#152 Teresa Paiva - A Ciência do Sono

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Olá, sejam bem-vindos ao 45°. O meu nome é José Maria Pimentel. O hate de dormir é tão essencial quanto comer ou respirar. E, no entanto, tantas vezes o subestimamos ou relegamos para segundo plano nas nossas vidas agitadas. Quem nunca disse algo do tipo, dormirei quando estiver morto? Mas a verdade é que o sono é fundamental para a nossa saúde física e mental e é dos pilares do nosso bem-estar. Talvez até alguns de vocês, ao ouvirem este episódio, estejam a pensar em quantas horas de sono conseguiram na noite anterior ou quantas gostariam de ter tido. Para nos ajudar a compreender melhor a ciência do sono, convidei a médica Tereza Paiva, que é a grande referência portuguesa na área da medicina do sono e alguém que, como digo, logo no início da nossa conversa, já a queria trazer ao 45° há muito tempo. A convidada tem uma vastíssima investigação nesta área que alia a uma grande experiência clínica. Falámos a propósito do seu livro mais recente chamado O Meu Sono e Eu, Mitos e Factos. Na nossa conversa, começámos logo com uma questão difícil. Porquê é que dormem, afinal, os seres vivos, desde os mais simples aos mais complexos, e incluindo animais tão distantes de nós, evolutivamente, como os pólvores? De seguida, mergulhámos nos mistérios dos ritmos circadianos, incluindo o estranho hábito que havia na Idade Média de dormir dois sonos durante a noite. Basicamente, as pessoas deitavam-se relativamente cedo, depois acordavam de madrugada, ficavam acordadas durante algumas horas e voltavam-se a deitar até de manhã. Falámos também dos desafios, estes bastante mais característicos da era contemporânea, de ser nótivago no mundo dominado pelo paradigma matutino. Explorámos também os prós e contras da cesta e os erros mais comuns que cometemos relativamente ao sono e que comprometem quer a quantidade, quer a qualidade do sono que dormimos. Mas será que esta é a principal causa das nossas dores relativas ao sono? Ou será que a maior causa da nossa falta de sono não são os nossos hábitos, mas sim problema maior, estrutural dos tempos atuais? Uma epidemia, para usar a expressão da convidada, de falta de sono causada por vários fatores da era atual, desde o acelerar do ritmo da economia à overdose de estímulos por todo o lado, desde a televisão aos ecrãs. A verdade é que as estatísticas sugerem que é mesmo assim e que se dorme cada vez menos no mundo desenvolvido, sendo que Portugal é caso particularmente agudo desta tendência. A convidada, como disse, defende esta tese e certamente é verdade que a maioria das pessoas devia dormir mais horas por noite do que dorme de facto. Mas tentei aqui fazer pouco de advogado do diabo, que é algo a que vocês já estão habituados no 45°. Há várias razões que me levam a ter algum ceticismo em relação a esta tese, embora concorde no geral. A principal é que, sendo o sono uma necessidade tão básica, é preciso uma confluência particularmente grave de vários fatores para que se crie na sociedade uma privação de sono tão sistémica e tão aguda. Mas, enfim, isto é uma questão quase de políticas públicas. Voltando à ciência do sono propriamente dita, desvendámos também os mistérios das fases do sono, REM e não REM, e o fascinante mundo dos sonhos que nunca deixa de nos fascinar e produzir uma série de literatura desde a mais séria à aquela mais, digamos, imaginativa. E para aqueles, eu incluído, que procuram formas de otimizar o sono, perguntei também à convidada a sua opinião sobre os populares sleep hacks, truques para dormir melhor, E até que ponto é que cada deles realmente funciona. Esta foi por isso uma conversa recheada de conhecimento, mas também de dicas práticas que todos podemos aplicar nas nossas vidas. Por isso, acomodem-se bem na vossa cama, ou sofá, ou cadeira. Fechem os olhos por instante e preparem-se para ser despertados para o fascinante mundo do sono. Deixo-vos com Teresa Paiva. Doutora Teresa Paiva, muito bem-vinda ao 45 Graus.
Teresa Paiva
Olá, bom dia. Muito obrigada pelo convite.
José Maria Pimentel
E eu agora vou lhe dizer uma coisa que não disse antes quando estávamos em off, que o guardei propositadamente para aqui, peço desculpa por esta desonestidade, é que eu já tinha convidado para o podcast quando o lancei há seis anos.
