#141 Carlos Guimarães Pinto - 4 princípios liberais, impostos, educação, descentralização...
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José Maria Pimentel
O convidado deste episódio é um dos nomes que vocês mais me têm sugerido
para trazer ao podcast.
Aê -lo então, a pedido de muitos, Carlos Guimarães Pinto.
Na verdade, eu não sei bem porque é que o nome do Carlos me
tem sido tantas vezes proposto.
Provavelmente porque há uma certa simpatia liberal entre muitos dos meus ouvintes.
E provavelmente também, a risco, porque o Carlos, sendo um liberal bastante ortodoxo, como
vão ver, é um tipo sem peneiras e intelectualmente honesto, o que lhe tem
valido ao longo dos anos admiradores mesmo fora da sua área política.
O convidado tornou -se conhecido sobretudo enquanto presidente do Iniciativa Liberal, caro que deixou
por iniciativa própria, em 2019, logo depois de o partido ter conseguido eleger o
primeiro deputado. Um ato tão sem precedentes na política portuguesa que deixou muitos comentadores
completamente desorientados, de repente, sem poderem recorrer às respostas tipo pronta -vestir do guião
tradicional da análise política em Portugal.
O que levou muitos, em desespero, a diagnosticar, muito convictamente, uma luta fraticida dentro
do partido. Ora, isso não se verificou e o Carlos acabou, aliás, por regressar,
concorrendo nas eleições do partido, nas últimas eleições legislativas, tendo conseguido ser eleito deputado.
Para além da atividade política, o convidado trabalhou como consultor de estratégia em vários
países, é professor universitário e doutorou -se em 2020 em economia pela Faculdade de
Economia do Porto. Em 2021, fundou o think tank Mais Liberdade, o maior think
tank português em número de membros, dizem eles, e eu acredito.
Comecei por pedir ao Carlos para explicar os princípios do liberalismo tal como ele
os entende, princípios esses com que eu, como sabem, concordo em grande medida.
Já tenho mais reservas, no entanto, e discutimos também isso, em relação à colagem
de muitos liberais, e do Iniciativa Liberal em particular, a figuras como Friedrich Hayek,
que escreveu livros muito relevantes como A Constituição da Liberdade, mas que tinha uma
postura em relação à democracia demasiado ambivalente para o meu gosto.
De seguida, discutimos, longamente, as três principais medidas que o Carlos propõe para desbloquear
Portugal. São elas baixar a carga fiscal, aumentar a concorrência e descentralizar.
São medidas que passam, portanto, essencialmente, pelo menos duas delas, por aumentar a liberdade
económica no país. Mas é interessante, porque a verdade é que, no contexto mais
geral do mundo ocidental, o sistema capitalista tem sido cada vez mais criticado nos
últimos anos perante factos como o aumento das desigualdades nas últimas décadas, a captura
dos Estados em muitos países por interesses privados e uma, segundo alguns críticos, ênfase
exagerada no individualismo. Que, aliás, já discuti aqui no podcast com o João Fé
Rodrigues. Ainda recentemente, Martin Wolf, comentador principal da Economia do Financial Times e um
suspeito de ser um anticapitalista, lançou o livro The Crisis of Democratic Capitalism, em
que dá voz a várias destas críticas.
Perguntei por isso ao Carlos a opinião dele sobre esta discussão e como é
que podemos compatibilizar estas limitações do funcionamento do capitalismo a nível global, se é
que o são, com a necessidade de medidas liberais na economia em Portugal.
No final, confrontei o convidado com uma inquietação que há muito tempo me incomoda.
Se os liberais defendem tanto a importância da igualdade de oportunidades entre as pessoas,
de modo a que possa funcionar o chamado elevador social, porquê é que a
maioria não defende medidas para mitigar as óbvias desigualdades de ponto de partida que
existem num país como Portugal?
Especificamente, perguntei ao Carlos o que é que ele acharia sobre um imposto maior
sobre as heranças. E quase consegui por um liberal clássico, ainda por cima convéio
libertária, a defender mais impostos.
Quase. Já vão ver.
Mas está indo esperar pelo final do episódio.
E agora deixo -vos com Carlos Guimarães Pinto.
Espero que gostem. Carlos Guimarães Pinto, bem -vindo ao 45 Graus.
Olá, José Maria. Muito obrigado pelo convite.
Finalmente. Dirão alguns ouvintes.
José Maria Pimentel
como sabes. Não, mas por acaso és dos nomes mais sugeridos.
Ah, sim? Sim, sim.
Está alguma coisa a ver com também o tipo de público?
