#150 José Manuel Garcia - O que faz da viagem de Fernão de Magalhães um dos maiores feitos da...
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45° episódio número 150. Como de costume, tenho alguns novos mecenas para
agradecer. João Faísca, Rui Ferraz, Ana Sofia Rodrigues, Sandra Costa, Luís Moura
e Joana Santos. Já sabem que o apoio dos mecenas é muito
importante para tornar este podcast sustentável. Há quem o faça há vários
anos, há quem decide apenas apoiar durante período, mas ao fazê-lo todos
estão a contribuir para que o 45° continue. Se não puderem ou
não quiserem tornar-se mecenas, podem sempre ajudar o 45° seguindo o podcast
no Spotify ou na aplicação que usam, classificando-o positivamente e também, claro,
divulgando-o entre amigos e familiares. No fim de semana passado decorreu mais
uma sessão do workshop de pensamento crítico, desta vez em Coimbra. Foi
excelente grupo, como sempre, tenho tido imensa sorte. Ainda não será já
nas próximas sessões, as próximas são já este fim de semana no
Porto, mas surgiu a ideia neste workshop que me parece prometedora de
começar a incluir almoço no programa. No fundo, fazer a coisa à
portuguesa. Obrigado também ao nosso espaço em Coimbra, o Hotel Coimbra I
Aminium, que tem excelente espaço e pessoal muito simpático. Por isso, se
passarem por Coimbra, recomendo vivamente que fiquem lá alojados. Na semana passada,
estivemos também em Bruxelas, na Comissão Europeia, juntamente com outros criadores de
conteúdos, para usar a expressão deles, europeus. O convite partiu da DG
Connect, o departamento da Comissão responsável pelas políticas na área do digital.
Foi muito interessante passar dois dias a discutir a visão europeia sobre
vários temas nesta área, a começar pelo tema mais quente, a inteligência
artificial. E foi, sobretudo, muito bom perceber que há vontade na Comissão
de se aproximar dos cidadãos e contrariar aquela imagem da política europeia
como distante e opaca. Hei de voltar a estes temas num episódio
futuro do 45°. Mas por agora, vamos ao episódio de hoje. Como
sabem, sobretudo os ouvintes mais antigos, o 45 Graus é para mim,
em grande medida, pretexto para aprender mais sobre temas que me interessam.
E há tema da nossa história, e mais importante, da história mundial,
que eu já tinha há muito tempo vontade de explorar melhor, a
viagem de Fernando Magalhães. Todos nós aprendemos na escola os factos básicos.
Que Magalhães foi a primeira pessoa a fazer a circunnavigação, ou seja,
a dar a volta ao mundo, e assim ficou a conhecer a
verdadeira extensão da Terra e de caminho, apercebeu-se de que o mundo
é, na verdade, muito mais água do que terra. Mas quando começamos
a escavar o tema, percebemos que há nesta história muito mais do
que apenas esses factos. Para além de dar a volta ao mundo,
a armada liderada por Magalhães conseguiu a prueza de passar, à primeira
tentativa, o estreito que contorna o Sul da América. Uma passagem desconhecida,
labiríntica e cheia de correntes traiçoeiras. Há quem diga, e eu concordo,
que se o colocarmos na devida perspectiva, foi feito ainda maior do
que a ida à Lua. Basta pensar, por exemplo, no equivalente do
lado norte do continente americano, a chamada Passagem do Noroeste, por cima
do Canadá e do Alasca, que só se conseguiu atravessar de uma
só vez no início do século XX, há pouco mais de 100
anos. Para além deste feito, os marinheiros da Armada de Magalhães foram
também os primeiros europeus a atravessar o Oceano Pacífico, Oceano cuja extensão
era até então desconhecida. Perante a dimensão destes desafios, mesmo descontando o
aspecto desconhecido, é fácil adivinhar que o projeto de Fernando Magalhães foi
visto por muitos à época como inusitado e lunático. E só isto
já tem os contornos de uma grande história. Mas há também os
aspectos políticos da viagem e esses são igualmente sumarentos. O facto de
Magalhães ter ido propor o projeto aos reis de Castela causou em
Portugal grande escândalo e foi visto por muitos como traição. E ao
mesmo tempo, em Espanha, muitos o viam como agente duplo que verdadeiramente
estava ao serviço da coroa portuguesa. E depois, claro, há os detalhes
da viagem em si, recheada de grandes façanhas, mas também de obstáculos,
privações, violência, mutins, traições e mesmo alguns aspectos bizarros, como vão ver.
E tudo isto condimentado pela personalidade Larger Than Life de Magalhães, homem
visionário e determinado, mas também autoritário e com tiques de loucura, basicamente
disposto a tudo para conseguir o seu objetivo. Todos estes ingredientes estão
por isso mesmo a pedir para ser transformados num filme ou numa
série de televisão como fez a Amazon, que lançou no ano passado
a série Sem Limites, com o ator brasileiro Rodrigo Santoro, no papel
de Magalhães, com sotaque português, devo dizer, irrepreensível. Vale a pena ver.
E claro, tudo isto está também, mesmo a pedir, episódio de 45
graus. Foi por isso que decidi convidar para o podcast uma das
pessoas que mais sabem sobre a viagem de Fernão de Magalhães. O
convidado, José Manuel Garcia, doutorou-se em História pela Universidade do Porto e
investiga sobretudo temas da história de Portugal com enfoque nos descobrimentos. É
autor de vários livros, dos quais o mais recente se chama, precisamente,
Fernão de Magalhães e foi mote para a nossa conversa. José Manuel
Garcia foi também o único português a participar no melhor documentário sobre
o tema, feito até hoje, chamado A Odisseia de Fernão de Magalhães,
uma grande produção da televisão francesa que tem sido difundida em vários
países. Na nossa conversa passámos em revista a viagem de Magalhães bem
como o contexto geral mais abrangente daquele período. A viagem foi longa
e cheia de peripécias e por isso, para não se perderem, vale
a pena fazer aqui resumo rápido. Tudo começou, claro, com a ideia
para a viagem que partiu do próprio Magalhães e do Rui Faleiro,
cosmógrafo português com grande conhecimento da matéria. Eles foram propor ao Rei
Carlos I de Espanha uma expedição às Ilhas Molucas, as chamadas Ilhas
das Speciarias, mas através de uma rota alternativa à portuguesa, Ou seja,
não pelo Atlântico, mas sim pelo lado ocidental do mundo, atravessando o
que hoje chamamos o Oceano Pacífico. O contexto geral da altura é
bem conhecido, era o do Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo
entre os coroas de Portugal e de Castela, através da longitude. Dos
meridianos passava, como todos nos lembramos bem, na zona do Brasil e
a ideia de Magalhães e Faleiro era que o meridiano do outro
lado do globo, o chamado anti-meridiano, passaria mesmo a oeste das Molucas,
o que faria daquelas ilhas território da coroa espanhola. E assim foi.
Partiram em agosto de 1519. A viagem estava prevista para durar 2
anos, mas acabou por durar 3, até 1522. Partiram de Sevilha 5
naus com 270 homens a bordo. A expedição começou por atravessar o
oceano atlântico e chegou à zona do Brasil sem grandes problemas. Mas
aí as coisas começaram a complicar-se e encontrar a passagem sul, para
o outro lado da América, revelou-se muito mais difícil e muito mais
a sul do que o previsto. A comida começou a escassear, o
frio a aumentar e houve aí mutim liderado por nobros espanhóis. Magalhães
conseguiria dominar os amutinados, mas uma das naus acabaria depois por desertar
e regressar a Espanha. Encontrar e transpor a dita passagem não foi
fácil e só em novembro de 1520, mais de ano depois do
início da viagem, é que as quatro naus restantes conseguiram chegar ao
Oceano Pacífico. Apesar das provações que já tinha sofrido, a Armada, ou
Fernando Magalhães por eles, decidiu ainda assim continuar, seguir em frente e
atravessar aquele oceano desconhecido. E só depois de largos meses sem ver
terra, em março de 1521, chegaram às Filipinas, não ainda às Molucas.
E é aí que as coisas se tornam misteriosas. Magalhães acaba por
estacionar durante largas semanas na ilha de Cebu, em vez de avançar
para as Molucas, e acabaria por morrer aí perto, de forma bizarra,
num conflito com uma tribo local. Depois, já com Magalhães morto, ainda
há evento digno de filme, com o golpe do rei de Cebu,
em que morrem ou são capturados vários dos outros capitães da armada.
E é só em novembro desse ano que a armada chega finalmente
às desejadas Ilhas Molucas. Aí carregam-se de especiarias de cravinho e decidem
finalmente regressar a Espanha. Mas optam por dividir o que restava da
armada em duas. Uma das naus iria fazer o caminho já percorrido,
pelo Pacífico, mas num sentido inverso, e a outra iria pelo Atlântico.
E só esta última, liderada pelo piloto Sebastián Elcano, iria conseguir chegar
ao destino quase 3 anos desde o início da viagem e com
apenas 18 homens a bordo, completando então a circunnavegação do globo. Durante
esta conversa com José Manuel Garcia, percorremos então estes vários aspectos da
viagem e eu fui perguntando ao convidado várias dúvidas que me surgiram
ao ler o livro dele e ao ver o documentário que referi
há pouco. Foi uma conversa muito informativa e acho que mais profunda
do que acontece muitas vezes com estes temas da história de Portugal.
Por isso, espero que gostem e até ao próximo episódio. O que
está a dizer, Manuel Garcia? Muito bem-vindo ao 45 Graus.
José Manuel Garcia
é Geralmente o Magalhães, apesar de tudo, geralmente é considerado, e isso
é, obviamente, é mesmo referido sempre como português, acho que nunca foi
conferido com os espanhóis. Agora, o Santo António é de pátua porque
morreu lá, mas a verdade é que ele nasceu em Lisboa, formou-se
em Lisboa e em Coimbra, portanto, duas referências importantes, porque são mais
conhecidos que outras figuras também mundialmente famosas, como o Infante Tom Henrique
ou Vasco da Gama, que também são igualmente famosos em todo o
mundo e, felizmente, são das mais importantes. Embora muitas vezes nós nos
esqueçamos de outras figuras fundamentais da história de Portugal e do mundo,
como é, por exemplo, não só o D. João II, mas sobretudo
uma figura que muitas vezes anda esquecida, que aliás entrou em choque
e foi por isso que o Fernando Magalhães se tornou famoso, por
causa desse choque com o Fernando Magalhães, que é o rei D.
Manuel I.
O D. Manuel I para mim é uma figura esquecida que devia
ser relevada em termos mundiais porque foi o primeiro soberano à escala
mundial. Ele tinha poder que exercia a partir de Lisboa.
José Manuel Garcia
Ora bem, de uma forma tão simples como básica, porque sabe-se muito
pouco sobre o Fernando Magalhães e as suas origens, mas mesmo assim
sabe-se o suficiente para poder-se afirmar com toda a segurança que o
Fernando Magalhães era fidalgo da Casa Real Portuguesa, que nasceu no Porto.
Tem havido também alguma controvérsia sobre onde é que ele nasceu, mas
pessoalmente não tenho dúvida nenhuma. E os factos, ele próprio dizia que
era vizinho do Porto, vizinho, queria dizer, natural do Porto. E os
seus pais eram do Porto. E, portanto, embora a família, na sua
origem, fosse de Ponto da Barca. Não há dúvida que os magalhães,
a origem dos magalhães era de Ponto da Barca e ele tinha
familiares em Ponto da Barca, mas ele era do Porto e tinha
relações e propriedades, nomeadamente a minha Vila Nova de Gaia e depois
ele veio para Lisboa. De Lisboa vai embarcar com o D. Francisco
de Almeida em 1505 e aí começam as suas grandes viagens fantásticas
que ele começa a conhecer metade do mundo porque ele vai desde
Lisboa em 1505, vai para a Índia, para a África Oriental, vai
para Malacca, até chegar às Molucas em 1512, que é no outro
lado do mundo. Portanto, ele consegue fazer em 12 anos, concretamente entre
1505 e 1512, depois regressa em 1513, ele consegue percorrer todo o
Oriente, como aliás era reconhecido mesmo pelo secretário de Carlos V e
por todos os, digamos, conhecedores do Fernando Magalhães que diziam, ele percorreu
todo o litoral de todo o Oriente e é verdade, tão simplesmente
como isso. Foi desde a África do Sul, desde Moçambique e Sofala,
até às Molucas, que é no extremo oriental da Indonésia. Portanto, de
facto, foi conhecimento fantástico que ele obteve durante todos esses anos ao
serviço da coroa portuguesa.
