#154 Pedro Santa-Clara - Como a tecnologia veio tornar possibilitar modelos de aprendizagem

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Muito obrigado aos novos mecenas do 45 Graus, ao Tiago Gonçalves, ao Diogo Silva, ao Gonçalo Branco Neves e ao João Madeira. No episódio de hoje, voltamos ao tema educação para falar do futuro do ensino. Este é assunto, como sabem, que me interessa muito e que foi tema de alguns dos episódios mais marcantes do Corite Singuraus. Por exemplo, o episódio 121 com José Pacheco é ainda hoje dos episódios que mais me falam. E não é para menos, porque a educação é tema obviamente altamente importante e é uma área que está hoje em grande mudança. Impulsionada, eu diria, pela junção entre certo descontentamento crescente com a escola tradicional e pela revolução tecnológica que está em curso e que vai tornar possível fazer as coisas de maneira diferente. Há muitos projetos que têm surgido nos últimos anos pelo mundo inteiro e há dois particularmente inovadores que chegaram já a Portugal. Uma escola de programação chamada 42 e o TUMO, projeto dedicado a áreas criativas. Ambos os projetos têm em Portugal nomeador comum, Pedro Santa Clara, que é professor e empreendedor e que é o convidado do episódio de hoje. O Pedro é professor catedrático de finanças na Nova SBE desde 2007, depois de ter passado muitos anos nos Estados Unidos na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Tem no fundo, à partida, a carreira de académico normal. Não fosse o facto de ela ter tido uma viragem, poderíamos dizer radical, em 2012, quando o Pedro tomou a decisão de liderar a construção do novo campus da nova SBE em Carcavelos, levando a cabo uma campanha de financiamento que conseguiu arrecadar mais de 50 milhões de euros para o projeto. O bichinho de fazer projetos Claramente picou e no início de 2019 o Pedro lançou a Cheika Not Stirred, uma empresa dedicada a projetos inovadores, precisamente na área da educação. No ano seguinte trouxe para Portugal a 42, que é uma escola de programação muito peculiar, que surgiu em França em 2013 e que tem tido enorme sucesso, estando já presente em mais de 25 países. Mais recentemente, o que é como quem diz, há pouco mais de mês, trouxe para Portugal outro modelo de aprendizagem inovador, o Centro de Tecnologias Criativas TUMU, projeto educativo gratuito complementar ao ensino formal que visa capacitar os jovens para os desafios da sociedade do futuro. Foi inaugurado em Coimbra, o primeiro centro deste tipo na Península Ibérica e já há outros na Calha. Para além destes projetos, o convidado é também fundador da Miles in the Sky, uma startup focada também em projetos na área da educação. Neste episódio conversámos sobre esta revolução que está em curso no ensino e que tem como elemento provavelmente principal o papel da tecnologia que veio permitir dar escala a modelos como estes inovadores na área da educação. Passámos também em revista as características-chave destes modelos que o Pedro e a equipa dele têm implementado em Portugal e que incluem o trabalho por projetos, a importância do trabalho colaborativo e a ênfase em aprender a aprender, em detrimento da memorização mais típica do ensino tradicional. E claro, também não podíamos deixar de falar do impacto que vão ter estes novos modelos no ensino tradicional e o que podemos esperar, em particular, para o futuro das universidades, o meio a que o Pedro está particularmente ligado e eu próprio também. Mas não podia trazer o Pedro ao 45 Graus e falar apenas de educação. É que estes dois projetos, juntamente com o projeto do novo campus da Nova em Carcavelos, têm em comum aspecto. São grandes iniciativas de cariz social, ou seja, com impacto na sociedade, feitas em Portugal e bem-sucedidas. Isto é algo que, infelizmente, ainda não é propriamente a norma. E por isso não podia deixá-lo passar pelo podcast sem lhe fazer uma pergunta simples. O que é que foi diferente nestes casos? O que é que eles tiveram de particular para que tenham conseguido correr bem, para que tenham sido bem-sucedidos. Ou por outras palavras, o que é que é preciso para que outros projetos semelhantes possam ser bem-sucedidos no nosso país? Foi por isso que vamos ver uma conversa muito enriquecedora. Deixo-vos então com o Pedro Santa Clara. Pedro Santa Clara, bem-vindo ao 45°. Obrigado Zé Maria,
Pedro Santa
muito de gosto de estar aqui.
José Maria Pimentel
Estamos aqui na 42 de Lisboa, já estive a visitar o espaço, foi ótimo, obrigado, valeu a pena, já temos gravado aqui em vez de gravar em casa, que é como quem diz no estúdio. Eu queria começar por falar sobre a tua visão em relação à educação. Há ponto de partida que é partilhado por muita gente, que é que há uma crítica ao modelo atual como demasiado rígido, inadaptado. Muitas vezes fazes diagnóstico que o modelo atual é muito ainda ligado à revolução industrial, mas isto é uma crítica que não só é partilhada, enfim, provavelmente não por toda a gente, mas por muita gente, como é uma crítica que, na verdade, se nós fomos ver, tem mais de 100 anos, o que é curioso. E, portanto, partindo daí, eu gostava de perceber qual é a tua visão específica, ou seja, tu inseres-te nesta crítica, contei-te isso, não há dúvida nenhuma, mas o que é que tu achas que são os principais desajustamentos no modelo da educação tradicional?
Pedro Santa
Bem, esta é uma questão difícil porque todos nós estamos altamente condicionados porque passamos tantas milhares de horas da nossa vida sentados numa sala de aula que temos dificuldade quase em conceber que há outras formas possíveis de aprender. Aí no outro dia estava a fazer cálculo por alto e eu acho que passei 15 mil horas da minha vida numa sala de aula. E Portanto, quando a gente pensa em escola, aprender, pensa exatamente naquilo. Professor, quadro, 30, 50 alunos a ouvir, às vezes 300 ou 500, se formos à universidade. E a verdade é que, como tu dizes, Esse modelo, enfim, tem séculos, tem pelo menos 250 anos, passou a ser feito de forma muito sistemática à escala de uma população, é da altura da Revolução Industrial e tem o seu quê de linha de montagem? Bem, em primeiro lugar, acho que cumpriu a sua função a uma escala impressionante.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Hoje em
Pedro Santa
dia temos níveis de literacia muito elevados, sobretudo no hemisfério norte, mas fazia grandes ganhos em quase todo o mundo. Agora, primeiro, como tu disseste muito bem, há 100 anos que nós sabemos que esta é uma forma de aprender muito ineficiente. Desde o João Piaget, todos os fundadores da pedagogia, psicólogos, etc., e pessoas que estudam como é que verdadeiramente se aprende, nós sabemos que esta funciona mal, funciona porque não aprendemos todos ao mesmo ritmo, não somos motivados pelos mesmos temas, pelos mesmos estímulos. A ideia de que 50 miúdos sentados numa sala de aula vão todos aprender a multiplicar polinómios da mesma maneira funciona mal. E isto até é quantificado. Há estudos em pedagogia que mostram que a taxa de retenção de conhecimento de assistir-se a uma aula é da ordem dos 5% passadas duas semanas. 5% é número incrível, não é? Tipo, é total perda de tempo.
José Maria Pimentel
Nós convencemos que funciona porque depois temos exames, as pessoas estudam para o exame, e na altura do exame lembram-se, mas depois nunca vamos medir que elas se lembram a passada.
Pedro Santa
Eu estou a notar de entrevistar José Pacheco, que sabe mil vezes mais do assunto do que eu, e portanto nem vou tentar chegar lá. Mas a verdade é que também há 100 anos que sabemos que há formas muito mais eficientes de aprender, que justamente despertam os significados que permitem integrar o conhecimento, que são experiências sociais, que são experiências muito mais participadas e que eu resumiria em dois princípios, se calhar estou a exagerar, mas para mim os fundamentais é aprender fazendo, aprender motivado por problema que se quer resolver, por uma missão, por desafio e por outro lado aprender uns com os outros, perceber que aprender é ato social e não é só social no sentido que o professor-aluno é muito entre alunos. E sabemos disto há muito tempo e há experiências há muito tempo. A escola da Ponte tem uma experiência maravilhosa com 50 anos. As escolas Montessori têm 100 anos. Pois, pois, é isso. Portanto, há muitas coisas. Agora, qual é o problema? É que essas experiências não escalaram. Sim, há muitas escolas de Montessori por todo o mundo, mas são muito caras. Professor muito treinado, com grupo pequeno de crianças, caro. A escola da Ponte, sim, depois acabou por se expandir no Brasil.
