#148 Rita Castanheira Alves - Como ser melhor pai / mãe?

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Umas notas rápidas antes de passar ao episódio. Depois de 3 workshops de pensamento crítico, em Lisboa, no Port e online, Vou fazer uma pausa para férias, mas os workshops regressam já em setembro. Vou anunciar muito em breves datas, por isso, caso estejam interessados e ainda não o tenham feito, preencha o link que deixo na descrição do episódio para serem avisados sobre as futuras sessões. Agradecimento rápido aos novos mecenas do 45°, ao Nuno Feliciano, ao Miguel Pinheiro, ao Rui Martins Ferreira e à Maria Pachico. Obrigado a todos. E agora, ao episódio de hoje. Este é episódio algo diferente. É feito a pensar em quem, como eu, está neste momento a passar por essa fase ligeiramente desafiante que é educar crianças. E é também feito a pensar naqueles que contam vir a passar por esse desafio num futuro não muito distante e também, claro, em quem já tem filhos crescidos e pode agora desfrutar com mais calma, ou não, de uma conversa sobre parentalidade. Este é tema que eu queria trazer ao 45° já há algum tempo e acho que agora é a altura certa também para ser bom anfitrião para tratar este tema, uma vez que as minhas filhas já saíram da fase criança pequena, ou seja, já não são toddlers, para usar o termo em inglês, que eu saiba não existe correspondente em português, e por isso começam agora a dar-nos os desafios que basicamente vão definir a agenda até a adolescência, quando aí surgem uma série de desafios adicionais. A conversa que vão ouvir é por isso sobretudo focada em crianças entre a fase pós-bebé e a adolescência, embora, na verdade, muitos dos temas que abordamos se apliquem também a idades mais avançadas e, em alguns casos, aplicam-se ao longo da vida toda. A convidada é Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica e autora de vários livros infantis e sobre parentalidade. A Rita tornou-se conhecida, sobretudo, quando lançou em 2014 o projeto Psicóloga dos Miúdos, nome pelo qual ainda é conhecida. No âmbito deste projeto, a Rita desenvolve trabalho clínico com crianças, adolescentes, jovens, adultos e pais e também workshops, comunicações e formações, seja para pais, seja para professores e educadores. Este tema da parentalidade tem aspecto em comum com o da nutrição, de que falámos ainda há muito poucos episódios. No sentido em que, tal como a nutrição, também aqui é fácil encontrarmos especialistas a proporem métodos daqueles que oferecem uma única receita, normalmente muito radical, para todos os problemas, neste caso, para todos os desafios de educar crianças. Foi por isso que tive o cuidado de convidar para este episódio alguém como a Rita. A convidada tem, obviamente, uma visão própria, que se pode sempre discutir, mas, como vão ver, é muito ponderada nas suas opiniões, ao ponto de resistir até a algumas tentativas minhas de oferecer algumas explicações demasiado texativas. Nesta conversa, que foi sobretudo sobre crianças, começámos na verdade por falar sobre os pais, ou seja, sobre nós. Especificamente sobre aquela velha questão de refletirmos na educação dos nossos filhos a nossa própria educação, seja repetindo o modo como os nossos pais nos educaram, seja, em alguns casos, e de maneira inconsciente, projetando sobre os nossos filhos alguns traumas, com tempo pequeno, na nossa própria educação. Para além disso, falámos dos diferentes estilos de parentalidade, da importância daquilo a que a convidada chama educação emocional e que segundo ela é algo que ainda enfatizamos pouco, seja na educação das crianças, seja, inevitavelmente, em nós próprios, e falámos como não poderia deixar de ser de uma série de desafios práticos que surgem nesta fase. Por exemplo, e pegando nalguns desafios recentes cá em casa, quando as crianças não querem comer a sopa, pô-las a dormir a horas, como lidar com as birras, como lidar com os maus comportamentos e, finalmente, a pergunta que está na cabeça de todos, como lidar com a tecnologia em casa, nomeadamente tablets e afins. Devemos ser mais restritivos ou mais permissivos. Foi uma conversa muito interessante e os ouvintes mais atentos do Corona e 25° vão encontrar se calhar algumas pontes inesperadas com episódios antigos sobre outros temas, seja a Psicologia, seja mesmo a Filosofia. Pessoalmente, esta conversa e o trabalho de preparação que fiz para ela tiveram benefícios práticos muito concretos porque me permitiram parar para refletir e pensar pouco sobre o meu papel enquanto pai nos últimos anos e aquilo que quero que seja para a frente. Claro que não há pais perfeitos, como a Rita diz, mas há sempre aspectos que podemos melhorar e, sobretudo, há sempre alguns hábitos automáticos e refletidos que, pensando bem, descobrimos que não produzem provavelmente o melhor resultado. E a verdade é que às vezes, como vão ver, basta apenas mesmo parar pouco para pensar sobre o assunto porque as soluções, muitas vezes, são simples bom senso. Espero que gostem e deixo-vos então com Rita Castanheira Alves. 🎶 Rita, muito bem-vinda ao 45 Grós. Obrigada. Como estava a dizer há bocadinho, quando estava a vir para cá, estava a pensar, como é que é começar a conversa? Eu penso sempre nisso, antes de começar a gravar e normalmente é relativamente fácil porque há ângulo de entrada óbvio. Neste caso não é muito fácil porque nós vamos falar de muitas coisas diferentes. Eu acho que Talvez o chapéu sobre o qual vai estar tudo ou quase tudo que nós vamos falar são erros que nós cometemos enquanto pais ou coisas que poderíamos fazer melhor enquanto pais. E esse tipo de erros, em alguns casos, tem a ver com egoísmo ou desplicência e, em outros casos, que provavelmente são aqueles que nós vamos falar mais aqui, porque no fundo estamos a assumir boa intenção das pessoas, tem a ver com situações em que nós somos autoritários quando não devíamos, irrefletidamente, ou irrefletidamente, ou porque não conhecemos o que diz a ciência, ou somos demasiado permissivos, bem intencionadamente, mas com efeitos desnecessários. Faz sentido esta caracterização? Podes começar já a dizer que não.
Rita Castanheira Alves
Pois, posso começar já a dizer que não ou então dizer que se estas-te aí muitas muitas coisas que podem verificar-se ou não. Estava aqui a pensar que nesse grande chapéu existe o facto de nós sermos humanos. E ao sermos humanos, quer dizer, a falha ou fazer menos bem ou o ter lapsos, quer dizer, é humanamente normal, vamos
José Maria Pimentel
dizer assim. Há sempre idos, não é?
Rita Castanheira Alves
Sim. E, portanto, no exercício da parentalidade, não é? Ou nesta coisa de ser pai e mãe, não vai ser exceção, pelo contrário, vai acontecer. Agora, dizer-te também que quando somos egoístas, há bocadinho estavas a dizer, somos egoístas e por antídotes de certo, por outros motivos, nem sempre a intenção vai ser má. As pessoas que são egoístas também às vezes não fazem com má intenção. Sim. O que é que eu quero dizer com isto? Que de facto...
José Maria Pimentel
Não acham que estão a fazer mal, claro.
Rita Castanheira Alves
Não acham que estão a fazer mal. Portanto, antes de sermos pais ou mães fomos filhos, não é? E antes disto tudo ou durante isto tudo temos uma história. E portanto, como boa, ou não, a terapeuta que tento ser, devolvi-te a ti a pergunta. Porquê é que falhas enquanto pai?
José Maria Pimentel
Sim, eu acho que é por misto disto tudo, na verdade. Esse ponto é relevante. Ou seja, nós, quando estamos a ser egoístas, provavelmente não temos noção de que estamos a ser. Ou seja, quando estamos cansados e perdemos a paciência com os miúdos, ou quando, numa fase posterior à idade que as minhas filhas têm, mas quando é inevitável teres uma certa tendência para projetares nos miúdos, ou seja, tentar bocado viver por eles, ou seja, tentar influenciar o caminho que eles fazem, estás a ser egoísta de uma maneira que não é necessariamente refletida. E depois, por outro lado, eu acho que tu estavas a ir nessa direção, que é ponto muito relevante e engraçado ao mesmo tempo que eu te queria perguntar, provavelmente a nossa... O Freud tinha alguma razão, não é? Que a nossa infância também... A maneira como nós fomos educados também se reflete de uma maneira não consciente na maneira como nós educamos os miúdos.
Rita Castanheira Alves
Sim, isso quer dizer, não há como voltar atrás nisso, não é? Há como fingir que isso não influencia.
José Maria Pimentel
Só como não é consciente, não é? Nós não temos noção disso, não é? A não ser que vamos, de alguma forma, tentar desenterrar... Há aquele clássico da pessoa dizer... Eu, por acaso, não sinto muito isso, mas as minhas filhas também. Se calhar vou sentir isso mais tarde mas aquela coisa da pessoa dizer parece a minha mãe ou o meu pai a falar não é aquele clássico?
Rita Castanheira Alves
Sim, isso aparece em algum momento nós vamos buscar aquilo que se automatizou em nós, não é? Quando eu estava a dizer que não é consciente, isso leva para ponto muito importante, não é? Que é aquilo que estávamos a falar, que é humanamente nós vamos falhar, não há como não. Portanto, começar o exercício da penatalidade e achar que a falha não vai existir, ou que o lapso não vai existir, ou que o erro não vai existir. É uma luta demasiado grande em que vamos falhar. Aí sim vamos falhar. E, portanto, há que assumir e aceitar que em algum momento vai acontecer a falha em mim ou naquilo que eu faço. Eu acho que realmente a importância é a consciência de que vai acontecer e a consciência de eu saber porquê que me aconteceu, portanto, identificando os meus possíveis gatilhos, o que é que é isto? Ou seja, as minhas possíveis situações que me vão pôr a jeito para eu falhar mais, isto que tu estavas a dizer, por exemplo, o poder projetar-me num filho, o poder não querer repetir coisas que fizeram comigo e portanto eu quero a todo custo tentar fazer o contrário disso e às vezes isso poder pôr-me ainda mais a jeito de falhar, ou seja, de ser tão exigente comigo próprio que se calhar estou a nível de uma tentativa de ser perfeito para o meu filho e isso também não é bom exemplo necessariamente. E portanto a consciência de eu tive passado, qual foi esse passado, em larga escala a ciência diz-nos e eu vejo isso a acontecer cada vez mais no consultório, que melhora o exercício da parentalidade. Não necessariamente melhora a experiência da parentalidade, no sentido que a consciência também dói, não é? Contactarmos com a ideia de que eu sei porque é que faço isto, eu sei que isto é a minha parte automática, eu quero melhorá-la todos os dias, mas ela continua a aparecer.
José Maria Pimentel
E como é que a pessoa desenterra isso? Desenterra no sentido de, se isso fosse óbvio, a pessoa tinha noção disso desde o início. E à parte que é, à parte que tu dizes, ah, a minha mãe ou o meu pai fez a coisa desta forma e eu jurei que nunca ia fazer isso no meu vida.
Rita Castanheira Alves
Sim, e depois estou a fazer.
José Maria Pimentel
Ou depois podes não fazer, podes ter sucesso nisso, mas há o outro lado, que eu presumo que seja puramente inconsciente, não é? Ou seja, tu não tens noção desse viégio, não é? Não tens noção dessa... Eu já não sei quem é que falava, é dos autores que provavelmente vais referir. Eu dava o exemplo das coisas que enquanto pai tu fazias... Passares-te, quer dizer, snap, irritares-te, não é? E quando isso tinha padrão, sei lá, quando o miúdo falava alto, ou quando o miúdo era desarrumado, qualquer coisa, tu fazia mesmo passar. Não era simplesmente desagradá-lo, era passar-te os carretos. Que isso normalmente era sinal de que era qualquer coisa que tu não tinhas bem consciencializado, mas que vinha lá da infância.
Rita Castanheira Alves
Sim, sim, sim. E dizer-te também que, felizmente, nós, em geral, ao contrário do que às vezes nos parece pela comunicação social ou pelo que nos rodeia, que temos muito mais acesso às coisas que se passam, ao caos que acontece, à catástrofe que está a acontecer, mas ao contrário do que isto nos possa fazer parecer, em geral as pessoas não são todas vítimas de grandes processos altamente traumáticos na infância, nas suas infâncias. A questão é essa, é que o nosso cérebro ainda assim cria os seus automatismos e tem sempre a criação de forças, portanto experiências que na nossa infância, seja com os pais ou na escola ou outro tipo de experiências que foram forças, que nos criaram potencialidades, aptidões, mas também tivemos todas experiências que naturalmente nos criaram fragilidades, mas que não têm de ser todas tipicamente traumáticas. Então, ao não serem tipicamente traumáticas, podem enganar-nos e parecer-nos que não nos afetam minimamente. E quando vamos ver, elas afetam-nos na mesma, porque são a nossa história. E são exatamente essas que nós, se calhar, são esses pais que às vezes chegou à consulta, que têm dificuldade em perceber porque é que se irritam tanto, por exemplo, com a desarrumação do filho, ou com a desatenção do filho, não entendem de onde é que isso vem e quando vamos pesquisar, a relação é muito mais próxima e muito mais clara do que nos possa parecer.
José Maria Pimentel
Sem ter de ser propriamente trauma, não é?
Rita Castanheira Alves
Sem ter de ser propriamente trauma.
José Maria Pimentel
Temos de ter uma personalidade, não é? E essa personalidade é moldada para alguma coisa, e portanto ela nunca é neutra, não é?
Rita Castanheira Alves
Sim, não é uma possibilidade de ser neutra e não é uma possibilidade...
José Maria Pimentel
Tem preferências, não é?
Rita Castanheira Alves
Sim, e que não tenha influências e que não tenha na nossa construção este impacto do ambiente. Nós vimos com temperamento, todos nós, não é? Nascemos com temperamento, mas depois há experiências do ambiente umas que serão mais positivas, outras menos negativas mas que de facto nos ajudam a formar esta personalidade e depois ela vai se ver também no exercício da parentalidade. Agora, não tem de ser realmente estavas a falar da questão, não é tudo traumático mas não tem de ser necessariamente traumático. Sim, eu
José Maria Pimentel
estava a usar o termo trauma com T pequeno.
Rita Castanheira Alves
Exatamente, com T pequeno, que é mesmo assim. Mas esses T pequenos, e disseste muito bem, porque esses T pequenos são exatamente isso que se diz, criam-nos dificuldades também. São esses depois que vão aparecer mais tarde e que nos fazem às vezes ser excessivamente preocupados, por exemplo, ser excessivamente protetores e estamos nas nossas melhores intenções, mas não percebemos porque é que isso nos inunda tanto, porque é que é tão importante para nós, porque é que nos deixa tanta ansiedade e sem querer isso pode também e terá obviamente impacto nos filhos. É
José Maria Pimentel
engraçado porque eu acho que nós vivemos num período curioso em que temos de certa forma alguns pais que pecam por excesso de... E agora estou a falar de modelos de parentalidade, pecam por... Podemos dizer excesso de autoritarismo, ou seja, uma educação mais próxima da educação tradicional que é baseada na... Quando eu digo autoritarismo é a autoridade do pai, portanto baseada em castigos e em regras e outros pais que pecam pelo outro extremo que é de sobreproteção e provavelmente, para complicar as coisas, estes dois pais não são muitas vezes duas pessoas diferentes, são dentro de nós. Somos nós que em situações, em determinadas situações estamos a agir demasiado autoritariamente e noutras situações a agir com intuito protetor mas que na verdade depois é pernicioso para os miúdos. Se calhar começando pelo primeiro, pelo do autoritarismo, enfim, do modelo tradicional. Qual é que tu achas que é o maior desajustamento do modelo de educação tradicional, sobretudo português? Enfim, eu ia dizer para os tempos atuais, mas no fundo não é para os tempos atuais, é estrutural. Qual é o maior equívoco do modelo tradicional? Deste modelo baseado no... Que todos conhecemos, quer dizer, em que no fundo se tenta, e isso é necessário obviamente, em certa medida, tu tentas domar os miúdos como se eles fossem animal, que tu tens de domar e há lado disso que tem de ser feito, porque a criança, em certo sentido, tem esse lado selvagem, mas o modelo tradicional tem em alguns aspectos exageros nessa tentativa de domar sem reconhecer o, ao mesmo tempo que há ali ser humano, não é? Que tem consciência, que tem emoções que se calhar não escapam e que tem também uma capacidade de razão, não é? De raciocinar que muitas vezes não subestimamos, não é?
