#150 José Manuel Garcia - O que faz da viagem de Fernão de Magalhães um dos maiores feitos da...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45° episódio número 150. Como de costume, tenho alguns novos mecenas para agradecer. João Faísca, Rui Ferraz, Ana Sofia Rodrigues, Sandra Costa, Luís Moura e Joana Santos. Já sabem que o apoio dos mecenas é muito importante para tornar este podcast sustentável. Há quem o faça há vários anos, há quem decide apenas apoiar durante período, mas ao fazê-lo todos estão a contribuir para que o 45° continue. Se não puderem ou não quiserem tornar-se mecenas, podem sempre ajudar o 45° seguindo o podcast no Spotify ou na aplicação que usam, classificando-o positivamente e também, claro, divulgando-o entre amigos e familiares. No fim de semana passado decorreu mais uma sessão do workshop de pensamento crítico, desta vez em Coimbra. Foi excelente grupo, como sempre, tenho tido imensa sorte. Ainda não será já nas próximas sessões, as próximas são já este fim de semana no Porto, mas surgiu a ideia neste workshop que me parece prometedora de começar a incluir almoço no programa. No fundo, fazer a coisa à portuguesa. Obrigado também ao nosso espaço em Coimbra, o Hotel Coimbra I Aminium, que tem excelente espaço e pessoal muito simpático. Por isso, se passarem por Coimbra, recomendo vivamente que fiquem lá alojados. Na semana passada, estivemos também em Bruxelas, na Comissão Europeia, juntamente com outros criadores de conteúdos, para usar a expressão deles, europeus. O convite partiu da DG Connect, o departamento da Comissão responsável pelas políticas na área do digital. Foi muito interessante passar dois dias a discutir a visão europeia sobre vários temas nesta área, a começar pelo tema mais quente, a inteligência artificial. E foi, sobretudo, muito bom perceber que há vontade na Comissão de se aproximar dos cidadãos e contrariar aquela imagem da política europeia como distante e opaca. Hei de voltar a estes temas num episódio futuro do 45°. Mas por agora, vamos ao episódio de hoje. Como sabem, sobretudo os ouvintes mais antigos, o 45 Graus é para mim, em grande medida, pretexto para aprender mais sobre temas que me interessam. E há tema da nossa história, e mais importante, da história mundial, que eu já tinha há muito tempo vontade de explorar melhor, a viagem de Fernando Magalhães. Todos nós aprendemos na escola os factos básicos. Que Magalhães foi a primeira pessoa a fazer a circunnavigação, ou seja, a dar a volta ao mundo, e assim ficou a conhecer a verdadeira extensão da Terra e de caminho, apercebeu-se de que o mundo é, na verdade, muito mais água do que terra. Mas quando começamos a escavar o tema, percebemos que há nesta história muito mais do que apenas esses factos. Para além de dar a volta ao mundo, a armada liderada por Magalhães conseguiu a prueza de passar, à primeira tentativa, o estreito que contorna o Sul da América. Uma passagem desconhecida, labiríntica e cheia de correntes traiçoeiras. Há quem diga, e eu concordo, que se o colocarmos na devida perspectiva, foi feito ainda maior do que a ida à Lua. Basta pensar, por exemplo, no equivalente do lado norte do continente americano, a chamada Passagem do Noroeste, por cima do Canadá e do Alasca, que só se conseguiu atravessar de uma só vez no início do século XX, há pouco mais de 100 anos. Para além deste feito, os marinheiros da Armada de Magalhães foram também os primeiros europeus a atravessar o Oceano Pacífico, Oceano cuja extensão era até então desconhecida. Perante a dimensão destes desafios, mesmo descontando o aspecto desconhecido, é fácil adivinhar que o projeto de Fernando Magalhães foi visto por muitos à época como inusitado e lunático. E só isto já tem os contornos de uma grande história. Mas há também os aspectos políticos da viagem e esses são igualmente sumarentos. O facto de Magalhães ter ido propor o projeto aos reis de Castela causou em Portugal grande escândalo e foi visto por muitos como traição. E ao mesmo tempo, em Espanha, muitos o viam como agente duplo que verdadeiramente estava ao serviço da coroa portuguesa. E depois, claro, há os detalhes da viagem em si, recheada de grandes façanhas, mas também de obstáculos, privações, violência, mutins, traições e mesmo alguns aspectos bizarros, como vão ver. E tudo isto condimentado pela personalidade Larger Than Life de Magalhães, homem visionário e determinado, mas também autoritário e com tiques de loucura, basicamente disposto a tudo para conseguir o seu objetivo. Todos estes ingredientes estão por isso mesmo a pedir para ser transformados num filme ou numa série de televisão como fez a Amazon, que lançou no ano passado a série Sem Limites, com o ator brasileiro Rodrigo Santoro, no papel de Magalhães, com sotaque português, devo dizer, irrepreensível. Vale a pena ver. E claro, tudo isto está também, mesmo a pedir, episódio de 45 graus. Foi por isso que decidi convidar para o podcast uma das pessoas que mais sabem sobre a viagem de Fernão de Magalhães. O convidado, José Manuel Garcia, doutorou-se em História pela Universidade do Porto e investiga sobretudo temas da história de Portugal com enfoque nos descobrimentos. É autor de vários livros, dos quais o mais recente se chama, precisamente, Fernão de Magalhães e foi mote para a nossa conversa. José Manuel Garcia foi também o único português a participar no melhor documentário sobre o tema, feito até hoje, chamado A Odisseia de Fernão de Magalhães, uma grande produção da televisão francesa que tem sido difundida em vários países. Na nossa conversa passámos em revista a viagem de Magalhães bem como o contexto geral mais abrangente daquele período. A viagem foi longa e cheia de peripécias e por isso, para não se perderem, vale a pena fazer aqui resumo rápido. Tudo começou, claro, com a ideia para a viagem que partiu do próprio Magalhães e do Rui Faleiro, cosmógrafo português com grande conhecimento da matéria. Eles foram propor ao Rei Carlos I de Espanha uma expedição às Ilhas Molucas, as chamadas Ilhas das Speciarias, mas através de uma rota alternativa à portuguesa, Ou seja, não pelo Atlântico, mas sim pelo lado ocidental do mundo, atravessando o que hoje chamamos o Oceano Pacífico. O contexto geral da altura é bem conhecido, era o do Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo entre os coroas de Portugal e de Castela, através da longitude. Dos meridianos passava, como todos nos lembramos bem, na zona do Brasil e a ideia de Magalhães e Faleiro era que o meridiano do outro lado do globo, o chamado anti-meridiano, passaria mesmo a oeste das Molucas, o que faria daquelas ilhas território da coroa espanhola. E assim foi. Partiram em agosto de 1519. A viagem estava prevista para durar 2 anos, mas acabou por durar 3, até 1522. Partiram de Sevilha 5 naus com 270 homens a bordo. A expedição começou por atravessar o oceano atlântico e chegou à zona do Brasil sem grandes problemas. Mas aí as coisas começaram a complicar-se e encontrar a passagem sul, para o outro lado da América, revelou-se muito mais difícil e muito mais a sul do que o previsto. A comida começou a escassear, o frio a aumentar e houve aí mutim liderado por nobros espanhóis. Magalhães conseguiria dominar os amutinados, mas uma das naus acabaria depois por desertar e regressar a Espanha. Encontrar e transpor a dita passagem não foi fácil e só em novembro de 1520, mais de ano depois do início da viagem, é que as quatro naus restantes conseguiram chegar ao Oceano Pacífico. Apesar das provações que já tinha sofrido, a Armada, ou Fernando Magalhães por eles, decidiu ainda assim continuar, seguir em frente e atravessar aquele oceano desconhecido. E só depois de largos meses sem ver terra, em março de 1521, chegaram às Filipinas, não ainda às Molucas. E é aí que as coisas se tornam misteriosas. Magalhães acaba por estacionar durante largas semanas na ilha de Cebu, em vez de avançar para as Molucas, e acabaria por morrer aí perto, de forma bizarra, num conflito com uma tribo local. Depois, já com Magalhães morto, ainda há evento digno de filme, com o golpe do rei de Cebu, em que morrem ou são capturados vários dos outros capitães da armada. E é só em novembro desse ano que a armada chega finalmente às desejadas Ilhas Molucas. Aí carregam-se de especiarias de cravinho e decidem finalmente regressar a Espanha. Mas optam por dividir o que restava da armada em duas. Uma das naus iria fazer o caminho já percorrido, pelo Pacífico, mas num sentido inverso, e a outra iria pelo Atlântico. E só esta última, liderada pelo piloto Sebastián Elcano, iria conseguir chegar ao destino quase 3 anos desde o início da viagem e com apenas 18 homens a bordo, completando então a circunnavegação do globo. Durante esta conversa com José Manuel Garcia, percorremos então estes vários aspectos da viagem e eu fui perguntando ao convidado várias dúvidas que me surgiram ao ler o livro dele e ao ver o documentário que referi há pouco. Foi uma conversa muito informativa e acho que mais profunda do que acontece muitas vezes com estes temas da história de Portugal. Por isso, espero que gostem e até ao próximo episódio. O que está a dizer, Manuel Garcia? Muito bem-vindo ao 45 Graus.
José Manuel Garcia
Muito obrigado, é prazer para mim comunicar consigo. Muito obrigado.
José Maria Pimentel
Vamos falar de Fernando Magalhães que, eu acho, não estou errado se disser que é a personagem histórica portuguesa mais conhecida globalmente, não é?
José Manuel Garcia
Eu penso que sim, penso que em termos de significado histórico mundial, da história da humanidade, eu penso que é mais importante. Eu, entretanto, uma vez fui confrontado com uma outra figura portuguesa que talvez rivaliza em conhecimento em termos internacionais, que é o Santo António.
José Maria Pimentel
Ah, exatamente, é verdade.
José Manuel Garcia
O Santo António de Lisboa, que não é de Pádua, que morreu em Pádua. Mas eu tenho a sensação que se calhar, sobretudo junto do mundo católico, é o Santo António. Mas em termos
José Maria Pimentel
de conhecimento... Mas não sei se é reconhecido como português. Se bem que o magalhães também
José Manuel Garcia
é Geralmente o Magalhães, apesar de tudo, geralmente é considerado, e isso é, obviamente, é mesmo referido sempre como português, acho que nunca foi conferido com os espanhóis. Agora, o Santo António é de pátua porque morreu lá, mas a verdade é que ele nasceu em Lisboa, formou-se em Lisboa e em Coimbra, portanto, duas referências importantes, porque são mais conhecidos que outras figuras também mundialmente famosas, como o Infante Tom Henrique ou Vasco da Gama, que também são igualmente famosos em todo o mundo e, felizmente, são das mais importantes. Embora muitas vezes nós nos esqueçamos de outras figuras fundamentais da história de Portugal e do mundo, como é, por exemplo, não só o D. João II, mas sobretudo uma figura que muitas vezes anda esquecida, que aliás entrou em choque e foi por isso que o Fernando Magalhães se tornou famoso, por causa desse choque com o Fernando Magalhães, que é o rei D. Manuel I. O D. Manuel I para mim é uma figura esquecida que devia ser relevada em termos mundiais porque foi o primeiro soberano à escala mundial. Ele tinha poder que exercia a partir de Lisboa.
José Maria Pimentel
Ah, sim, mas era a mérito dele
José Manuel Garcia
ou do D. João II? Essa é que é a grande questão. O D. João II preparou o caminho, mas morreu e não fez as coisas que queria fazer e o D. Manuel fez.
José Maria Pimentel
Enfim, é difícil fazer o contrafactual, mas se o D. Manuel não tivesse decidido como decidiu a relação ao Fernando Magalhães, ele talvez tivesse feito a viagem, ou uma variante dessa viagem, ao serviço da coroa portuguesa.
José Manuel Garcia
Não, eu penso que... Mas espera, desculpa. Exato, vamos lá, vamos com calma.
José Maria Pimentel
Como dizem os ingleses, getting ahead of ourselves. Vamos começar do início. Muito bem. Quem era o Fernando Magalhães?
José Manuel Garcia
Ora bem, de uma forma tão simples como básica, porque sabe-se muito pouco sobre o Fernando Magalhães e as suas origens, mas mesmo assim sabe-se o suficiente para poder-se afirmar com toda a segurança que o Fernando Magalhães era fidalgo da Casa Real Portuguesa, que nasceu no Porto. Tem havido também alguma controvérsia sobre onde é que ele nasceu, mas pessoalmente não tenho dúvida nenhuma. E os factos, ele próprio dizia que era vizinho do Porto, vizinho, queria dizer, natural do Porto. E os seus pais eram do Porto. E, portanto, embora a família, na sua origem, fosse de Ponto da Barca. Não há dúvida que os magalhães, a origem dos magalhães era de Ponto da Barca e ele tinha familiares em Ponto da Barca, mas ele era do Porto e tinha relações e propriedades, nomeadamente a minha Vila Nova de Gaia e depois ele veio para Lisboa. De Lisboa vai embarcar com o D. Francisco de Almeida em 1505 e aí começam as suas grandes viagens fantásticas que ele começa a conhecer metade do mundo porque ele vai desde Lisboa em 1505, vai para a Índia, para a África Oriental, vai para Malacca, até chegar às Molucas em 1512, que é no outro lado do mundo. Portanto, ele consegue fazer em 12 anos, concretamente entre 1505 e 1512, depois regressa em 1513, ele consegue percorrer todo o Oriente, como aliás era reconhecido mesmo pelo secretário de Carlos V e por todos os, digamos, conhecedores do Fernando Magalhães que diziam, ele percorreu todo o litoral de todo o Oriente e é verdade, tão simplesmente como isso. Foi desde a África do Sul, desde Moçambique e Sofala, até às Molucas, que é no extremo oriental da Indonésia. Portanto, de facto, foi conhecimento fantástico que ele obteve durante todos esses anos ao serviço da coroa portuguesa.
José Maria Pimentel
A origem dele era basicamente da Baixa Nobreza, não é?
José Manuel Garcia
Era. Era pequeno fidalgo. Ele considerava-se e era mesmo, de facto, fidalgo, mas fidalgo pouco importante, não é? Mas mesmo assim ele conseguiu-se promover devido aos seus feitos, digamos, no Oriente, sempre à volta dos grandes, do Doutor Francisco de Almeida, do Afonso de Albuquerque. Ele conseguiu, digamos, currículo impressionante, daí que quando ele regressa a Lisboa em 1513, ele depois vai logo para Asamor, tem problemas com o rei, com conflitos, com intrigas e depois aí Começa a haver problemas porque ele estava bem encarreirado para continuar a ser capitão de navios para a Índia e tudo. E ele queria continuar com os portugueses, mas teve problemas.
José Maria Pimentel
Era isso que eu ia perguntar. Ele era... Quão reconhecido era ele? Ou seja, qual era a reputação que ele tinha enquanto navegador, quer dizer, enquanto marinheiro no fundo, quer dizer, capitão de navio.
José Manuel Garcia
Sim, sim, ele era muito conceituado quando veio do Oriente para Lisboa e depois mesmo participou na conquista de Azamor, aliás perdeu cavalo, perdeu cavalo na conquista de Azamor e depois pediu até ao rei para lhe pagar o cavalo que
José Maria Pimentel
ele pediu. E o rei não pagou, ou pagou menos do que
José Manuel Garcia
ele queria. Não há certeza se ele pagou ou se queria pagar pouco e depois ele queria mais. Portanto, andaram ali a discutir o preço do cavalo. Mas depois o próprio Fernão Magalhães acabou por ficar em examor e acabou por ser alvo de intrigas, dizendo que ele tinha sido alvo de corrupção. Depois ele não foi, depois voltou. Andaram a discutir e ele foi ilibado, mas mesmo assim o Rei ficou com uma vontade contra ele devido às intrigas, na Corte Portuguesa havia muitas intrigas e muitos partidos e lutas e rivalidades e o Fernando Magalhães não se conseguiu impor, apesar de ele ser considerado muito valente, homem muito honesto e era muito duro, portanto era fiel servidor, mas ele como fiel servidor achava que devia ser mais recompensado e não foi.
José Maria Pimentel
Sim, Porque há aqui mistério engraçado, enfim, que é no limite impossível de resolver em torno de quem ele era realmente, qual era a personalidade dele, quais eram... Sobretudo porque nós estamos obviamente a não só avaliar alguém em relação a quem temos fontes muito parcas, mas também que está a 5 séculos de distância.