José Maria Pimentel
Sim, mas são todos relativamente pequenos. O Waldorf,
Pedro Santa
a Open School, há monte de movimentos que nunca escalaram. O que eu acho que agora é diferente e que é aquilo que nos entusiasma, é que é possível usar a tecnologia para fazer escalar esses modelos pedagógicos. E quando eu falo tecnologia não estou a falar de quadros eletrónicos, nem de aulas por zoom, nem coisa nenhuma. Nem estou a dizer que não há lugar para professores, ou para monitores, ou para animadores, ou chama-lhe o que quiseres. Agora, podemos é construir experiências de aprendizagem muito mais estimulantes do que sentar numa sala de aula e fazê-lo de forma eficiente. Acabaste de visitar aqui por alta a 42. A 42 em vários rankings aparece como uma das dez melhores escolas de engenharia de software do mundo. Custa quinto do que custa o técnico ou a FEUP ou a FCT ou qualquer faculdade portuguesa.
José Maria Pimentel
E custa quinto porquê? Onde é que se poupa o dinheiro? É nos professores?
Pedro Santa
É não haver aulas, é ser espaço grande, utilizar de forma ultra-eficiente e consegue fazê-lo numa experiência que é muito mais eficaz e, sobretudo, muito mais engaging, muito mais entusiasmante para os alunos. O túmulo, podemos falar das mesmas coisas e esta, para mim, o ponto-chave e, se quiseres, o porquê agora, porquê passados 100 anos destas descobertas,
José Maria Pimentel
é que
Pedro Santa
agora há formas de o fazer. E estes são uns exemplos que podemos falar, mas há muita outra coisa que eu acho que obviamente a inteligência artificial abre oceano de possibilidades educativos, se olharmos para videojogos ou para a realidade aumentada, há imensas tecnologias disponíveis que nos permitem criar uma experiência de aprendizagem. Eu gosto, por exemplo, eu não uso, tento não usar muitas vezes educação e muito menos ensino. Eu gosto do termo aprender porque eu acho que aprende-se. E o máximo que nós podemos fazer é criar uma boa experiência que leva as pessoas a querer aprender e a terem a oportunidade de se desenvolver.
José Maria Pimentel
Mas dá-me exemplo concreto da tecnologia a permitir escalar este modelo, não a permitir fazer o que não se fazia antes, que não tenha que ver, tudo fica difícil, que não tenha que ver com programação e que não inclua inteligência artificial, que é impacto mais recente. Ou seja, para eu perceber e para quem nos está a ouvir perceber, o impacto da tecnologia, no fundo, é resolver este problema de escalabilidade que existia nos modelos anteriores.
Pedro Santa
Exatamente, escalabilidade dentro de paradigma de aprendizagem.
José Maria Pimentel
Mas tem-se aplicar à programação, porque aí é fácil de entender, não é? Mas no TUMO, por exemplo, tem muitas outras áreas, não é?
Pedro Santa
No TUMO, utilizam uma variante, tem muito mais pessoas a intervir, porque os alunos têm learning coaches a acompanhá-los, depois têm workshops com profissionais das diferentes áreas, etc. Mas, na base, há uma plataforma digital que nos conduz através de uma sequência de desafios, cabendo aos alunos a responsabilidade de ir procurar o conhecimento necessário para responder aos desafios, por si e colaborando uns com os outros. E isso tudo é feito ao ritmo de cada aluno, de uma forma personalizada de cada aluno, que seria impossível de fazer se fosse organizado por professor. Nós começámos o TUM Coimbra há três semanas, temos mil alunos, ainda vamos crescer para os 1500, mas seria impossível num modelo tradicional de fazeres o onboarding de mil alunos de dia para o outro e estar tudo a trabalhar em áreas que vão desde a música ao cinema, à animação, à programação, à robótica, ao desenvolvimento de jogos, à fotografia, muitas outras áreas que não apenas a programação.
José Maria Pimentel
Tu já te escreveste para artista, mas quais são os eixos principais deste modelo, que é mais ou menos transversal à 42 e ao TUMO, embora pareça, não é? Embora tenham objetos diferentes, porque na 42 é que se Fala especificamente de programação, mas quais são os grandes eixos? Tu já falaste de algumas coisas. É o facto de não teres professores, tens tutores, na prática, não é? Tens pessoas que vão acompanhando.
Pedro Santa
Aí tens software que te vai conduzindo através de desafios, que administra a experiência coletiva.
José Maria Pimentel
Ou seja, grande parte é feito pelo próprio software. Depois, onde o software não vai, em vez de ter os professores tens tutores, ou não?
Pedro Santa
Na E42 não tem nada porque são adultos e autónomos. No TUM, que são para jovens dos 12 aos 18, há uma espécie de tutores que estão lá não para ensinar nada, mas para acompanhar os alunos, para estimular, para os orientar, para os resolver dificuldades. E depois, especialistas que vêm dar workshop de cinema, ou de música, ou de seja o que for.
José Maria Pimentel
E eles trabalham por projetos, não é?
Pedro Santa
E trabalham por projetos. E isto é verdadeiramente interessante no sentido em que o modelo tradicional é que assistes uma data de aulas e no fim fazes exame. Marras dois dias antes do exame, Passado 15 dias já não te lembras de nada. É bá, fica muito pouco, não é? E o Zé Pacheco fala disto extraordinariamente. Remete as pessoas para esse episódio porque não é possível explicar melhor. O que é que falha aí? Primeiro, estás a estudar por estímulo negativo, se quiseres. É bá, tenho que passar no exame. Aquilo está pouco integrado, de facto, na tua vida, nos teus valores, nas tuas necessidades. Enquanto que, quer no TUMO, quer aqui na 42, sim, existe avaliação, mas a avaliação está absolutamente integrada na experiência de aprender. Por exemplo, aqui na 42 é engraçado, quando eu acabo projeto, submeto-o na plataforma, a plataforma sorteia três colegas, marca uma hora, tem que se sentar de lado a lado e cada deles tem uma grelha de avaliação com todas as perguntas que tem que fazer, todos os testes que tem que fazer o software e no fim dá uma nota. E eu que estou a ser avaliado tenho que ser capaz de explicar o que é que fiz, como é que fiz, porque é que fiz assim. E muitas vezes, quando justamente eu tenho que explicar isto é quando verdadeiramente percebo qualquer coisa e o avaliador está a aprender no próprio ato de avaliar.
José Maria Pimentel
Mas o avaliador, desculpa, só para perceber bem, o avaliador está avaliado de acordo com uma grelha ou é discricionário? Ou tem papel?
Pedro Santa
Não, tem guião, se quiseres, para a reunião de uma hora que vai ter com o avaliado e com todos os itens que tem que verificar e depois tem toda a latitude para avaliar outras coisas, para fazer os testes que quiser.
José Maria Pimentel
Isso deve dar uma dinâmica engraçada, ou seja, que padrões é que vocês vêem aí? Porque é desconfortável tu dares uma má nota a par teu, não é? Em certo sentido, é bocado o papel dos professores, como estão acima têm mais... Digo eu, não sei, mas se calhar na prática não é assim.
Pedro Santa
Mas aqui, claro que existe esse desconforto, como qualquer avaliação, e é uma experiência humana muito etnificadora. E deve ser
José Maria Pimentel
uma aprendizagem a isso mesmo.