Rita Castanheira Alves
Hum, bem, agora...
José Maria Pimentel
Agora daria para livro, não é?
Rita Castanheira Alves
Agora daria para livro porque vieram várias coisas
José Maria Pimentel
aqui à
Rita Castanheira Alves
minha mente. A primeira se calhar importa para quem nos está a ouvir, não é? E até para ti, quem sabe, mas tu também se calhar leste pouco sobre isto. Mas definir bocadinho o que é que é cada estilo, não é? Porque de facto, quando estamos aqui a definir e tu usaste a expressão do que é que é tradicionalmente português, não é? E aqui eu percebi, e acho que quem nos está a ouvir se calhar percebe que em que o papel do homem se distingue por impor mais regras e limites e ser muito porque sim, porque não, não é? Mas não sei bem se é só assim, não é? Mas se calhar distinguir...
José Maria Pimentel
Mas o mais importante é a tua conceptualização, não é? Sim, sim.
Rita Castanheira Alves
Aqui distinguir se calhar aquilo que, pronto, mais do que eu a tu dizemos, mas que a ciência diz, não é? E que divide ou que dá... Há três grandes estilos do exercício da parentalidade. Portanto, três grandes estilos de exercer ou de tocar, vamos dizer assim, de tocar. Depois há outro aqui falado e há assim umas novas abordagens, mas pronto, vou dar aqui três grandes estilos para nos orientar assim, se calhar neste nosso tópico. Portanto, este estilo mais autoritário, não é, que tu falavas, em que no estilo autoritário são pais, eu vou descrevê-los assim muito em geral, não é? Mas imaginam pai ou uma mãe que põe como tópico principal e prioridade na educação a ideia de dar regras, muito restritas, de ser a pessoa que é sempre seguida e que não há muito espaço para diálogo, para flexibilidade, portanto há muita rigidez na ideia de seguir aquilo que o adulto diz. E este estilo perde muitas vezes ou deixa mais de lado a ideia que a criança também é pessoa e que por isso ela própria pode ter necessidades diferentes e estar a ter até comportamento que seja exemplificativo da circunstância que está a viver. O que é que eu quero dizer com isto?
José Maria Pimentel
E que está a escapar ao pai, não é?
Rita Castanheira Alves
E pode perder o contexto, não é? Imagina que a criança teve dia difícil ou que na escola está a ser maltratada, por exemplo, ou não está bem, não esteve triste na escola. Se calhar à noite pode exibir, exatamente, porque ainda não é ser, e até os adultos fazem isto, nem sempre o adulto chega à casa e consegue nomear a emoção que está a sentir. Ou sim, claro. Quantas vezes a criança chega à casa e refila.
José Maria Pimentel
Conseguir revisar a tudo muito mais fácil.
Rita Castanheira Alves
E refila, ou faz birra porque não quer ir para a mesa. Portanto, o estilo autoritário pode simplesmente ir no objetivo de quê? De fazer cumprir regra e, portanto, está a esquecer qual é a necessidade emocional que está atrás. Portanto, perde isto. Sabe-se que este estilo pode não ser muito bom ou pode não promover ou não promove muito a capacidade da criança a se tornar confiante. Portanto, uma criança que consegue confiar em si mesma, que consegue ter autoestima, portanto, respeitar-se naquilo que é boa e naquilo que se calhar não será tão boa também, porque a autoestima não é só sermos bons e só gostarmos daquilo que somos bons, mas também é ser tal que não somos. Sim. E, portanto, não promove grandes níveis de possibilidade de aumentar a confiança e também de ser assertiva, de pensar pela minha cabeça, de expor e de lutar pelo aquilo que eu preciso. Porque não há muito espaço para isto, não há espaço de negociação. Segundo estilo, há antidecidisto, como estavas a dizer, que se caracteriza por ser a permissividade. Na permissividade é como se desse palco muito grande à criança e, portanto, a criança é quem decide que está sempre tudo bem e, portanto, é característico daqueles ambientes em que a criança decide tudo o que quer e não há muito palco para a regra, propriamente, ou para a definição de limites. Portanto, eles não estão muito bem definidos. Não é estilo, parece de repente, bocadinho desorganizado, não é? Porque parece que a criança é que define tudo e vai ser pequeno ditador. A verdade é que a investigação mostra que dá níveis altos de confiança e de autoestima à criança, dá algumas dificuldades à criança ser boa negociadora e flexível também nos limites do outro e do momento de onde é que é a minha posição e onde é que é a posição do outro. Portanto, pode não ser muito boa na negociação.
José Maria Pimentel
Sim, dá-lhe uma melhor noção das suas emoções, mas pior dos outros. Mas pior
Rita Castanheira Alves
dos outros e também às vezes lhe cria alguma dificuldade nos seus próprios limites, porque como é tudo possível, eu também não consigo identificar.
José Maria Pimentel
Claro, não conhece. Quando é o dia dos outros é nesse sentido, não é?
Rita Castanheira Alves
Sim, sim. E Depois podemos falar aqui de terceiro estilo, vá, que se calhar é bocadinho, ponto de encontro entre autoritário e permissivo, não é? Que fomos chamar o autoritativo, é como é a tradução do inglês, em Portugal fica assim meio estranho, mas... Sim. E que basicamente é encontro entre a possibilidade de sermos flexíveis e circunstanciais, portanto pai que consegue ver além da regra, e portanto dizer assim, sim, existem regras de base, mas eu consigo olhar para cada dia ser dia e perceber que se a criança está cansada, normalmente há banho, mas que lá naquele dia não tem de haver o banho. Normalmente faz sempre os trabalhos à sexta-feira, mas naquele dia está triste ou aconteceu qualquer coisa, não vai ter de o fazer. E, portanto, é uma coisa que une a flexibilidade a uma base segura de, ainda assim, é o adulto que estabelece alguns limites e regras de base, mas tem flexibilidade e está disponível para mudar, até para ouvir a criança e dizer... Para ajustar. Para ajustar. Quem não diga criança também diga adolescente. Pois. Portanto, isto também, não é? E portanto aí, se calhar, isto ainda pode ser mais importante. E aqui temos níveis, em termos de sucesso, é aquilo que nos diz que temos melhores. Vá a níveis de autoestima, de autoconfiança, de capacidade de negociação. Agora, pô, isto é praticamente difícil este meio termo, não é?
José Maria Pimentel
No fundo, quer dizer, nós os dois e quem nos está a ouvir tem preferências diferentes em relação à ordem e ao espaço para a desordem, se quiseres, ou ao espaço para as crianças se espraiarem e fazer as coisas à maneira delas. Ou seja, todos nós temos preferências diferentes, mas é mais ou menos assumido, quer dizer, mais ou menos consensual, que qualquer de nós, independentemente dos parâmetros específicos que tem, percebe que o autoritarismo como solução única é excessivo ou que a permissividade como solução única é excessiva também. Quer dizer, a grande dificuldade é saber em que situação é que usar qual.
Rita Castanheira Alves
E mais, não é? E aqui, por isso é que eu estava a dizer que isto dava quase para livro. Aqui ainda vão entrar outros parâmetros, por isso é que eu às vezes... A ciência é realmente muito importante como pano de fundo, mas para mim, acima de tudo, é importante conhecer quem chega ao consultório, como é que chega e como é que está. Porque é natural que em determinados contextos a única possibilidade tenha sido haver, por exemplo, estilo mais autoritário. Imagina como terá de ser assim quando às vezes pode haver uma situação de vida com mais crianças do que se planeava, com condições de vida em que não há propriamente muito espaço para as coisas terem
José Maria Pimentel
Sim, sim, exatamente.
Rita Castanheira Alves
Tempo de flexibilidade. É bom ponto. Portanto, tudo também é preciso analisar conforme a circunstância. Para quê? Não é para cristalizar as coisas assim, mas para nós também não nos desfocarmos ou não deixarmos a família em consulta sozinha também, a sentir que faz tudo mal ou que... Não, é, para nós percebemos que tudo na vida, mesmo aquilo que parece desfuncional, em algum momento teve uma função. E em algum momento serviu para alguma coisa.
José Maria Pimentel
Sim, bom ponto. Ou seja, muitas vezes trata-se de desajuste a uma realidade que mudou, mais do que provavelmente algo que nunca serviu
Rita Castanheira Alves
para nada. Às vezes até por influência ou por receio das vozes alheias, do que é que o social
José Maria Pimentel
vai pensar. E
Rita Castanheira Alves
aqui entra bocadinho naquilo que estavas a falar, daquilo que é tradicionalmente português, que é o papel do pai. Pai, vamos dizer aqui, papel do homem, tradicionalmente falando ou fazendo aqui papel de género muito normativo, em que de facto às vezes estes pais estão aqui na consulta. Na semana passada, vi isso acontecer aqui numa consulta, que é o pai que, aparentemente, parece ter aquele papel, e é isso que é esperado dele, é verdade, é isto, e é nisto que ele cresceu, num papel do que providencia, do que trabalha muito, do que até brinca com tudo, parece que nunca foi visto pelo filho a chorar e é interessantíssimo porque no sofá onde esta família estava sentada, eu posso dizer que da minha cadeira foi a pessoa que eu vi mais vezes a emocionar-se no sofá. E é tão interessante porque nenhum dos outros elementos viu. De facto, não estavam a olhar para ele, mas eu penso, mas isto não aconteceu mais vezes e portanto porquê? Aqui para te dizer isto, que é, também às vezes nós nos influenciamos e muito pelo papel também que é suposto de ser esperado. Isto vale para homem pai como vai valer para mulher mãe, não é? E isso vai nos influenciar muito na forma de depois como é o nosso estilo. Aquilo que achamos que é esperado de nós ou que esperam de nós.
José Maria Pimentel
Sim, sim, uma certa conformidade, o conformismo às normas sociais que esperam, seja no geral aquilo que é esperado de ti enquanto pai, no geral, não é pai e mãe, seja depois cada papel de género dentro
Rita Castanheira Alves
disso. Exatamente, exatamente. E portanto também vamos exercer este estilo, às vezes não tanto por ser o estilo que nós achamos que deve ser, mas porque nós também temos este automatismo interiorizado, qual é o papel que é esperado por nós. Isso também é automático às vezes. Parece-nos que não, mas é. Sim, sim, claro. Mesmo na mulher dita moderna, não é? A mulher que já concilia a carreira, que é mãe e que acha que não tem propriamente ser a mãe que fica sempre ela com os filhos, mas a verdade é que, pois, isto na prática não é assim. E nós continuamos a ter interiorizado muitas de nós, mulheres, que no fim do dia somos nós a gerir mais a casa ou a... E portanto este estilo também vai depender disso. Vai depender do que é que nós achamos que esperam de nós, portanto das expectativas. E eu
José Maria Pimentel
acho também, não sei se tu partilhas disto, mas eu acho que depois na prática, quando surgem os miúdos e a vida é tão complexa e há tão pouca margem para erro, que esses papéis acabam por entrar enquanto uma espécie de atalho, não é? Porque lá está, porque como já está definido, sei lá, para te dar exemplo, eu e a minha mulher não temos, por acaso, temos muito pouco papéis desse género. Mas, se por exemplo na escola surgir uma questão qualquer com a comida, o que vai acontecer é que uma das mães pegue aquilo e manda uma mensagem à minha mulher, não manda a mim. E nesse caso até está correto, ou seja, nesse caso até corresponde, mas há outras coisas em que não corresponde. Às vezes acontece ao contrário. Mas eu percebo que é que eles fazem isso. Quer dizer, vão estar a perguntar a cada casal a Não é? Eu entendo, é mais fácil. Mandas uma mensagem e ficou o assunto resolvido. Mas ao mesmo tempo, depois ajuda a perpetuar.
Rita Castanheira Alves
Sim. Isso continua a ser perpetuado. As coisas que nos dizem também continuam a ser perpetuadas. Olha, processos burocráticos, por exemplo, perpetuam estas coisas, as questões das licenças que já são possíveis, aparentemente, tirando aqueles dias obrigatórios por lei que para a mãe depois supostamente pode ser o homem a tirar, ou o pai neste caso a tirar maior parte do tempo. E a verdade é que para tratar de processo e outro os formulários não são exatamente iguais, portanto, para especificar. E começa muitas vezes por aí. E portanto, de alguma forma que esta coisa... E agora queria entrar aqui noutra questão que tu disseste, que é... Estavas a falar que as regras também são importantes para domar, não é? De alguma forma. Isso também é outra coisa que está muito interiorizada no papel de ser pai ou mãe, mas muito também, eu vejo muito neste papel do pai que tem de impor respeito, também está a interiorizar que é, parece que as pessoas acham que serão melhores pais quanto mais conseguirem lá estar do mar. E o que é que é isso de do mar? O que é que as pessoas têm medo, por exemplo, chegam muitas vezes aqui com a questão ao consultório de, bem, se eu permito isso agora, como é que será daqui a não sei quanto tempo, não é? Como é que será na adolescência? Sim, essa é a questão. Portanto, muito medo de perder o controle. Não é medo infundado, não é? Não, não é medo infundado, mas às tantas podemos correr o risco de estarmos muito mais focados, lá está no objetivo, do ele tem que me ver como alguém que ele tem de respeitar e muito menos focados no que é que está a fazer com que ele não me respeite. E isso sim pode ser mais importante. Portanto, se houver o sintoma, o sintoma é a falta de respeito, então eu tenho que me dar ao respeito. E eu só estou a tratar do comportamento, não estou na verdade a tratar da verdadeira necessidade emocional ou daquilo que está atrás. E há pessoas que, e muitos de nós, não é? Até movidos por esta ideia de que o pai, aqui vou voltar a falar do papel de género, de pai, não é? De homem, na questão do pai, vem muitas vezes com esta questão, não é? De eu tenho de ser a pessoa que se dá o respeito. E isso perde muitas vezes uma parte que está lá e que é mais importante, que é o que é que o meu filho me está a tentar dizer.
