#154 Pedro Santa-Clara - Como a tecnologia veio tornar possibilitar modelos de aprendizagem
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45 Graus. Muito obrigado aos novos mecenas do 45 Graus, ao Tiago
Gonçalves, ao Diogo Silva, ao Gonçalo Branco Neves e ao João Madeira.
No episódio de hoje, voltamos ao tema educação para falar do futuro
do ensino. Este é assunto, como sabem, que me interessa muito e
que foi tema de alguns dos episódios mais marcantes do Corite Singuraus.
Por exemplo, o episódio 121 com José Pacheco é ainda hoje dos
episódios que mais me falam. E não é para menos, porque a
educação é tema obviamente altamente importante e é uma área que está
hoje em grande mudança. Impulsionada, eu diria, pela junção entre certo descontentamento
crescente com a escola tradicional e pela revolução tecnológica que está em
curso e que vai tornar possível fazer as coisas de maneira diferente.
Há muitos projetos que têm surgido nos últimos anos pelo mundo inteiro
e há dois particularmente inovadores que chegaram já a Portugal. Uma escola
de programação chamada 42 e o TUMO, projeto dedicado a áreas criativas.
Ambos os projetos têm em Portugal nomeador comum, Pedro Santa Clara, que
é professor e empreendedor e que é o convidado do episódio de
hoje. O Pedro é professor catedrático de finanças na Nova SBE desde
2007, depois de ter passado muitos anos nos Estados Unidos na Universidade
da Califórnia, em Los Angeles. Tem no fundo, à partida, a carreira
de académico normal. Não fosse o facto de ela ter tido uma
viragem, poderíamos dizer radical, em 2012, quando o Pedro tomou a decisão
de liderar a construção do novo campus da nova SBE em Carcavelos,
levando a cabo uma campanha de financiamento que conseguiu arrecadar mais de
50 milhões de euros para o projeto. O bichinho de fazer projetos
Claramente picou e no início de 2019 o Pedro lançou a Cheika
Not Stirred, uma empresa dedicada a projetos inovadores, precisamente na área da
educação. No ano seguinte trouxe para Portugal a 42, que é uma
escola de programação muito peculiar, que surgiu em França em 2013 e
que tem tido enorme sucesso, estando já presente em mais de 25
países. Mais recentemente, o que é como quem diz, há pouco mais
de mês, trouxe para Portugal outro modelo de aprendizagem inovador, o Centro
de Tecnologias Criativas TUMU, projeto educativo gratuito complementar ao ensino formal que
visa capacitar os jovens para os desafios da sociedade do futuro. Foi
inaugurado em Coimbra, o primeiro centro deste tipo na Península Ibérica e
já há outros na Calha. Para além destes projetos, o convidado é
também fundador da Miles in the Sky, uma startup focada também em
projetos na área da educação. Neste episódio conversámos sobre esta revolução que
está em curso no ensino e que tem como elemento provavelmente principal
o papel da tecnologia que veio permitir dar escala a modelos como
estes inovadores na área da educação. Passámos também em revista as características-chave
destes modelos que o Pedro e a equipa dele têm implementado em
Portugal e que incluem o trabalho por projetos, a importância do trabalho
colaborativo e a ênfase em aprender a aprender, em detrimento da memorização
mais típica do ensino tradicional. E claro, também não podíamos deixar de
falar do impacto que vão ter estes novos modelos no ensino tradicional
e o que podemos esperar, em particular, para o futuro das universidades,
o meio a que o Pedro está particularmente ligado e eu próprio
também. Mas não podia trazer o Pedro ao 45 Graus e falar
apenas de educação. É que estes dois projetos, juntamente com o projeto
do novo campus da Nova em Carcavelos, têm em comum aspecto. São
grandes iniciativas de cariz social, ou seja, com impacto na sociedade, feitas
em Portugal e bem-sucedidas. Isto é algo que, infelizmente, ainda não é
propriamente a norma. E por isso não podia deixá-lo passar pelo podcast
sem lhe fazer uma pergunta simples. O que é que foi diferente
nestes casos? O que é que eles tiveram de particular para que
tenham conseguido correr bem, para que tenham sido bem-sucedidos. Ou por outras
palavras, o que é que é preciso para que outros projetos semelhantes
possam ser bem-sucedidos no nosso país? Foi por isso que vamos ver
uma conversa muito enriquecedora. Deixo-vos então com o Pedro Santa Clara. Pedro
Santa Clara, bem-vindo ao 45°. Obrigado Zé Maria,
José Maria Pimentel
Estamos aqui na 42 de Lisboa, já estive a visitar o espaço,
foi ótimo, obrigado, valeu a pena, já temos gravado aqui em vez
de gravar em casa, que é como quem diz no estúdio. Eu
queria começar por falar sobre a tua visão em relação à educação.
Há ponto de partida que é partilhado por muita gente, que é
que há uma crítica ao modelo atual como demasiado rígido, inadaptado. Muitas
vezes fazes diagnóstico que o modelo atual é muito ainda ligado à
revolução industrial, mas isto é uma crítica que não só é partilhada,
enfim, provavelmente não por toda a gente, mas por muita gente, como
é uma crítica que, na verdade, se nós fomos ver, tem mais
de 100 anos, o que é curioso. E, portanto, partindo daí, eu
gostava de perceber qual é a tua visão específica, ou seja, tu
inseres-te nesta crítica, contei-te isso, não há dúvida nenhuma, mas o que
é que tu achas que são os principais desajustamentos no modelo da
educação tradicional?