Pedro Santa
Avaliar e ser avaliador. E eles fazem isto dezenas de vezes. Mesmo ainda durante a piscina da fase final do processo de seleção, vão ter que fazer para aí 60 ou 80 avaliações, entre avaliar e ser avaliado. Agora, primeiro, falhar neste caso, se eu não passar nessa avaliação, as consequências não são muito pesadas, não é como chumbar a curso. Se eu falhar na entrega deste projeto, simplesmente tenho que voltar atrás, corrigir o projeto e submetê-lo outra vez. Falhar faz parte... Toda a gente falha monte de vezes em vários projetos. Segundo, quando eu quero passar de nível, tenho que fazer exame e exame é três horas sozinho, sem acesso à internet, frente a computador. Tenho que ser capaz de resolver problemas relacionados com estes projetos que acabei de fazer. Portanto, se tu me passares por simpatia, eu vou fechar-me logo a seguir no exame. Portanto, de facto, não ajuda nada. E ao fazer isto, por exemplo, nos níveis mais baixos, quando ainda é possível, há robô que também avalia os projetos e avalia os avaliadores. Mas a verdade é que tu, com isto tudo, crias uma cultura de rigor, de exigência, de avaliação que depois se auto-sustenta, porque faz parte da cultura. Tipo, ninguém dá a bola a ninguém porque seria estúpido.
José Maria Pimentel
E há bocadinho, quer dizer, fazer uma analogia com o teoria dos jogos, são bocado jogos repetidos, não é? Que no sistema tradicional não acontecem bem, ou seja, tu dás uma cadeira ou uma disciplina a aluno e depois o aluno... Depois apanhas outros alunos, mas não aquele repetidamente, não é? E, portanto, se gerares uma interação contínua ao longo do tempo, isso pode gerar dinâmicas interessantes.
Pedro Santa
E lá está, e toda a gente passa por essa experiência, de lado e do outro da barricada, e toda a gente falha, muitas vezes, em muitos projetos. E mesmo isto, porque te pode parecer pequeno detalhe, é fundamental não ter medo de falhar. É o que te permite arriscar, é o que te permite ser criativo no ensino tradicional, na faculdade. Eu tenho tanto medo de falhar uma cadeira que o que eu vou tentar fazer é amarrar a sementa do professor com as vírgulas e os pontos e vírgulas nos sítios certos, porque não posso falhar, tenho que replicar o que ele
José Maria Pimentel
me disse. Sim, e não é só... É o não poder falhar e o facto de haver a resposta certa. Exatamente. Não há lugar à criticidade. É que
Pedro Santa
há muitas respostas certas e também muitas erradas. Está a ver, tudo isto são detalhes e foi o que nos atriu na 42 e no outubro, que é muitos detalhes muito bem afinados de uma experiência de aprendizagem. Que é isto que escola nenhuma, porque eu tenha passado e, por exemplo, porque tu tenhas passado, alguma vez se pôs no papel de pensar do tipo, qual é a experiência de aprendizagem dos alunos? Não, é para ter aqui o currículo, tem que ter estas cadeiras, tem estes professores, vou montar horário e isso é que é a experiência, que não é experiência nenhuma, pronto.
José Maria Pimentel
Era como dizias há bocado, era modelo, não é? E era muito mais uma lógica de eficiência do que uma lógica de eficácia. Era a maneira mais barata de, depois, professor à frente de 30 alunos ou de 200 e tal, como dizias há bocado.
Pedro Santa
E cumpriu o seu papel na sua altura. Agora, o que eu acho que é, E onde às vezes há estas dificuldades? Primeiro, acho que estamos no início de uma era diferente, em que vão surgir muitas alternativas diferentes de modelos de aprendizagem. Vale a pena experimentar, vale a pena conhecer. Nem estou convencido que venha a haver só a sair no fim. E se calhar vamos em breve ter várias experiências disponíveis e se calhar umas ajustam-se melhor a tipo de pessoas do que outras. Exato. Agora, de certa maneira, toda esta indústria é muito politizada, é muito centralizada, muito planificada, administrada, top down, muito pouco ágil. É uma indústria em que tu praticamente não tens os incentivos da concorrência e não tens autonomia para inovar, não tens incentivo para inovar. O meu receio é, não estou a falar de Big Bang em que a escola acaba, coisa nenhuma, mas gradualmente vamos vendo as pessoas a migrar para modelos alternativos de aprendizagem. E já agora, isto está a acontecer à nossa frente, todos os dias. Qualquer pessoa com menos de 30 anos... Vou por esse threshold... Qualquer pessoa com menos de 30 anos que quer aprender qualquer coisa, a primeira reação que tem é vou a YouTube. Ninguém pensa que visto lá em baixo temos piano e uma data de instrumentos, se lhes perguntar se todos eles aprenderam a tocar piano com tutoriais no YouTube. Isto está a acontecer. E se calhar nós não fazemos a ligação entre isto e aprendizagem ou entre isto e escola. Mas está a acontecer.
José Maria Pimentel
Claro, sim, tem muito a ver, na verdade. Há aspecto engraçado desta abordagem, que é essa questão dos projetos e do trabalho hands-on, das pessoas estarem a trabalhar com as próprias mãos, digamos assim, e a tentar resolver problemas. É uma abordagem também muito diferente do ensino tradicional, sobretudo em Portugal, acho eu. Porque nós temos muito essa vertente tradicionalmente muito teórica em que as pessoas estão quase a decorar. Quase não, muitas vezes a decorar. Há uma história que eu conto muitas vezes, que é tirada do Richard Feynman, que ele conta no livro dele. Em português é o... De certeza que está a brincar, o Sr. Feynman. Ele conta uma história muito gira, que ele foi para o Brasil a certa altura, a dar aulas. E a história que ele conta, a pessoa está a ver aquilo passar-se exatamente igual em Portugal. E já não têm certeza se era exame ou se era uma aula normal, mas ele começa a perguntar aos alunos e havia lá três ou quatro alunos brilhantes, que sabiam tudo daquela área da física e ele fica impressionadíssimo e depois no intervalo eles vêm falar com ele, a palavra puxa a palavra e ele dá por ele várias e uma perguntas qualquer que era o mesmo que ele tinha falado na aula, só que sem ser na versão abstrata. Era a versão concreta. Era o problema, no fundo. Tinha qualquer coisa a ver com a luz a passar através do vídeo. E o aluno diz, como? Não, não sei. E ele diz, como não sabe? Então, mas isso foi o que eu perguntei à bocada. Só que à bocada era a versão... E eles não sabiam. E ele depois percebeu que eles tinham decorado aquilo tudo no éter, mas sem perceber para que é que ele servia.
Pedro Santa
Ah, mas é isso, e aprender verdadeiramente qualquer coisa que te fica para a vida tem que ser integrado num conjunto de experiências, de estímulos, de… Sim, há meia dúzia de pessoas com uma capacidade intelectual notável que são capazes de se fechar num quarto com livro e dizer eu vou aprender o que está neste livro. Estamos a falar do sete ou oito desvios padrão da média. A maior parte das pessoas precisa de integrar aquilo que está a aprender dentro de conjunto de experiências. Porque senão fica esse ensino teórico. Quer dizer, se tem muita gente que sabe o que é a definição formal de uma derivada, mas que não sabe derivar uma função. Ou isto e muitas outras coisas, não é? E essa integração, essa experiência, estávamos a falar isto em 1942, toda a aprendizagem aqui é, recebo desafio, epá, não faço nem ideia do que é que isto fala. Vou à procura. Todo o conhecimento está disponível online, portanto, qualquer assunto. E, portanto, vou à procura. A procura pode ser, vou ver filme, ou vou assistir a uma cadeira numa universidade qualquer, ou vou pedir ajuda aos meus colegas, vou construir a minha solução, entrego, sou avaliado, se passar passo para o próximo desafio, se não tenho que voltar atrás, corrigir e tentar outra vez, avalio e sou avaliado pelos meus colegas. E tudo isto é uma experiência social entre pares. Há desafio, há momento de struggle, não sei como é que é dizer, de dificuldade que é superada coletivamente. Tudo isto traz todo significado emocional, social, ao ato de aprendizagem, que é muito diferente do que chegar a exame e ter desóito porque tenho uma boa memória de curto prazo.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. E eu queria falar disso também porque esse é dos aspectos, acho eu, mais paradoxais quando comparamos este modelo, este e outros, com o modelo tradicional. Porque nós que até somos país, enfim, bastante coletivista comparados com outros países ocidentais, temos na verdade modelo de ensino que é igual aos outros países e que é muito individualizado, é isso que tu dizias, que as pessoas estão em conjunto na aula. De vez em quando há lá uns trabalhos de grupo para entreter, mas fundamentalmente, sobretudo antes da universidade, as pessoas são... E mesmo na universidade, as pessoas são avaliadas fundamentalmente individualmente. Tu vais lá, sentas-te a fazer o exame sozinho, não é suposto falares com os outros, falares com os outros... É porque alguma coisa está a correr mal, não é? É suposto fazeres sozinho e és avaliado sozinho. E este modelo tem lado quase coletivista no bom sentido, colaborativo, que é curioso, porque é muito menos individualista do que o modelo normal, curiosamente.