José Manuel Garcia
Era. Era pequeno fidalgo. Ele considerava-se e era mesmo, de facto, fidalgo,
mas fidalgo pouco importante, não é? Mas mesmo assim ele conseguiu-se promover
devido aos seus feitos, digamos, no Oriente, sempre à volta dos grandes,
do Doutor Francisco de Almeida, do Afonso de Albuquerque. Ele conseguiu, digamos,
currículo impressionante, daí que quando ele regressa a Lisboa em 1513, ele
depois vai logo para Asamor, tem problemas com o rei, com conflitos,
com intrigas e depois aí Começa a haver problemas porque ele estava
bem encarreirado para continuar a ser capitão de navios para a Índia
e tudo. E ele queria continuar com os portugueses, mas teve problemas.
José Manuel Garcia
A personalidade dela era cheia de contrastes, porque ele por lado era
conciliador, por outro era autoritário, por outro era muito amigo dos seus
homens, por outro tinha inimigos com quem lutava. Quer dizer, tem muitas
contradições, mas sobretudo podemos dizer que ele ao longo de toda a
sua vida e sobretudo durante a famosa viagem que ele realizou, ele
era muito resiliente, era muito persistente e era muito autoritário e de
facto tudo isso juntou num caráter muito duro, muito austero, muito severo
e de facto foi com a sua autoridade e austeridade que ele
conseguiu fazer e tornar-se famoso porque ele teve experiências muito duras no
Oriente e depois na sua famosa viagem tenho a impressão que se
não fosse ele obviamente nunca se conseguia fazer porque aquilo foi uma
resistência aos elementos, aos inimigos.
Sempre uma provação
a vários níveis. Foi terrível, mas ele conseguiu e depois enfim, vamos-te
falar nisso, teve uma morte absolutamente inglória. Mas é só por ver
que, de facto, as pessoas são persistentes e ele conseguiu, na prática,
na minha opinião, conseguiu o seu objetivo, que foi estar perto das
Bolucas, mas lá chegaremos.
José Maria Pimentel
Sim. Eu queria começar pela ideia, ou seja, pelo projeto. De onde
é que veio aquela ideia? A ideia, já agora para desmistificar dos
mitos, o objetivo dele não era fazer a circunnavigação, era simplesmente ir
até às Bolucas, que ele achava que fazia parte do lado espanhol
de acordo com a divisão do mundo feita no Tratado de Tordesilhas,
do lado anti-meridiano, do lado oposto ao que passa perto do Brasil
e o objetivo era ir lá, ir pelo Pacífico, ele ainda não
sabia que existia, mas ir pelo lado ocidental do continente americano e
depois voltar. Portanto, a ideia não era dar a volta ao mundo,
mas de onde é que lhe vem essa ideia, tanto quanto nós
sabemos? Ele decide propô-la aos respanhóis porque se tinha ficado desavindo com
o Dom Manuel I, mas a ideia em si, De onde é
que vem?
José Manuel Garcia
Ora bem, eu penso que a ideia, tanto quanto eu estudei exaustivamente
a gênese da origem do projeto do Fernando Magalhães, ela verdadeiramente só
surge em 1516 em Lisboa e depois amadurece em 1517, a altura
em que ele se vai então pôr ao serviço do rei de
Castela, o Carlos I, que depois é famoso por ser Carlos V,
o empresário da Alemanha. Mas ele verdadeiramente, há testemunho que para mim
é o mais importante, que foi transcrito pelo grande cronista João de
Barros, que conheceu os papéis todos do Fernando Magalhães, conhecia tudo do
Fernando Magalhães, o grande cronista João de Barros na Ásia. Ele publicou
uma frase que está na origem do diálogo que ele travou, porque
a ideia surge num diálogo a milhares de quilómetros entre o Fernando
Magalhães e o seu grande amigo Francisco Serrão, que tinha se estabelecido
na Indonésia, mais longínqua, nas pequeninas ilhas ricas de Cravo, e que
era quase o dono das Molucas, esse Francisco Serrão, e que ele,
em 1514, escreve ao Fernando Magalhães para ele ir ter com ele
as Molucas. E o Fernando Magalhães ficou entusiasmado que ele tinha estado,
porque as Molucas são muitas ilhasinhas. E então há umas Molucas do
Sul, que não têm as especiarias tão ricas, têm a Noz Moscada
nas Ilhas de Banda, mas depois há as Molucas do Norte, Trenate,
Teodoro, umas ilhasinhas pequeninas que há no Norte, do Equador, nessas Ilhas
Molucas, que têm muita riqueza. E o Francisco de Serrão conseguiu lá
chegar. O seu amigo, Fernando Magalhães, acabou por regressar, mas o Francisco
de Serrão, que foi nessa expedição às Molucas dirigida por António de
Abreu, ele... O Francisco de Serrão teve imensos acidentes, naufragou duas vezes,
até que conseguiu chegar à Trenate e o Fernando Magalhães, bem calmamente,
para Malaca, de Malaca para Lisboa, mas ficou sempre com aquela ideia
de querer voltar ao Oriente. Agora, o que depois o Fernando Magalhães
vai escrever, ao convite que o seu amigo Francisco II lhe escreveu
em 1514, ele vai-lhe escrever uma carta em 1516 que o João
de Barros cita, em que ele dizia ao seu amigo Francisco de
Serrão, prazendo-o a Deus, eu estou a citar o João de Barros
porque é melhor citar os que sabem como era o João de
Barros, prazendo-o a Deus, se desveria com ele, Francisco de Serrão, nessas
Ilhas das Molucas e que quando não fosse pervia de Portugal, por
o Oriente, pelo lado português, que era o Oriente, seria pervia de
Castela, por o Ocidente. Portanto, que os espanhóis tinham a parte ocidental
devido ao Tratado de Ilhas. Porque em tal mal estado andavam suas
coisas com Dom Manuel I, porque não lhe deu o aumento de
100 reais que ele queria e não deixou ir ter com o
amigo pelo lado português. Portanto, que o esperasse lá, que o Francisco
Serrão o esperasse lá nas Molucas que ele lá iria ter com
ele. E de facto ficou isso combinado. O Francisco Serrão ficou à
espera que o Fernando Magalhães lá fosse ter, por via ocidental, porque
por via oriental o Dom Manuel não o deixou e, portanto, ele,
aborrecido, foi-se pôr ao serviço dos espanhóis, afim, é melhor dizer castelhanos,
porque eles eram mais próprios de castelhanos. E o Francisco de León
estava à espera dele. Só que o Francisco de León teve azar,
porque também morreu em 1521, foi envenenado, enquanto estava à espera do...
E teria
tido que esperar muito tempo
de qualquer forma. Mas o Fernando Magalhães estava a chegar às Filipinas,
que é a norte, há mil quilómetros das Molucas. Estava, realmente, perto.
Mil quilómetros não é nada. Para quem faz milhares e milhares de
quilómetros, mil quilómetros estava quase a chegar. Mas teve azar ele de
chegar às Filipinas no dia 16 de março e está tudo bem
controlado, esta viagem é muito bem conhecida porque tem grande cronista que
é o António Pigafete e tem piloto que escreveu diário que é
o Francisco Alves, portanto está tudo documentado rigorosamente, conhece-se muito, há umas
duvidasitas, mas conhece-se tudo. E então, sabe-se que quando ele estava a
chegar em 16 de março de 1521, foi na altura que o
Francisco de Serrão viu-se envolvido em problemas nas mulucas e foi envenenado
e morreu, queitado, e já não pôde encontrar-se. Até porque entretanto, também
logo a seguir morreu o Fernando Magalhães. Eu gosto de dizer, enfim,
é bocado tétrico, mas em 1521 morreram todos. Morreu o Fernando Magalhães,
morreu o Francisco Serrão, morreu o Dom Manuel. Portanto, digamos que há
assim os protagonistas desta história, eu gosto de ser por bocado moral,
na ambição, na ganância de chegar à riqueza, ao domínio, ao fim
do mundo e não sei o quê, e de ter o poder
de todo o mundo, mas morreram todos. Portanto, digamos que foram os
sucessores, neste caso, do Fernando Magalhães, que foi uma figura menor na
altura, que depois se tornou famosa, o Sebastião de Alcântara, que acabou
a viagem de forma ilegal, porque veio pelo lado português. O Dom
Manuel, que não queria que o Fernando Magalhães fizesse essa viagem, que
mandou a ALTEA persegui-lo, também morreu. Portanto, quem ficou com os problemas
foi o filho dele, o João III, que teve a andar a
negociar com o Carlos V e tiveram de assinar o Tratado de
Saragossa em 1529 para resolucionar o problema. Portanto, haverá aqui muitos problemas,
mas o Fernando Magalhães, em 1516, quando ele começou a ter estas
ideias, ou há fidalgo português que diz, ficámos todos muito admirados que
o Fernando Magalhães tivesse essas ideias, porque ele mesmo tinha dito, estava
muito sossegado. Ele só não ficou sossegado quando o rei não lhe
deu o aumento dos R$ 100 por mês no salário, que não
era grande coisa, era uma coisa quase simbólica, que o iria promover
socialmente. O rei, com as intrigas, não lhe deu o aumento. Aliás,
andaram a discutir até o salário. Porque parece que ele queria 200
reais, o rei só dava 100 reais, ele queria mais os outros
100 reais. Andaram nesta discussão e depois o Flamengo disse, então deixa-me
ir lá ter com o meu amigo lá ao Oriente. Também não.
Então, ah não, então vamos embora. E então foi assim que o
projeto nasceu e ele quando chegou a Espanha, a Castela, era muito
famoso por causa das navegações que tinha feito e prometi porque ele
tinha feito cálculos e tinha mapas e tudo com o Faleiro, o
seu amigo Faleiro. O Rui Faleiro. O Rui Faleiro que tinha conhecimentos
astronómicos, embora o Rui Faleiro não é muito conhecido e ele era
bocado teórico, na prática algumas das ideias que ele tinha não eram
muito rigorosas, a gente sabe por momentos, mas a verdade é que
o Fernando Magalhães confiava nele para ser o cientista da expedição. Ele
era o executivo e ele era o cientista.
José Maria Pimentel
O Rui Faler é uma personagem muito interessante porque quando o Carlos
I lhe concede a autorização para a viagem eles veem como... Quer
dizer, se aquilo fosse uma empresa eles eram sócios a 50% de
cada uma. O Fernando Magalhães e o Rui Faleiro, o que é
incrível, depois o Rui Faleiro como... Enfim, acho que ele tinha... Era
depressivo, ou enfim, tinha problemas de saúde mental, iríamos nós hoje em
dia, e
portanto acabou por não ir na viagem, teve que ser substituído. Mas
ao mesmo tempo é engraçado porque essa parceria mostra o lado, enfim,
diríamos científico ou proto-científico no mínimo, que a viagem tinha porque ele
era cosmologista na prática, não era?
José Manuel Garcia
difícil, mas mesmo assim era possível, porque havia, através da Lua, dos
astros, as posições dos astros, era preciso haver bom astrónomo para conseguir
fazer isso, e nomeadamente o substituto científico do Faleiro, que foi o
André de San Martín, que era astrónomo espanhol que acabou por ter
algum protagonismo durante a viagem, ele conseguia determinar bastante bem a longitude.
Portanto, não é completamente impossível, não era preciso cronómetros como se inventaram
no século XVIII para conseguir, embora houvesse sempre muitas discussões. Porque, de
facto, quando o Fernando Magalhães tinha feito os seus cálculos com o
Faleiro, a verdade é que ele falhou por muito pouco. Enquanto os
espanhóis diziam que o antemardiano passava pelo Rio Ganges ou por Malaca,
estava a errar mais de 4 mil a 5 mil quilómetros, enquanto
que o Fernando Magalhães, nos cálculos que ele fez e apresentou ao
Carlos V, só falhava.
José Manuel Garcia
por pouco. Mas por muito pouco, aquilo era uma discussão que havia
ali de 400, 300, 400, 500 quilómetros. Eles não... É muito pouco,
mas ele achava que valia a pena arriscar porque ele achava que
conseguiria provar mas falhou, porque de facto depois quando ele chegar às
Filipinas, esse é o grande mistério que existe, de acordo com o
depoimento do Francisco Alves, que era o piloto principal que acabou por
sobreviver a todas estas crises e mortes e dificuldades da viagem. Foi
o único piloto que escapou entre os 18 que regressaram a Sevilha,
porque houve uns que ficaram em Cabo Verde, depois voltaram também, não
foram só 18 como se costuma dizer, foram 18 mais ou instantes.