José Maria Pimentel
Como acontece em muitas coisas destas, e não é por acaso que a coisa melhora socialmente, quer dizer, ao longo do tempo, com o grau de escolarização da população é que muitas vezes é problema de informação, ou seja, tu sabes que os teus filhos precisam de regras precisam de regras, isto é, tu sabes que para eles serem adultos completos precisam de ser organizados e precisam de conseguir conviver com as outras pessoas e viver num mundo relativamente estruturado. E portanto, aparentemente, a solução mais intuitiva para o fazer é começares tu por estabelecer regras em casa, sendo tu adulto conheces muito melhor o mundo do que eles. O problema é que, primeiro, isso é método imperfeito e em segundo lugar é método que tem, depois, efeitos colaterais negativos, não é? Porque depois lá está, não tens atenção às necessidades do miúdo, se calhar as tuas regras não são as regras que interessam, porque nós somos todos falíveis, e aí é que entra de facto a pessoa pensar bocado melhor sobre o assunto e pensar, se calhar, mais do que estabelecer regras eu próprio, quer dizer, ditatorialmente, faz sentido... Por exemplo, uma coisa que resulta muito com as minhas filhas é gerar o compromisso antes com as regras. Com as regras, isto é, em vez de eu chegar lá e proibir, dizer, olha, agora vamos para ali, vamos estar lá... E no outro dia estivemos na piscina, disse, agora vamos estar lá bocadinho, porque depois temos que ir para a casa da avó. Claro que bocadinho para elas é uma coisa muito difusa, mas depois tens ali uma base negocial e ela já sabe. E depois quando tu dizes, pronto agora está na hora de ir embora, ela diz agora está mais uma vez. Mas já é aquilo, é completamente diferente de tu chegar lá e dizer, não, agora temos que ir embora, desculpa, lá temos que ir para a casa da avó, ela sabe lá. Enfim, isso é uma das coisas que eu noto que resultam. Sim. E outras, muitas mais haverá, mas tem a ver com isso.
Rita Castanheira Alves
Desculpa interromper-te, mas acho que é ponto mesmo importante, isso que estavas a dizer, que fazes com as tuas filhas e que uma coisa que eu costumo dizer é que há muitas, muitas coisas, vá adaptando à idade, mas que na verdade, simplificando, é fazer com os filhos o que nós gostamos que façam connosco. O que é que eu quero dizer com isto? Tu convidaste-me para fazer o podcast, mas imagina que convidavas, no dia em que me convidavas, tu dizias... Já estavas aqui à porta, tinhas tudo pronto para gravar e eras tu que paravas a qualquer momento do podcast ou não me tinhas avisado sequer que afinal íamos falar de política e não íamos falar de parentalidade. Isto não ia ser bom para mim, não é? Eu também ia ficar baralhada, ia sentir-me desrespeitada, ia sentir que não ia ser capaz, não é? E provavelmente teria aqui dentro alguma coisa entre a ansiedade, a zanga, pronto. E o meu cérebro já tem 40 anos, não é? Portanto, agora imagina isto tudo num cérebro que ainda é cérebro que não tem propriamente a parte frontal, que é a nossa capacidade de tomar de decisão, fazer filtro daquilo que estou a sentir, maior capacidade tomada de consciência, de resolução de problemas, que não está sequer ainda madura. Portanto, é bocado isto. Às vezes uma coisa fantástica é tentar olhar para os filhos com aquilo que eles são, que são pessoas. Sim, sim. Para as crianças como pessoas. Sim, sim. Para o bebê como pessoa. Estava no outro dia a falar com uma cliente que observava parente, ela tem irmão bebê e o parente punha a chucha e tirava a chucha, punha a chucha e tirava. E o bebê estava a começar a mostrar vários sinais de que não estava a gostar daquilo. E a minha cliente, já mais velha, ela estava a ficar já muito ansiosa pelo irmão bebê, porque estava claramente a ver que ele não estava a gostar e acabou por dizer ao aparente, ou à parente, a dizer Olha, o bebê está a ficar incomodado, tem mesmo de parar. E ela, muito indignada, dizia-me como é que não percebem? Ele é uma pessoa, ele só não sabe é dizer que já chega. E é bocadinho isto, é... Uma dica essencial é quem é esta pessoa? O meu filho, ou a minha filha, ou esta criança é uma pessoa. E antes disso tudo, eu preciso de a tratar como pessoa, dando-lhe previsibilidade, como tu estavas a dizer, e depois lembrando em que fase de vida é que esta pessoa está, portanto, como é que está este cérebro.
José Maria Pimentel
Sim, estava a ouvir, estava a pensar, há aqui desafio de fundo grande, é dos grandes desafios, nós temos perante nós ser que é uma pessoa, mas que é uma pessoa incompleta no sentido que ainda está a evoluir e portanto nós temos conhecimento e uma capacidade de razão que ela ainda não tem e o que nós queremos fazer é convocar a razão que ela já tem E aí estamos a fazer duas coisas, estamos a usar a razão que ela já tem, ao mesmo tempo estamos a estimulá-la daqui para a frente, mas complementá-la quando necessário com a nossa. Esse é o grande desafio, no fundo, que é perceber quando é que precisamos de pôr a nossa, que no fundo é impor regras, e quando é que podemos convocar a delas. E isto na prática é muito difícil de fazer. Por exemplo, essa história das regras, quando é que tu, se o miúdo diz que quer brincar mais bocado, quando é que tu deixas, quando é que não deixas? Se diz que não quer comer mais, que não quer comer a sopa, quando é que deixas, quando é que não deixas? No fundo, na prática, esse é o grande desafio.
Rita Castanheira Alves
E é gigante, não é? E acho que vamos estar sempre bocadinho neste trabalho. Às vezes quando as pessoas vêm à consulta e querem as dicas práticas infalíveis para trabalhar, ficarem para sempre assentados à mesa. Isso não vai acontecer para sempre, porque depois virá outra mesa qualquer. Neste caso virá outro desafio qualquer. E portanto, a ideia também de lembrarmos que não há para sempre, não é? Trata-se de uma pessoa e é como nas relações entre adultos, não é? Adulto, nós não temos para sempre, aquele adulto agora é bom para sempre em qualquer coisa, não é? Ou aquele adulto já sabe fazer sempre ou a minha mulher ou o meu marido já sabe para sempre não se irritar comigo ou para sempre vai arrumar as coisas como eu quero. Isso não acontece. E portanto, no mundo de alguém a crescer, de filho, isso também não acontece e o desafio é exatamente esse com uma agravante. É que vai haver, que é aquilo que falávamos no início, vai haver se calhar várias regras ou necessidades que nós temos, que também temos de pôr em questão, que é, mas elas são necessidades só minhas ou também são necessidades da criança? E vai haver outra questão que é, e como é que eu me sinto a lidar com o impacto da reação emocional que a criança vai ter? O que é que isto quer dizer? No fim do dia ela pode ficar zangada, os teus filhos podem ficar zangadas contigo por terem de sair da piscina. Sim, claro, claro. Podem ficar?
José Maria Pimentel
Sim, sim, perfeito. Sim, aquilo não garante, não é? Sim, não garante.
Rita Castanheira Alves
Ou seja, a ativação emocional não é uma coisa que elas digam assim, agora não vou ficar zangada. Não, elas vão ficar zangadas e até espero que haja uma parte delas que fica bocado triste porque significa que estava a ser mesmo bom.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Não é?
Rita Castanheira Alves
Tanto é suposto que eu fico bocadinho triste. O que acontece às vezes é que nós também temos muita dificuldade, pois, em lidar com a ativação emocional de filho perante uma coisa que tivemos de ser nós a impor. E, portanto, às vezes contornamos por causa disso. Quando pensamos assim, bem, vai chegar aquele momento em que eu vou mesmo ter de lhes dizer olha, chegou o final, vão ter mesmo de sair e no fim da linha posso ter de fazer aquelas coisas de ir lá buscar elas. Vá! Já a vela é que não seja assim, mas às vezes acontece, não é? No mundo ideal as crianças não vão sempre, nós não vamos ser sempre aqueles pais fantásticos, vamos sempre conseguir a bem, não é? Como as pessoas dizem. As coisas, às vezes, vai dar uma bicha, às vezes vai dar momento em que vamos ser mais impacientes. E, portanto, outra parte muito importante deste exercício e deste desafio que falas é eu saber lidar não só com as minhas emoções mas também com o impacto emocional que as minhas ações ou as minhas regras ou as minhas condições tiveram ou têm no meu filho. E isso às vezes leva a envejamentos.
José Maria Pimentel
Sim, e a sensação que eu tenho é que isso é mais difícil, ao contrário do que possa parecer, neste terreno intermédio, ou seja, no terreno da última permissividade não lidas com isso por definição, porque nunca causas desagrado, mas no outro do ultra autoritarismo também de certa forma lidas, mas é uma coisa mais drástica e portanto não tens aquele efeito de negociação de sentido.
Rita Castanheira Alves
Sim, é não. É
José Maria Pimentel
não, acabou. Até porque depois como vai gerar conformismo a partir de certo momento, depois aquilo passa a não precisar de grande... Ou seja, é neste terreno intermédio de tentar ter o melhor de dois mundos que esse tipo de situações surgem. Vamos falar de exemplo prático. Por exemplo, problema que eu tenho muitas vezes, curiosamente agora mais recentemente, é com o caso clássico da comida. Elas até comem as duas bastante bem, mas a mais velha agora começou a não querer comer a sopa, por exemplo. E aquilo é sempre uma negociação grande. E eu tenho sempre as minhas dúvidas. Na prática, como é que tu geras as convicções? Quando é que tu sabes? Quando é que estás a ser demasiado autoritária a forçar a miúda a comer a sopa, que ela se calhar também tem direito a não gostar de sopa. Ou quando é que estás a ser demasiado permissiva, que ela pode não comer a sopa e não só tem uma desvantagem em termos educativos, como tem uma desvantagem nutricional no caso importante. Se eu fosse o teu paciente,
Rita Castanheira Alves
o que é que diria? É descarto ter uma consulta por causa disso, não é? Para já fazia uma consulta, ou seja, não ia dar-te a solução específica para isso. Claro, o que é que
José Maria Pimentel
dirias à pessoa geral com este problema? Então é mais fácil assim.
Rita Castanheira Alves
Imagina, às vezes este problema pode ser só o sintoma. O que é que isto quer dizer? Pode ser só a febre. O que eu faria como perguntas, ou o que eu poria como perguntas, seria primeiro que tudo é, qual é a função deste sintoma? O que é que isto significa? Às vezes a sopa é só o cenário, às vezes brinco com isto, mas é a verdade. É só o cenário, é só...
José Maria Pimentel
Podia ser a sopa ou outra coisa qualquer, não é?
Rita Castanheira Alves
Ou não, não é? Se calhar pode mesmo ser só uma questão de sopa que é, coitada, ela se calhar está numa fase em que não lhe apetece comer sopa, ou come legumes de outra forma, não é? E nós às vezes também pormos esta pergunta, que é, qual é a função disto? O que é que a minha filha me está a tentar dizer? Portanto, esta é a primeira coisa. Depois, outra, que não faz de segunda, até faz primeira, é que que idade é que tem esta criança? E depois, perceber muito bem...
José Maria Pimentel
Ela tem 4 e meio já agora. Só para usar o teu caso concreto.
Rita Castanheira Alves
4 e meio, não é? Sim. Portanto, faz muita diferença o que é que eu faço relativamente a isso e como é que consigo abordar o tema com ela, se ela tiver 4 anos e meio ou se ela tiver 2. Se ela tiver linguagem, se não tiver linguagem. Claro, claro. Depende também disso totalmente. E a outra coisa é também lembrarmos e fazer uma análise situacional. Aí podemos ser muito engenheiros que é quase fazer uma... Eu peço mesmo em sessão para fazer isso, mas às vezes é giro, fazemos nós também o nosso exercício, que é a tabela situacional, que é para perceber há quanto tempo é que isto acontece, quando é que acontece, quem é que está presente quando acontece e que tipo de respostas é que eu tenho dado e que resultados é que isto tem acontecido. Eu sei que isto parece muito complexo mas se tu pensas assim nos teus últimos quatro dias, normalmente até é bom pensar durante a semana e vai uns dias em que se está mais com as crianças, mais tempo, para ver se há diferenças, por exemplo. Às vezes quando fazes essa análise dos últimos cinco dias, vais encontrar padrão. E quando encontras padrão, provavelmente vais descobrir o porquê do sintoma, o porquê da sopa e vais também descobrir porque é que para ti é tão importante que ela coma a sopa ou se será que ela tem de comer todos os dias a sopa. Depois aí dá-te conta para quê? Para lhe perguntar diretamente, por exemplo, não perguntando no momento em que estão não quer a sopa, não quer a sopa se calhar fora da situação eu posso falar bocadinho sobre o que é que é isto da sopa e a outra parte é de facto ouvi-la para depois encontrar uma solução. Isto depende, claro, sempre do teu estilo, porque se o teu estilo for eu quero que ela coma a sopa, ponto. Pronto, então aqui se calhar não tens de fazer uma análise sobre isto e ela tem de comer a sopa. Sim. Tanto depende qual é o teu objetivo, não é? Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
Mas tu disseste aí, quer dizer, disseste várias coisas interessantes, mas disseste duas sobretudo. Primeiro, o da sopa podia ser sintoma para outra coisa.
Rita Castanheira Alves
E as refeições deixamos acrescentar-te que são sintoma para muita coisa. Nós socializamos e relacionamos-nos em família de muitas formas nas refeições.
José Maria Pimentel
Sim, é verdade. E sobretudo para os miúdos é a altura em que desejavelmente estão todos à mesa.
Rita Castanheira Alves
E não só. Tipicamente português, a comida e a forma como nós comemos ou não é muitas vezes sintoma familiar de alguma coisa. Portanto, nós desde pequenos que o tema da comida é problema. Ou seja, os bebés querem-se gordinhos.
José Maria Pimentel
Exato. E os miúdos percebem, provavelmente, vê se não me esqueço depois da outra coisa que tu disseste que eu achei muito interessante. Mas os miúdos percebem isso, não é? Uma coisa que para caso me irrita imenso na nossa cultura latina que é aquela coisa que os miúdos têm que comer tudo o que está à frente deles. Que é absurdo total. No caso a sopa é importante porque é uma fonte... Quer dizer, eu prefiro que ela coma a sopa e não coma o primeiro prato do que o contrário de longe. Mas, por exemplo, a insistência com o prato principal os miúdos, quer dizer, os seres humanos podem ter imensas insuficiências, mas uma delas não é de certeza, a não ser depois na fase da adolescência que surgem outros problemas mas não é de certeza passar fome, não é? Essa claramente, não é? Esse está lá no cérebro reptil, não é? Está lá.
Rita Castanheira Alves
A não ser, lá está, muitas vezes tem as questões relacionadas aqui à mistura, não é? Quando... Sim. E aí falando, pronto, mais tarde...
José Maria Pimentel
Claro, mas isso é mais tarde.
Rita Castanheira Alves
Normalmente é mais tarde, mas há perturbações alimentares e várias que surgem...
José Maria Pimentel
É, com crianças pequenas.
Rita Castanheira Alves
Mais pequenas, sim. Não é uma área que eu trabalho, eu não trabalho com perturbações alimentares em consultório, mas a verdade é que sempre que vais analisar uma perturbação alimentar, ela tem muitas vezes uma questão relacional familiar. Curioso, ok, isso é interessante. Muitas vezes. E, portanto, é uma área que eu tomo bastante atenção em consulta, até por isto, porque existe quase uma culpabilização inconsciente, não é? Eu acho
José Maria Pimentel
que é bastante inconsciente.