Sim, claro. Acho que as pessoas não sugerem para querer ver a pessoa espalhar
-se, mas... Eu não sigo um método muito formulaico para decidir quem convido e
quem não convido. Às vezes é assim um bocado por instinto, às vezes há
pessoas que eu ponho na lista e depois passa -se um ano até eu
repuscar por algum motivo, até ver que eu tenho alguma coisa.
E no teu caso eu fui...
Eu diria... Talvez não no início, porque se calhar quando eu ouço o podcast
ainda não eras uma pessoa enfim presente no espaço público, mas pouco depois eu
pensei em convidar -te e depois inicialmente eu estava...
Bem, agora também tens funções políticas, não é?
Mas tinhas funções de liderança no IELE, portanto na altura eu não quis e
tal, por fim e diante.
E depois também pensei sempre, mas acho que não vai acontecer, que íamos concordar
demais, mas acho que não vai acontecer.
Acho que não. Acho que não.
Acho que posso prometer já que não vai acontecer.
José Maria Pimentel
Eu como criei o podcast um bocado para discordar ou para aprender, não é?
Vou sempre com esse lado do contrarian, não é?
À procura de pessoas que discordem de mim, não é?
Mas há um caminho intermédio, não é?
Que é o caminho de discordar -se em algumas coisas e não concordar -se
noutras. Mas enfim, avancemos.
Eu acho que o caminho natural para nós começarmos a falar é pela tua
visão política, não Porque no fundo é aquilo que está na base do teu
papel público atual. A tua visão política é liberal, liberal clássico, suponho que aí
não haja grandes dúvidas.
Mas de onde é que ela vem?
Onde é que tu acedimentas?
Que fundações é que tu identificas, seja de valores, mas sobretudo de autores, de
momentos, de experiências que tiveste na vida?
Eu fui construindo esta visão liberal.
Carlos Guimarães Pinto
Há quem diga que o liberalismo é mais uma prática do que uma teoria
estrita, política, que há pessoas que são liberais e têm ideologias ou componentes ideológicas
diferentes. Eu acho que o liberalismo tem quatro componentes, sendo que três delas são
aquelas que costumamos falar mais na vida política, que é o liberalismo económico, o
liberalismo cultural e o liberalismo político.
Eu acho que há uma quarta componente, que é o liberalismo epistémico, que falámos
há pouco, que tem a ver com a livre circulação de ideias e que
ninguém se acha o dono da E não tem a certeza, não é?
Tem mais a ver com uma certa atitude e um bocadinho menos a ver
com aquilo que é a ação política em torno do liberalismo, embora eu acho
que o liberalismo epistémico se vá tornar um pouco mais importante até no que
toca a ação política, porque estamos cada vez mais a viver em sociedades que
são intolerantes a outro tipo de opiniões e cada vez mais se aceita que
haja grupos de pessoas que sejam guardiões da verdade e isso pode vir a
chegar à ação política em si, mas a verdade é que este quarto pilar
do liberalismo normalmente é pouco falado.
Quando nós falamos em liberalismo em toda a linha, falamos sempre no económico, no
político e no cultural.
O económico, estamos a falar da quantidade de recursos que o Estado vai buscar
à economia sobre a forma de impostos, mas também sobre a forma de tempo,
que é a burocracia, que são recursos que o Estado vai buscar às pessoas,
que é o tempo através das burocracias para servir esse mesmo Estado e depois
a forma como aplica esses recursos que vai buscar à sociedade, qual é o
modelo de prestação de serviços públicos que o Estado tem, se é um modelo
mais estatizado, se é um modelo mais assente na iniciativa privada, porque há vários
modelos, nós podemos prestar cuidados de saúde com um modelo completamente estatizado, como com
um modelo, como no centro da Europa, que é completamente disperso, em que o
Estado apenas financia e depois os prestadores são outros.
O liberalismo económico é este pilar, em grandes palavras, será mais ou menos isto.
Depois, estamos a falar no liberalismo político, que passa pela defesa da democracia liberal,
ou seja, um regime em que existe, por um lado, uma escolha das lideranças
através de eleições, mas onde também existe a separação de poderes, checks and balances
e uma limitação constitucional àquilo que as próprias decisões democráticas podem fazer por maioria
simples, a democracia liberal também tem esse tipo de coisa.
Aliás, há uns tempos, houve um comentador conhecido, foi Francisco Louçã, que chamou a
isto, as democracias liberais querem, no fundo, condicionar a democracia, limitar a democracia, é
isso que as constituições fazem, é garantir que há ali um conjunto de princípios
que mesmo com uma maioria simples, uma maioria simples amanhã não pode decidir expulsar
os ciganos do país, quer dizer, é uma limitação à democracia e o que
é que a democracia liberal se aceita é que há um conjunto de princípios.