Pedro Santa
Claro, é que todo este modelo podia funcionar online à distância. A razão por que temos espaço físico grande é porque é aqui que os alunos se encontram uns com os outros, não têm que vir para aqui porque têm horário, ou porque têm aulas, ou porque têm qualquer obrigação, vêm porque querem, porque é aqui que estão os seus colegas com quem estão a trabalhar. Portanto, muito mais colaborativo. E depois, só ligando isto, quase à pergunta inicial, o futuro que vai ser, bem, obviamente imprevisível, mas que a continuar assim vai ser de progresso tecnológico rápido. Inteligência artificial é claramente o elefante na sala. Num futuro em que as pessoas vão ter que ter vários papéis, várias profissões, aquilo que é verdadeiramente importante é desenvolver estas competências pessoais de autonomia, de iniciativa, de responsabilidade, de resiliência, de autoconfiança, de colaboração, de criatividade,
José Maria Pimentel
de... Pensamento crítico, puxar a brasa da minha sardinha.
Pedro Santa
Pensamento crítico, claro! Porque a tarefa de... Este gajo é o tal aluno brasileiro que é capaz de memorizar compendio de física, não tem valor nenhum na nossa sociedade hoje em dia. Eu tenho que ser cuidadoso porque eu não estou a desvalorizar a importância de uma pessoa saber coisas e é óbvio que temos que saber factos e ser capaz de integrá-los.
José Maria Pimentel
Mas tens de aprender a aprender. Mas tens
Pedro Santa
de aprender a aprender, que é justamente o que se faz em todos os nossos projetos, sintetizando-a. Aprender a aprender que é a meta competência que vai durar toda a vida e que vai dar adaptabilidade e capacidade de ir percorrendo o teu caminho.
José Maria Pimentel
Sim. Eu imagino que este modelo também, até por causa dessa componente colaborativa, deve beneficiar muita diversidade. Imagino eu, ou seja, quanto mais diverso for o background das pessoas, tu dizias-me há bocadinho, ainda quando estavas aqui a fazer uma visita ao espaço, que tinhas público muito específico de pessoas, clientes, digamos assim, participantes, muito específicos que tinham já feito a sua formação e que até muitas vezes tinham terminado no secundário, tinham ido trabalhar e agora estavam a voltar. E portanto são pessoas com áreas, com experiências profissionais completamente diferentes. E depois, por acaso aqui não sei, mas imagino que tenham as pessoas de nacionalidades diferentes também, não é?
Pedro Santa
Sim, 30% dos nossos alunos são internacionais.
José Maria Pimentel
Isso deve gerar uma diversidade que em si mesmo também...
Pedro Santa
Enorme! E agir. Para mim, o exemplo que eu acho mais engraçado é os dois alunos que até agora acabaram o programa mais depressa. Era engenheiro eletrotécnico e tinha uma estrada em matemática, o que não me parece muito surpreendente, mas o outro era estufador na Autoeuropa em 1912, e em que escola pergunteu é que estas duas pessoas trabalham juntas e têm sucesso juntas, não é? E, de facto, a beneficência é imensa de ter pessoas de idades diferentes, de experiências de vida diferentes, de países diferentes. É mesmo engraçado de ver, de estar ali uma pessoa sentada, tipo o Mosca, a assistir à interação entre eles e a este processo de desenvolvimento.
José Maria Pimentel
E esta experiência, enfim, são poucos anos ainda, mas esta experiência, eu imagino que tenha ensinado também algumas coisas, ou seja, muito do que tu estás aqui a dizer é mais ou menos intuitivo para muita gente, quer dizer, não é não que a pessoa tivesse necessariamente essa ideia, mas faz sentido uma vez dito, mas eu imagino que tu também tenhas tido a tua própria aprendizagem com este percurso, ou seja, percebido que determinadas coisas eram ainda mais importantes do que tu achavas e se calhar outros aspectos do modelo, se calhar na prática, até não eram.
Pedro Santa
42 é exemplo de uma escola de nível muito avançado de desenvolvimento de software que é uma disciplina dura, muito intelectual do ponto de vista de rigor, de capacidade de execução. E o que tu notas é que os skills fundamentais para ter sucesso nesta escola não são só QI muito alto. Há muitos skills sociais de capacidade de personalidade, de colaboração, de persistência, etc. Que são muito, muito importantes. Neste modelo, às vezes, as pessoas que têm menos sucesso são aquelas que não conseguem ser autónomas, que precisam de alguém para que lhes mande o que têm que fazer amanhã e para a semana.
José Maria Pimentel
Sim, e adaptabilidade mesmo. E isso é surpreendente,
Pedro Santa
e se tu olhares... Eu acho que há tantas eleições interessantes, quer dizer, tu olhas para o Portugal, que é sistema particularmente centralizado, dirigista, todo este mundo da educação, não é? E com muito pouca autonomia para os players, não é? Tu tens concurso nacional de acesso ao ensino superior, todos a fazer as mesmas provas, etc. E não dás liberdade nenhuma à universidade do AOB de escolher o perfil de alunos que querem atrair. E aqui vem player à margem, tem mais candidatos do que qualquer universidade do país, que os seleciona de uma maneira muito mais interessante, porque a última fase do processo de decisão é bootcamp de 26 dias em que eles vão experimentar a experiência da escola e, portanto, por lado, eles vão decidir sabendo o que é que vai ser a experiência e nós vamos poder admiti-los de acordo com a performance que eles tiveram já na experiência da escola. Isto parece-me quase que óbvio, Não é? E que faz sentido. Mas se for ver o nosso mundo universitário não é todo assim.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E vocês não notam, enfim, os exames que o SUDEST sugerem que não. Mas enfim, podem ser só alguns outliers. Vocês não notam que o background de soção econômica, digamos assim, impacta, ou pelo menos impacta, muitas oportunidades das pessoas no modelo deste género. Não sei se vocês já olharam para esses dados e também não é fácil fazer esse exercício.
Pedro Santa
Não é fácil. Tens limitações também de RGPD e tudo isso. Aqui claramente temos uma população muito diferente das universidades tradicionais, muito mais diversa de idades, backgrounds, etc. O facto da escola ser gratuita, financiada por mecenas, permite a gente que não teria outra alternativa a vir para aqui. Portanto, desde logo, atraímos muito mais gente de meios sociais relativamente mais desfavorecidos, incomparavelmente mais. Agora, é também uma escola muito seletiva, os nossos mil alunos foram selecionados de 45 mil candidatos, portanto, às tantas estamos a falar só de pessoas que são todas elas bastante especiais portanto tenho dificuldade em às tantas estar a tirar ilações sobre se é o background ou não claro, claro o nature versus nurture é aquela questão muito difícil sempre de responder
José Maria Pimentel
e a primeira fase de seleção são os testes que não requerem qualquer conhecimento, mas na segunda fase...
Pedro Santa
Também não há nenhum conhecimento prévio, apenas o que vão desenvolvendo aqui.
José Maria Pimentel
Não, mas quer dizer, a primeira fase não requer sequer saber programação. Nada. Mas na segunda já requer, não é? Ou não? Não, na segunda vão aprender a programar. No Piscina...
