho. O palhaço é basicamente isso. É uma pessoa que não só assume suas falhas, como ele as exacerba. Por isso que os palhaços em geral põem uma careca, mesmo que não tenha. Eles inventam a careca, eles põem o nariz vermelho, porque é uma exacerbação das falhas. E o humorista mesmo que não use o nariz vermelho e careca falsa, ele assume suas falhas. No meu caso, minha ignorância, por exemplo, sobre economia, finanças, sobre assim... Isso é assumido, todos sabem que eu estudei letras, não tem o menor e eu falo sempre isso, brinco com a minha ignorância, que é fato. Qualquer de aqueles, enquanto jornalista ou comentarista clássico, ele tenta fingir que entende de tudo e tenta fingir, então claro, derrapão é muito mais grave, humorista que derrapa faz parte do etos dele, não é? Então essa derrapada do humorista realmente ela em geral vai virar uma piada. E eu acho que isso é uma vantagem nossa mesmo, e eu acho que, inclusive recomendo, eu acho que todo mundo tinha que fazer curso, por exemplo, de palhaço, de clown, porque é algo que eu acho que nos torna mais honestos e mais tranquilos em relação ao erro. E eu acho que na política, sobretudo, o bom político é, em geral, bom palhaço. Quando digo bom político, não de qualidade, mas de êxito. O Trump, Bolsonaro, são todos... Não diria palhaço, talvez sejam uns bufões. Pessoas que exacerbaram seus erros e tornaram-os carismáticos. Então todo mundo dizia que o cabelo do Boris Johnson é ridículo, ele piorou, botava ele pro alto quando aparecia. Ou todo mundo dizia que o Bolsonaro era machista, e ele dobrou a aposta. Só meia-mulher ainda sou, sei lá o que ainda sou, ainda não sou só machista como sou homofóbico, como sou... O Milênios fala, é o maior clichê disso, assim, de exacerbar tudo aquilo que dizem mal dele. E isso, pra população, fala. Esse cara é corajoso porque não esconde nada. Se ele não esconde aquele cabelo ridículo dele, ele não vai esconder também as finanças. As pessoas fazem essa ligação.
José Maria Pimentel
E aproxima.
Gregório Duvivier
Aproxima. Fala, ele é como eu, ele é, sabe, ele é mais como eu, ele é querido. Porque eu acho que o humor e a verdade estão muito ligados, eu acredito nisso. Eu acho que o pacto do humorista, ele é de sinceridade, É pacto de transparência de verdade. Porque quando alguém é sincero e abre o coração, você clica, algo clica ali e gera laço, uma conexão. Porque você foi sincero, você se abriu. Então, político, por exemplo, que se abre sobre as suas falhas, sobre... Mesmo que sejam falhas, na minha opinião, inadmissíveis, como homofobia, racismo, é muito mais que uma falha, mas ainda assim, a pessoa fala, uau, que bom que esse cara é sincero, e ele me lembra o meu pai, muita gente falava isso sobre o Bolsonaro. A Regina Duarte falou isso, que foi uma atriz, né, digo, famosa brasileira, que foi também secretário de cultura dele, quando falavam, mas ele não é homofóbico? Ele é como meu pai, ela dizia, que é uma pessoa adorável, mas é homofóbica. Então, muita gente tinha isso.
José Maria Pimentel
Curioso isso. E pode ser brutal até certo ponto.
Gregório Duvivier
Claro, claro. Todo mundo tem uma pessoa adorável, entre aspas, em casa, que é também racista ou homofóbica ou machista. Todo mundo tem essa relação afetiva com avô ou tio que é completamente errado, assim, do ponto de vista político atual, completamente datado. Isso faz com que a gente crie uma identificação e lembre. Muita gente olhava o Bolsonaro e falava, sim, ele é tudo isso, racista, homofóbico, mas Eu conheço alguém assim que é uma ótima pessoa, então ele também pode ser. Essa era a relação que ele fazia e que as pessoas faziam, não é?
José Maria Pimentel
Interessante, mas isso não será... É a primeira vez que eu ouço isso, mas acho que compreendo até certo ponto essa reação, porque pode ser uma reação... Tentando-me pôr na pele de quem está desse lado... Pode ser uma reação em relação à intolerância que passou a ver na política com falhas, ou seja, tu enquanto político mainstream tens de ter discurso que... Em que transmites uma retidão moral absoluta. E as pessoas sabem que na realidade as pessoas não são assim e que essas águas são muito mais turvas, quer dizer, eu tive essa experiência várias vezes na vida, quer dizer, de amigos que mandavam imensas piadas homofóbicas e depois há outro amigo que faz o coming out e eles estão tranquilos. Ou seja, na verdade, eles mandavam aquelas piadas mas eles só precisavam de pequeno nudge, não é? Sim. E eu não digo que seja o caso do Bolsonaro, que não me parece, não é? Mas provavelmente dessas pessoas havia também essa reação de... O outro lado, aquilo é demasiado puro para ser verdade, porque ninguém é assim, ou quase ninguém é assim, quer dizer, quase ninguém tem essa
Gregório Duvivier
pureza moral, não é? Perfeito. E a esquerda perdeu muito espaço, na minha opinião, por causa dessa pureza moral, por não assumir suas falhas e por se virar o bastião da moralidade. Exato.
José Maria Pimentel
É quase paradoxo, né?
Gregório Duvivier
É paradoxo. E é mentira, sobretudo. Sabe? Então, eu acho que essa pureza moral, ética, que é muito importante que tenha, óbvio, uma busca por uma... Quero dizer, não por essa, mas uma busca por uma ética, claro, por serem pessoas melhores e tal, eu acho que ela às vezes torna a esquerda pouco carismática, sobretudo porque ela distancia do povo. E é Por isso que o Lula é tão grande, o Lula é grande e popular e querido porque ele faz parte de uma esquerda que não se advoga pura moralmente, nem o bastião das novas modernidades. Não, ele erra o tempo todo, ele fala besteira e diz mesmo, eu não sei o que é isso que vocês estão falando de que é sabe de LGBTQIA+. Não fala essa frase mas você vê que essa não é a agenda a luta dele é contra a fome e ele não...
José Maria Pimentel
Mas quando ele erra, desculpa, quando ele erra tu critica-lo.
Gregório Duvivier
Eu critico pra caramba e eu critico E eu acho que ele tem que aprender. Tem certas coisas que já passou.
José Maria Pimentel
Mas se ele aprender vai se tornar isso. Médio. É jogo difícil.
Gregório Duvivier
Tem uma maneira. Exatamente. Mas eu acho que ele é cara que sabe navegar bem por essas dois lados. Mas eu acho que ele poderia fazer coisas muito diferentes sem necessariamente mudar o discurso eu acho que ele é muito bom de discurso ele fala muito bem sobre o meio ambiente, ninguém fala tão bem sobre o meio ambiente como ele de maneira popular, falando que é o pobre que vai se ferrar falando olha só gente, aça enchente que teve agora aí, que matou tantas pessoas isso é uma mudança climática Ele sabe falar de maneira popular sobre mudança climática, que é uma coisa que nenhum líder do mundo quase sabe. Ele sabe falar sobre fome, claro, obviamente é o grande assunto dele, sobre redução das desigualdades, ele sabe falar vários assuntos muito espinhosos, ele define bem. Mas a ação, pra mim, é o que está mudando. Então eu não quero que ele fale tanto sobre ah, precisamos acabar com o racismo, não importa tanto ele falar isso, quanto ele indicar ministro negro pro Supremo, por exemplo uma mulher negra. Então a minha crítica a ele não é sobre o discurso, que eu acho que ele tá impecável Mas é mais sobre a ação. Ele hoje é governante que falou e prometeu muito à esquerda e se elegeu assim e tá fazendo governo ainda muito conservador mesmo, em alguns aspectos, sabe? E eu acho que ele tem alavancagem, ele tem força pra fazer mudanças à esquerda que ele ainda não teve, eu acredito, coragem porque ele ainda tá muito refém do congresso, muito refém então minha crítica de novo não é esse discurso, acho que no discurso ele tá perfeito, É mais governo que não combina com o discurso. Então ele fala muito bem sobre o meio ambiente, mudança climática, mas tá sinalizando de que vai explorar petróleo na Amazônia. Mas entrou no OPEP. E olha aqui, pra mim o maior ciúme do Lula é isso. Ele entrou no OPEP, Organização dos Países Exportadores de Petróleo. Mas disse que entrou pra convencer esses países a pararem de exportar petróleo. O nome do negócio é OPEP, ele quer que vire uma OPEP, uma Organização de Países apenas. Ele acha e eu acredito...
José Maria Pimentel
Não, a Organização de Países é ex-petrolíferos.
Gregório Duvivier
Exatamente, ex-petrolíferos, perfeito, Ele quer mudar a sigla. E pra mim isso é o símbolo maior do governo Lula. No discurso é ótimo, mas na ação ainda é muito mais do mesmo. Não do mesmo do Bolsonaro, pelo amor de Deus.
José Maria Pimentel
Sim, mas do mesmo.
Gregório Duvivier
Dele mesmo. Ele voltou para repetir o que ele fez com grande êxito. Então, ah, que bom, você está criticando. Esse que é o problema no Brasil, depois do Bolsonaro, qualquer crítica vai ser rebatida com, ah, então você prefere o Bolsonaro? Qualquer crítica vai ser isso. Ele que nos livrou de Bolsonaro, o que é verdade em certa medida, porque não foi só ele, claro, foi uma grande junta, mas parece que tem certos atores na esquerda que acham que nós devemos ser gratos eternamente ao Lula querer nos governar e não é assim que funciona a política.
José Maria Pimentel
Ou seja, tu estás a dizer que ele tem discurso razoavelmente de esquerda, depois tem uma prática mais centrista e tu querias que ele tivesse, que fizesse o contrário, tivesse discurso razoavelmente de esquerda e uma prática mais de esquerda. Exatamente. Mas isso envolve alguma duplicidade, tal como é que ele tem agora, só que do sentido contrário.
Gregório Duvivier
Não, não, não, eu só queria que os atos se aplicassem ao discurso. Os atos não devem ser à esquerda do discurso dele, porque o discurso já é à esquerda.
José Maria Pimentel
Sim, mas a questão é, esses atos são precisamente aquilo que faz impressão, se calhar, a parte da população que depois converge para o Bolsonaro, parte dela por rejeição pura, outra parte porque vê essa versão parecida com o pai ou com o avô de pessoa imperfeita, de pessoa que não é pura moralmente. Os atos. Sim, então, mas espera, já acabamos porque eu queria falar contigo também sobre isso e especificamente sobre essa questão do supremo que deu alguma polémica e sobre as tensões sociais que estão por trás disso, que é tema interessante no Brasil e que tem algum paralelo com Portugal, mas não é exatamente a mesma coisa. Mas deixa-me só para tentar manter isso mais ou menos organizado, voltar à questão do humor. Porque tu disseste uma coisa que eu já tinha ouvido dizer que eu achei interessante e queria perceber exatamente o que é que tu queres dizer com isso. Tu achas que as piadas ou as melhores piadas transmitem verdade? Disseste isso há bocadinho. E o que é que tu queres dizer com isso, por exemplo, no contexto do Greg News, ou para dar o exemplo, que está mais envolvido na política. Quando tu diz isso, tu queres dizer que as melhores piadas são as que têm uma verdade política por trás, por exemplo? Sim. É nesse sentido?