A democracia liberal é um bocadinho isso, depois passa o liberalismo cultural, que às
vezes, conta -me errado, mas as pessoas entendem melhor, diz -se muitas vezes que
é o liberalismo dos costumes, mas eu gosto mais de chamar de liberalismo cultural,
que passa pelas liberdades negativas, ou seja, que cada um possa fazer qualquer coisa,
mesmo que os outros não gostem, desde que não prejudique terceiros, estamos aqui a
falar em termos políticos da questão das drogas, da questão dos direitos das pessoas
LGBT e de outro tipo de liberdades, mas também estamos aqui a falar da
garantia de acesso à mobilidade social, de garantia de educação e saúde, um patamar
ao qual todos possamos ter que nos deem ferramentas para nos construirmos enquanto pessoa.
E eu gosto de definir muito o liberalismo nestes três eixos, acho que cada
vez mais vai ser importante incluir o liberalismo epistémico também nos eixos principais do
liberalismo, porque começa a ser algo importante que eu acho que, por si só,
merece uma categoria por si, há quem goste de colocar o liberalismo epistémico dentro
do liberalismo cultural, eu prefiro que seja uma categoria por si, porque a livre
troca de ideias alimenta aos outros todos, não é?
O próprio liberalismo econômico, o mercado livre, não funciona tão bem se não houver
uma livre troca de ideias a cientistas, empresárias, e possam expor as suas ideias,
Carlos Guimarães Pinto
É isso, é alguma humildade intelectual que acho que hoje às vezes não existe,
admitir a possibilidade de estar errado, e admitir a possibilidade de estar errado é
importante para o liberalismo epistémico, mas também é importante para o liberalismo político, porque
alguém que não admita sequer a possibilidade de estar errado, se perseguir uma utopia,
se o fim for de tal maneira importante, se for de tal maneira benévole,
se ele colocar na sua cabeça que ele está completamente certo, só pode estar
certo, o seu objetivo final é de tal maneira virtuoso, que todos os meios
servem para atingir esse fim.
E é aí que entramos nas autocracias mais perigosas.
Eu acho que nenhum comunista anda aí a matar por gostar de matar, acho,
haverá psicopatas certamente, mas porque na sua cabeça acham que o seu fim é
de tal maneira virtuoso e que estão de tal maneira certos que todos os
meios justificam isso. E ter alguma humildade intelectual de assumir que podemos estar errados
nas nossas posições ajuda -nos pelo menos a ter um conjunto de regras sobre
os meios para lá chegarmos, porque se no final concluirmos todos que os nossos
fins estavam errados, e eu hoje admito que eu um dia possa vir a
provar estar errado, nós vamos ser julgados por quê?
Pelos meios que seguimos, somente.
Até porque ninguém nesta casa, nós estamos na Assembleia da República, não disseste isso,
mas estamos na Assembleia da República, ninguém nesta casa vai atingir os seus fins,
absolutamente ninguém, porque vai haver sempre eleições, equilíbrios, coisas que voltam atrás, lá à
frente, pronto. Daqui a 20 anos acho que vamos ser todos julgados pelos meios
que usamos para atingir os nossos fins, mais do que os fins que atingimos.
E o liberalismo político vai muito nessa forma, que é limitar os meios que
cada grupo de pessoas, com diferentes ideologias, com diferentes objetivos, pode usar para atingir
os seus fins políticos.
Carlos Guimarães Pinto
Eu, a certa altura, escrevi uma breve biografia política, que como qualquer pessoa, como
qualquer jovem, ou grande parte dos adolescentes que não tem muito dinheiro e não
percebe muito de economia ou como é que ele se gera, eu era uma
espécie de anarquista, ali com 14, 15 anos, era uma espécie de anarquista de
esquerda. Já há muita gente com essa idade que está nessa fase.
Tanto é que eu entrei na área de econômica ou de social no décimo
ano, a pensar que ia para essa área para criar um sistema alternativo àquilo
que é o capitalismo.
Pouco ambicioso. Exatamente. E depois aprendi economia e este instinto libertário de esquerda que
eu tinha nessa adolescência, tornou -se, quando juntei a isso, o liberalismo económico.
Ainda hoje, acho que há muitas pessoas que são libertárias de esquerda, que se
aprendessem a aprender economia, tornavam -se liberais.
Acho mesmo que existem imensas pessoas que têm os instintos certos, não sei o
que, só que não percebem necessariamente o suficiente sobre as dinâmicas económicas e para
mim isso foi muito importante, quando aprendi um bocadinho mais sobre o liberalismo clássico,
quando no curso de economia se aprende um bocadinho sobre as bases da economia,
depois aprendi um bocadinho sobre a escola austríaca, que também foi uma influência interessante,
a escola de Chicago também acabou por ser importante para mim, a democracia na
América, também no sentido do liberalismo político, estive ali.