Pedro Santa
Bem, esta é uma questão difícil porque todos nós estamos altamente condicionados
porque passamos tantas milhares de horas da nossa vida sentados numa sala
de aula que temos dificuldade quase em conceber que há outras formas
possíveis de aprender. Aí no outro dia estava a fazer cálculo por
alto e eu acho que passei 15 mil horas da minha vida
numa sala de aula. E Portanto, quando a gente pensa em escola,
aprender, pensa exatamente naquilo. Professor, quadro, 30, 50 alunos a ouvir, às
vezes 300 ou 500, se formos à universidade. E a verdade é
que, como tu dizes, Esse modelo, enfim, tem séculos, tem pelo menos
250 anos, passou a ser feito de forma muito sistemática à escala
de uma população, é da altura da Revolução Industrial e tem o
seu quê de linha de montagem? Bem, em primeiro lugar, acho que
cumpriu a sua função a uma escala impressionante.
Pedro Santa
dia temos níveis de literacia muito elevados, sobretudo no hemisfério norte, mas
fazia grandes ganhos em quase todo o mundo. Agora, primeiro, como tu
disseste muito bem, há 100 anos que nós sabemos que esta é
uma forma de aprender muito ineficiente. Desde o João Piaget, todos os
fundadores da pedagogia, psicólogos, etc., e pessoas que estudam como é que
verdadeiramente se aprende, nós sabemos que esta funciona mal, funciona porque não
aprendemos todos ao mesmo ritmo, não somos motivados pelos mesmos temas, pelos
mesmos estímulos. A ideia de que 50 miúdos sentados numa sala de
aula vão todos aprender a multiplicar polinómios da mesma maneira funciona mal.
E isto até é quantificado. Há estudos em pedagogia que mostram que
a taxa de retenção de conhecimento de assistir-se a uma aula é
da ordem dos 5% passadas duas semanas. 5% é número incrível,
não é?
Tipo, é total perda de tempo.
Pedro Santa
Eu estou a notar de entrevistar José Pacheco, que sabe mil vezes
mais do assunto do que eu, e portanto nem vou tentar chegar
lá. Mas a verdade é que também há 100 anos que sabemos
que há formas muito mais eficientes de aprender, que justamente despertam os
significados que permitem integrar o conhecimento, que são experiências sociais, que são
experiências muito mais participadas e que eu resumiria em dois princípios, se
calhar estou a exagerar, mas para mim os fundamentais é aprender fazendo,
aprender motivado por problema que se quer resolver, por uma missão, por
desafio e por outro lado aprender uns com os outros, perceber que
aprender é ato social e não é só social no sentido que
o professor-aluno é muito entre alunos. E sabemos disto há muito tempo
e há experiências há muito tempo. A escola da Ponte tem uma
experiência maravilhosa com 50 anos. As escolas Montessori têm 100 anos.
Pois, pois,
é isso. Portanto, há muitas coisas. Agora, qual é o problema? É
que essas experiências não escalaram. Sim, há muitas escolas de Montessori por
todo o mundo, mas são muito caras. Professor muito treinado, com grupo
pequeno de crianças, caro. A escola da Ponte, sim, depois acabou por
se expandir no Brasil.
Pedro Santa
É não haver aulas, é ser espaço grande, utilizar de forma ultra-eficiente
e consegue fazê-lo numa experiência que é muito mais eficaz e, sobretudo,
muito mais engaging, muito mais entusiasmante para os alunos. O túmulo, podemos
falar das mesmas coisas e esta, para mim, o ponto-chave e, se
quiseres, o porquê agora, porquê passados 100 anos destas descobertas,
José Maria Pimentel
é que
Pedro Santa
No TUMO, utilizam uma variante, tem muito mais pessoas a intervir, porque
os alunos têm learning coaches a acompanhá-los, depois têm workshops com profissionais
das diferentes áreas, etc. Mas, na base, há uma plataforma digital que
nos conduz através de uma sequência de desafios, cabendo aos alunos a
responsabilidade de ir procurar o conhecimento necessário para responder aos desafios, por
si e colaborando uns com os outros. E isso tudo é feito
ao ritmo de cada aluno, de uma forma personalizada de cada aluno,
que seria impossível de fazer se fosse organizado por professor. Nós começámos
o TUM Coimbra há três semanas, temos mil alunos, ainda vamos crescer
para os 1500, mas seria impossível num modelo tradicional de fazeres o
onboarding de mil alunos de dia para o outro
e estar
tudo a trabalhar em áreas que vão desde a música ao cinema,
à animação, à programação, à robótica, ao desenvolvimento de jogos, à fotografia,
muitas outras áreas que não apenas a programação.
Pedro Santa
E trabalham por projetos. E isto é verdadeiramente interessante no sentido em
que o modelo tradicional é que assistes uma data de aulas e
no fim fazes exame. Marras dois dias antes do exame, Passado 15
dias já não te lembras de nada. É bá, fica muito pouco,
não é? E o Zé Pacheco fala disto extraordinariamente. Remete as pessoas
para esse episódio porque não é possível explicar melhor. O que é
que falha aí? Primeiro, estás a estudar por estímulo negativo, se quiseres.