Pedro Santa
Na Piscina vão aprender a programar em si. Do zero. Vão aprender a abrir o...
José Maria Pimentel
Ou seja, é quase irrelevante o conhecimento prévio que as pessoas têm. Quer dizer, completamente irrelevante não será, não é?
Pedro Santa
Lixo de saber ler.
José Maria Pimentel
Não, conhecimento prévio, programação.
Pedro Santa
Não é preciso nenhum. Acho que mais ou menos 50% dos nossos alunos já tiveram algum e quando eu digo algum pode ter sido... Eu aprendi HTML, que não é nada e 50% nunca tocaram, nunca programaram coisa nenhuma e dão-se igualmente bem.
José Maria Pimentel
Isso é muito curioso. Há bocado falámos da avaliação e depois nos cheguei a perguntar uma coisa qual é o percentual da avaliação que é individual e qual é que é em grupo? Não sei se existe provavelmente avaliação em grupo, mas imagino que sim quando há esse tipo
Pedro Santa
de colaboração. Eu tenho projetos, quando estão a fazer o programa os primeiros projetos são individuais, depois começam a fazer projetos em grupos de dois, depois em projetos de quatro ou cinco, vão gradualmente aprender a trabalhar em grupo.
José Maria Pimentel
Portanto, essas duas coisas e no grupo quem é avaliado?
Pedro Santa
É o grupo mesmo. Nesse caso, mesmo quando é projeto de grupo, cada deles vai ser individualmente avaliado.
José Maria Pimentel
Ah, ok. Curioso. Não há cá o... E tens peer evaluation, ou seja, tens... Sim, sim, sim. É interessante.
Pedro Santa
Sim, sim. E tens que saber explicar o que é que o grupo fez.
José Maria Pimentel
Ou seja, eles avaliam-se entre si dentro do grupo Sim, sim, sim. E são avaliados por pessoas fora do grupo.
Pedro Santa
Mas lá está. É isto que eu acho graça. E estes pormenores são importantes e como é que tudo isto é desenhado para afinar o modelo e conduzir aos melhores resultados? Quer dizer, acho que estes são dois bons exemplos, acho que vais ter muito mais. Todas as grandes tecnológicas estão a investir bilhões na educação. O que
José Maria Pimentel
é que são para ti referências nesta área? Tens aquele projeto da Khan Academy do Khan Mego, não é? Mas isso é uma coisa totalmente online,
Pedro Santa
não é? Sim, a Khan Academy é a gíria. O Khan Mego é tutor de inteligência artificial. No outro projeto que temos, que é a Minds in the Sky, desenvolvemos uma plataforma de aprendizagem exatamente com estes valores, baseada nestes temas de aprender fazendo, aprender uns com os outros, e já estamos a fazer muita coisa com inteligência artificial, que é impressionante, justamente teres ali copiloto que apoia os alunos, e é impressionante, ajuda-te a ir muito mais longe, e abre-te novas experiências de aprendizagem. Não sei se viste, justamente, da Khan Academy, o Sal Khan deu uma TED Talk há uns meses, em que ele dava uns exemplos de como utilizar aquilo. Nós temos feito experiências giras, por exemplo, estás a aprender História, imagina, sei lá, a Revolução Francesa, e tu podes usar o Tchatchepetê ou qualquer outro para fazer simulações históricas, para fazer entrevistas. Imagina que queres entrevistar o Robespierre. Entrevistam! Queres fazer filme com aqueles personagens. Há tudo. O conjunto de caminhos que se abrem à tua frente, das experiências mais ricas da aprendizagem, é impressionante.
José Maria Pimentel
E tens muitas coisas dessas que são, não é o vosso caso aqui, mas tens coisas dessas que são 100% online, não é? Embora não seja o online tradicional, teres uma aula gravada, uma coisa do género.
Pedro Santa
E a Miles pode funcionar 100% online, com muita interação, porque mais uma vez o Waze internacional está muito focado no conteúdo. O que é que eu quero que as pessoas aprendam?
José Maria Pimentel
É como se o modo de transmissão fosse irrelevante.
Pedro Santa
Hoje em dia o conteúdo está disponível à borla para toda a gente do mundo, enfim, quem tiver acesso à internet. E, portanto, a ênfase passa por outras coisas, não é? Porquê uma aula? Os nossos alunos passam a vida a assistir a aulas do MIT. Porquê? Porque o MIT é muito bom, porque tem professores muito bons e porque todas as aulas estão disponíveis online à borla para toda a gente. Se eu quero aprender algoritmos não sei o quê, vou ver aula com o melhor do mundo do assunto, não é por Zé da Esquina que por acaso dá esta cadeira na minha universidade do bairro, não é?
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. E isso não coloca problema nas universidades?
Pedro Santa
Eu acho que as universidades vão ter problema tremendo por tudo isto que eu estou a falar, por uma outra coisa que é curiosa, que é a necessidade de certificação. Está a baixar muito depressa. Já hoje em dia as grandes empresas do mundo têm plataformas de recrutamento em que são capazes de medir as competências das pessoas e não precisam do carimbo de uma universidade, que essa em si mesmo é uma universidade. São há mil anos o gatekeeper de uma série de profissões. A partir do momento em que tu consegues mostrar o que sabes, sem ter o diploma, o diploma perde muito o seu valor.
José Maria Pimentel
Há quem proponha, até as provocador, que as universidades são só signalling, ou seja, no limite não ensinam mais do que eles. Não concordo com isso.
Pedro Santa
O primeiro paper sobre signalling, o exemplo era justamente a educação, dos primeiros papers, não é? Mas claro que há muito, óbvio que há muito. Se tu mostrares que foste admitido em Harvard, isso é sinal. Bem, hoje em dia talvez não, porque entrar em Harvard passou a ser mais statement político de qualquer outra coisa. Mas claro que isso tinha uma importância que está a cair. E agora há grande dúvida, como já vimos em muitas indústrias. Quer dizer, numa indústria qualquer acontece uma disrupção tecnológica. Raramente são os incumbentes que têm sucesso. Na maior parte dos casos são novos players. Porquê que não foram os táxis a criar uma aplicação que permitisse ser chamado de qualquer lugar com geolocalização e com pagamentos automáticos e não sei o que? Posiam ter sido, mas não foram. Veio a Uber e pronto, chegas a novo equilíbrio.
José Maria Pimentel
Sim, isso é verdade, mas as universidades têm desafio especial aqui, que é que, a partir do momento em que as pessoas vão ver, querem aprender uma área qualquer, vão ver ao YouTube o vídeo com, enfim, não digo necessariamente o melhor professor, mas pelo menos a pessoa mais conhecida naquela área, isso pode gerar efeito winner-takes-all, que existe noutras áreas, mas não existe até hoje no ensino. Aliás, os professores universitários e no resto.
Pedro Santa
Mas, mais uma vez, o tema onde eu discortie é que o tema não é nem o conteúdo, nem a qualidade do conteúdo. É a experiência que te leva a querer aprender esse conteúdo. E essa é uma experiência social, é uma experiência cheia de pormenores, que exige muita interação, que até agora ainda não se consegue replicar tão bem online como no mundo físico e, portanto, há uma vantagem muito grande de ser local. O conteúdo é uma commodity. Sim, esse pode ser o winner takes all, tanto faz, é para se o Feynman... As pessoas ainda veem as lectures in physics do Feynman, não é? 50 anos depois ou mais, nem sei. Porquê? Porque ele era explicador extraordinário. Bem, eu sou bom professor, mas qual é o interesse de aprenderes finanças comigo se podes aprender finanças para a Codinfama? É estúpido.
José Maria Pimentel
Mas ainda não se nota isso bem. Acho eu.
Pedro Santa
Porque estás preso no modelo. Estamos todos coletivamente presos neste modelo.
José Maria Pimentel
E o modelo não permite às pessoas fazerem isso. Elas já podem ir ver os vídeos ao YouTube.
Pedro Santa
Ah, isso já vão ver.
