#142 Susana Esteban - Uma viagem pelo mundo do vinho

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Antes de passarmos ao episódio de hoje, há algumas coisas de que vos queria falar. Como repararam de certeza, o 45° tem uma capa nova. Não é propriamente uma grande mudança a nível do design, mas pessoalmente acho que ficou muito bem. Tenho andado também a pensar há algum tempo em mudar o jingle do podcast. Não que o atual me desagrade, antes pelo contrário, mas são já mais de 5 anos com o mesmo som de abertura e imagino que para alguns de vocês possa já cansar um pouco. Acho por isso que está na altura de mudar e ocorreu-me que o mais giro era mesmo ter uma música criada por um de vocês. E sei, porque fui recebendo várias mensagens nos últimos anos, que há vários músicos desse lado. Por isso, se alguém tiver interesse e disponibilidade, enviem-me uma mensagem pelos canais habituais e vamos fazer com que isso aconteça. E nesta onda de mudanças e arrumações, aproveito também para vos pedir para responderem a um inquérito cujo link encontram na descrição deste episódio. Ao contrário do que muitas vezes acontece neste tipo de coisas, prometo que o inquérito é mesmo rápido, não vos leva mais de 5 minutos. O inquérito tem, basicamente, 3 perguntas. A primeira é sobre os benefícios para os mecenas. Há já muito tempo que não mexo nos benefícios de cada modalidade de contribuição e gostava de saber o que é que mais vos interessa e menos vos interessa enquanto mecenas, atuais ou potenciais. A segunda pergunta não é, na verdade, bem uma pergunta, é mais um espaço para deixarem comentários, críticas, sugestões de convidados ou temas que queiram fazer para o 45°. Não que seja preciso um inquérito para isso, já sabem que podem sempre fazê-lo pelos canais habituais, mas para o caso de ainda não o terem feito, aproveitem este espaço para isso. E a terceira e última pergunta é para avaliar o vosso interesse em dois workshops que estou a pensar a lançar brevemente para ouvintes do podcast e não só, e claro, com desconto para mecenas. O primeiro é essencialmente uma versão mais desenvolvida da primeira parte do livro Política a 45 graus. Chamei-lhe porque não nos entendemos. E a ideia é perceber de onde vêm as nossas diferenças individuais ao olhar para a política e também porque é que as diferentes ideologias defendem o que defendem, porque é que parecem por vezes irreconciliáveis e porque é que cada uma delas contém alguma verdade, mas inevitavelmente nunca a verdade toda. O segundo workshop é sobre pensamento crítico. Na minha perspectiva, como sabem, o pensamento crítico é o ADN do 45°. Embora só tenha abordado de forma direta este tema duas ou três, ou se calhar quatro vezes, em dois ou três, ou se calhar quatro episódios, o mais recente dos quais com o Nuno Barbosa Moraes, o pensamento crítico está, ou eu tento que esteja, presente na forma como abordo todos os temas e todas as conversas. Tenho estado a trabalhar neste workshop barra curso já há alguns meses e nele abordo o pensamento crítico nas suas diferentes acertações e aplicações, desde a lógica, argumentação e falácias, aos viéses cognitivos e outras limitações do nosso cérebro primata, aos desafios de interpretar a informação quantitativa que existe hoje em dia de forma muito abundante mas ao mesmo tempo cada vez mais complexa e também modelos de decisão, pensamento criativo e muito mais. Mais à frente, dar-vos aí novidades sobre ambos os workshops, nesta fase dava-me muito jeito, até por questões logísticas, ter ideia do vosso interesse potencial. Já sabem, encontram o inquérito com estas três perguntas na descrição do episódio. E agora, ao episódio de hoje. Um dia destes, deprimei a pensar que os temas das últimas conversas do podcast estavam a ser algo densos e que Era bom intervalar, digamos assim, com um tema mais leve. Mas o tema do episódio de hoje, vinho, é mais leve, mas nem por isso menos complexo ou menos interessante. Dava, aliás, para vários episódios. E percebi que é um tema que vos interessa muito pelas dezenas de sugestões de perguntas vossas que recebi através das redes sociais e que me foram aliás muito úteis na preparação do guião para este episódio. Durante a conversa não deu para fazer essas perguntas todas, na verdade só mesmo com o episódio de 3 horas, mas tentei cobrir o maior número de temas. Sempre que possível, a cada pergunta que fazia, citei também o nome de quem a sugeriu para ficarem com o crédito devido. A convidada deste episódio é uma enóloga com um percurso particularmente interessante. É ela, Susana Esteban. A Susana nasceu em Tui, Espanha, na Galiza. É licenciada em Ciências Químicas pela Universidade de Santiago de compostela e mestre em viticultura e enologia pela Universidade de La Rioja. Começou a sua trajetória como inóloga em 1999 no Douro, uma região que aliás, como falamos na conversa, estava nesse momento a despontar. Na altura ela começou na Quinta do Couto e trabalhou depois na Quinta do Crasto entre 2002 e 2007. No final desse ano mudou-se para o Alentejo com um projeto pessoal, o qual já deu origem a uma série de vinhos, vários deles premiados. Em 2012 foi-lhe atribuído o prémio mais prestigiado que um enólogo pode receber em Portugal, o título de Enólogo do Ano pela Revista de Vinhos. E a Susana foi, além disso, na altura, a primeira mulher a receber essa distinção. Da mesma revista, recebeu, já em 2012, o Prémio de Melhor Produtor do Ano pelo seu trabalho no Alentejo. Esta foi uma conversa muito esclarecedora para quem se interessa por vinho, mas como eu, não faz parte deste mundo. No primeiro terço falámos sobretudo sobre como se faz vinho na adega e como é que cada passo do processo de produção, cada decisão sobre o que fazer ou não fazer, fazer durante mais tempo ou durante menos tempo, vai depois influenciar o sabor final do vinho. De seguida, falámos sobre o que se passa antes de todo esse processo começar, ou seja, sobre a vinha, que na opinião da convidada é tão ou mais importante do que a adega. E Portugal, ainda por cima, é particularmente importante neste aspecto porque é o terceiro país do mundo com maior diversidade de castas. Eu no episódio digo 300, mas parece que são 250. Falámos também sobre os desafios que persistem para os vinhos portugueses se conseguirem afirmar mais internacionalmente. E no último terço da conversa fiz à convidada talvez a pergunta mais relevante para a maioria de nós que somos consumidores mas não produtores. Como escolher um vinho? Falámos sobre o que distingue um vinho caro de um vinho barato, uma pergunta que muitos de vocês fizeram, sobre se é possível encontrar vinhos baratos muito bons e outra pergunta que alguns de vocês, particularmente os mais céticos, enfatizaram, as provas de vinho. Será que são mesmo válidas? Será que em provas cegas os vinhos bons sobressaem sempre e os vinhos maus são sempre detectáveis? Para ouvirem a resposta a esta e outras perguntas deixo-vos então com Susana Esteban. Espero que gostem. Susana Esteban, bem-vinda ao 45 Graus. Obrigada. Vamos falar de vinho e temos de começar pelo início e sobretudo sendo tu produtora, temos de começar por como se faz vinho. Eu acho que toda a gente tem um bocado uma ideia de como é que se faz vinho, toda a gente está habituado a ver pisar das uvas, ter uma ideia de que aquilo fermenta para produzir álcool e que depois vai parar em garrafas. Mas o que se passa no meio, a ter aqui, imagino eu, não só grande complexidade, como uma série de graus de liberdade. E o que me interessava perceber era, se calhar, a melhor maneira de dividir é aquilo que acontece sempre, aquilo que tem que se fazer sempre, e depois os graus de liberdade que cada produtor tem para usar determinado processo ou não usar, introduzir determinado ingrediente ou não para afetar o produto final, seja com os seus gostos, seja com aquilo que o consumidor quer ou que quer que o produto final seja.
Susana Esteban
Bem, o vinho é um processo químico, não é? E é um processo químico bastante complexo. Ou seja, Muito resumidamente, é a transformação de açúcar em álcool por meio de levaduras. Mas durante essa transformação existem milhares de reações paralelas que vão fazer com que o vinho seja mais complexo ou menos complexo. E
José Maria Pimentel
com que seja vinho, não outra bebida alcoólica qualquer
Susana Esteban
normal. Sim, e que não termine em vinagre. Porque se nós não intermentimos a certo ponto, quando temos a transformação do açúcar em álcool, o processo natural até é o álcool transformar-se em ácido acético, que é o vinagre.
José Maria Pimentel
Quais são as etapas? Vamos lá desde o início. Ou seja, colhes as uvas, não é?
Susana Esteban
Sim. A primeira etapa é a vinha, que as pessoas acho que não são muito conscientes disto. Ou seja, Nós, como qualquer cozinheiro, precisamos de boa matéria-prima. Os cenólogos e os produtores precisamos de boa matéria-prima. O primeiro processo é a vinha. O primeiro processo não é a vega. E a vinha também é extremadamente complexa. Temos muitas variedades de uvas, temos muitas decisões que podemos tomar e cada uma dessas decisões, cada um desses pequenos pormenores vão fazer que depois a qualidade do vinho varia enormemente. Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
Tiver uma coisa que eu te queria perguntar. Então, mas se calhar vamos deixar a vinha de parte, já lá vamos. Sim. Porque Eu sei que tu és defensora da importância da vinha. Sim. E vamos imaginar que as uvas vêm adequadamente e chegam à adega.
Susana Esteban
Chegam à adega. Chegam à adega e depois depende um bocado do tipo de vinho que vamos fazer. Branco ou tinto, não é? Se fazemos um vinho branco, as uvas normalmente são desengraçadas, tiramos o engaço.
José Maria Pimentel
Desengraçadas é tirar os vagos da... O
Susana Esteban
engasso é a parte verde que segura o...
José Maria Pimentel
É o caldo da planta. É que há produtores que usam o engasso, não é? Sim, há produtores
Susana Esteban
que o mais normal não é usar. Dentro do vinho há muita liberdade, é aquilo que falavas um bocado. Há muita liberdade e há muitas coisas que podemos fazer mais normal, e estou a falar de um processo mais ou menos normal que tiramos o sumo, que é tirar um gás, prensamos, decantamos e fermentamos.
José Maria Pimentel
Prensas, que é para tirar o sumo, não é? E o que chamas de decantar?
Susana Esteban
Decantar é, Esse sumo vai vir determinados componentes que não são adequados para fermentar, porque vai dar certos aromas secundários. Então o vinho é decantado, decanta normalmente durante 24 horas e no dia seguinte o
José Maria Pimentel
vinho fermenta. É um filtro, mas parece que é um filtro natural, deixar para trás...
Susana Esteban
Sim, é uma decantação natural. Normalmente se põe em frio, se utilizar frio para acelerar um bocado o processo, e então o vinho fermenta mais ou menos, o mosto fermenta mais ou menos limpo. E depois esse processo costuma demorar um mês. Está fermentando um mês, depois de terminar a fermentação. Temos muitas possibilidades. Pode ficar na Cuba e ser engarrafado como o que se chama um vinho mais jovem, Ou pode estejar em barricas, em ânfores, em tonais, pronto. Aí temos N possibilidades. E depois, é uma escolha do enólogo e do produtor, que depende de determinado tipo de fatores e também depende do qual é o nosso objetivo final. E depois é engarrafado. Aí pode ficar na adega. Pode ficar na adega durante algum tempo, até que não sajamos que está mesmo pronto para ser consumido e depois vai logo para o mercado. Em todo este processo que vai ter de ser tão simples, as soluções são infinitas, são mesmo infinitas, são muitas soluções. Ou mesmo a uva feita por diferente pessoa muda completamente, porque tu podes tomar tantas e tantas decisões em tudo isto e é totalmente interessante dessa profissão. Pois,
José Maria Pimentel
exatamente, são esses graus de liberdade que imagino eu que dêem graças.
Susana Esteban
Quando é um tinto, o processo é um bocado diferente. As subas chegam, pode ser desengaçado ou não. Aqui há mais pessoas que utilizam o engaço. Depois é fermentado com contato palicular, ou seja, não é prensado como nos brancos. A grande diferença é que os brancos, ainda que há brancos também, que se chama com curtimenta, não é? Ou seja, tudo
José Maria Pimentel
isto é... Claro, claro. Há sempre que passa diferente, claro.
Susana Esteban
Sim, estou a dizer o básico, não é? Os vinhos fermentam com contato pelicular, os tintos. Ou seja, com a pele da... Com a pele, onde estão muitas substâncias. Isto é para extrair os taninos, os antocianos. E há muitos tipos diferentes de extração. Muitos. E podemos ser mais interventivos, menos interventivos, extrair mais...
José Maria Pimentel
Extração, no fundo, é pisar a uva, não é?