José Manuel Garcia
A personalidade dela era cheia de contrastes, porque ele por lado era conciliador, por outro era autoritário, por outro era muito amigo dos seus homens, por outro tinha inimigos com quem lutava. Quer dizer, tem muitas contradições, mas sobretudo podemos dizer que ele ao longo de toda a sua vida e sobretudo durante a famosa viagem que ele realizou, ele era muito resiliente, era muito persistente e era muito autoritário e de facto tudo isso juntou num caráter muito duro, muito austero, muito severo e de facto foi com a sua autoridade e austeridade que ele conseguiu fazer e tornar-se famoso porque ele teve experiências muito duras no Oriente e depois na sua famosa viagem tenho a impressão que se não fosse ele obviamente nunca se conseguia fazer porque aquilo foi uma resistência aos elementos, aos inimigos. Sempre uma provação a vários níveis. Foi terrível, mas ele conseguiu e depois enfim, vamos-te falar nisso, teve uma morte absolutamente inglória. Mas é só por ver que, de facto, as pessoas são persistentes e ele conseguiu, na prática, na minha opinião, conseguiu o seu objetivo, que foi estar perto das Bolucas, mas lá chegaremos.
José Maria Pimentel
Sim. Eu queria começar pela ideia, ou seja, pelo projeto. De onde é que veio aquela ideia? A ideia, já agora para desmistificar dos mitos, o objetivo dele não era fazer a circunnavigação, era simplesmente ir até às Bolucas, que ele achava que fazia parte do lado espanhol de acordo com a divisão do mundo feita no Tratado de Tordesilhas, do lado anti-meridiano, do lado oposto ao que passa perto do Brasil e o objetivo era ir lá, ir pelo Pacífico, ele ainda não sabia que existia, mas ir pelo lado ocidental do continente americano e depois voltar. Portanto, a ideia não era dar a volta ao mundo, mas de onde é que lhe vem essa ideia, tanto quanto nós sabemos? Ele decide propô-la aos respanhóis porque se tinha ficado desavindo com o Dom Manuel I, mas a ideia em si, De onde é que vem?
José Manuel Garcia
Ora bem, eu penso que a ideia, tanto quanto eu estudei exaustivamente a gênese da origem do projeto do Fernando Magalhães, ela verdadeiramente só surge em 1516 em Lisboa e depois amadurece em 1517, a altura em que ele se vai então pôr ao serviço do rei de Castela, o Carlos I, que depois é famoso por ser Carlos V, o empresário da Alemanha. Mas ele verdadeiramente, há testemunho que para mim é o mais importante, que foi transcrito pelo grande cronista João de Barros, que conheceu os papéis todos do Fernando Magalhães, conhecia tudo do Fernando Magalhães, o grande cronista João de Barros na Ásia. Ele publicou uma frase que está na origem do diálogo que ele travou, porque a ideia surge num diálogo a milhares de quilómetros entre o Fernando Magalhães e o seu grande amigo Francisco Serrão, que tinha se estabelecido na Indonésia, mais longínqua, nas pequeninas ilhas ricas de Cravo, e que era quase o dono das Molucas, esse Francisco Serrão, e que ele, em 1514, escreve ao Fernando Magalhães para ele ir ter com ele as Molucas. E o Fernando Magalhães ficou entusiasmado que ele tinha estado, porque as Molucas são muitas ilhasinhas. E então há umas Molucas do Sul, que não têm as especiarias tão ricas, têm a Noz Moscada nas Ilhas de Banda, mas depois há as Molucas do Norte, Trenate, Teodoro, umas ilhasinhas pequeninas que há no Norte, do Equador, nessas Ilhas Molucas, que têm muita riqueza. E o Francisco de Serrão conseguiu lá chegar. O seu amigo, Fernando Magalhães, acabou por regressar, mas o Francisco de Serrão, que foi nessa expedição às Molucas dirigida por António de Abreu, ele... O Francisco de Serrão teve imensos acidentes, naufragou duas vezes, até que conseguiu chegar à Trenate e o Fernando Magalhães, bem calmamente, para Malaca, de Malaca para Lisboa, mas ficou sempre com aquela ideia de querer voltar ao Oriente. Agora, o que depois o Fernando Magalhães vai escrever, ao convite que o seu amigo Francisco II lhe escreveu em 1514, ele vai-lhe escrever uma carta em 1516 que o João de Barros cita, em que ele dizia ao seu amigo Francisco de Serrão, prazendo-o a Deus, eu estou a citar o João de Barros porque é melhor citar os que sabem como era o João de Barros, prazendo-o a Deus, se desveria com ele, Francisco de Serrão, nessas Ilhas das Molucas e que quando não fosse pervia de Portugal, por o Oriente, pelo lado português, que era o Oriente, seria pervia de Castela, por o Ocidente. Portanto, que os espanhóis tinham a parte ocidental devido ao Tratado de Ilhas. Porque em tal mal estado andavam suas coisas com Dom Manuel I, porque não lhe deu o aumento de 100 reais que ele queria e não deixou ir ter com o amigo pelo lado português. Portanto, que o esperasse lá, que o Francisco Serrão o esperasse lá nas Molucas que ele lá iria ter com ele. E de facto ficou isso combinado. O Francisco Serrão ficou à espera que o Fernando Magalhães lá fosse ter, por via ocidental, porque por via oriental o Dom Manuel não o deixou e, portanto, ele, aborrecido, foi-se pôr ao serviço dos espanhóis, afim, é melhor dizer castelhanos, porque eles eram mais próprios de castelhanos. E o Francisco de León estava à espera dele. Só que o Francisco de León teve azar, porque também morreu em 1521, foi envenenado, enquanto estava à espera do... E teria tido que esperar muito tempo de qualquer forma. Mas o Fernando Magalhães estava a chegar às Filipinas, que é a norte, há mil quilómetros das Molucas. Estava, realmente, perto. Mil quilómetros não é nada. Para quem faz milhares e milhares de quilómetros, mil quilómetros estava quase a chegar. Mas teve azar ele de chegar às Filipinas no dia 16 de março e está tudo bem controlado, esta viagem é muito bem conhecida porque tem grande cronista que é o António Pigafete e tem piloto que escreveu diário que é o Francisco Alves, portanto está tudo documentado rigorosamente, conhece-se muito, há umas duvidasitas, mas conhece-se tudo. E então, sabe-se que quando ele estava a chegar em 16 de março de 1521, foi na altura que o Francisco de Serrão viu-se envolvido em problemas nas mulucas e foi envenenado e morreu, queitado, e já não pôde encontrar-se. Até porque entretanto, também logo a seguir morreu o Fernando Magalhães. Eu gosto de dizer, enfim, é bocado tétrico, mas em 1521 morreram todos. Morreu o Fernando Magalhães, morreu o Francisco Serrão, morreu o Dom Manuel. Portanto, digamos que há assim os protagonistas desta história, eu gosto de ser por bocado moral, na ambição, na ganância de chegar à riqueza, ao domínio, ao fim do mundo e não sei o quê, e de ter o poder de todo o mundo, mas morreram todos. Portanto, digamos que foram os sucessores, neste caso, do Fernando Magalhães, que foi uma figura menor na altura, que depois se tornou famosa, o Sebastião de Alcântara, que acabou a viagem de forma ilegal, porque veio pelo lado português. O Dom Manuel, que não queria que o Fernando Magalhães fizesse essa viagem, que mandou a ALTEA persegui-lo, também morreu. Portanto, quem ficou com os problemas foi o filho dele, o João III, que teve a andar a negociar com o Carlos V e tiveram de assinar o Tratado de Saragossa em 1529 para resolucionar o problema. Portanto, haverá aqui muitos problemas, mas o Fernando Magalhães, em 1516, quando ele começou a ter estas ideias, ou há fidalgo português que diz, ficámos todos muito admirados que o Fernando Magalhães tivesse essas ideias, porque ele mesmo tinha dito, estava muito sossegado. Ele só não ficou sossegado quando o rei não lhe deu o aumento dos R$ 100 por mês no salário, que não era grande coisa, era uma coisa quase simbólica, que o iria promover socialmente. O rei, com as intrigas, não lhe deu o aumento. Aliás, andaram a discutir até o salário. Porque parece que ele queria 200 reais, o rei só dava 100 reais, ele queria mais os outros 100 reais. Andaram nesta discussão e depois o Flamengo disse, então deixa-me ir lá ter com o meu amigo lá ao Oriente. Também não. Então, ah não, então vamos embora. E então foi assim que o projeto nasceu e ele quando chegou a Espanha, a Castela, era muito famoso por causa das navegações que tinha feito e prometi porque ele tinha feito cálculos e tinha mapas e tudo com o Faleiro, o seu amigo Faleiro. O Rui Faleiro. O Rui Faleiro que tinha conhecimentos astronómicos, embora o Rui Faleiro não é muito conhecido e ele era bocado teórico, na prática algumas das ideias que ele tinha não eram muito rigorosas, a gente sabe por momentos, mas a verdade é que o Fernando Magalhães confiava nele para ser o cientista da expedição. Ele era o executivo e ele era o cientista.
José Maria Pimentel
O Rui Faler é uma personagem muito interessante porque quando o Carlos I lhe concede a autorização para a viagem eles veem como... Quer dizer, se aquilo fosse uma empresa eles eram sócios a 50% de cada uma. O Fernando Magalhães e o Rui Faleiro, o que é incrível, depois o Rui Faleiro como... Enfim, acho que ele tinha... Era depressivo, ou enfim, tinha problemas de saúde mental, iríamos nós hoje em dia, e portanto acabou por não ir na viagem, teve que ser substituído. Mas ao mesmo tempo é engraçado porque essa parceria mostra o lado, enfim, diríamos científico ou proto-científico no mínimo, que a viagem tinha porque ele era cosmologista na prática, não era?
José Manuel Garcia
Era astrónomo, tinha, digamos, o estatuto de astrónomo.
José Maria Pimentel
Porque o ponto é, a viagem do Fernando Magalhães dependia toda da questão do anti-meridiano, não é? Ou seja, do lado de lá de meridiano, traçando o meridiano do lado de lá, através da longitude, onde é que calhavam os molucas, de lado a outro, não é? Daí a importância do Rui Faleiro.
José Manuel Garcia
O Rui Faleiro tinha a ambição, de acordo com algumas ideias que depois veio saber que estavam erradas, que era a forma da declinação magnética da bússola. Ele tinha método que permitiria determinar a longitude.
José Maria Pimentel
Era muito difícil de calcular. Era muito
José Manuel Garcia
difícil, mas mesmo assim era possível, porque havia, através da Lua, dos astros, as posições dos astros, era preciso haver bom astrónomo para conseguir fazer isso, e nomeadamente o substituto científico do Faleiro, que foi o André de San Martín, que era astrónomo espanhol que acabou por ter algum protagonismo durante a viagem, ele conseguia determinar bastante bem a longitude. Portanto, não é completamente impossível, não era preciso cronómetros como se inventaram no século XVIII para conseguir, embora houvesse sempre muitas discussões. Porque, de facto, quando o Fernando Magalhães tinha feito os seus cálculos com o Faleiro, a verdade é que ele falhou por muito pouco. Enquanto os espanhóis diziam que o antemardiano passava pelo Rio Ganges ou por Malaca, estava a errar mais de 4 mil a 5 mil quilómetros, enquanto que o Fernando Magalhães, nos cálculos que ele fez e apresentou ao Carlos V, só falhava.
José Maria Pimentel
O Fernando Magalhães vai com o Guenys e o Rui Faleiro.
José Manuel Garcia
E o Rui Faleiro, portanto, mas a declaração feita dos cálculos oficiais foi feita pelo Fernando Magalhães e tinha por base certamente o que o Rui Faleiro lhe teria dito. Mas a verdade é que o Fernando Magalhães sempre deu a cara e apresentou o documento ao Carlos V em que ele falhava quase... Ele achava que de facto as mulucas estavam no lado espanhol, castelhano, mas por pouco, uns 100 ou 200 quilómetros.
José Maria Pimentel
E não estavam, mas também
José Manuel Garcia
por pouco. Mas por muito pouco, aquilo era uma discussão que havia ali de 400, 300, 400, 500 quilómetros. Eles não... É muito pouco, mas ele achava que valia a pena arriscar porque ele achava que conseguiria provar mas falhou, porque de facto depois quando ele chegar às Filipinas, esse é o grande mistério que existe, de acordo com o depoimento do Francisco Alves, que era o piloto principal que acabou por sobreviver a todas estas crises e mortes e dificuldades da viagem. Foi o único piloto que escapou entre os 18 que regressaram a Sevilha, porque houve uns que ficaram em Cabo Verde, depois voltaram também, não foram só 18 como se costuma dizer, foram 18 mais ou instantes. A verdade é que o único piloto que ficou foi o Francisco Alves, que aliás era grego, e que tinha feito cálculos muito rigorosos, segundo parece, também baseado no que o São Martins teria lhe dito, que ele é que era o especialista. E então, quando ele chega às Filipinas, ele diz as Filipinas estão a 189 graus da linha do Meridiano que passava pelo Equador e passava pelo Abelém do Pará, pela zona da Foz do Amazonas, por aquela zona... Portanto, contando 180 graus para o lado espanhol, tinham passado 9 graus. Portanto, 9 graus, as molucas estavam no lado português.
José Maria Pimentel
Só para seguir a linha temporal, desde a ideia da viagem, à preparação da viagem, à viagem propriamente dita. Ainda no terreno da ideia, há aspecto que eu não sei se percebo completamente ou não sei se consigo avaliar completamente porque por lado a ideia de Magalhães em certo sentido passa a seguir do que já foi feito o Colombo descobre a América, os portugueses chegam ao Brasil, já tinham ido pouco abaixo do Brasil já tinha havido navegadores creio que espanhóis na zona do Panamá que terão visto o outro lado, portanto, sabia-se que havia oceano do outro lado. O continente devia ser finito à partida, a não ser que fosse muito diferente do lado ocidental e, portanto, o passo a seguir seria até estar a contornar para baixo, como os portugueses tinham feito com o cabo da boa esperança, não é? Isto num certo sentido, não é? Exatamente. Num outro sentido. Exato. Era terreno desconhecido e era, quer dizer, o que nós poderíamos dizer uma certa maloqueira, não é? Tipo de lançar-se à aventura, a tentar passar estreito ou cabo, não é? Que não se tinha a certeza de se existir, do lado sul do continente americano, e a atravessar oceano cuja extensão também não se sabia. Não era aquela questão, aquele mito que havia antigamente, que as pessoas achavam que a Terra era plana, não se sabiam perfeitamente que era globo, mas não tinham noção provavelmente da verdadeira dimensão da massa que o esperava ali. Ou seja, o que é que é verdade, entre a primeira explicação que é pouco mais corriqueira, dizer, no fundo, Magalhães fez o que qualquer outra pessoa teria feito, qualquer outra pessoa, isto é, o que muitos navegadores teriam feito, que era o passo a seguir de controlar o continente americano, ou o outro lado dizer que o que ele fez foi uma coisa completamente audaciosa e tão fora que, se ele não tivesse feito, ninguém o teria feito, pelo menos nas décadas seguintes.
José Manuel Garcia
Eu acho que as duas posições estão corretas, de certa forma, porque o Fernando de Magalhães, ele era conhecedor, sobretudo, do Oriente e tinha uma noção da dimensão do mundo bastante rigorosa, porque de facto a ideia dele na prática era a ideia de Gustavo Colombo e a ideia de Gustavo Colombo é a ideia do Paulo Toscanelli. Foi Paulo Toscanelli que teve a ideia em 1474 e depois o Gustavo Colombo estava em Lisboa, apanhou a carta do Toscanelli para o rei do Afonso V e para o Fernando Martins, portanto ele apanhou a ideia porque o Toscanelli é que teve a ideia de ir para o ocidente. Quem é o Toscanelli? O Toscanelli era grande astrónomo florentino que tinha correspondência com a corte portuguesa e que era amigo de Fernando Martins que tinha estado a discutir problemas geográficos em Florença e depois ele pediu, o Fernando Matisse pediu ao Toscanelli para lhe dar a informação qual é que era o melhor caminho para chegar à Índia, à Ásia. Se era pelo lado dos portugueses que andavam na África do Sul, andavam a explorar a África para chegar à Índia, que é lógico, não é? Mas eles tinham, o Tosca Nelo tinha uma ideia muito avançada que era vamos para o Cidete que é mais perto, porque ele achava que o mundo era pequenino. Mas não eram os portugueses que sabiam que o mundo era maior por causa do cálculo do grau terrestre.
José Maria Pimentel
Mas eles tinham, e isso é algo que eu ao bocado disse que havia uma certa incerteza da dimensão do globo, mas eu creio que se sabia, não é? Bem, isso até foi estimado na Grécia Antiga, já não sei por quem, mas...