Algumas leituras nessa fase.
O Economics in One Lesson, que é algo que eu ainda hoje sugiro a
muitas pessoas, são autores que não estando, acho que nenhum deles está completamente certo,
quem sou eu para dizer em que é que eles estão errados, mas acho
que ser capaz de ir buscar o melhor que cada um tem ajuda -nos
a formar -nos enquanto liberais e ajudou -me a mim, certamente, a formar -me
enquanto liberal, ser capaz de ir buscar coisas que concordo, coisas que não concordo,
mas que entendo o contexto histórico em que essas coisas foram escritas e coisas
que eu não concordo e acho que o contexto histórico não justifica a forma
como foram escritas. Mas depois há autores que são geniais em várias coisas, até
pelo contexto histórico, por exemplo, John Locke.
Criticaram muito John Locke por ter defendido coisas que hoje seriam indefensáveis, mas ao
mesmo tempo ele escreveu coisas que hoje são facilmente defensáveis e que na altura
eram muito complicadas. Todas as questões em torno da tolerância religiosa, que na altura
em que ele escreveu foi bastante complicado, hoje são consensuais, mas na altura...
Essa é a dificuldade em olhar para esse tipo de trabalhos, não é?
Carlos Guimarães Pinto
E há coisas que até seriam óbvias ou pelo menos aceitáveis naquela altura e
que hoje não são, mas que nós avaliamos à luz daquilo que é o
presente. Por exemplo, está aí este autor que te gostas tanto, há 400 anos
tinha um escravo. Sim, é verdade, isso não é algo aceitável.
Se fomos por aí, não é?
Claro, se fomos por aí, qualquer um, não é?
Portanto, para mim foi importante fazer isso.
Acho que o próprio debate de ideias, eu comecei a debater política na blogosfera,
numa altura em que sequer estávamos por lá.
Numa altura em que na blogosfera havia um debate muito aberto de ideias porque
não estava tão politizado, as pessoas não iam lá para convencer as outras pessoas
ou não era uma ferramenta para influenciar.
E cultivava -se uma certa diversidade, não é?
É isso, é isso.
Havia esse instinto e discutia -se com toda a gente e eu disse coisas
erradíssimas, que hoje olho para trás e penso, que coisa idiota que eu disse
naquela altura. Mas ter dito essa coisa idiota, ter aparecido alguém a contrariar essa
coisa idiota, foi essencial para formar o meu pensamento.
Porque fui descobrindo, nesse percurso, quais eram os pontos fracos do meu pensamento político.
E, em alguns casos, mudei.
Em outros casos, encontrei um argumento que efetivamente tapava esse conjunto de pontos fracos.
E isso foi importante.
Hoje é muito diferente.
Hoje as redes sociais já não servem necessariamente para isso porque o contraditório é
mais por insulto do que por coisa qualquer.
Carlos Guimarães Pinto
Certo, certo. E nos debates fechados, que é onde se consegue ter ainda um
contraditório mais ou menos aberto.
Infelizmente, a partir da altura em que a internet ou as redes sociais se
tornaram em ferramentas de influência dos outros, ter razão é muito mais importante do
que tentar atingir a verdade ou tentar chegar a algo que seja mais próximo
da verdade. Que era aquilo que nós, na blogosfera, quando tínhamos 50 ou 60
visitantes, tentámos fazer. Então, exprimimos uma ideia.
Descobrimos que a ideia era estúpida passado uma semana.
Certamente não a admitíamos no dia, mas passadas duas semanas, se calhar, já a
admitíamos e crescíamos com isso.
Isso ajudou -me a crescer.
Tive muitas pessoas que me recomendaram leituras que foram importantes para mim também e
tudo isso me ajudou a formar -me ideologicamente.
José Maria Pimentel
Sim, e tu falaste há bocadinho da importância que teve a economia e eu
tenho sempre algum cuidado com isto porque eu partilho dessa impressão.
Ou seja, que tu estudares economia te dá uma noção não só da paisagem,
do que é possível, como das medidas que tenderão a resultar mais e das
medidas que tenderão a resultar menos.
Tu estás cá uma literacia económica que ajuda e acho que é difícil alguém
que tenha estudado economia rejeitar coisas como a concorrência, por exemplo.
Mas também não quero levar isto demasiado ao extremo porque senão parece uma coisa
paternalista e sobretudo parece que...
Quer dizer, há vários economistas de esquerda neste sentido, mas claramente acho que ajuda.
Mas tu falaste aí, por exemplo, da escola austríaca que já não é economia
mainstream. Aí já não tem a ver com aquilo que tu aprendeste no curso,
digamos assim, mas já com incursões até libertárias na escola austríaca.