Susana Esteban
Pode ser pisar a uva ou pode ser fazer uma remontagem, que é tirar as películas, quando as uvas entram no depósito e começa a fermentação, é produzido o CO2 durante a fermentação. E esse CO2 faz com que as películas flutuem na cuva. Então, nós passamos todo esse processo de fermentação a tentar pôr essas películas em contato com o líquido. E isso pode ser sumergindo as películas pisando, ou mecanicamente, ou manualmente, ou, essa caixa não é manualmente, com os pés. Ou, como se fazia antigamente, mas é raro fazer-se. Ou então, mediante uma remontagem, que é tirar a parte líquida por a parte de baixo da cuba e depois se amolhar a manta, ou chapéu. Essas partículas, ou essas películas a flutuar na Cuba, nós chamamos manta e é um processo...
José Maria Pimentel
É mexer no fundo, é fazer com que contacto.
Susana Esteban
E aí também temos imensas opções, Pode ser uma cuba aberta e são os lagares, que são os típicos lagares que há antigamente e que continuam a utilizar-se imenso. Pode ser por cuba, pode ser um processo manual, pode ser um processo automático. Depende, quanto mais... E o que é que...
José Maria Pimentel
Desculpa, que diferença é que faz ser cuba aberta ou não cuba aberta? É que o dióxido de carbono sai, não é?
Susana Esteban
Mas o carbono é mais pesado que o ar, por isso sai, mas tu sempre estás protegido por esse CO2. É uma capa de CO2. A maior diferença, normalmente, é que os lagares têm mais sobrevivido a contacto, são mais largos. E então, ao terem mais sobrevivido a contacto, nós conseguimos extrair mais, porque o nosso chapéu é mais estreito e então temos mais superfície de contacto. Quando nós temos um chapéu...
José Maria Pimentel
O contacto com a pele
Susana Esteban
é muito menor, porque se o chapéu está a aparecer assim, na vertical, temos um contacto muito menor.
José Maria Pimentel
Mas se mexeres, vai ser igual, não é?
Susana Esteban
Não, porque aquilo acaba por ficar muito duro. Então, se o teu chapéu não é largo, não consigas partir aquele chapéu. Só basta extrair. O vinho não consiga penetrar o baio, fazer uns caminhos. A extração é muito maior se tens uma superfície de contacto. E isso normalmente se consiga nos lagares. Mas nem sempre queremos ter demasiado contacto. Depende do nosso objetivo. Depende do tipo de vinho que queremos elaborar, do tipo de castas, as castas que requerem muita extração, há castas que quase não podes extrair.
José Maria Pimentel
O que chamas de extração é o contacto com a pele das uvas que vai extrair
Susana Esteban
os paninhos da vesta. Claro, todos os componentes da uva. Depois, quando esta fermentação termina, aí é quando prensamos, nos tintos, prensamos depois da fermentação terminada.
José Maria Pimentel
Espera, espera, espera. Prensamos é... Eu sei o que é que significa prensar, mas o que é que faz prensar?
Susana Esteban
Prensar é todo o líquido, o vinho que fica embebido nessas películas... Ah, é para extrair o resto. Estirar esse resto dele. E aí, nessas prensas, se não somos cuidadosos, a total, digamos, todo, eu ia falar que estava, todas aquelas companhias que estavam nas películas, nessas prensas temos uma concentração de muitas coisas boas, mas também não podemos ser muito agressivos, porque, por exemplo, se pensamos a greinha, vamos ter muito amargor. Temos que ter muito cuidado em termos de prensa. Hoje em dia temos uma tecnologia inacreditável E também são outras decisões. Qual é a pressão que utilizamos para aprensar, o tipo de prensa que queremos utilizar. E tudo isso depende do tipo de vinho que queremos anular. E às vezes até são decisões completamente antagônicas. Por exemplo, no vinho do porto e no vinho de mesa, mesa como vinho não é generoso, a prensa é completamente oposta. No vinho do Porto tem que ser uma prensa muito extractora e no vinho de mesa tem que ser mais suave. Por que? Porque no vinho do Porto tu vais ter uma diluição com
José Maria Pimentel
álcool. Porque juntas água adentro.
Susana Esteban
Claro. E então tens que concentrar ao máximo. E essa concentração para um vinho normal seria excessiva.
José Maria Pimentel
Hum, engraçado. Também depende do tipo de vinho do Porto, não é? Se é tawny ou ruto. Mas como envelhece mais tempo o rubi, exatamente?
Susana Esteban
Isso vai depender do processo de envelhecimento do vinho. Normalmente os tawnis ficam durante muito mais tempo nas barricas, em barricas de menor tamanho e os rubis ficam em recipientes maiores e durante menos tempo.
José Maria Pimentel
O rubi é aquele que tem uma cor mais parecida com o vinho normal, né? Sim. E o tawny tem aquela cor mais acastanhada.
Susana Esteban
Sim, porque isso é fruto do passo do tempo
José Maria Pimentel
no vinho. Exato, porque vai evaporando, né?
Susana Esteban
Não, tem a ver com os santosianos e os taninos e a precipitação da cor e tudo isso.
José Maria Pimentel
Ok, ok. Então, mas vamos deixar os vinhos do Porto
Susana Esteban
para não confundir. É outro mundo, é outro mundo.
José Maria Pimentel
Se calhar ainda voltamos lá. O que eu queria perceber, e acho que é o mais interessante, é como é que, para usar uma analogia, imaginando que todos estes passos têm um manipulo correspondente, como é que nós mexendo no manipulo e tornando, mais ou menos, mais ou menos tempo, com ou sem, como é que nós influenciamos o vinho? Por exemplo, no início tu dizias que há, e eu acho que até uma... A ideia que eu tenho é que era uma coisa que se fazia antigamente e agora está um bocadinho na moda em alguns países, colocar os engaços, portanto, pôr os cachos de uvas inteiros, no fundo é isso.
Susana Esteban
É um tipo de verificação que se chama... O cacho de uva inteira, nós, quando tiramos o engaço, também estrujamos, cortamos a uva. Quando nós metemos o racimo inteiro, é uma técnica que se chama maceração carbónica, muito específica. Nós podemos tirar o engaço e partir a uva ou não tirar o engaço. As possibilidades são infinitas. Mas acho que
José Maria Pimentel
pronto... O que eu quero perceber é que efeito é que faz? Ou seja, que efeito é que faz estarem lá essas componentes, porque essas componentes têm muitos taninos, não é? E taninos, já agora para explicar, eu próprio não tenho certeza se sei o que é, tanino é o que dá o sabor a distringente ao vinho, não é?
Susana Esteban
Dá muita distringência, mas o tanino é muito importante para o vinho, principalmente porque é o componente que vai fazer com que a cor do vinho, principalmente, perdure no tempo. Por exemplo, nos vinhos do Porto, utiliza-se muitas vezes o engasgo porque é tudo muito complexo. As películas têm tanino, a uva tem tanino nas películas. Então podemos ter esse tanino sem utilizar o tanino de engasgo. Só que esse tanino só é extraído no final da fermentação. Muito no final da fermentação. E então, no vinho do Porto, nós temos que parar a fermentação a um certo ponto para ele ficar doce, com diluição aguardente. E então, não vamos ter esse tempo para a película. Então precisamos do tanino do engasgo. Agora, esse tanino do engasgo pode ser um tanino verde, e a subir-se literalmente na cor, ou tanino, esse engasgo está verde, ou pode ser um tanino maduro. Então, é um bocado a nossa decisão e a importância também da vinha, de se adicionamos esse engasgo ou não, em função de como ele esteja, se tem mais maduro Ou mais verde, porque senão vai ser muito agressivo. Porque sim, tem essa importância de que vai sustentar a cor, mas também pode ser extremadamente agressivo
José Maria Pimentel
na boca. Pode dar um sabor desagradável. Tu há bocado falavas, no caso do vinho tinto, do contacto com a pele. Que influência no sabor é que faz esse maior ou menor contato?
Susana Esteban
Faz imensa, não é? Porque é onde estão, nas películas, onde estão a maior parte dos componentes do vinho, das uvas. E a nível aromático, a nível de sabor, faz toda a diferença. Até por extração de sustaninos, não é? E os sabores e todos os componentes.
José Maria Pimentel
Mas então por que há quem utilize menos contacto? Por que há quem utiliza essas cubas mais...
Susana Esteban
Não, essas cubas mais verticales normalmente não se utilizam nos vinhos tintos. Utilizam-nos mais para os vinhos brancos porque não têm contato. Essas cubas mais verticais que nós vemos nas cadeiras normalmente são para brancos ou são para guarda de vinhos que já notam em películas. Normalmente as curvas de fermentação de tinto são largas ou muito largas se são os lagares. Agora, se que há vinhos, e eu lavoro vinhos, por exemplo, que quero uma estação mínima porque quero um vinho menos extraído ou com mais determinadas características ou até a castas, que se as extraímos demasiado depois ficam demasiado agressivos. Por isso, isso tudo depende do tipo de casta e do tipo de vinho que nós queremos elaborar.
José Maria Pimentel
Claro, eu estava a tentar perceber isso, perceber quando se extrai menos.
Susana Esteban
É muito fácil. É ficar um vinho
José Maria Pimentel
mais leve no fundo, ou seja, menos marcado.
Susana Esteban
Menos marcado, sim. Vou dar um exemplo. Os vinhos da Borgonha, com Pinot Noir, que são vinhos de umas cores mais abertas, normalmente mais sutiles, são feitos com muito menos extração. Depois temos aqueles vinhos mega extraídos com imãs daninos, que são feitos com mais extração. Mas também depende da casta, porque os vinhos da Borgonha são feitos principalmente com Pinot Noir, que é uma casta que não há poderes trabalhar precisamente muito porque se não,
José Maria Pimentel
trabalha a destreio. São coisas que não queres. E portanto, já falámos do tipo de contacto e depois, no fundo o vinho passa tempo e isso quanto mais tempo ou menos influencia o sabor final, se eu entendo bem, primeiro nas cubas e depois pode passar ainda em barricas e depois na garrafa. Portanto, tu podes deixá-lo estagiar mais ou menos tempo nestas três fases.
Susana Esteban
Sim, barricas, ámforas, tonéis, hoje em dia utilizam-se aqueles ovos de cimento. As possibilidades são também mais uma vez, não vou dizer infinitas.
José Maria Pimentel
Estão a complicar a vida.
Susana Esteban
Não, não. Assim, o vinho, quando fica em estágio na adega, está a ganhar complexidade. E é porque tem um determinado nível de qualidade. Um vinho que é estachado e quanto mais tempo é estachado na adega, é porque um vinho de alta qualidade. Um vinho de baixa qualidade não
José Maria Pimentel
resiste. Mas o que significa ser de alta qualidade?
Susana Esteban
É uma coisa muito subjetiva, mas precisamente um vinho que depois vai aguentar muito tempo na garrafa, que vai ter determinado tipo de aroma, sabores, não sei o quê, que vai fazer uma coisa única, não é? Nós dentro dos vinhos temos essa gama. Temos vinhos que, como tu acabas de dizer, são mais aguados, mais ligeiros, mas isso também depende do tipo de laboração que tu, da vinha, não é? Principalmente do produto que nós tivemos e como elaboramos. E podemos ter vinhos que a matéria-prima é tão boa e elaborado para aguentar muito tempo na garrafa, que para mim é um grande determinante da qualidade, é precisamente a longevidade de um vinho. E sobretudo o prazer que dá a uma pessoa a bebê-lo. A qualidade de um vinho acho que é algo subjetivo. Mas aqui tu
José Maria Pimentel
estás a usar qualidade no sentido de ser um vinho que ganha em ser envelhecido.
Susana Esteban
Claro. Por quê? Porque é um grande desafio. O grau de complexidade que nós temos quando nós envelhecemos um vinho é completamente diferente a um vinho que vamos fermentar hoje e engarrafar daqui a três meses. Obviamente esse vinho é um vinho mais limitado.
José Maria Pimentel
Mas é que Para ti é óbvio, mas para mim e para quem está a ouvir não é assim tão óbvio. A pessoa sabe que um vinho mais velho é melhor, mas porquê é que é melhor? O que é que acontece durante esse processo de envelhecimento e porquê é que há uns vinhos que ganham em serem envelhecidos e outros não?