José Maria Pimentel
Já vão ver, só que não está integrado no sistema, como têm de ir às aulas na mesma, e depois há ligeiras diferenças.
Pedro Santa
Claro, mas é o que eu estou a dizer, todas estas transformações vão acontecendo na margem,
José Maria Pimentel
não é? Sim.
Pedro Santa
O aluno que vai ver as aulas de não sei quem, ou vai usar o chat GPT para escrever o ensaio, tudo isto vai acontecendo, ou usa o YouTube para aprender a fazer nó de gravata, ou assim... Tudo isto está acontecendo em paralelo, até o dia em que a malta acorda e diz mas é preciso ir para a universidade porque eu se calhar tenho uma experiência muito melhor sem isso e se calhar já não vale assim tanto o dinheiro que custa. E as universidades estão muito presas ao modelo tradicional, porque, mais uma vez, são muito reguladas, a relação dificulta a inovação, porque tem modelo de governo que em última análise diferencia pouco de ser uma associação de professores. Na verdade, os professores podem bloquear qualquer transformação. E nestes temas pedagógicos, tendem a bloqueá-la, porque, como toda a gente, querem continuar a fazer o que sempre fizeram. E depois há também uma certa arrogância das universidades. Eu gosto de comparar, por exemplo, à Kodak, quando aparece o iPhone a tirar fotografias, tu consegues imaginar aqueles velhos engenheiros químicos da Kodak a olhar para aquilo e dizer Epá, isto é uma grande treta, isto não tem resolução nenhuma, tem imensa destrução, e isto não presta, nós fazemos muito melhor que isso. Só que, passados 3 anos, foram à vida, e o iPhone evoluiu. As pessoas preferem tirar fotografias desta maneira do que com o relógio químico e mandar revelar e
José Maria Pimentel
essa é uma falha comum, não ver que a versão inicial de produto muitas vezes é pior do que a versão final do produto equivalente anterior, é como comparar os primeiros carros com cavalos, só que aquele produto tem potencial que o outro não tinha. E é bocado, talvez, o que acontece com o Chevrolet GPT comparado com o nosso. Eu não sei
Pedro Santa
dizer se isto vai acontecer daqui a 3 anos, 5 anos, 10 anos, mas não tinha a menor dúvida que vai acontecer.
José Maria Pimentel
Eu concordo contigo, mas já agora deixa-me fazer aqui bocadinho da advogada do diabo. Porque é interessante porque se nós olharmos para a curva nos últimos anos, a curva até é inclinada, mas é no sentido positivo. Ou seja, tu tens tido crescimento grande das vendas, das receitas, das universidades, sobretudo com os mestrados, formação pós-graduada, formação de discípulos. Ou seja, tens uma procura... Se olhares para os últimos anos, parece haver uma procura cada vez maior, mas é pouco paradoxal, não é?
Pedro Santa
Não sei se é paradoxal...
José Maria Pimentel
Tu tens, os mestrados estão cheios de gente.
Pedro Santa
Estás numa sociedade cada vez mais de conhecimento e, portanto, a procura está lá e tem estado a crescer. Agora, a pergunta é, eventualmente vai ser satisfeita por que tipo de oferta? Pois. Num mercado mais maduro como os Estados Unidos, tu não vês essa procura a crescer. Pelo contrário, às vezes a cair. Às vezes mesmo aquelas universidades que são uma espécie de bem de luxo, de não sei o quê, continuam a prosperar. Mas o mid-tier tem tido uma grande queda do número de alunos. E tem muita gente a questionar-se. Vale a pena ir para a universidade? Ou eu consigo construir uma melhor experiência, muito mais barata e mais apelativa?
José Maria Pimentel
Ou seja, nos Estados Unidos já se nota essa tendência?
Pedro Santa
Em certos grupos acho que muito grande. Homens de 18 aos 23 anos é o grupo demográfico.
José Maria Pimentel
Ah, sim, sim, sim.
Pedro Santa
Em queda, afunda.
José Maria Pimentel
E falando de universidades, tu estiveste por trás do Novo Campus da Nova E agora destes dois projetos, e estávamos a falar até em Off, que na altura foi projeto que se calhar não havia muita gente a confiar que fosse chegar a bom porto. E chegou, e mesmo estes dois, a 42, e o Tumo, que entretanto tem projetos de expansão, enfim, num país como o nosso não eram sucessos adquiridos provavelmente à partida. E Eu tenho muita curiosidade de saber o que é que tu aprendeste neste percurso e quais foram os principais obstáculos. Tu deves ter... Tu, vocês, porque era uma equipa, vocês devem ter se defrontado com... Precisaram de ir à procura de mecenas, precisaram de... Como acho que eras tu que dizias, meio a brincar, meio a sério, mendigar. Tiveram que ir pedir dinheiro. E devem ter enfrentado muitos daqueles obstáculos que existem quando a pessoa tenta fazer coisas em qualquer sentido do mundo e algumas especificidades portuguesas como uma certa desconfiança, uma certa aversão ao risco, vocês devem ter apanhado isto tudo, não é?
Pedro Santa
Sim, temos montes de histórias.
José Maria Pimentel
Então conta-me, é isso que eu quero saber.
Pedro Santa
Estava a pensar se havia assim tema que as unificasse. Sim, é verdade que, sobretudo quando começámos a nova, não havia história nenhuma de construir campo com nativos privados que ninguém acreditou, seguramente os meus colegas nunca acreditaram. Aparentemente acho que esse foi dos segredos do sucesso, porque como não acreditaram, ninguém se opôs. E sim, há muitas dificuldades portuguesas, que todos conhecemos bem, mas também algumas facilidades portuguesas. Em Portugal temos grau de separação de qualquer pessoa, portanto, queres ir falar com seja quem for e consegues. E as pessoas acho que são genuinamente interessadas e que têm vontade de ver inovação e de ver sucesso e de apoiar. O número de mecenas que nós juntámos nestes vários projetos e os montantes que doaram são incríveis, são muito substanciais. Portanto, às vezes há poucos projetos. Eu acho que acima de tudo há poucas equipas. E se me perguntas o que é que eu aprendi mais do que tudo, aquilo que verdadeiramente transformou a minha vida nos últimos 10 anos, e no meu caso é muito drástico, porque até há 10 anos atrás era académico, académico é o trabalho mais solitário do mundo, não é? Pessoa está num gabinete a escrever uns papers esquisitos, universo bastante fechado e muito individual. Eu diria que a grande descoberta é que consegues construir uma equipa de muito alto nível, que torna possíveis coisas que aparentemente à partida não eram. E acho que aquilo que eu mais morgulho foi ter criado uma equipa, nestes últimos 12 anos, enfim, desde o princípio da nova, que é top mundial, não tem paralelo. E isto nós às vezes não notamos muito em Portugal, porque primeiro tendemos a individualizar os projetos, a personificá-los, quando nenhum projeto tem uma pessoa a fazê-lo. Quer dizer, às vezes pode dar mais a cara, mas não é mais do que isso. E por outro lado, eu acho que nós desvalorizamos muito isso. Repara, todos os grandes investimentos públicos, os PRRs, os Portugal 2030, os não sei o que, a lógica é sempre, vamos juntar aqui conjunto de ideias, reunimos uns burocratas à volta de uma mesa para ter ideias e depois lançamos concurso para ver quem é que se candidata. E nunca, mas nunca, segues a ideia, o caminho alternativo de pensar, quem são as equipas boas que existem neste país que são capazes de fazer coisas. E embora lá falar com eles e perguntar o que é que eles acham que devia ser feito e tentar apoiá-los a fazê-la. Isto não existe. Não existe.
José Maria Pimentel
Mas é que devia ser menos imparcial também.