Teresa Paiva
Ah, sim? É que eu sou imensa desculpa, mas não é por isso. Não, não, na verdade... Mas o que é que eu fiz? Não respondi? Acho
José Maria Pimentel
que a Teresa não respondeu, mas é uma reação perfeitamente legítima, porque na altura, isso aconteceu com muita gente, porque na altura não existia podcast, agora já existe. E portanto as pessoas ou já o conhecem, em muitos casos, ou mesmo que não conheçam, conseguem ver o histórico. Na altura não, portanto houve uma altura, no início, em que eu... Quer dizer, dessas coisas, a pessoa quer lançar podcast, lembra-se de uma série de temas e este tema era tema que já me interessava na altura e eu fiz assim conjunto de convites, pá, uns 10 e houve umas 3 pessoas que aceitaram e foi o suficiente para a coisa arrancar mas o que é engraçado... Desculpa lá, mas não me lembro de tudo Desculpa, estou a dizer isto porque é uma história engraçada e sobretudo é uma história que liga a outro aspecto importante para mim no 45 Horas que é o facto de eu gostar de fazer episódios pré-anos, digamos assim, ou seja, que possam ser ouvidos 5, 10 anos depois. E este tema é a prova provada que isso é possível porque o episódio que nós vamos gravar hoje vai ser basicamente o que teríamos gravado há seis anos, quer dizer, com alguma investigação nova que tenha surgido e enfim, vamos assumir que o anfitrião também tem algum traquejo que não tinha na altura mas o resto é exatamente o mesmo, porque são temas que não perdem qualidade.
Teresa Paiva
Não perdem qualidade.
José Maria Pimentel
Portanto, seis anos depois, aqui estamos nós a falar sobre o sono. E, sobretudo, foi tema que já me interessava há muito tempo, sempre me interessou e devo dizer que não encontrei ao longo destes anos convidado melhor, portanto...
Teresa Paiva
Muito obrigado.
José Maria Pimentel
Aqui estamos 6 anos depois. Então, para começar, eu acho que temos que começar pela evolução, ou seja, porquê é que os seres vivos dormem? Porquê é que os animais dormem? Porquê é que nós, enquanto animais, dormimos? Porquê é que a evolução criou esse mecanismo?
Teresa Paiva
É uma espécie de super repouso. Portanto, os animais começaram por ter períodos de atividade e repouso. E depois, portanto, é necessário sempre fazer restabelecimento de funções. E para fazer restabelecimento de funções é necessário pausa, não é? Portanto, o repouso são pausas. E os animais têm pausas, quer dizer, as moscas pousam, os pássaros não andam sempre a voar, é por aí fora. Nos animais aquilo foi tornado como super repouso em que se faziam mais coisas do que parar. E, portanto, no sono fazem-se coisas para além da paragem e do restabelecimento das funções. Quer dizer, controla-se uma data de funções e regenera-se, não é? Portanto, há controle, uma regeneração e uma inovação. Quer dizer, portanto, isso ajuda sempre à sobrevivência. E essa é a grande vantagem dos animais, percebe?
José Maria Pimentel
Portanto, a teoria que está a propor é que o sono surgiu a partir do repouso.
Teresa Paiva
O sono surgiu a partir do repouso e tornou-se super repouso.
José Maria Pimentel
O paradoxo aqui é que é repouso com custo, não é? Porque quando o repouso normal não implica perda de atenção, o sono implica, enfim, no nosso caso implica perda de consciência, mas mesmo em seres vivos mais simples implica alguma perda de funcionalidade.
Teresa Paiva
Quer dizer, implica perda de funcionalidade e implica risco para lidar com os predadores. Mas está a ver, apesar disso tudo, o benefício é tão grande que ele persistiu e foi propagado espécie em espécie. Portanto, o caderno é super repouso ultra-benéfico e que ultrapassa os riscos que existem por podermos ser atacados por predadores.