Susana Esteban
Acontece uma data de errações químicas paralelas e o vinho está vivo sempre, mesmo na garrafa. O vinho evoluiu na garrafa. E isso é o que torna muito interessante e isso é o que torna fascinante. Porque uns conseguimos embelezê-los e outros não conseguimos embelezê-los. Depende daquilo que nós temos, da matéria-prima, aquilo que eu falava um bocado do que vem da vinha, a matéria-prima que temos, e nós conseguimos ver que aquilo vai ter uma determinada qualidade e então trabalhamos, ok, este vinho eu consigo estagiá-lo durante 3, 4 anos numa barrica e quase como prever o futuro, né? Mas isto requer alguma experiência, Conseguimos ver que aquele vinho com barrica, com tonais, não sei... Isto é quase tudo adivinhar, não é? Quase morte. Sim, exatamente. Nós sabemos que aquele vinho, três anos em barrica, dois anos em tonais, vai ficar fantástico. Mas, imagina, achas, porque já tiveste a experiência, porque já verificaste aquela vinha, porque já tiveste um vinho, e sabes qual vai ser o seu dia final. É um bocado difícil de explicar, porque é como a arte, não é? Eu vejo um quadro e digo gosto ou não gosto. Uma especialista, quando se diz este quadro é incrível ou este é de um principiante, não sei o quê, é um bocado
José Maria Pimentel
ali. Mas há uma componente de... É tão complexo que não consegues mexer, digamos, cientificamente em tudo, mas há aqui uma componente da engenharia, não é? Imagino, quer dizer, porque aquilo é um processo químico, não é? Ou seja, tu provas e, por exemplo, quando tu provas um vinho e percebes que ele é bom para envelhecer, é porque ele tem mais acidez, porque ele te... E também pode acontecer, Ju, eu, que o processo de envelhecimento não seja para melhorar o que já é bom, mas até para atenuar determinadas características que podem estar a prejudicar o sabor quando o vinho é jovem, mas depois pode
Susana Esteban
atenuar. Mas isso é um mau sinal. Se nós utilizamos o processo de envelhecimento para disfraçar, é mau. Eu ouvi que tu falavas do carvalho americano ou carvalho francês. Utilizar isso para esconder é muito mau quando o recipiente que estás a utilizar se sobrepõe ao vinho em si. Por quê? Para saber a barrica a carvalho, compras uma barrica a carvalho e é indiferente a qualquer vinho. O importante é que sobressaia determinada zona ou determinada vinha ou determinada uva e os processos de envelhecimento têm que sempre estar aí para potenciar essa vinha, essa casta ou esse produto.
José Maria Pimentel
E quimicamente o que acontece durante esse processo? Ou seja, processos químicos é que...
Susana Esteban
Acontecem muitos processos químicos, muitos dominamos, outros não dominamos. Alguns que sabemos, pode haver também perigos, pode correr mal. Por isso é sempre bastante desafiante ter esse vinho durante tanto tempo na nadega. Nós temos controles muito rigorosos, temos que andar sempre vendo que nada se desvia e às vezes até temos surpresas negativas, né? Nesse sentido.
José Maria Pimentel
Pois, imagina, sim.
Susana Esteban
Mas são processos muito complexos que variam de vinho para vinho, que tem a ver muito com os micro-organismos. Nas películas de uva, vem muitos micro-organismos e esses micro-organismos vão estar sempre presentes no vinho. Muitos são selecionados com álcool, muitos com acidez, alguns com sulfurosa também que nós utilizamos e aí vai intervir de uma maneira ou outra até nós termos o resultado final. Há
José Maria Pimentel
um bocado de gente me perguntando, mas você usa enxofre na produção de vinho, não é? Sim. E é para quê? Que
Susana Esteban
dizer, usa-se enxofre na vinha para tratamentos... Sim, como é que está a tecido, não é? Sim. Mas no mosto e na uva, exceto aqueles vinhos que não utilizam sulfitos, utilizam-se um antioxidante e um antiséptico, para controlar precisamente esses micro-organismos.
José Maria Pimentel
Ah, os sulfitos vêm do enxofre?
Susana Esteban
Não, não. Os sulfitos são criados na fermentação alcoólica, em muita pequena proporção. É um subproduto, uma das tais muitas reações químicas que se produzem, é a produção de sulfitos. Uma produção muito pequena. Mas nós, salvo aqueles vinhos que não contêm sulfitos, adicionamos sulfitos porque é antioxidante e, sobretudo, porque seleciona muito essa carga microbiológica que traz a uva, onde há muitas bactérias e muitas leveduras que podem ser possíveis para suplicar o vinho.
José Maria Pimentel
Sim, no fundo impedem de envelhecer, né? Não,
Susana Esteban
não de envelhecer, impedem de se estragar. Fazer
José Maria Pimentel
o que se estraga?
Susana Esteban
O mais óbvio, que eu falei antes, né? O caminho natural do vinho é convertir-se em ácido acético. Sim, em vinagre. Em vinagre, né? Por as bactérias acéticas. Mas essas bactérias acéticas são extremadamente sensíveis ao sulfuroso. E então, nós, aplicando uma pequena dose de sulfuroso, conseguimos que aquilo pare ali. E não só, mas essas doses dependem muito da acidez do vinho, porque as bactérias também são muito sensíveis à acidez do vinho, depende do álcool, porque esses micro-organismos, muitos deles, as próprias levaduras que transformam o açúcar em álcool, morrem com o álcool que produzem. Que é uma coisa muito curiosa. Ou seja, quem faz com que elas estão a produzir um produto, que ao mesmo tempo faz com que elas morrem. E isso também se relaciona imenso à acidez. Há muitos fatores que fazem com que isso aconteça, mas nós sempre ajudamos um bocadito com isto. E o que é que é, no caso dos vinhos, fala-se
José Maria Pimentel
muito da acidez. É uma variável que é muitas vezes referida. E essa acidez é determinada por quê? Ou seja, a variação na acidez é determinada por quê? Porque ela depois, julgo que um dos grandes benefícios que tem é permitir o vinho conservar-se por mais tempo.
Susana Esteban
Sim, a acidez é importantíssima nos vinhos para dar longevidade, para não fazer com que os vinhos se tornem pesados. A frescura é fundamental. E essa acidez vem da uva, durante o processo de maturação. Mas
José Maria Pimentel
varia com o tipo de casta, por exemplo, ou mais com o método de produção?
Susana Esteban
Varia com o tipo de casta, com o momento em que nós maduremos a casta e depois também a determinadas relações químicas. Mas uma vez, por exemplo, a fermentação malolática faz com que... Qual
José Maria Pimentel
é essa fermentação?
Susana Esteban
É outra fermentação. É que estou todo muito a complicar. Tento evitar dizer palavrões
José Maria Pimentel
porque... Está à vontade. Eu é que depois peço só para explicar. Não há problema.
Susana Esteban
A fermentação malolática é uma fermentação que ocorre depois da alcoólica, normalmente, porque também pode acontecer em paralelo, mas o normal é que termina a fermentação alcoólica. Se nós não paramos esse processo, mediante sulfuroso, mediante frio ou outros processos, o natural é que o ácido málico, que existe nas uvas, se converta em láctico. E para isso intervêm umas bactérias que se chamam as bactérias lácticas, e Essa fermentação é maloláctica. E como o málico tem uma sensação de acidez muito mais elevada que o láctico, normalmente isso implica uma pérdida de acidez no vinho. Mas quase todos os vinhos tintos fazem a fermentação malolática. Os brancos não, porque nós queremos os brancos mais acidez, mais escura. Ainda que há também brancos que utilizam... Como digo, isto
José Maria Pimentel
é muito acidez certa. Exato, sim, sim.
Susana Esteban
Há sempre quem faça de outra forma. Sim. E, paralelamente, esta fermentação malolática, ou seja, este processo de transformação de um álcool em lático, traz à volta muitas reações químicas e processos biológicos paralelos que fazem com que o vinho fique completamente diferente se o vinho fez a malolática ou não fez a malolática. É completamente diferente. Então, normalmente, classicamente, os tintos fazem a malolática e os brancos não a fazem. Mas, normalmente, há muitíssimas exceções. Podemos ter vinhos Até em zonas demasiado ácidas, por exemplo, eu sou da Rias Baixas, em Galícia, aí muitas vezes fazem amonolática nos brancos parcialmente, porque às vezes chegam a ter mais acidez que grau, tem demasiado... E os vinhos seriam demasiado ácidos. No vinho é muito importante o equilíbrio. Acho que o equilíbrio é... E isto, a acidez é muito
José Maria Pimentel
importante. E por que é que sabe um vinho ácido? Porque eu não tenho certeza que sei. Tu falaste em frescura e é um termo que eu costumo ouvir associado a isso, mas não sei... Porque nos taninos eu acho que é mais fácil de... Como está relacionado com a destringência, a pessoa tem uma noção. Mas a acidez...
Susana Esteban
Não sei, imagina um limão, comer um limão, que é uma coisa muito ácida. Ou seja, é um bocado esse sabor. Mas acidez...
José Maria Pimentel
Ou o que é que sabe um vinho ácido demais ou
Susana Esteban
ácido de menos, não é? Acido a mais, isso. Imagina que estás a comer uma fruta verde ou demasiado ácido, esse sabor que te vem à mente. É o que eu falava, tem que haver um equilíbrio, não é? E uma determinada quantidade de ácido, que é o ácido tartárico normalmente, que é o que nos dá essa acidez, ainda que há mais, num vinho podes ter uma sensação de acidez que não tens no outro. Tudo depende da complexidade desse vinho. O que falávamos antes, da qualidade do vinho. Nós se temos um vinho demasiado simples, por dizer assim, e imagina, tem uns 6 gramas de acidez, tu vais sentir uma acidez insuportável, porque vai sentir água e ácido tartárico. Imagina água, ou quando tomas uma limonada, uma coisa muito resumida. Agora, se tens um vinho com uma complexidade extraordinária, que tem até mais acidez, vai-te dar uma sensação de frescura, porque acompanhado a essa acidez, vai haver N componentes mais que te dão alívio.
José Maria Pimentel
Cria uma relação harmoniosa com a
Susana Esteban
acidez. Harmoniosa com isso, Mas é fundamental para a longevidade do vinho que tenha uma boa acidez. Até microbiologicamente, porque a acidez é um inibidor de muitos micro-organismos que podem ser prejudicados
José Maria Pimentel
pelo vinho. Pois daí a longevidade, não é? Daí a questão da longevidade. Olha, e vamos à vinha, como eu tinha prometido. Tu falaste isso no início, mas eu queria destacar esta parte da produção, porque senão tornava-se demasiado confuso, mas eu sei que tu achas... Sei, quer dizer, acho que tu és daqueles que defendem, porque acho que existe um pouquinho de debate. Que o trabalho na vinha e a qualidade das uvas é até mais importante do que o processo de produção.
Susana Esteban
Sim, acho que tem que ser coerente e os dois são muito importantes, mas sim. Eu defendo que o vinho faça na vinha. Sim, exato. Ou seja, se uma boa matéria-prima eu nunca conseguiria fazer um bom vinho. O vinho está definido logo na vinha. Eu seria incapaz de fazer um bom vinho sem boa matéria-prima. Claro que o contrário consigo, ou seja, consigo estragar.
José Maria Pimentel
Claro, sim, sim. Estragar é
Susana Esteban
sempre fácil. É sempre fácil, não é?
José Maria Pimentel
E eu sei que tu tiveste agora no... Eu li isso que tu agora no Alentejo tiveste um bocadinho mais de tempo à procura das vinhas certas até encontrar...
Susana Esteban
Sim, porque é fundamental. Eu estava... Eu era a fazer o meu projeto pessoal lá na Serra Samamede andei dois anos à procura de vinhas velhas, vinhas que não eram regadas, vinhas com castas só portuguesas porque queria... Mas continuas
José Maria Pimentel
à procura, Andavas lá de carro?
Susana Esteban
É, andava lá mesmo de carro. Eu procurava... Ias
José Maria Pimentel
perguntando a pessoas, se conheciam e tal?
Susana Esteban
Sim, ia perguntando a colegas ou pessoas, onde é que eu consigo arranjar estas vinhas? Porque no Alentejo, a uma determinada altura, arrancaram-se muitas vinhas, pratos de cereal, não sei o que, depois voltou-se a replantar as vinhas e normalmente estas vinhas novas têm castas internacionais. Eu queria trabalhar só com castas portuguesas e, sobretudo, queria trabalhar com vinhas de sequeiro, que não foram regadas. Por quê? Porque acho que tu tens mais identidade no vinho se trabalhas sem rega. Mas isto é uma condição minha, não é? Há pessoas que acham que não e fazem grandes vinhos com vinhas regadas. Isto é algo que eu acredito por experiência própria. E os vinhos regados têm uma característica no Douro e no Alentejo e em Portugal, salvo em uma região em geral, que temos mistura de muitas castas. E essa mistura dá uma complexidade ao vinho que nós não conseguimos ter com uma única casta. E isso é algo muito interessante, que normalmente no Novo Mundo os vinhos estão...
José Maria Pimentel
No Novo Mundo, nas Américas.
Susana Esteban
Nós no vinho diferenciamos o Velho Mundo e o Novo Mundo. O Velho Mundo é a Europa. Em Europa ninguém, ninguém pergunta por um cabernet, pergunta por um bordeus. O importante é a zona de produção. No novo mundo, as pessoas não perguntam por uma zona, perguntam
José Maria Pimentel
por uma casta. Sim, sim, é verdade.