Rita Castanheira Alves
Da mãe do pai, não é? Que não nutre. O percentil, não é? O bebê ainda na barriga já está... Estamos sempre na comparação. E por isso, também ter este aspecto aqui, que é ter muito alerta no sentido de, ok, mas a sopa, há quanto tempo é que acontece? E o que é que ela está a querer dizer? Para que depois a sopa não seja uma forma de nos relacionarmos, porque a longo prazo não vai ser tão bom. E outra coisa que eu tinha a dizer, não te esqueças mesmo, não é? Não me esqueço, não me esqueço. José Maria, mas que é o cérebro de mãe e de pai, para o bem e para o mal, mas os cérebros dos pais atentos valorizam muito e estão muito alerta na exceção. O que é que isto significa? Muitas vezes, e acho de pensar se isto não vos acontece lá em casa ou se não vos aconteceu.
José Maria Pimentel
Não há toda uma exceção, é isso?
Rita Castanheira Alves
Estamos sempre na exceção. Então parece que ela já aconteceu há muito tempo. Imagina, às vezes há duas noites mais, não é? Estou a pensar quando se tem crianças mais pequenas. Ou há uma refeição mais, não é? Não quis comer a sopa, comia tão bem ainda a semana passada e está assim uma semana que come menos bem. Já não anda a comer. Parece que é uma coisa...
José Maria Pimentel
É o viés da negatividade, não é?
Rita Castanheira Alves
Da negatividade. E é muito interessante quando em consulta muitas vezes perguntamos aos pais e há quanto tempo é que acontece? E de repente eles dizem, pois agora pensando bem, não é? E só acontece há uma semana. Pronto, também é verdade que há casos que nos aparecem aqui passado mesmo muito tempo e é preciso ver e as pessoas também, às vezes a coisa já é muito prolongada. Mas noutras vezes nós também temos este cérebro que é, e aí começam às vezes os problemas relacionais, não é? À volta da comida neste caso, que é come, come. E às vezes só não come há dois dias ou porque o nosso paladar também vai alterando, as nossas necessidades também.
José Maria Pimentel
E na verdade os miúdos podem não estar a comer, lá está, sobretudo se forem só dois dias seguidos, podem não estar a comer por motivo que qualquer perfeitamente legítimo, não é? Quer dizer, podem ter comido mais antes, podem não estar bem por algum motivo, não é? Quer dizer, aquela existência... Lá está de novo a questão das regras e da certa desinformação, quer dizer, ou deseducação para este tipo de coisa. Eu digo isto, quer dizer, digo isto falando de mim também, não é? Quer dizer, uma das coisas que eu queria fazer este episódio há muito tempo e foi muito bom para mim prepará-lo foi informar melhor sobre alguns aspectos e pensar sobre eles. É porque a pessoa tende a agir intuitivamente com, lá está, soluções rápidas mas que depois são pouco flexíveis, não é? E a outra coisa que tu disseste que eu achei muito interessante e eu acho dos aspectos com que a pessoa tem mais a aprender pensando sobre este tema é essa de falar com eles sobre o assunto depois. Eu nunca me lembro de fazer isso. Ou por outra, quando eu faço isso, faço porque o planeei e porque pensei racionalmente sobre o assunto, porque senão uma coisa provavelmente não me ocorreria nestas idades. E quando tu começas a fazer isso, começas a perceber que sai de lá muito mais do que estavas à espera e ao mesmo tempo, como é se calhar o mais relevante de tudo, é que depois é processo e tu estás lá, estás a convocar a razão deles, a razão no sentido da racionalidade, a capacidade de pensar e estás a puxar por eles, para eles próprios, quer dizer, refletirem sobre o que estão a pensar e porquê quiseram fazer aquilo e depois a gerar compromisso para a próxima vez que de certeza que não vai funcionar à primeira, mas... Ou talvez funcione, não sei. Ou talvez funcione, mas muitas vezes se calhar não funciona, não é? Mas consegues... Não é uma panaceia, não é? Mas consegues perceber porquê o Mew está a fazer aquilo e chegar a compromisso qualquer de... Lá está, realmente não tem que ser sopa, pode comer vegetais de outra forma.
Rita Castanheira Alves
De outra forma. Isso também é bocadinho, como tu dizias, da nossa tradição. Parece que pomos a sopa para comer os vegetais de todos lá dentro, mas às vezes comem vegetais de outra forma.
José Maria Pimentel
Sim, pode ser de outra forma.
Rita Castanheira Alves
E pode ser. Ou outra coisa que estava aqui a pensar é também no nosso exemplo. Exatamente. Digo eu que também falho nisso lá em casa e penso muitas vezes nisso.
José Maria Pimentel
Nós achamos por magia possíveis de fazer o que nós não fazemos, não é?
Rita Castanheira Alves
Sim, por exemplo, essa questão da sopa, isso acontece. E pronto, e claro que podemos, mas se calhar temos de explicar a partir de uma certa idade e com algumas crianças. Que é, temos necessidades nutricionais diferentes, mas eles não adivinham essas coisas também, não é? E portanto imagina, se calhar pode ser tranquilo, ou pode fazer parte que tu, já adulto, não comas a sopa e o segundo prato. Mas se calhar é aceite e faz sentido que tu tenhas uma fonte de vegetais no teu prato. Então, muitas vezes o que nós fazemos é outra coisa, é, estamos a dizer como porque sim e não estamos a dar o exemplo também, não é? Ou, se não dermos o exemplo, explicar porque é que não estamos a dar o exemplo. Ou porque é que é assim, ou porque é que pode ser de outra forma, ou... Portanto, encontrar uma forma para falar. Agora, isto dá tudo muito mais trabalho, como é óbvio, porque depois isto já são 8 da noite, na melhor das hipóteses, muitas famílias portuguesas em que saímos tarde do trabalho, em que também saem tarde das atividades, portanto já são 8 da noite, o banho já está atrasado, os trabalhos ainda estão por fazer E, portanto, eu também sei que muitas vezes as famílias são apanhadas e todos nós somos apanhados pela avalanche de cumprir, não é? Porque amanhã já vem outro dia e porque já levámos com o dia inteiro e porque ainda há uma série de coisas para fazer e mais. E agora vou passar a bola sobre os pais e sobre o exemplo que é e muitos pais ainda têm trabalho para fazer a seguir e, portanto, os teus filhos de repente e aqui não é para culpabilizar ninguém, mas é para nos tornar mais conscientes disso muitas vezes estão com a tua agenda também dentro da cabeça, mas eles não sabem que estão Ou seja, eles têm de te deitar até às 9 porque tu ainda vais trabalhar a seguir. Exato. E portanto, eles estão a levar não com... Tu nem sequer objetivaste isso, portanto nem sequer foste capaz de dizer isso para partilhar pelo menos e eles, se calhar, cooperam mais. Mas estão a levar com o teu rastro emocional desse stress, não é? De ainda tenho de fechar aquele projeto ou... E isso faz diferença. E faz muito. E quando se passa por isso e se tem essa consciência conseguimos perceber como nós estamos muito mais, e se calhar a sopa até é comida, quando temos uma refeição em casquim não vamos ter ainda de ir para o computador ou começamos o jantar mais cedo e, portanto, vai haver tudo, ainda tempo para brincar a seguir e isso faz diferença. E isto leva-me para a questão do stress familiar. Mais difícil vai ser dialogar em stress. E isso é comum a qualquer família, a qualquer casal, a qualquer dupla de amigos, não é? Se houver stress o diálogo não vai ser bom. As soluções e os consensos não se vão chegar. Nós vamos ouvir igual se estivermos em stress. E pronto, às vezes o momento de comer sopa, não sei se na tua casa É o caso, nem sei porque é que ela está a fazer isso, mas também é isto. É o único momento. E mais, é o único momento onde às vezes há espaço para me queixar de qualquer coisa. Há espaço para alguém me ouvir dizer que há alguma coisa que não está bem.
José Maria Pimentel
Sim, sim, exato. Sobretudo à semana. E essa dinâmica, que é uma dinâmica de stress e de pressa, lá está porque os miúdos não compreendem, é melhor se explicar, mas mesmo explicando, obviamente que eles não conseguem entender totalmente porque não passaram por isso. É uma coisa que pode ser muito perniciosa. E aí entra, retroativamente, entra a questão da dificuldade em pô-los a dormir. Ou seja, se tu enquanto pai estás com... Quer dizer, tu tens de trabalhar à noite, isso acontece várias vezes e tu não sabes a que horas é que vais conseguir pô-los a dormir, porque não sabes, porque aquilo é sempre uma luta e é sempre momento incerto, se tu soubesses que eram as 5 horas, já estavas tranquilo, mas como não sabes, fazes uma espécie de sobrecompensação e este é problema relacionado com o do sopro mas é bocado diferente. Eu acho que é uma dificuldade toda a gente tem. Como é que tu consegues... Nós sabemos que os miúdos precisam dormir mais do que nós o que implica que eles não vão para a cama a mesma hora do que nós e portanto gera logo ali do lado deles uma... Gera uma desarmonia porque deixamos de estar encontrados, não é? Estamos encontrados ao jantar, encontrar no sentido de estarmos alinhados e depois estamos desencontrados na hora de ir dormir, não é? Portanto, há uma certa artificialidade de pôr os miúdos a dormir que provavelmente foi uma artificialidade que não existiu sempre ao longo da... Quer dizer, o tempo de vida da nossa espécie, é uma artificialidade que existe na sociedade atual e nas famílias atuais e quer dizer, presumo que já tenham perguntado isto montes de vezes, como é que se põe os miúdos a dormir de uma maneira, lá está, calma mas a uma hora decente, que é boa tanto para nós como para eles, ou ao contrário, tanto para eles como para nós.
Rita Castanheira Alves
Olha, agora é a parte em que as pessoas desligam porque eu não tenho uma resposta para isso que vá ao encontro daquilo que se quer ouvir, não é? Que é como é que isto se faz. Então, o que seria de já haver eu agora dizer-te assim Então, tem à mão...
José Maria Pimentel
Parte dois dentro dele,
Rita Castanheira Alves
não é? Pronto, isso não acontece. Não acontece e em nenhum momento pode ser visto assim. Agora, deixa-me dizer-te porque é que não é assim. Porque isso faz parte de uma coisa muito maior, que mais uma vez vamos às famílias, que mais uma vez vamos a cada caso. E aquilo que faz uns miúdos não ir para a cama numa casa à hora que é suposto não é a mesma coisa que não faz outros miúdos ir para a cama noutra casa. E por isso não consigo dizer-te que há uma maneira certa de ir. Há uma coisa que é universal, que é ver a saúde familiar dessa família. Ou seja, ver a nutrição afetiva dessa família. O que é que isso significa? É natural que numa casa ou numa família em que os miúdos têm pouco tempo de qualidade com os adultos de quem eles gostam e têm pouco tempo para aquilo que eles precisam e os miúdos precisam de coisas muito diferentes. Há miúdos que precisam de ter mais tempo para ler, há miúdos que precisam ter mais tempo para brincar, há miúdos que precisam ter mais tempo para brincar na rua, cada ter tempo para aquilo que precisa, isso também vai ditar porquê é que eu não quero ir para a cama, por exemplo. E depois a outra coisa também é isso, é se estes adultos, como é que os adultos nesta família estão a fazer as coisas. Portanto, o ir para a cama é só o início, ou é só uma parte de uma coisa muito maior que é a saúde familiar, em que nós temos de ver, mais uma vez, qual é a função do sintoma, porquê é que a criança não está a ir para a cama. E tu podes dizer assim, Mas às vezes é uma coisa muito mais simples, que pode ser só a idade. Sim, pode ser só a idade. Eles estão a fazer o papel deles e nós temos de fazer o nosso. Em que eles querem prolongar a hora de deitar e nós queremos que eles vão sempre àquela hora. Sim, pode ser só isso. Mas então qual é o meu estilo de abordagem perante isso. Como é que eu consigo fazer com que eles tenham o que eles precisam antes de ir para a cama? Como é que eu consigo que a família interiorize a hora que as crianças vão para a cama? Como é que uma criança interioriza a hora que vai para a cama? E se eu, por exemplo, não tenho uma rotina com ela, e a rotina pode ir mudando conforme a idade, aquilo que é a rotina, se calhar, de pré-adolescente para ir para a cama não é a mesma rotina de uma criança de três anos para ir para a cama. Mas essa rotina vai ajudá-los a entrarem em acalmia. Agora, se tu me dizes assim, pois, mas aquele jantar a seguir tivemos a tablete de chocolate ou não sei quantos gelatos para comer a seguir e depois a seguir ao jantar também houve uma grande dose de videojogos ou de televisão mais uma vez cada família é uma família, claro, mas todas estas coisas podem não ser muito compatíveis com a hora de acalmar e com criar as condições boas para as crianças se deitarem. Portanto, isto para dizer que não, não tenho uma receita nem posso dizer, olha, vocês vão fazer assim e os miúdos vão se todos deitar, isso não existe. Não vai acontecer todos os dias. Agora há uma coisa que é comum, que é tempo. Ver se as necessidades afetivas e dos próprios interesses e as necessidades pessoais da criança estão satisfeitas minimamente. Eu diria totalmente, é importante. E como é que está a saúde familiar? Porque se a saúde familiar também não estiver boa, os miúdos vão arranjar todo e qualquer foco que seja possível conflito para também comunicarem, como
José Maria Pimentel
não sabem comunicar. Sim, sim, Claro, claro. A tua resposta mostra a seriedade que é boa, ou seja, não estás a evitar dar soluções impolistas para problema que tem muitas cambiantes. Mas neste caso, eu acho que até problema que tende a essas cambiantes é mais ou menos geral, quer dizer, eu não conheço ninguém que diga... Eu conheço pessoas que dizem, ah agora? Vamos tentar ser... Mas antes... E vai oscilando. E vai oscilando, mas tu não conheces ninguém que diga que não foi sempre impecável. A minha suspeita é... Eu conheço. Conheces? Uhum. Olha, então tens de perguntar.
Rita Castanheira Alves
Conheço. Conheço, mas porque para aquelas pessoas o mais importante é que a criança se date à hora. Sim. E portanto é que fazem tudo para que aquele objetivo seja cumprido. E agora podes perguntar, mas isso vai ser saudável a longo prazo? Não sei. Pois, exato. O que é que eu quero dizer? No estilo mais autoritário, por exemplo, se calhar não há grande margem para sequer se questionar a hora que se vai para a cama.
José Maria Pimentel
Sim, mas podes pagar outro preço. No entanto... Ou não, é claro, a pessoa não sabe nem.
Rita Castanheira Alves
No entanto, eu não sei como é que aquela criança vai para a cama, só que aquela criança naquele dia, em vez de ir para a cama às 9h, ou às 8h30, não precisava de ficar a conversar bocadinho antes de dormir. Isso não era mais útil que ela até dormisse só às nove e quarto, porque naquele dia ela precisava de alguém ao lado dela para falar daquele medo que ela está a ter antes de adormecer. Sim. Pronto. Estás a dizer porque é que não
José Maria Pimentel
se pode dar essas coisas? Sim, sim, claro, claro. Certo. O que eu ia dizer é que eu acho que há parte, quer dizer, o lado estrutural deste desafio, estrutural no sentido de existirem quase todas as famílias, eu acho que tem a ver com aquilo que eu disse há bocadinho, com nós vivermos hoje num ambiente que é muito menos comunitário do que era antes e portanto tu tens basicamente pais e filhos, quer dizer, na casa tipo, ou pais e filho, ou pai e filho, ou pais no sentido geral, que não vão para a cama ao mesmo tempo e portanto aquilo gera uma coisa nos miúdos que é perfeitamente normal. Ok, porque eu vou para a cama se... Quer dizer, tive o tempo todo convosco, vocês estão aqui e eu vou para a cama fazer o quê? Que é normal, não é? Quer dizer... Sim, embora eu
Rita Castanheira Alves
acho que eles saibam distinguir aquilo que é dos adultos e aquilo que é deles, eles são os primeiros a saber.