José Manuel Garcia
Sim, havia... Na Grécia tinha-se conseguido determinar teoricamente a dimensão do mundo, mas essas ideias foram-se perdendo. E de facto, quando, por exemplo, esse Tosca Anelli, mesmo a Árabes e tudo tinham calculado a dimensão do mundo, a maior parte deles falhava porque achava que o mundo era mais pequeno. E o Tosca Anelli manda cálculo da separação de Lisboa até Cipango, o Japão e a China e não sei o quê, que era muito pequenina. E então ele achava que os portugueses que fossem de Lisboa para a Ásia facilmente conseguiam atravessar o Atlântico e chegar à Ásia do outro lado. E o Cristóvão Colombo apanhou essa carta, copiou, aliás a gente conhece essa carta do famoso Tosca Anelli que inspirou, porque não foi ele que inventou, foi o Tosca Anelli. O Colombo
José Maria Pimentel
já se tem inspirado por ele.
José Manuel Garcia
Foi o Tosca Anelli, que é conhecido, mas que foi ele o cérebro, aliás o Tosca Anelli também já se baseou noutras ideias. Mas de qualquer maneira o ponto de partida é, o Tosca Anelli enviou a mensagem, Os portugueses não ligaram nada a Toscanelli. Quem é que ligou? O outro italiano, o genovese, o Cristóvão Colombo, que disse eu consigo fazer isso, só que o D. José II não lhe deu o apoio. E é verdade. O D. José II disse, não, não, isso você está enganado porque o mundo é muito maior, até teoricamente a gente pode lá ir para o Oriente pelo Oceano Atlântico, mas é muito longe, não dá resultado nenhum. E tinha razão. E tinha razão, porque de facto o D. João II dizia, bom é capaz de ver umas ilhas, portugueses andavam à procura de ilhas no Atlântico, mas não conseguiam encontrar, tirando os Açores e a Bandeira e o Capo Verde e São Tomé, não conseguiam encontrar muito para longe. Mas ele disse, não, nós conseguimos encontrar. E então, como o 2º não lhe deu apoio, foi-se pôr a pedir apoio aos reis católicos, Fernando e Isabel, que lhe deram apoio em 1422, e descobriu a América, embora, como sabemos, por erro tremendo. Aliás, é apontamento que eu gosto de dizer, que a história da América tem dois erros fantásticos, que foi o Cristóvão Columbus e que tinha chegado à Ásia quando chegou à América, e depois o nome da América ter sido posto de uma forma completamente errada, porque houve senhor, Wandschmiel, que escreveu em 1507, que ah, este continente devia ser, eles descobriram na altura que era continente, não era a Ásia, que isso devia ser chamado Américo, em homenagem ao Américo Vespúcio, que ele é que descobriu a América e portanto deve-se chamar Américo. Errado, Obviamente não foi o Américo Vespúcio que descobriu a América. Ele tinha andado a divulgar que aquilo era novo continente, mas foi muito depois do Gustavo Colombo. Portanto, ninguém ligou ao Gustavo Colombo como descobridor. Não se chamou Colômbia, como depois há país chamado Colombo, mas não se chamou a América Colômbia de Colombo, chamou-se de Colombo por erro. Portanto, a história está cheia de erros. E do Fernando Magalhães, só para ir diretamente ao assunto, o Fernando Magalhães sabia que piloto português que chamava João de Lisboa, em 1514, que o Fernando Magalhães conhecia porque também foi a Azamor, como ao Fernando Magalhães, ali a Marrocos. Isto é uma coisa que nem os próprios argentinos, nem os uruguais têm uma noção, infelizmente a história está mal divulgada. O João de Lisboa foi de Lisboa para o Rio da Prata em 1514 e depois, até falou aliás, alemães que divulgaram isso numa carta em alemão etc. Que ele pensava que por aquele rio da prata que era o ponto mais azul da América do Sul que se conhecia, que se por ali haveria caminho que podia dar para Malaca. E então o Fernando Magalhães disse, bom, então é por ali mesmo. E ainda por cima, é muito curioso, porque a latitude do Rio da Prata é a mesma latitude do cabo da Boa Esperança. Então, 34, 35 graus. E ele disse, é por ali de certeza. E então ele andou a dizer ao Carlos Quintal, eu sei esse caminho e ele aliás tem mapa que mandou fazer aos cartógrafos portugueses Pedro e Jorge Reinelen que tinha o capo de Santa Maria que era o Rio da Prata e que era só ir por ali adiante só que quando ele lá chega em 1520, bom, isto afinal não, isto é rio enorme, não é? A foz do rio, então pronto, é enorme, eles pensaram que de facto havia por ali uma passagem, mas não havia. E então tiveram de ir para o sul, com grande sacrifício e tal, porque ele não desistiu. Porque ele estava a acreditar numa coisa que também falhou, não era o extremo sul da América, o extremo sul ainda era muito para baixo.
José Maria Pimentel
Ainda era muito mais, pois é isso.
José Manuel Garcia
Era porque aquilo está a 34° e ele está a 54°. É uma diferença muito grande.
José Maria Pimentel
Já lá vamos. Já disse isto várias vezes. Queria só fechar, enfim, o projeto é ver, ele consegue que o projeto seja aceito pelo Carlos I e depois disso tudo tem uma série de peripécias, eu recomendo que esteja a ouvir, que leia o seu livro ou se forem mais preguiçosos que vejam o documentário que passou na RTP, que está muito giro portanto, tudo isto tem uma série de peripécias. Há ponto que eu confesso que também não tenho a certeza de entender completamente, que é o seguinte, fala-se muito da oposição que houve ao projeto, tanto do lado português, ou seja, tanto da coroa portuguesa, que terá tentado sabotar vários níveis, como dos próprios espanhóis, que viam o Magalhães como sendo português e, portanto, desconfiavam por aí. É muito fácil, perante estes factos, a pessoa extrapolar daqui certo anacronismo, que é interpretar estes factos à luz da cultura de hoje, que vivemos num tempo de Estados-nação, em que a nacionalidade tem peso e tem, sobretudo, carácter discreto que não tinha naquela altura. Naquela altura a noção de ser português ou espanhol ou de ser castelhano não era tão impositiva como é hoje. Porém, é muitas vezes referido naquele caso. Ou seja, o que é que aquilo queria dizer na verdade? Porque na altura o próprio Magalhães diria que era mais alguém que servia ao rei português do que propriamente português de nacionalidade, como nós diríamos hoje, não é? Mas daí se é muito referido, não é? Aquilo era mesmo o facto, ou seja, havia mesmo essa, por lado, essa rivalidade entre cruas e por outro lado a desconfiança por ele ser português?
José Manuel Garcia
Havia uma desconfiança da parte, digamos, de rivais castelhanos que não viam com bons olhos o Carlos V ter confiado num português. A verdade é que o Carlos V confiou num português porque os castelhanos não eram capazes de lá ir. Porque a verdade é que os castelhanos já tinham feito várias tentativas de passar para o outro lado, para o chamado Mar do Sul, que é o Pacífico, que foi avistado em 1513 pelo Balboa. Lá no Panamá? Exato, no Panamá, ele chama-lhe Mar do Sul, no Panamá ou Oceano Pacífico, chama-lhe em 1513 e até 1521, até a altura em que o Fernando Magalhães atravessa o Pacífico e lhe chama Pacífico, então a partir daí é Oceano Pacífico e já não é Mar do Sul, porque foi o Balboa que lhe chamou. Mas de qualquer maneira os espanhóis tentaram de todas as maneiras possíveis imaginárias passar aquela barreira. Porque para os espanhóis a América era muito aborrecida porque aquilo não dava riqueza nenhuma na altura, só que depois mais tarde, em 1821 precisamente, é que quando o Cortês conquista o México e vem muito ouro, começa a vir ouro, mas até à altura da viagem do Fernando Magalhães, aquela América era uma barreira, aquilo que eles queriam era passar da América para ires buscar as especiarias. Era uma chatice literalmente. E o Fernando Magalhães é que conseguiu provar, ou pelo menos tinha uma teoria consistente, porque ele tinha uma grande experiência do Oriente, sabia navegar e ele com a persistência, viu que era muito persistente, o Carlos I de Castela e deu-lhe todo o apoio. Agora, os espanhóis, temos de reconhecer, ficaram com inveja e não queriam reconhecer e fizeram-se para oposição interna, porque eles obedeceram ao Carlos. Bom, vamos ter de ir com ele para fascílico navio, quatro capitães castelhanos, e tiveram de ir com ele, porque o Eiffeler ficou pelo caminho por problemas de saúde mental, que ele de facto estava ao nível do Fernão Magalhães, eram os dois metade metade. Mas só como ele entretanto não teve saúde mental, ele acabou por ficar em Sevilha e não foi. De modo que os outros capitães que foram, foram para obedecer ao rei porque eles por lado não tinham conhecimento nenhum, aqueles quatro capitais, não, por acaso havia que era o João Serrão, esse que era capitão.
José Maria Pimentel
Ele era português ou espanhol? Há umas dúvidas, não é? Há pessoas que
José Manuel Garcia
dizem que é português, mas esse parece que não, poderia ter uma origem portuguesa remota, mas ele era mesmo castelhano. O João Serrão, há uns que até diziam que era parente do Francisco Serrão, se era, porque havia muitos portugueses que tinham ido para a Espanha ao serviço, eram muitos pilotos. Por exemplo, três dos pilotos que o Fernando Magalhães levava, os três pilotos mais importantes do Fernão Magalhães eram portugueses que tinham ido por-se ao serviço de Castela em Espanha, não é? Portanto, o João Serrão era capitão do navio mais pequeno, o Santiago, e era piloto também, esse era mesmo piloto. Os outros eram pilotos, era fundamentalmente portugueses, é o que sabiam mais navegar, não é? E, portanto, o Fernão Magalhães estava convicto daquela possibilidade que foi balde de água fria, que ele e todos tiveram, pois aliás os castelhanos queriam voltar para trás porque viram que aquilo tinha falhado no Rio da Prata. E então Fernando Magalhães é que foi mentor, porque se não fosse ele, eles tinham voltado para trás. Aliás, como sabes, fizeram uma conspiração no puerto de São Juliá, na Argentina, que queriam obrigar o Fernando Magalhães a voltar para trás, mas ele conseguiu vencer os revoltosos na prática, porque os castelhanos nunca conseguiram, por isso é que ele viu que era homem de confiança
José Maria Pimentel
e conseguiu persuadir o Carlos I. Desculpe-te, eu insisti neste ponto, mas a minha dúvida é como é que nós podemos explicar alguém que vive no século XXI no contexto em que o Estado-nação é ainda, apesar de tudo, uma coisa importante, se calhar menos do que já foi no passado, mas ainda é importante, não é, que nós temos este conceito de nacionalidade partilhada que corresponde às fronteiras políticas, ou seja, nós sentiremos alguém que vive perto da fronteira com o Espanha, como igualmente portugueses, e depois passamos para lá e a pessoa já é espanhola e sente-se tão espanhola como uma pessoa que vive... Enfim, eu ia dizer em Barcelona, e se calhar não tanto, mas pelo menos bastante mais distante. Naquela altura não acontecia isto, ou seja, tudo isto era muito mais difuso. O que é que aquilo era verdadeiramente? Ou seja, havia mesmo... A nacionalidade tinha mesmo ali peso, na antipatia que muitos castelhanos, ou seja, muitos outros pilotos, outros marinheiros, tinham em relação a ele, ou aquilo no fundo era uma, diríamos hoje, uma rivalidade profissional mascarada, ou legitimada de certa forma, de uma espécie de aversão nacionalista?
José Manuel Garcia
Bom, não é fácil responder à questão, mas podemos dizer que de facto existia mesmo uma rivalidade entre portugueses e espanhóis e havia com os castelhanos. Sim. Porque de facto na altura... Não, é
José Maria Pimentel
mais fácil assim. Quando dissermos espanhóis estamos a falar de castelhanos. É castelhanos
José Manuel Garcia
porque de facto o negócio foi feito com a coroa de Castelo e não foi feito, por exemplo, com a de Aragão, porque o Carlos V foi primeiro soberano ao FIOCAP, que foi rei simultaneamente de Aragão, de Saragossa, de Barcelona, do Navarra, daquelas partes todas de Espanha, que estavam a começar a ser unificadas devido aos reis espanhóis. Foi com o
José Maria Pimentel
casamento, não é?
José Manuel Garcia
Exatamente. Só que aqui podemos dizer, até porque os portugueses e os espanhóis eram rivais, mas por outro lado, entendiam-se devido à política de casamentos. Nomeadamente, por exemplo, o D. Manuel casou com três mulheres de Castela. A primeira era filha dos reis católicos, a primeira e a segunda mulher e a terceira era irmã de Carlos V. Portanto, eles queriam muita aproximação, aliás havia a ambição, até de... O D. Manuel teve a ambição de ser rei da Península Ibérica toda, mas a primeira mulher morreu e não conseguiu ser Rei. Mas havia uma rivalidade grande. Só que de facto o Fernando Magalhães, quando se pôe ao serviço de Carlos V, ele anteriormente quase que parece que teria acontecido isso, quando ele se vai embora, ele pede a autorização ao Rei de Dom Manuel, posso-me pôr ao serviço, já que você não me dá o que eu quero, posso-me pôr ao serviço do Rei de Castela?" Ele disse, vá-se embora, pode fazer o que quiser que eu não tenho nada a ver com isso. Só que o D. Manuel na prática não estava a pensar que ele ia fazer projeto que o prejudicasse, porque o D. Manuel era muito decioso dos seus bens, para ele desde o Brasil até às Molucas e à China era tudo dele. Mas quando ele depois soube que o Fernando Magalhães andava na corte do Carlos V, aliás é uma situação paradoxal, e os embaixadores portugueses na coroa de Castela diziam ao Carlos I, Carlos V depois imperador, tenta você agora andar aqui a negociar o seu casamento com a irmã, a dona Leonora, a irmã do Carlos V e andar a dar apoio a traidor português que quer prejudicar os interesses do nosso rei, que vai casar com a sua irmã. Isso não está bem feito. Só que o Carlos V dizia, não, isto são interesses económicos, nós somos amigos, somos familiares, é tudo família, aquilo era tudo sempre família de portugueses e castelhanos, mas há interesse económico. O Fernando Magalhães é homem prático e científico, disse-me isso. Ele pôs só o meu serviço, já não está ao serviço do rei de Portugal.
José Maria Pimentel
E ele achava que não estava a furar o tratado de presídios, na verdade. Ele não, ele dizia que
José Manuel Garcia
estava a cumprir porque ele dizia que aquilo era parte dele. E o Carlos V deu seu cobertor ao Ferdão Magalhães até ao fim e acreditava mesmo nele, porque os rivais, como lhe disse há pouco, Os três dos capitães nunca tinham entrado num barco. De modo que era só porque eram fidalgos que alguém tinha de ir lá a comandar os navios porque o faleiro falhou. E então podemos dizer que havia da parte dos castelhanos iam lá a fazer frete para controlar de certa forma o Fernando Magalhães e não conseguiram controlar. Portanto, o Fernando Magalhães impôs, aliás, é de salientar o facto, a viagem foi quase toda feita sempre sob o comando dos portugueses, porque foi primeiro pelo Fernando Magalhães, depois pelo seu primo Mesquita e depois a seguir pelo outro familiar dele que era o Barbosa, Eduardo Barbosa. Era o que andava? O Fernando Barbosa era sobrinho do sogro de Fernando Magalhães. Casou com uma filha de português em Sevilha, Barbosa, e casou com essa filha desse importante português que estava em Sevilha, porque havia muitos portugueses ao serviço dos reis de Castela também e ganham muita influência. E depois os dirigentes dos navios tinham o tal João Serrão, que era castelhano. Na prática aquilo era tudo controlado pelos portugueses. Aliás, note-se, além do Fernando Magalhães, houve 33 portugueses em 237 homens da expedição.
José Maria Pimentel
Era a segunda nacionalidade mais representada, acho eu, não é?
José Manuel Garcia
Depois dos castelhanos, castelhanos de todo lado, de sevilhanos, de país basco, de todo lado. Sim, aquilo parecia
José Maria Pimentel
uma marca de moeda
José Manuel Garcia
nacionalidade. Mas tinha muitos italianos, tinha muitos franceses, até tinha inglês, só foi Eram irlandeses, gregos, holandeses, flamengos e alemães e tudo. Era todos os países da Europa. Aquilo é projeto europeu dos 237, 34, que incluindo o Francisco Magalhães, eram portugueses. De modo que os portugueses eram bem pagos porque inicialmente temos de reconhecer os castelhanos e espanhóis no conjunto, não acreditavam muito na expedição e então tiveram de recrutar muita gente fora de...
José Maria Pimentel
Pois, foi difícil.
José Manuel Garcia
Exatamente, tiveram de recrutar indivíduos desde a Grécia, que andavam ali por Espanha.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, essa dificuldade não era uma vontade de ter ali melting pot.