É bá, tenho que passar no exame. Aquilo está pouco integrado, de
facto, na tua vida, nos teus valores, nas tuas necessidades. Enquanto que,
quer no TUMO, quer aqui na 42, sim, existe avaliação, mas a
avaliação está absolutamente integrada na experiência de aprender. Por exemplo, aqui na
42 é engraçado, quando eu acabo projeto, submeto-o na plataforma, a plataforma
sorteia três colegas, marca uma hora, tem que se sentar de lado
a lado e cada deles tem uma grelha de avaliação com todas
as perguntas que tem que fazer, todos os testes que tem que
fazer o software e no fim dá uma nota. E eu que
estou a ser avaliado tenho que ser capaz de explicar o que
é que fiz, como é que fiz, porque é que fiz assim.
E muitas vezes, quando justamente eu tenho que explicar isto é quando
verdadeiramente percebo qualquer coisa e o avaliador está a aprender no próprio
ato de avaliar.
Pedro Santa
Avaliar e ser avaliador. E eles fazem isto dezenas de vezes. Mesmo
ainda durante a piscina da fase final do processo de seleção, vão
ter que fazer para aí 60 ou 80 avaliações, entre avaliar e
ser avaliado. Agora, primeiro, falhar neste caso, se eu não passar nessa
avaliação, as consequências não são muito pesadas, não é como chumbar a
curso. Se eu falhar na entrega deste projeto, simplesmente tenho que voltar
atrás, corrigir o projeto e submetê-lo outra vez. Falhar faz parte... Toda
a gente falha monte de vezes em vários projetos. Segundo, quando eu
quero passar de nível, tenho que fazer exame e exame é três
horas sozinho, sem acesso à internet, frente a computador. Tenho que ser
capaz de resolver problemas relacionados com estes projetos que acabei de fazer.
Portanto, se tu me passares por simpatia, eu vou fechar-me logo a
seguir no exame. Portanto, de facto, não ajuda nada. E ao fazer
isto, por exemplo, nos níveis mais baixos, quando ainda é possível, há
robô que também avalia os projetos e avalia os avaliadores. Mas a
verdade é que tu, com isto tudo, crias uma cultura de rigor,
de exigência, de avaliação que depois se auto-sustenta, porque faz parte da
cultura. Tipo, ninguém dá a bola a ninguém porque seria estúpido.
José Maria Pimentel
E há bocadinho, quer dizer, fazer uma analogia com o teoria dos
jogos, são bocado jogos repetidos, não é? Que no sistema tradicional não
acontecem bem, ou seja, tu dás uma cadeira ou uma disciplina a
aluno e depois o aluno... Depois apanhas outros alunos, mas não aquele
repetidamente, não é? E, portanto, se gerares uma interação contínua ao longo
do tempo, isso pode gerar dinâmicas interessantes.
Pedro Santa
E lá está, e toda a gente passa por essa experiência, de
lado e do outro da barricada, e toda a gente falha, muitas
vezes, em muitos projetos. E mesmo isto, porque te pode parecer pequeno
detalhe, é fundamental não ter medo de falhar. É o que te
permite arriscar, é o que te permite ser criativo no ensino tradicional,
na faculdade. Eu tenho tanto medo de falhar uma cadeira que o
que eu vou tentar fazer é amarrar a sementa do professor com
as vírgulas e os pontos e vírgulas nos sítios certos, porque não
posso falhar, tenho que replicar o que ele
Pedro Santa
há muitas respostas certas e também muitas erradas. Está a ver, tudo
isto são detalhes e foi o que nos atriu na 42 e
no outubro, que é muitos detalhes muito bem afinados de uma experiência
de aprendizagem. Que é isto que escola nenhuma, porque eu tenha passado
e, por exemplo, porque tu tenhas passado, alguma vez se pôs no
papel de pensar do tipo, qual é a experiência de aprendizagem dos
alunos? Não, é para ter aqui o currículo, tem que ter estas
cadeiras, tem estes professores, vou montar horário e isso é que é
a experiência, que não é experiência nenhuma, pronto.
Pedro Santa
E cumpriu o seu papel na sua altura. Agora, o que eu
acho que é, E onde às vezes há estas dificuldades? Primeiro, acho
que estamos no início de uma era diferente, em que vão surgir
muitas alternativas diferentes de modelos de aprendizagem. Vale a pena experimentar, vale
a pena conhecer. Nem estou convencido que venha a haver só a
sair no fim. E se calhar vamos em breve ter várias experiências
disponíveis e se calhar umas ajustam-se melhor a tipo de pessoas do
que outras.
Exato.
Agora, de certa maneira, toda esta indústria é muito politizada, é muito
centralizada, muito planificada, administrada, top down, muito pouco ágil. É uma indústria
em que tu praticamente não tens os incentivos da concorrência e não
tens autonomia para inovar, não tens incentivo para inovar. O meu receio
é, não estou a falar de Big Bang em que a escola
acaba, coisa nenhuma, mas gradualmente vamos vendo as pessoas a migrar para
modelos alternativos de aprendizagem. E já agora, isto está a acontecer à
nossa frente, todos os dias. Qualquer pessoa com menos de 30 anos...
Vou por esse threshold... Qualquer pessoa com menos de 30 anos que
quer aprender qualquer coisa, a primeira reação que tem é vou a
YouTube. Ninguém pensa que visto lá em baixo temos piano e uma
data de instrumentos, se lhes perguntar se todos eles aprenderam a tocar
piano com tutoriais no YouTube. Isto está a acontecer. E se calhar
nós não fazemos a ligação entre isto e aprendizagem ou entre isto
e escola. Mas está a acontecer.