A verdade é que o único piloto que ficou foi o Francisco
Alves, que aliás era grego, e que tinha feito cálculos muito rigorosos,
segundo parece, também baseado no que o São Martins teria lhe dito,
que ele é que era o especialista. E então, quando ele chega
às Filipinas, ele diz as Filipinas estão a 189 graus da linha
do Meridiano que passava pelo Equador e passava pelo Abelém do Pará,
pela zona da Foz do Amazonas, por aquela zona... Portanto, contando 180
graus para o lado espanhol, tinham passado 9 graus. Portanto, 9 graus,
as molucas estavam no lado português.
José Maria Pimentel
Só para seguir a linha temporal, desde a ideia da viagem, à
preparação da viagem, à viagem propriamente dita. Ainda no terreno da ideia,
há aspecto que eu não sei se percebo completamente ou não sei
se consigo avaliar completamente porque por lado a ideia de Magalhães em
certo sentido passa a seguir do que já foi feito o Colombo
descobre a América, os portugueses chegam ao Brasil, já tinham ido pouco
abaixo do Brasil já tinha havido navegadores creio que espanhóis na zona
do Panamá que terão visto o outro lado, portanto, sabia-se que havia
oceano do outro lado. O continente devia ser finito à partida, a
não ser que fosse muito diferente do lado ocidental e, portanto, o
passo a seguir seria até estar a contornar para baixo, como os
portugueses tinham feito com o cabo da boa esperança,
não é?
Isto num certo sentido, não é? Exatamente. Num outro sentido. Exato. Era
terreno desconhecido e era, quer dizer, o que nós poderíamos dizer uma
certa maloqueira, não é? Tipo de lançar-se à aventura, a tentar passar
estreito ou cabo, não é? Que não se tinha a certeza de
se existir, do lado sul do continente americano, e a atravessar oceano
cuja extensão também não se sabia. Não era aquela questão, aquele mito
que havia antigamente, que as pessoas achavam que a Terra era plana,
não se sabiam perfeitamente que era globo, mas não tinham noção provavelmente
da verdadeira dimensão da massa que o esperava ali. Ou seja, o
que é que é verdade, entre a primeira explicação que é pouco
mais corriqueira, dizer, no fundo, Magalhães fez o que qualquer outra pessoa
teria feito, qualquer outra pessoa, isto é, o que muitos navegadores teriam
feito, que era o passo a seguir de controlar o continente americano,
ou o outro lado dizer que o que ele fez foi uma
coisa completamente audaciosa e tão fora que, se ele não tivesse feito,
ninguém o teria feito, pelo menos nas décadas seguintes.
José Manuel Garcia
Eu acho que as duas posições estão corretas, de certa forma, porque
o Fernando de Magalhães, ele era conhecedor, sobretudo, do Oriente e tinha
uma noção da dimensão do mundo bastante rigorosa, porque de facto a
ideia dele na prática era a ideia de Gustavo Colombo e a
ideia de Gustavo Colombo é a ideia do Paulo Toscanelli. Foi Paulo
Toscanelli que teve a ideia em 1474 e depois o Gustavo Colombo
estava em Lisboa, apanhou a carta do Toscanelli para o rei do
Afonso V e para o Fernando Martins, portanto ele apanhou a ideia
porque o Toscanelli é que teve a ideia de ir para o
ocidente.
Quem é o Toscanelli?
O Toscanelli era grande astrónomo florentino que tinha correspondência com a corte
portuguesa e que era amigo de Fernando Martins que tinha estado a
discutir problemas geográficos em Florença e depois ele pediu, o Fernando Matisse
pediu ao Toscanelli para lhe dar a informação qual é que era
o melhor caminho para chegar à Índia, à Ásia. Se era pelo
lado dos portugueses que andavam na África do Sul, andavam a explorar
a África para chegar à Índia, que é lógico, não é? Mas
eles tinham, o Tosca Nelo tinha uma ideia muito avançada que era
vamos para o Cidete que é mais perto, porque ele achava que
o mundo era pequenino. Mas não eram os portugueses que sabiam que
o mundo era maior por causa do cálculo do grau terrestre.
José Manuel Garcia
Sim, havia... Na Grécia tinha-se conseguido determinar teoricamente a dimensão do mundo,
mas essas ideias foram-se perdendo. E de facto, quando, por exemplo, esse
Tosca Anelli, mesmo a Árabes e tudo tinham calculado a dimensão do
mundo, a maior parte deles falhava porque achava que o mundo era
mais pequeno. E o Tosca Anelli manda cálculo da separação de Lisboa
até Cipango, o Japão e a China e não sei o quê,
que era muito pequenina. E então ele achava que os portugueses que
fossem de Lisboa para a Ásia facilmente conseguiam atravessar o Atlântico e
chegar à Ásia do outro lado. E o Cristóvão Colombo apanhou essa
carta, copiou, aliás a gente conhece essa carta do famoso Tosca Anelli
que inspirou, porque não foi ele que inventou, foi o Tosca Anelli.
O Colombo
José Manuel Garcia
Foi o Tosca Anelli, que é conhecido, mas que foi ele o
cérebro, aliás o Tosca Anelli também já se baseou noutras ideias. Mas
de qualquer maneira o ponto de partida é, o Tosca Anelli enviou
a mensagem, Os portugueses não ligaram nada a Toscanelli. Quem é que
ligou? O outro italiano, o genovese, o Cristóvão Colombo, que disse eu
consigo fazer isso, só que o D. José II não lhe deu
o apoio. E é verdade. O D. José II disse, não, não,
isso você está enganado porque o mundo é muito maior, até teoricamente
a gente pode lá ir para o Oriente pelo Oceano Atlântico, mas
é muito longe, não dá resultado nenhum.
E tinha razão.
E tinha razão, porque de facto o D. João II dizia, bom
é capaz de ver umas ilhas, portugueses andavam à procura de ilhas
no Atlântico, mas não conseguiam encontrar, tirando os Açores e a Bandeira
e o Capo Verde e São Tomé, não conseguiam encontrar muito para
longe. Mas ele disse, não, nós conseguimos encontrar. E então, como o
2º não lhe deu apoio, foi-se pôr a pedir apoio aos reis
católicos, Fernando e Isabel, que lhe deram apoio em 1422, e descobriu
a América, embora, como sabemos, por erro tremendo. Aliás, é apontamento que
eu gosto de dizer, que a história da América tem dois erros
fantásticos, que foi o Cristóvão Columbus e que tinha chegado à Ásia
quando chegou à América, e depois o nome da América ter sido
posto de uma forma completamente errada, porque houve senhor, Wandschmiel, que escreveu
em 1507, que ah, este continente devia ser, eles descobriram na altura
que era continente, não era a Ásia, que isso devia ser chamado
Américo, em homenagem ao Américo Vespúcio, que ele é que descobriu a
América e portanto deve-se chamar Américo. Errado, Obviamente não foi o Américo
Vespúcio que descobriu a América. Ele tinha andado a divulgar que aquilo
era novo continente, mas foi muito depois do Gustavo Colombo. Portanto, ninguém
ligou ao Gustavo Colombo como descobridor. Não se chamou Colômbia, como depois
há país chamado Colombo, mas não se chamou a América Colômbia de
Colombo, chamou-se de Colombo por erro. Portanto, a história está cheia de
erros. E do Fernando Magalhães, só para ir diretamente ao assunto, o
Fernando Magalhães sabia que piloto português que chamava João de Lisboa, em
1514, que o Fernando Magalhães conhecia porque também foi a Azamor, como
ao Fernando Magalhães, ali a Marrocos. Isto é uma coisa que nem
os próprios argentinos, nem os uruguais têm uma noção, infelizmente a história
está mal divulgada. O João de Lisboa foi de Lisboa para o
Rio da Prata em 1514 e depois, até falou aliás, alemães que
divulgaram isso numa carta em alemão etc. Que ele pensava que por
aquele rio da prata que era o ponto mais azul da América
do Sul que se conhecia, que se por ali haveria caminho que
podia dar para Malaca. E então o Fernando Magalhães disse, bom, então
é por ali mesmo. E ainda por cima, é muito curioso, porque
a latitude do Rio da Prata é a mesma latitude do cabo
da Boa Esperança. Então, 34, 35 graus. E ele disse, é por
ali de certeza. E então ele andou a dizer ao Carlos Quintal,
eu sei esse caminho e ele aliás tem mapa que mandou fazer
aos cartógrafos portugueses Pedro e Jorge Reinelen que tinha o capo de
Santa Maria que era o Rio da Prata e que era só
ir por ali adiante só que quando ele lá chega em 1520,
bom, isto afinal não, isto é rio enorme, não é? A foz
do rio, então pronto, é enorme, eles pensaram que de facto havia
por ali uma passagem, mas não havia. E então tiveram de ir
para o sul, com grande sacrifício e tal, porque ele não desistiu.
Porque ele estava a acreditar numa coisa que também falhou, não era
o extremo sul da América, o extremo sul ainda era muito para
baixo.
José Maria Pimentel
Já lá vamos. Já disse isto várias vezes. Queria só fechar, enfim,
o projeto é ver, ele consegue que o projeto seja aceito pelo
Carlos I e depois disso tudo tem uma série de peripécias, eu
recomendo que esteja a ouvir, que leia o seu livro ou se
forem mais preguiçosos que vejam o documentário que passou na RTP, que
está muito giro portanto, tudo isto tem uma série de peripécias. Há
ponto que eu confesso que também não tenho a certeza de entender
completamente, que é o seguinte, fala-se muito da oposição que houve ao
projeto, tanto do lado português, ou seja, tanto da coroa portuguesa, que
terá tentado sabotar vários níveis, como dos próprios espanhóis, que viam o
Magalhães como sendo português e, portanto, desconfiavam por aí. É muito fácil,
perante estes factos, a pessoa extrapolar daqui certo anacronismo, que é interpretar
estes factos à luz da cultura de hoje, que vivemos num tempo
de Estados-nação, em que a nacionalidade tem peso e tem, sobretudo, carácter
discreto que não tinha naquela altura. Naquela altura a noção de ser
português ou espanhol ou de ser castelhano não era tão impositiva como
é hoje. Porém, é muitas vezes referido naquele caso. Ou seja, o
que é que aquilo queria dizer na verdade? Porque na altura o
próprio Magalhães diria que era mais alguém que servia ao rei português
do que propriamente português de nacionalidade, como nós diríamos hoje, não é?
Mas daí se é muito referido, não é? Aquilo era mesmo o
facto, ou seja, havia mesmo essa, por lado, essa rivalidade entre cruas
e por outro lado a desconfiança por ele ser português?
José Manuel Garcia
Havia uma desconfiança da parte, digamos, de rivais castelhanos que não viam
com bons olhos o Carlos V ter confiado num português. A verdade
é que o Carlos V confiou num português porque os castelhanos não
eram capazes de lá ir. Porque a verdade é que os castelhanos
já tinham feito várias tentativas de passar para o outro lado, para
o chamado Mar do Sul, que é o Pacífico, que foi avistado
em 1513 pelo Balboa. Lá no Panamá? Exato, no Panamá, ele chama-lhe
Mar do Sul, no Panamá ou Oceano Pacífico, chama-lhe em 1513 e
até 1521, até a altura em que o Fernando Magalhães atravessa o
Pacífico e lhe chama Pacífico, então a partir daí é Oceano Pacífico
e já não é Mar do Sul, porque foi o Balboa que
lhe chamou. Mas de qualquer maneira os espanhóis tentaram de todas as
maneiras possíveis imaginárias passar aquela barreira. Porque para os espanhóis a América
era muito aborrecida porque aquilo não dava riqueza nenhuma na altura, só
que depois mais tarde, em 1821 precisamente, é que quando o Cortês
conquista o México e vem muito ouro, começa a vir ouro, mas
até à altura da viagem do Fernando Magalhães, aquela América era uma
barreira, aquilo que eles queriam era passar da América para ires buscar
as especiarias. Era uma chatice literalmente. E o Fernando Magalhães é que
conseguiu provar, ou pelo menos tinha uma teoria consistente, porque ele tinha
uma grande experiência do Oriente, sabia navegar e ele com a persistência,
viu que era muito persistente, o Carlos I de Castela e deu-lhe
todo o apoio. Agora, os espanhóis, temos de reconhecer, ficaram com inveja
e não queriam reconhecer e fizeram-se para oposição interna, porque eles obedeceram
ao Carlos. Bom, vamos ter de ir com ele para fascílico navio,
quatro capitães castelhanos, e tiveram de ir com ele, porque o Eiffeler
ficou pelo caminho por problemas de saúde mental, que ele de facto
estava ao nível do Fernão Magalhães, eram os dois metade metade. Mas
só como ele entretanto não teve saúde mental, ele acabou por ficar
em Sevilha e não foi. De modo que os outros capitães que
foram, foram para obedecer ao rei porque eles por lado não tinham
conhecimento nenhum, aqueles quatro capitais, não, por acaso havia que era o
João Serrão, esse que era capitão.