Acho que tem ideias interessantes, mas são muito libertárias.
Carlos Guimarães Pinto
Quando nós olhamos para os mercados como mecanismos de descoberta, acima de tudo, eu
acho que a escola austríaca teve um efeito fantástico a desmistificar porquê que os
planos não funcionam. Porquê que os planos estatais há 10 anos, há 5 anos,
os planos quinquenais, não funcionam.
Eu acho que ninguém conseguiu desmontar isso tão bem como os autores da escola
austríaca, precisamente por o conhecimento estar disperso.
Porque nenhum ser humano, nenhum grupo de seres humanos, por muito inteligentes que sejam,
conseguem concentrar o mesmo tipo de conhecimento que está disperso por milhões de pessoas.
Simplificando muito a teoria, obviamente é mais complexa do que isto.
E esse contributo é fantástico.
Acho que esse contributo da escola austríaca é muito bom.
As outras escolas tiveram outro tipo de contributo.
Mas, independentemente, não concordamos com muitas outras coisas que alguns autores da escola austríaca
dizem. E há muitas coisas com as quais eu não concordo.
Especificamente, acho que o foco excessivamente económico do liberalismo da escola austríaca é algo
com o qual eu não concordo.
Mas que vai -se buscar algo que é muito valioso para alguém pensar o
José Maria Pimentel
liberalismo. É engraçado tu dizeres isso porque eu acho que...
Eu não tenho a certeza que ele lhe chama assim, mas essa ideia da
difusão do conhecimento e do liberalismo epistémico, acho que é das ideias mais fortes
do Hayek. Já acho menos fortes e até duvidosas outras ideias dele.
E lembro -me de Salve -O -Erro, quando...
Isto foi, de certeza, quando ele elegeu o primeiro deputado.
O Jogos de Figueiredo entrou -se na Assembleia a assinar com...
Já não sei se era o Caminho da Servidão ou a Constituição da Liberdade.
E, enfim, eu entendo.
E lá há coisas do Hayek que aprecio.
Mas há outras coisas que ele tem que sobreviveram muito mal o teste do
tempo. Desde logo. Para não ir mais longe.
Na Casa da Democracia, uma visão muito, no mínimo, ambivalente em relação à democracia.
Porque ele era muito perentório nesse aspecto.
Eu não diria que ele era antidemocrata.
Mas era, pelo menos, a democrata, no sentido em que a democracia era algo
que, a longo prazo, idealmente, teríamos, mas não era o essencial.
Até porque podia... Ele tinha noção, e isso é um dos desafios do liberalismo
económico, que existe alguma tensão entre as duas, não é?
Portanto, ele preferia um liberalismo, o que ele chamava de liberalismo não -democrático, como
aconteceu no Chile, por exemplo, e como aconteceu até certo ponto em...
Ou, por outro, não aconteceu, mas ele estava convencido que estava a acontecer em
Portugal. Por exemplo, até há uma carta célebre dele, escrito ao Salazar, ou sobre
Salazar, já não sei muito bem.
Portanto, essa amivalência foi uma coisa que não sobreviveu muito bem.
Eu, por acaso, confesso que, lá está, apreciando esse outro lado dele, como liberal
não achei muita graça ver aquilo usado como uma espécie de bíblia, não é?
Carlos Guimarães Pinto
A questão é, nenhum autor tem a verdade completa.
Isto faz parte da humildade intelectual que temos que ter.
É por isso que eu não gosto muito de quem diz eu sou seguidor
deste autor. Não, pá, cada um tem as suas coisas boas, tem os seus
contributos. Até porque não nos podemos esquecer, por muitos geniais, que todas as pessoas
sem eram seres humanos.
Sim, sim, é uma pessoa só, claro.
Portanto, eram pessoas que não podiam saber sobre tudo, pensar sobre tudo, e têm
o seu contexto histórico.
Carlos Guimarães Pinto
Mas mesmo essa visão, às vezes um pouco mal contada, mas efetivamente tinha uma
visão, que eu não concordo, mas que via a democracia, ainda assim, como o
melhor de todos os sistemas.
Ele, na altura, quando descreveu a Constitutional Liberty, foi no sentido de fazer uma
coisa que hoje existe em todos os países desenvolvidos, que é uma Constituição que
limite até onde é que a democracia pode ir.
Por exemplo, uma democracia, tecnicamente, não pode limitar os direitos de propriedade.
Nós não podemos, por maioria, 51 % das pessoas, dizer a partir de agora,
a propriedade dos outros 49 % é 19.
E era um bocadinho nessa direção que ele ia.