Gregório Duvivier
É nesse sentido. É no sentido de que eu acho que o bom palhaço ele é isso, ele tá nu. O público percebe a mentira. Isso é uma coisa que, como ator, como mediante, todo mundo sabe. Você sobe no palco, o público percebe quando você tá mentindo. E eu acho que, politicamente, as pessoas também percebem quando você está fazendo demagogia ou quando você está querendo agradar alguém a grupo e a sinceridade ela é cômica você falar assim eu não faço ideia do que é a reforma tributária como se vão tentar isso é como gostam disso elas se relaciona
José Maria Pimentel
claro mas para eu tentar perceber é que o estado da autenticidade do humorista ou da piada conter verdade, ou seja, no sentido de, por exemplo, o Ricardo diz muitas vezes, qualquer coisa do género, o humor é só humor, ou seja, a piada é só piada, eu não estou a tentar transmitir nada com as minhas piadas, são só... E há muitos humoristas dessa... Enfim, acho que não estou a parafrasear mal o calismo, há muitos humoristas que dizem coisas do género... Eu só estou a fazer uma piada, ou seja, não estou a passar mensagem nenhuma. A sensação que tenho é que tu olhas para isso de maneira ligeiramente diferente, não é? Tu estás a fazer uma piada, mas também a passar alguma coisa.
Gregório Duvivier
Eu acho que o Ricardo também olha, mas ele tem uma estratégia de divulgação de desimportância, que eu entendo ele. Eu também acho. Ele tem uma estratégia de... Que eu não acho que é pensado, não é maquiavélico, eu vou dizer que eu não tenho intenção, mas eu tenho... Não, eu acho que ele realmente acredita e ama o humor acima de todas as coisas e não acho que ele tem uma agenda muito clara política, mas eu acho que ele tem de fato uma isenção jamais não é o termo isenção, mas ele tem, é isso, uma fé no humor gigante, mas isso aí não significa que ele não tenha lado e eu acho que ele mesmo diz isso. Agora, tem uma diferença também, entre o que eu faço e ele e as nossas visões de humor, no Brasil e Portugal, Porque eu acho que o Brasil é país muito mais difícil de você ser isento. E é país muito mais difícil de você fazer humor puramente engraçado, sem nenhum lado. E de rir de todo mundo. Por quê? Porque as chagas são gigantes. É país que você está num edifício pegando fogo. Então, às vezes, você não quer fazer uma piada. Você quer gritar fogo. Claro. Você quer gritar socorro. Você quer gritar... Então...
José Maria Pimentel
Lá está. É como nos Estados Unidos, não é? Mais parecido com os Estados Unidos do que com Portugal, nesse sentido.
Gregório Duvivier
Exatamente. Então, tem certas coisas, como o racismo, por exemplo, é uma chaga tão aberta, que eu não consigo fazer humor sobre isso. Eu acho que no Brasil os limites do humor são mais apertados, porque você tá lidando com cadáveres todo dia. Isso faz com que certas coisas eu não consiga achar graça. O que não significa que eu acho que seja crime, tem que prender os humoristas. Claro, claro, claro. Não é isso? Sim. Mas eu pessoalmente não acho a menor graça e eu acho que o humor é algo que você... Tem até aquela citação, não sei se é Groucho Marx, comédia é tragédia, mas timing. Tem tempo... Em geral você faz o humor pouco depois da coisa ter acontecido. Então, o Brasil tem isso. O racismo é uma chaga atual, não é a escravidão. E essa é uma grande diferença de Portugal. Não é que não haja racismo, mas é país que não foi construído sobre a escravidão em seu solo. Sim, em outros solos, mas em solo português não é, não é uma sociedade ainda escravagista, sabe? Fora que vocês tiveram o 25 de abril, foi muito radical, nós não tivemos. Vocês tiveram alguns avanços democráticos que o Brasil nunca teve e isso faz com que vocês tenham discurso, debate muito mais saudável, logo humor mais saudável também. Eu acho que por isso o Ricardo é humorista perfeito, na minha opinião, porque ele é filho desse 25 de abril, aliás, literalmente quase, ele nasceu por aí, assim, nessa época. E ele é filho dessa sociedade mais livre em que se pode fazer humor com tudo. Porque eu acho que você pode fazer humor com tudo numa sociedade razoavelmente estável. Não digo perfeito, óbvio que isso existe, mas com certa estabilidade.
José Maria Pimentel
Mas no Brasil seria assim, sei lá, há 10 anos seria assim, não?
Gregório Duvivier
Não, Porque 10 anos já tinha uma chaga gigante, claro que era pouco mais estável, mas... Pô, 15 vai... O Brasil é esse país, com uma ferida aberta. Então, é sempre pouco mais delicado, eu acho, sabe? Você tem que levar em conta a suscetibilidade, porque as tragédias estão acontecendo agora, agora, agora. Então, você fazer uma piada sobre estupro é pesado porque é provável que 20% da plateia tenha sido estuprada. Não estou exagerando, tá? Mesmo assim, minha mãe foi a pessoa que foi estuprada. Então eu vou fazer uma piada com estupro, entendeu? Ou com ela na plateia, ou com a... Eu acho que tem algo também que tem a ver com educação, é não falar de corda em casa de enforcado, tem essa expressão no Brasil, sei lá, tem algo que às vezes em relação ao humor que é, você tem que conhecer a sua plateia e tem certas suscetibilidades que eu respeito muito como humorista porque elas são justificadas.
José Maria Pimentel
A maneira como eu olho para isso, eu lembro de falar disso com o Ricardo num episódio que nós gravamos e que se aplica tanto a isso, curiosamente, como à questão da opinião é quanto mais tu estás no terreno ou no terreno de estares a emitir uma opinião de humorista ou no terreno de estares a tocar num tema delicado mais o standard da piada sobe. Ou seja, tu podes fazer uma piada com opinião, tu podes fazer uma piada com temas delicados, ela tem que ser muito boa. Perfeito. Ou seja, o standard sobe. Por exemplo, eu ouvir o teu programa, no teu é diferente porque eu conheço menos bem a realidade brasileira, mas em programas semelhantes aqui em Portugal, Estou-me a lembrar do podcast do Bruno Nogueira, que ele tinha uns anos na TSF. Havia momentos em que eu me partia a rir. Quando a piada era má e começava a colidir com os factos que eu tinha e com a minha opinião, eu deixava de me rir. Era como se caísse àquela expressão do cinema da suspensão da descrença. Sim, perfeito. É como se acontecesse a mesma coisa, e ali é do gênero, uma piada em que tu transmites uma opinião que não está bem colada aos factos se ela for má, essa suspensão da descrença cai, se ela for boa, ela é tão boa que ultrapassa e a mesma coisa para temas difíceis, há humoristas que fazem humor sobre temas difíceis, sobre temas tabu só para fazer humor sobre temas tabu e são piadas péssimas
Gregório Duvivier
Exatamente. Mas esquece. Quando eu digo que ele tem que ser ligado a verdade e humor é porque, por exemplo, uma piada racista eu não acho graça, não é porque eu sou uma pessoa moralmente superior aos pessoas... Não, não tem a ver com isso. Tem a ver com... Eu acho que elas não são verdade, entende? Uma piada machista... Eu não acho que ela seja verdadeira, para além de ser velha, que outra coisa que a piada tem que ser, é nova, não é? Não tem nada pior que uma piada que você já ouviu.
José Maria Pimentel
Sim, pois, exatamente. Porque no fundo É outra maneira de dizer uma má piada, né?
Gregório Duvivier
Exatamente. E as piadas racistas, machistas, quase todas você já ouviu coisas do gênero. Então, por exemplo, vamos pra usar uma piada de humorista de stand-up clássica, assim, que é Outro dia ladrão roubou a minha carteira, mas eu não cancelei meus cartões de crédito não, porque ele tá gastando menos que a minha mulher. Esse tipo de humor, não só uma piada que você já ouviu de todos os jeitos e tal, não é verdade. Eu não me identifico com isso, porque minha mulher ganha dinheiro também e não usa meu cartão, nem de meus amigos. Esse tipo de relação não é mais verdade. Não existe.
José Maria Pimentel
Isso é piada pra quem vive nesse...
Gregório Duvivier
Exatamente. Então o meu problema com as piadas machistas ou homofóbicas é que, sobretudo, elas estão falando de mundo que já não existe ou que não deveria existir ou que eu não relaciono, não acho que aquilo é verdade. Quando eu vejo, eu não falo assim ''Ah, é verdade, o ladrão gastaria menos que o meu... Não! Então é uma piada que não ecoa na verdade, ela ecoa na vontade de chocar, de perpetuar preconceito, de ser machão, de ser... Mais do que na revelação de algo que é verdadeiro. Porque eu acho que o humor, o humor que eu gosto pelo menos, ele parte de uma revelação de... Nunca tinha pensado nisso. É verdade, é exatamente assim, nossa, como é que ele sabe que a minha vida é assim, eu sou assim, eu nunca... Tem algo de mágico no humor que é, o cara cresceu em outra realidade, no caso de Portugal, em outro país, e ainda assim ele passou por uma experiência que é igual a minha e eu não tinha combinado com ele, e eu nunca tinha comentado com ninguém à minha volta que eu tinha passado por isso. Exatamente. Como é que ele sabe disso? Então o humor pra mim vale quando ele revela algo de comum entre as pessoas, sabe? E eu não gosto quando ele revela o contrário, quando ele revela algo de... Ai, isso é algo que eu não, sabe, gosto no ser humano quase, sabe? Acho que o humor que eu gosto, ele revela algo de novo, de comum.
José Maria Pimentel
A questão é que isso muda de pessoa para pessoa, quer dizer, no teu caso, porquê que uma piada machista te faz impressão e porquê que provavelmente é quase impossível o resto de uma piada desse género? É porque esse é aspecto muito vincado na tua moralidade. E para outras pessoas não será, ou será menos. E se calhar para outras pessoas há aspectos da moral, por exemplo, mais ligado a aspectos do conservadorismo moral, por exemplo, da moral religiosa, que para eles são importantes e não conseguem dificilmente ouvir uma piada sobre aborto, sei lá, ou sobre sexo, ou sobre whatever, não é? E quando tu estás tranquilo com isso, a piada... Se calhar para ti o estándar está muito alto na piada do machismo e baixa neste pior eu vou fazer o exemplo contigo fazer comigo não é só isso ou seja no fundo também muda entre nós
Gregório Duvivier
muda muda o tempo todo é por isso que é complicado você dizer que nossa piada é crime é pelo amor de deus tá longe de ser crime mas não é o clima é graça é por causa disso e mais do que a gente achou é mas é isso é standard moral que você tem. Não, para mim tem a ver com uma reação física mesmo. Eu não vou rir e eu vou ficar meio constrangido porque aquilo vai revelar... Eu acho que uma piada revela uma visão de mundo. Essa do cartão de crédito. Revela uma visão de mundo no qual as mulheres gastam dinheiro dos homens. É isso que ele está dizendo no fundo com a piada e eu acredito que as piadas dizem coisas.
José Maria Pimentel
A questão é, vamos tentar ser benevolentes com quem está a rir dessa piada, tu até podes não viver nesse esquema, mas tu sabes que ele existe, ou seja, é estereótipo na tua mente e portanto aquilo está a tocar num estereótipo que existe e que até é tabu e de repente há ali a libertação desse tabu, sendo que para ti não é tabu não e não é compensado pela repulsa que te cria, estar quase a reforçar essa prática.