José Manuel Garcia
Era autenticamente uma mistura, Porque
José Maria Pimentel
o chefe era português,
José Manuel Garcia
depois os pilotos, a maior parte eram portugueses e os representantes eram de todas as nacionalidades, sobretudo irlandes e franceses, de modo que os castelhanos eram a maioria, mas mesmo assim havia uma representação muito forte de todas as nacionalidades. Portanto, era projeto europeu controlado pelo Carlos V, de orientação científica única, exclusivamente português. O projeto foi único, exclusivamente castelhano, mas sob a orientação toda dos portugueses. Não só de Fernando Magalhães, mas do Mesquita e do Barbosa, que são os protagonistas da viagem, na prática. Tirando os espanhóis que foram ficados pelo caminho, que foram mortos e executados, porque se revoltaram contra o Fernando Magalhães.
José Maria Pimentel
E esse ponto que referiu anteriormente, acho interessante porque houve algumas figuras carcelianas importantes que foram, até, enfim, nobres, quer dizer, com poder na corte, que foram na viagem e que tiveram por trás do mutim que depois, ou de mais do que até, na verdade, que ocorreram durante a viagem. E o Zé Manel disse que eles de certa forma estavam, quer dizer, não é que fossem, para usar termos dojos, na desportiva, mas de certa forma eles estavam... A ideia que eles tinham não era a mesma de Magalhães no sentido das provações que eles estavam dispostos a sofrer. O que também explica depois o que veio a acontecer, não é? Porque enquanto Magalhães estava... Quer dizer, aquilo era quase uma missão de vida, não é? Ele ia até onde fosse preciso e ele tinha, enfim, ele teria noção do que estava a arriscar fortemente a vida, não é? E eles não estavam dispostos a isso,
José Manuel Garcia
não é? Sem dúvida. O que
José Maria Pimentel
aliás é bastante legítimo, diga-se.
José Manuel Garcia
É, é, porque eles, como disse há pouco, utilizando assim verbo bocado vulgar, eles estavam a fazer frete porque eles não estavam para ali virados, mas como o rei os obrigou a ir e eles foram, tiveram de cumprir, só que eles iam a ver o que é que aquilo dava, não é? Portanto, o segundo...
José Maria Pimentel
Portanto, quando acontece... Desculpe interromper, quando... Estamos outra vez a ir pouco à frente, mas quando o cruzar do continente americano pelo sul, ou seja, a passagem do Estreito se revela estar muito mais a sul do que se achava. E quanto ao ponto de vista do Magalhães, acho que ele chegou a dizer que ia quase até a Antártida. Para eles não, quer dizer, para eles ok, então afinal o Rio da Prata é rio e não é Estreito, vamos embora,
José Manuel Garcia
não é? Pois é, exatamente assim.
José Maria Pimentel
E depois quando finalmente chegaram ao Estreito, disseram, bom, está visto, então vamos voltar para trás, que já não teve esmantimento.
José Manuel Garcia
Aquilo é uma história muito dramática, porque o Fernando Magalhães teve de se impor desde o princípio que o segundo capitão morre. O segundo capitão a seguir ao capitão morre que era o Fernando Magalhães era o João de Cartagena que nunca tinha navegado. Não é tanto o segundo da hierarquia. O João de Cartagena nunca tinha, nem ele nem os outros dois, que depois foram executados. Ele era
José Maria Pimentel
filho do Bispo Fonseca, não é?
José Manuel Garcia
Pois, parece que sim. Parece que era o filho ilegítimo. Era uma figura bastante... Não está aprovado cientificamente, mas toda a gente diz que sim, e eu também admito que sim, portanto era muito próximo e por isso é que foi escolhido para substituir precisamente o Rui Falero, que ficou pelo caminho e então ele foi substituído para controlar o Fernando Magalhães, portanto e depois ele revoltava, disse, mas eu sou o segundo, tenho de saber tudo. Mas o Fernando Magalhães disse, não, Eu é que sei. Eu é que sei.
José Maria Pimentel
Ele era tipo complicado.
José Manuel Garcia
Não deixava ninguém, digamos, discutir as ideias dele. De tal forma que ele logo, passado de Cabo Verde, ainda no meio do Atlético, ele manda prender o Juan de Cartagena, que vai preso até chegar ao puerto de Sarrulhão, onde eles se revoltam contra o Fernando Malhão. Eles dizem-lhe, sorrida prata, não foi a passagem, a gente não sabe lá onde é que isto vai ter. Tanto mais que a costa de Argentina era muito árida, aquilo não tinha interesse nenhum, era muito frio e havia muitas tempestades, e eles tiveram de parar durante três meses em Puerto de São Julián. Foi aí que eles se revoltaram. Vamos aí embora. Passar o inverno. Isto aqui não interessa nada. E então ele consegue superar e vencer a revolta e depois quando finalmente chegam ao Estreito de Magalhães, conseguem entrar no Estreito de Magalhães, que perceberam que ia dar ligação ao Mar do Sul, ao Pacífico. Aí ainda por cima há uma outra, a grande traição que resultou de português, do Porto, o Estevão Gomes, que é uma coisa incrível, que na altura era o principal responsável da pilotagem da Nau Santa Tónia, que era a maior da Armada, e então obriga a Santa Tónia a regressar a Espanha, pronto, à Polícia Libérica, a Sevilha, e os outros três navios continuam, porque entretanto tinha havido o do Santiago, do João Serrão, que tinha naufragado na Argentina. E então, portanto, ele tem de enfrentar o desconhecido e impõe, impõe alegadamente a discutir, vale a pena ou não vale a pena, porque haviam uns que diziam, não, a gente já descobriu o estreito, agora vamos embora, vamos reabastecer e voltamos outra vez. E o Fernando Magalhães disse, temos de ir para a frente, porque eu prometi ao Imperador Carlos V, na altura já era Imperador Carlos V, que ia conseguir e por outro lado sabia que não podia voltar para Portugal, porque senão o rei também o matava, de modo que ele não tinha outra alternativa, se ir para a frente. E ele tinha o apoio da maioria dos tripulantes. Portanto, só alguns castelhanos que se tentaram revoltar e os do Santo António que voltaram. Ainda houve cenas de grande violência porque o Estevão Gomes, português do Porto, teve de lutar contra o Álvaro Mosquita, que era o primo do Magalhães de Estremoues, tiveram os dois portugueses a andar à luta, até que o Álvaro Mosquita, coitado, é preso e depois vai até ficar preso em Sevilha porque ele dizia que não estava a obedecer às ordens e não sei o quê, portanto voltam todos para trás nessa nossa datória e o Fernando Magalhães ficou frustradíssimo, nunca pensou que o atraiçoassem.
José Maria Pimentel
Mas ele também cometeu erro, não é? Porque o Estevão Gomes basicamente era o piloto mais experiente, mas ele meteu o primo
José Manuel Garcia
a capitanear o barco, não é? Sim, sim, exatamente, era porque ele queria, o Estevão Gomes queria ser o capitão e então não queria que fosse o Álvaro Mosquita que não teria experiência também, mas era primo, era por ser família. E ele ficou revoltado, então agora eu devia ser o capitão, tal como o João Serrão era, ele também devia ser. Mas não, O Frato foi revoltado e mesmo o outro capitão, que era o Eduardo Barbosa, também era português. Eu disse, agora estão todos portugueses aqui a me comandar e eu que sei navegar não sou capitão. E então revoltou-se e foi uma frustração muito grande para o Fernando Magalhães.
José Maria Pimentel
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José Manuel Garcia
Está a 24 graus a sul do Rio da Prata.
José Maria Pimentel
24 graus a sul?
José Manuel Garcia
20 graus. O Fernando Magalhães, como disse há pouco, ele disse que estava disposto a ir até 75 graus, que era até a Antártida. Ele tinha aquela ideia que tinha de haver sítio e havia.
José Maria Pimentel
Mas é preciso perceber, eles estavam a viajar e é sempre incrível ver esta distância numa casca de nojo, na prática. Todos atafulhados em cima uns dos outros com mantimentos a acabar com frio brutal. E eles tinham o lado meio louco, o Magalhães, porque eles tinham morrido todos se tivessem descido mais.
José Manuel Garcia
Sim, não sei até onde eles iam aguentar, porque o Fernando Magalhães teve de esperar mais de 3 meses no Puerto São Juliano, sítio também inóspito, por causa de esperar encontrar tempo melhor. E depois quando o tempo melhorou ainda tiveram de esperar mais tempo, portanto porque realmente não foi ano, mas foi muitos meses e depois eles demoraram mês a atravessar o estreito de Magalhães, que são 600 quilómetros, não é muito, mas porque entretanto andaram à procura da Santa Tónia que tinha fugido e isso durou muito tempo. Voltaram para trás, andaram ali à espera, não sei o quê, porque eles teoricamente, embora fossem a explorar, eles apanharam uma época boa em outubro, que era uma época relativamente boa em que aquilo não estava tão gelado e congelado como aquilo geralmente costuma estar. E eles tiveram de esperar, por isso é que tiveram tanto tempo à espera lá no Porto São Rolinhão. E quando conseguiram passar, até conseguiram, com muita habilidade, conseguiram passar, porque o Estreito de Magalhães é perigoso, mas eles até nem tiveram grande problema. Demoraram mês, mês, mês a passar, pouco mais de mês. Por causa de andar à procura da Santa Tânia, senão tinha feito mais depressa. E eu estive lá no Estreito do Magalhães e aquilo de facto é impressionante, mas é relativamente largo. Aquilo é quase do tamanho da largura do Mar da Palha, portanto, aqui em Lisboa.
José Maria Pimentel
É largo já sabendo do caminho. Aquilo é uma espécie de labirinto.
José Manuel Garcia
Sim, aquilo é labirinto. Eles andaram bocado... Mas aquilo seguindo sempre a norte eles conseguiram e conseguiram de forma direita embora andaram lá a explorar e foi nessa altura que andava a explorar que o Santo António se fugiu. Mas, para termos uma noção o Estreito de Magalhães, que foi o ponto decisivo da viagem, ele conseguiu encontrar ponto de retura na América que lhe permitiu avançar para outra viagem de três meses pelo Pacífico. Também teve sorte porque não teve problema nenhum no Pacífico. Porque geralmente há tempestades, mas teve azar, porque não teve...
José Maria Pimentel
Na opinião foi sítio nenhum para parar.
José Manuel Garcia
Exatamente, não teve pontos de apoio. Teve bom tempo, durante uns meses, foi sempre com uma boa velocidade e conseguiu atravessar, porque ele tinha uma vaga noção da dimensão do mundo. Porque, pá, uma das coisas mais importantes Na viagem de Fernando Magalhães, que eu digo sempre, foi que... E por isso é que eu digo que o Fernando Magalhães foi o maior navegador e descobridor de todos os tempos, mais que o Vastra Gama, Cristóvão Colombo e todos os outros. Porquê? Porque o Fernando Magalhães... Isto é muito importante as pessoas terem uma noção que geralmente não têm. O Fernando Magalhães, à conta dele, descobriu metade do mundo. Porque nós quando começamos a ver, por exemplo, ele começa a descobrir a partir do Rio da Prata. Para baixo é por margem do cadáver dos navegantes, como dizia o Ramon, mas ninguém conhecia aquilo. Então desde a longitude, se a gente medir num mapa, no
José Maria Pimentel
Google, etc,
José Manuel Garcia
longitude do Rio da Prata e depois formos a medir a longitude onde está as Filipinas, Cebu, onde ele foi ter-a, são 20 mil quilómetros. Se a gente mede no Equador, que as distâncias devem ser medidas no Equador, 20 mil quilómetros. O Equador tem 40 mil, portanto ele fez 20 mil desde o Rio da Prata até Cebu, fez metade do mundo porque não era conhecido. É evidente que a maior parte dessa viagem foi pelo Pacífico e é só água. Aliás, também é outra grande vantagem dele. Ele descobriu que o maior oceano era o Pacífico e que a Terra tem mais água do que Terra. Foi ele que descobriu, porque anteriormente ninguém tinha uma noção exata. Embora quando ele vai começar a viagem em 1919, com esse mapa que ele mandou fazer aos cartógrafos portugueses Jorge e o pai, o Pedro Reinel. Esse mapa que é fabuloso, foi mapa que se perdeu infelizmente, mas há uma boa cópia desse mapa que estava na Alemanha e que desapareceu, mas esse mapa mostra que ele já tinha uma noção que desde o Rio da Prata até às Molucas, onde ele pensava que era, havia muita água. De modo que ele até tinha uma noção, enquanto que os outros não tinham noção nenhuma. Esse mapa é muito giro. Esse mapa, ele mostra...
José Maria Pimentel
A América do Sul é assim Vai até ao Brasil, deixa
José Manuel Garcia
faca para poder... Vai até ao Cabo de Santa Maria, que é o Rio da Prata, que tinha sido descoberto pelo João de Lisboa.
José Maria Pimentel
Não, isso de facto é incrível e é engraçado quando a pessoa começa a ler esta história nós de facto percebemos que as outras viagens algumas das outras viagens eram quase uma brincadeira de crianças em comparação. Não quero menorizar sobretudo a passagem do Cabo das Tormentas.
José Manuel Garcia
Foi muito difícil.
José Maria Pimentel
Mas é sobretudo do ponto de vista do desconhecido. Costumam-se fazer a comparação com as missões Apollo na Coia da Lua.
José Manuel Garcia
Ah, é muito mais arriscado. E de facto
José Maria Pimentel
isto era muito mais arriscado. Porque eles estavam completamente sozinhos quando estavam lá naquela zona da América que ninguém conhecia e tudo o que eles tinham à frente deles, claro que eles podiam voltar para trás, mas se nós assumirmos, pelo menos na cabeça dele, voltar para trás, não era uma hipótese, eles a partir dali eram tudo desconhecidos, eles tiveram...
José Manuel Garcia
Foi, eles não conheciam o caminho e depois mesmo calculando o Pacífico, eles estavam à espera de ter apoio.
José Maria Pimentel
E não era como os astronautas na lua que tinham uma ligação.
José Manuel Garcia
Não tinham uma ligação constante.
José Maria Pimentel
Enfim, não é para desvalorizar, claro.
José Manuel Garcia
Repara que o Cristóvão Colombo para chegar à América demorou pouco mais de mês.
José Maria Pimentel
Sim, pouquíssimo tempo. É incrível.
José Manuel Garcia
E teve a grande coragem porque ninguém tinha ido tão longe. Os portugueses já tinham andado a explorar o Atlântico, mas nunca foram tão longe o que o Cristóvão Colombo. Com aquela ganância também de chegar à Ásia, ele chegou lá e disse, cheguei a descobrir a Ásia, a Índia, o Cipanga, etc. O Vasco da Gama dá uma viagem incrível para chegar à Índia, mas ele descobriu o Atlântico Sul todo, deu a volta toda ao Atlântico Sul, mas depois foi ao longo da África Oriental, depois a seguir teve piloto em Melindo que o levou a Calicú, da Índia, não sei o quê. Pronto, aquilo foi mais ou menos controlado. Foi controlado. Este não, este era por demais nunca desnavegados, como eu disse, insisto, toda a gente devia saber na minha opinião, ele descobriu metade do muro, mesmo que fosse quase tudo água. E a parte da América do Sul que ele descobriu, ele descobriu a Argentina desde o Rio da Prata até aos Três Magalhães, depois descobriu parte da costa chilena, que também não lhe interessava nada, e depois então descobriu parte da costa chilena e que ele vai atravessar o Pacífico até chegar às Filipinas, que nunca ninguém tinha ido, ninguém tinha chegado às Filipinas. De europeus, os europeus nunca lá tinham ido.
José Maria Pimentel
Porquê que esta passagem não foi feita pelo Panamá? Isso foi considerado?
José Manuel Garcia
Quer dizer, os espanhóis ainda admitiram a possibilidade e aliás depois até chegaram a fazer navios, conseguiram com muito sacrifício, aquilo não é uma distância muito grande, mas conseguiram levar madeiras e navios pré-fabricados ao fiocado deste cubo e pelo Panamá. Quando era o outro lado. Começaram a fazer até o outro lado.
José Maria Pimentel
É claro, e aqui também tem o seu desafio.
José Manuel Garcia
E era difícil, porque eles tinham de fazer, apesar de não ser uma distância muito grande, não havia o estreito do Panamá, não havia nenhuma ligação, não era muito grande, mas ainda tinha montes e tal, e então eles tinham grande sacrifício para conseguir fazer e ainda tentaram e depois acabaram para fazer navios lá do outro lado mas era muito trabalhoso e...