Depois houve, quanto a mim, alguns exageros retóricos, é verdade, aos quais eu não
seguiria, mas, mais uma vez, estamos a falar de autores que cada um tem
muitos contributos positivos e que, juntando esses contributos positivos, se constrói um pensamento, um
José Maria Pimentel
pensamento estável. E como é que tu, há um aspecto engraçado no teu percurso,
e engraçado isto é, que eu acho que vale a pena explorar, que é
o facto de tu teres vivido no Dubai durante uma série de anos.
É verdade. Eu tenho amigos que vivem lá também, e aliás, eu próprio já
lá estive, e lembro -me de estar lá e ter exatamente um pensamento muito
relacionado com esta questão que nós falámos agora, que o Dubai é um país
com bastante liberdade económica, obviamente, para uma parte da população, que são basicamente os
nativos e os ocidentais, digamos assim, apesar de ter essa liberdade económica, é uma
ditadura, não é? E é uma ditadura bastante, em alguns pontos, bastante rígida.
E, portanto, há aqui uma espécie de contradição, porque de facto existe liberdade económica,
de facto existe prosperidade, quer dizer, de facto é um país com uma economia
muito mais dinâmica do que a portuguesa, por exemplo, quer dizer, e acho que
Portugal podia aprender com várias coisas, quer dizer, não tenho problemas nenhumes em dizer
isso, mas para quem passa por essa experiência deve ser, enfim, eu imagino que
provoca alguma, até, luta interior, não é?
Alguma dificuldade em reconciliar essas posições, não é?
Carlos Guimarães Pinto
Provoca. Quando fui para o Dubai, como para qualquer pessoa que tenha as minhas
origens sociais, a possibilidade de ganhar imenso dinheiro sem pagar impostos, a liberdade económica,
para além de tudo, não é só a questão fiscal, é que é uma
cidade, efetivamente, vibrante, em que pessoas vão para lá sonhar e abrem empresas, e
de repente têm uma vida que nunca sonhavam ter, porque existe liberdade económica, agora
tem mais alguma burocracia, mas efetivamente é um país onde se pode sonhar, em
que o liberalismo económico dá a possibilidade às pessoas de sonhar.
Eu acho mesmo que só quem nasce no privilégio de não ter que se
preocupar com dinheiro, é que consegue ignorar a importância transformadora de ir para uma
sociedade para a sua própria vida.
Na altura, às vezes, esta história, quando fui para lá, apesar de tudo já
trabalhava aqui há uns meses em Portugal, mas tive que pedir o meu único
empréstimo na minha vida, que pedi, foi para pagar as rendas dos primeiros meses
quando fui para o Dubai.
E passado poucos anos voltei com dinheiro para comprar a minha casa sem pedir
o empréstimo, e se tudo correr bem na minha vida, não sei, pode não
correr. Aquele empréstimo que eu fiz à bancária terá sido o único da minha
vida, espero não voltar a precisar desse tipo de endividamento, e foi bastante libertador.
Mas eu tinha um escape, porque depois havia uma questão, um problema de falta
de democracia, obviamente, de liberalismo político, e eu tinha um escape, que é, eu
já na altura escrevia em blogs, podia discutir política, esse escape, a minha vontade
de discutir política, eu fazia em relação à política portuguesa, não podia fazê -lo,
não fazia em relação à política do Dubai, não falava sobre isso lá, obviamente,
mas tinha esse escape.
Mas esse período, a certa altura, eu fui percebendo o quão mau é sentir
-se preso a esse ponto, sentir -se que não se pode dizer esse tipo
de coisas. Isso coincidiu também com um certo crescimento daquilo que foram forças políticas
com alguns cariz autoritários já nos países desenvolvidos.
Isso também despertou em mim a importância de olhar também para as liberdades políticas,
para o liberalismo político, porque é muito fácil para nós, estando em sociedades que
são democracias há algum tempo, que aceitamos que são consolidadas e nem sequer ponderamos
a possibilidade de termos outra coisa que não seja uma democracia, dar isso por
adquirido e não lhe dar a importância.
Essa experiência foi importante para mim também nesse sentido de pensar, não nos podemos
esquecer daquela parte, não nos podemos esquecer do liberalismo político, de garantir que as
instituições funcionam, que há checks and balances, para mim isso foi bastante importante, também
neste desenvolvimento que eu tive e na liberdade cultural que é outra coisa que
falha no Dubai também, que se calhar até para quem vai lá acaba por
sentir um pouco mais isso, embora os ocidentais não sintam tanto isso, porque nas
zonas ocidentais essa liberdade sendo ilegal é tolerável.
Mas despertou -me um bocadinho e eu lembrava -me de voltar para a Europa
e sentir coisas que já não sentia há algum tempo, coisas como posso comprar
álcool num supermercado qualquer.