José Maria Pimentel
Claro, sim, tem muito a ver, na verdade. Há aspecto engraçado desta
abordagem, que é essa questão dos projetos e do trabalho hands-on, das
pessoas estarem a trabalhar com as próprias mãos, digamos assim, e a
tentar resolver problemas. É uma abordagem também muito diferente do ensino tradicional,
sobretudo em Portugal, acho eu. Porque nós temos muito essa vertente tradicionalmente
muito teórica em que as pessoas estão quase a decorar. Quase não,
muitas vezes a decorar. Há uma história que eu conto muitas vezes,
que é tirada do Richard Feynman, que ele conta no livro dele.
Em português é o... De certeza que está a brincar, o Sr.
Feynman. Ele conta uma história muito gira, que ele foi para o
Brasil a certa altura, a dar aulas. E a história que ele
conta, a pessoa está a ver aquilo passar-se exatamente igual em Portugal.
E já não têm certeza se era exame ou se era uma
aula normal, mas ele começa a perguntar aos alunos e havia lá
três ou quatro alunos brilhantes, que sabiam tudo daquela área da física
e ele fica impressionadíssimo e depois no intervalo eles vêm falar com
ele, a palavra puxa a palavra e ele dá por ele várias
e uma perguntas qualquer que era o mesmo que ele tinha falado
na aula, só que sem ser na versão abstrata. Era a versão
concreta. Era o problema, no fundo. Tinha qualquer coisa a ver com
a luz a passar através do vídeo. E o aluno diz, como?
Não, não sei. E ele diz, como não sabe? Então, mas isso
foi o que eu perguntei à bocada.
Só que
à bocada era a versão... E eles não sabiam. E ele depois
percebeu que eles tinham decorado aquilo tudo no éter, mas sem perceber
para que é que ele servia.
Pedro Santa
Ah, mas é isso, e aprender verdadeiramente qualquer coisa que te fica
para a vida tem que ser integrado num conjunto de experiências, de
estímulos, de… Sim, há meia dúzia de pessoas com uma capacidade intelectual
notável que são capazes de se fechar num quarto com livro e
dizer eu vou aprender o que está neste livro. Estamos a falar
do sete ou oito desvios padrão da média.
A maior
parte das pessoas precisa de integrar aquilo que está a aprender dentro
de conjunto de experiências. Porque senão fica esse ensino teórico. Quer dizer,
se tem muita gente que sabe o que é a definição formal
de uma derivada, mas que não sabe derivar uma função. Ou isto
e muitas outras coisas, não é? E essa integração, essa experiência, estávamos
a falar isto em 1942, toda a aprendizagem aqui é, recebo desafio,
epá, não faço nem ideia do que é que isto fala. Vou
à procura. Todo o conhecimento está disponível online, portanto, qualquer assunto. E,
portanto, vou à procura. A procura pode ser, vou ver filme, ou
vou assistir a uma cadeira numa universidade qualquer, ou vou pedir ajuda
aos meus colegas, vou construir a minha solução, entrego, sou avaliado, se
passar passo para o próximo desafio, se não tenho que voltar atrás,
corrigir e tentar outra vez, avalio e sou avaliado pelos meus colegas.
E tudo isto é uma experiência social entre pares. Há desafio, há
momento de struggle, não sei como é que é dizer, de dificuldade
que é superada coletivamente. Tudo isto traz todo significado emocional, social, ao
ato de aprendizagem, que é muito diferente do que chegar a exame
e ter desóito porque tenho uma boa memória de curto prazo.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. E eu queria falar disso também porque esse é dos
aspectos, acho eu, mais paradoxais quando comparamos este modelo, este e outros,
com o modelo tradicional. Porque nós que até somos país, enfim, bastante
coletivista comparados com outros países ocidentais, temos na verdade modelo de ensino
que é igual aos outros países e que é muito individualizado, é
isso que tu dizias, que as pessoas estão em conjunto na aula.
De vez em quando há lá uns trabalhos de grupo para entreter,
mas fundamentalmente, sobretudo antes da universidade, as pessoas são... E mesmo na
universidade, as pessoas são avaliadas fundamentalmente individualmente. Tu vais lá, sentas-te a
fazer o exame sozinho, não é suposto falares com os outros, falares
com os outros... É porque alguma coisa está a correr mal, não
é? É suposto fazeres sozinho e és avaliado sozinho. E este modelo
tem lado quase coletivista no bom sentido, colaborativo, que é curioso, porque
é muito menos individualista do que o modelo normal, curiosamente.
Pedro Santa
Claro, é que todo este modelo podia funcionar online à distância. A
razão por que temos espaço físico grande é porque é aqui que
os alunos se encontram uns com os outros, não têm que vir
para aqui porque têm horário, ou porque têm aulas, ou porque têm
qualquer obrigação, vêm porque querem, porque é aqui que estão os seus
colegas com quem estão a trabalhar. Portanto, muito mais colaborativo. E depois,
só ligando isto, quase à pergunta inicial, o futuro que vai ser,
bem, obviamente imprevisível, mas que a continuar assim vai ser de progresso
tecnológico rápido. Inteligência artificial é claramente o elefante na sala. Num futuro
em que as pessoas vão ter que ter vários papéis, várias profissões,
aquilo que é verdadeiramente importante é desenvolver estas competências pessoais de autonomia,
de iniciativa, de responsabilidade, de resiliência, de autoconfiança, de colaboração, de criatividade,
José Maria Pimentel
Sim. Eu imagino que este modelo também, até por causa dessa componente
colaborativa, deve beneficiar muita diversidade. Imagino eu, ou seja, quanto mais diverso
for o background das pessoas, tu dizias-me há bocadinho, ainda quando estavas
aqui a fazer uma visita ao espaço, que tinhas público muito específico
de pessoas, clientes, digamos assim, participantes, muito específicos que tinham já feito
a sua formação e que até muitas vezes tinham terminado no secundário,
tinham ido trabalhar e agora estavam a voltar. E portanto são pessoas
com áreas, com experiências profissionais completamente diferentes. E depois, por acaso aqui
não sei, mas imagino que tenham as pessoas de nacionalidades diferentes também,
não é?