José Manuel Garcia
dizem que é português, mas esse parece que não, poderia ter uma
origem portuguesa remota, mas ele era mesmo castelhano. O João Serrão, há
uns que até diziam que era parente do Francisco Serrão, se era,
porque havia muitos portugueses que tinham ido para a Espanha ao serviço,
eram muitos pilotos. Por exemplo, três dos pilotos que o Fernando Magalhães
levava, os três pilotos mais importantes do Fernão Magalhães eram portugueses que
tinham ido por-se ao serviço de Castela em Espanha, não é? Portanto,
o João Serrão era capitão do navio mais pequeno, o Santiago, e
era piloto também, esse era mesmo piloto. Os outros eram pilotos, era
fundamentalmente portugueses, é o que sabiam mais navegar, não é? E, portanto,
o Fernão Magalhães estava convicto daquela possibilidade que foi balde de água
fria, que ele e todos tiveram, pois aliás os castelhanos queriam voltar
para trás porque viram que aquilo tinha falhado no Rio da Prata.
E então Fernando Magalhães é que foi mentor, porque se não fosse
ele, eles tinham voltado para trás. Aliás, como sabes, fizeram uma conspiração
no puerto de São Juliá, na Argentina, que queriam obrigar o Fernando
Magalhães a voltar para trás, mas ele conseguiu vencer os revoltosos na
prática, porque os castelhanos nunca conseguiram, por isso é que ele viu
que era homem de confiança
José Maria Pimentel
e conseguiu persuadir o Carlos I. Desculpe-te, eu insisti neste ponto, mas
a minha dúvida é como é que nós podemos explicar alguém que
vive no século XXI no contexto em que o Estado-nação é ainda,
apesar de tudo, uma coisa importante, se calhar menos do que já
foi no passado, mas ainda é importante, não é, que nós temos
este conceito de nacionalidade partilhada que corresponde às fronteiras políticas, ou seja,
nós sentiremos alguém que vive perto da fronteira com o Espanha, como
igualmente portugueses, e depois passamos para lá e a pessoa já é
espanhola e sente-se tão espanhola como uma pessoa que vive... Enfim, eu
ia dizer em Barcelona, e se calhar não tanto, mas pelo menos
bastante mais distante. Naquela altura não acontecia isto, ou seja, tudo isto
era muito mais difuso. O que é que aquilo era verdadeiramente? Ou
seja, havia mesmo... A nacionalidade tinha mesmo ali peso, na antipatia que
muitos castelhanos, ou seja, muitos outros pilotos, outros marinheiros, tinham em relação
a ele, ou aquilo no fundo era uma, diríamos hoje, uma rivalidade
profissional mascarada, ou legitimada de certa forma, de uma espécie de aversão
nacionalista?
José Manuel Garcia
Exatamente. Só que aqui podemos dizer, até porque os portugueses e os
espanhóis eram rivais, mas por outro lado, entendiam-se devido à política de
casamentos. Nomeadamente, por exemplo, o D. Manuel casou com três mulheres de
Castela. A primeira era filha dos reis católicos, a primeira e a
segunda mulher e a terceira era irmã de Carlos V. Portanto, eles
queriam muita aproximação, aliás havia a ambição, até de... O D. Manuel
teve a ambição de ser rei da Península Ibérica toda, mas a
primeira mulher morreu e não conseguiu ser Rei. Mas havia uma rivalidade
grande. Só que de facto o Fernando Magalhães, quando se pôe ao
serviço de Carlos V, ele anteriormente quase que parece que teria acontecido
isso, quando ele se vai embora, ele pede a autorização ao Rei
de Dom Manuel, posso-me pôr ao serviço, já que você não me
dá o que eu quero, posso-me pôr ao serviço do Rei de
Castela?" Ele disse, vá-se embora, pode fazer o que quiser que eu
não tenho nada a ver com isso. Só que o D. Manuel
na prática não estava a pensar que ele ia fazer projeto que
o prejudicasse, porque o D. Manuel era muito decioso dos seus bens,
para ele desde o Brasil até às Molucas e à China era
tudo dele. Mas quando ele depois soube que o Fernando Magalhães andava
na corte do Carlos V, aliás é uma situação paradoxal, e os
embaixadores portugueses na coroa de Castela diziam ao Carlos I, Carlos V
depois imperador, tenta você agora andar aqui a negociar o seu casamento
com a irmã, a dona Leonora, a irmã do Carlos V e
andar a dar apoio a traidor português que quer prejudicar os interesses
do nosso rei, que vai casar com a sua irmã. Isso não
está bem feito. Só que o Carlos V dizia, não, isto são
interesses económicos, nós somos amigos, somos familiares, é tudo família, aquilo era
tudo sempre família de portugueses e castelhanos, mas há interesse económico. O
Fernando Magalhães é homem prático e científico, disse-me isso. Ele pôs só
o meu serviço, já não está ao serviço do rei de Portugal.
José Manuel Garcia
estava a cumprir porque ele dizia que aquilo era parte dele. E
o Carlos V deu seu cobertor ao Ferdão Magalhães até ao fim
e acreditava mesmo nele, porque os rivais, como lhe disse há pouco,
Os três dos capitães nunca tinham entrado num barco. De modo que
era só porque eram fidalgos que alguém tinha de ir lá a
comandar os navios porque o faleiro falhou. E então podemos dizer que
havia da parte dos castelhanos iam lá a fazer frete para controlar
de certa forma o Fernando Magalhães e não conseguiram controlar. Portanto, o
Fernando Magalhães impôs, aliás, é de salientar o facto, a viagem foi
quase toda feita sempre sob o comando dos portugueses, porque foi primeiro
pelo Fernando Magalhães, depois pelo seu primo Mesquita e depois a seguir
pelo outro familiar dele que era o Barbosa, Eduardo Barbosa.
Era o que andava?
O Fernando Barbosa era sobrinho do sogro de Fernando Magalhães. Casou com
uma filha de português em Sevilha, Barbosa, e casou com essa filha
desse importante português que estava em Sevilha, porque havia muitos portugueses ao
serviço dos reis de Castela também e ganham muita influência. E depois
os dirigentes dos navios tinham o tal João Serrão, que era castelhano.
Na prática aquilo era tudo controlado pelos portugueses. Aliás, note-se, além do
Fernando Magalhães, houve 33 portugueses em 237 homens da expedição.
José Manuel Garcia
nacionalidade. Mas tinha muitos italianos, tinha muitos franceses, até tinha inglês, só
foi Eram irlandeses, gregos, holandeses, flamengos e alemães e tudo. Era todos
os países da Europa. Aquilo é projeto europeu dos 237, 34, que
incluindo o Francisco Magalhães, eram portugueses. De modo que os portugueses eram
bem pagos porque inicialmente temos de reconhecer os castelhanos e espanhóis no
conjunto, não acreditavam muito na expedição e então tiveram de recrutar muita
gente fora de...
José Manuel Garcia
depois os pilotos, a maior parte eram portugueses e os representantes eram
de todas as nacionalidades, sobretudo irlandes e franceses, de modo que os
castelhanos eram a maioria, mas mesmo assim havia uma representação muito forte
de todas as nacionalidades. Portanto, era projeto europeu controlado pelo Carlos V,
de orientação científica única, exclusivamente português. O projeto foi único, exclusivamente castelhano,
mas sob a orientação toda dos portugueses. Não só de Fernando Magalhães,
mas do Mesquita e do Barbosa, que são os protagonistas da viagem,
na prática. Tirando os espanhóis que foram ficados pelo caminho, que foram
mortos e executados, porque se revoltaram contra o Fernando Magalhães.
José Maria Pimentel
E esse ponto que referiu anteriormente, acho interessante porque houve algumas figuras
carcelianas importantes que foram, até, enfim, nobres, quer dizer, com poder na
corte, que foram na viagem e que tiveram por trás do mutim
que depois, ou de mais do que até, na verdade, que ocorreram
durante a viagem. E o Zé Manel disse que eles de certa
forma estavam, quer dizer, não é que fossem, para usar termos dojos,
na desportiva, mas de certa forma eles estavam... A ideia que eles
tinham não era a mesma de Magalhães no sentido das provações que
eles estavam dispostos a sofrer. O que também explica depois o que
veio a acontecer, não é? Porque enquanto Magalhães estava... Quer dizer, aquilo
era quase uma missão de vida, não é? Ele ia até onde
fosse preciso e ele tinha, enfim, ele teria noção do que estava
a arriscar fortemente a vida, não é?
E
eles não estavam dispostos a isso,
José Manuel Garcia
É, é, porque eles, como disse há pouco, utilizando assim verbo bocado
vulgar, eles estavam a fazer frete porque eles não estavam para ali
virados, mas como o rei os obrigou a ir e eles foram,
tiveram de cumprir, só que eles iam a ver o que é
que aquilo dava, não é? Portanto, o segundo...
José Maria Pimentel
Portanto, quando acontece... Desculpe interromper, quando... Estamos outra vez a ir pouco
à frente, mas quando o cruzar do continente americano pelo sul, ou
seja, a passagem do Estreito se revela estar muito mais a sul
do que se achava. E quanto ao ponto de vista do Magalhães,
acho que ele chegou a dizer que ia quase até a Antártida.
Para eles não, quer dizer, para eles ok, então afinal o Rio
da Prata é rio e não é Estreito, vamos embora,
José Manuel Garcia
Pois, parece que sim. Parece que era o filho ilegítimo. Era uma
figura bastante... Não está aprovado cientificamente, mas toda a gente diz que
sim, e eu também admito que sim, portanto era muito próximo e
por isso é que foi escolhido para substituir precisamente o Rui Falero,
que ficou pelo caminho e então ele foi substituído para controlar o
Fernando Magalhães, portanto e depois ele revoltava, disse, mas eu sou o
segundo, tenho de saber tudo. Mas o Fernando Magalhães disse, não, Eu
é que sei. Eu é que sei.
José Manuel Garcia
Não deixava ninguém, digamos, discutir as ideias dele. De tal forma que
ele logo, passado de Cabo Verde, ainda no meio do Atlético, ele
manda prender o Juan de Cartagena, que vai preso até chegar ao
puerto de Sarrulhão, onde eles se revoltam contra o Fernando Malhão. Eles
dizem-lhe, sorrida prata, não foi a passagem, a gente não sabe lá
onde é que isto vai ter. Tanto mais que a costa de
Argentina era muito árida, aquilo não tinha interesse nenhum, era muito frio
e havia muitas tempestades, e eles tiveram de parar durante três meses
em Puerto de São Julián. Foi aí que eles se revoltaram. Vamos
aí embora.
Passar o inverno.
Isto aqui não interessa nada. E então ele consegue superar e vencer
a revolta e depois quando finalmente chegam ao Estreito de Magalhães, conseguem
entrar no Estreito de Magalhães, que perceberam que ia dar ligação ao
Mar do Sul, ao Pacífico. Aí ainda por cima há uma outra,
a grande traição que resultou de português, do Porto, o Estevão Gomes,
que é uma coisa incrível, que na altura era o principal responsável
da pilotagem da Nau Santa Tónia, que era a maior da Armada,
e então obriga a Santa Tónia a regressar a Espanha, pronto, à
Polícia Libérica, a Sevilha, e os outros três navios continuam, porque entretanto
tinha havido o do Santiago, do João Serrão, que tinha naufragado na
Argentina. E então, portanto, ele tem de enfrentar o desconhecido e impõe,
impõe alegadamente a discutir, vale a pena ou não vale a pena,
porque haviam uns que diziam, não, a gente já descobriu o estreito,
agora vamos embora, vamos reabastecer e voltamos outra vez. E o Fernando
Magalhães disse, temos de ir para a frente, porque eu prometi ao
Imperador Carlos V, na altura já era Imperador Carlos V, que ia
conseguir e por outro lado sabia que não podia voltar para Portugal,
porque senão o rei também o matava, de modo que ele não
tinha outra alternativa, se ir para a frente. E ele tinha o
apoio da maioria dos tripulantes. Portanto, só alguns castelhanos que se tentaram
revoltar e os do Santo António que voltaram. Ainda houve cenas de
grande violência porque o Estevão Gomes, português do Porto, teve de lutar
contra o Álvaro Mosquita, que era o primo do Magalhães de Estremoues,
tiveram os dois portugueses a andar à luta, até que o Álvaro
Mosquita, coitado, é preso e depois vai até ficar preso em Sevilha
porque ele dizia que não estava a obedecer às ordens e não
sei o quê, portanto voltam todos para trás nessa nossa datória e
o Fernando Magalhães ficou frustradíssimo, nunca pensou que o atraiçoassem.