Susana Esteban
E há castas incríveis, há castas que dão muita complexidade, mas, na minha experiência, os maiores vinhos que eu já tenho elaborado é com misturas de castas, porque cada uma dessas castas está a aportar uma determinada, ou determinadas características que as outras não têm. Então a complexidade é brutal. E isso unido à exclusividade, não é? Porque essa mistura de castas em essa vinha é completamente diferente da mistura de castas da vinha vizinha. Pois, tem mais
José Maria Pimentel
a ver. Tenho a ideia que esse é outro debate que existe no meio. Tu achas que tem mais a ver com aquela vinha específica, com as condições, com o solo,
Susana Esteban
com a orientação, do que o tipo de castas? Aquela mistura de castas é importante, mas aquela mistura de castas naquele sítio é ainda mais importante. E faz daquilo uma parcela única, que pode dar mil garrafas, mas aquilo é único no mundo. E nós não somos conscientes do privilégio que é conseguir trabalhar com isso. Porque vou para uma casta meio internacional, Cabernet, e pego um Cabernet Sauvignon, planto numa vinha, claro, que aquele terreno, e as características daquele terreno são a matéria do terreno. O fator ali é só o terreno. Mas há caberneiros de vinho em todo o mundo. Agora, aquela mistura de castas com quase 100 anos ou com 100 anos só naquela vinha. É uma coisa única de todo mundo. Então, acho que isto... E
José Maria Pimentel
nesse sentido é até um bocado estúpido a pessoa... E isso acontece muito, por exemplo, nos Estados Unidos, a pessoa referir-se ao vinho pelo nome da casta, um Cabernet ou um Pinot Noir, porque pode ser muito diferente.
Susana Esteban
É mais redutivo, mas é assim, tudo depende da educação que tenham as pessoas em termos de vinho. Por exemplo, a Minkus, também no mercado americano, as pessoas perguntam, quais são as castas que tens no vinho? E eu digo, não sei. E elas ficam olhando para mim, tipo, não sabe. Eu não faço a mínima ideia. Tenho 20, 30 castas neste vinho e não sei o nome delas, mas não preciso saber como elas se chamam. São mesmo 20
José Maria Pimentel
ou 30, é incrível. Sim, não
Susana Esteban
preciso saber como eles se chamam para saber que é uma vinha incrível, não é? E eles, como estão habituados a relacionar a qualidade do vinho com aquela casta, que é um cabernet ou que é um... Ele é chocante, não é? E Portugal
José Maria Pimentel
é nesse aspecto. Creio que nós temos, pá, 300
Susana Esteban
castas, não é? Sim, sim, sim. É um dos países, se não o país do mundo com mais variedade de castas autóctonas. E isso acho que é um património único e que se deve preservar,
José Maria Pimentel
não é? Sim, sim, sim. E eu, é engraçado porque neste episódio, de vez em quando, quando vou gravar um episódio, que é um tema que eu acho que vai interessar muita gente, e em relação ao qual as pessoas têm ideias, pois nas redes sociais posso-te pedir perguntas. E neste caso houve imensas perguntas, seja de ouvintes, seja de mecenas, seja de ouvintes exageradas. Portanto, vou ler aqui algumas durante o episódio, quando vierem a propósito. E uma delas, do Henrique Pais, que é mecenas, era precisamente em relação às vinhas velhas. Porque se tu fores-te propositadamente em busca de vinhas velhas, é um termo que se ouve hoje em dia muitas vezes no mundo do vinho como sendo algo que é bom e que torna o vinho mais caro, mas eu acho que para a maioria de nós a pessoa não percebe exatamente porque é que é melhor, não é? Ou seja, há uma intuição de que será melhor porque as vinhas estão lá há mais tempo e, portanto, terão desenvolvido qualquer característica melhor. Mas por que é que isso acontece? Ou seja, por que é que as vinhas velhas são melhores do que vinhas novas?
Susana Esteban
Bem, nisso é parecido. Uma vinha, por ser velha, não fica extraordinária. Há vinhas velhas muito mais. E se eu trabalhar com vinhas velhas... Uma
José Maria Pimentel
vinha mais, envelhecendo, vai ficar boa, não é?
Susana Esteban
Sim. A vinha velha potência, por dizer assim. Nós temos uma vinha de qualidade, daqui a 60 anos vai ser muito maior. Mas por quê? Porque uma vinha velha se autorregula, não é? É menos suscetível aos câmbios climáticos. Concentra mais, dá menos quantidade, dá mais qualidade. Quantidade, oposto a qualidade. E normalmente, por exemplo, na bairrada não, porque na bairrada as vinhas velhas são especificamente de vaga, Mas normalmente as vinhas velhas, mais de comemidade, é um conceito. É um conceito de mistura de castas, com uma determinada idade, que fazem que não sejam demasiado produtivas. Quando nós temos uma vinha nova, normalmente é muito produtiva. E ao ser muito produtiva, temos menos qualidade. Claro.
José Maria Pimentel
Pode ser boa para uva de mesa, mas não para produzir
Susana Esteban
vinho. Então, nós, se temos uma vinha abelha pouco produtiva, com mistura de castas de sequeiro, obviamente, quase com certeza que vamos ter um vinho muito superior. Claro que nem sempre acontece isso, porque essa mistura de castas pode não ser boa, não é? Porque essa mistura de castas normalmente tem diferentes estados de maturação, não é? E a decisão mais importante para mim, para um enólogo... É
José Maria Pimentel
quando colher cada uma delas, não é? Não
Susana Esteban
é uma vinha velha com mistura de castas? Apanhamos tudo ao mesmo tempo. Ah, é? Claro.
José Maria Pimentel
Mas não deviam apanhar separadamente? Não,
Susana Esteban
e aqui é que está a arte, e aqui é que está o kit da questão. Aquilo não é... Por exemplo, Nós quando temos uma vinha de uma monocasta, apanhamos uma amostragem, a estadística da vinha, vamos ao laboratório e nos diz os parâmetros que há e dizemos, ok, amanhã vamos minimar isto que está no ponto para ser minimado. E no ponto que vai ser minimado, isso agora significa basicamente o nível de açúcar que temos e acidez que temos. E mais polifenol e santucenos. Hoje em dia podemos medir tudo. Numa vinha-valha não conseguimos fazer isso, porque como há 20 castas diferentes espalhadas aleatoriamente por toda a vinha, é uma questão quase de ir lá e um feeling, e provar e conhecer muito bem a vinha e provar e ver. E aí que está a machia das vinhas vaias, de nós conseguir apanhar aquilo no ponto certo, de tal maneira que as uvas que esto mais verdes, por dizer assim, não estendam muito verdes, e as uvas que estão mais maduras não estendem muito verdes. É um jogo de queixo. E é o tal equilíbrio e harmonia que nós queremos. E uma vinha-valha que não tenha essa harmonia na diversidade de uvas que há, que tenha muita disparidade entre as mais verdes e as mais maduras, nunca vai ser uma grande vinha velha. Mas esta é a minha opinião, há pessoas que não opinam.
José Maria Pimentel
Sim, mas faz sentido. Parece-me que faz todo sentido. Sim,
Susana Esteban
é a minha opinião e a minha experiência, porque tenho a sorte de ter trabalhado com vinhas velhas desde que estou em Portugal, desde o Douro, há 24 anos.
José Maria Pimentel
E há outras variáveis, quando se fala nas vinhas, já falamos da idade das vinhas, se são ou não regadas, se têm só uma casta ou têm várias, e costuma-se também falar de outros fatores que têm impacto, como por exemplo a altitude das vinhas, elas são de menor altitude, o tipo de sol em que elas estão, a orientação solar que têm, que influência é que estes fatores têm.
Susana Esteban
Tem tudo a ver com a maturação da uva, não é? Que como digo, é o ponto... No vinho há muitas decisões que nós podemos tomar e que vão ser determinantes para a qualidade do vinho. São tantos, tantos fatores que há envolvidos até o vinho chegar à garrafa que é fascinante a quantidade de variáveis que há. Mas talvez a mais importante de todas é isso, quando nós vamos apanhar a uva. E esse equilíbrio que eu falava antes entre açúcar e acidez é fundamental. Por exemplo, numa zona de altitude, temos normalmente mais amplitude térmica, Por isso as maturações são mais lentas. As maturações mais lentas fazem com que o ácido tartárico e o ácido málico se degrade menos, ou seja, nós consigamos ter mais acidez na uva. Porque em zonas demasiado quentes, De um dia para outro, podemos perder 2 gramas de acidez, que é só imenso. O processo de maturação normalmente vai devagar, até que chega uma altura, no final, tudo acontece demasiado rápido. E então, nós temos que ser muito precisos. Claro que essa precisão, Primeiro, há que estar muito em cima da vinha e depois, quando falamos de grandes quantidades, é quase impossível, não é? Nós minimar hectares e hectares de vinha no ponto certo. É por isso que hoje em dia também se utilizam minimadoras mecânicas, precisamente para ter essa precisão. Que depois, nós, se perdemos na vinha, nunca mais a recuperamos. Pois, exato, exato. E os grandes vinhos são feitos assim na vinha, não é? Porque isso é uma coisa que vem da uva, da casta, depois, claro, que há castas que têm mais acidez natural, que são mais sensíveis, perdem mais acidez durante a maturação, outras que perdem menos, isso depende muito da casta. Claro, aquela casta com altitude, lado norte, o lado norte normalmente, viradas a norte, apanha menos calor, perde menos acidez. Mas isso nós agora somos positivos, mas há uns anos atrás, antes de haver o conhecimento global, havia muitas vinhas em altitudes viradas ao norte que não conseguiam amadurecer e
José Maria Pimentel
que ninguém queria. Sim, sim, sim.
Susana Esteban
Porque isto é todo...
José Maria Pimentel
E são mais comuns, imagino, na região do Douro, não é? Por exemplo, ali no Alentejo não tens
Susana Esteban
tanta altitude, não é? Na Serra. Pois tens, na Serra. Eu na Serra tenho, tenho. Tenho as vinhas a 700 metros de altitude e tenho várias viradas a norte, que são maravilhosas.
José Maria Pimentel
E o tipo de solo? Porque há solo... Granito. Fiz todo, há solo de granito. Como é que isso influencia?
Susana Esteban
Influencia imenso. A planta vai extrair imensos minerais do solo e essa sensação de frescura e mineralidade, que se utiliza também muito nos vinhos, vem daí. Não é mesmo os raízes que estão a aprofundizar em solos arenosos, como graníticos, porque o próprio componente do solo vai dar esses minerais que vai dar um determinado tipo de sensações ao vinho.
José Maria Pimentel
Qual é o tipo de solo que gostas mais?
Susana Esteban
Granito. É porque sou galega.
José Maria Pimentel
Achas que é por isso?
Susana Esteban
Não, mas eu gosto imenso, acho que o granito dá tal frescura.
José Maria Pimentel
E nós temos aí, faça outros países alguma especificidade? Conheço mal a nossa geologia nesse sentido, ou seja, Portugal...
Susana Esteban
Ui, tem imensa diversidade. Portugal...
José Maria Pimentel
Mas quer dizer, temos tipos de solo que não existem ou que sejam raros no resto do mundo, por exemplo? Provavelmente não.
Susana Esteban
Não, não. Há gisto, por exemplo, há gisto em outros países. Em Espanha há gisto, em outros países há gisto, em Alemanha... Há muitos países com gisto. Agora, não conheço nenhuma zona como Odoro, aquilo hectares, hectares, hectares em gisto puro. Aquilo é brutal. Agora, granito. Temos granito em mais de... Agora, o que nós temos é muita diversidade. Portugal é um país que, de norte a sul, tem uma diversidade incrível de castes, de clima, de solos. E o que eu falava há um bocado, o que Portugal tem, que não tem os outros, são essas variedades de castes que só existem em Portugal. Pois, pois, pois. Porque, neste mundo globalizado, hoje em dia, é sumamente aborrecido para uma pessoa que quer um vinho, chegar a uma carta e ser todo… as mesmas cartas internacionais estes em qualquer ponto é como… ires viajar e tens as mesmas lojas em todo o Brasil. Não, quero algo diferente ou se fores viajar e tinhas os mesmos restaurantes, a mesma comida em todo o mundo. E tu em Portugal tens coisas que só em Portugal. Então eu só acho que isso é marquês inacreditável. Isso
José Maria Pimentel
É uma especificidade interessante e até houve várias pessoas a perguntar isso, indiretamente, porque é que comparativamente com outros países nós temos poucos vinhos monocasta. Já agora posso citar foi o Luís Tirão Cazevedo e o Miguel Herdade no Twitter que perguntaram isso. E isso na verdade acho que a resposta é simples, tem a ver com nós termos muitas castas.
Susana Esteban
Sim, porque é mais ao contrário. É que os soltos gostavam de ter. Achas que é por isso? Não sei. Porque a outra pergunta,
José Maria Pimentel
desculpa interromper-te, mas houve outras pessoas a perguntar se isso não prejudicava o nosso branding, em certo sentido, ou seja, o facto das pessoas estarem habituadas a associar um vinho a uma casta também facilita a vida ao consumidor, e o facto de ter vinhos portugueses que não têm essa associação a castas, se forem monocasta, pode ser monocasta de várias e provavelmente são, como é que se diz, multicasta. Pode até, nós ainda não falámos disso, mas pode até prejudicar o país a nível de exportações, não é? A marca, no fundo, a marca dos vinhos portugueses.