José Maria Pimentel
Sim, mas porquê que eles... A não ser que eles estejam cansados...
Rita Castanheira Alves
Sim. E há muitos que fazem isso. Sim, o papel deles, não é?
José Maria Pimentel
Por acaso a minha filha ontem fez isso, é mais nova, curiosamente, e agora quer ir dormir. Pois, há muitos que querem, sim. Mas quer dizer, a não ser que eles estejam cansados, por que raiva é que eles vão ter de ir para a cama? Quer dizer, é muito difícil persuadí-los. Tem bocado a ver com aquilo do exemplo à mesa. É possível convocar a razão, mas talvez seja bocadinho excessivo exigir deles que eles compreendam que...
Rita Castanheira Alves
Sim, claro, e assinou ao papel deles. E é aquilo que tu há pouco dizias, que é, nós também adultos servimos pouco como bússolas, como orientadores e como função das partes do cérebro ou das partes da maturidade que ainda não estão... Isso é o que é desejável, que ainda não estão desenvolvidas. Portanto, as partes que dão limites, as partes que dizem olha, até para instalar o ritmo circadiano...
José Maria Pimentel
Claro, não é aí que tens que estabelecer mesmo o limite. E é o que a pessoa faz na prática.
Rita Castanheira Alves
E é o que faz agora. É muito diferente, se calhar, eu estabelecer o limite estando no computador, se calhar à noite, ou chegando, estando no computador e gritando, vá menino, está na hora de irem. Se calhar isto é diferente de haver uma rotina em que, por exemplo, eu estou mais envolvida e estou disponível para naquele tempo eu vou dedicar-me, imagina, a acompanhar no banho ou a ter bom jantar e a seguir vamos fazer a rotina juntos.
José Maria Pimentel
Sim, ou abaixo das luzes
Rita Castanheira Alves
e eles podem ficar menos atividades. Ou abaixo das luzes e há momento da história ou quando já não há momento de história, porque nem todos gostam de história, porque já não é a altura de história, temos uma pequena conversa, não é? Antes de ir para a cama eles até gostam, ficam ali bocadinho no miminho. Isso é muito diferente, agora, se de facto eu sei que ir para a cama é... Vou sozinho, vai só dificultar. Não é que não seja saudável, eles fazerem o papel de ah, eu quero brincar mais bocadinho. Isso pode ser sinónimo de saúde. Agora, se eu quero realmente que eles cumpram essa hora, aí provavelmente é importante que eu faça parte, distinguindo-os, que eu sou o adulto, ele é a criança ou ela é a criança, mas envolvendo-me na tarefa, tornando esse momento também momento agradável. E depois, mais uma vez, tratando a criança como pessoa, que é... Se calhar isto em algum momento nunca foi falado. Às vezes nós não falamos destas coisas, nós não falamos e explicamos, olha, já sei que não gostas muito de ir, mas esta é a hora de ir. Ou seja, haver uma conversa sobre que não tem que ser naquele momento e como é que podemos melhorar de futuro, para não ser grita... Para não acabar muitas vezes como há Famílias que contam, que é, acaba sempre no stress, porque eu quero muito que vá, depois já passou da hora, depois eu já estou cansada. Mas em geral, a mim parece-me que a todos nós nos falta tempo para as coisas acontecerem. Tempo. Porque já vamos a correr, porque quisemos pôr mil tarefas no próprio dia, porque queremos que eles sejam rápidos como nós que já estamos no cérebro a pensar que eles não têm ainda essa possibilidade. E portanto é como tu dizes, as coisas se calhar têm de ser pensadas antes. Dizer, olha agora meninas é hora de sair da piscina ou agora daqui a 10 minutos é hora de começar a vestir o pijama ou antecipar também faz parte. Eles não têm ainda esse mecanismo da sequência do tempo daquilo que vai acontecer a seguir e é esse o nosso papel. Agora, se nós queremos que aconteça agora e já, provavelmente vai haver mais conflito e nós também vamos ficar mais estressados. Sim.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione a opção apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. E como é que se faz o contrário? Nós aqui estamos a falar sobre o caso em que tu queres evitar que eles não façam coisas que tu queres que eles façam. E quando é o contrário, em que eles fazem uma coisa bem, tu queres incentivá-los a continuar a fazê-lo, quer dizer, no fundo, queres dar uma recompensa, não é? Como é que se deve fazer isso? É com elogios? Que tipo de estímulos, que tipo de incentivos é que tu deves dar quando eles... Porque também é esse lado, não é? De lhes incentivar a fazer... Ou porque comeu a sopa, ou porque foi deitar cedo... Quer dizer, faz sentido, por exemplo, a uma noite corre bem, quer dizer, faz sentido no dia a seguir dizer ontem foi impecável, foste deitar à hora, ficou muito orgulhoso, coisas desse tipo.
Rita Castanheira Alves
Estás a falar do poder do elogio, não é? Sim. Desta... Sim, esse é O elogio tem muito poder, não é? Tem a possibilidade de nos fazer... Estás estudado, não é? Sim. Nos fazer repetir aquilo que queremos. Agora, é importante também às vezes analisarmos como é que estamos a dar esse elogio, não é? Porque será que eu estou sempre a elogiar comportamento que é só bom para mim, imagina, se eu estiver constantemente a elogiar o meu filho em coisas que para ele não são muito agradáveis e que servem é para mim, por exemplo, ele ir para a cama cedo, ok, serve-lhe para ele porque eu sei que ele está a criar saúde, Mas vá, no fim do dia ele não tem essa noção, não é? Eu é que tenho isso interiorizado e portanto para mim é importante que ele vá mais cedo. Então o que eu quero dizer com isto é, sim, é bom dizer obrigada por teres colaborado ontem e a rotina ter corrido bem ou que bom o nosso serão que foi ontem. Mas acho que devemos alargar isso. Estarmos atentos como pais e não estar constantemente a premiar só o comportamento, mas também premiar e sermos bastante sensíveis e atentos a premiarmos os traços de caráter. Ou seja, ter cuidado para... Porque a vida está feita bocadinho para isso, para estarmos sempre a premiar o comportamento. A boa nota, o bom desempenho na ginástica, o ter-se posto bem à mesa, o ter-se vestido rápido. É tudo comportamental. Esquecemos muitas vezes que eles estão a construir uma autoestima, estão a construir uma personalidade.
José Maria Pimentel
Sim, do lado cognitivo.
Rita Castanheira Alves
E portanto, todos os dias também haver a base de que a nossa ligação vai muito além daquilo que tu fazes bem, também vai para além disso e vai para aquilo que tu és. Ou seja, eu admiro-te pelo aquilo que tu és, eu gosto de estar contigo pelo aquilo que tu és. Gosto tanto por seres honesto ou honesta, gosto tanto que sejas sincera, gosto... Estás a ver? Estares atento àquilo que for... Menos resultado, menos comportamento. E a vida leva-nos também muito para aí. Nós passamos muito tempo a gerir só o dia-a-dia, não é? No imediato, ir para a cama cedo, levantar cedo, estudar para o teste. Portanto, tudo é em favor. Isto é quase o sistema muito da produtividade e do capitalismo aqui a funcionar, mas que está de pano de fundo, não é? A dizer que tens de ser produtivo, tens de ter bons comportamentos. E é muito importante não deixar o resto, que é, mais do que dizer que bom foste para a cama à hora que era combinado, a dizer, gostei tanto daquele momento que tivemos os dois ali na nossa conversa ou naquele livro que lemos juntos ou naquelas fresinhas que pudemos fazer antes de tu adormeceres provavelmente isso vai ser muito mais eficaz na hora de dizer bora para a cama do que propriamente dizer olha, que bom deitaste à hora que eu queria vais a ver a diferença, não sei se foi clara
José Maria Pimentel
sim, sim, sim, E isso liga a outro tema que eu queria falar, que é essa questão das emoções, que foi dos temas que me deram que pensar a preparar esta conversa. Porque é engraçado porque as crianças são poço de emoções em certo sentido, não é? Cada dia as birras são exemplo extremo disso, eles transbordam emoções, não é? Mas por outro lado, eu acho que, provavelmente por isso mesmo, por elas emitirem tantas emoções, nós fazemos pouco duas coisas. Ou eu pelo menos faço. A primeira é perguntar-lhes pelas emoções deles, ou seja, tirar mais do que aquilo que eles estão a mandar cá para fora, porque pode haver emoções diferentes que eles não estão a transmitir e emitirmos as nossas, ou seja, passarmos as nossas também. Isto tem a ver com aquilo que estávamos a falar há bocadinho, mas há bocadinho tinha mais a ver com o lado racional, se quiseres. Claro que não há aqui provavelmente uma separação estanca, mas de perceber o que vai lá dentro, de perceber as emoções que eles têm, como é que eles reagem aos vários eventos e ajudá-los também a conseguir expressar essas emoções e também nós próprios, aliás havia o... Enfim, eu não quero fazer spoiler por isso é que é o livro que vais recomendar no fim, mas... A autora do livro que vais recomendar no fim, não sei se... Dá boi ser pelo engraçado que ela dizia... Eu paro com a filha e a certa hora ela quer ir embora, quer dizer, O normal que nós fazemos nessa situação é dizer ou, não sei quantas, temos que ir embora porque está na hora ou temos que ir jantar ou whatever. E ela dizia, porquê que nós não dizemos a realidade que é, por exemplo, vamos embora que agora estou farta aqui, já tivemos que ir há muito tempo. E na verdade, eu não acho que se deva dizer isso em todas as situações, porque lá está, também faz sentido, quando tu explicas porque é que temos que ir embora, também há lado que é lá está a ensinar como é que o mundo funciona e portanto que há restrições externas que eles não conhecem. Mas se tu lhe mostras que estás farta, estás... Dás a tua emoção, não é? Dás a tua emoção e estás a lhe ensinar teoriadamente, no fundo, quer dizer, estás-lhe a ensinar, que é termo complexo para dizer que estás a ensinar a compreender as emoções dos outros, porque no fundo, isso não... Eu acho que nós raramente fazemos isso, quer dizer, raramente a pessoa diz, a não ser que seja para dizer estou chateado, estou chateado contigo, não é? E na verdade, quer dizer, é normal a pessoa... Parte dessa à vontade com as emoções, implica estar à vontade com as emoções deles, mas também com as nossas, dos outros, no fundo. Eu achei esse exemplo engraçado, por acaso.
Rita Castanheira Alves
Sim, e também vai muito ao encontro de outra coisa, que é, não estás a pôr uma necessidade emocional na pessoa que não a tem. Ou seja, se eu é que estou estressada ou se eu é que preciso que vá cedo para a cama, não é? Ou preciso que tu faças qualquer coisa ou perturba-me que tu faças de determinada maneira, é demasiado ineficaz atribuir isso à outra pessoa, não é? Seja criança ou não. Ou então
José Maria Pimentel
como desculpa, muitas vezes, não é? Porque em vez de dizer que estás farta, dizes não, temos que ir embora porque...
Rita Castanheira Alves
Ou como desculpa, como desculpa, então ainda vai sair mais... Sim, sim, mas muitas
José Maria Pimentel
vezes a pessoa... Eu acho, quer dizer, não sei se é que sou eu a pessoa que tem... Sou defeituoso, mas acho que a pessoa muitas vezes faz isso, inventam uma desculpa qualquer, que às vezes é mesmo uma mentira, não é? Não, não, temos que ir embora porque...
Rita Castanheira Alves
Sim, Sim, às vezes dá-se mesmo uma desculpa. E tem outro problema, que é também não estás a passar o tal exemplo que é tão importante, que é tu esperas que aquilo que o teu filho ou a tua filha te está a dizer seja aquilo que realmente ela está a sentir. Mas tu és o primeiro a não dizer aquilo que tu estás a sentir. Isto vai criar problemas, não é? Exato, sim. Não só na comunicação entre os dois, mas também mais tarde nela e na comunicação com quem ela se dê.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é isso.
Rita Castanheira Alves
Portanto, isto é o comum dos adultos, não é? Quase todos nós temos problemas comunicacionais até nas nossas relações por isto. Porque na verdade comunicamos muito pouco sobre aquilo que estamos a sentir e a pensar, não é? Quase esta... O que é que vai aqui dentro, não é? E estamos constantemente a atribuir ao outro uma coisa que é nossa. Agora, isto é muito complexo por várias razões. Uma delas é porque a maior parte de nós, não vou dizer todos, mas a grande maioria, não tivemos treino absolutamente nenhum em termos de educação emocional. Portanto, estas coisas de falarmos sobre as nossas emoções, de percebermos onde é que elas acontecem de percebermos que elas são normais, de percebermos que não há emoções que são negativas e outras positivas mas que são todas naturais e existirem e todas servem para alguma coisa, que são protetoras nunca ninguém nos ensinou isso, em nenhum momento da nossa vida mas ainda por cima não nos ensinou quando mais devia ter sido ensinado, que era quando nós éramos filhos pequenos, não é? E isso faz com que para nós isto também não seja muito automático, não é? E isto faz com que para nós também seja terreno esquisito, que até achamos que isso nos atrapalha. E achamos mais coisas, temos mais mitos, achamos que se eu mostrar as minhas emoções à minha criança, à meu filho, vou estar... Estou a
José Maria Pimentel
perder a autoridade, no fundo.
Rita Castanheira Alves
Algumas pessoas acham que estou a perder a autoridade, outras acham que é demais para a criança, portanto, a criança não tem... O bom pai não põe a criança a ver que eu choro, ou que eu também fico preocupada, ou que eu também tenho medo, não é? Portanto, nós temos estes mitos e temos estes preconceitos, porque são pré-conceitos, foi alguém que nos disse, interiorizados. E isso perpetua-se cada vez mais, não é? Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
Não, eu digo que, quer dizer, neste caso concreto, quando eu ouvi falar disso, a primeira reação instintiva é pensar não vou dizer isso, porque eu perco autoridade no sentido que eu sou o guia para ela e em vez de lhe dar uma explicação Há uma
Rita Castanheira Alves
conotação quase de vulnerabilidade a isso se eu assumir aquilo que se me está a fazer sentido isso põe-me vulnerável, isso põe-me frágil, isso põe-me no sítio da pessoa. Mas isso é mito, isso é completamente errado, porque não há como não sentir. E mais, e tem vantagens, porque vamos aumentar imenso a consciência emocional de cada o reconhecimento de que o outro também sente.
José Maria Pimentel
Sim, exato.