Pedro Santa
Enorme! E agir. Para mim, o exemplo que eu acho mais engraçado
é os dois alunos que até agora acabaram o programa mais depressa.
Era engenheiro eletrotécnico e tinha uma estrada em matemática, o que não
me parece muito surpreendente, mas o outro era estufador na Autoeuropa em
1912, e em que escola pergunteu é que estas duas pessoas trabalham
juntas e têm sucesso juntas, não é? E, de facto, a beneficência
é imensa de ter pessoas de idades diferentes, de experiências de vida
diferentes, de países diferentes. É mesmo engraçado de ver, de estar ali
uma pessoa sentada, tipo o Mosca, a assistir à interação entre eles
e a este processo de desenvolvimento.
José Maria Pimentel
E esta experiência, enfim, são poucos anos ainda, mas esta experiência, eu
imagino que tenha ensinado também algumas coisas, ou seja, muito do que
tu estás aqui a dizer é mais ou menos intuitivo para muita
gente, quer dizer, não é não que a pessoa tivesse necessariamente essa
ideia, mas faz sentido uma vez dito, mas eu imagino que tu
também tenhas tido a tua própria aprendizagem com este percurso, ou seja,
percebido que determinadas coisas eram ainda mais importantes do que tu achavas
e se calhar outros aspectos do modelo, se calhar na prática, até
não eram.
Pedro Santa
e se tu olhares... Eu acho que há tantas eleições interessantes, quer
dizer, tu olhas para o Portugal, que é sistema particularmente centralizado, dirigista,
todo este mundo da educação, não é? E com muito pouca autonomia
para os players, não é? Tu tens concurso nacional de acesso ao
ensino superior, todos a fazer as mesmas provas, etc. E não dás
liberdade nenhuma à universidade do AOB de escolher o perfil de alunos
que querem atrair. E aqui vem player à margem, tem mais candidatos
do que qualquer universidade do país, que os seleciona de uma maneira
muito mais interessante, porque a última fase do processo de decisão é
bootcamp de 26 dias em que eles vão experimentar a experiência da
escola e, portanto, por lado, eles vão decidir sabendo o que é
que vai ser a experiência e nós vamos poder admiti-los de acordo
com a performance que eles tiveram já na experiência da escola. Isto
parece-me quase que óbvio, Não é? E que faz sentido. Mas se
for ver o nosso mundo universitário não é todo assim.
Pedro Santa
Não é fácil. Tens limitações também de RGPD e tudo isso. Aqui
claramente temos uma população muito diferente das universidades tradicionais, muito mais diversa
de idades, backgrounds, etc. O facto da escola ser gratuita, financiada por
mecenas, permite a gente que não teria outra alternativa a vir para
aqui. Portanto, desde logo, atraímos muito mais gente de meios sociais relativamente
mais desfavorecidos, incomparavelmente mais. Agora, é também uma escola muito seletiva, os
nossos mil alunos foram selecionados de 45 mil candidatos, portanto, às tantas
estamos a falar só
de pessoas que
são todas elas bastante especiais portanto tenho dificuldade em às tantas estar
a tirar ilações sobre se é o background ou não claro, claro
o nature versus nurture é aquela questão muito difícil sempre de responder
Pedro Santa
não é? Sim, a Khan Academy é a gíria. O Khan Mego
é tutor de inteligência artificial. No outro projeto que temos, que é
a Minds in the Sky, desenvolvemos uma plataforma de aprendizagem exatamente com
estes valores, baseada nestes temas de aprender fazendo, aprender uns com os
outros, e já estamos a fazer muita coisa com inteligência artificial, que
é impressionante, justamente teres ali copiloto que apoia os alunos, e é
impressionante, ajuda-te a ir muito mais longe, e abre-te novas experiências de
aprendizagem. Não sei se viste, justamente, da Khan Academy, o Sal Khan
deu uma TED Talk há uns meses, em que ele dava uns
exemplos de como utilizar aquilo. Nós temos feito experiências giras, por exemplo,
estás a aprender História, imagina, sei lá, a Revolução Francesa, e tu
podes usar o Tchatchepetê ou qualquer outro para fazer simulações históricas, para
fazer entrevistas. Imagina que queres entrevistar o Robespierre. Entrevistam! Queres fazer filme
com aqueles personagens. Há tudo. O conjunto de caminhos que se abrem
à tua frente, das experiências mais ricas da aprendizagem, é impressionante.
Pedro Santa
O primeiro paper sobre signalling, o exemplo era justamente a educação, dos
primeiros papers, não é? Mas claro que há muito, óbvio que há
muito. Se tu mostrares que foste admitido em Harvard, isso é sinal.