José Maria Pimentel
E terá alguma coisa a ver com... Quer dizer, tem certamente, mas quanto tem a ver com a noite? Ou seja, num mundo onde não houvesse noite os animais dormiriam também? Onde não houvesse escuro, não
Teresa Paiva
é? Os animais, parecidos com os nossos, garantidamente. Agora, poderia ser, era diferente. O haver noite tem que ver mais com os ritmos circadianos. E os ritmos circadianos existem nas bactérias. E existem praticamente desde o início da vida na Terra. Portanto, as primeiras que se pensa, que as primeiras bactérias que produziram ritmos circadianos chamam-se bactérias azuis, oceanobactérias, eram azuis, e isto acontece quando ainda não havia oxigênio na Terra. E essas bactérias azuis perceberam que, quando se multiplicavam durante o dia, apanhavam o Sol de Chapa, não havia sombras, apanhavam o Sol de Chapa e havia mitosos. Portanto, mitoso, a divisão corria mal. Então passaram a propagar-se de noite. E esse pensa-se ser o primeiro ritmo circadiano que existiu. E depois essas ditas cianobactérias terão feito duas coisas fundamentais, que foi desenvolver esse ritmo circadiano e produzir oxigênio. Depois as plantas receberam os ritmos circadianos e essa capacidade de produzir oxigênio a partir da energia solar E nós ficamos com uma atmosfera cheia de oxigênio e aí aparecem os animais que nós conhecemos à superfície da Terra. A gente sabe muito pouco das profundezas do mar, não é? Mas os animais que vivem à superfície da Terra e a algumas profundidades marítimas, adotaram todos esse sistema de regulação circadiana, que assim resulta do movimento de rotação da Terra e do dia e da noite.
José Maria Pimentel
Curioso. É que o dia e noite têm, para este efeito, uma relevância dupla. Uma é essa, de impor ritmo circadiano nos seres vivos. E a outra, quando falamos de espécies passivas de ser predadas, é que às noites estão muito mais seguras, ou seja, uma gazela pode dormir à noite porque à partida tem muito pouca probabilidade de ser caçada, mas se não houvesse noite, daí a minha pergunta dá bocado, se não houvesse noite isso já seria bastante mais difícil.
Teresa Paiva
Se não houvesse noite, quer dizer, ela seria sempre caçada, portanto, teriam outros mecanismos de defesa e de sobrevivência, percebe? Está a perceber, perfeito.
José Maria Pimentel
Mas perguntando de outra forma, se não houvesse noite, vamos congelar o ritmo circadiano na equação, se não houvesse noite os animais dormiriam de forma diferente?
Teresa Paiva
Provavelmente todos bocadinhos, provavelmente de uma forma, quer dizer, estou a dizer, não é? Claro, claro. Não é antipotético.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é uma conjetura, claro.
Teresa Paiva
Portanto, provavelmente de uma forma ultradiana, quer dizer, estavam acordados bocadinho, dormiam, estavam acordados, dormiam, estavam acordados, dormiam, percebe? Portanto, iam dormindo aos bocadinhos. Tinham sono ultrapolifásico.
José Maria Pimentel
Exato, exatamente, ultrapolifásico, exatamente. Até que ponto é que o nosso sono é comparável ao dos outros animais? Depois já vamos falar das fases do sono, mas o nosso sono é muito profundo, digamos assim, não é? Caso sono, somos ser vivo, não é? Somos animal que entrando no sono é difícil acordar isso?
Teresa Paiva
Quer dizer, nós todos os animais garantem a sobrevivência durante o sono, portanto nós não perdemos todas as relações. Sim, na verdade, claro. Ficamos sempre a ouvir, deixamos de ver, mas ficamos a ouvir e a ter a sensibilidade somestésica e, portanto, térmica e tátil, com certeza. E, portanto, isso garante-nos alguma forma de sobrevivência, não é? Se entrar ladrão, a gente acorda. Claro, claro, sim, sim.
José Maria Pimentel
Sim, na verdade a minha premissa não é 100% correta.
Teresa Paiva
Sim, pois. Portanto, o nosso sono é muito parecido ao dos outros animais. Nós temos a mania que somos diferentes, mas somos muito parecidos, sabe? E essa é uma noção que eu gosto de explicar. Nós partilhamos com as galinhas 40% dos genes, com as leismas, outros tantos, 40%. Com os macacos mais diferenciados, os chimpanzés e etc., 98%. Portanto, está a ver, É evidente que 2% fazem uma grande diferença. Nós temos sono muito parecido com os outros animais homeotérmicos.
José Maria Pimentel
Pois, é o exemplo do sangue quente.