Rita Castanheira Alves
E isso, tem assim imensa comunicação, não é? Isso provavelmente, se me disseres assim uma área que eu acho que iria ajudar imenso a gerir as alimentações, as idas para a cama, provavelmente era a consciência emocional do próprio e consequentemente do outro. Portanto, se as famílias falarem mais, eu às vezes até digo isto, e hoje estava numa sessão com colegas, a falarmos de caso clínico, a ajudar, e estava a falar disso, que era menino que tinha muitos medos, muitos medos, muitos medos, e a pessoa vem e quer, os pais naturalmente fazem o papel de pais, querem que a gente resolva, que a gente se trate dos medos. Mas quando vamos ver isto, geralmente, quando há muitos, muitos medos, é comum haver pouca linguagem emocional e pouco exemplo emocional. Portanto, não há muito trabalho nesta coisa de falarmos sobre as emoções. Não há muito espaço para as emoções. Isto é então num rapaz pior, porque os rapazes, não é? Lá estamos, estamos numa cultura que tipicamente ainda põe o rapaz como não chora, não é sensível, não é? E portanto isto não é muito trabalhado também no rapaz. Então, o que eu estava também a explicar é, às vezes nós não vamos logo trabalhar os medos, nós vamos pôr as famílias a ser emocionais. E o que é que é isto de ser emocional? É, vamos falar de emoções. Todos os dias vamos pôr os adultos a mostrar aos filhos que também têm emoções, também ficam tristes com coisas, também se zangam, também frustram. Vamos pôr os filhos a conseguir também falar disto e vamos pôr depois as famílias a perceber, não só os adultos, mas também as crianças, que é natural sentir. Depois eu posso é tentar escolher o que é que faço com aquilo que sinto. E portanto, sem dúvida que sermos mais capazes de dizer o que é que estamos a sentir é fundamental e vais ver que melhora imenso o diálogo. Agora, isso daria leituras adicionais? Pode-se recomendar várias, não é? Educação sobre isso e tudo mais, porque não é realmente fácil, nem é uma coisa intuitiva para todos nós, não é? Falarmos sobre as emoções, mas todos os dias perguntarmos, por exemplo, substituir como é que foi o teu dia, por como é que te sentes, ou o que é que sentiste hoje e em vez de eu dizer assim, Bem, dia foi mesmo chato dizer assim hoje fico mesmo aborrecida com uma coisa que me aconteceu ou hoje zanguei-me com não sei quem se eu começar a ter linguagem e vocabulario emocional
José Maria Pimentel
é isso, pois, pois, exatamente, eu acho que isso é que é interessante, não é? Que tu dares essa espécie de literacia emocional, educação emocional, como tu chamaste vai desenvolver nos miúdos, e se calhar em nós próprios também, essa capacidade de traduzir emoções em palavras, que é sempre difícil, e lhes dar essa linguagem. E quer dizer, eu acho que o receio que a pessoa tem é esse, quer dizer, de perder como se isso fosse abdicado o nosso papel estruturador, pelo menos é a maneira como eu olho para essa recomendação, não é como de repente tornar tudo esse vai e vem de emoções, quer dizer, claro que o fundamental é nós termos esse papel, mas às vezes comunicarmos nessa base, em vez de comunicarmos na base da ordem, não é, da ordem, de dar instruções mesmo que até sejam mais flexíveis, mesmo que sejam instruções e regras mais flexíveis comunicarmos nessa base, eu sei como é que as coisas funcionam posso adaptar ligeiramente às tuas preferências hoje, mas quer dizer, isto é noção se também usares essa transmissão eu acho que é interessante havia outro exemplo do Outro autor que tu recomendaste, que era o Álvaro Bilbao, que ele dizia de pedir desculpa aos miúdos. Se fizeres uma coisa errada, pedes desculpa aos miúdos. Lá está, é outro exemplo, a pessoa parece que está a perder a autoridade. Mas ele dizia uma coisa interessante, que isso primeiro dá-lhes esse desenvolvimento dessa inteligência emocional e depois também lhes mostra que não há problema em falhar. Ou seja, quer dizer, se falhares, pedes desculpa, não é?
Rita Castanheira Alves
Essa culpa foi minha, eu peço desculpa. A palavra diz isso mesmo, não é? Depois é sempre interessante essa coisa do perder a autoridade, que eu fico sempre, tenho pensado muito sobre isso, porque aparecem realmente muitos casos com este medo, e aqui não só em termos de pais, também às vezes os professores têm esse medo. O que é que é isso de perder a autoridade? Isso tem-me feito pensar muito e de facto às vezes é importante explicar isto aos pais e esmiuçar até isto, que é o que é que isso significa exatamente? O que é que é o real medo? E às vezes fico sem saber o que é que é o real medo, se eu perder a autoridade isso significa o quê?
José Maria Pimentel
Eu acho que parte do medo é isso, é deixares de ser referencial... Nós somos a segurança dos miúdos, protegemos-los e guiamos-los de certa forma, somos a ponte deles com o mundo futuro. E portanto eu percebo isso e acho que não é completamente infundado. Se a pessoa de repente passasse a assumir estilo de relação com os miúdos que era só essa via emocional, é óbvio que isso também era desfuncional da sua forma. Agora, eu acho que é exagerado. Mas aqui Parece
Rita Castanheira Alves
ir muito mais além da segurança. Parece que é
José Maria Pimentel
uma questão de respeito. Pode ter a ver com o ego também, de certa forma. Ou esses papéis sociais, da pessoa achar que...
Rita Castanheira Alves
Sabe-se o que é que me parece, na verdade, e tenho lido bocadinho sobre isto e pensado que é isto de nos tornarmos adultos. Porque ninguém te disse, de dia para o outro, que tu tornas-te adulto e, magicamente, os miúdos também acham isto, que magicamente, muitas vezes acham que os pais sempre foram adultos. Os adultos sempre foram adultos.
José Maria Pimentel
Eu acho que no início acham isso, claramente.
Rita Castanheira Alves
No início acham isso. Nós sempre fomos como fomos. Sempre fomos pais. Sempre fomos adultos. E nós próprios não sabemos bem quando é que isto aconteceu. Quando é que nos tornámos adultos e portanto vestimos nada... Tu estás com uma camisa hoje, não tem nada a ver com a camisa especificamente, mas é isto. Passamos a vestir a camisa, a pôr a gravata, em vez de usarmos ténis passamos a usar...
José Maria Pimentel
Começamos a falar de outra forma.
Rita Castanheira Alves
Começamos a falar de outra forma e na verdade lá dentro continuamos todos a ser bocado crianças até emocionalmente falando. E eu acho que às vezes é isto que me parece aparecer, que é a forma que eu tenho, que alguém me ensinou que é ser adulto, é ter controle. Porque era isso que nós vínhamos nos outros modelos, que é ter controle.
José Maria Pimentel
É o arquétipo, não é?
Rita Castanheira Alves
É ser muito racional, não é? Esta coisa de ser racional. As emoções atrapalhavam, não é? Portanto, ninguém nos ensinou, e eu tenho muita fé nestas novas gerações e em tudo o que está a acontecer até nestes movimentos mais de educação emocional que é alguém ensinar, não é? E começarmos a ensinar que ser adulto é que é realmente isto é ter uma capacidade de consciência emocional e da capacidade de aceitar aquilo que é meu e expor aquilo que é meu. E é isso que estavas a dizer, é ser capaz de dar o exemplo, é ser maduro é também chegar ao pé de uma criança ou de quem quer que seja e dizer, olha, desculpa, foi errado, vamos começar de novo. E se eu preciso fazer isso três vezes ao dia, fazemos isso três vezes ao dia. E na verdade eu acho que é bocado isto, é cada pai e mãe, pensar porquê é que eu me tornei adulto e o que é que faz de mim adulto. E se tentar encontrar dentro de si o que é que é realmente adulto, se calhar fica mais livre destas coisas todas que alguém nos disse que era ser adulto. Portanto, a perda de controle se calhar não é... Ou a perda de ser autoritário deixa de ser problema.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E eu acho que isso, pegando no comentário que fizeste há bocadinho, eu acho que isso é mais comum nos homens do que nas mulheres, seja por razões biológicas e de certeza culturais, porque eu acho que há muitos homens que têm essa dificuldade de fazer essa ligação emocional com as crianças. Tu usas outro tipo de linguagem, que é essa linguagem das regras e também da brincadeira, mas o terreno emocional... Quer dizer, eu digo isto falando-me próprio, em certo sentido, quer dizer, ou seja, é processo que eu também tenho feito porque depois quando tu começas a explorar isso, crias uma ligação completamente diferente, não é? Ou seja, se não fizeres isso, estás a também criar uma ligação com a criança muito mais incompleta, não é? Porque essa é a linguagem deles, não é? E também pode ser a tua, todos temos emoções, não é? Tu não estás a usar essa via então se tiveres só a comunicar com a criança na base das regras, do racional e mesmo da brincadeira, porque a brincadeira também não é... É outro terreno, é terreno interessante é terreno ótimo mas também não é o terreno das emoções, é diferente.
Rita Castanheira Alves
Sim, o que estás a dizer é que...
José Maria Pimentel
Estás a criar uma ligação mais superficial, no fundo.
Rita Castanheira Alves
Sim, sim, sim, sim. Ou seja, o que estás a dizer também é que a ligação se cria na verdade, não é? E de repente... A brincadeira pode ter muita verdade, claro. Mas parece que esse brincar De eu sou a pessoa que vou ali brincar bocadinho e sou a pessoa que dou as regras. Parece que ficou ali vazio. Falta a verdade emocional, que é efetivamente quem é que é esta pessoa que é o meu pai, não é? O que é que eu sei sobre o meu pai? Quem é que ele é? O que é que o faz triste? O que é que faz... E ter esse papel nos pais, sejam homens ou não, mas no homem é mais importante, é realmente... Cria uma verdade emocional maior.
José Maria Pimentel
Porque depois, desculpa, quando fazes isso também convidas os miúdos a dizerem do lado deles o que é que lá está a cadê, no fundo crias uma ponte.
Rita Castanheira Alves
Sim, Agora, pronto, isto demora muito tempo a mudar, porque isto vem de algum sítio, mas isto também leva para sítio que vai muito antes dos miúdos terem linguagem, antes de se brincar, propriamente dito, que é logo ao início de tudo, que é também ao início, por várias razões e muitas delas até são biológicas, sei lá, o facto de ser a mulher a amamentar, não é? Faz com que também seja difícil para o pai homem, neste caso, vincular com a criança.
José Maria Pimentel
Ah, sim, tem trabalho muito mais difícil. E ter
Rita Castanheira Alves
uma linguagem afetiva com a criança. E, portanto, isso está a ser cada vez mais trabalhado e mais possível. E, portanto, os homens já ficam, neste caso, homens pais, ficam mais tempo com as crianças e fazem pele com pele com a criança e fazem aquilo das cuidados todos, mas estarmos todos mais conscientes disto faz com que tenhamos, se calhar, estes papéis menos extremados e menos normativos, não é? E possamos ter espaço para isto. Portanto, a linguagem emocional a acontecer. E só acrescentar aqui mais uma coisa, que é Também nós precisamos trabalhar, sim, a nossa consciência emocional, dizer o que é que me faz triste, o que é que me faz zangado, o que é que em determinado momento no meu filho me interesse ou me irrita e tudo mais, e trabalhar essa parte. Ou na minha vida, ou o que é que... Mas depois também sermos capazes, não é, de trabalhar a nossa parte, de lidar com as emoções. Porque isso sim...
José Maria Pimentel
Desculpa, com as deles ou com as nossas?
Rita Castanheira Alves
Com as deles e com as nossas, mas antes das deles com as nossas, porque isso sim parte do adulto, ou seja, eu posso não ser responsável por aquilo, e não sou, por aquilo que eu sinto, uma emoção aparece-me aqui automaticamente.
José Maria Pimentel
Claro, mas é responsável pela maneira como
Rita Castanheira Alves
a geres. Mas eu sou responsável por aquilo que... E isso nem sempre é fácil, porque mais uma vez nós temos as nossas experiências de vida, o nosso ambiente, as nossas experiências e há coisas, de facto, que são difíceis de regular e de saber lidar. Mas isso é fundamental eu aprender, porque isso eles não sabem fazer à partida. O cérebro deles não lhes permite serem bons a lidar com as emoções. Portanto, elas ativam-se lá dentro, e depois eles, quando são muito expansivos, por exemplo, em termos comportamentais, fazem uma grande birra. Uma grande birra não é mais do que uma incapacidade de ter estratégias alternativas para lidar com aquilo que é emocionalmente intenso dentro de mim. E portanto... É?
José Maria Pimentel
Ainda bem que tu caste nisso, que era tema que eu te queria perguntar. É? Pode ser, não é? Mas à partida... Porque as birras são, para mim, se calhar a maior dificuldade daquilo que eu falava, se calhar há uma hora, que é bocado o meta-problema que nós estamos a lidar, de que tu queres tirar o máximo partido do que os miúdos já são, mas dando o teu complemento, muitas vezes impondo regras, naquilo que ainda não está lá. E as birras são aquela situação em que o miúdo parece... Quer dizer, completamente fora de si, na prática. E portanto parece, aquela acção de chamar à razão, parece completamente impossível quando humilde está a ter uma birra. E eu tenho muita essa dúvida, também porque elas lá estão nesta fase, que pelo que sei ainda vai durar algum tempo.
Rita Castanheira Alves
É se eu riso, foi...
José Maria Pimentel
Tem muita dificuldade em saber exatamente como lidar, porque é uma altura em que isto que nós estamos a dizer é quase impossível, porque quase não consegues comunicar, o máximo que tu consegues é extrair balbuciar de uma palavra qualquer. E portanto aí, O que é que tu fazes? Deixas o miúdo lá ao fundo a ver se lhe passa a birra, que às vezes também não dá para fazer porque ele está a agarrar a ti. É uma situação... A vantagem é que a birra passa. Mas eu nunca sei, tenho essa grande dúvida, como é que eu devo lidar com ela de modo a que ela não tenha nenhum impacto negativo e até tenha eventualmente algo positivo. Quer dizer que os meus vão sempre ter birras, mas que aquilo geriria da melhor forma, no fundo.
Rita Castanheira Alves
O que é que tu sentes numa birra?
José Maria Pimentel
Sinto, sobretudo, que é impossível comunicar. Ou seja, não dá para comunicar.
Rita Castanheira Alves
Então, isso é bom.
José Maria Pimentel
Desculpa, sinto estremar de emoções.
Rita Castanheira Alves
Isso é bom, não é bom, impossível de comunicar. Não te estou a invalidar, desculpa. Mas isso é bom sinal. É porque efetivamente durante a birra não é muito possível comunicar. Quando eu estou extremamente zangada contigo, E nós somos os dois adultos, eu não quero comunicar contigo. Eu nem sequer te quero ouvir. Eu nem sequer te quero ver à frente.
José Maria Pimentel
Não, mas é que isso é a diferença nas crianças, não é?
Rita Castanheira Alves
É que elas agarram-se a ti, não é? Ok, então nem sempre as crianças com birra se agarram. No teu caso é...
José Maria Pimentel
É razão, tens razão. Pô, mas quando não é mais fácil. Há crianças que não querem, não é? Quando não se agarra, aí é mais fácil, deixas a coisa passar. Agora, quando é uma birra de... Tu tens de sair de casa, por exemplo, e ficas com a avó, por exemplo, e estás a fazer uma birra desse género, aí é uma situação bocado complicada.
Rita Castanheira Alves
Mas uma birra de não querer que faces embora.
José Maria Pimentel
Sim, tipo, que normalmente não é só disso, normalmente tem outra causa qualquer. Por exemplo, no meu caso, muitas vezes é quando há uma cesta tardia, porque ela mais ou menos está nessa fase de deixar de dormir, depois acorda e quando acorda acorda sempre com uma suscetibilidade grande de várias coisas. Pode ser esta ou outra coisa qualquer. A grande vantagem das birras é que passam, não é? Não só passam com a idade, como como passar 10 minutos já deixando...