Bem, hoje em dia talvez não, porque entrar em Harvard passou a
ser mais statement político de qualquer outra coisa. Mas claro que isso
tinha uma importância que está a cair. E agora há grande dúvida,
como já vimos em muitas indústrias. Quer dizer, numa indústria qualquer acontece
uma disrupção tecnológica. Raramente são os incumbentes que têm sucesso. Na maior
parte dos casos são novos players. Porquê que não foram os táxis
a criar uma aplicação que permitisse ser chamado de qualquer lugar com
geolocalização e com pagamentos automáticos e não sei o que? Posiam ter
sido, mas não foram. Veio a Uber e pronto, chegas a novo
equilíbrio.
José Maria Pimentel
Sim, isso é verdade, mas as universidades têm desafio especial aqui, que
é que, a partir do momento em que as pessoas vão ver,
querem aprender uma área qualquer, vão ver ao YouTube o vídeo com,
enfim, não digo necessariamente o melhor professor, mas pelo menos a pessoa
mais conhecida naquela área, isso pode gerar efeito winner-takes-all, que existe noutras
áreas, mas não existe até hoje no ensino. Aliás, os professores universitários
e no resto.
Pedro Santa
Mas, mais uma vez, o tema onde eu discortie é que o
tema não é nem o conteúdo, nem a qualidade do conteúdo. É
a experiência que te leva a querer aprender esse conteúdo. E essa
é uma experiência social, é uma experiência cheia de pormenores, que exige
muita interação, que até agora ainda não se consegue replicar tão bem
online como no mundo físico e, portanto, há uma vantagem muito grande
de ser local. O conteúdo é uma commodity. Sim, esse pode ser
o winner takes all, tanto faz, é para se o Feynman... As
pessoas ainda veem as lectures in physics do Feynman, não é? 50
anos depois ou mais, nem sei. Porquê? Porque ele era explicador extraordinário.
Bem, eu sou bom professor, mas qual é o interesse de aprenderes
finanças comigo se podes aprender finanças para a Codinfama? É estúpido.
Pedro Santa
O aluno que vai ver as aulas de não sei quem, ou
vai usar o chat GPT para escrever o ensaio, tudo isto vai
acontecendo, ou usa o YouTube para aprender a fazer nó de gravata,
ou assim... Tudo isto está acontecendo em paralelo, até o dia em
que a malta acorda e diz mas é preciso ir para a
universidade porque eu se calhar tenho uma experiência muito melhor sem isso
e se calhar já não vale assim tanto o dinheiro que custa.
E as universidades estão muito presas ao modelo tradicional, porque, mais uma
vez, são muito reguladas, a relação dificulta a inovação, porque tem modelo
de governo que em última análise diferencia pouco de ser uma associação
de professores. Na verdade, os professores podem bloquear qualquer transformação. E nestes
temas pedagógicos, tendem a bloqueá-la, porque, como toda a gente, querem continuar
a fazer o que sempre fizeram. E depois há também uma certa
arrogância das universidades. Eu gosto de comparar, por exemplo, à Kodak, quando
aparece o iPhone a tirar fotografias, tu consegues imaginar aqueles velhos engenheiros
químicos da Kodak a olhar para aquilo e dizer Epá, isto é
uma grande treta, isto não tem resolução nenhuma, tem imensa destrução, e
isto não presta, nós fazemos muito melhor que isso. Só que, passados
3 anos, foram à vida, e o iPhone evoluiu. As pessoas preferem
tirar fotografias desta maneira do que com o relógio químico e mandar
revelar e
José Maria Pimentel
Eu concordo contigo, mas já agora deixa-me fazer aqui bocadinho da advogada
do diabo. Porque é interessante porque se nós olharmos para a curva
nos últimos anos, a curva até é inclinada, mas é no sentido
positivo. Ou seja, tu tens tido crescimento grande das vendas, das receitas,
das universidades, sobretudo com os mestrados, formação pós-graduada, formação de discípulos. Ou
seja, tens uma procura... Se olhares para os últimos anos, parece haver
uma procura cada vez maior, mas é pouco paradoxal, não é?
José Maria Pimentel
E falando de universidades, tu estiveste por trás do Novo Campus da
Nova E agora destes dois projetos, e estávamos a falar até em
Off, que na altura foi projeto que se calhar não havia muita
gente a confiar que fosse chegar a bom porto. E chegou, e
mesmo estes dois, a 42, e o Tumo, que entretanto tem projetos
de expansão, enfim, num país como o nosso não eram sucessos adquiridos
provavelmente à partida. E Eu tenho muita curiosidade de saber o que
é que tu aprendeste neste percurso e quais foram os principais obstáculos.
Tu deves ter... Tu, vocês, porque era uma equipa, vocês devem ter
se defrontado com... Precisaram de ir à procura de mecenas, precisaram de...
Como acho que eras tu que dizias, meio a brincar, meio a
sério, mendigar. Tiveram que ir pedir dinheiro. E devem ter enfrentado muitos
daqueles obstáculos que existem quando a pessoa tenta fazer coisas em qualquer
sentido do mundo e algumas especificidades portuguesas como uma certa desconfiança, uma
certa aversão ao risco, vocês devem ter apanhado isto tudo, não é?