Teresa Paiva
Pois, os animais sanguentos. Portanto, nós temos sono muito parecido com as aves e com os mamíferos. Achava-se que os moluscos, os répteis, etc. Não tinham sono REM e que o sono REM só apareceu com as aves e com os mamíferos, que nós temos, não é? Mas de facto, agora em coisas muito recentes, isso é que é muito recente mesmo, percebeu-se que os polvos sonham e que há lagartos que têm sono-reme. Portanto, quer dizer que eles sonham, não é? Os sonhos são… Como é
José Maria Pimentel
que se percebeu que os povos sonham? Não deve ter sido fácil.
Teresa Paiva
Porque os filmaram e os tipos mudam de cor e tem momentos em que começam a, como se fosse a tremer, que é o que nos acontece, vir os seus cães a dormir, Os seus cães voltam e meio quando estão a tremer, não é? Aparecem e estão a tremer. Estão em sono termo.
José Maria Pimentel
Sim, tem uns páginas, não é? Exato, exato. Estão a sonhar. Exato. Sim, nos cães isso é muito visível.
Teresa Paiva
Pois, sim, sim. Nos cães e nos gatos é muito visível. E às vezes fazem sons, não é? Fazem sons, exatamente. Portanto, isso foi assim que foi visto nos polvos e nos lagartos acho que foi visto por registros que eles sonhariam. Há espanhol que diz que o sono REM é o sono primordial.
José Maria Pimentel
Ah, é a tese do caminho oposto no fundo, é? É uma tese do
Teresa Paiva
caminho oposto, pois. Mas pronto, mas isso não está de forma alguma provado. Mas, portanto, o nosso sono é muito parecido com o dos outros animais. A única diferença é que na idade adulta temos, teoricamente, sono monofásico. Mas isso, em termos de evolução das civilizações na Terra, só apareceu com a Revolução Industrial e, portanto, aparentemente, nós tínhamos sono bifásico e dormíamos a cesta. Aliás, há quadros de Van Gogh, etc, que se chamam a cesta, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. A cesta é conhecida, mas essa investigação, e eu ia lhe perguntar sobre isso também, é curiosa porque o que sugere é mais do que dormir a cesta, que é no fundo... Dormir a cesta é sono bifásico, mas é sono com uma grande porção dormido à noite e depois uma espécie de acrescento durante o dia, não é? Mas o que essa investigação histórica propõe é que, historicamente, nós dormíamos sono bifásico, quase 50-50, em que, e se eu estou a contar isto bem, basicamente as pessoas iam se deitar relativamente cedo, bastante mais do que nós, ou seja, o pôr do sol, Dormiam umas, sei lá, 4 horas, depois acordavam e estavam ali 2, 3 horas a acordar. E depois voltavam a dormir
Teresa Paiva
outras vezes. Exatamente, era o primeiro e o segundo sono.
José Maria Pimentel
Primeiro e o segundo sono,
Teresa Paiva
exatamente. As pessoas dormiam razoavelmente mais. E, portanto, o acordar às 3 ou 4 da manhã é, de certa forma, arquétipo dessa forma de dormir. Portanto, não tem assim problema de meia hora.
José Maria Pimentel
Ah, quer dizer, as pessoas que acordam às 3, 4 da manhã.
Teresa Paiva
Há muita gente que acorda às
José Maria Pimentel
3, 4 da manhã. Sim, por acaso, era uma pergunta que eu tinha porque eu tenho amigo com quem estava a falar sobre este episódio que tem exatamente esse, enfim, eu ia dizer problema, mas tem essa característica e eu até andava a chateá-lo por ele ser visto porque ele acorda todos os dias, a meio da noite, acorda, não é para ir à casa de banho, acorda e depois fica acordado, sei lá, uma hora e ele até começou, por exemplo, a ouvir podcast por causa disso para se entreter mais ou menos, mas se calhar aquilo é uma coisa natural.
Teresa Paiva
Quer dizer, não é dramático, tem que saber se ele tem alguma razão para acordar ou não, não é? Mas há pessoas que acordam e podem fazer qualquer coisa útil, nessa altura antigamente faziam, conversavam uns com os outros, tinham sexo, faziam essas coisas assim e depois voltavam a dormir. Ou faziam as orações. Ainda há muito nos mosteiros, percebo, quer dizer,
José Maria Pimentel
os solmanos
Teresa Paiva
Rezam a meio da noite, está a perceber? Isso vem como consequência dessa nossa característica inicial. E não é necessariamente dramática, só é dramática quando as pessoas dramatizam, está a perceber? Portanto, aí passa a ser dramática.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Não, na verdade ele vive relativamente confortável com isso, o que me surpreende.