Gregório Duvivier
E tem algo que eu acho que não clica na revelação de algo, é isso, novo e comum, sabe, que eu acho que é o maior barato, assim, pra mim e é isso, de novo, tem algo no stand-up, inclusive, que é isso que me incomoda pouco as vezes, que é eu vou falar coisas aqui para agradar essa plateia e eu detesto isso sabe e coisas para gerar não eu acho muito mais interessante quando a pessoa se abre e fala coisas verdadeiras sobre a vida dela pra mim o melhor stand up é assim ou sobre a política ou sobre o mundo não porque ele quer agradar aquela turma que está ali
José Maria Pimentel
deixa eu fazer o advogado do diabo, né? Sim isso não é verdade em todo o humor, ou seja, todo o humor bem sucedido agrada a plateia
Gregório Duvivier
agrada, mas esse é efeito quase colateral, eu tenho impressão eu gosto de acreditar nisso, pelo menos e Eu vejo os piados, os programas que eu mais gosto, eu fiz porque aquilo me incomodava muito. Sabe? Ou porque me interessava muito. Não porque... Ai, a plateia adora vídeos, adora quando eu faço piada e tal. Adora, sabe? Tem uma frase boa...
José Maria Pimentel
Não, ao contrário, né?
Gregório Duvivier
É, tem uma frase boa do Gilberto Gil, que dizia... O povo sabe o que quer, ele quer o que ele não sabe e pra mim é paradoxo perfeito que é se você ficar perguntando e dando ao povo o que ele diz que quer, você não vai estar dando o que ele quer porque o que ele quer é o que ele não sabe ainda que quer, então isso vale pra música no caso de humor, acho que vale muito pro humor Você não tem que dar a piada que o público tá pedindo, sabe? Você tem que dar uma que ele não sabe ainda que tá pedindo. Não tá pedindo porque ele não espera. Eu acho que esse é pouco o papel do artista, é se antecipar a essa vontade pública. E é
José Maria Pimentel
puxar pelo público, de certa forma, né?
Gregório Duvivier
É puxar pelo público, exatamente. Por isso que eu acho que caducou pouco o humor muito de bordão na qual o humorista vai vir e vai repetir aquele bordão, é slogan quase, e a pessoa vai falar assim quer ver que ele vai falar, ele vai falar aquilo ele vai falar aquilo, ó, falou a gente tem a confirmação da expectativa Me interessa muito mais o humor de inversão de expectativa. O que o público espera que o humorista diga ou faça algo e ele dê uma rasteira e faça algo totalmente inesperado. É muito bom ser surpreendido por artista ou por comediante, por humorista e acho que essa é pouco a nossa tarefa no palco, é surpreender, não é confirmar, sabe? É inverter a expectativa que fazem da gente.
José Maria Pimentel
Interessante isso, sim. E, enfim, esse é equilíbrio delicado, não é? Porque o humor tem esse lado que ao contrário de outras formas de arte tem uma validação imediata, resulta ou não resulta, mas ao mesmo tempo há uma espécie de obrigação moral se falar de obrigação moral do humorista é uma frase que parece quase alucímetro Mas podemos dizer que há uma certa obrigação moral do humorista de puxar bocadinho pelo público, tentar levá-lo mais longe. Isto tem certo lado paternalista, que é sempre perigoso neste tipo de exercícios.
Gregório Duvivier
Pois é, não acho nem que seja levar mais longe o jeito de educar a plateia, não é nada disso, pelo amor de Deus. O que eu acho é que às vezes o humor, é isso que você falou, tem uma validação imediata, o que por lado é bom né porque ao contrário de outras artes você tem uma resposta imediata você não tem humorista incompreendido como vangogh que morreu desconhecido depois descobriram que era gênio não existia
José Maria Pimentel
não dizemos imaginários que nos Estados Unidos chamam o comedian's comedian que é o comediante que só os comediantes gostam.
Gregório Duvivier
É verdade isso existe. Mas isso é nicho. É nicho
José Maria Pimentel
e ainda
Gregório Duvivier
assim ele é compreendido pelos seus pares você não tem humorista que não é compreendido no seu tempo mas ele é daqui a 50 anos porque humorista ele trabalha no seu tempo.
José Maria Pimentel
Era giro pegar nisso, alguém que fosse redescoberto como escritor.
Gregório Duvivier
Exatamente, talvez até aconteça agora. A gente começar a pesquisar vai achar.
José Maria Pimentel
Olha, tem tanta piada e ninguém reparou.
Gregório Duvivier
Ninguém reparou. Pode ser, aliás.
José Maria Pimentel
Mas é difícil de fato.
Gregório Duvivier
Quando eu fizer uma piada ruim eu vou dizer que é isso. Ela é para daqui a 50 anos. Vocês vão pegá-la. Eu acho que tem isso, o humorista trabalha pro seu tempo, ele trabalha no seu tempo, mas ele não pode ser também escravo do seu tempo, nem da sua plateia. Então ele tem que trabalhar pra plateia, mas ele não pode trabalhar só pra ela. É isso, Ele tem que trabalhar pra ela pensando que o que ela tá gritando não é exatamente o que você vai dar pra ela. Eu acho que tem esse paradoxo que a risada faz com que você seja escravo dela. E eu acho que a risada é só uma das formas de manifestar o humor. Tem muitas piadas que eu amo que eu não dou... Exato. Hum! Não faço assim. Hum! Mas estou sentindo algo que é o humor também. A risada é uma das manifestações possíveis de você gostar de uma piada, mas ela não é a única. E eu acho que o sentido de humor vai muito além da risada ou da gargalhada, da manifestação física além do que a gargalhada também vai muito além do humor você pode estar rindo de uma coisa que não tem graça nenhuma pode estar... Esse é dos erros do humorista iniciante ele mede o seu sucesso só pela gargalhada O público pode estar rindo por educação, porque sente que você está precisando dessa risada, pode estar rindo de constrangimento, pode estar rindo porque sente que todo mundo está rindo, ou pode estar rindo até de algo que você não tem controle, sabe? A primeira vez que eu subi no palco, as pessoas começaram a rir do meu nome. Eu falei, meu nome é Gregório, tinha 9 anos de idade, fazia aula de teatro. Elas começaram a rir, talvez, do meu nome. Talvez do fato de eu ter uma voz muito aguda, era muito... E sempre muito baixinho, não sei. Elas começaram a rir e eu amei aquilo. Elas estarem rindo da minha cara, eu gostei. E... A partir dali eu passei a perseguir isso. Mas hoje, hoje o comediante, ele tem que também entender que essa daí não é a única forma de... A única coisa que ele busca, sabe?
José Maria Pimentel
Isso porque não é sustentável, né? Não é sustentável. Riram-se uma vez, mas não se riram mais nenhuma vez
Gregório Duvivier
do nome. Exatamente, Exatamente. Você não pode ficar sempre na mesma piada. A pior coisa que tem é você gostar de uma coisa e repeti-la. Porque é isso, a piada só funciona uma vez. Essa que é a loucura da piada. Então você tem que buscar também o novo e tem que buscar a surpresa. No Porta de Fundos, nosso único compromisso é esse, na verdade. Mais do que com a graça, é com a surpresa tentar fazer esquete que não tenha sido feito antes, por nós mesmos e a graça ela é efeito colateral pra mim da surpresa ela não é o que a gente busca, porque até é engraçado, no teatro a gente fez uma vez exercício com uma professora que eu gostava muito, gosto muito, Cacá Morteia, professora do Brasil de teatro, ela deu para cada grupo objetivo secreto. Era fazer a plateia ir embora, outro era fazer a plateia gritar, outro era fazer a plateia chorar, emocionar, e era fazer a plateia rir. Todos conseguiram o que queriam de uma maneira, deles uma pessoa levantou e foi embora chocada, outro uma pessoa se emocionou, pelo menos, tinha que fazer pelo menos uma pessoa conseguir e rir era o mais fácil, o grupo que tomou comemorou, foi o único que não deu certo. Porque todo mundo ali entrou com sangue nos olhos, fazer as pessoas rirem. E rebolava, dançava enquanto o outro tirava a roupa, enquanto o outro imitava. Eram caos de pessoas desesperadas. Não teve graça nenhuma. E essa era a moral que ela queria passar. Assim, quem entra em cena com o objetivo de fazer rir não consegue. E esse é o paradoxo do humorista. A piada, ela foge àquele que busca ela e ela cai no colo daquele que a rejeita ou que não está atrás dela. Então, esse é paradoxo de trabalhar, eu trabalho com algo que não é moldável ao meu trabalho e não é simplesmente buscar que aparece sabe, ela foge, Ela...
José Maria Pimentel
Chega a ela indiretamente, de certa forma.
Gregório Duvivier
Exatamente. Você só consegue enxergar ela diretamente, sabe? É pouco como aquelas manchinhas que tem nos olhos. Não sei se você se identifica a isso. Quando você está olhando para o sol, tem uns manchinhos assim. Quando você olha para ela, ela vai junto com os seus olhos. Então, você tem que olhar para lugar se quiser ver sua forma se tem que ficar olhando fixo e ela vai estar sempre na periferia do seu olhar e a piada é pouco isso é algo que surge na periferia e vem surgindo seu olhar quando você está a olhar para outra coisa em geral mas
José Maria Pimentel
é verdade né
Gregório Duvivier
isso assim como se é a verdade de verdadeiro de intrínseco que é o que
José Maria Pimentel
a gente procura. Eu aí tento concordar contigo, até me lembrar de outro episódio com o Weisz Almeida, que é filósofo de arte e ele dizia uma coisa sobre a arte, em geral, que eu acho que se pode aplicar ao humor, ele dizia que a arte tem uma função cognitiva, que é fazer-nos olhar para as coisas de maneira diferente, seja o que for, e ele dizia que o aspecto estético, ou seja, o agrado, o prazer que a arte nos provoca ver quadro bonito, por exemplo, é quase o isco, é o que faz a nossa mente querer ir lá, para nós depois irmos buscar aquilo que na verdade é o último benefício. E em relação ao humor, eu não iria tão longe, porque acho que a piada tem valor em si mesmo, mas há uma parte disso que é verdade, que é a piada é o isco, tu ristes, é aquilo que te faz ir atrás daquela piada e na verdade aquilo é uma observação interessante que muitas vezes tem uma... Contém algo de verdade, não é? Que te faz olhar para as coisas de maneira diferente.
Gregório Duvivier
Perfeito, é exatamente isso. Exatamente. Eu acho que é algo que ajuda a ver, na minha opinião, sabe? O humor, que eu mais gosto, ele me ajudou a enxergar o mundo. Ele dá a ver, assim como a arte, nesse sentido.
José Maria Pimentel
Aquilo, desculpa, o soneto que eu, enfim, li sem grande talento inicialmente... É bom exemplo disso, não é? Porque aquilo é coisa humorística, não é? E na verdade está a retratar uma... Aquilo é engraçado e dá vontade de ler e na verdade tem uma observação de crítica social que faz todo sentido.