Susana Esteban
Mas tudo depende do grado de conhecimento das pessoas, não é? Obviamente, se são pessoas pouco conhecedoras, vão querer algo que Resulta um bocado familiar. E algo que resulta um bocado familiar, claro, que falava o novo mundo tem vinhos, milhões de garrafas de uma determinada... E marketing e não sei o quê, e faz com que aquilo se torne muito conhecido. Então as pessoas procuram aquilo. Mas, se o nosso grau de conhecimento é superior, vamos querer uma coisa que não esteja tão banalizada, por dizer assim. Algo que dê um passo mais à frente, em termos de qualidade, em termos de exclusividade e, sobretudo, em algo exclusivo. E vai dar muito. Nós temos grandes castas, por exemplo, e há castas que nós exportamos, como por exemplo a Toriga Nacional. Toriga Nacional é uma das grandes castas do mundo. E hoje em dia está plantada... Exportamos
José Maria Pimentel
as próprias uvas para a
Susana Esteban
produção de vinho? Não, não, não. As uvas não podemos exportar. Digamos que a toriga nacional plantada hoje em dia por todo mundo porque está considerada uma grande casta. Agora, a toriga nacional, que é originariamente do Dão, normalmente precisa, o Dão é uma zona fresca, granito, precisa dessas características. Em nenhum sítio, eu pelo menos não provei nenhuma toriga nacional com a expressividade que tem em Portugal, mas conseguimos fazer monocastas de toriga nacional inacreditáveis. Também há monocastas de tinta roriz, que é o tempranilho espanhol e monocastas. Há muitos produtores a fazer
José Maria Pimentel
monocastas. Sim, há vinhos monocastas. Agora,
Susana Esteban
Portugal tem esse patrimônio de mistura de castas. E houve uma altura, eu lembro, quando eu cheguei a Portugal, que havia muito esse debate. Ai, nós para exportar, é que os estrangeiros nem sequer conseguem pronunciar rabigato, ou vaio, ou seja, as castas todas. Nós temos que... Eu acho que isso é um bocado o contrário, nós temos que nos diferenciar porquê os outros não têm. Vai dar muito trabalho, mas é assim, eu falei um bocado, ninguém vai à Bordeaux a pedir um caverné, vão pedir um Bordeaux. Eu quero pedir um vinho do Douro, eu quero pedir um vinho do Alentejo, eu quero pedir um vinho da Bairrada, que é lá dentro. Não sei, vende a marca Bairrada.
José Maria Pimentel
Tens de ficar a região e não as castas, não é?
Susana Esteban
Sim, a região, porque aquele vinho da Bairrada ou aquele vinho do Alentejo tem uma complexidade que os outros não vão ter.
José Maria Pimentel
Sim. Eu queria falar também um bocadinho da tua história, porque tu tens uma história engraçada no mundo dos vinhos, porque tu começaste no Douro, e tu entraste no Douro quando a região estava a despontar nos vinhos de mesa, que era, atenção, tenho que dizer isto, uma coisa que eu desconhecia completamente. Eu achava, e espero não ser o único, que o vinho do Douro, ou seja, que o Douro era uma das regiões tradicionais do vinho em Portugal, e portanto os vinhos de mesa, e descobri, a analisar o teu percurso, que não, quer dizer, que o Douro era sobretudo vinho do Porto, se bem que claramente também era, e que o Douro enquanto produtor de vinhos de mesa é uma coisa ali da viragem para os anos 90, não é?
Susana Esteban
Sim, sim, 96, foram os primeiros produtores. Pois
José Maria Pimentel
mais tarde até, exatamente, no meio dos anos 90.
Susana Esteban
Eu vim para Portugal a trabalhar na Quinta do Coto como editora de produção da Quinta do Coto em 99. E eles já produziam vinho em 82
José Maria Pimentel
Mas era dos poucos, já havia o Barca Velha também.
Susana Esteban
Sim, e o Barca Velha também.
José Maria Pimentel
Mas eram raros.
Susana Esteban
Era muito, muito raro e eram coisas muito pontuais. O grande boom dos vinhos do Douro começou em 96. Eu quando fui em 99 e encontrei lá uma geração de enólogos que fomos todos a trabalhar para o Douro, porque precisava de novos cenólogos para fazer uma coisa realmente nova, que era fazer vinhos de mesa, onde tradicionalmente se fazia vinho do Porto. Era os Douro Boys e Girls, não é? Sim, Sim, sim. E não só, e outros, mas foi uma época fascinante e eu tive a
José Maria Pimentel
sorte... Você não fazia ideia disso, eu achava que era muito anterior, engraçado.
Susana Esteban
Sim, porque acho que o Douro conseguiu em pouco tempo e com imensa qualidade e também com muita ajuda, por exemplo, do Ouro Boys e muita promoção e sobretudo com a qualidade dos vinhos que estão feitos, impôs-se rapidamente no mundo dos vinhos como... Mas
José Maria Pimentel
achava-se que o Ouro não tinha condições para produzir vinhos de mesa?
Susana Esteban
Acho que nem sequer se planteava isso. Tradicionalmente eram vinhos do Porto, e de facto o Ouro tem umas qualidades inacreditáveis para fazer vinho do Porto. De fato, há muitos países que tentaram imitar os vinhos do Porto e não conseguem, porque o vinho do Porto É uma técnica que se pode aplicar aqui na Austrália. Claro, o vinho fortificado. Mas a tal uva, a tal matéria prima, só consigas com aquela qualidade, aquelas cascas e tal, no douro. E de facto tem umas características inacreditáveis para fazer vinho do Porto. E acho que havia determinados barcavelhos, duas quintas, havia produtores aqui do Alicote, produtores que começaram a fazer vinho de mesa, mas acho que ninguém os levava muito a sério porque o vinho do Porto era tão imponente e tão importante que até que houve essa verdadeira revolução e começaram a fazer vinhos de mesa e acho que pronto, depois não conseguiram parar. Sim,
José Maria Pimentel
sim. E nessa altura em que o Douro estava a dar os primeiros passos, quais eram as principais regiões? Era Odão?
Susana Esteban
Sim, havia Odão, Aberrado, Alentejo.
José Maria Pimentel
Porque eu tenho a ideia que o Alentejo, por exemplo, também cresceu muito nas últimas décadas.
Susana Esteban
Sim. O boom boom dos vinhos em geral em Portugal e cresceu muito, que era o investimento em vinhas, em adegas E mesmo na qualidade dos vinhos que se elaboram brutal estes últimos 20 anos, em termos de tintos e brancos, evoluiu-se enormemente, que tem muito a ver. Nós temos que ter consciência, por exemplo, quando eu tirei o meu curso, nem sequer em Espanha, havia curso de enologia. A enologia é uma profissão muito recente, não é? E todos os conhecimentos enológicos e também de viticultura é uma coisa muito recente. Então, estes vinhos de qualidade também têm a ver com o conhecimento das pessoas que têm sido formadas e têm vindo a trabalhar no sector, não é? Porque há 20... Eu tirei o meu curso, terminei em 94, e eu tive que fazer um curso de Engenharia Química e depois o mestrado de Horticultura e Enologia para ser enólogo, porque não havia curso de enologia. Em Portugal, sim havia, mas acho que a primeira promoção de enólogos foi em 1996, que é super recente.
José Maria Pimentel
Por isso, acho que também... É tudo mais amador, não é?
Susana Esteban
É claro. E depois subiu este boom dos vinhos de qualidade e tudo, também porque começou a haver mais formação e a haver mais conhecimento sobre tudo.
José Maria Pimentel
Eu tenho essa sensação também, enquanto consumidor, digamos assim, mas é interessante ver isso. Eu queria fazer uma pergunta em relação à Bairrada, porque é uma região que eu sou mais próximo, porque sou de Coimbra, e também houve umas cenas, o João Baltazar também fazia uma pergunta em relação a isso, porque coincide com a impressão que eu tenho, que é que a Bairrada tem tido uma boa progressão nos últimos anos, o que contrasta um bocadinho com a imagem que tinha, acho que continua a ter junto de muita gente, numa região um bocado difícil, até por causa da baga, que é a casta mais prevalente e que é uma casta um bocado difícil. Aliás, já dei a experimentar algumas pessoas vindo de baga, vindo de tintos recentes, novos, e aquilo é sempre muito áspera, é uma coisa um bocado difícil, mas ao mesmo tempo Tenho provado outros que já são muito mais suaves, ou seja, dá a ideia que tem havido ali alguns progressos
Susana Esteban
também. Sim, a vaga é uma casta difícil, mas uma casta maravilhosa.
José Maria Pimentel
Sim, eu também gosto muito, mas...
Susana Esteban
Sim, e mais uma vez, tudo depende do que nós procuremos. Eu adoro os vinhos velhos da bairrada, os antigos, claro que precisam de muitos anos de garrafa, mas são de uma qualidade inacreditável, ficam extraordinários. Esses vinhos que ganham com o tempo em garrafa e que precisam de tanto tempo, Quando são engarrafados, são imbevíveis. E então, isso é um bocado um equilíbrio que nós sempre tentamos fazer nas cadeiras. E é um bocado uma decisão sempre, ok, nós se fazemos vinhos que esto prontos para viver quando é engarrafado, será que depois vai ter nocividade na garrafa? E isto é, mais uma vez, o tal equilíbrio. Não vai errada. Acho que agora há uma nova geração, o tal conhecimento. Antigamente era uma zona muito clássica, que se laborava em até uma casta como a Vaga, utilizava-se muito o engasso, não é? Que fazia mais complicado. Praticamente
José Maria Pimentel
isso é chuver sobre um milhão.
Susana Esteban
Hoje em dia, acho que mudou muito, e estão a fazer vinhos mais fáceis precisamente para chegar a esse consumidor.
José Maria Pimentel
Estão a misturar também com outras castas. Misturar com outras
Susana Esteban
castas e não ser tão agressivos na elaboração. Antigamente, além de... As pessoas eram mais... Tinham mais receio a mudar a coisa que era mais tradicional, não é? E hoje em dia, as pessoas arriscam muito mais. São mais criativos e arriscam. Dizem, ok, em vez de fazer vagas, vou fazer de outra maneira para tentar que seja mais acessível a um determinado tipo de público que não gosta de vinhos tão extraídos ou tão difíceis.
José Maria Pimentel
E o vinho verde, que é sempre uma pergunta do Elder Miranda e era uma pergunta que eu queria fazer também, porque é sempre um bocado confuso para as pessoas o que é que quer dizer vinho verde, se é um tipo de vinho, se é uma zona, se é uma região, mas porquê que se chama vinho verde? Ou seja, tem a ver com a região ou tem a ver com as castas?
Susana Esteban
Claro, o vinho verde de facto é muito confuso, porque há muitas pessoas que pensam que é um determinado... Não, dizer vinho verde é a mesma coisa de dizer alentejo. É uma zona, uma zona que vai desde o Minho, faz limites com o Douro, é uma zona enorme. Que é uma zona que normalmente é mais fresca, que é uma zona inacreditável, onde se produzem grandes vinhos e acho que hoje em dia com o aquecimento global é uma zona com potencial brutal. Mas sim, essa confusão acho que tem a ver um bocado com o nome, mas nós temos que pensar vinho verde é uma recheio.
José Maria Pimentel
Então, porquê que se chama vinho verde? É por causa dessa... Eu tenho a ideia que é por causa dessa frescura, ou seja, são vinhos mais frescos e portanto remete para uma fruta menos madura, não é?
Susana Esteban
Não, qual é a origem do nome também não sei, também não sei qual é, sinceramente não sei, porque se chama Alentejo. E
José Maria Pimentel
não tem a ver, mas espera, um ponto que eu queria esclarecer, tu estás a dizer que não tem a ver com as castas específicas, porque tem um sabor muito peculiar, por isso é que eu pergunto isto.
Susana Esteban
Os alvarinhos são dentro do vinho verde. Ninguém se pergunta, não é? Mas isso acho que tem a ver precisamente com esse nome tão confuso, que sinceramente eu não sei quem se lembrou de pôr esse nome.
José Maria Pimentel
Então espera lá, uma pergunta que eu te queria muito fazer em relação ao vinho verde tinto, que é um vinho de má fama, eu tenho família no Minho, atenção, e portanto já experimentei e tenho até um familiar mais ou menos afastado que fez uma produção própria de vinho verde tinto e que era bastante bom. Na verdade não sei porque, tinha um grande problema, ou tem um grande problema de que envelhece muito mal. Aquilo passado dois anos, pá, está praticamente imebível. Mas quando era um vinho novo, era um vinho bastante agradável. No entanto, é um vinho com muita má fama, o vinho verde tinto.
Susana Esteban
Pois, porque era muito acidez, muita... Se calhar
José Maria Pimentel
uma má fama é uma cidade.