José Manuel Garcia
a capitanear o barco, não é? Sim, sim, exatamente, era porque ele
queria, o Estevão Gomes queria ser o capitão e então não queria
que fosse o Álvaro Mosquita que não teria experiência também, mas era
primo, era por ser família. E ele ficou revoltado, então agora eu
devia ser o capitão, tal como o João Serrão era, ele também
devia ser. Mas não, O Frato foi revoltado e mesmo o outro
capitão, que era o Eduardo Barbosa, também era português. Eu disse, agora
estão todos portugueses aqui a me comandar e eu que sei navegar
não sou capitão. E então revoltou-se e foi uma frustração muito grande
para o Fernando Magalhães.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione
a opção apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon,
bem como os benefícios associados a cada modalidade. A passagem da América,
eu acho que isto é mais ou menos consensual, quer dizer, a
parte mais importante da viagem é, no fundo, aquilo que ficou para
a história e é também ali que se gasta grande parte do
tempo da viagem. Eles levam quase ano, desde o momento em que
eles começam a descer do... Portanto, de voltar ao Brasil, desde o
momento em que eles começam a descer à procura da passagem até
o momento em que conseguem passar, passa-se a vir quase ano, ou
seja, eles andam ali há imenso tempo, eles primeiro encontram essa espécie
de anciada que puseram no Rio da Prata, depois encontram outra e
depois vão descendo, vão descendo. O que é incrível, a vista a
esta distância é a distância que está entre o ponto que eles
achavam que era de passagem e o estreito que depois veio a
ser conhecido por Estreito de Magalhães porque de facto era aquilo que
o Zé Manuel dizia há bocadinho, que é esse ponto que eles
achavam coincidia basicamente com a latitude do Cabo da Boa Esperança, mas
se nós olharmos para o mapa a ponta da América, e eles
não foram bem pela ponta, foram ali recortezinho. Mas o Estreito de
Magalhães está, não sei quantos graus abaixo.
José Manuel Garcia
Sim, não sei até onde eles iam aguentar, porque o Fernando Magalhães
teve de esperar mais de 3 meses no Puerto São Juliano, sítio
também inóspito, por causa de esperar encontrar tempo melhor. E depois quando
o tempo melhorou ainda tiveram de esperar mais tempo, portanto porque realmente
não foi ano, mas foi muitos meses e depois eles demoraram mês
a atravessar o estreito de Magalhães, que são 600 quilómetros, não é
muito, mas porque entretanto andaram à procura da Santa Tónia que tinha
fugido e isso durou muito tempo.
Voltaram para
trás, andaram ali à espera, não sei o quê, porque eles teoricamente,
embora fossem a explorar, eles apanharam uma época boa em outubro, que
era uma época relativamente boa em que aquilo não estava tão gelado
e congelado como aquilo geralmente costuma estar. E eles tiveram de esperar,
por isso é que tiveram tanto tempo à espera lá no Porto
São Rolinhão. E quando conseguiram passar, até conseguiram, com muita habilidade, conseguiram
passar, porque o Estreito de Magalhães é perigoso, mas eles até nem
tiveram grande problema.
Demoraram
mês, mês, mês a passar, pouco mais de mês. Por causa de
andar à procura da Santa Tânia, senão tinha feito mais depressa. E
eu estive lá no Estreito do Magalhães e aquilo de facto é
impressionante, mas é relativamente largo. Aquilo é quase do tamanho da largura
do Mar da Palha, portanto, aqui em Lisboa.
José Manuel Garcia
Exatamente, não teve pontos de apoio. Teve bom tempo, durante uns meses,
foi sempre com uma boa velocidade e conseguiu atravessar, porque ele tinha
uma vaga noção da dimensão do mundo. Porque, pá, uma das coisas
mais importantes Na viagem de Fernando Magalhães, que eu digo sempre, foi
que... E por isso é que eu digo que o Fernando Magalhães
foi o maior navegador e descobridor de todos os tempos, mais que
o Vastra Gama, Cristóvão Colombo e todos os outros. Porquê? Porque o
Fernando Magalhães... Isto é muito importante as pessoas terem uma noção que
geralmente não têm. O Fernando Magalhães, à conta dele, descobriu metade do
mundo. Porque nós quando começamos a ver, por exemplo, ele começa a
descobrir a partir do Rio da Prata. Para baixo é por margem
do cadáver dos navegantes, como dizia o Ramon, mas ninguém conhecia aquilo.
Então desde a longitude, se a gente medir num mapa, no
José Manuel Garcia
longitude do Rio da Prata e depois formos a medir a longitude
onde está as Filipinas, Cebu, onde ele foi ter-a, são 20 mil
quilómetros. Se a gente mede no Equador, que as distâncias devem ser
medidas no Equador, 20 mil quilómetros. O Equador tem 40 mil, portanto
ele fez 20 mil desde o Rio da Prata até Cebu, fez
metade do mundo porque não era conhecido. É evidente que a maior
parte dessa viagem foi pelo Pacífico e é só água. Aliás, também
é outra grande vantagem dele. Ele descobriu que o maior oceano era
o Pacífico e que a Terra tem mais água do que Terra.
Foi ele que descobriu, porque anteriormente ninguém tinha uma noção exata. Embora
quando ele vai começar a viagem em 1919, com esse mapa que
ele mandou fazer aos cartógrafos portugueses Jorge e o pai, o Pedro
Reinel. Esse mapa que é fabuloso, foi mapa que se perdeu infelizmente,
mas há uma boa cópia desse mapa que estava na Alemanha e
que desapareceu, mas esse mapa mostra que ele já tinha uma noção
que desde o Rio da Prata até às Molucas, onde ele pensava
que era, havia muita água. De modo que ele até tinha uma
noção, enquanto que os outros não
tinham noção nenhuma. Esse mapa é
muito giro. Esse mapa, ele mostra...
José Manuel Garcia
E teve a grande coragem porque ninguém tinha ido tão longe. Os
portugueses já tinham andado a explorar o Atlântico, mas nunca foram tão
longe o que o Cristóvão Colombo. Com aquela ganância também de chegar
à Ásia, ele chegou lá e disse, cheguei a descobrir a Ásia,
a Índia, o Cipanga, etc. O Vasco da Gama dá uma viagem
incrível para chegar à Índia, mas ele descobriu o Atlântico Sul todo,
deu a volta toda ao Atlântico Sul, mas depois foi ao longo
da África Oriental, depois a seguir teve piloto em Melindo que o
levou a Calicú, da Índia, não sei o quê. Pronto, aquilo foi
mais ou menos controlado. Foi controlado. Este não, este era por demais
nunca desnavegados, como eu disse, insisto, toda a gente devia saber na
minha opinião, ele descobriu metade do muro, mesmo que fosse quase tudo
água. E a parte da América do Sul que ele descobriu, ele
descobriu a Argentina desde o Rio da Prata até aos Três Magalhães,
depois descobriu parte da costa chilena, que também não lhe interessava nada,
e depois então descobriu parte da costa chilena e que ele vai
atravessar o Pacífico até chegar às Filipinas, que nunca ninguém tinha ido,
ninguém tinha chegado às Filipinas. De europeus, os europeus nunca lá tinham
ido.
José Manuel Garcia
não é? Aliás, repare que há problema muito grande nesse aspecto que
de certa forma a viagem de Franco Moglese acabou por não ter
resultado eficaz porque os espanhóis depois ainda fizeram mais uma viagem pelo
Estreito Magalhães, mas depois deixaram de fazer porque era muito complicado. Era
muito perigoso. E então preferiram fazer, mas isso foi muito mais tarde,
em 1563, 1563, muito mais tarde. Porque eles não conseguiam voltar. Não
conseguiam voltar no Pacífico desde as Filipinas para o Panamá, não conseguiam
voltar, porque aquilo só pode ser feito no mês de Agosto e
se não for feito no meio de Agosto, até eles descobrirem que
se tinham de fazer a viagem do mês de Agosto das Filipinas
para o Panamá e depois então, quando eles descobriram isso, começaram a
fazer a viagem. Filipinas, Panamá, Panamá, Cuba, Cuba, Espanha.
José Manuel Garcia
Por causa do vento. Por causa das correntes. Porque repare que há
navio, que era aliás o mais importante, que era o navio do
Fernando Magalhães, da Trinidad, quando eles chegam às Molucas e depois devem
regressar, enquanto o Sebastião de Alcano veio pelo Cabo da Boa Esperança,
ilegalmente, pela área portuguesa, o capitão principal, mais importante que o Alcano,
que era o Spinoza, ele tenta fazer aquilo que o Fernando Magalhães
queria fazer, que era vir das Molucas, onde eles tinham acabado por
chegar, tinham de subir quase até à altura do Japão, 40 graus,
mais ou menos à altura do Japão, e depois do Japão é
que iam para o Panamá. O Spinoza queria fazer isso, Só que
foi, não me lembro bem agora... Foi apanhado, é? Acho que foi
depois, foi apanhado por falta de vento. E eles ficaram desesperados, tiveram
de voltar para trás, ser presos pelos portugueses nas Ilhas Molucas, ficaram
presos porque não conseguiam passar. Estavam todos a morrer de doenças e
de alimentos e não conseguiam avançar. Não conseguiram descobrir que era mês
depois, porque eles até tinham percebido, talvez o Magalhães percebesse bocadinho de
vento e disseram, isso depois tem de subir até à altura mais
ou menos que era de Lisboa, Açores devia ser como o Atlântico.
José Manuel Garcia
a longitude. Exatamente. E depois não sabia o tempo, porque às vezes,
por exemplo, nesses mares era muito difícil navegar. Por exemplo, eles só
para ter uma noção desde a Indonésia, Java e Timor e tal,
para ir para as Molucas, eles só tinham certos períodos do ano
para fazer a viagem. Se eles não faziam a viagem nesses anos,
tinham de esperar seis meses para apanhar o vento. A distâncias, às
vezes, 300, 400 quilómetros, não conseguiam fazer. E Isso foi dramático em
certos episódios, como foi o caso do Espinosa, que foi coitado, que
ficou preso lá, depois acabou de ser preso os portugueses, e esse
conseguiu ainda vir, mas a maior parte deles foi morrer pelo caminho.
José Manuel Garcia
não é? Sim, ficaram os do Santo António, que eram 57, esses
sobreviveram, mas não descobriram nada. Saíram do distrito de Magalhães. Mas, por
exemplo, dessa nau Trinidad, que era a principal, só sobreviveram 5 que
chegaram a Portugal e depois de Portugal foram para a Espanha. Mas
só 5, dessa nau, só muito depois, em 1526, é que eles
chegaram e a viagem terminou em 1522. Foi uma viagem muito difícil.
José Manuel Garcia
no meio do gelo, no meio do nada, tiveram lá a reparar
os navios e tal, mas entretanto os alimentos iam-nos escasseando. Percebe
que há aspecto
também picturesco porque dizem, há pessoas, nomeadamente o António Pigafetta, que era
o principal cronista da viagem, italiano, que ele dizia que a viagem
depois do Pacífico, três meses, foi muito difícil, morreu muita gente, não
sei o quê. Pois até nem morreu muita gente. Comparativamente, sim. Com
o que ele diz, ele diz que morreram 19 pessoas. Não, só
morreram 9. Nós sabemos, os espanhóis nessas pedras eram tão cuidadosos que
eles iam assinalando cada morte. Morreu neste dia, outro morreu neste dia,
outro morreu neste dia. E a gente sabe que na travessia do
Pacífico só morreram 9 pessoas. Depois morreram alguns quando chegaram às Filipinas.
Portanto, não morreu tanta gente como isso. E sabe que há uma
história também que eu acho engraçada, que eles quando estavam à espera
do Santo António, andavam ali às voltas, os marinheiros andavam à procura
do Santo António, portanto, exceto dos navios que andava mais à procura,
que foi mais longe, os outros ficaram parados à espera e abasteceram-se
de uma planta chamada o aipo. O aipo que era antiscorbuto.