Gregório Duvivier
Eu acho que quando isso acontece é achado, descobrir algo novo porque está todo mundo falando sobre tudo há 100 mil anos que o ser humano se encontra para falar sobre tudo encontrar algo que seja descoberto é muito feliz é muito alegre pra mim é quase sempre humorístico ou poético também que são coisas parecidas eu
José Maria Pimentel
acho Pois é, pois exatamente. E o humor não tem uma colagem, isto não volta àquilo que eu dizia no início, como o humor está menos preso aos factos, tu podes ser bocado mais criativo e ao ser mais criativo podes chegar a verdades que não chegas de uma maneira tão cartesiana, digamos assim.
Gregório Duvivier
Perfeito. Ah, tem algum humorista, não sei se foi o Jesseth, que falou aqui, tem certas portas que estão trancadas e que só se entra pelas frestas. E o humor, ele é capaz de entrar pelas frestas.
José Maria Pimentel
Ah, foi? Olha, eu não conhecia isso.
Gregório Duvivier
Ele tem essa imagem que eu acho muito boa. A morte, por exemplo, é quarto trancado. Você não consegue arrombá-lo pra falar. Ele é muito difícil. Mas o humor é líquido, ele é gasoso. Ele consegue entrar pelas frestas da porta então você não consegue falar é, eu acho uma boa imagem, sabe? Ele passa pelas frestas e aborda o inabordável e assim o meu poesia também, eu tenho a impressão algo que pela lógica cartesiana você não consegue explicar. Eu tenho a impressão que as piadas elas conseguem muitas vezes.
José Maria Pimentel
Engraçado, não conhecia essa do Chesterton, depois vou pesquisar.
Gregório Duvivier
Talvez não seja ele, mas é
José Maria Pimentel
o grande clasista. Sim, eu depois ponho na descrição do episódio. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione a opção apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. Olha, deixa eu voltar ao Brasil. É graças ao Ricardo que tu estás aqui, que ele passou-me o teu contacto e eu perguntei se ele tinha alguma pergunta e ele sugeriu uma pergunta que foi depois também feita por mecenas do podcast, o Sérgio Nunes, que é de certa forma uma pergunta dupla e tem que ver com o que falávamos há bocadinho de, por exemplo, do Greg News e do papel político do humor. Ele dizia, como é que foi durante o bolsonarismo ter esse humor de intervenção sem perder a graça e quase inversamente, como é que é agora, com o Lula, fazer humor gozando com o Lula sem achar que se pode estar a beneficiar o outro lado e já agora de caminho evitando ser criticado, que eu sei que já te aconteceu, pelos correligionários, digamos assim.
Gregório Duvivier
Então eu não faço esse cálculo e essa é a grande vantagem do governo Lula. Eu não precisava fazer esse cálculo. Será que eu vou ser criticado? Será que eu não vou ser? Porque no governo Bolsonaro a gente fazia pouco esse cálculo no sentido que você tinha governo, por exemplo, durante a pandemia, você tinha governo que incentivava as pessoas a saírem de casa e a não se vacinarem. Literalmente, Bolsonaro dizia que a vacina... Então a gente tinha cálculo ali que era do tipo assim, cara, não, a gente não pode...
José Maria Pimentel
Como é que eu faço piada sobre isso, né?
Gregório Duvivier
Exatamente, a gente não pode embarcar nisso. Tinha uma agenda pouco clara, a gente não pode... E o doido, e aí tá paradoxo do Bolsonaro, que é, ele fazia muito humor. Então, quando eu digo que eu não sou a favor da liberdade total do mundo, é que eu tenho presidente que usava o humor pra cometer crimes, é isso que ele fazia.
José Maria Pimentel
Porque essa liberdade que o humor dá...
Gregório Duvivier
Exatamente, ele falava por exemplo, ah essa vacina aí vai, eu não confio nela, porque você pode tomar, ninguém tomou ainda, pode ser que você tome e vire jacaré. Ele falou isso. O que você está falando? Você não pode ser presidente sem incentivar as pessoas a se vacinar, cara. Sabe o que eu acho? Isso é crime. Você, como presidente, você trabalhar contra a vacinação da população é crime. E ele dizia, não, não é crime. É uma piada. Eu não acho que eu estudei no Virar Jacarés. Eu estava fazendo uma piada. Então, você tem...
José Maria Pimentel
Eu estava fazendo o mesmo que vocês estavam fazendo.
Gregório Duvivier
Exatamente, olha que canalha. Ele está usando uma figura, inclusive uma figura jurídica que existe, que a gente defende no Greg News assim, como Animus Jocandi que é uma figura em latim que é a alma jocosa. Então você tem o direito de falar certas coisas se tiver o ânimos jocande é isso que a nossa advogada advoga.
José Maria Pimentel
Isso é mesmo coisa de jurista. Apesar que quem passa uma carreira inteira é definir o que é o Animus Jocandi, o que é que cai dentro e o que é que fica fora.
Gregório Duvivier
Exatamente, ela fica o tempo todo da de... Ai, acho que o Animus não tá muito Jocandi, não, mas ela fala assim, Animus aqui também, insultande, mas esse que é todo nossa defesa, E eu acho que existe ânimo jocande que nos permite sim dizer certas coisas. Mas quando presidente invoca o ânimo jocande, falando assim, parece uma magia do Harry Potter, né? Ânimo jocande. Quando ele invoca, eu acho uma grande canalice. Mas, voltando à pergunta, a gente lá, no governo Bolsonaro, estava o tempo todo lidando com presidente que usava o humor. Então, às vezes, a gente quase tinha que falar sério, porque o presidente estava fazendo graça. Então, a gente era... Às vezes, a gente se colocava na posição de falar assim, cara, isso não tem graça nenhuma, isso não foi uma piada tem que fazer, então quando os políticos estão muito fazendo graça às vezes a gente sentia na obrigação de, sabe, perder a graça pouco
José Maria Pimentel
hum, chamar os factos
Gregório Duvivier
exatamente, agora com Lula é uma delícia fazer graça por causa disso, porque a gente tem governo que tá dentro do espectro democrático, você não precisa lembrar, sabe, a gente consegue trabalhar com sutilezas, não é mais assim, para o prédio está afegando fogo esse homem é fascista, não, agora você consegue debater coisas e trazer assuntos à tona que ele não está falando, consegue bater. É claro que você tem uma seita dentro do lulismo, que não são todos eleitores do Lula, mas é uma seita pequena, mas muito barulhenta de pessoas para quem é isso, nós devemos ser gratos ao Lula por ele existir e por ter aceitado ser nosso presidente. Isso daí eu não vou entrar nessa seita, mas eu não me preocupo com ela. Eu sei que é uma seita. Eu sei que existe e eu acho que é importante ser criticado pelos dois lados também. Então não me preocupo nem pouco em ser criticado por essa gente mesmo. Eu acho que é uma pena, num dia que eles existam, mas eu acho que é uma pena sobretudo para o Lula, porque acho que faz mal ele ter uma claque que não o critica, sabe?
José Maria Pimentel
Mas devem ter medo que criticando possa estar a favorecer o Bolsonaro, no fundo deve ser isso.
Gregório Duvivier
Exatamente, sem saber que a crítica, ela não favorece o oposto, ela pode ajudar você a crescer, quando você a ouve, não é? Mas o que eles dizem é assim, mas então critica internamente. Eu não sou do PT, eu não vou às convenções, eu não tenho o WhatsApp do Lula, eu acredito que internamente é muito elitista. Pressupõe que eu tenho acesso, sabe, que a população tem acesso para além de ser minha profissão criticar externamente, eu nem teria como. Então tem essa coisa, o povo tem que criticar o Lula internamente, como assim? Criticá-lo, tem que ir até lá e falar no ouvido dele. Então tem uma... Medo gigante de voltar ao fascismo, que é uma estratégia, na minha opinião, equivocada do Lula, querer se blindar de críticas para não voltar a fazer. As críticas, elas fazem a pessoa governar melhor. Tem aquela história clássica do Roosevelt, né, que se elegeu com o apoio dos sindicatos em 1939, se não me engano, e ele começou a fazer governo muito conservador, a direita, assim, né? E os sindicatos foram lá bater na casa dele, o que que tá, o que que houve? Você prometeu pra gente mundos e fundos, e você não tá, você tá fazendo governo tão pró-patrão e tal, ele falou assim, claro, vocês não tão me obrigando, vocês queriam que... Eu já
José Maria Pimentel
tinha ouvido uma variante dessa frase. É, ó, variante, é, vocês não tão
Gregório Duvivier
me obrigando, então, claro, vocês não tão na rua, vocês acham que eu ia dar para vocês só porque eu prometi? Não, vocês têm que... Então, eu acho que a pressão popular ela é muito importante para presidente, sobretudo de esquerda. A pressão à esquerda tem que ser feita no Lula o tempo todo, na minha opinião, como pessoa de esquerda. Eu acho que faz muito bem a ele.
José Maria Pimentel
Tu achas que o humor tem esse poder? Ou seja, tu achas que durante o bolsonarismo, vocês... E quem diz? Vocês diz que dizem outros humoristas, para não fazer perguntas especificamente. Achas que vocês tiveram papel no combate ao bolsonarismo e da mesma forma, que é o reverso disto, achas que agora podem ter papel tanto no sentido de prejudicar o Lula na interpretação dos lulistas mais extremos como desta versão mais benevolente que tu estavas a sugerir de até forçar o governo a encarreirar-se porque há aquela tese contrária de que, enfim, é do Ricardo mais uma vez, de que o Moro na verdade não faz nada, quer dizer, só malta-ri-se, mas não vai ter nenhum resultado nem vai prejudicar o Bolsonaro, nem iria prejudicar o Lula, nem no limite iria fazer o que tu tavas a sugerir que era beneficiar o governo Lula no sentido de o tornar melhor.
Gregório Duvivier
Eu acho que é pura modéstia do Ricardo, eu entendo ele porque é uma coisa muito...
José Maria Pimentel
Olha que eu acho que ele acredita mesmo nisso.
Gregório Duvivier
Eu acho que ele acredita, não acho que ele é falso não, pelo amor de Deus. Mas para além disso é horrível a pessoa falar assim, sim, eu de fato sou muito importante para a democracia. Ninguém fala isso.
José Maria Pimentel
Não, mas podes dizer, olha, eu faço este programa em parte para tentar funcionar como contrapoder, isso é perfeitamente normal.
Gregório Duvivier
Sim, mas quem fala isso não consegue. Tem paradoxo que a influência, assim como a graça, quando você diz assim eu quero mudar a opinião de vocês, você não consegue. Você muda a opinião dizendo que não é isso que você está querendo fazer.
José Maria Pimentel
Tu acha que tu tens que mentir para conseguir o resultado?