Rita Castanheira Alves
A grande vantagem das emoções é que passam. E aqui é bocado a mesma coisa. Sim, já disseste isso várias vezes, que a grande vantagem é que passa, não
José Maria Pimentel
é? Mas, desculpa, mas agora tu contou o que não pode ser. Disseste, A grande vantagem das emoções é que passam, não é? Mas o que nós estabelecemos há bocadinho é que, em vez de as deixar passar sem ter efeito nenhum, é bom usá-las para criar. Nas birras isso parece ser impossível. No momento da birra, se calhar.
Rita Castanheira Alves
No momento de uma discussão forte entre dois adultos. Eu acho que é mesmo importante às vezes fazermos... É separalismo. Não é por os mitos como adultos de todo, porque eles não são adultos, portanto não é suposto que eles consigam fazer coisas de adultos. Mas, assim, em termos abstratos, às vezes é bom fazermos esta ponte para nós. Que é como é que é para mim? Antes de fazer o exercício... Então é, no auge de uma discussão muito forte entre duas pessoas, de conflito muito forte entre dois adultos também não há muito espaço para aprender o que quer que seja naquele momento, não é? Se eu disser assim olha, muito bem, eu estou a perceber que tu estás extremamente zangado e aos berros e a dizer-me que estás a geneira mas aquilo que eu queria mesmo que tu aprendesses com esta experiência é que não. Isso não vai ser possível, tu não vais aprender nada e pelo contrário, vais ficar ainda mais irritado comigo se eu te tentar educar, não é? No momento em que tu estás só extremamente magoado comigo ou desiludido ou furioso, não é? Ou frustrado. Portanto, naquele momento da birra, eu diria, o que é que tu gostavas que a tua filha fizesse? Ela está aborrecida com qualquer coisa, não é? Está zangada com qualquer coisa, em princípio. Vamos partir do princípio que é assim, tu não lhe podes tirar aquilo que ela está a sentir. Isso não é uma possibilidade. Isso foi uma ativação automática e ela zangou-se com alguma coisa. Portanto, não é uma possibilidade que ela não se zenga. O que é que tu gostavas que ela fizesse perante a zanga?
José Maria Pimentel
Eu gostava que ela se zangasse menos.
Rita Castanheira Alves
Portanto, que não chorasse. É isso? Sim, quer
José Maria Pimentel
dizer, que tivesse uma reação mais... Aquilo é uma reação descompensada, não é? Que faz parte do... Ou seja, ela chora muito.
Rita Castanheira Alves
Exatamente. Portanto, gostavas que com o tempo ela gradualmente se conseguisse acalmar mais facilmente ou que se queixasse de uma forma menos intensa. Menos exuberante. Menos exuberante, não é? Por que é que o sarco nos afeta tanto que elas sejam exuberantes?
José Maria Pimentel
Eu acho que a resposta é ao contrário. Nós evoluímos, quer dizer, as crianças evoluíram com essa característica porque isso claramente funciona com os pais. É como o choro.
Rita Castanheira Alves
Tal e qual. Ou seja, na maior parte das vezes aquilo é uma situação isolada e que passa. Afeta-nos é a nós, de facto. Porque é muito intensa naquele momento e depois há intensidades e intensidades, não é? Todas as crianças têm a mesma intensidade, mas muitas têm. Mas há uma característica do choro dos bebés, e que depois ainda aproxima se forem filhos, os nossos filhos ainda mais, que é só o som mais perturbador do mundo, já o foi testado. Sim, sim, sim. Inclusive a pessoa não tem filhos, portanto não são pais daquelas...
José Maria Pimentel
É isso, é suposto ser.
Rita Castanheira Alves
Portanto aquilo perturba-te. Provavelmente se ela te está a agarrar naquele momento, o que é que achas que ela precisa? Se ela te está a agarrar, o que é que achas que uma criança, uma pessoa que está a agarrar precisa?
José Maria Pimentel
Ora, aí está, eu acho que ela precisa que eu a agarre, mas depois fico... Mas não tenho a certeza, na verdade, porque ao mesmo tempo, ao fazeres isso, estás a validar, quer dizer, estás a... Do ponto de vista muito comportamentalista, não é? Mas estás a...
Rita Castanheira Alves
Pois, é muito comportamentalista.
José Maria Pimentel
É verdade, mas estás, não é? Ou podes estar, vá. Sim, mas na verdade... A incentivar aquele comportamento no futuro, não é? Porque ela sabe que se chora e se te agarrar a ti aos berros, tu vais agarrar nela. Por outro lado, se não agarras nela, não estás a deixá-la desamparada, não é? Portanto, na verdade... A questão é essa. A minha grande dúvida é essa, não é? Não sei o
Rita Castanheira Alves
que é que... Será que ela já se consegue acalmar desamparada? E possivelmente há uma expectativa nossa que com dois anos ainda é suposto que não, mas que arou aos quatro eu já esperava que isto é uma coisa que aparece. E se calhar não. Ou seja, se calhar ela em determinados momentos, especialmente quando anda a deixar a cesta, chamamos a atenção que é sono, é gatilho gigante
José Maria Pimentel
no aparato de concentração emocional,
Rita Castanheira Alves
fez uma cesta tardia, possivelmente
José Maria Pimentel
não dormiu. Acordou antecipadamente a cesta.
Rita Castanheira Alves
Portanto, de repente, ali o sistema cerebral dela está todo trocado e está realmente desregulado. E, como tal, aquilo que pode ser iminente naquele momento é, efetivamente, acalmar e acalmá-la como for possível acalmar. Isto não engloba, obviamente, dar-lhe o mundo inteiro ou dar-lhe aquilo que lhe faz mal. Mas, se calhar, o que eu preciso é ela não consegue sozinha acalmá-la, eu tenho de fazer isso por ela. Como é que eu a acalmo? Se no caso dela for segurar, segurá-la, não é? E dizer está aqui, já passou. O que não invalida, que depois eu faço o trabalho preventivo, que é como é que eu posso dar estratégias aos meus filhos para eles se acalmarem e treinarem mais vezes? Por exemplo, respirar fundo, instalar o respirar fundo estás a ver? E que não vais fazer durante a birra, vais treinar fora da birra ou em birras mais curtas, ou em birras menos intensas respirar fundo, combinar com ela como é que de próximas vezes podem fazer? O que é que ela precisa? Já lhe perguntaste o que é que ela precisa nesses momentos? Eles muitas vezes não sabem identificar.
José Maria Pimentel
Eu pergunto sim, mas não... Mas fora do momento de podermos identificar.
Rita Castanheira Alves
E o que é que não precisa? O que é que faz pior? Eles às vezes são muito capazes de dizer assim quando tu me deixas sozinho. Eles muitas vezes dizem isso, não é? Portanto, tu não estás propriamente a fortalecer o comportamento dela a fazer birras. Tu estás sim a dizer eu estou aqui e quero que tu te acalmes. Eu acho que nós confundimos a ideia de que o facto de eu estar a acalmar o comportamento estou a reforçar o comportamento. Não, eu estou a acalmar a minha filha porque ela não sabe fazer sozinha. Isso não vai acontecer para sempre. Agora, se tu me disser assim pois, mas ela usa esse mecanismo para tudo e mais. Pronto, aqui eu não queria que fosse a tua filha, não é? Mas é uma criança que usa a birra para tudo e mais alguma coisa. Imagina, vamos ao supermercado e ela quer que ele chupa-chupa e começa e atira-se para o chão. E nós é que vamos pro dar chupa-chupa. Ela vai à casa de uns amigos que quer trazer brinquedo e também faz a birra. Se calhar aí temos outro problema, não é? Que já estamos a reforçar esse mecanismo. Outra coisa é, ela fez uma birra, se calhar não é o melhor nome. Acho que não é o melhor nome, quando uma criança acordou desregulada, não é? Se calhar não é uma birra, se calhar é uma reação à desregulação dela. Sim, sim, é isso. Ao mau humor do sono, vá, queres lhe chamar assim. Sim, é
José Maria Pimentel
isso, é isso. Sim, sim, é uma coisa...
Rita Castanheira Alves
Portanto, o que ela precisa nesse momento, se calhar, é alguém que lhe dê o que ela não está a conseguir no cérebro, que é acalmá-la. E deixar passar. O grande problema é que nós temos que ficar lá e deixar passar. Exato. E depois durante o deixar passar fazemos assim. Pronto, já passou. Olha, já te avisei que já passou. Não, olha, vem daqui lá outra vez. Pronto, agora já che... Estamos sempre a oscilar-se. Era aquilo que estavas a falar
José Maria Pimentel
há bocado, não é? Porque é desconfortável, não é? Ter miúdo a chorar ao pé de teias sem poderes fazer nada.
Rita Castanheira Alves
É muito desconfortável. E naquele momento parece que não vai passar. Mas como tu estavas a dizer e bem, é lembrar-se disso. Temos que nos lembrar todos. É, vai passar. Claro que isto na teoria é tudo muito mais fácil, porque quando estamos na prática temos de treinar muitas vezes, não digo que não. Claro. Mas, essencialmente, não os deixar sozinhos é bastante importante.
José Maria Pimentel
Sim. E uma... Isto é outra dúvida clássica, relacionada com esta. Acho que não falámos disto há bocadinho. Quando os miúdos se portam mal, e aqui vamos por exemplo dar exemplo óbvio para não usar exemplos de uma zona mais cinzenta. Miúdo que bate noutro, miúdo que bate no irmão, por exemplo.
Rita Castanheira Alves
Faz-se que tenha comportamento errado, sim.
José Maria Pimentel
Como é que tu lidas com isso? Quer dizer, é possível lidar com isso só pela positiva? Hum hum. O que é que é só pela positiva? Sem castigar, não é?
Rita Castanheira Alves
Sem castigar, não é? Querias ir aos castigos, se calhar,
José Maria Pimentel
não é? É isso, exato. Querias ir aos castigos.
Rita Castanheira Alves
Olha, a investigação diz-nos, não é? Aqui não sou eu a dizer, nem tu, mas a ciência mostra-nos que a punição tem perna curta, no sentido de que funciona-se no imediato, mas a longo prazo deixa de ser eficaz e não ensina aquilo que realmente queremos ensinar. Para, é verdade, com o comportamento. Portanto, quem nos está a ouvir e diz para, para, que eu pongo-lhe castigo e ele para. Para, mas a verdade é que depois vem-me procurar. Portanto, se me vem procurar é porque aquilo não funcionou. E é muitas vezes o que eu digo aos pais, que é continuam a existir nos castigos, mas vieram procurar então é porque aquela estratégia não está a resultar porque se resultasse, tinha continuamente resultados. Então, o castigo talvez não seja uma coisa importante naquele momento especialmente se estiver deslocado ou se estiver completamente desassociado do comportamento errado. O que é que eu quero dizer com isto? Imagina, bateu num amigo, então vai ficar três semanas sem telemóvel. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e provavelmente perde eficácia, não ensina nada. Então, possivelmente, se está a bater, está a pôr uma pessoa em perigo, eu tenho que parar com esse comportamento imediatamente, naquele momento. E depois, mais uma vez, depende qual for o meu objetivo de educação. Se o meu objetivo é mostrar que eu é que mando, realmente posso pôr de castigo e no fim da linha há pessoas que usam medidas mais autoritárias para fazer. No entanto, isso é objetivo apenas para mostrar o quê? Não é para ensinar nada, é só para mostrar que eu é que mando e que tu não podes fazer isto. Mas eu não explico porque é que tu não podes fazer isso?
José Maria Pimentel
Mas o que muitas pessoas, desculpa, o que muitas pessoas sentem imagino eu é que sentem que não conseguem explicar há pessoas mais preguiçosas do que outras mas quem bata ou quem castiga dirá é que há lado que é porque pode ser do imediato Se tiveres mesmo que parar comportamento, tens que adotar, no mínimo seguras na criança. Exatamente. Mas aquilo que tu dizes é a fase 1, não é? Mas depois na fase 2...
Rita Castanheira Alves
A fase 1 é, eu tenho de tirar a criança se for necessário, se ela não parar ao meu dizer não faças isso, se ela não parar eu tenho que ir lá tirar, porque eu tenho que ter o outro em segurança.
José Maria Pimentel
Mas essa é a fase 1. Depois a fase 2, que era a que estavas a falar agora, e que no fundo é a mais importante, é como assegurar que aquilo não se repete. E eu acho que muitas vezes... Estou-te a fazer bocado de advogado do diabo, não é? Sim, sim, sim. O que eu acho que muita gente sente é que o castigo não vai lá, não é?
Rita Castanheira Alves
Mas vai com o castigo, essa é a minha dúvida. Pois. Tu conheces muita gente que deixou de bater. Sim. Que foi castigada.
José Maria Pimentel
Eu acho que até pode ir, mas isso não significa que não tenha outros efeitos negativos, não é?
Rita Castanheira Alves
Ou o que é que aprendeu com isso, não é? Porque aquilo que eu quero realmente ensinar, ou que eu imagino que as pessoas queiram ensinar, é nós não nos relacionamos a bater. É isso que eu quero ensinar. Se tu queres alguma coisa, não é a bater que vais consegui-la, ou pelo menos não é desejável que seja. E portanto eu explico isto. Se calhar aquilo que eu explico aos dois anos é diferente daquilo que eu explico aos 4, daquilo que eu explico aos 6. Eu quando chego à escola da minha filha, são só crianças até aos 3 anos na sala dela, mas eu vejo as educadoras a explicar até à minha filha, que é muito pequenina, que não bate. E ela entende que não se bate. Não quer dizer que ela já tenha a capacidade de não repetir, mas ela consegue entender quando lhe diz... E não lhe batem, nem a põem de castigo. Dizem isso não se faz ao amigo. Uma festinha ao amigo, dá abraços. E ela percebe isto. E ela vê os mais velhos a fazer isto. E vai, em última instância, vê-nos a nós a fazer isto. Portanto, quando uma filha ou quando uma criança nos bate, também nós podemos dizer-lhes, mudamos a expressão, não temos de ser extremamente agressivos para também não gerar agressividade, mas podemos dizer que é errado, que não gostamos e que não se faz. Praticar isso na nossa casa e em linhas mais gerais que eu acho que é de facto, se calhar, se houver segredo, eu acho que é este, não é segredo nenhum, que é falar sobre as coisas. Ou seja, se houver conversas em casa sobre os temas que vão muito além de sermos bombeiros, não é? Sobre boas práticas, bons valores, o que é que é certo, o que é que é errado, porquê é que é bom bater, porquê é que queres bater. No fim da linha pode-se perguntar a
José Maria Pimentel
uma criança... Pois, exato.
Rita Castanheira Alves
Aliás, deve. Em consultório nós perguntamos, não é? Porquê é que ele tem uma função? Porquê é que aquela criança precisa? E se calhar é que ele está a ter... Até as estratégias adaptativas têm uma função, não é? Podem não estar a ser adaptativas, mas elas são estratégias para lidar.