Susana Esteban
Eu sou de uma zona, eu sou do outro lado da fronteira, sou do Minho, que tem muitas similitudes, Rias Baixas, com a zona do vinho verde. Também tínhamos esses problemas com as castas tintas, não é? Até algumas e muitos produtores híbridos diretos que se utilizavam e até castas que eram de difícil maturação, e por isso ficavam difíceis de beber e difíceis de trabalhar. Normalmente ficavam com pouco grau, muita acidez, o que fazia que os vinhos fossem extremadamente difíceis. E depois há a tal coisa do tradicional. O mundo do vinho agora está a mudar, mas está a mudar lentamente. Mas ainda há zonas que são muito tradicionais e é muito complicado mudar mentalidades. Por exemplo, se o vinho verde era assim feito, era assim feito. Gostavas, gostavas, não gostavas. Hoje em dia está a haver novas pessoas, com novas ideias, com não sei o quê, que dizem, ok, primeiro temos o tal aquecimento global, depois temos pessoas que dizem, mas o que nós não temos que fazer é o que tu me perguntavas um bocadinho na beirada. Aí é que sempre se fez... O mundo do vinho é assim. E quando eu comecei a trabalhar no mundo do vinho, é assim. Aqui sempre se fez assim durante séculos. Não venhas tu agora a decidir o que vais fazer, tal.
José Maria Pimentel
Mas no caso, por exemplo, do verde-tinto, que de facto tem esse problema, aliás, quando te perguntei há bocadinho em relação à acidez, devia-me ter lembrado disso, porque o vinho verde-tinto é um excelente exemplo de como perceber um vinho ácido demais, muitas vezes. Aliás, eu suspeito que a maior parte das pessoas que nos estão a ouvir nunca têm experimentado vertindo. Mas como é que tu podes ultrapassar esse obstáculo? Porque se tens esse problema de maturação das uvas na vinha, como é que tu... Quer dizer, escolher um passo é minimizar esse problema.
Susana Esteban
É trabalhar a vinha, mais uma vez. É conseguir que as uvas fiquem com menos saciedade e depois elaborar de maneira também que ficam com menos acidez. Há muitas técnicas que nós conseguimos, o principal é na vinha. E nós conseguimos com poucas produções ou deixando mais tempo uma planta para amadurecer o racimo, precisa de determinada superfície foliar, por dizer folhas. Se nós temos muita carga, muitas uvas na planta, não vamos conseguir que amadureçam tanto como se temos poucas. Vai ser uma questão de quantidade. Também da exposição. A mesma casta, como falava antes, virada a sul, se temos a mesma planta, com menos carga, com menos produção, numa determinada exposição e depois orientada, venimada na altura certa e vinificada na altura certa, nós conseguimos fazer um vinho completamente diferente. Ainda que a essência daquele vinho sempre vai ser a mesma.
José Maria Pimentel
Porque nós estamos
Susana Esteban
naquela zona, com aquela chuva, não sei o quê. Sempre vai haver uma essência que mesmo mais tu ou qualquer outra pessoa vai notar. Ok, eu bebia há cinco anos este vinho, era meu vinho. Hoje em dia já gosto. Ainda que te vai lembrar, este vinho é aquele mas muito maior.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Porque a sensação não muda. Não deixa de ser aquele vinho mas melhorado. Sim, melhorado, mais elegante, como tu dizias há bocadinho.
Susana Esteban
Sim.
José Maria Pimentel
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Susana Esteban
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José Maria Pimentel
Nós à bocado tocámos ao de leve no tema da exportação de vinhos portugueses e eu francamente não sei exatamente como é que tem evoluído, ou seja, tenho a ideia que tem crescido mas que ainda continua a haver uma série de desafios e sobretudo é difícil. É um mercado muito ocupado, dominado por, sei lá, países como França, por exemplo, e até a Itália e a Espanha e alguns países do novo mundo que têm algum nome e é difícil, quer dizer, de repente, um país criar essa marca. Mas o que é que tu achas, qual é a tua visão sobre isso? O que é que tu achas que ainda falta fazer ou que se podia fazer de maneira diferente para melhorar, se quiseres, a marca Portugal, a marca dos vinhos portugueses internacionalmente?
Susana Esteban
Primeiro acho que é importante haver marca portuguesa, que não há,
José Maria Pimentel
não é? Achas que ainda não há?
Susana Esteban
Não. E tu, esses exemplos que acabas de dar, Espanha, Itália e França, tem marca como país, não é? Espanha é uma marca, Itália é uma marca e França também.
José Maria Pimentel
E tens outros, mesmo no Novo Mundo, sabe? Até a Nova Zelândia.
Susana Esteban
E depois, uma coisa muito importante, também a gastronomia. Todos os países têm uma gastronomia muito forte que exportaram para o resto do mundo. Há restaurantes italianos em todo o mundo, onde vão pessoas que não são italianas. A gastronomia francesa é o que nós sabemos. E a espanhola também. Portugal agora começa a ter, pontualmente, um restaurante conhecido em Londres, outro restaurante conhecido nos Estados Unidos, Mas não há restauração portuguesa como marca. Eu sei, espanha é. As pessoas dizem, ok, eu te pergunto, diz-me restaurante espanhol. Vai-se logo às tapas. E acho que isso é fundamental porque É muito importante, e isso da minha experiência, é importantíssimo a gastronomia para divulgar os vinhos. Tu provas e agora o que está a fazer um bocado, marca a Portugal desde que Portugal está na moda. Porque as pessoas vêm cá, só entram num restaurante e dizem, bola este vinho, é fantástico. E depois chegam ao país deles e começam a procurar onde há vinhos portugueses. Que são todos maravilhosos. Mas antigamente as pessoas não vinham a Portugal e as pessoas não sabiam que Portugal existia. Como é que você vai vender um vinho de um país que as pessoas não sabem onde estão? E isso está acontecendo com mim muitas vezes. Nova Iorque, pegue um táxi. De onde é que tu és? Portugal. Espanha. Ah! Eu dizia Cristiano Ronaldo. Ah, Real Madrid. Nunca chegamos lá. Hoje em dia já não existe isto. Hoje em dia, pegue um táxi em Nova Iorque e o taxista te diz que quer vir para Portugal. É verdade. A mim isso também tem acontecido. Em vários países apanham um táxi e o taxista diz, mas eu queria mesmo. Agora Portugal está na moda. E isso acho que tem ajudado imenso nas exportações. Mas acho que, claro, os outros levam muitos anos de vendagem, não é? E nós, para ganhar mercado, os outros têm que perder, não é?
José Maria Pimentel
Exato, pois. Quer dizer, o mercado pode expandir, mas sim,
Susana Esteban
é verdade. Sim, pode expandir, mas sim. Mas há uma concorrência, sim. Agora, nós temos a qualidade. Acho que falta a marca, a marca mesmo, sair como marca portuguesa. E depois cada um, claro, depois cada um a sua região, não sei o que, mas é assim. Nós muitas vezes estamos a fazer, Por exemplo, eu trabalho na Serra Samameda e eu vou para os Estados Unidos ou Inglaterra, não sei o quê. Ok, Inglaterra sabe mais, mas os Estados Unidos, por exemplo, dificilmente sabem onde está Portugal. Ou seja, como vão saber onde está a Serra Samameda? O primeiro que tem que vender É o país. E depois, ok, vais lá dentro do país, ah, eu estou nesta zona específica e faço esta coisa, mas primeiro tens que localizar, não é? E para isso eu acho que é muito, muito importante a gastronomia, que faz uma divulgação. Mas mesmo em Portugal, não é? Se alguns estrangeiros aqui vão a um restaurante e o sommelier ou o chef de sal, não sei o que, eles têm uma lista de vinhos que desconhecem, igual que nós quando vamos a outro país, e eles te vão indicar um vinho. São grandes divulgadores das nossas marcas e acho que nós deveríamos cuidar muito isso.
José Maria Pimentel
Esse ponto da gastronomia faz todo sentido. O que é interessante e intrigante em certo sentido é como é que países que não são países grandes e não têm uma gastronomia associada conseguem, apesar de tudo, estar, acho eu, bem nesses mercados, como o Chile, sei lá, Nova Zelândia, que eu falava há bocadinho, e deve haver melhores exemplos, mas são países relativamente remotos e até pequenos e é mais frequente eu ver vinhos, sei lá, chilenos do que ver, mesmo que vá para a Ilonda, do que ver vinhos portugueses. Acho eu, pode não ser verdade. Sim,
Susana Esteban
aí também tem a ver um bocado, eu acho que, por exemplo, Chile, Argentina, têm feito um trabalho de marketing incrível e depois apareceram com uma marca muito forte, com bons vinhos e as pessoas associaram-se ao Chile. Tens uma imagem, mais ou menos, daquilo. E acho que o problema de Portugal era um bocado que não aparecia, não é? Como é que se comentava?
José Maria Pimentel
Sim, essas coisas levam tempo, não é? Leva
Susana Esteban
muito tempo, mas eu acho que ainda não se está a trabalhar na construção da marca Portugal. E acho que deveria ser trabalhado. Mas acho que está a ajudar imenso o facto de nós estarmos a receber imensos turistas e Portugal ter ficado realmente na moda em todo o mundo. Sim, era
José Maria Pimentel
aquilo que tu dizias, as pessoas vêm cá, experimentam vinhos e depois querem levar e querem que exista lá também. Olha, para terminar, já falámos muito sobre a produção de vinho, mas falámos, embora as duas coisas sejam relacionadas, ainda não falámos sobre como escolher um vinho. E eu tenho muita curiosidade em saber aquilo que eu chamo os tricks of the trade, os truques que as pessoas que trabalham em determinada área sabem e quem está fora não sabe. Eu acho que há poucos mundos em que esse diferencial é tão grande, se calhar como no mundo dos vinhos, que a pessoa, para um consumidor, quer dizer, tu chegas a um supermercado ou uma loja de vinhos e estás completamente perdida com... Ainda por cima o nosso mercado é muito, não sei se é mais do que noutros países, mas é muito polvorizado, quer dizer, tu tens... É geral. É geral, depois tens... E o cada vez mais. Sim, há poucas barreiras à entrada, mas tu tens mil vinhos, não é? E eu lembro até de ler uma vez num livro, era um livro de marketing, curiosamente, que tinham um estudo qualquer, já não lembro exatamente, que tinham feito a maneira como as pessoas escolhiam vinhos e era muito engraçado porque tu tinhas uma diversidade enorme, tinhas pessoas que bebiam as marcas mais antigas, bebiam aquele vinho sempre ao longo da vida, Tinhas pessoas que andavam à procura dos bargains, dos melhores negócios, dos vinhos relativamente baratos mas que fossem minimamente bons. Tinhas as pessoas que iam pelo preço e portanto seguiam o preço como variável indicativo. Tinhas as pessoas que olhavam para o rótulo e iam pelo rótulo, ou seja, tu tens uma diversidade enorme de maneiras de escolher e eu imagino que muitas vezes, do teu ponto de vista, as pessoas façam escolhas erradas.
Susana Esteban
Não acho que as escolhas sejam erradas. Acho pena que às vezes as pessoas deixem de beber vinho porque não se sintam seguras. Como
José Maria Pimentel
se sintam seguras?
Susana Esteban
Sim, porque, por exemplo, vais a um restaurante e começas a ver a lista dos vinhos, não percebes nada. Vês que uma garrafa de vinho custa 30 euros. Às vezes pides uma cerveja e pensas, não sei, às tantas pido uma garrafa ou então vinhos mais caros ainda pior. E afinal, não vou gostar, então opto por uma cerveja. E acho que às vezes essa falta de conhecimento faz com que se deixe de beber vinho. E de facto é muito complexo, mesmo para nós, porque como tu dizes, todos os dias estão a aparecer marcas. Claro que nós conhecemos determinadas marcas que sabemos que são uma escolha certeira, que aí não te vai defraudar. Eu acho que no início o melhor é ir a lojas especializadas e deixar-te aconselhar. Temos hoje em dia imensas lojas, pequenas lojas de vinhos que têm pessoas entusiasmadíssimas com o vinho, que conhecem o produtor e tal, e que te vão a ir aconselhando e te vão a dizer, olha... E é como toda uma vida, não é? Tens que começar pelo mais básico. Não queres começar por beber um petrus se não percebes nada de vinho. Começa por algo mais leve, mais básico, mais não sei o que. Depois, no dia seguinte, vais à loja ou na semana seguinte e dizes olha, eu não gostei, achei demasiado ácido. Essa pessoa, você deve dizer, então prova este, e já vais perceber mais ou menos o que tu gostas. E acho que isso é uma boa maneira de começar. No restaurante é igual, não é? O conselho que eu dou para quem está a começar é não querer, em três dias, ficar especialista em vinhos. E admitir que estamos numa... Quando começamos a ler, ou quando conhecemos a todo, é começar por baixo, pelos vinhos mais simples e, sobretudo, deixar-nos aconselhar por pessoas que sabem. E acho que todos nós temos perto, de onde vivimos, aquela loja de vinhos, não sei o quê, que vão estar todos contentos de que tu vas lá, de te assessorar e no dia seguinte tu dizes claramente, olha, não gostei de nada de vinhos, tá, ok, prova isto. Gostaste? Não, não é bem assim, eu adorei. Então, eles até também recomendam. E tu, tu próprio, vais ganhando segurança. Depois, vais a um restaurante e dizes olha, melhor não tem aquele vinho que tu já escolheste, mas dizes, olha, eu gosto muito deste vinho, tem assim algo similar. Lá o empregado só tem... Ou seja, mas tens que ter um ponto de partida. Eu acho que sentir-se seguro na escolha é fundamental. E tu há bocadinho falavas
José Maria Pimentel
do conservadorismo, chamamos-lhe assim, de muitos produtores que fazem ou faziam vinho daquela maneira há décadas ou há séculos e têm a versão a mudar. Tu notas isso também do lado dos consumidores, ou seja, notas que o consumidor português muitas vezes é vesso a experimentar novos tipos de vinhos, ou seja, no fundo pegando aquelas variações que nós falávamos no início de... Porque senão, eu tenho a ideia que durante muito tempo havia a moda dos vinhos mais amadeirados e a pessoa procurava aquele sabor amadeiro. Isso pode criar uma dificuldade quem quer fazer vinhos diferentes, mais simples.