Pedro Santa
Estava a pensar se havia assim tema que as unificasse. Sim, é
verdade que, sobretudo quando começámos a nova, não havia história nenhuma de
construir campo com nativos privados que ninguém acreditou, seguramente os meus colegas
nunca acreditaram. Aparentemente acho que esse foi dos segredos do sucesso, porque
como não acreditaram, ninguém se opôs. E sim, há muitas dificuldades portuguesas,
que todos conhecemos bem, mas também algumas facilidades portuguesas. Em Portugal temos
grau de separação de qualquer pessoa, portanto, queres ir falar com seja
quem for e consegues. E as pessoas acho que são genuinamente interessadas
e que têm vontade de ver inovação e de ver sucesso e
de apoiar. O número de mecenas que nós juntámos nestes vários projetos
e os montantes que doaram são incríveis, são muito substanciais. Portanto, às
vezes há poucos projetos. Eu acho que acima de tudo há poucas
equipas. E se me perguntas o que é que eu aprendi mais
do que tudo, aquilo que verdadeiramente transformou a minha vida nos últimos
10 anos, e no meu caso é muito drástico, porque até há
10 anos atrás era académico, académico é o trabalho mais solitário do
mundo, não é? Pessoa está num gabinete a escrever uns papers esquisitos,
universo bastante fechado e muito individual. Eu diria que a grande descoberta
é que consegues construir uma equipa de muito alto nível, que torna
possíveis coisas que aparentemente à partida não eram. E acho que aquilo
que eu mais morgulho foi ter criado uma equipa, nestes últimos 12
anos, enfim, desde o princípio da nova, que é top mundial, não
tem paralelo. E isto nós às vezes não notamos muito em Portugal,
porque primeiro tendemos a individualizar os projetos, a personificá-los, quando nenhum projeto
tem uma pessoa a fazê-lo. Quer dizer, às vezes pode dar mais
a cara, mas não é mais do que isso. E por outro
lado, eu acho que nós desvalorizamos muito isso. Repara, todos os grandes
investimentos públicos, os PRRs, os Portugal 2030, os não sei o que,
a lógica é sempre, vamos juntar aqui conjunto de ideias, reunimos uns
burocratas à volta de uma mesa para ter ideias e depois lançamos
concurso para ver quem é que se candidata. E nunca, mas nunca,
segues a ideia, o caminho alternativo de pensar, quem são as equipas
boas que existem neste país que são capazes de fazer coisas. E
embora lá falar com eles e perguntar o que é que eles
acham que devia ser feito e tentar apoiá-los a fazê-la. Isto não
existe. Não existe.
Pedro Santa
O Portugal 42, aqui na escola 42, que andamos há dois anos
ou três, já nem sei, ou o Programa de Inovação Social e
fomos chumbados liminarmente. Porquê? Porque isto não cabia na matriz de avaliação
pensada pelo burocrata. Uma escola sem aulas, sem professoras, não lhes cabe
na cabeça e, portanto, não existe. E, pelo contrário, passas a vida
a financiar projetos medíocres feitos por entidades incapazes. De alguma maneira, o
nosso insucesso dos últimos 25 anos podes vê-lo como uma má alocação
de capital a uma escala épica, não é? Porque houve muito capital,
não foi por falta de capital que falhámos. Alocámos-no, foi pessimamente, a
maus projetos liderados por más equipas. E não aprendemos. O que Nós
queremos, o ideal deste país seria o processo burocrático, abstrato, perfeito, que
não tem decisão humana, não tem responsabilidade humana, não tem... Pá, somos
tontos, somos tontos e não aprendemos a não ser, mas enfim.
Pedro Santa
E, portanto, precisas ter, lá está, a equipa credível, experiente, que tu
sabes que vai implementar e precisas ter uma boa ideia e o
capital aparece. Quer dizer, sim, dá trabalho, e é preciso falar com
muita gente, e teres algum jeito para o fazer, mas existe uma
vontade coletiva de fazer estas coisas. E isto não era demonstrado a
priori, e acho que se demonstrou a posteriori e acho que é
importante. Acho que já falámos bocadinho da importância da equipa, como tudo
isto só acontece se conseguires criar grupo relativamente pequeno, não estamos a
falar de grandes equipas, Estamos a falar de meia dúzia de pessoas
muito motivadas, muito boas e capazes de fazer.
Pedro Santa
No caso da nova, foi uma mistura de gente. Havia pouco de
tudo. Algumas pessoas que já estavam a trabalhar na faculdade, outras que
foram contratadas para isto e que eram, em alguns casos, antigos alunos
com uma experiência de consultoria de dois ou três anos, mas que
também gostavam do projeto. Outras pessoas mais séniores, como o engenheiro responsável
pela obra, ou a pessoa que tratou de tudo o que era
contratos e espécies legais, etc. Como em tudo, tens de construir uma
equipa com as várias valências, com pessoas boas, com pessoas motivadas e
depois tens de dar coerência ao todo e levá-lo avante. Há tantas,
quer dizer, ao fim de trabalhar com algumas pessoas há mais de
8 anos, acho que já funcionamos por telepatia. Mas isso leva tempo
a acontecer.
José Maria Pimentel
E olhando para a 42 e para o Tumo, salta claramente à
vista que há muita gente, gente e empresas, quer dizer, gente com
dinheiro e empresas, a chegar-se à frente para apoiar este tipo de
projetos, que era uma coisa que não se via há alguns anos,
acho eu. Nós temos, às vezes, a tendência de olhar para o
que está pior, não é? Mas esse é aspecto que
Pedro Santa
E esse, até se calhar, em relação à nova, para mim, talvez
a surpresa maior, passados 5 anos da inauguração do campus, do sucesso
daquela escola, que de facto passou de uma pequena escola portuguesa de
economia para uma grande escola europeia de economia e gestão, que hoje
em dia é financeiramente muito sólida, é não ter sido exemplo a
ser seguido por outras. Quer dizer, sim, vejo o técnico a fazer
umas coisas, vejo a católica a tentar fazer outra. Mas a generalidade
das universidades portuguesas não olhou para isto a dizer assim, epá, espetacular,
eu se calhar posso fazer o mesmo e ter aqui projeto super
ambicioso. Não houve este contágio que me surpreende.