José Maria Pimentel
Sim, pode haver outras maneiras de lidar
Rita Castanheira Alves
com a necessidade. E pode haver outras maneiras de lidar. E, portanto, às vezes ao punir só, as pessoas esquecem novamente da mesma coisa, que é qual é a necessidade que está na base porque se calhar eu tenho uma criança que está a bater e que está a querer comunicar com qualquer coisa e que se calhar até precisa de se defender em algum contexto e só o facto de eu punir e me esquecer e de puxar lá a parte e dizer ou em casa depois dizer olha, reparei que ou a educadora tem me dito ou a professora tem me dito que tens batido o que é que se anda a passar, não é, por isso ajustando, claro, a querer e muitas vezes eu acho que falta esta parte, nós ficamos tão assombrados e tão assustados com mais uma vez, o que é que isto diz sobre nós, não é? Estou a perder o controle. O que é que os outros vão dizer? Sobre as
José Maria Pimentel
suas situações sociais, não é?
Rita Castanheira Alves
Situações sociais muito piores. Ou então, quando na escola, não é, nos é dito que o nosso filho anda a bater nos outros. Quer dizer, isto é uma coisa... Claro que ninguém quer e ainda bem que não queremos. A questão é que depois disto já temos a ideia de... Há o grupo de pais, nada contra os grupos de pais, não é isso? Mas depois vem o grupo de pais que já fala entre si sobre isto e depois às tantas já há rótulo porque não sei quantos andavam... E de repente isto é da Assembleia geral, claro que isto põe uma pressão imensa na resolução de pai que só quer fazer o bem e quer tentar chegar a bom porto mas tratar disto da forma como tem de ser tratado, que pode ser caso só isolado, mas precisa de perceber o que é que está a acontecer. E de repente a pressão social, o ser bom, lá está o ser bom pai, não é? O bom pai não tem filho que bate nos outros. Surpreendam-se porque tem. Aliás, bater pode ser insight para muitas coisas que só precisam de ser substituídas por outras, não é? Às vezes os miúdos estão a comunicar coisas muito importantes quando batem. Ainda bem que alguns bateram, porque os que não bateram às vezes internalizaram tanta coisa e não disseram algumas coisas que precisavam de dizer.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. O que está a dizer está-me a lembrar de uma coisa que não estás diretamente relacionado com isto, mas nós não chegámos a falar à bocado, porque tu estás agora a falar do medo de bater e dos outros pais, quer dizer, no fundo é... A educação tem lado de... Quer dizer, tem vários lados, na verdade. Tem o lado de darmos à criança ferramentas para ela ser o máximo possível, tem o lado dela ser de certa forma aquilo que nós queremos, quer dizer, não é uma coisa ultra-prescriptiva, nós não temos filhos por acaso, e depois tem o lado social, não é? E eu acho que, por exemplo, esse lado social é muito mais vincado nas culturas latinas como a nossa do que, por exemplo, em países nórdicos ou do centro da Europa, não é? Em que os miúdos são muito mais... A autonomia dos miúdos, quer dizer, a individualidade deles é muito maior, não é? E eu digo isto porque, dito assim, parece que é só uma coisa boa. Não, mas há várias coisas dessas com as quais nós tendemos a discordar, não é? Porque os miúdos... O caso clássico é os miúdos escolherem a roupa, por exemplo. Nós aqui queremos que os miúdos vistem de determinada forma. Não vão escolher a roupa agora e saírem com qualquer coisa. Há país onde os miúdos saem vestidos com o que lhes apetece. Talvez não vão apanhar frio.
Rita Castanheira Alves
Sim, e também é mais ou menos questionarmos porque é que isto me incomoda tanto, lembras? Até a questão da sopa é a mesma coisa. Mas porquê é que isto me incomoda tanto? E se eles saírem com qualquer roupa, porquê é que isto me incomoda tanto? E muitas vezes aparece... E muitas vezes aparece, e aparece para todos, não vamos dizer que não, para mim também aparece, que é a questão social, o que é que vão pensar de mim? Claro, claro, sim. Todos nós temos essa parte a funcionar e às vezes ela gera-nos demasiado nas nossas decisões enquanto pais. Estamos a pensar o que é que nós achamos bem, mas o que é que o nosso marido ou mulher, o pai ou a mãe da criança acha, o que é que a avó, o avô, a professora... É muita gente, não é? Isso não pode haver consenso em tantas cabeças, dentro de uma só que é a minha que decida enquanto mãe. Mas claro que entram, não é? E é exercício terrível e muito difícil Dos pais poderem fazer este exercício de aí não, mas aqui em casa, aqui sim, ou aqui dentro do meu cérebro sou eu que mando, não é? Porque ninguém tem de educar igual porque várias coisas podem estar certas ao mesmo tempo várias formas podem estar certas E o que é bom para uma família é certamente diferente para outra. E de repente, tu tens pais hiper, mega competentes, esta é a verdade, competentes no bom sentido, mas que estão asoberbados, esta geração, muitas vezes a nossa geração de pais ficou a sobreviver com o ser especialista. Ser especialista em tudo. Tenho de ser especialista na minha carreira. Agora imagina quando isto acumula e ser psicóloga infantil e mãe. Cria-se muitas horas de terapia pessoal. Estou a brincar, mas é bocadinho isto, estou a brincar sem estar. E isto acontece a gente que felizmente procura ajuda. Eu imagino que muitas outras não procurem, mas esta geração tem também este problema que às vezes só dificulta. E às vezes eu costumo dizer aos pais que é, têm a resposta dentro de si, sabem exatamente o que é que precisa e agirem. Porque aqui na conversa contigo acho que já houve exemplos que tu destes com a tua filha e tu próprio e tu sabias o que é que ela precisava.
José Maria Pimentel
Ah, sim, sim, claro, exato. Porque às vezes basta pensar sobre o assunto, não é?
Rita Castanheira Alves
Sim, E isso era outra coisa que eu queria deixar e que cada vez mais vejo. Nós temos de ter tempo para pensar no nosso exercício. De qualquer coisa na vida, é verdade. Mas pensar é mesmo importante. E é bom dar modelo de pensar. E há pouco tempo para pensar. Eles têm pouco tempo para pensar, os miúdos, muitas vezes, porque têm muita coisa formatada naquilo que é o modelo escolar, naquilo que é o modelo extracurricular, naquilo que é até a vida dos pais para os terem. Temos pouco tempo. Temos pouco tempo no sentido que trabalhamos muitas horas, temos pouco tempo para ter disponível, portanto, eles têm pouco tempo para pensar livremente e nós também temos pouco tempo para pensar o que é que andamos a fazer nisto. E isso é importante, parar para pensar. Há vários pais e mães que procuram cada vez mais para isso, para terem o momento para pensarem sobre. E para muitas vezes...
José Maria Pimentel
Aquela slot na agenda que está para...
Rita Castanheira Alves
Sim, e muitas vezes custa, claro, porque pensar... Entramos em contato com... Fiz de uma forma que não queria, continuo a persistir no mesmo...
José Maria Pimentel
Sim, E com a culpa, não é?
Rita Castanheira Alves
A maldita culpa, não é? Mas ao mesmo tempo é isso que permite encontrar novos resultados e gerar o tal distanciamento que nós também precisamos para perceber, ah, já vi de onde é que isto vem, porque é que isto me está a incomodar tanto e de repente deixar esse fantasma de lado e dizer, aqui sou eu que mando e está tudo bem se eu deixar a minha filha sair de casa com vestido que toda a gente vai achar estranho ou não é?
José Maria Pimentel
Ou não, mas é deliberado, não é? Sim, é pouco por aí. Mas é consciente, não é?
Rita Castanheira Alves
Mas há uma enorme pressão social em seres bom pai. O que é que é o bom pai?
José Maria Pimentel
Olha, para terminar, antes de pedir para recomendar livro, tenho que fazer a pergunta que toda a gente deve estar a pensar. Acho que podcast, enfim, uma conversa que se preza hoje em dia sobre parentalidade, não pode deixar de fazer esta pergunta. Que é, que é, que é? O clássico da tecnologia. Estava a ver. Era estranho, não é? Agora parece mal terminar sem fazer essa pergunta óbvia de qual é o lugar, ou por outra, como lidar com a tecnologia, com os iPads. Sobretudo, acho que quando se fala da tecnologia, estamos sempre a falar daquilo que é diferente face ao que nos lembramos, não é a televisão, porque a televisão já existia. Se calhar se falasse como eu vou ou a Bisa vou, a questão seria a televisão, mas hoje em dia estamos a falar sobretudo de tablets e telemóveis e afins. Qual é a tua opinião sobre isso? A minha opinião... Qual é o
Rita Castanheira Alves
lugar, não é? Terapêutica. Qual é o lugar, sim.
José Maria Pimentel
Então, vou-te perguntar de outra forma para facilitar. O concesso hoje em dia parece ser... É horrível! Portanto, não pode estar em lado nenhum, não pode ilusar. É a tua opinião?
Rita Castanheira Alves
Não, e também não é muito importante qual é a minha opinião.
José Maria Pimentel
Opinião informada, claro. Mas a
Rita Castanheira Alves
minha opinião informada... Há muitas coisas que estão a ser atualmente estudadas sobre isso, aquilo que sabemos, ou que se calhar pode ser assim mais útil, já que também deixaste para o final, não é? É bocadinho ingrato. Mas se calhar queria deixar assim algumas linhas gerais, mais uma vez seguindo bocadinho o rumo que acho que é bocadinho a minha linha e que foi a nossa linha nesta conversa que é qual é a função. Ou seja, qual é a função deste iPad, qual é a função que ele está a ter nesta criança, mas também nesta família. O que é que eu quero dizer com isto? Se o iPad está a substituir excessivamente papéis, funções, momentos que seriam para a família estar ou que seriam úteis à família estar, ou seriam importantes em determinadas faixas de vida estar, nomeadamente quando se é uma criança muito pequena, por exemplo, função para fazer com que os miúdos comam, entretê-los sempre e sem qualquer outra possibilidade.
José Maria Pimentel
Acomodo, tipo, estar a ver enquanto estão a comer.
Rita Castanheira Alves
Estar a ver enquanto estão a comer, quase como aquilo que você estava a dizer, que é uma recompensa para, não é?
José Maria Pimentel
Poxa, isso é uma má ideia, provavelmente.
Rita Castanheira Alves
Eu diria que é tudo uma má ideia, porque está a ter uma função que, na verdade, não está a trazer aquilo que pode ser melhor trazer. Que é, ok, podem gostar de videojogos, podem gostar de ver vídeos, podem gostar de fazer pesquisas, podem gostar de estar... Quando são adolescentes gostam de estar até nas redes sociais, gostam de estar a ver e descobrir música e está tudo bem nesse sentido. Agora, se estiver a fazer demasiadas funções ou papéis, não é, que era o adulto que deveria estar a fazer, possivelmente precisamos de rever a coisa. Mas o nosso desafio é exatamente este. É, mas como é que eu quero que seja a saúde da minha família e a saúde do meu filho? E o nível de felicidade e de bem-estar, não é? E pronto, às vezes isso eu lançaria mais para aí, não é? Quando é que está demasiado presente. E está muitas vezes presente também em nós pais.
José Maria Pimentel
Pois, é isso. Não é a questão do exemplo que falávamos há bocadinho.
Rita Castanheira Alves
Isso está mesmo. Eu incluo-me nisso e faço esforço consciente para em casa não o fazer e Quando dei conta é mesmo muito automático.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Depois é aquilo que falamos há bocado, depois queres que eu te faça o que tu não fazes, que é bocado difícil.
Rita Castanheira Alves
Agora, em consulta posso dizer-te que nestes anos, e já são alguns, conta-se pelos dedos às vezes uma mão. Às vezes em que tive questões de grande seca porque não há iPads aqui, nunca tive isso, e nada contra ver iPads dentro de uma sessão, pode haver e já, trabalhar é, é o computador, pode ser uma função, não é isso. Mas não tenho propriamente alguém a dizer, mas não existe aqui computador, ou não existe aqui. Não, e também não tive nenhum problema com nenhum miúdo em qualquer idade de ver o telemóvel pelo contrário, eu até tenho miúdos que quando estão aqui os pais e mães a dizerem mãe, agora estamos aqui. Liga o telefone, o telefone está ativado. Isso é incrível, porque na verdade eles estão muito mais atentos a isto. Isto não é assim tão normalizado como às vezes parece.
José Maria Pimentel
Fico contente desde isso, porque a minha impressão também é essa. A socialização é... A nossa vontade de socialização é demasiado forte e a tecnologia é sempre uma espécie de solução de recurso quando não existe lá esse estímulo, quando não existe o estímulo verdadeiro.
Rita Castanheira Alves
Daí deixar esta questão, qual é a função que aquilo está a cumprir naquela situação, naquela família. E efetivamente às vezes é de facto, eu percebo, é rápido, é fácil, dá muito menos trabalho e consegues ter uma refeição descansada.
José Maria Pimentel
Sim, e a vida não... É o que tu dizia no início, ninguém é perfeito e se tiveres a trabalhar, estás a trabalhar e o meu está lá em casa.
Rita Castanheira Alves
Mais uma vez é aquilo que estamos
José Maria Pimentel
a falar. Ou a televisão, no fundo. Eu por acaso com os meus filhos tenho tentado fazer, e por acaso com sucesso, fazer uma transição para a televisão e funcionou bem. Mas era aquilo que falámos há bocado. Nada garante que continue a funcionar.
Rita Castanheira Alves
Mas mais uma vez é aquilo que estava a dizer que foi no início da conversa. Eu disse isso, que cada família é uma família. Não te vou dizer que não há famílias com quem eu trabalho. Que às vezes chegamos à conclusão que se calhar agora ele precisa de estar bocadinho no iPad porque de repente a vida tem circunstâncias complicadas às vezes e às vezes para não haver, lá está os tais berros e a criança precisa de estar ali bocadinho à auto-gestão porque, olha, a vida real tem às vezes estas coisas. Agora, fazê-lo porque sim a todo e a qualquer momento se calhar não é exercício muito consciente e pronto, e trago-lhes dano.
José Maria Pimentel
Pensado, sim, sim, sim. Boa, vamos terminar? Sim. Falta o livro, falta o livro. O que é que vais recomendar? Eu já sei o que é fazer, estou num número de fingir ignorante. Pois, tu já sabes, até
Rita Castanheira Alves
já referiste, mas eu vou recomendar livro que já não é assim tão recente, mas é livro que... É de quando? Pois, estava a pensar aqui na data e não te sei dizer, mas já tem
José Maria Pimentel
Eu tinha o meu primeiro pai em 2011, não sei de onde é que tirei este número.
Rita Castanheira Alves
Não sei, não sei dizer-te. Sei que já tem bastante tempo. Pronto, E é livro que recomendo mesmo muitas vezes até aos pais com quem costumo trabalhar, que é livro de uma psicoterapeuta que é a Philippa Perry, e que se chama o livro que gostaria que os seus pais tivessem lido e que os seus filhos também agradecem.
José Maria Pimentel
Sim, tem título longo.
Rita Castanheira Alves
E na verdade é livro que é muito pouco comportamental, para saber, portanto não tem as tais receitas de estratégias ali batidas. Tem sim esta perspetiva muito mais de ser exercício de muito mais autoconsciência, de perceber que nós também temos as nossas experiências de vida que depois nos influenciam na forma como somos pais ou mães.
José Maria Pimentel
Sim, e da educação emocional, que falávamos há bocadinho. Boa, excelente. Rita, obrigado. Obrigada, eu. Foi uma ótima conversa, como eu calculava. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com Selecione a opção apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.