Gregório Duvivier
Eu acho, mas não acho que o... De novo, Ricardo vai se informar que é a velha e canão. Mas eu acho que ele tem... Ele vai dizer que não, mas ele tem uma função incrível na sociedade. Mas de novo, a função não é mudar a política. Eu digo assim, eu tenho certeza que o programa não mudou diretamente resultado de nada, de eleições nem de votos no Congresso. Isso eu concordo com ele que não é assim que funciona e a prova disso é que todos os comediantes eram contra o Trump ele dá esse exemplo, todos os comediantes eram contra o Trump e o Trump ganhou então eu acho que realmente, humoristas mudam a eleição mesmo, então eu estou com ele nessa mas eu acho que tem uma função muito importante, que é de você criar comunidades. No caso do Brasil, o Bolsonaro nos desolou. No sentido de a gente ficar com essa impressão de que o país é detestável. Porque ele é o presidente do país, ele foi eleito pelo país, então que país é esse que elege essa pessoa? Então o Bolsonaro nos deprimiu muito como país, para além dos bolsonaristas, claro, o país que não votou no Bolsonaro ficou muito deprimido por Bolsonaro, porque falava assim, como pode o país que eu cresci, que de certa maneira eu amo. Eu não sou nacionalista, longe disso, patriota, mas amo o Brasil que eu vivi. Amo a minha cidade, o Rio, amo as pessoas, a minha família, as pessoas que cresceram em volta, essa cultura, a música brasileira, o carnaval, eu amo uma série de coisas que são o Brasil também, eu pensava, como pode? Então, o humor, onde é que ele entra aí? Eu acho que entra pra lembrar que nós existimos. Então, nesse sentido, a função do programa mais do que armas na trincheira, ele foi aquela sopa na trincheira, sabe? Foi aquela coisa...
José Maria Pimentel
Mas pra quem tá do teu lado, né?
Gregório Duvivier
Quem tá do meu lado, exatamente. Então, ele criou e fortaleceu essa comunidade de pessoas que estavam deprimidas com a ascensão do fascismo, acho que gerou assim, calma, tem mais gente, eu também tô aqui. Eu acho que essa função primordial do humor, dizer assim, você não tá sozinho, eu tô aqui também. E não é só eu penso igual você, temos uma afinidade ideológica, não, é eu sinto o mesmo que você. Dar conforto. Dar conforto de que somos uma comunidade, existimos, no sentido assim, olha só, estamos passando por coisas junto e somos muitos e talvez isso dia acabe, Eu acho que tem essa função que é muito política também. Não tem nada mais político que você juntar pessoas, não é? E eu acho que o humor tem essa função também, de criar laços, de juntar pessoas. Você faz amizade rindo junto, né? Sim, sim, sim. Exatamente. Todas as amizades começam com uma piada interna. Em geral, a piada, ela precede a amizade. Não é nem que ela precede, ela inaugura a amizade. E eu acho que isso, politicamente, acontece também. Quando você ri junto com pessoas, você cria identidades que são também políticas ideológicas. Que muitas vezes, elas não existiam antes. Tem isso muito no teatro, você se sente irmanado com as pessoas que estavam ao seu lado no teatro, que é uma mágica. Até hoje eu não entendo porque você está ao lado de uma pessoa que você nunca viu na vida e você rir ao mesmo tempo de uma piada, sabe? Você lembra quando você riu de uma piada que você tem uma humanidade em comum com todas aquelas pessoas que estão de volta. Uma experiência de mundo em comum com tanta gente. Então, acho que essa é a função do humor. Lembrar que tem muito que nos une. E isso, nos anos Bolsonaro, foi muito essencial. Lembrar que tem muito que nos une. E agora, nos anos Lula, também. Lembrar que tem muita gente que não é lulista, fanática, nem está muito longe de ser bolsonarista, e que quer continuar exercendo o senso crítico, quer pensar sobre país possível, que não é só a repetição dos anos 2000. Eu acho que essa é pouco a função também do humor, sabe? É não se alinhar, é ser desalinhado. E eu acho que isso é muito importante também politicamente, abrir horizontes, que não são só o do comentário político de lado ou de outro. E eu acho que esse sentido, o Ricardo faz isso brilhantemente, assim, de lembrar o povo de ter esse olhar desconfiado, que eu acho que é o olhar do humorista, mas também, sem perder a fé, eu acho, na política. É isso que eu acho bonito.
José Maria Pimentel
Mas tu achas, tu dizias que o humor tem esse lado de conforto para o teu lado, para quem está no teu grupo, digamos assim. E é lado muito interessante, claramente, eu acho que isso é verdade. Mas tu achas que também pode convencer quem está, não necessariamente quem está no outro extremo, porque esses são impersuasíveis, mas quem está no meio. Ou seja, achas que pode convencer?
Gregório Duvivier
Sim. Eu acho que convencer é muito forte. Eu acho que ninguém se convence de nada. Mas eu acho que você consegue fazer a pessoa perceber que ela já pensava igual a você. Que eu acho que é essa a grande diferença. Não pensava igual, Pedro, não é nem isso. Mas perceber que vocês não estão tão distantes eu acho que esse é objetivo que a gente tem em mente assim, quando a gente fala, é mais do que falar assim vamos fazer eles mudarem de ideia, não é gente, olha só, não é possível que uma pessoa não pense assim, sabe, em algum lugar e eu acredito que em alguns assuntos como taxação de grandes fortunas, por exemplo, não é convencer as pessoas que é o certo, não é, é fazer elas entenderem que se elas não tem grandes fortunas, interessa a elas taxar grandes fortunas, entende? Então, às vezes é uma coisa que é muito... E no Brasil, sobretudo, taxação ainda é uma coisa complexa. A gente, às vezes, tem que lembrar do básico mesmo, assim. A gente está falando de pena de morte, ou a gente está falando de aborto, sabe? A gente está falando de coisas que a população... Sim, é debate que em muitos lugares já foi feito, no Brasil ainda não é muito, drogas no Brasil, então é isso, muita gente vai achar que drogas, maconha, coisa do diabo, então é no básico fazer elas, não é convencer elas que maconha é bom, é fazer elas entenderem que elas já sabem disso, que elas já conhecem pessoas que fumaram uma margarida que está tudo bem. É algo que já está dentro delas. Então, eu acho que a gente tem pouco isso, pelo menos no Greg News, que é uma coisa pouco... Você não convence ninguém, ainda mais com esse pensamento da argumentação. Mas dá pra você, assim...
José Maria Pimentel
Dá toque pra quem já está perto. Exatamente.
Gregório Duvivier
A Alessandra, ela é da minha diretora, o Greg News, e foi quem, na verdade, propôs fazer o programa. E ela é alguém que não é do humor, ela é nem do entretenimento, ela é da economia. E é uma pessoa brilhante, ela é formada em Colômbia, com mestrado, sei lá onde, da economia. E a grande pesquisa dela é sobre como engajar as pessoas. Ela tem uma ONG que chama Nossas, que vem de Nossas Cidades, tem no Brasil todo, meu Rio, minha São Paulo, é uma pessoa da convocação E claro, ela no início queria fazer programa muito engajado. A ideia dela era, Gregório, o humor é o novo rock. Ninguém mais no rock se engaja, o rock virou uma coisa muito pasteurizada. Mas é isso que a juventude tá engajando politicamente, não é mais o rock, é o humor. Então, a gente queria fazer programa... Aí eu, tipo, cara, né, eu fico meio assim porque eu não era essa pessoa, eu não me ligava muito. Eu sempre gostei de política, mas nunca fiz humor politizado, sabe? Nunca foi mesmo. E aí a gente tem esse... Ela mesmo também foi percebendo e foi... Ela tá cada vez mais dentro do humor e ela veio pro entretenimento entender que... E ela mesmo, como pessoa inteligente que é, sabe que você não engaja dizendo assim venham todos para o meu lado, você traz pouco para junto. E tem leque político, essa é até uma imagem dela, no leque político você não leva nunca uma pessoa de extrema direita para a extrema esquerda, em geral você faz ela caminhar pouquinho, sabe? E eu acho que é isso, é entender que o bolsonarista, por exemplo, faz ele dizer assim, cara, tem uma direita democrática, ela existe, você pode ser de direita sem ser fascista, em vez de dizer para ele, venham todos camaradas, univos, trabalhadores do mundo, tomai os meios de produção. Isso é falar para bolsonarista.
José Maria Pimentel
E tu dizias, desculpa, eu ouvi-te dizer num podcast brasileiro muito giro chamado Mamilos, que quem me recomendou foi o Tiago Ernst, que já foi aqui convidado. Eu acho que se chama mamilos porque são duas mulheres, não é? Embora seja bocado discriminatório para nós, também temos mamilos, não é? Não é realmente, quer dizer, enfim. Mas fora isso, o podcast é muito giro e eu ouvi uma entrevista que tu deste lá e tu dizias que talvez vocês não conseguissem convencer as pessoas, mas conseguissem convencer quem convencesse, ou seja, não conseguiam convencer o pai, mas se calhar conseguiam convencer o filho, que depois ia convencer o pai. Sim, é. E essa figura pareceu-me interessante, porque muitas vezes é esse efeito indireto, não é?
Gregório Duvivier
É, Eu acho que tem pouco isso. Quando você fala pro seu público, você também tá gerando uma conversa e nível de informação que muitas vezes as pessoas não têm. E eu acho que é muito mais fácil, no caso do Bolsonaro, por exemplo, aconteceu muito dentro das famílias. Era muito comum você ter... Era bem geracional, assim, geraram pessoas em geral mais velhas, a idade bolsonarista, e homens. Então era muito comum maridos e mulheres, a mulher votar no Lula, o marido no Bolsonaro, por exemplo. Tinha esse gap de gênero grande. E aí...
José Maria Pimentel
Devia ser uma relação ótima com essa.
Gregório Duvivier
Imagina! E tem muito, eu conheço muitos casos assim. Então, a mulher nos assistia a volta e meia. E ela falava, ah, eu adoro que eu tenho como coisa pra falar pro meu marido, sabe? Mostrar. Então, ele não via o programa, porque pra ele é comunista, não sei lá o que. Mas quando a mulher via, ela filtrava e a mulher, o cara é obrigado a ouvir. Então tem isso as vezes, a pessoa... Os grandes porta-vozes eram as pessoas que veem o programa. Elas se sentem munidas de fatos, de coisas que eu adoro, e de piadas. E eu acho que isso é legal também do programa. As vezes as pessoas concordam e sentem que Bolsonaro é horror, por exemplo. E ao ver o programa elas se sentem, não é nem confirmadas, mas munidas, abastecidas de argumentos de fatos, de coisas assim. E acho que isso também é uma função do programa, sabe? Não é confirmar o que elas já sabiam não, porque eu acho que isso aí seria muito fácil. Mas é desenvolver debate pra não ficar só no... Esse homem é fascista! Tá, vou fazer programa explicando porque que talvez dê pra usar esse termo ou talvez não dê. Sabe, em geral a gente vai a fundo em algo que as pessoas às vezes estão usando de uma maneira meio leviana ou boba ou tal acho que essa é uma função também
José Maria Pimentel
Sim, embora isso possa polarizar ainda mais, tem esse risco
Gregório Duvivier
Sim, mas eu acho que a gente tenta sempre não polarizar nos xingamentos, nas palavras de ordem, que eu acho que é problema da esquerda e da direita também. Fora Bolsonaro, tá? Ou não vai ter golpe, ou não... Esse tipo
José Maria Pimentel
de palavra de
Gregório Duvivier
ordem não adianta nada. Isso tem... Não sei se o humor adianta ou não, mas gritar palavras de ordem adianta muito pouco, sabe? Ou não passarão, sempre passam. Toda vez que falaram essa frase, passaram. Então, eu acho que sair pouco da palavra de ordem é a função do humor também. E munir, então você quer falar fora Bolsonaro, vamos tentar entender como é que ele pode sair, por quê, se ele deveria sair, porque não é só porque o presente é ruim que ele tem que sair. Aí explicar, então dá pra sustentar que tem aqui substância para impeachment, por quê, como é que foram os outros impeachment. Então eu acho que a nossa função ali também é cavar pouco e desmontar as palavras de ordem. Uma coisa que eu odeio nas passeatas de esquerda, por exemplo, é amontoado de robôs quase. Palavras de ordem poderia ser escrita por algoritmo, sabe? Alguns discursos e gritos de esses... É, nós, os trabalhadores, a precarização do trabalho... E aí outros... E aí repetem... Isso não afeta ninguém. Não convence ninguém, não afeta ninguém, não muda nada, e isso me incomoda pouco, sobretudo na esquerda, assim. Então acho que a nossa função é pouco essa também.