José Maria Pimentel
Mas é estranho, eu concordo contigo. É bocado bizarro porque tens uma
boa ideia, quer dizer, pode não concordar em tudo, pode querer adaptar
aquilo ali, mas quer dizer, tens claramente uma boa ideia que funcionou,
que está ali disponível para replicar, é curioso, enfim, fica ao repto,
quem nos estiver a ouvir. Pode ser que chegue a boas ouvidas.
Pedro Santa
A última análise acho que é pensar que estas épocas de transformação
numa indústria são uma ameaça, claro, óbvia, posso dar desculpas, mas ao
mesmo tempo são uma grande oportunidade. E Portugal podia pensar neste momento
como uma oportunidade para sermos dos países líderes mundiais em termos de
educação. A todos os níveis, não só para educar superiormente as nossas
pessoas, como para atrair gente de todo o mundo que queira procurar
educação cá. Isto é uma grande indústria. Já temos alguns exemplos de
como isto é possível, mas acho que podemos ser muito mais ambiciosos.
E às vezes olhar para coisas como, não estamos a formar suficientes
professores para as necessidades do ensino secundário até 2030. Em vez de
estar Só no exercício de flagelação coletiva pela nossa incapacidade de planeamento,
podemos dizer que esta é uma oportunidade para repensar o modelo de
aprendizagem e tornar-lo mais eficiente e dar salto qualitativo. Em vez de
estar aqui só na conversa do sindicato e do não sei o
quê. Epá, às vezes a solução aparece fora da caixa, não é?
Tens que saltar para fora para encontrar uma solução muito superior.
José Maria Pimentel
E provavelmente, é evidente, realisticamente seria difícil implementar isso em todo o
sistema, mas podias pelo menos testar, que é sempre uma coisa que
nós fazemos pouco, que me faz sempre alguma impressão, podias testar isso
em alguns modelos, ver se funcionava numa escola, numa região, numa coisa
qualquer do género, e ver se a coisa funcionava ou não funcionava
antes de...
Pedro Santa
E se quiseres nível pouco mais profundo, e aqui é o economista
em mim a falar, tu tens que trazer concorrência, tens que trazer
incentivos à indústria, tens que esquecer que o planeamento central é a
solução. Não é? No outro dia dava exemplo parvo, mas que eu
acho que é muito eficaz, quer dizer, imagina que tinhas o Ministério
do Pão, e que o Ministério do Pão administrava 5.500 padarias no
país, alocava 135 mil padeiros a essas padarias, dizia que tipo de
pão podiam produzir, por quanto vendiam e diziam que as pessoas só
podiam comprar pão na padaria do seu bairro. Ah, a qualidade do
pão não ia ser grande coisa, acho eu. E perdias o foco
na qualidade do pão, o foco passava a ser nas reivindicações dos
padeiros. Mas nós fazemos isto com educação. É literalmente isto que nós
fazemos com a educação. E se é quase jocoso dar este exemplo
do pão, porque a gente não pensa que se calhar não está
a fazer bem na educação, que podíamos descentralizar isto bocadinho, criar bocadinho
de concorrência, dar incentivos aos bons e levar a que fechem os
maus. Porquê que tu achas admissível que não haja avaliação dos professores?
Eu já dirigi vários programas educativos. A medida mais importante é despedir
os piores professores. É fundamental. Há sempre. Os 10% de piores têm
que sair. Isto não é possível. Imagina que és diretor de qualquer
escola deste país, não tens os mais básicos instrumentos de gestão, tu
não podes nem contratar, nem despedir, nem promover, nem pagar mais, não
podes fazer nada. É ridículo, mas é ridículo, mas é isto que
nós queremos a funcionar.
Pedro Santa
Mas nós temos, coletivamente, como povo, de ter a capacidade de pensar
que as coisas não são imutáveis, que a estabilidade não é valor
em si próprio quando as coisas não estão assim tão bem. E
ter bocadinho mais de ousadia de experimentar. Que é isto que me
aflige neste nosso país, de que gostamos muito, mas que é penoso
e cansativo, porque parece que perdemos a ousadia total. A única obsessão
que eu vejo, coletivamente, é manter o status quo a qualquer preço,
por absurdo que seja o status quo.
É receio?
Pá, caraças, pá. Vamos lá agitar bocadinho as coisas, vamos lá tentar
ser mais ambiciosos.
Pedro Santa
Eu estava a me lembrar de livro que estou a ler neste
momento. Estou a gostar imenso. Que é livro que se chama A
Invenção da Natureza, da Andrea Wolfe, e que no fundo é uma
biografia do Alexander Von Humboldt, que é personagem extraordinário, inventor de uma
série de ciências, talvez o último cientista de todas as coisas que
existiu.
O último polímata.
E que contasse histórias dele, as exposições que fez na América Latina,
na Ásia. Tem muita graça. E que tem muito a ver também
com estes primórdios da educação massificada. Porque, de certa maneira, a Prússia,
de onde ele veio, foi o primeiro a oferecer esta educação obrigatória
para toda a gente.