E Então
eles abasteceram-se imensos e foram comer daquele Aipo. Eles não sabiam, calcularam,
não tinham mais nada para comer verde, precisavam de verdes. E então
conseguiram salvar-se a maior parte deles. Só os do navio que não
tinha apanhado o IPEC foram morrer no Estado de Novo. Os outros
não morreram.
José Manuel Garcia
Eles controlavam-nos e estavam a estragar-se e tudo. Eles depois, quando chegaram
às Filipinas, abasteceram-se basicamente de arroz. Digamos, o pão muito duro que
eles tinham, o escoito, já tinha praticamente acabado e então tiveram de
se abastecer fundamentalmente era arroz. Repare que o Sebastião de Alcântara quando
vem de Timora para a Sevilha, passando por Cabo Verde, eles basicamente
deviam o tempo todo só comer água e arroz. Água e arroz.
Mais nada. Porque entretanto a carne estragava-se, porque não tinham sal para
salgar a carne, portanto, só comiam arroz. E conseguiram, também foram morrendo
muitos pelo caminho, mas conseguiram sobreviver. As condições
a bordo eram uma
coisa incrível. Além dos corbutos, tempestades, mortes e não sei o quê,
nós temos que pensar que aqueles navios quase nem chegavam a 25
metros. De modo que 60 homens, 50 homens em 25 metros, hoje
não conseguimos imaginar. De uma ponta à outra do navio tinham 25
metros e alguns até se criar tinham 20 metros. Mante que está
a haver uma pessoa a viver lá com 40 ou 50 pessoas
lá no meio daquele ambiente tão pequenino. Não há espaço nenhum. Eles
dormiam na coberta lenta, só alguns que iam para a torre ou
se havia uma tempestade ou isso é que se recolhiam ao porão
e tal, mas eles passavam quase todo o tempo ao céu aberto.
José Manuel Garcia
Sim, eram os abastecimentos, água, vinho, alimentos, depois trouxeram as especiarias, quando
a vitória chega aquilo vinha carregado de especiarias por todo lado, não
é? Porque realmente tinham de compensar e esse navio, quando regressou, deu
para pagar quase a expedição dos cinco navios, embora os outros tivessem
desaparecido todos, só é que escapou, mas só essas especiarias do cravinho
deu para pagar a expedição.
José Maria Pimentel
Sim. Ah, eu tinha uma dúvida exatamente a propósito das especiarias, porque
é uma... Enfim, toda a gente se lembra de ouvir isso, ouvimos
isso desde a escola. Enfim, é facto com o qual eu fui
ficando com a passagem do tempo progressivamente menos pacificado, digamos assim, porque
na altura, enfim, aquilo parecia fazer sentido, quando nós somos miúdos, mas
pensando em retrospectiva e olhando para aquele período da história em que,
enfim, estamos a falar de uma economia pré-moderna, não é? Portanto, na
prática não só havia uma desigualdade muito grande como não existia no
desenvolvimento atual. Como é que havia procura para aquilo que nos parece
bem tão superfluo como especiarias? Era apenas da nobreza europeia ou envolvia
também, enfim, aquilo que chamaríamos burguesia? Quer dizer, porque era uma procura
tal, não é? Por produto que é, em certo sentido, superfluo, não
é? Condimento, não é? Que girava preços dessa forma exorbitante que justificavam
viagens desse género que continuavam a ser lucrativas mesmo com uma série
de perdas pelo caminho. Quer dizer, de onde é que vinha aquela
procura tão grande?
José Manuel Garcia
Exatamente, disfarçava. Não é absoluta essa explicação, mas também contribui. A verdade
é que junto da nobreza e mesmo da burguesia e das classes
mais altas, havia uma sede de sabores diferentes que algumas eram também
para a medicina, não é? Mas o sabor da comida Era uma
atração e era uma forma de mostrar a superioridade social e depois
também foi se generalizando. Houve largos setores que depois também foram, tal
como aconteceu com o açúcar, com a produção de açúcar dos portugueses,
começou-se a utilizar o açúcar vulgarmente, que anteriormente não a conheciam, era
o mel e tal. As especiarias valiam muito precisamente porque eram bem
que enriquecia a vida monótona e os sabores monótonos que eles tinham
porque eles geralmente tinham de comer a carne fresca. Mas quando não
tinham a carne fresca ou havia sítios que não podia ser ou
para valorizar, eles carregavam os alimentos de especiarias. Hoje nem conseguimos
José Manuel Garcia
Porque as pessoas com aquela quantidade de especiarias que eles punham, acho
que ninguém conseguia comer aquilo. Mas para eles era uma mostração de
riqueza, de poder, de influência, que toda a gente queria e por
isso os portugueses conseguiram, digamos, período áureo de riqueza graças a esse
mercado da potência por produto tão valioso. Só por comparar, isso era
pouco, já tenho ouvido essa comparação, é pouco como o petróleo hoje.
Hoje o petróleo era para os automóveis, para a energia, etc. Na
altura não havia nada disso, portanto era o produto mais valioso. Agora
é o petróleo, digamos assim.
José Maria Pimentel
Mas precisamente, não é? Porque é que o petróleo é valioso? Porque
tem papel funcional, não é? As especiarias é, em certo sentido, bem
supérfluo.
É, relativamente.
E, portanto, é extraordinário que naquela altura, que era uma altura em
que faltavam uma série de coisas que nós hoje em dia tomamos
por essenciais, havia uma preponderância de algo tão, enfim, em retrospectiva, supérfluo
como as especiarias.
José Manuel Garcia
É, porque nós hoje estamos habituados à... As especiarias é produto relativamente
barato, não é? E generalizou-se e passou a haver especiarias em todo
o lado, não era só na Ásia. Porque inicialmente era só, por
exemplo, este carvinho, só existia naquelas ilhazinhas pequeninas das Melucas. Depois havia
a pimenta, a canela era no Sri Lanka, a pimenta havia na
Indonésia e havia na Índia. As especiarias estavam sobretudo na Índia e
na Indonésia. Depois havia, nessa particularidade das ilhas de Banda, havia noz-moscada,
que eram produtos que eram pouco conhecidos e então tinham valor enorme
porque as pessoas queriam todas mostrar a sua riqueza e ter apetência
por algo diferente que não estava generalizado. Porque anteriormente já havia especiarias,
antes dos portugueses, quer é, índios, os italianos iam pescá-las aos árabes,
ao Egito, iam pescar, Mas eram mais caras.
José Manuel Garcia
Deram-lhe a volta, como eu gosto de dizer aos portugueses, deram-lhe a
volta pela rota do cabo da Boa Esperança, deram-lhe a volta e
os italianos ficaram com dificuldades. Havia dois tipos de italianos depois. Havia
os venezianos que tentaram continuar o comércio com os árabes no Egito,
etc. E havia os italianos que vinham a Lisboa comprar, os genoveses,
os florentinos, de modo que havia uma grande divisão mesmo dentro dos
italianos, que na altura eram vários Estados italianos, não havia Itália, uns
eram a favor dos portugueses e os outros eram rivais, como a
Veneza, que as políticas na altura eram tremendas nessa altura.
José Maria Pimentel
Sim. Nós já falamos da travessia do estreito, mas acho que há
ponto que justifica enfatizar, que é quão extraordinária foi aquela passagem, do
ponto de vista náutico, ou seja, do ponto de vista das capacidades
de navegação, tanto quanto nós podemos dizer, quão extraordinário foi aquilo, quer
dizer, quão bom piloto era o Magalhães, admitindo que aquilo era tudo
ele, quer dizer, porque, enfim, estas histórias são sempre pouco generosas para
quem não é a figura central, não é? Mas, quer dizer, quão
difícil é verdadeiramente aquilo? Ou pondo a pergunta de outra forma, se
fosse outra pessoa, se fossem outros marinheiros, para não focar só nele,
qual era a probabilidade de eles terem conseguido fazer aquela travessia?
José Manuel Garcia
foi logo a primeira e conseguiram fazer. É bom lembrar sempre, já
disse há pouco, que eram 600 quilómetros. Não é uma distância assim
tão grande, é mais ou menos como do Cabo de Sagres até
o Porto. Portanto, não é uma distância muito grande relativamente. Mas, bocadinho
mais, não é? Ao fim e ao cabo é a Costa Portuguesa.
É a Costa Portuguesa.
É a Costa Portuguesa, 600 quilómetros. E foi muito difícil porque o
Fernando Magalhães, ele era o chefe executivo, digamos assim, e era ao
mesmo tempo também piloto, de certa forma, embora não fosse oficialmente pilotado,
óbvio, ele era o capitão maior, mas tinha bons pilotos e tinha
uma tripulação multinacional e esses que iam lá, italianos sobretudo e gregos,
eram pessoas com experiência de navegação do Mediterrâneo, mas que se adaptaram
bem e os pilotos portugueses tinham uma boa técnica de navegação do
Atlântico e adaptaram-se facilmente. Mas também é preciso insistir no facto de
que o Fernando Magalhães soube esperar, digamos, a melhor altura, que era
outubro, para... Porque nós nós pensávamos, outubro é frio, não sei o
quê, mas era a melhor altura. Eu estive lá precisamente também em
outubro,
estava fria,
estava a zero graus, mas mesmo assim era muito bom, porque aquilo
costuma estar não sei quantos graus abaixo de zero e costumava haver
tempestades e neve, etc. Mas Na altura eles conseguiam, também havia neve
nas montanhas, mas eles conseguiram passar na altura certa e conseguiram, apesar
de tudo as naus eram muito navegáveis, eram pequenas e eram difíceis
de manobrar, mas apesar de tudo eles conseguiam, se não tivessem tempestades,
e não tiveram tempestades, conseguiram passar porque eles tiveram tempestade antes de
entrar no Estreito de Magalhães. Depois de entrar no Estreito de Magalhães,
tiveram o problema de andar à procura, foi o mais dramático, de
Santo António, senão eles tinham feito aquilo mais depressa. Mas eles iam
sempre medindo as distâncias de lado e do outro, iam avaliando, e
porque eles tinham muito medo de ficarem presos em baixios. Mas eles
verificaram que o Estreito de Magalhães tinha muita água, era muito fundo.
E então eles viram que por ali não havia problema, porque eles
andavam sempre a navegar, sempre a ver se havia baixos, se eles
podiam naufragar, etc. Eles tinham essa noção que aquilo era muito fundo
e isso permitiu navegação muito fácil
José Manuel Garcia
eles, felizmente, nesse aspecto, eles verificaram que aquilo era águas profundas. É
estreito de águas profundas. Aliás, o que aconteceu logo no Rio da
Prata é que eles quando começaram a entrar no Rio da Prata,
começaram a ver que aquilo era baixinho. Não tinha água profunda.
Que é uma boa indicação
a partir. Era doce e não tinha nada. Aquilo era muito largo,
a foz do Rio da Prata, mas aquilo era água doce. E
era pouco profundo. Uma coisa pouco profunda não pode ser estreito para
passar para o outro lado. E então foi só quando eles chegaram
ao Estreito de Magalhães, viram. Isto é muito profundo e felizmente que
aquilo tem muitas correntes, mas eles lá conseguiram escapar e não tiveram
tempestades, sobretudo foi isso. Mas as correntes lá, eles conseguiram manobrar bem,
porque aquilo não é fácil navegar ali.
José Manuel Garcia
parece, parece. E o João de Barros, o único testemunho do Fernando
Magalhães que existe, foi também o Fernando Magalhães, foi o João de
Barros que apanhou essa carta e publicou-a na Ásia, está publicada em
português, eles traduziram para português, em que o Fernando Magalhães pergunta aos
seus capitais, vamos para a frente, não vamos para a frente, parece
democrático. E depois Ele achava que devia ir e então os outros
com certeza que estavam de acordo com ele porque não queriam opor-se,
não é? E disseram que sim. Ainda houve o São Martins que
deu a opinião, bom, ainda vamos tentar experimentar, ver se o tempo
dá, se não dá, porque os alimentos são muito reduzidos. Aliás, foram
uma galheia de disso. Se alguém disser que não há alimentos, vai
preso. Porque os alimentos são suficientes, era aquilo que ele queria impor.