Teresa Paiva
Sim, desde que ele depois, no fundo, durma às horas todas que precisa. Não há assim problema de maior. E não entra em ansiedade por isso e não coma de noite. Se comer de noite é uma chatice.
José Maria Pimentel
Se comer muito ou basta, sei lá, beber copo de leite?
Teresa Paiva
Não se deve comer durante a noite porque a absorção alimentar é muito maior. Absorvemos mais. Ah, é por isso. Eu achei
José Maria Pimentel
que tivesse que ver com a libertação de neurotransmissores ligados ao despertar, por exemplo.
Teresa Paiva
Não, não. É fundamentalmente pelo problema de se poder engordar. Portanto, aquilo absorve-se mais, essas coisas.
José Maria Pimentel
Mas enfim, há uma pergunta essencial para responder aqui. Nós tens a referir que o sono está associado ao ritmo circadiano. Então, o que é que explica uma eventual tendência natural dos seres humanos para o sono bifásico? Porque é de noite...
Teresa Paiva
Porque o ritmo circadiano também é bifásico. A evolução da nossa temperatura...
José Maria Pimentel
Ela é bifásica durante o dia, de facto. Quer dizer, o portão durante o dia
Teresa Paiva
tem Tem mínimo a seguir ao almoço. Exato. E, portanto, esse mínimo da temperatura cerebral corresponde ao período em que há uma maior propensão para dormir.
José Maria Pimentel
Ah, não, não, não, mas eu não estou a falar do bifásico que nós estamos mais acostumados, que é uma noite normal e depois uma cesta, eu estou a falar deste bifásico histórico de quatro horas com intervalo mais quatro horas. Quer dizer, o que é que nos faz acordar à meia-da-noite? Se calhar é o simétrico disso, não é?
Teresa Paiva
Pois, provavelmente as curvas que fizeram atualmente da produção de melatonina são feitas em ambientes experimentais e não são feitas nas casas das pessoas, em grandes números de pessoas, Está a perceber? Portanto, a curva que se tem de evolução da melatonina é uma curva em que a melatonina começa a ser produzida por volta das 7, 8 da noite e depois tem pico às 4 da manhã e depois começa a descer até a gente acordar. Nós não produzimos melatonina durante o dia, não é? E a temperatura do cérebro tem uma evolução diferente, oposta, não é? Portanto, quando o máximo da melatonina é o mínimo da temperatura cerebral e depois na temperatura cerebral, quando chega à hora da cesta, há outro mínimo relativo. Portanto, isso é que é o ritmo circadiano da cesta. Portanto, eu acho que, pelo menos eu não tenho conhecimento, que esta coisa do primeiro e do segundo sono tenham sido estudados assim de uma forma...
José Maria Pimentel
Sim, eu creio que alguma investigação que foi feita colocava as pessoas, até era sequer precisamente em privação de luz. Sei lá, em cavernas e coisas do género, que as pessoas naturalmente adotavam, não era?
Teresa Paiva
Não, isso, quer dizer, quando se está privado de luz vai-se sempre adormecendo mais tarde, está a perceber? Portanto, vamos tendo sempre o nosso ritmo circadiano, não é 24 horas, é 24 vírgula qualquer coisa. Em algumas pessoas chega a 25 horas. Portanto, se você tiver privado a luz solar, todos os dias vai atrasar, vai ser desfazamento por causa da duração do seu período circadiano. Portanto, é isso que acontece quando está às escuras. Sim, curioso. Portanto, a pessoa tem o seu próprio ritmo. Mas isso quer dizer que nós temos ritmos biológicos que são uma enorme vantagem e que as bactérias azuis também têm e as árvores, as plantas também têm. Têm ritmos biológicos independentes do ciclo de luz ao longo das 24 horas. E isso dá-lhes uma vantagem biológica muito importante, porque eles se autoregulam a si próprios, percebe? Portanto, têm uma maior adaptação a variabilidades.
José Maria Pimentel
Sim, e podem viver em zonas sem luxo.
Teresa Paiva
Sim, pois, adaptam-se ao variável.