José Maria Pimentel
Bem, eles achavam que se calhar era mais fácil passar do que foi, não é? A questão é essa,
José Manuel Garcia
não é? Aliás, repare que há problema muito grande nesse aspecto que de certa forma a viagem de Franco Moglese acabou por não ter resultado eficaz porque os espanhóis depois ainda fizeram mais uma viagem pelo Estreito Magalhães, mas depois deixaram de fazer porque era muito complicado. Era muito perigoso. E então preferiram fazer, mas isso foi muito mais tarde, em 1563, 1563, muito mais tarde. Porque eles não conseguiam voltar. Não conseguiam voltar no Pacífico desde as Filipinas para o Panamá, não conseguiam voltar, porque aquilo só pode ser feito no mês de Agosto e se não for feito no meio de Agosto, até eles descobrirem que se tinham de fazer a viagem do mês de Agosto das Filipinas para o Panamá e depois então, quando eles descobriram isso, começaram a fazer a viagem. Filipinas, Panamá, Panamá, Cuba, Cuba, Espanha.
José Maria Pimentel
Mas porquê tem que ser em Agosto? Por causa do vento?
José Manuel Garcia
Por causa do vento. Por causa das correntes. Porque repare que há navio, que era aliás o mais importante, que era o navio do Fernando Magalhães, da Trinidad, quando eles chegam às Molucas e depois devem regressar, enquanto o Sebastião de Alcano veio pelo Cabo da Boa Esperança, ilegalmente, pela área portuguesa, o capitão principal, mais importante que o Alcano, que era o Spinoza, ele tenta fazer aquilo que o Fernando Magalhães queria fazer, que era vir das Molucas, onde eles tinham acabado por chegar, tinham de subir quase até à altura do Japão, 40 graus, mais ou menos à altura do Japão, e depois do Japão é que iam para o Panamá. O Spinoza queria fazer isso, Só que foi, não me lembro bem agora... Foi apanhado, é? Acho que foi depois, foi apanhado por falta de vento. E eles ficaram desesperados, tiveram de voltar para trás, ser presos pelos portugueses nas Ilhas Molucas, ficaram presos porque não conseguiam passar. Estavam todos a morrer de doenças e de alimentos e não conseguiam avançar. Não conseguiram descobrir que era mês depois, porque eles até tinham percebido, talvez o Magalhães percebesse bocadinho de vento e disseram, isso depois tem de subir até à altura mais ou menos que era de Lisboa, Açores devia ser como o Atlântico.
José Maria Pimentel
Não, mas a altitude estimavam bem, não é? O problema era
José Manuel Garcia
a longitude. Exatamente. E depois não sabia o tempo, porque às vezes, por exemplo, nesses mares era muito difícil navegar. Por exemplo, eles só para ter uma noção desde a Indonésia, Java e Timor e tal, para ir para as Molucas, eles só tinham certos períodos do ano para fazer a viagem. Se eles não faziam a viagem nesses anos, tinham de esperar seis meses para apanhar o vento. A distâncias, às vezes, 300, 400 quilómetros, não conseguiam fazer. E Isso foi dramático em certos episódios, como foi o caso do Espinosa, que foi coitado, que ficou preso lá, depois acabou de ser preso os portugueses, e esse conseguiu ainda vir, mas a maior parte deles foi morrer pelo caminho.
José Maria Pimentel
Pois é, que chegaram lá os tais 15, não é?
José Manuel Garcia
Foram 18 que chegaram a Sevilha, depois desse não havia o Trinidad.
José Maria Pimentel
Já tinha chegada não a Tríor,
José Manuel Garcia
não é? Sim, ficaram os do Santo António, que eram 57, esses sobreviveram, mas não descobriram nada. Saíram do distrito de Magalhães. Mas, por exemplo, dessa nau Trinidad, que era a principal, só sobreviveram 5 que chegaram a Portugal e depois de Portugal foram para a Espanha. Mas só 5, dessa nau, só muito depois, em 1526, é que eles chegaram e a viagem terminou em 1522. Foi uma viagem muito difícil.
José Maria Pimentel
A história é incrível, de facto. A pessoa tem uma admiração pelo Magalhães por ter idealizado e ter concretizado isto, mas ele era, como dizia há pouco, ele era em grande medida louco, não é? E se eles estivessem naquela viagem, teria feito claramente o mesmo que fizeram os da Santo António, porque é preciso perceber, eles tinham planeado aquilo para dois anos, contando com uma série de paragens e tal e hoje de repente tudo aquilo demorou muito mais tempo tudo aquilo
José Manuel Garcia
demorou 3 anos, revelou-se
José Maria Pimentel
muito mais difícil, a passagem era muito mais a
José Manuel Garcia
sul era exatamente e tiveram de parar há muito tempo, te repare que só à espera de bom tempo lá na Argentina tiveram 3 meses e tal,
José Maria Pimentel
só de parados,
José Manuel Garcia
no meio do gelo, no meio do nada, tiveram lá a reparar os navios e tal, mas entretanto os alimentos iam-nos escasseando. Percebe que há aspecto também picturesco porque dizem, há pessoas, nomeadamente o António Pigafetta, que era o principal cronista da viagem, italiano, que ele dizia que a viagem depois do Pacífico, três meses, foi muito difícil, morreu muita gente, não sei o quê. Pois até nem morreu muita gente. Comparativamente, sim. Com o que ele diz, ele diz que morreram 19 pessoas. Não, só morreram 9. Nós sabemos, os espanhóis nessas pedras eram tão cuidadosos que eles iam assinalando cada morte. Morreu neste dia, outro morreu neste dia, outro morreu neste dia. E a gente sabe que na travessia do Pacífico só morreram 9 pessoas. Depois morreram alguns quando chegaram às Filipinas. Portanto, não morreu tanta gente como isso. E sabe que há uma história também que eu acho engraçada, que eles quando estavam à espera do Santo António, andavam ali às voltas, os marinheiros andavam à procura do Santo António, portanto, exceto dos navios que andava mais à procura, que foi mais longe, os outros ficaram parados à espera e abasteceram-se de uma planta chamada o aipo. O aipo que era antiscorbuto. E Então eles abasteceram-se imensos e foram comer daquele Aipo. Eles não sabiam, calcularam, não tinham mais nada para comer verde, precisavam de verdes. E então conseguiram salvar-se a maior parte deles. Só os do navio que não tinha apanhado o IPEC foram morrer no Estado de Novo. Os outros não morreram.
José Maria Pimentel
É interessante o facto da travessia.
José Manuel Garcia
As pessoas não têm ideia. E a viagem corre muito bem. Daí que foi pacífico. Chamaram-lhe pacífico ao Oceano.
José Maria Pimentel
Mas eles não sabiam... Eles partem em setembro de 1519 de Sevilha. Eles estão a cruzar o Estreito.
José Manuel Garcia
É 21 de outubro. Sim, eles começam o 21 de outubro e acabam no final de novembro. Exatamente em novembro.
José Maria Pimentel
Estamos a falar de ano e dois meses. Eles já levavam ano e dois meses de viagem, Já em condições difíceis de início.
José Manuel Garcia
Exatamente, eram dois meses e ainda tinha de calcular a distância de regresso
José Maria Pimentel
e tudo. Exatamente, e o Magalhães está a propor-lhes avançar para o desconhecido com previsões a acabar, não é?
José Manuel Garcia
Eles controlavam-nos e estavam a estragar-se e tudo. Eles depois, quando chegaram às Filipinas, abasteceram-se basicamente de arroz. Digamos, o pão muito duro que eles tinham, o escoito, já tinha praticamente acabado e então tiveram de se abastecer fundamentalmente era arroz. Repare que o Sebastião de Alcântara quando vem de Timora para a Sevilha, passando por Cabo Verde, eles basicamente deviam o tempo todo só comer água e arroz. Água e arroz. Mais nada. Porque entretanto a carne estragava-se, porque não tinham sal para salgar a carne, portanto, só comiam arroz. E conseguiram, também foram morrendo muitos pelo caminho, mas conseguiram sobreviver. As condições a bordo eram uma coisa incrível. Além dos corbutos, tempestades, mortes e não sei o quê, nós temos que pensar que aqueles navios quase nem chegavam a 25 metros. De modo que 60 homens, 50 homens em 25 metros, hoje não conseguimos imaginar. De uma ponta à outra do navio tinham 25 metros e alguns até se criar tinham 20 metros. Mante que está a haver uma pessoa a viver lá com 40 ou 50 pessoas lá no meio daquele ambiente tão pequenino. Não há espaço nenhum. Eles dormiam na coberta lenta, só alguns que iam para a torre ou se havia uma tempestade ou isso é que se recolhiam ao porão e tal, mas eles passavam quase todo o tempo ao céu aberto.
José Maria Pimentel
Sim, a nave tinha vários andares, não era? Mas era basicamente para armazenar, não é?
José Manuel Garcia
Sim, eram os abastecimentos, água, vinho, alimentos, depois trouxeram as especiarias, quando a vitória chega aquilo vinha carregado de especiarias por todo lado, não é? Porque realmente tinham de compensar e esse navio, quando regressou, deu para pagar quase a expedição dos cinco navios, embora os outros tivessem desaparecido todos, só é que escapou, mas só essas especiarias do cravinho deu para pagar a expedição.
José Maria Pimentel
Sim. Ah, eu tinha uma dúvida exatamente a propósito das especiarias, porque é uma... Enfim, toda a gente se lembra de ouvir isso, ouvimos isso desde a escola. Enfim, é facto com o qual eu fui ficando com a passagem do tempo progressivamente menos pacificado, digamos assim, porque na altura, enfim, aquilo parecia fazer sentido, quando nós somos miúdos, mas pensando em retrospectiva e olhando para aquele período da história em que, enfim, estamos a falar de uma economia pré-moderna, não é? Portanto, na prática não só havia uma desigualdade muito grande como não existia no desenvolvimento atual. Como é que havia procura para aquilo que nos parece bem tão superfluo como especiarias? Era apenas da nobreza europeia ou envolvia também, enfim, aquilo que chamaríamos burguesia? Quer dizer, porque era uma procura tal, não é? Por produto que é, em certo sentido, superfluo, não é? Condimento, não é? Que girava preços dessa forma exorbitante que justificavam viagens desse género que continuavam a ser lucrativas mesmo com uma série de perdas pelo caminho. Quer dizer, de onde é que vinha aquela procura tão grande?
José Manuel Garcia
A procura das especiarias, que aliás não eram só especiarias, também eram pedras preciosas e outros meios preciosos que se iam encontrar pelo caminho e as joias também eram fator que até era mais fácil de transportar, mas havia uma grande diversidade de especiarias que tinham valor muito grande porque era sobretudo para uma alimentação e para valorizar a alimentação porque como há pouco estávamos a dizer, não havia frigoríficos, os alimentos eram difíceis de conservar e davam... A resposta já seria que tinha que ver com isso. Exatamente, e é verdade. Não é absoluta, mas é também porque...
José Maria Pimentel
Às vezes a carne já não estava em boas condições.
José Manuel Garcia
Exatamente, disfarçava. Não é absoluta essa explicação, mas também contribui. A verdade é que junto da nobreza e mesmo da burguesia e das classes mais altas, havia uma sede de sabores diferentes que algumas eram também para a medicina, não é? Mas o sabor da comida Era uma atração e era uma forma de mostrar a superioridade social e depois também foi se generalizando. Houve largos setores que depois também foram, tal como aconteceu com o açúcar, com a produção de açúcar dos portugueses, começou-se a utilizar o açúcar vulgarmente, que anteriormente não a conheciam, era o mel e tal. As especiarias valiam muito precisamente porque eram bem que enriquecia a vida monótona e os sabores monótonos que eles tinham porque eles geralmente tinham de comer a carne fresca. Mas quando não tinham a carne fresca ou havia sítios que não podia ser ou para valorizar, eles carregavam os alimentos de especiarias. Hoje nem conseguimos
José Maria Pimentel
comer aquilo. Já ouvi umas histórias disso, tenta-se replicar receitas antigas.
José Manuel Garcia
Porque as pessoas com aquela quantidade de especiarias que eles punham, acho que ninguém conseguia comer aquilo. Mas para eles era uma mostração de riqueza, de poder, de influência, que toda a gente queria e por isso os portugueses conseguiram, digamos, período áureo de riqueza graças a esse mercado da potência por produto tão valioso. Só por comparar, isso era pouco, já tenho ouvido essa comparação, é pouco como o petróleo hoje. Hoje o petróleo era para os automóveis, para a energia, etc. Na altura não havia nada disso, portanto era o produto mais valioso. Agora é o petróleo, digamos assim.
José Maria Pimentel
Mas precisamente, não é? Porque é que o petróleo é valioso? Porque tem papel funcional, não é? As especiarias é, em certo sentido, bem supérfluo. É, relativamente. E, portanto, é extraordinário que naquela altura, que era uma altura em que faltavam uma série de coisas que nós hoje em dia tomamos por essenciais, havia uma preponderância de algo tão, enfim, em retrospectiva, supérfluo como as especiarias.
José Manuel Garcia
É, porque nós hoje estamos habituados à... As especiarias é produto relativamente barato, não é? E generalizou-se e passou a haver especiarias em todo o lado, não era só na Ásia. Porque inicialmente era só, por exemplo, este carvinho, só existia naquelas ilhazinhas pequeninas das Melucas. Depois havia a pimenta, a canela era no Sri Lanka, a pimenta havia na Indonésia e havia na Índia. As especiarias estavam sobretudo na Índia e na Indonésia. Depois havia, nessa particularidade das ilhas de Banda, havia noz-moscada, que eram produtos que eram pouco conhecidos e então tinham valor enorme porque as pessoas queriam todas mostrar a sua riqueza e ter apetência por algo diferente que não estava generalizado. Porque anteriormente já havia especiarias, antes dos portugueses, quer é, índios, os italianos iam pescá-las aos árabes, ao Egito, iam pescar, Mas eram mais caras.
José Maria Pimentel
Foi assim que os portugueses se lembraram de ir lá pescar. Exatamente.
José Manuel Garcia
Deram-lhe a volta, como eu gosto de dizer aos portugueses, deram-lhe a volta pela rota do cabo da Boa Esperança, deram-lhe a volta e os italianos ficaram com dificuldades. Havia dois tipos de italianos depois. Havia os venezianos que tentaram continuar o comércio com os árabes no Egito, etc. E havia os italianos que vinham a Lisboa comprar, os genoveses, os florentinos, de modo que havia uma grande divisão mesmo dentro dos italianos, que na altura eram vários Estados italianos, não havia Itália, uns eram a favor dos portugueses e os outros eram rivais, como a Veneza, que as políticas na altura eram tremendas nessa altura.
José Maria Pimentel
Sim. Nós já falamos da travessia do estreito, mas acho que há ponto que justifica enfatizar, que é quão extraordinária foi aquela passagem, do ponto de vista náutico, ou seja, do ponto de vista das capacidades de navegação, tanto quanto nós podemos dizer, quão extraordinário foi aquilo, quer dizer, quão bom piloto era o Magalhães, admitindo que aquilo era tudo ele, quer dizer, porque, enfim, estas histórias são sempre pouco generosas para quem não é a figura central, não é? Mas, quer dizer, quão difícil é verdadeiramente aquilo? Ou pondo a pergunta de outra forma, se fosse outra pessoa, se fossem outros marinheiros, para não focar só nele, qual era a probabilidade de eles terem conseguido fazer aquela travessia?
José Manuel Garcia
Seria difícil porque não é só o fronteiro de Magalhães.