Pedro Santa
O Portugal 42, aqui na escola 42, que andamos há dois anos ou três, já nem sei, ou o Programa de Inovação Social e fomos chumbados liminarmente. Porquê? Porque isto não cabia na matriz de avaliação pensada pelo burocrata. Uma escola sem aulas, sem professoras, não lhes cabe na cabeça e, portanto, não existe. E, pelo contrário, passas a vida a financiar projetos medíocres feitos por entidades incapazes. De alguma maneira, o nosso insucesso dos últimos 25 anos podes vê-lo como uma má alocação de capital a uma escala épica, não é? Porque houve muito capital, não foi por falta de capital que falhámos. Alocámos-no, foi pessimamente, a maus projetos liderados por más equipas. E não aprendemos. O que Nós queremos, o ideal deste país seria o processo burocrático, abstrato, perfeito, que não tem decisão humana, não tem responsabilidade humana, não tem... Pá, somos tontos, somos tontos e não aprendemos a não ser, mas enfim.
José Maria Pimentel
Mas tu podias ter, Tu estavas a dizer que a administração central podia ir ter com as pessoas que fazem bons projetos. Isso podia ter o problema de... De por aqui a causa em parcialidade. Mas podiam ter, isso sim, era esquema mais aberto, menos prescritivo que...
Pedro Santa
Mas tens que ter em atenção... Eu estou a
José Maria Pimentel
fazer o exercício e está a diagnosticar o problema. Mas tens
Pedro Santa
de ser capaz de avaliar a capacidade de execução das equipas a quem estás a dar o dinheiro.
José Maria Pimentel
Sim, sim, eu não ouvi-se absolutamente.
Pedro Santa
Não é simplesmente cumprir uma checklist burocrática.
José Maria Pimentel
E deixaste fora quem está a inovar só porque os critérios são demasiado apertados também é problemático.
Pedro Santa
Claro, mas é o mundo em que nós vivemos, não tenhas a menor dúvida. E o PRR que está no princípio, poderemos voltar a falar daqui a 5 anos, a minha suspeita é que mais uma vez vais desperdiçar, neste caso 20 e tal bilhões de euros, que são 10% do PIB. E vai fazer toda a diferença.
José Maria Pimentel
Eu, nesse sentido, não sei se sou completamente pessimista, mas quando acordo pessimista, ainda sou mais pessimista do que isso, que é porque nós corremos o risco de desperdiçar o dinheiro e não perceber porquê é que o desperdiçamos. E, portanto, não aprendes, não é? Ou seja, não vais fazer melhor para a próxima.
Pedro Santa
Mas claro, então da mesma maneira que desperdiçamos no passado e não aprendemos nada com isso.
José Maria Pimentel
Porque se tu tivesse estudado esse impacto, se tivesses métricas...
Pedro Santa
Claro, claro, essa avaliação de políticas não é o nosso prato forte. Tudo o que seja planeamento, pensar nas coisas com profundidade, avaliar políticas ex ante e ex poste, etc. São tudo coisas que não são portuguesas.
José Maria Pimentel
Sim, mas voltando ao teu, ao vosso projeto, que colocamos as nove agora na Corita de Azimutumbo. Eu sei que é difícil responder a esta pergunta, mas o que é que vocês aprendem? O que é que tu pessoalmente aprendeste mais? Quer dizer, o que é que o Pedro Santa Clara de há 10 anos achava e o Pedro Santa Clara de hoje sabe que não... O que é que te surpreendeu?
Pedro Santa
Eu acho que felizmente não sabia, porque se não, se calhar não me tinha metido.
José Maria Pimentel
Mas ouve, as pés correram melhor do que estavas à espera.
Pedro Santa
Não, no geral. Era completamente ignorante e inexperiente, portanto, tudo de certa maneira foi uma surpresa.
José Maria Pimentel
Eu estou a insistir nisto porque tu tens uma experiência muito valiosa e relativamente rara de ter feito coisas deste tipo, quer dizer, que partem no fundo da sociedade civil em Portugal. E, portanto, interessa-me saber a chave, não é? Interessa-me saber como é que se desbloqueia situações desse género.
Pedro Santa
Primeiro, eu acho que existe interesse da sociedade civil por projetos que sejam bons, que sejam motivadores e credíveis. E também não há muitos. E não há muitos. Não, a verdade é que não
José Maria Pimentel
há muitos. Sim, sim, é verdade.
Pedro Santa
E, portanto, precisas ter, lá está, a equipa credível, experiente, que tu sabes que vai implementar e precisas ter uma boa ideia e o capital aparece. Quer dizer, sim, dá trabalho, e é preciso falar com muita gente, e teres algum jeito para o fazer, mas existe uma vontade coletiva de fazer estas coisas. E isto não era demonstrado a priori, e acho que se demonstrou a posteriori e acho que é importante. Acho que já falámos bocadinho da importância da equipa, como tudo isto só acontece se conseguires criar grupo relativamente pequeno, não estamos a falar de grandes equipas, Estamos a falar de meia dúzia de pessoas muito motivadas, muito boas e capazes de fazer.
José Maria Pimentel
E como é que vocês fizeram isso? Porque não é... Essas pessoas, elas próprias, tu não tinhas experiência. E elas próprias, provavelmente, muito menos, não é? Ou seja, adquiriram-a também.
Pedro Santa
Foi acontecendo gradualmente. Ao princípio, andei eu sozinho com duas páginas, há quatro, com uns bullets a tentar convencer os primeiros.
José Maria Pimentel
Mas havia perfil? Ou seja, havia Até porque eu suspeito que, como em outras coisas, isso conta tanto ou mais do que a ideia, não é? Tu tens pessoas que...
Pedro Santa
No caso da nova, foi uma mistura de gente. Havia pouco de tudo. Algumas pessoas que já estavam a trabalhar na faculdade, outras que foram contratadas para isto e que eram, em alguns casos, antigos alunos com uma experiência de consultoria de dois ou três anos, mas que também gostavam do projeto. Outras pessoas mais séniores, como o engenheiro responsável pela obra, ou a pessoa que tratou de tudo o que era contratos e espécies legais, etc. Como em tudo, tens de construir uma equipa com as várias valências, com pessoas boas, com pessoas motivadas e depois tens de dar coerência ao todo e levá-lo avante. Há tantas, quer dizer, ao fim de trabalhar com algumas pessoas há mais de 8 anos, acho que já funcionamos por telepatia. Mas isso leva tempo a acontecer.
José Maria Pimentel
E olhando para a 42 e para o Tumo, salta claramente à vista que há muita gente, gente e empresas, quer dizer, gente com dinheiro e empresas, a chegar-se à frente para apoiar este tipo de projetos, que era uma coisa que não se via há alguns anos, acho eu. Nós temos, às vezes, a tendência de olhar para o que está pior, não é? Mas esse é aspecto que
Pedro Santa
eu não... Mas isso é o que toda a gente me dizia quando comecei a fazer a campanha da nova que é, em Portugal as pessoas não dão dinheiro para estas coisas. E eu acho engraçado porque...
José Maria Pimentel
Se calhar não se podia com jeito suficiente, não é?
Pedro Santa
Claro, claro. Tu dizes-me assim, é mais fácil fazer fundraising em Portugal do que nos Estados Unidos. Sim, é verdade, nos Estados Unidos as pessoas dão mais e existe mais a tradição de dar, existe essa cultura. Mas, por outro lado, as pessoas são assediadas por mil projetos. Cá não há quase concorrência. No fim do dia acho que é mais facilitado que lá.
José Maria Pimentel
Mas esse é aspecto engraçado, não é nada óbvio, não é? Tu estás a pedir dinheiro e no entanto parece que...
Pedro Santa
Mas tu nos Estados Unidos, se tiveres dinheiro desde a tua escola primária à tua universidade ou ao hospital onde tu te tratas ou não sei o quê, toda a gente vai pedir dinheiro. Aqui há menos, há menos concorrência.
José Maria Pimentel
Mas é curioso, não é? Ver uma espécie de falta de boas ideias, não é?
Pedro Santa
E esse, até se calhar, em relação à nova, para mim, talvez a surpresa maior, passados 5 anos da inauguração do campus, do sucesso daquela escola, que de facto passou de uma pequena escola portuguesa de economia para uma grande escola europeia de economia e gestão, que hoje em dia é financeiramente muito sólida, é não ter sido exemplo a ser seguido por outras. Quer dizer, sim, vejo o técnico a fazer umas coisas, vejo a católica a tentar fazer outra. Mas a generalidade das universidades portuguesas não olhou para isto a dizer assim, epá, espetacular, eu se calhar posso fazer o mesmo e ter aqui projeto super ambicioso. Não houve este contágio que me surpreende.