José Maria Pimentel
E vocês têm propostas que são... Ela está mais à esquerda do que o Lula, como falávamos há bocadinho. Tivesse aquele caso que falávamos há bocado, vocês propuseram que fosse eleita uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal, não é? Para o Supremo Tribunal, foram discordando da nomeação dele, que tinha sido o Homem Branco, mais E isso é o tipo de... Como é que eu vou dizer? A sociedade está muito polarizada agora, não é? Quer dizer, e esse tipo de... Quando tu faz uma proposta desse género, isso eriça os pelos de muita gente, não é? Sim. Quer dizer, tu dizias há bocado, claro, o Brasil é país que tem racismo estrutural, não é? Mas é difícil ver como resolver isso, não é? Porque este tipo de propostas gera aversão de muita gente, não é?
Gregório Duvivier
É, é curioso, essa nossa ideia, até falando assim, parece uma coisa absurda, ainda mais em Portugal. Tem que ser uma mulher negra. Ué, mas porquê? Não vai escolher pelo mérito? Não vai escolher...
José Maria Pimentel
Mas, claro, também se sugere isso, embora eu acho que tenha menos peso do que no brasil
Gregório Duvivier
que tem 5 10% de pessoas negros no brasil tem 57%
José Maria Pimentel
sabes que eu tive descobrimento roberto uma vez foi cortar o cabelo e o cabeleireiro era negro mulato disse mulato no brasil e fez estas avaliações que a pessoa está a fazer que são bocado irrelevantes, mas pronto, ou seja, não era branco.
Gregório Duvivier
Acho que mulato não se usa mais, mas é negro, se fala negro mesmo sendo pardo.
José Maria Pimentel
E ele dizia... Pardo, exatamente, foi o que ele me disse. E ele disse, é, mas não é... Em Portugal há racismo, no Brasil não. E ele surpreendeu-me imenso, porque não há como. E ele diz, não, não, porque toda a gente é meio misturado. Isso é verdade em certo sentido. Primeiro não será verdade totalmente, e depois o Brasil tem... Embora haja muito racismo em Portugal, o Brasil tem lá está, tem esse passado de escravatura que não foi vivido de cada mesma forma.
Gregório Duvivier
Não, e ainda existe. Quando você pensa a população carcerária, por exemplo, ela é imensa maioria negra, se eu vou dizer 70% ou 80% da população é uma coisa desse nível assim. É uma população negra encarcerada. Então, o ministro do supremo não tem nenhum negro, já que 70% da população carcerária é negra tem 11 ministros, não tem uma pessoa negra ligada ao movimento negro, não precisa nem ser negra ligada ao movimento negro, não tem nenhuma relação com essa causa eu acho absurdo, acho uma loucura mesmo, porque é ele que vai decidir pela liberdade dessas pessoas O Brasil tem problema gigante de encarceramento, é mesmo uma forma de racismo gigante, a maneira que a gente encarcera, porque são crimes irrisórios, a maioria é por posse de drogas, então posse de pequenas quantidades de drogas, são pretextos para você encarcerar uma população negra e destruir famílias. Você põe pai de família... Quem vai... Isso, o dinheiro da família e dos filhos, que muitas vezes é o arrimo de família, e para além de ser pai, uma família destruída, e que vai visitar... São 700 mil famílias despedaçadas por causa de encarceramento em massa injustificado de pequenas portas de droga. Então, isso não parece uma prioridade do governo Lula mesmo combater isso. Não é. Porque ele indicou pro ministro supremo o seu próprio advogado. Que eu já acho uma coisa muito complicada.
José Maria Pimentel
Essa sobretudo é que me parece.
Gregório Duvivier
Seu advogado, que não é jurista respeitado. Não tem nenhum. Nada. Ele é o seu advogado. Isso que ele é. E o Zanin, que era uma pessoa próxima dele. E só. Só. Só. Ao contrário, a habilitação...
José Maria Pimentel
É pagar favor, não é?
Gregório Duvivier
Muita gente diz que é para devolver favor de ter advogado para ele na lava-jato só que ele foi pago muito bem pago e não é só isso o lula não é dono do estado não é dono do estado pode ter
José Maria Pimentel
pode estar imensamente agradecido mas exatamente sabe mas a mas a tua proposta a sua proposta era nomear uma mulher negra E eu acho que isso
Gregório Duvivier
não era nem nossa, isso daí foi uma... A gente divulgou uma ação de grupo que se chama Juristas Negras.
José Maria Pimentel
Exatamente, tinha o propósito de duas ou três candidatas possíveis, não é?
Gregório Duvivier
Exatamente, porque o que acontece, todos os nomes cotados, quando fala homens brancos, parece que é uma questão apenas identitária. Estou olhando só para a cor de pele da cara, mas vai além disso. Na verdade, os cotados para a vaga, todos eram homens brancos, sim, mas para além disso, eram advogados de grandes empresas e corporações eram advogados que feito isso feito os aninhos aninhos era advogado da bebe também da loja americana era advogado de corporações e tem uma coisa curiosa no brasil que teve a lava jato que foi grande erro uma operação contra a corrupção também muito corrupta, que blindou políticos de direita, blindou literalmente, literalmente não, perdão, mas usou esse termo literalmente, eu quero dizer. O Moro falou, temos que blindar o fulano, eles diziam isso em conversa.
José Maria Pimentel
O que quer dizer blindar nesse caso?
Gregório Duvivier
Ah, quer dizer não investigar. Ah, ok. E ele usou esse termo para não melindrar. O Fernando Henrique, por exemplo, não, não vamos investigar para não melindrá-lo. Então se preocupou em não melindrar políticos mais alinhados, não se preocupou em prender presidente de uma maneira também absurda depois soltou mas bastante para não concorrer a eleição e pior virou ministro do cara que só ganhou porque ele prendeu o que estava em primeiro nas pesquisas esse Moro então a Lava Jato foi absurdo, mas dito isso, feito essa ressalva de que ela de fato foi absurdo, existe anti-lavajatismo no Brasil, também absurdo, também corrupto em algum lugar. Porque a Lava Jato fez muitas coisas erradas, mas também prendeu muita gente poderosa, que tem os melhores advogados do Brasil, e que são contra a Lava Jato pelos motivos errados. Que eu quero dizer. São contra porque prenderam seus clientes. E existe esse anti-lavajatismo corporativista de bilionários, sabe? Porque foi dos poucos momentos no Brasil em que se prenderam, de fato, pessoas bilionárias. Prenderam o Marcelo Odebrecht, prenderam dos caras mais poderosos. Então, a Lava Jato, ela, com todos os erros, e foram gigantes, ela fez isso, ela prendeu pessoas que de fato tinham desviado bilhões. Então nem tudo nela foi uma invenção. E essa é a complexidade, nem tudo nela foi teatro. Então você tem essas figuras, feito o Zanin, que são anti-lavajatistas de ocasião.
José Maria Pimentel
Opportunistas.
Gregório Duvivier
E feito ele, todos os cotados eram nessa linha. Nessa linha de advogados que na verdade não tem nenhuma ligação com causas populares, não são grandes juristas, nem são garantistas, como eu te falo, não. São advogados, são pagos para defender, nada contra advogados, mas eu não acho que seria a melhor formação, ainda mais se você for advogado de Supremo, num juízo Supremo, que é isso, ele vai decidir sobre a vida de centenas de milhares de pessoas.
José Maria Pimentel
Ou seja, havia uma objeção aos candidatos não serem qualificados e depois havia outra objeção a eles não trazerem diversidade ao Supremo para fazer-se estar mais próximo da população em geral, digamos assim. E eu acho, enfim, eu não sou grande fã de cotas, mas eu acho que esse argumento tem muita força, no sentido de que se tu tens poder como o poder judicial que decide sobre a vida das pessoas e se não tiver o mínimo de representatividade, ou dizendo a coisa ao contrário, a representatividade, não digo que seja essencial, mas ajuda muito a que haja sensibilidade para determinados problemas e isso está mais estudado com as mulheres e tudo mais. Agora, depois tu tens o problema, que está mais na base disso tudo, de social, de como resolver esse problema. E o Brasil é país... Enfim, eu não vivo lá, mas tu conheces esta realidade de perto. Mas onde estas tensões todas emergiram e há identitarismo de lado que gerou contra-identitarismo do outro. E Eu tenho pensado muito neste tema e não sei como resolvê-lo, porque por lado, o grande problema das questões de injustiças que envolvem grupos é que eles normalmente envolvem questões de status, de estatuto. E o estatuto é jogo de soma nula. Ou seja, se tu enquanto branco, por exemplo, tens estatuto superior ao meu enquanto negro, eu para nivelar o meu tenho que reduzir o teu e não há outra hipótese, não é? E isto é muito difícil de fazer em democracia. Ao mesmo tempo, depois, por outro lado, e quer dizer, no fundo, para resolver isto tem que haver alguma predisposição de quem é beneficiado para fazer as coisas, mas depois, por outro lado, quando se cria uma lógica identitária, ou seja, uma lógica de grupo. Se eu for negro e disser tu tens que criar cotas agora para os negros, tu Gregório, tu és sobretudo branco e eu sou sobretudo negro, isso é a característica que me define, como se não houvesse outras características. Isto é o que me define, é esta característica. Tu não podes cantar música ou whatever da minha cultura, porque isso é apropriação, eu sou o grupo, o que eu estou a dizer a ti, quer dizer, o que eu estou a dizer ao outro lado é, isto é agora jogo de grupos, e num jogo de grupos, mesmo que do outro lado até não haja preconceito de partida, a reação racional é de entrar numa lógica de grupo não mesmo. É racional, mesmo que não haja preconceito, não é? Claro que é muito escassar o preconceito que...
Gregório Duvivier
Claro. Eu concordo, mas eu acho que a lógica de grupos já existia antes. O que eu quero dizer? O capitalismo é movimento identitário, entende? A democracia brasileira, supostamente democrática, ela é identitária. Como assim? Ela é identitária do homem... O Bolsonaro é movimento identitário.
José Maria Pimentel
Contra o identitário?
Gregório Duvivier
Não, não, não, do homem branco. Só tem homens brancos no bolsonarismo, praticamente, claro, a grande maioria é homem branco, porque eles são identitários. Antes da esquerda surgir com o identitarismo, a gente já tinha no Brasil, não era por acaso que você tinha monte de homem branco no congresso, era identitário, porque a sociedade brasileira foi fundada sobre o identitarismo do homem branco e portuguesa também.
José Maria Pimentel
Eu entendo o que estás a dizer, mas é evidente que havia ali uma situação de privilégio, Não é isso que eu estou a dizer agora. Tu nunca naquela altura podias fazer movimento político como o bolsonarismo que tivesse substrato tão vincado de homem branquismo. Era absurdo, não é?