Susana Esteban
Sim, eu acho que há de tudo. Há aquele consumidor mais clássico, que gosta daquele vinho e não vai mudar, porque sempre vê aquilo, aquele estilo, não sei o quê, e resulta difícil que ele mude, porque normalmente um consumidor deixa de uma certa idade. Agora, para os novos consumidores e pessoas talvez mais atentas, mais curiosas, acho que depende um bocado da personalidade de cada um. Igual que na gastronomia, há pessoas que sempre querem ir àqueles restaurantes típicos e tradicionais e não querem ir a... E há pessoas que todos os dias querem ir a um restaurante diferente porque não querem estar a perder. Mas
José Maria Pimentel
tu não sentes essa falta enquanto produtora, não é?
Susana Esteban
Não, não, não, não, pelo contrário. Porque acho que as novas gerações E há muitas pessoas que estão atentas ao que se passa, que são curiosos. Mais uma vez, a restauração, aqui, eu acho um papel importantíssimo, que estão sempre a querer novidades e provar coisas diferentes e não sei o quê. E não sinto nada, não sinto nada. Mas acho que há um bocado de todo um sim.
José Maria Pimentel
Uma pergunta que fizeram muito e que vai ao encontro também de uma pergunta que eu te queria fazer é, e na verdade tem a ver com aquilo que nós falámos no início sobre o processo de produção, o que é que distingue um vinho caro? Ou seja, o que é que faz, vamos deixar aqui a questão de ser melhor ou ser pior, mas o que é que faz um vinho mais caro? Ao lado tem a ver com a fama do vinho, não é? Há determinados vinhos que vão ser sempre caros, independentemente do vinho que esteja lá. Mas em termos de processo de produção, tem a ver com o quê? Eu imagino que tem a ver com a questão do tempo que o vinho tem de estagiar enquanto está na... Se
Susana Esteban
nós tivéssemos a forma... Todos os produtores gostaríamos de ter os nossos vinhos caríssimos. Se tivesse um factor que dizia que este vinho vai ser caro, fazíamos todos caros. Eu acho que primeiro tem a ver com a lei da oferta e a demanda. O vinho atinge às vezes determinado preço porque todos querem e não há. O que faz que o vinho tenha atingido esse determinado preço? Podem ser muitos factores. Nos vinhos mais clássicos, nas grandes marcas que se aconteceram há muito tempo, é esse historial de qualidade e, sobretudo, de ter essa consistência na qualidade. Saber, por exemplo, um grande vinho que tu sabes que todos os anos não te vai defraudar, ou seja, a tal segurança, não é? E eu gasto 300 euros numa garrafa, Porque sei que aquela garrafa vai ser inacreditávelmente boa. Isso faz com que o vinho
José Maria Pimentel
seja muito caro. E vai ser sempre bom. Isso muitas vezes é o que determina o preço.
Susana Esteban
Sim. Ou uma coisa, às vezes o preço é ser uma coisa, um vinho raríssimo. Ou seja, este vinho É o primeiro ano que sai no mercado, mas pronto, ou levou um prêmio muito importante por alguém muito reputado, ou aconteceu algo que fez com que esse vinho se posicionasse rapidamente em um patamar de preço muito alto. Mas normalmente, às vezes, há produtores ou há vinhos que dão um tiro e depois lançam um vinho muito caro num ano e depois não conseguem no ano seguinte porque as pessoas ficam decepcionadas, ou acham que aquilo não valia a pena ou não conseguiram simplesmente vender. O que faz um vinho que durante anos seja caro, consistentemente caro, é a confiança dos consumidores. Eu falo por mim e eles que falam por todos. Tu não vais pagar um vinho caro se não sabes, se não tens a certeza que aquele vinho vai ser excepcional. Sim, claro, é a consistência.
José Maria Pimentel
E há de ser também outro fator que tu referiste aí, que é a especificidade, ou seja, ser um vinho com uma característica qualquer específica que o torna relativamente raro, não
Susana Esteban
é? Raro, sim. Ou seja, que o torna raro, que o torna exclusivo, e isso em todo, como em todo. O que é exclusivo é mais caro e, sobretudo, saber que tens aquela qualidade e eu vou comprar aquilo, em vinho, sei como é o todo, ok, posso permitir-me comprar esse vinho? Vou comprá-lo porque sei que vou ter um... Ou seja, eu acho que essa segurança é importantíssima E isso se construi durante muitos anos.
José Maria Pimentel
Então, enquanto produtora, deve-se ter muito dilema, imagino eu, de decidir o preço para o vinho, porque ainda por cima no vinho, isto acontece em tudo, mas o vinho é provavelmente o produto em que isto acontece mais, o consumidor usa o preço como indicador. Por um lado a pessoa quer pagar o mínimo possível pelo melhor vinho, mas por outro lado toda a gente usa o preço como indicador da qualidade do vinho. Sim, e
Susana Esteban
é muito complicado posicionar um vinho. E então eu, que sou uma produtora, o meu projeto pessoal tem 12 anos, e então é o tal histórico, a tal confiança. Eu acho que depois de 10 anos as pessoas já têm uma determinada confiança mas tem que haver algo, mais uma vez, acho que um feeling que me diz, olha, eu vou posicionar este vinho a este preço. Normalmente o que fazemos, muitas vezes, e é uma das coisas que eu acessoro, é ver o que se passa no mercado. Fazemos uma prova às cegas, vamos aprovar vinhos de 40 euros às cegas e vamos ver como está o nosso, se já ver que é o nosso. E vamos ver se fica lá em cima ou se fica cá embaixo. Isso é uma boa técnica para nós conseguirmos posicionar o nosso vinho. Mas depois também está o tal fator da marca, da confiança do consumidor. Ok, mas aqui o meu vinho ainda ninguém conhece. Às vezes quando conheço o produtor, por exemplo... É
José Maria Pimentel
que ele pode ser caro, desculpe, ele pode ser caro por ser melhor do que os outros, mas também pode ser caro simplesmente por ser diferente.
Susana Esteban
Sim, pois é uma coisa rara, pois é uma coisa rara e que cria qualquer tipo de curiosidade. Isto é uma coisa raríssima, uma produção muito pequena, ou muito difícil, ou que só aconteceu aquele ano, ou não sei o quê. Mas, normalmente, esses vinhos caros, porque têm uma consistência, e essa consistência é vendada pela tal qualidade, não é? Mas, a tal confiança, não é? Uma marca que já é conhecida, tu tens na prateleira duas marcas, uma que conheces e que sabes que compras aquela garrafa, custa-te 50 euros, mas aquela garrafa sabes que tal. E tens outra garrafa ao lado do mesmo preço que nunca viste falar. Qualquer pessoa opta por a que já conhece. A não ser que tu se és uma pessoa mesmo muito curiosa digas ok vou arriscar e às vezes arriscas e ganhas.
José Maria Pimentel
Isso que provavelmente estou a pensar esse trabalho é muito feito ou essa versão ao risco também vem dos próprios distribuidores que serão mais avesso a colocar como vinho caro um vinho recente, que não conhecem. E depois à medida que vais criando
Susana Esteban
novos... O procedimento no mercado é dado pelo produtor, não pelo distribuidor. Agora, há muitos fatores...
José Maria Pimentel
Não é uma coisa negociada, digamos assim. Não,
Susana Esteban
não. Tu decides o preço que queres pôr o teu vinho. Agora, isso que tu falaste tem um ponto muito interessante, não é? Uma das claves do sucesso de um produtor é ter uma boa distribuição, não é? Porque nós podemos ter o melhor vinho do mundo, que depois nós não conseguimos que chegue aos pontos de venda. E isso é tudo uma cadeia, não é? Primeiro, o distribuidor tem que ter confiança em ti, porque vai dar muito trabalho convencer o senhor da loja, que falava antes, ou o senhor do restaurante, que tem N.O. 100 no mercado, para que comece a comprar o teu vinho. E aí, ou é pela prestígio da marca, ou é pela prestígio do produtor, ou é pela prestígio do anólogo. Tem que haver algo que o chame. E muitas vezes, até são pessoas que começam do zero, mas lançam produtos muito interessantes, que vão recomendar a tal consumidor, que se gosta vai repetir. E que, para o ano, esse produtor tem que ter o cuidado de que o seu vinho seja igual qualidade ou maior. Porque se aquele cliente provou o vinho e gostou e a seguinte fica decepcionado, nunca mais vai comprar a sua marca. Pois é, isso é. E este é um jogo muito complicado. Muito complicado ou não? Muito para nós, e eu acho que isto é algo também muito desafiante na nossa profissão, que cada vendima começas de zero. Porque tudo o que construíste durante muitos anos podes estragar no seguinte tabandim.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. E o bom bim-dim não é garantia de que o seguinte será também. Sim, está
Susana Esteban
sempre aí. Quando lanças um vinho, então quanto mais prestígio tens no mercado, tens muito mais pressão e mais atentos vão estar ao teu lado.
José Maria Pimentel
E deve ser uma angústia, eu imagino que deve ser uma angústia grande até por causa do clima, todos os dias tu deves estar a pensar como é que isto vai, se está mais quente ou mais frio, se chove ou não chove, como é que isto vai influenciar?
Susana Esteban
Sim, A vida do agricultor é uma vida sempre complicada, não? Estamos sempre dependentes do clima. Porque o
José Maria Pimentel
clima, para quem vive em cidades, não é? É
Susana Esteban
uma coisa... É o que já te disse que tenho que... Exatamente! Que é o que vai haver fila no...
José Maria Pimentel
É suficientemente importante, mas não é tão importante.
Susana Esteban
Não, Na agricultura, obviamente, é determinante e às vezes é catastrófico e às vezes é difícil. À vez de uma vez no ano passado, com todas aquelas ondas de calor, foi muito complicado. Mas isso, mais uma vez, o que eu falava, tenho a sorte de trabalhar com vinhas velhas, quase não senti... Porque elas se autorregulam e
José Maria Pimentel
tal. E têm raízes mais profundas, né? Raizes mais
Susana Esteban
profundas, já passaram, em 100 anos, já passaram por muitas ondas de calor.
José Maria Pimentel
Qual tipo é que vive uma vinha?
Susana Esteban
Depende de como se é plantada a vinha. É que isto são todas... Há vinhas
José Maria Pimentel
que... Há vinhas que, a partir de certo ponto, já são revitalizadas.
Susana Esteban
Vinhas antenárias é raro. Tem que ser... A vinha consegue, sim, viver cento e tal anos, mas vão morrendo videiras que nós vamos replantando e não sei o que, e tem que estar uma vinha cuidada, não é? Mas depende de como se é plantada a vinha e tal, pode durar normalmente 30 a 40 anos. Interessante.
José Maria Pimentel
Uma pergunta em relação a qual eu acho que toda a gente está curioso. Há vinhos baratos bons, na tua opinião?
Susana Esteban
Sim, mas bons... Quer barato e quer bom.
José Maria Pimentel
Claro, exato, é preciso definir barato e bom. Há vinhos de 4€ bons. Sim,
Susana Esteban
para 4€. Não, claro, quando digo bons... Por exemplo,
José Maria Pimentel
eu não acho que haja vinhos de 2€ bons. Percebes o que quero dizer? Claro que isto é tudo subjetivo, mas eu nunca bebi nenhum vinho de 2 euros que fosse bom. Mas já bebi, na minha opinião, vários vinhos de 3, 4 euros bons.
Susana Esteban
É assim... Bom no sentido, sei lá, é agradável beber esse vinho à refeição. Bom para 4 euros, ou seja, claro, é que o bom depende do que conseguimos por bom. Mas é assim, eu já tenho bebido, tomo vinhos, a vezes vamos a Tascas ou algum sítio que nos oferece um vinho muito barato e tu dizes, ah este vinho até está bom, não é? Mas claro que nunca vai ser um grande vinho e nada que nos deixe assim... Mas sim, eu muitas vezes escolho nos restaurantes, vou ver o que se passa com esses vinhos, tenho curiosidade por isso e às vezes me surpreendo.