José Maria Pimentel
Sim. Já que estamos a falar de ritmo circadiano, se liga a outra coisa que eu lhe queria perguntar que tem a ver com o nosso chamado cronotipo. E isso é tema que eu suspeito que não existe exatamente consenso, porque ouve-se muito falar de diferentes cronotipos, às vezes pessoas serem mais notívagas ou mais matutinas, mas, por outro lado, Dircia, quer dizer, estando o nosso ritmo circadiano, ou sendo ele à partida influenciado pelo Soplo, mas até certo ponto, deveria haver uma certa uniformidade cronotipo. O que é que diz a investigação? Há mesmo cronotipos diferentes?
Teresa Paiva
Há mesmo cronotipos diferentes, graças a Deus. Toda a sustentabilidade dos seres vivos e dos ecossistemas resulta do facto de haver uma grande variabilidade interindividual e interespécies. Portanto, para nós que somos calcasianos, é bom que haja pessoas de raça negra, indiana, chinesa, por aí fora. Está a perceber? Isso é uma enorme vantagem biológica da espécie humana. Assim como os cães, são diferentes uns dos outros, etc. Por aí fora. Está a perceber? E se garantes…
José Maria Pimentel
no caso dos cães, já fomos nós. Sim, sim.
Teresa Paiva
Já foi a seleção artificial. Mas são diferentes uns dos outros. E os animais da mesma raça também têm sempre variações. A variação clássica é uma variação gaussiana, não é? Portanto, você tem a zona média, que ocupa cerca de 70% a 80% dos indivíduos e depois tem os extremos que ocupam 10% para cada lado ou coisa assim.
José Maria Pimentel
E é isso que se vê nos cronótipos.
Teresa Paiva
E é isso que se vê nos cronótipos. Isso é uma enorme vantagem biológica.
José Maria Pimentel
Sim, porque sobretudo o nosso tempo que vivemos em tribos permitia que houvesse pessoas a…
Teresa Paiva
Não somos todos iguais. Claro, claro. Permitia que houvesse pessoas que se levantassem logo quando acheia do sol e outras que conseguissem ir para a floresta quando era meio escuro.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Sim, sim. E ficar de vigia, por exemplo.
Teresa Paiva
E ficar de vigia, etc. Para aí fora. Portanto, a grande variabilidade dos seres vivos entre si, a grande variabilidade interindividual, é uma enorme riqueza. E eu digo-lhe isto e insisto nisso porque Os pais das crianças têm que ensinar que quando têm menino na escola que é diferente dos outros, isso é uma riqueza, não é para fazer bullying ao menino, percebe? Sim, sim, exatamente. A riqueza da variabilidade é uma riqueza, todos os ecossistemas sustentáveis têm uma grande variabilidade E quanto maior é a variabilidade do ecossistema, mais sustentável ele é. Portanto, a gente tem que perceber que ter meninos diferentes na escola, ou são mais pequeninos, ou mais gordos, ou mais brancos, ou mais pretos, ou mais espertos, ou mais burros, ou mais isto, ou mais aquilo, ou mais não sei o quê, é uma enorme fantasia. E o bullying nas escolas, que é muito frequente, é feito exatamente por causa das diferenças. E isso é fomentado, quer dizer, a gente está sempre contra as diferenças.
José Maria Pimentel
Sim, o nosso lado tribal tem os dois lados, é curioso, não é? Tem o lado de procurar a diversidade, porque precisamos dela, sobretudo nesse ambiente de tribo, mas por outro lado, essa poluição pela homogeneidade de grupo que depois gera e que está muito ativa, é muito engraçado se a pessoa olhar para trás, na nossa vida, o período em que esse lado tribal teve mais ativo foi precisamente quando andávamos na escola. Aquilo é ambiente ultra-grupal. Sim, mas não é bom de apreceber. Ao contrário, por isso é cáminho de discussão.
Teresa Paiva
O que eu estou a tentar dizer é que é bom que se ensinem, que os pais ensinem as crianças, que têm meninos diferentes, é bom.
José Maria Pimentel
Sim, claro. Os pais e os professores.
Teresa Paiva
E os professores, os professores sem essa obrigação, não é?