Esta noção para nós é onde há de adquirido e lá eu sei que
só tenho três lojas onde posso ir e tenho que mostrar um cartão e
tenho uma licença que na altura ainda dizia licença de alcoólico para comprar álcool,
dizia alcoholic license hoje já se chama licença de álcool, mas na altura nós
tínhamos uma licença de alcoólico para podermos comprar álcool.
José Maria Pimentel
Eu imagino que tenha dado, se calhar é o ponto mais importante, eu estava
a enfatizar este ponto que acho que é interessante analisá -lo, mas a experiência
sobretudo de ter -te ensinado até o ponto contrário que é uma democracia que
não consiga pôr comida na mesa das pessoas não é sustentável, ou seja, quando
eu digo pôr comida na mesa se quisermos uma economia que não cresça, que
não dê prosperidade às pessoas e sobretudo a noção do loco de controle que
consegue gerir a sua vida e subir e tem essa possibilidade, porque para a
maioria das pessoas e eu acho que apesar de tudo incluir nesse leque de
pessoas que pensam a democracia e têm uma espécie de relação emocional com a
democracia, parece que aquilo é suficiente mas não é, para a maioria das pessoas,
para o cidadão comum as pessoas podem ser democratas e podem gostar, obviamente toda
a gente prefere viver numa democracia do que num país que não seja uma
democracia, mas querem sobretudo bens materiais Estou sobretudo preocupado com isso Este ponto é
importante, o cidadão médio está primeiramente preocupado com bens materiais e depois preocupado com
Carlos Guimarães Pinto
possível, exatamente e é por isso que é importante pensarmos nas liberdades no seu
conjunto Mesmo, obviamente, defender a democracia defender a democracia liberal, acho que é fundamental
defendermos isso, mas para além disso precisamos de outras liberdades para que as pessoas
possam ter algum tipo de bem -estar e isso é importantíssimo Muitas vezes quando
se fala na importância do liberalismo económico dizem, mas estás a desvalorizar, não, os
três pilares são extraordinariamente importantes, também não queres viver numa democracia em que toda
a gente é xenófoba e as minorias são maltratadas, portanto está o liberalismo cultural
também tem que estar lá e é importante Ninguém quer viver numa democracia em
que toda a gente seja miserável e haja uma xenofobia institucionalizada isso também não
é algo que se queira Portanto, os três pilares são importantes, para uma pessoa
se sentir livre, os três pilares são importantes Se há níveis diferentes em cada
um ou preferências de cada um, por exemplo, alguém que saia de Portugal onde
o principal pilar que está a falhar é o liberalismo económico e de repente
vai para um país onde existe imenso e tem oportunidades de vida que nunca
teve se calhar dá uma importância a isso, mas ao fim de algum tempo
como aconteceu comigo, começa a sentir falta das outras coisas e a sentir falta
de voltar para a Europa.
Carlos Guimarães Pinto
de ser importantes Também, mas não foi só isso, que é ter a experiência
dessas liberdades faltarem que é algo que nós aqui já damos por adquirido e
não sentimos essa falta, portanto já não valorizamos Portanto, quando se tem a experiência
de estar em países em que isso não acontece, e isso não foi só
o Dubai, porque quando estava no Dubai, trabalhei em mais de 20 países ali
à volta, onde passava à semana, depois vinha o fim de semana ao Dubai,
estive noutros países que também não são democracias e sentia isso.
Eu lembro que uma vez estive no Sudão, um país que gostei muito de
visitar, e fiz uma coisa vi uma parada de militares assumi que aquilo era
uma coisa turística eu era o único estrangeiro que estava lá, obviamente, não via
estrangeiros a ver aquilo levantei a máquina fotográfica, coisa gira, uma parada de militares
e ia -me preso, verdadeiramente fui tiro lá na altura, perguntaram o que é
que eu estava a fazer porque é que eu estava a tirar fotografias a
paradas militares e depois penso nisso, faz algum sentido.