Porque havia muitos que disseram, não há alimentos. Ah, sim, andaram ali
a discutir e depois ainda conseguiram avançar mais, depois atravessaram até ao
fim. Bom, agora não vale a pena voltar para trás, agora vamos
para a frente, vamos arriscar. E viram que de facto havia boas
condições no Pacífico e arriscaram 3 meses de navegação e não conseguiram
encontrar ilhas. A única ilha que eles encontraram antes de chegar às
Filipinas foi uma pequena ilha de Guama, mas que aquilo não dava
grandes condições
porque a
população já era perto e a população era bocado selvagem e nem
se conseguiram reabastecer bem ali nessa ilha de Guama porque só encontraram
dois pequenos ilhéus que não conseguiram sequer chegar a eles e também
não havia água, portanto não tiveram apoio nenhum. Mas também tiveram azar
porque realmente há bastantes ilhas no Pacífico,
mas elas
passaram todos ao lado das ilhas todas. Tiveram azar literalmente e foi
o vazio por margem do caderno dos navegados. Eu gosto muito dessa
frase porque de facto é uma aplicação dos lesíadas.
José Maria Pimentel
E como é que era a personalidade de Magalhães? O que é
que nós podemos dizer? Isto é sempre exercício difícil, não é? Mas
a pessoa, a história que apanha é sempre uma história de glorificação
e que basicamente se centra na viagem, mas depois quando começamos a
perceber os estados na viagem ele tem uma combinação curiosa, porque ele
é tipo muito religioso enfim, isso não era... Não sei se o...
Quer dizer, já vai dizer, mas eu não sei se isso era
algo tão único dele o Colombo também tinha esse lado, tinha uma
coisa daqueles... Tinha todos. Dos tempos, digamos assim. Tinha todos. Era tipo
muito rígido, mas ao mesmo tempo muito ambicioso, portanto, claramente ele era
muito ambicioso. Era quase obsessivo no controle dos detalhes, mas ao mesmo
tempo é difícil destrinçar estas impressões, se quiser, com que eu fico,
da distância temporal, não é? Porque se calhar algumas destas características eram,
não eram idiosicrasias dele, eram características mais da cultura daquele tempo, não
é? Bom, nisto de outra forma, o que é que nele era
distintivo face a outras figuras, face a outros navegadores daquele tempo?
José Manuel Garcia
de câmara. Exatamente. Foi uma distância muito pequena. Por exemplo, Bartolomeu Dias,
quando chega, depois de passar o cabo da Boa Esperança, ele tem
de voltar para trás porque a tripulação diz que tem de voltar
para trás porque isto não dá nada. E ele teve de aceitar
e voltar para trás. O Vasco da Gama, parece que também teria
tido alguma oposição, mas apesar de tudo conseguiu impor-se e também não
teve problemas. Mas o Fernão Magalhães foi derivado da sua autoridade. Mas
ele conseguia ter apoio da tripulação. Ele tinha esse caráter, digamos, conciliador,
que aliás se demonstra num gesto muito importante. No tempo em que
ele estava na Índia, a nau em que ele ia, ele estava
a regressar em 1510 para Portugal e então a naufraga. Infelizmente não
morre ninguém, ficaram numa pequenina ilha, enquanto os outros foram buscar auxílio,
Ele ficou com os tripulantes do naufrágio na ilha à espera que
os portugueses regressassem. E todos ali obedeceram ao Ferdão Magalhães porque ele
tinha se comprometido a que os companheiros, os chefes, tinham ido buscar
auxílio e trouxeram auxílio para os náufragos. Mas ele ficou lá solidário
com os seus homens e depois quando foi na viagem ele mesmo
quando era para distribuir alimentos e tudo ele de facto conseguiu ter
tirando os tais espanhóis que foram executados que eram revoltosos, embora ainda
chegou a haver 40 revoltosos contra ele, mas ele perdoou-os porque precisava
deles para
navegar e então teve de os perdoar. Senão ele matava os 40,
mas não, só matou dois. Portanto, digamos que ele de facto tenham
uma mentalidade de... Ele também estava pouco desesperado porque estava a ver
que se ele não cumprisse a sua missão ficava desacreditado junto do
Carlos V, não podia voltar para Portugal ou o Dom Manuel mandava
o matar.
Pois, ele tomou
risco grande. Porque ele ia contra os interesses dele, portanto ele tinha
de riscar tudo e conseguiu e foi derivado dos seus dodes e
persistência, tenacidade, resistência também, porque ele tinha conhecimentos náuticos que lhe permitiam
ter uma certa confiança, arriscar, risco calculado, porque o Pigafetta, quando faz
o elogio dele, dizia que era o melhor cartógrafo, sabia fazer tudo
o melhor possível, mas isso é propaganda.
José Maria Pimentel
Não, é que eu ia exatamente perguntar isso. Aqui, enfim, parece-me, do
ponto de vista historiográfico, para historiador, uma limitação que é... Apesar desta
viagem ser extraordinária, são todos pontos engraçados do ponto de vista, sobretudo
tendo em conta como acabou, do ponto de vista da documentação que
chegou, o grande testemunho que existe da viagem é do Pigafetta e
ele, aquilo é quase mais geografia do Magalhães, não é? É quase
como, como é que é uma... É panegírico,
é panegírico.
É, exatamente, é uma coisa, é quase propaganda, não é? É propaganda,
é. E, portanto, é muito difícil fazer o exercício de retirar do
testemunho que ele deixou, essa camada de propaganda e perceber o que
aconteceu na verdade.
José Manuel Garcia
Seria muito diferente. Repare que o próprio Pigafetta nem diz uma única
palavra do Sebastião de Alcântara. E ele faz a viagem com o
Sebastião de Alcântara. Mas nem uma vez menciona o Sebastião de Alcântara.
Ah, é? Ah, curioso. Nem uma vez. A sério? Nem na viagem
do regresso? Repare, o Sebastião de Alcântara foi dos homens que se
revoltou contra o Fernando de Magalhães e esteve condenado à morte no
puerto de São Julião. Foi dos revoltosos. E depois de ele ter
sido perdoado na Argentina, nunca mais soube falar nele. Nunca mais soube
falar nele. Até que os capitães sucessivos dos navios foram todos morrendo,
foram assassinados, houve problemas vários, morreu de doença e outros foram mortos
de facto de uma forma dramática num massacre que houve em Cebu.
Eles tiveram de abandonar o navio porque já não tinham tripulantes, já
estava tudo desesperado e os capitães iam sucessivamente morrendo e depois a
certa altura já não havia ninguém para substituir os capitais que iam
morrendo e os pilotos e não sei o que. Então teve de
ser o Sebastião de Alcântara. E ele depois, desesperado, disse eu não
vou pelo Pacífico, eu vou mas é contra as ordens do Carlos
V. Carlos V tinha dito não podem vir pelo Índico, isso é
português. Mas ele disse, espera aí, eu quero, mas é safado, desculpa
a expressão. E foi literalmente isso. E depois veio pelo sul do
Índico porque aí não havia portugueses. Se ele fosse mais a norte
os portugueses apanhavam-no e prendiam-no, não é?
José Maria Pimentel
Quando ocorrem aqueles mutins, sobretudo aquele mutim principal, Magalhães toma medidas como...
Enfim, acho que é fácil de admitir que ele teria sempre de
tomar medidas drásticas naquele momento, mas são medidas como, enfim, não é
atípico de coisas que aconteciam naquela altura, que nos chocam bastante, que
ele basicamente tortura, ou seja, faz-lhes coisas, uma violência que nós diríamos
extrema. E aqui coloca-se outra questão difícil, que é, descontando o fator
do tempo, o que é que sobra dali? Sobra Magalhães que não
era mais violento ou mais sádico, diríamos, do que a norma naquela
altura? Ou era alguém que era mais duro do que teria sido
outro comandante naquela situação?
José Manuel Garcia
Ele teria... Há pessoas que dizem que ele torturou, mas de facto
se torturou não há testemunhos, porque houve uns espanhóis que vieram ao
Santo António e que disseram que ele tinha torturado algumas pessoas. E
O Pigafetta o que é que diz? O Pigafetta não diz nada,
como é evidente, como é evidente, o Fernando Magalhães não faz mal
a ninguém. Ele mesmo, esse episódio da revolta, ele quase que nem
fala nela, ele quase que nem dá e diz que quanto à
história é bocadinho mal, porque a gente conhece por outras fontes, aquilo
foi uma história assim bocado branqueada, mas houve mesmo assim depoimentos a
julgar, o que é que eles tinham feito, a revolta, como é
que foi, e então só deles é que foi executado, o outro
foi morto durante a luta pelo Espinosa, foi o tal Espinosa que
era o principal, que tentou vir pelo Pacífico e não conseguiu, mas
o Espinosa é que matou dos capitais, com onde houve umas lutas
terríveis nessa altura. Foi executado, foi morto. E depois o Cartagena, como
era muito importante, o Magalhães não o quis executar, deixou-o abandonado no
Puerto de San Julián com o Frato, ficaram lá os dois e
morreram.
Na prática foi o
mesmo que se ele matasse. Foi só por dizer que não o
mataram porque ele era muito importante e ele disse, pode ser que
sobreviva aí com os nativos, com os patagões. Ficou lá com os
patagões que eram homens enormes que viviam lá selvagens, eu digo selvagens,
quer dizer, com o grau dos gigantes, que era grau de civilização
muito limitado, podiam ser que eles estivessem safados, mas nunca mais se
ouviu falar neles.
José Manuel Garcia
Sim, para eles... Aliás, deles, Alguns deles mataram até espanhol que os
queria prender. Espanhol foi morto pelos patagões. E depois prenderam quatro que
foram morrendo na viagem, que até foram bem tratados, mas morreram porque
não se adaptaram à comida e ao frio. Eles estavam habituados ao
frio. Mas não aos Trete Magalhães. Morreu nos Trete Magalhães, outro morreu
no regresso na Santa Antónia, que morreram naturalmente, pronto. Mas, por exemplo,
no Brasil, eles foram muito bem recebidos no Rio de Janeiro, nas
Filipinas, eles também, até o problema da morte do Franco Magalhães, eles
Conviveram muito bem com os filipinos, deram-se muito bem. Só em Guam,
que chamavam a ilha dos ladrões, é que eles começaram a ser
assaltados. E depois o Fernando Magalhães roubaram-lhe batel do navio. Ele teve
de ir lá e buscar o Batel. O Batel
é
barco pequeno. Eles iam para a terra, nos bateis, os barcos a
remos. E então, aí ainda tive de lutar com alguns... Matou seis
ou sete de ilha dos Ladrões, porque eles nem sequer percebiam as
armas dos europeus, não nem avaliam desentendimento, mas foram poucos. Comparado com
só na ilha de Cebu, quando morreram, eles massacraram depois da morte
de Magalhães.
José Maria Pimentel
Era mesmo meio que eu queria ir, porque com isto tudo já
aludimos várias vezes a isso mas ainda não falamos à morte de
Magalhães. A morte é bastante misteriosa, não é? Mas para percebermos o
contexto em que ela ocorre, ele naquele momento já tinha percebido, sobretudo
pelos cálculos do San Martín, já tinha percebido que as molucas ficavam
do lado português, ou seja, ele já tinha percebido que o mote
da premissa, se quisermos, da viagem dele era falsa. Nós sabemos isso?
Conseguimos dizer isso com segurança? Conseguimos dizer. Porque ele ainda não tinha
chegado às molucas, já estava perto.
José Manuel Garcia
Não, estava perto, estava há poucos dias das molucas, portanto, quatro ou
cinco dias ele podia lá chegar e tinha tempo para isso. Mas
repare, ele desde que chega no dia 16 de março de 1821
às Filipinas, ele tem de seguir a abastecer, porque de facto faltava-lhe
arroz, faltava-lhe mantimentos, feijos, frutos.
José Manuel Garcia
Estava a morrer, não tinham fruta, não tinham... Mas chegam lá e
começam logo a abastecer-se de água fresca, cocos, fruta, sobretudo arroz, que
era o que eles precisavam, animais, que eles tinham lá muitos animais.
Nas Filipinas havia muitos alimentos. Não havia... Era especialista. Eles ainda pensaram
que havia ouro, mas não havia também realmente muito ouro. Seja como
for, o drama que existe aqui é que o Fernando Magalhães Mal,
eles chegam, o Samartina e o tal piloto grigo, não é, que
é o homem chave no meio disto tudo.
Manteve o registro.
Manteve o registro e ele diz, bem, isto é dos portugueses porque
Ele sabia que as Filipinas, eles sabiam a latitude e sabiam mais
ou menos também terminar a longitude. Daí que o Francisco Alves, o
grego, disse que passámos 9 graus. E então, como passámos os 9
graus, nós podemos ultrapassar a parte espanhola e já passaram. E então
ele perdeu aí a confiança. Mas repare que por que é que
ele está 43 dias ali e não sai dali? Quando ele devia
ir para o sul, não é? Portanto ele devia ir, mas não
foi. Não foi porque ele estava desesperado. Porque ali ele viu, ele
até podia dizer ah, estou aqui para apanhar o ouro. Ele até
proibiu os homens o pouco ouro que ali havia de fazer negócios
e viu que ali não havia especialista.