José Maria Pimentel
De facto faz todo sentido que nós tenhamos cronótipos diferentes à luz dessa explicação, mas isso não elimina, infelizmente, o problema de pessoas que sejam, por exemplo, nótivagas e vivem desfasadas do resto do mundo e numa espécie de bullying para a escola, não é? Porque uma pessoa que seja... Por exemplo, o meu ritmo, é difícil dizer isso muito bem, mas o meu ritmo natural não é ritmo de acordar às 7 da manhã, não é ritmo muito nótivago, ou seja, seria acordar às 10 ou 11, não é? Mas significa que é esforço para mim a viver no... Mas a minha mãe, por exemplo, é no activo H sério, e a minha avó também era. Curiosamente, vou à paterna, portanto, há uma confluência genética aí. Quer dizer, para elas era difícil, quer dizer, é esforço permanente a viver no horário do resto do mundo.
Teresa Paiva
Eu sou no activo H sério.
José Maria Pimentel
E aqui estamos nós de manhã a gravar.
Teresa Paiva
Ainda me lembro, agora com a idade fica-se bocadinho mais matutino. Mas já lhe explico o que é que faço. Mas eu lembro-me de estar a apanhar o autocarro no Recil, não é que apanhei o autocarro no Recil, foi ao liceu, faz quando, dez anos, doze anos, e a pensar, já vou chegar tarde, não sei se está a ver. Claro, claro. Porque aquilo já é complicado desde essa idade. Foi muito complicado no início da vida hospitalar, porque eu não era capaz de lá chegar às oito e meia. Claro, claro.
José Maria Pimentel
É esforço permanente, não é? E uma fonte
Teresa Paiva
de estresse. Claro, não era capaz. E não fazia, não chegava. Saía mais tarde, mas isso era uma crítica permanente que me faziam, porque eu não chegava a horas. Embora estivesse muito mais tempo que os outros, porque saia muito mais cedo. Portanto, essa parte foi uma parte que eu aguentei como crítica durante a minha vida profissional hospitalar. Depois mais velha, tanto não, mas quando era, sei lá, até aos 30, 40 por aí. Agora, quer dizer, depois assumi-me claramente como coisa e recomendo. A gente nunca deve estragar o nosso cronotipo. Pois. Portanto, o nosso cronotipo, quer dizer, as pessoas matutinas são pessoas bastante mais executivas, mais ativas, etc. As pessoas noctívagas são mais criativas, geralmente. E portanto têm uma maior criatividade e têm maior risco de depressão. Portanto, as pessoas noctívagas. Mas quando se fala em noctívago tem que se estabelecer limite. Quer dizer, para já nós temos horários muito tardios comparado com os restantes pobres da Europa e mesmo do sul da Europa. E depois temos, para além desses horários tardios, temos horários muito matutinos, quer dizer, tudo começa cedo.
José Maria Pimentel
Ah, sim. As pessoas deitam-se tarde, mas a vida começa cedo.
Teresa Paiva
E, efetivamente, o que acontece e atualmente aqui em Portugal, Os jovens agora, quer dizer, começam a distrair-se, a ir para a discoteca à uma, duas da manhã, o que é uma coisa completamente disparatada. Portanto, quer dizer, há uns limites do bom senso. Quer dizer, uma pessoa noctídega deita-se para volta da meia-noite, uma da manhã. Tudo o que seja depois das duas da manhã já é patológico, já tem uma doença. Está a perceber? Portanto, quem se deita depois das duas da manhã tem aquilo a que se chama atraso de fase
José Maria Pimentel
do sono.
Teresa Paiva
E o que eu digo é que exatamente, porque eu sei não o que digo, mas eu sei perfeitamente, eu tenho imenso cuidado com os meus horários, porque se me distrair, deito-me tarde garantidamente. Portanto, eu tenho que estabelecer o límite, tenho que ter o cuidado de dizer agora já chega, não é? Tentando perceber.
José Maria Pimentel
Eu percebo perfeitamente, mas isso é argumento de ordem prática ou biológica? Ou perguntando isso de outra forma, as pessoas que se deitam às quatro da manhã não estão simplesmente mais para o extremo dessa distribuição gaussiana?
Teresa Paiva
Não, não, não. Essas já são doentes. Mas porquê? Porque são doentes, porque têm dois tipos de coisas. Nós fizemos estudo, está publicado, a professora Kátia Reis fez estudo, que é a sua tese de altramento. Essas pessoas que se deitam depois muito tarde, há dois tipos. Há estudo que é a tese de altramento, que é a tese de alteramento, que é a tese de alteramento.