Gregório Duvivier
Eu entendo, total, mas era velado. É isso que eu quero dizer. A gente tem que lembrar que quando tinha 11 homens brancos no Supremo, não é porque eles eram mais capazes. Aquilo era identitário, não tinha esse nome. Mas não escolhiam por acaso 11 homens brancos. Escolhiam porque sempre se escolheu através de identidade.
José Maria Pimentel
É assim... Porque era também quem chegava, quem tinha formação, quem chegava...
Gregório Duvivier
Claro, mas nunca escolheriam uma pessoa preta e não diziam que era porque ela era preta, mas porque ela não se adapta, ela não tem... Mesmo que tivesse formação, ela não... Ah, é diferente, não cogitavam, era identitário.
José Maria Pimentel
Os grupos Rejeitam sempre quem é diferente, muitas vezes de forma implícita.
Gregório Duvivier
Então, às vezes parece porque o movimento negro se advoga negro e pilareiro. Fala, ué? Mas isso muita gente fala. De repente virou nós contra eles no Brasil? Não, não é de repente, meu amor. João Falcão, a escravidão era nós contra eles. A definição de escravidão era nós contra eles. Então parece que o movimento negro inaugura no Brasil uma desigualdade, inaugura no Brasil uma segregação. Quando na verdade ele escancara ela. Ele fala assim, sempre foi assim, sempre foi identitário. A gente tem que lembrar disso, que as escolhas que a gente não percebe como identitárias eram. Então, eu escolhi, por exemplo, para serem meus sócios no Porta dos Fundos. Eu escolhi, nós somos cinco homens brancos da zona sul do Rio de Janeiro. Por quê? Porque tínhamos mais proximidade? Essa é a primeira coisa que eu pensaria. Não, tinha uma escolha de... Somos uma turma, somos da mesma... Tem algo sub-repetitivo, que não é verbalizado, mas é... Temos a mesma identidade, entende? É isso que se pensa quando se faz grupo, de modo geral, dos Beatles... É o outro, por que escolheram o Ringo que tinha aquele... Ah, ele tem aquele cabelinho, entende já, então deixa ele trás, porque ele não era o melhor baterista da Inglaterra, certamente.
José Maria Pimentel
Era os amigos, né? E a audiência do Greg News, ao invés de falarmos pouquinho, é identitário
Gregório Duvivier
também, né? Exatamente. Tem algo de identitário, então eu tenho problema com esse frame, às vezes, do identitarismo porque ele faz parecer que foi algo que surgiu agora quando na verdade o ocidente é fundado sobre o identitarismo do branco, entende? Só que a gente chama de ocidente
José Maria Pimentel
mas é que eu aí discordo-te porque eu acho que privilégio e identitarismo são coisas diferentes no sentido em que uma coisa é, há uma situação estrutural que te privilegia de acordo com determinadas características e isso gera algum identitarismo no sentido em que gera esse sentimento de grupo, não é? Mas não é a característica mais vincada e tu depois do outro lado... É normal. Atenção, Eu não vou por esse argumento dizer que o identitarismo não faz todo sentido. Claro que faz, tu és grupo que está a ser prejudicado, é normal que tu te juntes às outras pessoas do teu grupo, assiná-las porque é que é essa característica de grupo, quer dizer, que vos destine, neste caso a cor da pele, poderia ser o género, que vos prejudica e use isso como veiculação política. A certo ponto isto é evidente, não dava para fazer a coisa de outra forma, só no paraíso. Onde eu discordo é a partir de determinado ponto, se tu só tocas nessa tecla, estás a reduzir toda a política a isso e estás a gerar contra-identitarismo do outro lado. Que, claro que já lá estava algum identitarismo, mas não era tão vincado. Aquelas pessoas não se viam como homens brancos ou homens brancos héteros, se quisermos estender a coisa. Aquilo não era uma componente tão grande a identidade deles como é agora, não é?
Gregório Duvivier
Não era, mas é curioso porque o que o movimento negro acho que faz é revelar isso. Porque muita gente vai dizer, inclusive hoje no PT, que é eu não vejo cor, eu escolho sem pensar em cor. É o que o Lula fala, é alguma medida não vejo cor então é por acaso, você quer mesmo dizer e o que o movimento negro vai falar assim você vê cor e tem razão,
José Maria Pimentel
mas se eles dizem é só cor tas a perceber?
Gregório Duvivier
Claro, porque eu acho que tem as coisas são interseccionais e eu acho que cor e classe, por exemplo, eu acho que a classe no Brasil é mais determinante ainda que a cor. Eu acho que as pessoas, elas... O primeiro recorte é a classe. Mas as coisas estão muito masqueadas.
José Maria Pimentel
Eu acho que era o que o meu cabuleire queria dizer.
Gregório Duvivier
É, é, eu acho que é isso. Mas cor e classe no Brasil se misturam muito, muito. Infelizmente, é país que o racismo é tão estrutural que... Sim, no
José Maria Pimentel
fundo é esse o problema.
Gregório Duvivier
Exatamente. Então, muita gente vai falar assim, não, o problema do Brasil é com o pobre. Sim, mas as duas coisas estão muito ligadas. E às vezes não é só com o pobre, por exemplo. Outro dia, tem uma grande matéria sobre o mendigo gato, o mendigo bonito. Olha só, o mendigo foi achado... Não, ele era louro apenas. E fazer uma matéria no jornal com ele, porque é mendigo louro de olhos azuis. Entende? Então assim, o racismo é muito, muito violento no Brasil. E dá pena que quando homem negro diz assim, isso é absurdo, vocês estão segregando por raça. Ele é chamado de dentro... Você só vê cor. Sim, mas é porque eu tô chamando... Eu, eu... Quando alguém revela que a gente só vem em cor e pede que já que só vem em cor chama a pessoa negra do supremo ela acaba sendo taxada de só ver cor e é sabe
José Maria Pimentel
mas as pessoas não vêm só cor que são essa tu achas que as pessoas só vêem cor
Gregório Duvivier
elas não vêem só cor mas elas vêem sem perceber que elas estão vendo ou
José Maria Pimentel
seja se alguém vir imagina se 50% da minha decisão se basear na cor isso já é imenso
Gregório Duvivier
é imenso claro
José Maria Pimentel
imenso não não mas deixa 50% a outros fatores né isso tudo isso é agora não não E atenção que nesse caso do supermóvel até acho que faz sentido, naquelas circunstâncias específicas. Mas se tu disseres, não, não, agora vamos impor cotas, quer dizer, e a pessoa entra, o primeiro critério é a cor da pele, ou whatever, não é? E muita gente reage, muita gente, eu incluído, e pensa, tá bem, então e os outros fatores? Por exemplo, se tu és homem branco cis, quer dizer, nasceste num meio privilegiado, tens que fazer uma espécie de ato de contradição da tua, não é branquidão, é a tua branquitude.
Gregório Duvivier
Não, não, não, não faz nenhum sentido. Tem que ser atos de reparação obviamente temperados, no sentido de que você não pode impedir uma pessoa branca de entrar na faculdade porque as pessoas já entraram. Não é isso. Mas eu acho que tem que, sim, compensar privilégio que é mesmo gigante, assim, no Brasil, só por ser... Você ser branco. Mas é isso, não pode ser a única coisa. Óbvio.
José Maria Pimentel
Sei lá, tu disseste que o sucesso que tu tens é dependente destes fatores, quer dizer, tu tens nascido no meio privilegiado. Claro que não. Não, mas tem... Mas é só isso? Claro que não.
Gregório Duvivier
Exatamente, perfeito. Certamente está ligado ter nascido no meio privilegiado, mas também não é só isso. E sobretudo, o grande problema é você ficar na culpa, que é problema que a esquerda fica. Nós, a branquitude, culpadas pelo racismo, isso não adianta nada. O movimento negro mesmo vai falar, sabe, com todo respeito, enfia no cu essa culpa, não me ajuda. Agora, responsabilidade é importante. Se olhar e falar, cara, o que eu vou fazer com essa porra desse privilégio que eu tenho, que eu nasci com isso? Sabe, tipo, eu não vou abdicar da minha profissão. Até irrita muito, né, na época de feminismo mais radical, falava assim, mas qual é o papel do homem feminista? É calar a boca. É parar de falar. A professora vai falar, eu sinto muito, mas eu não vou calar
José Maria Pimentel
a boca. Tu levas pancada desse
Gregório Duvivier
lado também? Sim, eu fiz uma vez uma revista, foi capa da TPM com a camisa, precisamos falar sobre o aborto. É. Eram três capas, não era nem a única, tinham 3 capas, duas eram mulheres e tinha uma que era com homem, eu, com uma capa precisamos falar sobre o amor tá roubando o protagonismo, me xingaram roubar o protagonismo e por ser é... Não é sobre mim, é sobre mulheres, não tem função, eu tava advogando pra uma causa teoricamente, sabe? Tipo, então tem uma estupidez gigante, claro, nesses movimentos. Uma estupidez de não agregar, de não entender quem é aliado, quem tá tentando ajudar. Não tô querendo protagonismo de nada, eram três cadras, sabe? Mas tem essa burrice que eu concordo com você, que é muito contraproducente. E tem em todos os lugares. E eu acho que dos problemas, inclusive, é gerar, por exemplo, o Tolkien. Que é puta problema. Ah tá, então vamos botar lá uma pessoa negra. O Bolsonaro, por acaso, fazia isso. Ele tava sempre ao lado dele com homem negro figurante. Figurante, que é o Hélio Bolsonaro, que ele botou o nome dele. Ele tava sempre ao lado pra foto. Hélio Negão é o nome dele. Ah, que ele fala dele no... Ele fala sempre dele.
José Maria Pimentel
Ele não tem o apelido do Bolsonaro? Hélio Negão, ele botou o
Gregório Duvivier
apelido Bolsonaro pra ganhar os votos do Bolsonaro, então ele virou o Hélio Bolsonaro. E ele aprovou uma lei, não tem nenhuma atividade, porque ele virou deputado federal, vez de nada, mas foi o mais votado do Rio de Janeiro na eleição tal, que eu não sei qual foi. Só porque ele tá sempre de papagaio de pirata do Bolsonaro, como token negro. Então, essa tokenização, ela é... Bom dizer do lado que ele é absurdo. Assim como você só olhar pra isso e só pensar assim, ah, não, eu vou votar, não vou votar no Lula porque ele é homem. Sabe, tipo, você tem o Lula Bolsonaro, votar nesse Moniteiro, não, não tem nada a ver, ele é o presidente, uma pessoa só. A gente estava falando, ou mesmo no deputado federal, eu voto, votei em homem agora, branco, pra deputado federal porque gostava muito dele, o Chico Alencar, cara que eu respeito muito. Então, isso daí não pode, pelo amor de Deus, governar todas as suas opções da vida. Mas mudou muito quando eu passei a botar esses óculos mesmo, de grau, de enxergar classe primeiro, depois eu percebi, caralho, tudo no Brasil é desolado, e depois rassa, é muito estrutural no Brasil mesmo, assim, não tem nada que não passe por isso. E eu acho que o Lula, ainda nesse sentido, é cara que ainda tá mais do discurso, ele mudou, então você vai ver, ele subiu a rampa com uma liderança indígena, o cacique Raoni, uma mulher negra, catadora, uma pessoa com deficiência, ele subiu a rampa numa grande diversidade gigantesca para foto, tirou a foto e aí no Supremo ele bota o colega dele, o advogado, igual a todos os outros. Então eu acho que tem uma discrepância, é isso que eu critico.