José Maria Pimentel
Se calhar, tornando a pergunta mais específica, claro que há vinhos de qualidade a esse preço, mas muitos deles são vinhos que não têm nada de extraordinário, são vinhos banais, do grande tirano. Mas é porque tu já encontraste vinhos realmente bons a esse nível?
Susana Esteban
Não, tipo este é o grande descobrimento do
José Maria Pimentel
século. É raro
Susana Esteban
porque hoje em dia há tantas pessoas que estão tão atentas a todo que tu tens um vinho que realmente se é muito bom, esse preço... Nunca teria aquele preço. Não mantém aquele preço. Rapidamente vai haver algum blogger ou alguma não sei o que que vai descobrir aquilo e aquilo. E
José Maria Pimentel
de vez em quando há uns vinhos que tu vês, e Eu não estou especialmente atento, deves ter uma melhor noção disso. Mas tu vê-los a subir a escadinha, digamos assim, ou seja...
Susana Esteban
Sim, há vinhos que começam no início... Se bem que quando tu possui um vinho a um determinado preço, depois é muito difícil subi-lo, porque habituas a pessoa a... Mas eu sou defensora desse tipo de vinhos. Acho que nós temos que ter bons vinhos a quatro anos. E hoje em dia, com a tecnologia que há, nós conseguimos fazer. E quando digo bons vinhos, digo vinhos indefeitos, vinhos que sejam agradáveis. Claro que não são grandes vinhos, mas são vinhos que são... Desgraçáveis.
José Maria Pimentel
E tu és a ver, ou tens uma má opinião, daquilo que muitas vezes pode ser tido como uma espécie de batota na produção dos vinhos. Por exemplo, te lembro uma vez de ter ido a uma adega, já foi há muitos anos, e o senhor estava a explicar que havia, acho que continua a haver, aquela preferência pelos vinhos amadeirados, pelo toque mais amadeirado e tens a maneira clássica de fazer isso, que é por o vinho em barricas de madeira, de carvalho e depois, eu não sabia, mas há uma maneira mais rápida de fazer isso, mas que é em certo sentido uma batota, espero que isto seja verdade, que eu tenha apanhado a coisa bem, que é mandar para dentro da Cuba uns pedaços de
Susana Esteban
madeira. Aparas, sim, aparas só a doela. E depois eles mexem aquilo e aquilo fica assim... É uma batota! Não é uma batota se a ti não te dissem que o vinho passou por barrica. Claro,
José Maria Pimentel
exato, mas do ponto de vista do sabor final, se der o mesmo sabor, do ponto de vista do consumidor, é igual.
Susana Esteban
Claro, essa é uma técnica que apareceu há alguns anos e que se utiliza muito em vinhos mais baratos. Por
José Maria Pimentel
isso é que eu estou a perguntar.
Susana Esteban
As barricas, além de serem muito caras, a própria barrica, o trabalho em barrica, não é o mesmo. Tu quando tens 10 mil litros em barricas de 225 litros, tens N recipientes de 225 litros. Este cuidado que eu te disse que tem que ter, o microbiológico, e estar continuamente a tomar conta do vinho, estás a multiplicar o teu trabalho, e tens muito mais peligros de contaminação e tudo isso. Multiplicas muito o trabalho e os custos. Agora, eu não acho que seja batota desde que não tentes enganar o consumidor. Se tu pões vinho estachado em barrica e não tem barrica e batota.
José Maria Pimentel
Aí estás a enganar.
Susana Esteban
Claro que tu não consegues igualar, porque se não... Claro, o resultado final de um vinho passado por barrica, de um vinho onde trouxestes estas madeiras na Cuba. Mas se consegues ter um resultado muito similar e consegues passar o preço 10 vezes, tu não dizes ok, então eu vou voltar. Claro, claro, é isso aí. É dizer ok, a Zara não te diz que, não é? Estou a fazer uma similitude para, ok, mas aqui eu tenho o mesmo casaco, duas vezes mais barato. Não é de seda, não é o quê, mas está a saber? Eu acho que desde que tu informes, não é batota e tu consigas… e eu não tenho… se uma pessoa não é especialista o suficiente para conseguir diferenciar o que passa por barrica do que não passa, mas te estão a dar o mesmo nível, digamos, de prazer, tu gostas daquele vinho, deves ver mais barato, eu não acho mal nenhum.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Pois é, exato. Uma ponta era esse.
Susana Esteban
Desde que não entendes enganar o consumidor, dizendo que este vinho passou por barrica e enganar também passa por não informar.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Sim, sim. Eu à bocado esqueci de me perguntar, mas houve muita gente a perguntar por uma nova tendência. O que é que eu já tinha apanhado de vinhos, ou vinhos chamados vinhos naturais, ou vinhos biológicos, vinhos de baixa intervenção. Na verdade não sei exatamente o que é que isto quer dizer.
Susana Esteban
Há muita confusão. Eu só dava para três horas, não, para três dias de debate. É assim, Há muita confusão em tudo isso, particularmente porque, por exemplo, vinho natural, ninguém sabe o que é vinho... Não há uma definição, não há uma legislação para vinho natural. Então, o que é vinho natural? Muitas vezes me perguntam, tu fazes vinhos naturais? Então, eu pergunto a eles, E o que é o vinho natural?
José Maria Pimentel
Eu presumo que tenha a ver com a adição
Susana Esteban
dos vítores. Sim, mas nem todos os vinhos naturais. Natural se associa um bocado à pouca intervenção. O que é que se passa? Que há muita confusão nisto. Não é como o vinho biológico. O biológico está legislado e tu sabes, para ter um vinho biológico, tens de ser biológico na vinha, na adega e depois tens um selo que te diz, tens de ter um... Está legislado, tens de ter um determinado número de parâmetros e tens de ser... E
José Maria Pimentel
há alguma vantagem no resultado final ou é apenas uma questão ética?
Susana Esteban
Em que? Nos vinhos naturais. Dos biológicos. Ah, no biológico. Eu acho que é mais uma questão ética. Não podia haver alguma vantagem? Não ser, não utilizar produtos, sobretudo na vinha, não utilizar produtos que sejam agressivos com o meio ambiente. Acho que isso é muito importante. E depois também é uma filosofia e acho que é algo que, desde o meu ponto de vista, faz sentido hoje em dia, principalmente, tudo o que tem a ver com herbicidas, que para mim é o ponto mais importante do biológico, de trabalhar sem utilização de herbicidas e tudo isso. Agora, nos vinhos naturais é um debate e algo que normalmente se associa a não utilização do sulfuroso, mas é algo que é muito perigoso, porque normalmente o sulfuroso de repente tornou-se o amigo público número um e eu acho que é toda uma questão de doce, como todo. Há pessoas que são alérgicas aos sulfitos e que também têm que ser informadas, igual que todas as etiquetas dizem, contém sulfitos.
José Maria Pimentel
Mas se tu não puseres, podes fazer um vinho que depois vai estragar.
Susana Esteban
Claro. O que é que se passa? Se nós não adicionamos sulfitos, corremos muito mais perigos em que a qualidade do vinho não seja a que nós queremos. E então eu acho que é uma questão do consumidor escolher, ok? E eu prefiro não haver sulfitos, mas não me importa que o vinho tenha determinados efeitos. Se bem que há vinhos naturais, há muitos vinhos naturais que não têm defeitos.
José Maria Pimentel
Então é mais risco que tem,
Susana Esteban
não é? É muito. E há muitos vinhos naturais que atendem feitos, precisamente porque é muito difícil, mas também há vinhos naturais que atendem sulfuros. Ou seja, é que é tão confuso.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Sim, não vale a pena dizer exageradamente por
Susana Esteban
isso. Sim, é muito complicado e é um tema... Olha,
José Maria Pimentel
última pergunta antes de deixar ir. Talvez a pergunta que me fizeram mais, e que tem a ver com as provas de vinhos. Para quem vê de fora é sempre uma coisa meio mítica, porque há a ideia de que, obviamente toda a gente tem a ideia de que há vinhos melhores e piores, mas por outro lado como é uma matéria muito subjetiva, as avaliações que vêm das provas de vinhos, sobretudo das provas de cegas, são sempre muito contestadas. Até porque toda a gente sabe que, qualquer pessoa que bebe vinho, sabe que é o mesmo vinho bebido. Basta beber-lo em alturas diferentes. Bebido com mais ou menos tempo, no copo, ou seja, ao ar livre, antes de tu beberes, pode criar sensações muito diferentes. Como é que tu convives com isto? Ou seja, que valor é que tu colocas nas avaliações que são feitas dos vinhos desta maneira?
Susana Esteban
É assim, varia muito. E eu própria fui a juri muitas vezes de concurso e acabo a dizer que muitas vezes provamos as tegas vinhos para apreciar os nossos. E eu acho que se o vinho tem uma determinada qualidade, se o vinho destaca, por dizer assim, tanto faz que o vinho antes ou depois, o vinho vai destacar. Se o vinho tem algo extraordinário, que faz extraordinário...
José Maria Pimentel
Percebes logo. Vamos perceber.
Susana Esteban
Claro que depois há aqueles pequenos matices que tu aí... É uma questão de sorte, não é? Se o teu vinho está posicionado mais ou menos num patamar igual aos outros e fica de primeiro por determinados matices, é uma questão de sorte. Acho que depende todo de um bocado... E
José Maria Pimentel
depois também depende da temperatura que está o vinho, por exemplo, também influencia muito...
Susana Esteban
Sim, depende de imensos fatores, mas uma coisa é clara, se eu tenho um vinho de qualidade, às cegas esse vinho vai destacar. Se esse vinho tem uma qualidade superior, o resto dos vinhos que vão estar assim, não é por ter servido antes ou depois que o vinho não vai ficar cá em cima.
José Maria Pimentel
E depois também depende de quem prove, não é? Eu imagino que...
Susana Esteban
Sim, depende do gosto. Não, e até
José Maria Pimentel
de... Há pessoas que têm um paladar mais... Mais afinado. Mais afinado do que outras, e com maior precisão.
Susana Esteban
Porque é assim, depois também entramos nas provas cegas e também entramos nos grandes gurus de vinhos, os opinion makers e todos, que é a opinião de uma pessoa. E essa única pessoa tem influência mundial. E ao final, é uma pessoa que nós temos que ter respeito porque... A
José Maria Pimentel
ver, o Robert Parker, não é?
Susana Esteban
Faz isto durante muitos anos e tal, mas é o gosto daquela pessoa, não é? Que eu não quero dizer que pode ser contrário ao meu gosto. E acho que aí é um bocado mais a informação de que nós temos que dizer o melhor vinho do mundo, o melhor vinho do mundo que ser considerado por esta revista e por esta pessoa. Sim,
José Maria Pimentel
sim, sim. E provavelmente até certo ponto deves conseguir ter alguma objetividade. No fundo é fácil perceber um vinho que é mau, mas a partir dali já é muito mais subjetivo.
Susana Esteban
Claro, nós acho que hoje em dia é isso, a não ser que seja uma coisa muito especial, há uma qualidade, uma qualidade em meio a dois vinhos. Depende um bocado do gosto pessoal. Às vezes há vinhos que são muito conceituados, que levam a grandes potencias, que eu não gosto, porque eu não gosto particularmente
José Maria Pimentel
desse vinho. E ao contrário. Também há modas. Claro, e há modas. Boa. Susana, excelente conversa. Obrigada. Obrigado. Sei que tens um, não é um livro para recomendar, mas é um autor, não é?
Susana Esteban
Ah, sim. Em termos de livros, é assim. Uma pessoa que eu sigo desde os meus tempos de estudante e que eu recomendo imenso é a Janice Robinson, que é a crítica de Master of Wine e a crítica de vinhos da Financial Times e que tem escrito livros maravilhosos, muito didácticos, muito informativos e até uma coisa que eu gosto imenso da Jancis Robinson é que ela consegue descrever o vinho, que isto é um dom, não é? Porque tu lês uma crítica de um vinho da Jancis Robinson e consigas imaginar aquele vinho, não é? Porque, por exemplo, muitas vezes me dizem descreva-me o teu vinho. Eu gosto do vinho, mas depois transmitir isso é uma coisa diferente. É uma coisa diferente. Tem que ser unido. O dom dela de saber provar, de ter toda a experiência que ela tem em provar e depois conseguir transmitir aquilo. Eu sou das pessoas que conheço, que tenho seguido a nível global, que conseguem descrever de tal maneira o vinho que tu estás a imaginar, a saborear, e esse vinho acho que vale realmente a pena e tem livros desde para principiantes, curiosidades sobre vinho, está verdadeira essa enciclopédia.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é engraçado. Eu já apanhei uns artigos dela.
Susana Esteban
Sim, sim, sim. É engraçado.
José Maria Pimentel
Ok, excelente, recomendação. Obrigado, Suzana. Obrigada. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade. Obrigado por assistir!