José Maria Pimentel
A primeira, não é? Exato,
José Manuel Garcia
foi logo a primeira e conseguiram fazer. É bom lembrar sempre, já disse há pouco, que eram 600 quilómetros. Não é uma distância assim tão grande, é mais ou menos como do Cabo de Sagres até o Porto. Portanto, não é uma distância muito grande relativamente. Mas, bocadinho mais, não é? Ao fim e ao cabo é a Costa Portuguesa. É a Costa Portuguesa. É a Costa Portuguesa, 600 quilómetros. E foi muito difícil porque o Fernando Magalhães, ele era o chefe executivo, digamos assim, e era ao mesmo tempo também piloto, de certa forma, embora não fosse oficialmente pilotado, óbvio, ele era o capitão maior, mas tinha bons pilotos e tinha uma tripulação multinacional e esses que iam lá, italianos sobretudo e gregos, eram pessoas com experiência de navegação do Mediterrâneo, mas que se adaptaram bem e os pilotos portugueses tinham uma boa técnica de navegação do Atlântico e adaptaram-se facilmente. Mas também é preciso insistir no facto de que o Fernando Magalhães soube esperar, digamos, a melhor altura, que era outubro, para... Porque nós nós pensávamos, outubro é frio, não sei o quê, mas era a melhor altura. Eu estive lá precisamente também em outubro, estava fria, estava a zero graus, mas mesmo assim era muito bom, porque aquilo costuma estar não sei quantos graus abaixo de zero e costumava haver tempestades e neve, etc. Mas Na altura eles conseguiam, também havia neve nas montanhas, mas eles conseguiram passar na altura certa e conseguiram, apesar de tudo as naus eram muito navegáveis, eram pequenas e eram difíceis de manobrar, mas apesar de tudo eles conseguiam, se não tivessem tempestades, e não tiveram tempestades, conseguiram passar porque eles tiveram tempestade antes de entrar no Estreito de Magalhães. Depois de entrar no Estreito de Magalhães, tiveram o problema de andar à procura, foi o mais dramático, de Santo António, senão eles tinham feito aquilo mais depressa. Mas eles iam sempre medindo as distâncias de lado e do outro, iam avaliando, e porque eles tinham muito medo de ficarem presos em baixios. Mas eles verificaram que o Estreito de Magalhães tinha muita água, era muito fundo. E então eles viram que por ali não havia problema, porque eles andavam sempre a navegar, sempre a ver se havia baixos, se eles podiam naufragar, etc. Eles tinham essa noção que aquilo era muito fundo e isso permitiu navegação muito fácil
José Maria Pimentel
e aproveitando o buffe. Mas é pouco interessante, porque eles tinham ali uma dificuldade desta, porque como eles não sabiam onde era a passagem, eles tinham que estar sempre próximos da terra. O criava esse risco de ficarem atuados. Sim, mas
José Manuel Garcia
eles, felizmente, nesse aspecto, eles verificaram que aquilo era águas profundas. É estreito de águas profundas. Aliás, o que aconteceu logo no Rio da Prata é que eles quando começaram a entrar no Rio da Prata, começaram a ver que aquilo era baixinho. Não tinha água profunda. Que é uma boa indicação a partir. Era doce e não tinha nada. Aquilo era muito largo, a foz do Rio da Prata, mas aquilo era água doce. E era pouco profundo. Uma coisa pouco profunda não pode ser estreito para passar para o outro lado. E então foi só quando eles chegaram ao Estreito de Magalhães, viram. Isto é muito profundo e felizmente que aquilo tem muitas correntes, mas eles lá conseguiram escapar e não tiveram tempestades, sobretudo foi isso. Mas as correntes lá, eles conseguiram manobrar bem, porque aquilo não é fácil navegar ali.
José Maria Pimentel
E depois como é que foi o processo de decisão entre avançar para o Pacífico, que eles não sabiam o que era o Pacífico, ir em frente ou voltar para trás, da parte do Fernando Magalhães.
José Manuel Garcia
Aí foi ele ter de se impor e obter a maioria, porque ele, segundo parece, ele estava no chamado Porto das Jardinhas, que é lá ponto de apoio que eles tiveram e tiveram a discutir e o Fernando Magalhães mandou uma carta a perguntar a todos. Vocês querem avançar ou não? Eu acho que devemos avançar.
José Maria Pimentel
É, parece uma coisa muito democrática. Parece,
José Manuel Garcia
parece, parece. E o João de Barros, o único testemunho do Fernando Magalhães que existe, foi também o Fernando Magalhães, foi o João de Barros que apanhou essa carta e publicou-a na Ásia, está publicada em português, eles traduziram para português, em que o Fernando Magalhães pergunta aos seus capitais, vamos para a frente, não vamos para a frente, parece democrático. E depois Ele achava que devia ir e então os outros com certeza que estavam de acordo com ele porque não queriam opor-se, não é? E disseram que sim. Ainda houve o São Martins que deu a opinião, bom, ainda vamos tentar experimentar, ver se o tempo dá, se não dá, porque os alimentos são muito reduzidos. Aliás, foram uma galheia de disso. Se alguém disser que não há alimentos, vai preso. Porque os alimentos são suficientes, era aquilo que ele queria impor. Porque havia muitos que disseram, não há alimentos. Ah, sim, andaram ali a discutir e depois ainda conseguiram avançar mais, depois atravessaram até ao fim. Bom, agora não vale a pena voltar para trás, agora vamos para a frente, vamos arriscar. E viram que de facto havia boas condições no Pacífico e arriscaram 3 meses de navegação e não conseguiram encontrar ilhas. A única ilha que eles encontraram antes de chegar às Filipinas foi uma pequena ilha de Guama, mas que aquilo não dava grandes condições porque a população já era perto e a população era bocado selvagem e nem se conseguiram reabastecer bem ali nessa ilha de Guama porque só encontraram dois pequenos ilhéus que não conseguiram sequer chegar a eles e também não havia água, portanto não tiveram apoio nenhum. Mas também tiveram azar porque realmente há bastantes ilhas no Pacífico, mas elas passaram todos ao lado das ilhas todas. Tiveram azar literalmente e foi o vazio por margem do caderno dos navegados. Eu gosto muito dessa frase porque de facto é uma aplicação dos lesíadas.
José Maria Pimentel
E como é que era a personalidade de Magalhães? O que é que nós podemos dizer? Isto é sempre exercício difícil, não é? Mas a pessoa, a história que apanha é sempre uma história de glorificação e que basicamente se centra na viagem, mas depois quando começamos a perceber os estados na viagem ele tem uma combinação curiosa, porque ele é tipo muito religioso enfim, isso não era... Não sei se o... Quer dizer, já vai dizer, mas eu não sei se isso era algo tão único dele o Colombo também tinha esse lado, tinha uma coisa daqueles... Tinha todos. Dos tempos, digamos assim. Tinha todos. Era tipo muito rígido, mas ao mesmo tempo muito ambicioso, portanto, claramente ele era muito ambicioso. Era quase obsessivo no controle dos detalhes, mas ao mesmo tempo é difícil destrinçar estas impressões, se quiser, com que eu fico, da distância temporal, não é? Porque se calhar algumas destas características eram, não eram idiosicrasias dele, eram características mais da cultura daquele tempo, não é? Bom, nisto de outra forma, o que é que nele era distintivo face a outras figuras, face a outros navegadores daquele tempo?
José Manuel Garcia
Bom, Eu acho que é aquela palavra que hoje tentamos utilizar, que no tempo dele acho que não se usava, mas que agora usa-se muito, que é resiliência. É uma coisa incrível como é que ele impunha a sua autoridade, mas de uma forma que, embora nós possamos pensar que era bocado ditatorial e autoritário, e era.
José Maria Pimentel
Não, mas é que o meu ponto é isso, é não consigo avaliar bem o que é que desse lado ditatorial era e de idiosincrasia dele e o que é que era simplesmente o outro.
José Manuel Garcia
Geralmente os capiteis tinham de ser todos muito autoritários porque manter a disciplina a bordo era muito difícil.
José Maria Pimentel
O impacto do risco de alguma coisa que o ver mal. E a
José Manuel Garcia
galera era muito mais arriscada do que as outras viagens. Repare que, por exemplo, o Colombo teve uma revolta e que só lhe deram mais tempo para ele navegar pouco e encontrou nessa altura a América, por sinal a tripulação tinha se revoltado e tinha voltado para trás, mas teve sorte e não
José Maria Pimentel
se viu. E não tinha passado mês
José Manuel Garcia
de câmara. Exatamente. Foi uma distância muito pequena. Por exemplo, Bartolomeu Dias, quando chega, depois de passar o cabo da Boa Esperança, ele tem de voltar para trás porque a tripulação diz que tem de voltar para trás porque isto não dá nada. E ele teve de aceitar e voltar para trás. O Vasco da Gama, parece que também teria tido alguma oposição, mas apesar de tudo conseguiu impor-se e também não teve problemas. Mas o Fernão Magalhães foi derivado da sua autoridade. Mas ele conseguia ter apoio da tripulação. Ele tinha esse caráter, digamos, conciliador, que aliás se demonstra num gesto muito importante. No tempo em que ele estava na Índia, a nau em que ele ia, ele estava a regressar em 1510 para Portugal e então a naufraga. Infelizmente não morre ninguém, ficaram numa pequenina ilha, enquanto os outros foram buscar auxílio, Ele ficou com os tripulantes do naufrágio na ilha à espera que os portugueses regressassem. E todos ali obedeceram ao Ferdão Magalhães porque ele tinha se comprometido a que os companheiros, os chefes, tinham ido buscar auxílio e trouxeram auxílio para os náufragos. Mas ele ficou lá solidário com os seus homens e depois quando foi na viagem ele mesmo quando era para distribuir alimentos e tudo ele de facto conseguiu ter tirando os tais espanhóis que foram executados que eram revoltosos, embora ainda chegou a haver 40 revoltosos contra ele, mas ele perdoou-os porque precisava deles para navegar e então teve de os perdoar. Senão ele matava os 40, mas não, só matou dois. Portanto, digamos que ele de facto tenham uma mentalidade de... Ele também estava pouco desesperado porque estava a ver que se ele não cumprisse a sua missão ficava desacreditado junto do Carlos V, não podia voltar para Portugal ou o Dom Manuel mandava o matar. Pois, ele tomou risco grande. Porque ele ia contra os interesses dele, portanto ele tinha de riscar tudo e conseguiu e foi derivado dos seus dodes e persistência, tenacidade, resistência também, porque ele tinha conhecimentos náuticos que lhe permitiam ter uma certa confiança, arriscar, risco calculado, porque o Pigafetta, quando faz o elogio dele, dizia que era o melhor cartógrafo, sabia fazer tudo o melhor possível, mas isso é propaganda.
José Maria Pimentel
Não, é que eu ia exatamente perguntar isso. Aqui, enfim, parece-me, do ponto de vista historiográfico, para historiador, uma limitação que é... Apesar desta viagem ser extraordinária, são todos pontos engraçados do ponto de vista, sobretudo tendo em conta como acabou, do ponto de vista da documentação que chegou, o grande testemunho que existe da viagem é do Pigafetta e ele, aquilo é quase mais geografia do Magalhães, não é? É quase como, como é que é uma... É panegírico, é panegírico. É, exatamente, é uma coisa, é quase propaganda, não é? É propaganda, é. E, portanto, é muito difícil fazer o exercício de retirar do testemunho que ele deixou, essa camada de propaganda e perceber o que aconteceu na verdade.
José Manuel Garcia
Sim, é preciso uma leitura crítica.
José Maria Pimentel
Imagino que era o Cartagena que contava a história. Ah, sim.
José Manuel Garcia
Seria muito diferente. Repare que o próprio Pigafetta nem diz uma única palavra do Sebastião de Alcântara. E ele faz a viagem com o Sebastião de Alcântara. Mas nem uma vez menciona o Sebastião de Alcântara. Ah, é? Ah, curioso. Nem uma vez. A sério? Nem na viagem do regresso? Repare, o Sebastião de Alcântara foi dos homens que se revoltou contra o Fernando de Magalhães e esteve condenado à morte no puerto de São Julião. Foi dos revoltosos. E depois de ele ter sido perdoado na Argentina, nunca mais soube falar nele. Nunca mais soube falar nele. Até que os capitães sucessivos dos navios foram todos morrendo, foram assassinados, houve problemas vários, morreu de doença e outros foram mortos de facto de uma forma dramática num massacre que houve em Cebu. Eles tiveram de abandonar o navio porque já não tinham tripulantes, já estava tudo desesperado e os capitães iam sucessivamente morrendo e depois a certa altura já não havia ninguém para substituir os capitais que iam morrendo e os pilotos e não sei o que. Então teve de ser o Sebastião de Alcântara. E ele depois, desesperado, disse eu não vou pelo Pacífico, eu vou mas é contra as ordens do Carlos V. Carlos V tinha dito não podem vir pelo Índico, isso é português. Mas ele disse, espera aí, eu quero, mas é safado, desculpa a expressão. E foi literalmente isso. E depois veio pelo sul do Índico porque aí não havia portugueses. Se ele fosse mais a norte os portugueses apanhavam-no e prendiam-no, não é?
José Maria Pimentel
Quando ocorrem aqueles mutins, sobretudo aquele mutim principal, Magalhães toma medidas como... Enfim, acho que é fácil de admitir que ele teria sempre de tomar medidas drásticas naquele momento, mas são medidas como, enfim, não é atípico de coisas que aconteciam naquela altura, que nos chocam bastante, que ele basicamente tortura, ou seja, faz-lhes coisas, uma violência que nós diríamos extrema. E aqui coloca-se outra questão difícil, que é, descontando o fator do tempo, o que é que sobra dali? Sobra Magalhães que não era mais violento ou mais sádico, diríamos, do que a norma naquela altura? Ou era alguém que era mais duro do que teria sido outro comandante naquela situação?
José Manuel Garcia
Eu acho que ele não foi muito duro, porque verdadeiramente Ele só mandou executar dos capitães, porque o outro foi precisamente morto pelo responsável pela justiça do Magalhães, dos capitães revoltosos foi morto. O outro foi condenado por julgamento e o Cartagena ficou abandonado. Portanto morreram três.
José Maria Pimentel
Mas ele torturou mais gente?
José Manuel Garcia
Ele teria... Há pessoas que dizem que ele torturou, mas de facto se torturou não há testemunhos, porque houve uns espanhóis que vieram ao Santo António e que disseram que ele tinha torturado algumas pessoas. E O Pigafetta o que é que diz? O Pigafetta não diz nada, como é evidente, como é evidente, o Fernando Magalhães não faz mal a ninguém. Ele mesmo, esse episódio da revolta, ele quase que nem fala nela, ele quase que nem dá e diz que quanto à história é bocadinho mal, porque a gente conhece por outras fontes, aquilo foi uma história assim bocado branqueada, mas houve mesmo assim depoimentos a julgar, o que é que eles tinham feito, a revolta, como é que foi, e então só deles é que foi executado, o outro foi morto durante a luta pelo Espinosa, foi o tal Espinosa que era o principal, que tentou vir pelo Pacífico e não conseguiu, mas o Espinosa é que matou dos capitais, com onde houve umas lutas terríveis nessa altura. Foi executado, foi morto. E depois o Cartagena, como era muito importante, o Magalhães não o quis executar, deixou-o abandonado no Puerto de San Julián com o Frato, ficaram lá os dois e morreram. Na prática foi o mesmo que se ele matasse. Foi só por dizer que não o mataram porque ele era muito importante e ele disse, pode ser que sobreviva aí com os nativos, com os patagões. Ficou lá com os patagões que eram homens enormes que viviam lá selvagens, eu digo selvagens, quer dizer, com o grau dos gigantes, que era grau de civilização muito limitado, podiam ser que eles estivessem safados, mas nunca mais se ouviu falar neles.
José Maria Pimentel
E depois também havia uma grande diferença faço aos nativos dos vários sítios, que eles raptavam com maior à vontade. De novo, provavelmente isto não era diferente.
José Manuel Garcia
Não, aqui não houve problemas de maior, porque eles raptaram alguns patagões que queriam levar para mostrarem depois ao rei, ao Carlos V, para mostrarem uns homens que nunca ninguém tinha visto, que eram muito altos e tal. Ele depois prendeu quatro, mas acabaram por morrer os quatro no caminho, mas não os mataram. Mas o...
José Maria Pimentel
Não, eu digo, mas era uma indiferença, quer dizer, retirar essas pessoas da terra, elas quando já avançaram...
José Manuel Garcia
Sim, para eles... Aliás, deles, Alguns deles mataram até espanhol que os queria prender. Espanhol foi morto pelos patagões. E depois prenderam quatro que foram morrendo na viagem, que até foram bem tratados, mas morreram porque não se adaptaram à comida e ao frio. Eles estavam habituados ao frio. Mas não aos Trete Magalhães. Morreu nos Trete Magalhães, outro morreu no regresso na Santa Antónia, que morreram naturalmente, pronto. Mas, por exemplo, no Brasil, eles foram muito bem recebidos no Rio de Janeiro, nas Filipinas, eles também, até o problema da morte do Franco Magalhães, eles Conviveram muito bem com os filipinos, deram-se muito bem. Só em Guam, que chamavam a ilha dos ladrões, é que eles começaram a ser assaltados. E depois o Fernando Magalhães roubaram-lhe batel do navio. Ele teve de ir lá e buscar o Batel. O Batel é barco pequeno. Eles iam para a terra, nos bateis, os barcos a remos. E então, aí ainda tive de lutar com alguns... Matou seis ou sete de ilha dos Ladrões, porque eles nem sequer percebiam as armas dos europeus, não nem avaliam desentendimento, mas foram poucos. Comparado com só na ilha de Cebu, quando morreram, eles massacraram depois da morte de Magalhães.
José Maria Pimentel
Era mesmo meio que eu queria ir, porque com isto tudo já aludimos várias vezes a isso mas ainda não falamos à morte de Magalhães. A morte é bastante misteriosa, não é? Mas para percebermos o contexto em que ela ocorre, ele naquele momento já tinha percebido, sobretudo pelos cálculos do San Martín, já tinha percebido que as molucas ficavam do lado português, ou seja, ele já tinha percebido que o mote da premissa, se quisermos, da viagem dele era falsa. Nós sabemos isso? Conseguimos dizer isso com segurança? Conseguimos dizer. Porque ele ainda não tinha chegado às molucas, já estava perto.