José Manuel Garcia
Exatamente, eu disse-lhe, eu chego lá com 40 homens e venço-os e
eles obedecem ao Carlos V e ao Rei de Cebu e tal.
Só que eles foram a 40 e tal contra 1500 ou 2000
nativos. E portanto aí há uma coisa. Como é que homem com
a experiência militar, com o conhecimento, com a observação, ele para lá,
só para desembarcar, eles nem conseguiram desembarcar com os bateus porque a
água, eu estive lá nessa zona,
na Maquetá,
estive lá mesmo e a pessoa não consegue, o bateu não consegue
ir à praia. Eles quando saem do bateu e vão para a
ilha, eles têm de ir com a água pela cintura.
José Manuel Garcia
tinham armas que não eram tão atrasadas como isso. Tinha armas de
metal e tudo, portanto não eram tão atrasados como isso. Mas há
pessoas que dizem que ele teve uma espécie de suicídio. Eu digo
que não é suicídio porque ele era muito católico e não se
suicida. Mas estava desesperado. Ele estava desesperado porque eu tenho sempre esta
argumentação de que é que ele esteve lá a fazer 43 dias
quando aquilo não havia riqueza só para convertê-los, só para dominar. Ele
tinha obrigação e aliás o Carlos Quintinho disse, você vai diretamente às
Molucas para fazer negócio, só depois é que pode ir descobrir outras
ilhas. Porque ele escreveu uma carta estipulando o rato, para já ele
deu ordens que o Ferro Magalhães não podia desembarcar nem podia combater
com os nativos e ele desobedeceu. Portanto, a seguir, não foi logo
diretamente às Molucas, para as especiarias, desobedeceu. Portanto, ele desobedeceu constantemente, já
estava, digamos, num nível em que se desorientou completamente e os capitães
e os outros, pronto, obedeciam nem discutir. Aliás, eles discutiram, o Picafete
e outros disseram, você não pode ir combate-los, não vale a pena,
é risco, você é o capitão, morre. Não, eu vou, eu sou
herói. Então, não. Ele era messias, ele era bocado, ele tinha bocado,
estava assim já bocado lunático e já devia estar bocado messiano, e
que ele era assim uma espécie de salvador de Cristo. E portanto
eu é que venho aqui impor o cristianismo e venho dominar isto
tudo. Mas foi realmente terrível.
José Maria Pimentel
Há uma hipótese que eu nunca vi considerada, mas que não me
parece completamente descabida, que é, tendo em conta as condições em que
eles fizeram a viagem, era bem possível que ele tivesse com déficit,
enfim, de vários tipos, na verdade, de nutrientes e de minerais básicos,
que pudessem tê-lo posto num estado mental que não seria o estado
dele normal. Isso parece de certa forma exagerado, não é? Porque estamos
aqui a fazer uma inferência muito grande. Mas depois daquela viagem, não
é absurdo que uma viagem daquelas, naquelas condições, altere o estado mental
da pessoa e a apanha a fazer coisas que não faria em
outra situação. Sim,
José Manuel Garcia
40 dias a reabastecer, Portanto, é muito tempo. Ele já tinha apanhado
arroz numa das outras ilhas e ali também, e animais e tudo.
Ele ali já tinha a capacidade de regressar à sua viagem. A
sua viagem era às Molucas, às Filipinas. E sabe porquê é que
eles foram às Filipinas? Foi também pecado porque eles tiveram de se
desviar da rota. Porque eles quando deixam o Chile, eles chegam ao
Equador e o Fernando Magalhães sabia que as Molucas estavam no Equador.
Portanto, o Fernando Magalhães devia ir pelo Equador.
Era direitinho.
Eles sabiam onde é que estava o Equador. O Equador era aquele
e eles direitinhos tinham lá a ter. Mas ele teve de desviar-se
10, 13 graus para cima, que era uma distância boa, e então
por causa do vento, porque no Equador não havia vento. Eles estiveram
José Manuel Garcia
não é? Exatamente, percebeu que estavam do lado português e ele soube,
enquanto esteve lá nas Filipinas, ele soube onde é que estavam as
molucas. Lá os nativos sabiam, das filipinas sabiam onde é que estavam
as molucas. E disseram-lhe onde é que estavam as molucas. Ele devia
ter ido logo para as molucas, mas não foi. Porquê? Porque realmente,
por lado, terá percebido que as molucas estavam no lado português. Pronto,
se ele chegasse lá às molucas e estivessem lá os portugueses, entrava
em luta com os portugueses, os portugueses diziam não, você não consegue
mostrar que isso é espanhol, portanto isto é português. E como os
portugueses diziam, e então ele tinha falhado o cálculo, falhou tudo, desesperado,
pronto, foi uma espécie de suicídio desesperado, mas não é bem suicídio,
não se pode
José Maria Pimentel
E o elcano vai pelo outro lado e consegue escapar. E a
viagem do elcano, enfim, não sei como ele lá está, era uma
personagem menor, é difícil dizer, a pessoa tem mais certeza para dizer
que ele não teve grande mérito na viagem. Ele não teve
mérito.
Mas eles fizeram, eles tiveram de fazer uma viagem, já nas condições
em que eles estavam, já depois de dois anos e tal. Sim,
sim. Eles tiveram de fazer a viagem, como estavam em território português,
sem tocar terra.
José Manuel Garcia
Nada, foi terrível. Ele desde, reparo-me bem que eles vão a Timor,
não é? De Timor, depois vêm por baixo até chegar ao cabo
da Boa Espressa, sempre muito a sul, só a comer arroz, sem
parar, porque não tinham também apoios, também ali não havia ilha nenhuma
para dar apoio. Vão até ao cabo da Boa Expressa, depois do
cabo da Boa Expressa vão a Cabo Verde, têm de... Param em
Cabo Verde para ver se conseguem...
José Manuel Garcia
Esse é episódio altamente dramático, porque o Fernando Magalhães morreu com mais
cinco homens na batalha de Mactam, os outros ficaram feridos, ele conseguiu
ainda, os outros escaparam, mas passado poucos dias, quando eles estavam em
Cebu, eles ainda estavam a pensar que o rei de Cebu era
cristão, era amigo e não sei o que e foram, convidou-os para
banquete, despedida e tal, e entretanto...
José Manuel Garcia
Costuma-se dizer isso. Para mim foi o Fernando Magalhães o primeiro porque
repara o Henrique realmente teve papel importante a partir do momento em
que ele chegou às Filipinas e fala o Malaio. Não sabiam falar
Filipino, falavam Malaio, que era uma língua franca que havia ali naquele
oriente todo, desde Samatra até às Filipinas, toda a gente falava Malaio.
E o único que falava Malaio era o Henrique, que era escravo
do Fernão Magalhães, que tinha o comprado em Malaca, quando ele tinha
estado lá em 1811, na conquista de Malaca. E esse Henrique, o
Fernão Magalhães trá-lo para Lisboa, depois vai com ele para Sebinha, anda
sempre com ele até chegar às Filipinas. O Henrique faltava-lhe fazer aquela
parte que vai desde as Molucas até Malaca. E o Fernando Magalhães
tinha feito essa parte. Portanto, o Fernando Magalhães em duas partes, primeiro
com os portugueses de Lisboa até às Molucas, depois que os espanhóis
desde Sevilha até às Filipinas dá as duas metades.
José Manuel Garcia
Ele teve sorte, digamos que, pronto, ele e outros, os outros 17
tiveram sorte, escaparam, porque tinham mais resistência, conseguiram, pronto, tiveram sorte. Literalmente,
porque os outros foram morrendo com doenças, com falta de alimentos, tinham
todos.
José Manuel Garcia
Não, não, ele não era escrivão. Aquilo era uma hierarquia que ia
desde o capital até ao grumento e aos páginos, e os pilotos
e os marinheiros, aquilo tinha tudo uma hierarquia, e depois cada recebia
de acordo com a hierarquia, o piloto recebia mais, o mestre também,
depois havia os barbeiros, havia as artilheiras, havia os que pagavam, recebiam
menos eram os pagens e os grumentos e depois havia os marinheiros.
E, portanto, aquilo tinha toda uma hierarquia, mas isso era para os
salários. Para a alimentação, no essencial não deveria ser muito diferente de
uma dos outros, porque eles tinham o mesmo tipo de alimentos, que
era a carne salgada, peixe salgado,
José Maria Pimentel
Por acaso, é curioso, porque olhando em retrospectiva, tendo em conta as
provações que eles passaram ao longo da viagem, não deixa de ser
espantoso, nunca teve... Houve os mutins, mas nunca houve, pelo menos aparentemente,
conflitos a bordo por causa da comida, por exemplo. Quer dizer, mortos
numa disputa por comida. É extraordinário, nunca chegou. Não houve canibalismo, não
sei se isso existiu em alguma vez. Também se calhar, apesar de
tudo, não chegaram a esse extremo, não é?
José Manuel Garcia
Isso é o mais importante,
é perceber
como é que ela aparece e depois, enfim, como ela acabou por
não resultar bem, daí que ao fim e ao cabo houve duas
voltas ao mundo. Digamos assim, houve aquela direta que ficou famosa, de
Sebastian Delcano, que conseguiu acabar a viagem, e o Magalhães que conseguiu
perceber a dimensão da Terra. Quando ele chegou às Filipinas, já era
conhecido à outra metade, os portugueses já conheciam perfeitamente a metade que
vai desde o Brasil até às Molucas, depois só faltava conhecer a
outra parte. E, portanto, os outros 20 mil quilómetros como o Fernando
Magalhães descobriu, portanto ficou tudo descoberto como o Magalhães foi o primeiro
homem a ter o conhecimento da Terra tal como ela era. Isso
é o que eu acho que é a grande mensagem que devemos
passar.
José Manuel Garcia
Sim, foi os portugueses que tiveram a ousadia, depois os espanhóis, os
castelhanos começam a fazer a viagem do Cristóvão Colombo. E repare que,
de facto, o que é mais significativo no meio disto tudo é
que os espanhóis só iam para as Américas, quer dizer, não conseguiam
passar das Américas, não é? E portanto começaram a explorar a América
toda, exceto o Brasil. Os portugueses não, os portugueses iam desde o
Brasil até à China e às Molucas. Portanto, digamos que os portugueses
tinham uma dimensão do conhecimento e das viagens e técnicas e eventos
e cartografavam tudo, os espanhóis só se concentravam numa pequena parte do
mundo, que é grande, a América, não é? E sobretudo a América
Central e do Sul.
José Manuel Garcia
que torna famosa a viagem, porque as Molucas acabou por ser secundário,
embora, de facto, o Sebastião de Alcântara tenha feito depois batota, que
continuava a dizer que as Molucas eram espanholas. Até que depois houve
negociações e acabou por se reconhecer que as Molucas eram portuguesas. Mas
foi... Os portugueses tiveram de pagar para que os espanhóis desistissem, porque
os espanhóis, como disse há pouco, e o mais importante é que
os espanhóis não conseguiam voltar para trás. E eles nunca mais fizeram
a viagem pelo Índico, nunca mais fizeram. A viagem do Sebastião de
Alcântara nunca mais foi feita, porque eles nunca mais vieram. Eles tentavam
voltar para trás e não conseguiam, só como disse em 1873 é
que conseguiram.
José Manuel Garcia
Sim, é o... Porque estamos a falar nos descobrimentos em geral e
terminando com o Fernando Magalhães e esses Descobrimentos, que é o livro
do Damião Peres, A História dos Descobrimentos, que é dos clássicos e
é livro cuja versão corrigida e aumentada foi em 1960 e que
continua a ser dos livros mais rigorosos. É evidente que há muitas
coisas mais atualizadas, mas a verdade é que em termos de conjunto,
do conjunto, toda a história dos Descobrimentos Todos analisados ao pormenor, continua
a ser a melhor obra que eu recomendo a leitura, embora de
facto só nos há. Há edições relativamente recentes, de 1983, acho que
houve uma nova edição e mesmo não sei se há alguma posterior.
É livro que eu aconselho os interessados em conhecer os pormenores das
viagens e dos descobrimentos têm no livro de Damião Pérez, a história
dos descobrimentos, o melhor exemplar.