José Maria Pimentel
É verdade, sim. Até porque copiar não custa nada.
Pedro Santa
Quer dizer, custa, dá trabalho da mesma.
José Maria Pimentel
Dá trabalho de fazer, não é? Mas pelo
Pedro Santa
menos tens aqui que está
José Maria Pimentel
aí sei que não tem que dizer não está patenteado provavelmente não está
Pedro Santa
não está protegido o contrário eu Estou sempre disponível para conversar com as pessoas e partilhar a experiência que tivemos.
José Maria Pimentel
Mas é estranho, eu concordo contigo. É bocado bizarro porque tens uma boa ideia, quer dizer, pode não concordar em tudo, pode querer adaptar aquilo ali, mas quer dizer, tens claramente uma boa ideia que funcionou, que está ali disponível para replicar, é curioso, enfim, fica ao repto, quem nos estiver a ouvir. Pode ser que chegue a boas ouvidas.
Pedro Santa
Se precisarem de ajuda, nós ajudamos.
José Maria Pimentel
Olha, Pedro, alguma coisa que não tenha perguntado, quiseres falar?
Pedro Santa
A última análise acho que é pensar que estas épocas de transformação numa indústria são uma ameaça, claro, óbvia, posso dar desculpas, mas ao mesmo tempo são uma grande oportunidade. E Portugal podia pensar neste momento como uma oportunidade para sermos dos países líderes mundiais em termos de educação. A todos os níveis, não só para educar superiormente as nossas pessoas, como para atrair gente de todo o mundo que queira procurar educação cá. Isto é uma grande indústria. Já temos alguns exemplos de como isto é possível, mas acho que podemos ser muito mais ambiciosos. E às vezes olhar para coisas como, não estamos a formar suficientes professores para as necessidades do ensino secundário até 2030. Em vez de estar Só no exercício de flagelação coletiva pela nossa incapacidade de planeamento, podemos dizer que esta é uma oportunidade para repensar o modelo de aprendizagem e tornar-lo mais eficiente e dar salto qualitativo. Em vez de estar aqui só na conversa do sindicato e do não sei o quê. Epá, às vezes a solução aparece fora da caixa, não é? Tens que saltar para fora para encontrar uma solução muito superior.
José Maria Pimentel
E provavelmente, é evidente, realisticamente seria difícil implementar isso em todo o sistema, mas podias pelo menos testar, que é sempre uma coisa que nós fazemos pouco, que me faz sempre alguma impressão, podias testar isso em alguns modelos, ver se funcionava numa escola, numa região, numa coisa qualquer do género, e ver se a coisa funcionava ou não funcionava antes de...
Pedro Santa
E se quiseres nível pouco mais profundo, e aqui é o economista em mim a falar, tu tens que trazer concorrência, tens que trazer incentivos à indústria, tens que esquecer que o planeamento central é a solução. Não é? No outro dia dava exemplo parvo, mas que eu acho que é muito eficaz, quer dizer, imagina que tinhas o Ministério do Pão, e que o Ministério do Pão administrava 5.500 padarias no país, alocava 135 mil padeiros a essas padarias, dizia que tipo de pão podiam produzir, por quanto vendiam e diziam que as pessoas só podiam comprar pão na padaria do seu bairro. Ah, a qualidade do pão não ia ser grande coisa, acho eu. E perdias o foco na qualidade do pão, o foco passava a ser nas reivindicações dos padeiros. Mas nós fazemos isto com educação. É literalmente isto que nós fazemos com a educação. E se é quase jocoso dar este exemplo do pão, porque a gente não pensa que se calhar não está a fazer bem na educação, que podíamos descentralizar isto bocadinho, criar bocadinho de concorrência, dar incentivos aos bons e levar a que fechem os maus. Porquê que tu achas admissível que não haja avaliação dos professores? Eu já dirigi vários programas educativos. A medida mais importante é despedir os piores professores. É fundamental. Há sempre. Os 10% de piores têm que sair. Isto não é possível. Imagina que és diretor de qualquer escola deste país, não tens os mais básicos instrumentos de gestão, tu não podes nem contratar, nem despedir, nem promover, nem pagar mais, não podes fazer nada. É ridículo, mas é ridículo, mas é isto que nós queremos a funcionar.
José Maria Pimentel
Só que, enfim, isso é problema profundo e que tem a ver com as pessoas não confiarem no sistema e como não confiam, não estão dispostas a ter uma coisa que, em teoria, é óbvia, não é? Quer dizer, claro que em qualquer profissão tens de ser mecanismo de avaliação, é evidente.
Pedro Santa
Mas eu acho que nós somos capazes ao mesmo tempo de dizer é evidente e ao mesmo tempo conviver com exemplo evidente em que isto não é feito.
José Maria Pimentel
Isto tem uma exceção
Pedro Santa
demais de dissonância cognitiva.
José Maria Pimentel
A minha explicação é porque as pessoas não confiam. Aliás, ontem estava com uma conversa sobre tema análogo a esse, que é a questão do mercado de trabalho e de tu protegeres a pessoa em vez de protegeres o posto de trabalho. Que é uma coisa mais ou menos evidente, ou seja, teres subsídio relacionado com a pessoa, com o seu contato de proteger a pessoa, e não afixar aquele posto de trabalho da empresa.
Pedro Santa
Mas nós temos, coletivamente, como povo, de ter a capacidade de pensar que as coisas não são imutáveis, que a estabilidade não é valor em si próprio quando as coisas não estão assim tão bem. E ter bocadinho mais de ousadia de experimentar. Que é isto que me aflige neste nosso país, de que gostamos muito, mas que é penoso e cansativo, porque parece que perdemos a ousadia total. A única obsessão que eu vejo, coletivamente, é manter o status quo a qualquer preço, por absurdo que seja o status quo. É receio? Pá, caraças, pá. Vamos lá agitar bocadinho as coisas, vamos lá tentar ser mais ambiciosos.
José Maria Pimentel
A certo ponto começa a ser ridículo, porque percebe-se em abstrato certo receio em relação à incerteza do futuro. Mas a partir de certo ponto já é ridículo.
Pedro Santa
Mas aí na ação é tão perigosa como a ação. Esta coisa, inclusive, respromissão são muitas vezes os mais graves. Claro, claro. Sim, sim. Portanto, tu até podes dizer, é para ir embora deixar tudo na mesma, vamos não mudar nada. Mas depois cai tudo até em cima da cabeça, mais cedo ou mais tarde.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Sim, Há lado aí de visão a prazo, de antecipar o futuro. Enfim, não queria terminar uma nota tão pessimista.
Pedro Santa
A nota é otimista. Temos que encontrar esta ousadia. É uma ousadia que já tivemos. Quer dizer, é uma tecla bocado batida à história dos descobrimentos, mas era bom que tivéssemos bocadinho dessa ousadia.
José Maria Pimentel
Eu sei que vais recomendar livro, mas não sei que livro vais recomendar. Portanto, estou curioso.
Pedro Santa
Eu estava a me lembrar de livro que estou a ler neste momento. Estou a gostar imenso. Que é livro que se chama A Invenção da Natureza, da Andrea Wolfe, e que no fundo é uma biografia do Alexander Von Humboldt, que é personagem extraordinário, inventor de uma série de ciências, talvez o último cientista de todas as coisas que existiu. O último polímata. E que contasse histórias dele, as exposições que fez na América Latina, na Ásia. Tem muita graça. E que tem muito a ver também com estes primórdios da educação massificada. Porque, de certa maneira, a Prússia, de onde ele veio, foi o primeiro a oferecer esta educação obrigatória para toda a gente.
José Maria Pimentel
Sim. Boa. Excelente. Olha, fico curioso. Pedro, obrigado. A gostei muito.
Pedro Santa
Obrigado a ele. Eu também.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.