José Manuel Garcia
Não, estava perto, estava há poucos dias das molucas, portanto, quatro ou cinco dias ele podia lá chegar e tinha tempo para isso. Mas repare, ele desde que chega no dia 16 de março de 1821 às Filipinas, ele tem de seguir a abastecer, porque de facto faltava-lhe arroz, faltava-lhe mantimentos, feijos, frutos.
José Maria Pimentel
Ele estava a morrer, basicamente.
José Manuel Garcia
Estava a morrer, não tinham fruta, não tinham... Mas chegam lá e começam logo a abastecer-se de água fresca, cocos, fruta, sobretudo arroz, que era o que eles precisavam, animais, que eles tinham lá muitos animais. Nas Filipinas havia muitos alimentos. Não havia... Era especialista. Eles ainda pensaram que havia ouro, mas não havia também realmente muito ouro. Seja como for, o drama que existe aqui é que o Fernando Magalhães Mal, eles chegam, o Samartina e o tal piloto grigo, não é, que é o homem chave no meio disto tudo. Manteve o registro. Manteve o registro e ele diz, bem, isto é dos portugueses porque Ele sabia que as Filipinas, eles sabiam a latitude e sabiam mais ou menos também terminar a longitude. Daí que o Francisco Alves, o grego, disse que passámos 9 graus. E então, como passámos os 9 graus, nós podemos ultrapassar a parte espanhola e já passaram. E então ele perdeu aí a confiança. Mas repare que por que é que ele está 43 dias ali e não sai dali? Quando ele devia ir para o sul, não é? Portanto ele devia ir, mas não foi. Não foi porque ele estava desesperado. Porque ali ele viu, ele até podia dizer ah, estou aqui para apanhar o ouro. Ele até proibiu os homens o pouco ouro que ali havia de fazer negócios e viu que ali não havia especialista.
José Maria Pimentel
Então o que é que ele queria?
José Manuel Garcia
Ele aparentemente queria cristianizar o rei do Cebu e cristianizou. E conseguiu. E depois queria controlar aquilo. Conseguiu?
José Maria Pimentel
Do ponto de vista dele pelo menos.
José Manuel Garcia
Pois, aquilo deve ter sido uma cristianização muito pela rama.
José Maria Pimentel
E provavelmente do ponto de vista deles não havia problema de acumular deuses.
José Manuel Garcia
Eles queriam a vantagem de ter o apoio dos castelhares, dos europeus, não é? Porque o rei de Cebu queria o apoio para ser o rei das Filipinas.
José Maria Pimentel
Mas Cebu já era do lado português? Ou ainda era do
José Manuel Garcia
lado espanhol? Era do lado português, mas eles não sabiam... Quer dizer, o Fernando Magalhães já sabia o que era, mas o Fernando Magalhães tinha direito a ficar com ilhas que descobrisse então ele
José Maria Pimentel
foi o lado português se calhar ele achava que estava do lado
José Manuel Garcia
ainda ainda e a tal dúvida se ele achava que estava do lado espanhol mas na dúvida como aquilo era muito longe ele via bois vai ser meu e por outro lado queria que aquilo obedecesse tudo ao Carlos V.
José Maria Pimentel
Não, exatamente, ele podia estar à procura, se ele achasse que aquilo estava do lado espanhol ainda, mesmo que já se tivesse apercebido que as mulucas não estavam, ele podia estar à procura de estado tributário ao Carlos V e poder levar de volta alguma coisa, embora diferente.
José Manuel Garcia
Era aí que ele ficou ali parado e depois queria que toda a gente obedecesse ao Rei de Cebu, porque o Rei de Cebu obedecia o prestou vassalagem ao Carlos V. Só que, entretanto, lá reizinho pequeno da Ilha de Mactame que não obedeceu. E eu falei lá, Magalhães, num excesso de confiança, disse, eu vou obrigar este indivíduo a obedecer ao Rei de Cebu e ao Rei de Castela, o Império de Carlos V.
José Maria Pimentel
E a postensão ao Carlos V, sim.
José Manuel Garcia
Exatamente, eu disse-lhe, eu chego lá com 40 homens e venço-os e eles obedecem ao Carlos V e ao Rei de Cebu e tal. Só que eles foram a 40 e tal contra 1500 ou 2000 nativos. E portanto aí há uma coisa. Como é que homem com a experiência militar, com o conhecimento, com a observação, ele para lá, só para desembarcar, eles nem conseguiram desembarcar com os bateus porque a água, eu estive lá nessa zona, na Maquetá, estive lá mesmo e a pessoa não consegue, o bateu não consegue ir à praia. Eles quando saem do bateu e vão para a ilha, eles têm de ir com a água pela cintura.
José Maria Pimentel
Que é o que o Pigafetta descreve.
José Manuel Garcia
Exatamente. Eles então para já não tinham o apoio dos batalhões porque eles levavam artilharia nos batalhões, levavam canhões. E então não sequer podiam disparar os canhões contra os nativos, os tais 2.000 ou 1.500 que lá estavam. E então eles ficaram só a disparar, levavam 13 espingardas e eles pensavam, com 13 espingardas a gente está a cabo dos nativos todos. Só que a pólvora acabou e eles foram constantemente alvo de disparos dos nativos e aí o programa ganhava. Diz-se, e foi, Ele era excesso de confiança. Ele pensou se calhar que era demasiado primitivo. Também é devidoso, porque ele já estava lá há 43 dias, já sabia
José Maria Pimentel
que os nativos
José Manuel Garcia
tinham armas que não eram tão atrasadas como isso. Tinha armas de metal e tudo, portanto não eram tão atrasados como isso. Mas há pessoas que dizem que ele teve uma espécie de suicídio. Eu digo que não é suicídio porque ele era muito católico e não se suicida. Mas estava desesperado. Ele estava desesperado porque eu tenho sempre esta argumentação de que é que ele esteve lá a fazer 43 dias quando aquilo não havia riqueza só para convertê-los, só para dominar. Ele tinha obrigação e aliás o Carlos Quintinho disse, você vai diretamente às Molucas para fazer negócio, só depois é que pode ir descobrir outras ilhas. Porque ele escreveu uma carta estipulando o rato, para já ele deu ordens que o Ferro Magalhães não podia desembarcar nem podia combater com os nativos e ele desobedeceu. Portanto, a seguir, não foi logo diretamente às Molucas, para as especiarias, desobedeceu. Portanto, ele desobedeceu constantemente, já estava, digamos, num nível em que se desorientou completamente e os capitães e os outros, pronto, obedeciam nem discutir. Aliás, eles discutiram, o Picafete e outros disseram, você não pode ir combate-los, não vale a pena, é risco, você é o capitão, morre. Não, eu vou, eu sou herói. Então, não. Ele era messias, ele era bocado, ele tinha bocado, estava assim já bocado lunático e já devia estar bocado messiano, e que ele era assim uma espécie de salvador de Cristo. E portanto eu é que venho aqui impor o cristianismo e venho dominar isto tudo. Mas foi realmente terrível.
José Maria Pimentel
Há uma hipótese que eu nunca vi considerada, mas que não me parece completamente descabida, que é, tendo em conta as condições em que eles fizeram a viagem, era bem possível que ele tivesse com déficit, enfim, de vários tipos, na verdade, de nutrientes e de minerais básicos, que pudessem tê-lo posto num estado mental que não seria o estado dele normal. Isso parece de certa forma exagerado, não é? Porque estamos aqui a fazer uma inferência muito grande. Mas depois daquela viagem, não é absurdo que uma viagem daquelas, naquelas condições, altere o estado mental da pessoa e a apanha a fazer coisas que não faria em outra situação. Sim,
José Manuel Garcia
quer dizer, isso poderá ter sido fator a agravar a situação. Porque quando
José Maria Pimentel
há alimentos... Claro que não teve a privação, provavelmente o resto é tripulação, mas ainda assim...
José Manuel Garcia
Sim, há alguns alimentos... Mas eles realmente hoje conseguimos, com dificuldade, conseguimos ver, com muita dificuldade, como é que eles conseguiam... Mas eles estavam dispostos a fazer todos os sacrifícios e comiam pouca coisa e com animais. E para a alimentação eles conseguiram, depois de se reabastecer, agora a minha grande dúvida é, eles tinham reabastecido, tiveram naquelas ilhas todas e se abusca...
José Maria Pimentel
Pois, porque já lá estava há 40 dias a ressobrecer-se, não é?
José Manuel Garcia
40 dias a reabastecer, Portanto, é muito tempo. Ele já tinha apanhado arroz numa das outras ilhas e ali também, e animais e tudo. Ele ali já tinha a capacidade de regressar à sua viagem. A sua viagem era às Molucas, às Filipinas. E sabe porquê é que eles foram às Filipinas? Foi também pecado porque eles tiveram de se desviar da rota. Porque eles quando deixam o Chile, eles chegam ao Equador e o Fernando Magalhães sabia que as Molucas estavam no Equador. Portanto, o Fernando Magalhães devia ir pelo Equador. Era direitinho. Eles sabiam onde é que estava o Equador. O Equador era aquele e eles direitinhos tinham lá a ter. Mas ele teve de desviar-se 10, 13 graus para cima, que era uma distância boa, e então por causa do vento, porque no Equador não havia vento. Eles estiveram
José Maria Pimentel
lá meio parados a certa altura, não foi?
José Manuel Garcia
Estiveram bocado parados e então viram que estão à procura do vento. Os portugueses e os exploradores andavam sempre à procura do vento. O vento estava mais a norte e então eles, em vez de ir pelo Equador direitos às Molucas, tiveram de ir mais atrás e apanharam umas ilhas que estavam em cima das Molucas, que eram as Filipinas, que ninguém sabia que havia, mas que realmente também não interessava, porque realmente o único interesse que havia era as Molucas, não interessava mais nada.
José Maria Pimentel
Só que depois percebeu que as Molucas estavam do lado português,
José Manuel Garcia
não é? Exatamente, percebeu que estavam do lado português e ele soube, enquanto esteve lá nas Filipinas, ele soube onde é que estavam as molucas. Lá os nativos sabiam, das filipinas sabiam onde é que estavam as molucas. E disseram-lhe onde é que estavam as molucas. Ele devia ter ido logo para as molucas, mas não foi. Porquê? Porque realmente, por lado, terá percebido que as molucas estavam no lado português. Pronto, se ele chegasse lá às molucas e estivessem lá os portugueses, entrava em luta com os portugueses, os portugueses diziam não, você não consegue mostrar que isso é espanhol, portanto isto é português. E como os portugueses diziam, e então ele tinha falhado o cálculo, falhou tudo, desesperado, pronto, foi uma espécie de suicídio desesperado, mas não é bem suicídio, não se pode
José Maria Pimentel
dizer é algo... Ele teria plano qualquer, só que é difícil de... É, o plano dele... Desvendar qual era o plano, sei lá.
José Manuel Garcia
Verdadeiramente o plano era tornar aquela zona das Filipinas obediente ao rei, ao imperador. Mas a verdade é que ele desviou-se do plano. O plano era ir às Molucas, ponto final. Ele tinha uma ordem determinada.
José Maria Pimentel
Não, eu digo, o plano A, se quisermos, era ir às Molucas.
José Manuel Garcia
E depois assim teve que dar resultado. E talvez
José Maria Pimentel
ele não tivesse plano B de origem.
José Manuel Garcia
Não, o plano ficou ali parado.
José Maria Pimentel
Ou seja, o que eu quero dizer é, na cabeça dele, a partir do momento em que o plano A falhou, ele, na cabeça dele, devia ter algum propósito. Só que é difícil de deslindar. Talvez
José Manuel Garcia
criar uma alternativa que era criar ali senhorio do imperador e dele próprio e já não conseguia sair dali porque ainda por cima havia a possibilidade de haver por ali algo urosor, ele queria consolidar o poder dos europeus mas não conseguiu, portanto aquilo foi tudo falhado no fim, foi desespero. E aliás te reparo que depois os sobreviventes da armada andaram ali uns 6 a
José Maria Pimentel
7 meses. Era isso que eu ia perguntar. Depois de morrer, eles andam meio à deriva, não é?
José Manuel Garcia
Completamente. Aquilo... Eles ficaram... Não sabiam muito bem o que é que haviam de fazer, porque eles sabiam que indo para a Sula conseguiam chegar às Molucas. Mas eles ainda foram ao Borneu, andaram a assaltar navios, andaram por ali completamente perdidos.
José Maria Pimentel
E estavam em território português, algo seja, não é?
José Manuel Garcia
Português também era. Mas eles aí já estavam bocado desesperados. Mas eles acabaram por ir às Molucas, apesar de tudo. Devem ter pensado, bom, temos de ir de uma maneira ou outra. Vamos arriscar a ver se não há portugueses. Porque falhou por pouco. Os portugueses estavam quase a chegar. O Dom Manuel mandou o António de Brito e o irmão, o Jorge de Brito, a persegui-los. Só que quando eles chegaram às Molucas os espanhóis já tinham fugido. Depois apanharam o tal outro, o Espinosa, que foi obrigado a regressar e entretanto o Elcano tinha acabado de escapar há três meses.
José Maria Pimentel
Não era isso que eu ia portanto pois a morte magalhães eles andam perdido quem é que quem é que está a capitanear a espinhosa a espinhosa mas andou ali mais perdido e até se nota uma certa desordem nas coisas que fazem absolutamente capturam mais indígenas exatamente
José Manuel Garcia
e voa o brunel e depois tem que fugir do brunel
José Maria Pimentel
E depois acabam por decidir regressar e fazer aquela divisão, que já fomos aludindo ao longo desta conversa, em que o Elcano vai por o Ocidente pelo lado português e o espinosa pelo outro lado. O espinosa vai
José Manuel Garcia
pelo pacífico e aí pronto.
José Maria Pimentel
E o espinosa depois é capturado, não é?
José Manuel Garcia
É capturado porque desiste, não consegue atravessar, tal, falhou por mês, mês não conseguiu apanhar o vento.
José Maria Pimentel
E o elcano vai pelo outro lado e consegue escapar. E a viagem do elcano, enfim, não sei como ele lá está, era uma personagem menor, é difícil dizer, a pessoa tem mais certeza para dizer que ele não teve grande mérito na viagem. Ele não teve mérito. Mas eles fizeram, eles tiveram de fazer uma viagem, já nas condições em que eles estavam, já depois de dois anos e tal. Sim, sim. Eles tiveram de fazer a viagem, como estavam em território português, sem tocar terra.
José Manuel Garcia
Nada, foi terrível. Ele desde, reparo-me bem que eles vão a Timor, não é? De Timor, depois vêm por baixo até chegar ao cabo da Boa Espressa, sempre muito a sul, só a comer arroz, sem parar, porque não tinham também apoios, também ali não havia ilha nenhuma para dar apoio. Vão até ao cabo da Boa Expressa, depois do cabo da Boa Expressa vão a Cabo Verde, têm de... Param em Cabo Verde para ver se conseguem...
José Maria Pimentel
E arriscaram, não
José Manuel Garcia
é? Arriscaram, estavam portugueses, os portugueses começaram a desconfiar, até que teria havido traidor da armada, que também seria português, que teria dado a entender aos portugueses que eles vinham das Molucas e então prenderam alguns, os outros conseguiram escapar, o Sebastião de Alcântara conseguiu escapar com os outros 17.
José Maria Pimentel
E ele escapou sem chegar a ir a terra, ou seja, essa paragem em Cabo Verde não serviu para nada. Eles conseguiram reabastecer de alguma forma. E assim
José Manuel Garcia
ainda conseguiram, segundo o PIGAFET, ainda teria havido uns 3 batéis que trouxeram alimentos de Cabo Verde para o navio. Mas depois, entretanto, parece que os espanhóis teriam comprado alimentos com crevinho. Eles começaram a desconfiar. Depois também o português começou a dizer que afinal de contas eles vinham das Molucas e então tentaram prender e prenderam alguns que ficaram presos. Só depois é que os portugueses deixaram de ir e de regressar a Espanha e ele teve de escapar, senão era preso também o Sebastião Delcane, porque ele estava tão desesperado que teve mesmo de parar, porque realmente fazer uma viagem de Timor até Cabo Verde sem nunca ter parado é obra realmente, Temos de reconhecer.
José Maria Pimentel
É incrível, é de facto.
José Manuel Garcia
Foi incrível. Mas foi por caminhos já mais ou menos conhecidos. Ele já tinha mapas daquela zona. Mas agora ele foi sempre escapando aos portugueses e escapou bem. Sim. Não,
José Maria Pimentel
e a dificuldade da viagem não era a travessia, mas era o facto de não poder ir a terra.
José Manuel Garcia
Não poder ir a terra e começou a rouxo durante não sei quantos meses.
José Maria Pimentel
E já com dois anos e tal, o que eles levavam?