José Maria Pimentel
Essa questão da percepção é verdade. O grande problema da percepção é que é difícil tu olhares com dois óculos ao mesmo tempo. Ou olhares só com óculos com meia graduação. Ou olhas de uma maneira ou olhas da outra. É muito difícil manter a sociedade. Para terminar, tu falaste dessa questão do aborto e lembrou-me de uma coisa que eu te ouvi dizer, salvo o erro no mamilos também, que foi qualquer coisa do tipo que tinhas feito episódio, salvo o erro do Greg News sobre o aborto e tiveste medo de abordar o tema sendo homem. Foi por causa disso? Foi.
Gregório Duvivier
Eu não queria, não queria. Não gente, esse assunto para mim é doloroso, porque eu apanhei muito. Foi cancelado na época pelo feminismo, por setores.
José Maria Pimentel
Eu acho que vocês no brasil hoje estão bocado diferente quando disse cancelada é foste muito criticado não é mesmo foste cancelado
Gregório Duvivier
não não estou exagerando foi muito criticado não foi cancelado de verdade não
José Maria Pimentel
mas eu percebi que vocês agora
Gregório Duvivier
não é a gente banalizou a expressão foi cancelado como tudo no brasil a gente banalizou não foi cancelado, me encheram o saco cara, ficaram xingando texto gigante o homem branco sempre à procura de protagonismo, o homem branco, sabe, mania, os holofotes vão sempre para o homem branco, aí grandes organizações, assim, então eu falei, gente, eu prefiro não falar disso, Todo mundo já sabe que eu sou a favor. Mas a Alessandra, que é a diretora do programa, falou Não, vamos fazer, vamos fazer, a gente precisa fazer, a gente dá jeito. E aí a gente fez, claro, brincando com isso exatamente. Eu sei, homem e tal.
José Maria Pimentel
Ah, tocaram mesmo no TVC e fizeram bem. Sim, sim,
Gregório Duvivier
e falou, Acho que até citou o caso e tal. Então acho que é isso. É importante não driblar. Porque me incomoda pouco quando as pessoas falam Jandarma, você ri de nada. Você não pode rir porque é isso. O Gregório falou de aborto, xingaram ele. Eu acho que tem que usar isso, sabe? Faz parte do humorista olhar esse elefante na sala. Eu até gosto mais de fazer humor com temas delicados e difíceis que vão bater porque o humor vive de tabu, então essa tensão, abrir falando por exemplo, aos jogos que eu falei de aborto eu me fodi, vamos ver se agora eu vou me foder também. É uma maneira de você gerar uma tensão que é muito gostosa para o humor. O humor vive dessa tensão. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente. E já agora, eu ouvi, não sei se no mesmo podcast, tu dizias uma coisa que me deixou bocado intrigado, não percebi bem. Tu dizias qual é a coisa do género. E eu cheguei recentemente à conclusão de que no Brasil o humor irónico tu chamavas-lhe o humor de bosh? É, se falas de bosh. De bosh, ok. Não passa bem, porque é entendido com uma arrogância. Curioso. O que é que isso quer dizer?
Gregório Duvivier
Cara, essa é uma diferença bem grande entre brasil e portugal a maneira de fazer o humor o português é mais a sério as pessoas fazem humor com o rosto fechado sem rir eu adoro é uma escola mais inglesa, eu acho. Essa coisa do humor deadpan, né? Então é muito comum, inclusive, as pessoas virem aqui e acharem que a pessoa falou uma coisa muito estúpida. Então, o garçom, outro dia, eu falei, como é que vem o bacalhau? Ele, não vem, sou eu que o trago. Aí eu, tipo assim, esse cara... A primeira reação do brasileiro é olhar e falar assim, esse homem é muito burro, porque ele acha que eu pedi bacalhau nadando, como é que ele... Aí você vê que ele tá rindo, mas que ele tá fazendo uma piada, mas ele não ri.
José Maria Pimentel
O meu clássico é o... Eles criam copo d'água e ele... Cria já não
Gregório Duvivier
quer? É isso, exatamente É óbvio que ele entendeu que você ainda quer Mas ele tá usando uma piada Só que no Brasil essa piada vira acompanhada de uma risada Então os códigos de humor no Brasil É pouco mais claro quando você está brincando, sabe? Senão ela te acha uma pessoa pouco... Ou grossa, ou burra, ou não entende. Então o código já é diferente. Para além da questão da ironia, exatamente, tem algo, mas aí não sei nem se tem a ver só com o Brasil, comigo mesmo, me incomoda pouco quando o humor é totalmente cínico e irônico, quando você não tem acesso ao humorista ali por trás, sabe? Eu acho que a ironia total, a ausência de ideais, de...
José Maria Pimentel
É uma maneira de não se expor, não é?
Gregório Duvivier
Eu acho. Eu acho. Quando você não consegue entender quem tá ali por trás e todas as opiniões dele são irônicas, eu acho que você acaba... Porque pra mim o humor tem componente que é muito importante, que é o laço afetivo, sabe? Os humoristas que eu mais gosto eu me sinto como se fosse amigo deles.
José Maria Pimentel
E aquele clássico, aquele clássico quando nós começamos a ver uma série, uma série de humor, por exemplo. Tu demoras, não sei se acontece isso, demoras 3 ou 4 episódios a entrar. Porque precisamente ainda não estás familiarizado.
Gregório Duvivier
Se você vê, as primeiras vezes que eu vi, fora de ordem, assim, Seinfeld, você vê e você ri, mas a pessoa do seu lado tá gargalhando e ela fala, isso é muito George Costanza fazer isso. E você vê que ela tá rindo como quem ri de amigo, porque, pensa bem, quando foi que você mais riu na vida? Muito provavelmente foi com amigo, ou foi com filhos, ou foi com pais. Foi numa situação real, não foi com profissional. Tá aí outro paradoxo da nossa profissão. A gente faz uma profissão que os amadores exercem melhor do que a gente. A pessoa nunca vai rir tanto quanto com uma criança, com filho. Então, Uma criança exerce melhor do que a gente, nossa profissão. A gente ri mais com uma criança, com uma pessoa que não está trabalhando naquilo. E eu acho que, eu pelo menos com humor, gosto muito de me sentir próximo, amigo da pessoa. Sabe? Eu gosto de sentir que eu tenho acesso a ela e ao que ela pensa e às vezes no humor totalmente irônico, puro, incomoda pouco que a pessoa parece mascarada se não tem acesso a ela feito Colbert de antigamente, eu gostava, como sketch, aquele que o Colbert era totalmente irônico gostava, mas aquilo cansa, ele mesmo cansou ele mesmo morre e fala, ai já deu, isso é irônico, cansa Porque ela é uma máscara, a ironia.
José Maria Pimentel
E por isso é que não é bem verdade aquela coisa do... É só uma piada, é apenas uma piada o que o humorista está a dizer. Nunca é bem, porque como ele para ti é como teu amigo, tu estás em parte a acreditar no que ele está a dizer, não estás a acreditar totalmente, não é? Mas tens de... Nós fomos recentemente ver o espetáculo do Ricky Gervais e ele diz muitas vezes essa coisa, não, não, isto são só piadas, não é nada que eu acredito. E claro que ele não acredita estritamente naquilo, mas se não seria a pior pessoa do mundo.
Gregório Duvivier
Tanto é que no final eu acho que ele faz disclosure, né? No final ele não fala tipo assim, olha, gente, eu... Me contaram, eu não vi, mas no final ele fala, ó, só para saberem, isso que eu estava falando era só brincadeira não penso assim tá no racismo não é legal ele faz uma coisa eu adormeci nessa parte não sei me contar pode ser
José Maria Pimentel
mentira que eu acho que não é nada o estilo eu não imagino fazer isso precisamente porque ele tenta ter esse quase essa postura absoluta nunca não sei quando toquem direto dos animais no caso dele é a única coisa que parece levar a sério
Gregório Duvivier
tem isso também que me incomoda sempre tem lugar em que a pessoa fala opa, aí não isso me incomoda o Danilo Gentili no Brasil humorista o Tempo todo advogando, tem que rir de tudo, nada, não tem limite no humor e não pede desculpas, então fala altas merdas e nunca... Aí ele falou uma coisa de judeus, horrorosa, ele falou assim, como é que era? O problema deles é que o trenzinho do Hitler não funcionou pra levar as pessoas em concentração, por isso que as pessoas estão reclamando em Genópolis.
José Maria Pimentel
Mas era porque eles postaram uma piada?
Gregório Duvivier
Era, Porque não queriam o trem em Higienópolis, que é bairro judeu. Eles não queriam o metro lá porque achavam que iam vir pobres. Uma coisa absurda. Aí eles assim... Ah, claro, a última vez que eles entraram num trem, não deu nada certo. Uma coisa assim. Uma piada com holocausto, tipo, muito grosseira.
José Maria Pimentel
Lá está a questão da limerda. Se ela fosse uma ótima piada.
Gregório Duvivier
Exatamente, mas era meio óbvia, meio... Sabe? Não era
José Maria Pimentel
uma coisa igual,
Gregório Duvivier
meio clichê e aí vieram em cima dele, não mais do que mas vieram provavelmente talvez mais poderosos, com mais grana, não sei o que foi, que ele... Gente, desculpa, fez vídeo, nunca mais apagou de todas as coisas, pediu desculpas choroso. Ou seja, tem a ver com o que? Com a grana de quem te liga dando uma bronca, com ter incomodado seu chefe, Então sempre tem calo onde aperta em geral, quando o humorista realmente... Então tem isso, e no caso ele foi ridículo porque foi mesmo pedido de desculpas muito amedrontado. Mas mesmo quando é tipo Rick e Gervais, quando não é uma coisa puta, não, animais não, a gente tem isso, todo mundo tem coração, e eu acho bonito ver o humorista falando Ah, para, isso eu gosto, não acho graça, mesmo que seja o Fluminense, no meu caso, ou sei lá o que, fala assim não vou rir do Fluminense, pô, não tem graça. Eu acho que é bonito, não acho que seja, o humorista seja pior porque em certos assuntos ele tem...
José Maria Pimentel
E da mesma forma, ao contrário, não há problema de dizer que as crenças dele noutras áreas também estão refletidas no humor que ele faz. O que não é dizer que o humor dele é só o que ele acredita. Não é claro, que ele faz piadas que não são... Aí é que está!
Gregório Duvivier
Tem piadas que eu não acredito, mas as que eu prefiro são as que eu acredito, sabe? Posso fazer uma piada que não acredito mas ela geral vai ser bobo ela vai faltar substância ela vai ser pouco as piadas que eu mais gosto que eu fiz o que eu assisti eu vejo que elas são elas vem do fundo da alma da pessoa elas têm alguma sinceridade sabe mesmo que seja fabricada e a pessoa me enganou bem, mas as piadas que eu mais gosto parecem realmente sair de lugar, de dentro do humorista, assim, de lugar que ele acredita. Ele não está querendo me agradar, ele não está querendo fazer a piada só para...
José Maria Pimentel
Somos genuínos, não é?
Gregório Duvivier
Não, eu sinto que tem alguma coisa ali. E é aí que eu mais gosto.
José Maria Pimentel
Boa. Olha, excelente maneira de terminar.
Gregório Duvivier
Adorei o papo.
José Maria Pimentel
Obrigado, Gregório. Obrigado, querido. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.