José Manuel Garcia
Daí conseguimos imaginar, aliás entretanto foram morrentes, só escaparam alguns porque eram cerca de 60 e só chegaram...
José Maria Pimentel
Qual foi a fase em que morreram mais? Foi essa?
José Manuel Garcia
Foi. Foi essa viagem. E foi nessa e no Spinoza, no Pacífico, foi nessa altura que morreram mais. E também os 20 e tal que foram massacrados no Cebu, no tal banquete que o rei de Cebu depois de ter percebido que o Fernando Magalhães estava morto.
José Maria Pimentel
Ah, não falámos disso, é verdade.
José Manuel Garcia
Esse é episódio altamente dramático, porque o Fernando Magalhães morreu com mais cinco homens na batalha de Mactam, os outros ficaram feridos, ele conseguiu ainda, os outros escaparam, mas passado poucos dias, quando eles estavam em Cebu, eles ainda estavam a pensar que o rei de Cebu era cristão, era amigo e não sei o que e foram, convidou-os para banquete, despedida e tal, e entretanto...
José Maria Pimentel
Mas foi o Enrique o escravo do Fernando Magalhães?
José Manuel Garcia
Foi o Enrique. Foi maltratado pelo Duarte Barbosa, que considerava que ele era escravo, e ele dizia não, eu agora sou liberto porque o Fernando Magalhães...
José Maria Pimentel
E tinha razão. E tinha
José Manuel Garcia
razão porque no testamento tinha dito que ele era livre e ele era livre. Mas o Duarte Barbosa, não, você é escravo, não pode ser nada. E porque era a única língua, só ele é que falava com os nativos que ele falava malaio e ele foi
José Maria Pimentel
a primeira pessoa a fazer a circunnavigação na verdade né?
José Manuel Garcia
Costuma-se dizer isso. Para mim foi o Fernando Magalhães o primeiro porque repara o Henrique realmente teve papel importante a partir do momento em que ele chegou às Filipinas e fala o Malaio. Não sabiam falar Filipino, falavam Malaio, que era uma língua franca que havia ali naquele oriente todo, desde Samatra até às Filipinas, toda a gente falava Malaio. E o único que falava Malaio era o Henrique, que era escravo do Fernão Magalhães, que tinha o comprado em Malaca, quando ele tinha estado lá em 1811, na conquista de Malaca. E esse Henrique, o Fernão Magalhães trá-lo para Lisboa, depois vai com ele para Sebinha, anda sempre com ele até chegar às Filipinas. O Henrique faltava-lhe fazer aquela parte que vai desde as Molucas até Malaca. E o Fernando Magalhães tinha feito essa parte. Portanto, o Fernando Magalhães em duas partes, primeiro com os portugueses de Lisboa até às Molucas, depois que os espanhóis desde Sevilha até às Filipinas dá as duas metades.
José Maria Pimentel
Mais ou menos, porque também não chega às Molucas.
José Manuel Garcia
Não, não chega, mas as Molucas estão na mesma longitude. O problema é que as Molucas estão... Quem chega às Filipinas é como se tivesse chegado às Molucas. O Moluca está ao sul, o que interessa é a longitude. Quem está na longitude das Filipinas, está na longitude das Molucas, e daí que ele tenha dado duas metades de forma indireta. O único que deu a volta direta foi o Sebastian de Alcântara. E o Henrique, faltou-lhe fazer aquele pedaço que ele não tinha feito entre Malaca e as Molucas.
José Maria Pimentel
Enfim, no fim da viagem com os que sobreviveram, o Pigafetta, quem nós em grande medida devemos o relato da viagem, teve uma sorte gigantesca.
José Manuel Garcia
Sim, ele conseguiu sobreviver, era aventureiro e escritor e ele escapou aos massacres,
José Maria Pimentel
escapou à batalha. Ele também era poupado por não ter esse papel?
José Manuel Garcia
Ele teve sorte, digamos que, pronto, ele e outros, os outros 17 tiveram sorte, escaparam, porque tinham mais resistência, conseguiram, pronto, tiveram sorte. Literalmente, porque os outros foram morrendo com doenças, com falta de alimentos, tinham todos.
José Maria Pimentel
Mas eu ia perguntar-lhe como é que era a distribuição dos alimentos, ou seja, que lógica era a seguir? Era uma lógica, diríamos, democrática ou equalitária, de estamos todos no mesmo e, portanto, é tudo igual para todos? Ou havia uma situação de privilégio? O Magalhães chegou a passar fome? Ou ele teve de ser para a mesa cheia?
José Manuel Garcia
Aparentemente ele teria resistido melhor. Portanto, digamos que os capitães, os mestres e os pilotos tinham reforço. Eram os únicos que tinham quartos, digamos, pequeninos.
José Maria Pimentel
Pois, eu ia perguntar se havia quartos no meio daquilo.
José Manuel Garcia
Havia para o piloto e para os mestres, para o capitão tinha uma sala onde podia tratar dos mapas e das viagens. E eles tinham uma alimentação bocadinho melhor, mas quem tratava do abastecimento era o escrivão. O escrivão é que repartia o que quer dizer que tinham de comer. E quando havia, portanto, limitação de alimentos, aí praticamente eu acho que todos tinham ração de água e de alimentos controlada. Penso que aí nessa altura, quando havia momentos de desespero. Mas geralmente o capitão levava sempre uma botica para se tratar e mais alimentos doces e coisas assim melhores. Tinha bocadinho de privilégio, mas não muito. E o Fernando Magalhães deve ter partilhado os sacrifícios com todos. Penso que foi igualitário dentro do possível, mesmo com algumas situações melhores.
José Maria Pimentel
Então o Pigafetta é que fazia a afetação de comida?
José Manuel Garcia
Não, ele não era escrivão, ele era extra-numerário. Ele não tinha uma função oficial, porque havia uma série de...
José Maria Pimentel
Não era suposto ser o escrivão, não?
José Manuel Garcia
Não, não, ele não era escrivão. Aquilo era uma hierarquia que ia desde o capital até ao grumento e aos páginos, e os pilotos e os marinheiros, aquilo tinha tudo uma hierarquia, e depois cada recebia de acordo com a hierarquia, o piloto recebia mais, o mestre também, depois havia os barbeiros, havia as artilheiras, havia os que pagavam, recebiam menos eram os pagens e os grumentos e depois havia os marinheiros. E, portanto, aquilo tinha toda uma hierarquia, mas isso era para os salários. Para a alimentação, no essencial não deveria ser muito diferente de uma dos outros, porque eles tinham o mesmo tipo de alimentos, que era a carne salgada, peixe salgado,
José Maria Pimentel
os tais biscoitos,
José Manuel Garcia
os tais biscoitos duros e o vinho e a água, pronto, o problema era maior a água, o vinho geralmente aguentava-se mais.
José Maria Pimentel
Era por isso que eles levavam vinho. Aliás, isso aparece no documentário, eles levavam uma média para a viagem que estava prevista pelos azeites,
José Manuel Garcia
litro por dia por pessoa. Que extraordinário! Eles tinham mais vinho que água. O
José Maria Pimentel
vinho era água, no fundo, se a pessoa tivesse litro de água, até parecia pouco.
José Manuel Garcia
Era liquido e era alimento, o fiocava, o vinho alimentava, não é? Sim, nessa altura era... Portanto, era também o reforço.
José Maria Pimentel
Por acaso, é curioso, porque olhando em retrospectiva, tendo em conta as provações que eles passaram ao longo da viagem, não deixa de ser espantoso, nunca teve... Houve os mutins, mas nunca houve, pelo menos aparentemente, conflitos a bordo por causa da comida, por exemplo. Quer dizer, mortos numa disputa por comida. É extraordinário, nunca chegou. Não houve canibalismo, não sei se isso existiu em alguma vez. Também se calhar, apesar de tudo, não chegaram a esse extremo, não é?
José Manuel Garcia
Não, nunca houve problemas nenhums. Em termos de justiça teria havido ponto ou outro de conflito, mas nunca ficou muito bem registrado. Mas não deixa de ser incrível, porque
José Maria Pimentel
são dezenas de pessoas dentro de uma casca de nós. Pois, tiveram
José Manuel Garcia
a ordem e a disciplina eram muito rigorosas.
José Maria Pimentel
Enfim, vamos terminar, a conversa já vai longa. Acho que conseguimos uma certa proeza de cobrir esta viagem toda.
José Manuel Garcia
Acho que falámos quase tudo, fomos falando das pontos essenciais, dissemos tudo o que havia para dizer, dentro do possível.
José Maria Pimentel
Dentro sim, claro que haveria muito mais. Pois,
José Manuel Garcia
exato, mas o essencial
José Maria Pimentel
acho que... E conseguimos seguir com alguma ordem. Sim, acho que sim. Desde a génese da ideia até ao final da viagem.
José Manuel Garcia
Isso é o mais importante, é perceber como é que ela aparece e depois, enfim, como ela acabou por não resultar bem, daí que ao fim e ao cabo houve duas voltas ao mundo. Digamos assim, houve aquela direta que ficou famosa, de Sebastian Delcano, que conseguiu acabar a viagem, e o Magalhães que conseguiu perceber a dimensão da Terra. Quando ele chegou às Filipinas, já era conhecido à outra metade, os portugueses já conheciam perfeitamente a metade que vai desde o Brasil até às Molucas, depois só faltava conhecer a outra parte. E, portanto, os outros 20 mil quilómetros como o Fernando Magalhães descobriu, portanto ficou tudo descoberto como o Magalhães foi o primeiro homem a ter o conhecimento da Terra tal como ela era. Isso é o que eu acho que é a grande mensagem que devemos passar.
José Maria Pimentel
Sim. E é, enfim, eu acho que é relativamente consensual que foi a viagem mais extraordinária da história. Sem dúvida nenhuma. Sem minorizar a do Colombo e a de Vastagamba, mas que desde o ponto de vista da viagem é incrível. Sim, foi
José Manuel Garcia
a mais. E completou as duas. Ao fim e ao cabo, o Colombo tinha ido para o Ocidente, o Vastagamba tinha ido para o Oriente e ele conseguiu ir para o Ocidente, para o Oriente e conseguiu dar a volta toda. Conseguiu dominar o conhecimento da terra.
José Maria Pimentel
E também ilustra aquele período, que é período de facto muito interessante, em que Portugal e Castela estavam no auge dos descobrimentos. Aquela combinação de ciência e técnica de navegação, que era uma coisa que o século antes seria quase inimaginável. Não se afastavam da costa, propriamente.
José Manuel Garcia
Sim, foi os portugueses que tiveram a ousadia, depois os espanhóis, os castelhanos começam a fazer a viagem do Cristóvão Colombo. E repare que, de facto, o que é mais significativo no meio disto tudo é que os espanhóis só iam para as Américas, quer dizer, não conseguiam passar das Américas, não é? E portanto começaram a explorar a América toda, exceto o Brasil. Os portugueses não, os portugueses iam desde o Brasil até à China e às Molucas. Portanto, digamos que os portugueses tinham uma dimensão do conhecimento e das viagens e técnicas e eventos e cartografavam tudo, os espanhóis só se concentravam numa pequena parte do mundo, que é grande, a América, não é? E sobretudo a América Central e do Sul.
José Maria Pimentel
Claro, mas nessa fase, sobretudo, não é? Nessa fase era... Foi a partir do Colombo,
José Manuel Garcia
porque os espanhóis nunca tinham feito descobrimentos antes do Colombo. Foi o Colombo que abriu o caminho para os descobrimentos espanhóis. Os portugueses já tinham, desde os ilhares em 1434, que andavam a explorar a África toda e depois a Ásia toda. Eram conhecimentos diferentes, mas completaram-se os portugueses e espanhóis. Havia uma rivalidade literal e acentuada entre portugueses e espanhóis, cada não podia sair do seu território.
José Maria Pimentel
Sim, sim, daí o Tratado de Tordilha e a intervenção do PAPA.
José Manuel Garcia
Foi cumprido e às vezes havia litígios, como foi o caso das Molucas, que os espanhóis continuavam a dizer que eram eras porque o Sebastião de Alcán não queria dar o braço a torcer para não dizer que não tinha cumprido as ordens do Carlos V, Carlos V disse que tinham de provar e não provaram.
José Maria Pimentel
Nós não dizemos uma coisa, para terminar, é que quando o Elcano chega a Espanha, embora ele tenha descoberto que as Molucas estavam do lado português, acontece naquilo que nós hoje em dia chamaríamos de uma operação de spin, há logo uma alteração do enquadramento da viagem, que deixa de ser a viagem às Molucas e passa a ser a viagem de circunnavigação. Ou seja, isso é logo... Essa inversão ocorre logo no meio daquele cheiro. É o
José Manuel Garcia
que torna famosa a viagem, porque as Molucas acabou por ser secundário, embora, de facto, o Sebastião de Alcântara tenha feito depois batota, que continuava a dizer que as Molucas eram espanholas. Até que depois houve negociações e acabou por se reconhecer que as Molucas eram portuguesas. Mas foi... Os portugueses tiveram de pagar para que os espanhóis desistissem, porque os espanhóis, como disse há pouco, e o mais importante é que os espanhóis não conseguiam voltar para trás. E eles nunca mais fizeram a viagem pelo Índico, nunca mais fizeram. A viagem do Sebastião de Alcântara nunca mais foi feita, porque eles nunca mais vieram. Eles tentavam voltar para trás e não conseguiam, só como disse em 1873 é que conseguiram.
José Maria Pimentel
Só depois é que perceberam que era em Agosto que o viu.
José Manuel Garcia
Em Agosto tinham de ir lá ao nível do Japão e depois é que conseguiam ir. Mas as viagens dependiam muito das condições climatéricas e os portugueses e os espanhóis foram percebendo, não é? Tanto o segredo dos descobrimentos está no tempo. Sim, sim. A escolher o tempo, a duração do tempo e do vento. As condições climatéricas. Do vento e
José Maria Pimentel
vinha das águas, não é?
José Manuel Garcia
Exato. Da alimentação e da resistência, portanto.
José Maria Pimentel
E para terminar, rapidamente, sei que tem livro grande para recomendar. Sim, é clássico. Que encaixa bem aqui neste momento.
José Manuel Garcia
Sim, é o... Porque estamos a falar nos descobrimentos em geral e terminando com o Fernando Magalhães e esses Descobrimentos, que é o livro do Damião Peres, A História dos Descobrimentos, que é dos clássicos e é livro cuja versão corrigida e aumentada foi em 1960 e que continua a ser dos livros mais rigorosos. É evidente que há muitas coisas mais atualizadas, mas a verdade é que em termos de conjunto, do conjunto, toda a história dos Descobrimentos Todos analisados ao pormenor, continua a ser a melhor obra que eu recomendo a leitura, embora de facto só nos há. Há edições relativamente recentes, de 1983, acho que houve uma nova edição e mesmo não sei se há alguma posterior. É livro que eu aconselho os interessados em conhecer os pormenores das viagens e dos descobrimentos têm no livro de Damião Pérez, a história dos descobrimentos, o melhor exemplar.
José Maria Pimentel
E provavelmente justifica a advertência que não é propriamente livro de divulgação. Não, não é.
José Manuel Garcia
É livro erudito, como se nota, discuto tudo. Discuto os pronóstios. Académico, não é mesmo? É mesmo académico, mas quem queira aprofundar é melhor. Porque depois do resto, enfim, há bastantes livros sobre o descobrimento.
José Maria Pimentel
Damião Pérez. O nome que se perdeu, Damião, por acaso?
José Manuel Garcia
Se fizer bocadinho, o Damião, pois, realmente havia o Damião de Góis e o Damião Pérez, mas depois agora já não se usa muito.
José Maria Pimentel
Nunca conheci nenhum
José Manuel Garcia
Damião. Também, pois,
José Maria Pimentel
ele não marcava. Fica a sugestão para os ouvintes que estejam prestes a ser pais homens voltar a Damião ai, e certo revivalismo pois pode ser, é nome bonito é
José Manuel Garcia
nome bonito tinha o Damião de Góis, que é o nome de grande humanista também
José Maria Pimentel
o Damião de Góis é uma grande personagem por acaso, isso ficava episódio também
José Manuel Garcia
sem dúvida, era
José Maria Pimentel
muito pouco conhecido
José Manuel Garcia
e é grande, talvez dos maiores humanistas. Nós tivemos grandes humanistas. O Damião de Gois e o João de Barros eram humanistas do melhor que havia na Europa. Ponto final.
José Maria Pimentel
E ele tinha uma escala europeia, o Damião.
José Manuel Garcia
E ele andou mesmo na Europa. Acho que sim, merece.
José Maria Pimentel
Terminamos com o Damião.
José Manuel Garcia
Zé Manelo, obrigado. Muito obrigado, foi prazer.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua Para a continuidade e crescimento deste projeto, no site 45grauspodcast.com Selecione a opção Apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.