Há lá uma ponta em Khartoum de onde não se pode tirar fotografias, ainda
hoje não entendo porquê quer dizer, o Rio Fantástico, o Rio Nilo, que atravessa
ali são os dois Nilos, o Blue Nile e o White Nile que atravessam
Khartoum, é uma imagem fantástica, Khartoum é uma cidade muito bonita e eu fui
para lá tirar fotografias estas coisas que nós só nos apercebemos quando sentimos falta
quando as vivemos, também nos ajudam para mim ajudam -me a formar -me enquanto
liberal em toda a linha Sim, eu percebo, quero dizer, claro, essa perspectiva é
Carlos Guimarães Pinto
acontecer, mas não pensamos nisso Pode acontecer, mas nós nem tomamos sequer essa possibilidade
E noto -se que o liberalismo político vai para além da democracia que é
uma democracia sem separação de poderes, quer dizer, rapidamente É uma democracia liberal, sim
Exatamente, uma democracia não é só eleições Isso é uma democracia eleitoral, tecnicamente, não
sei, na Rússia existem eleições aquilo não é uma democracia em lado nenhum só
o PCP que deve estar aqui Olha, eu queria falar das tuas ideias em
Carlos Guimarães Pinto
ter dado crescimento económico Porque falta capital, às vezes dou o exemplo que agora
não posso dar muito por causa da questão da OTAP mas é como se
formássemos mil pilotos mas só tivéssemos um avião Quer dizer, aquele avião tinha os
pilotos todos mas primeiro os pilotos não iam ganhar grande coisa porque se um
não quisesse o emprego havia mais 999 e os pilotos que não tivessem o
avião para conduzir se fossem obrigados a conduzir tuc -tucs tinham a mesma produtividade
que alguém que não tivesse o curso de piloto e o capital é isto,
o capital é termos estes aviões para que os pilotos tenham essas qualificações e
possam fazer isso e nós não temos não somos atrativos e há muitas razões
para isso É mais fácil, porque mexer no sistema de justiça é extraordinariamente complicado
mexer na teia burocrática é extraordinariamente complicado eu gostava de falar sobre isso a
certa altura porque isto é muito complicado há vários obstáculos a isso, a carga
fiscal poderia ser o mais fácil obviamente tem um custo, mas poderia ser o
mais fácil e foi aquilo que muitos países do leste da Europa seguiram após
a queda dos regimes comunistas, eles precisaram de capital foi reduzir a carga fiscal
para atrair investimento para reter o seu próprio talento Esse é o primeiro, a
questão da concorrência é importantíssima, ou seja, garantir que nenhuma empresa ou organismo, pode
ser público ou privado pode retirar rendas monopolistas da economia isso é importantíssimo, ou
seja, que haja dinamismo no mercado, que as empresas possam falir que as empresas
que falhem possam falir dando lugar a aquelas que têm mais sucesso melhores métodos
de gestão, que haja um dinamismo permanente na economia aquela busca pela verdade, aquele
liberalismo epistémico que estamos aqui a falar, isto tem muita a ver com o
liberalismo económico com o liberalismo epistémico, esta questão do trial and error, que haja
concorrência Como é que se corrige a falta de concorrência?
Basicamente é diminuir as barreiras à entrada, esse é o primeiro as ordens profissionais,
por exemplo as licenças para o setor das telecomunicações quando se privatizam empresas como
a ANA, não se privatizar em conjunto mas se nós pensarmos, grande parte dos
monopólios um dia foram empresas públicas, a questão esteve, enquanto eram empresas públicas nunca
foram divididas e depois foram privatizadas em conjunto, ainda hoje acho que um dos
piores erros que nunca vai ser visto dessa forma do governo na altura da
troika, foi terem privatizado a ANA em bloco, deviam ter feito aninhas e depois
privatizar cada uma delas, sabendo que as aninhas todas juntas não teriam valido tanto
como aquela ANA, mas porquê que não vale tanto?
Porque a ANA, não tem monopólio, tem poder monopólico tem custos, para sempre enquanto
aqueles contratos não forem revogados, irá ter custos no país e a EDP foi
a mesma coisa durante muito tempo nós ainda hoje só temos uma refinadora que
é a da Galp eu tenho falado muito da Galp ultimamente, até me dizem
que quando a defender aquilo não Felizmente a Galp, grande parte dos lucros que
tem já não são em Portugal ao contrário do que as pessoas pensam, ainda
há muitas pessoas que acham que a Galp os lucros deles são das vendas
combustíveis nos postos de combustível uma aninharia é 5 % dos lucros, é irrelevante
grande parte dos lucros estão fora do país mas há uma coisa que é
a refinação e ainda hoje tem um monopólio e como é que se combate
isso? Um, permitindo que haja mais licenças para as atividades que são licenciáveis ou
que até deixem de ser licenciáveis de todo e por outro lado, abrir o
país à concorrência externa importantíssimo para dinamizar aquilo que são as nossas empresas.
A minha tese do Tormento foi um bocadinho sobre o setor exportador português e
sobre o papel das multinacionais no país e a descoberta, não foi uma grande
descoberta mas consegui provar isso, é que as multinacionais e as empresas portuguesas que
exportam pagam mais aos trabalhadores são muitíssimo mais produtivas porque estão expostas à concorrência
internacional e por estarem expostas à concorrência internacional têm que ser mais produtivas empregar
mais gente qualificada, mudam os seus mestres de gestão a importância da concorrência é
Carlos Guimarães Pinto
não transacionáveis. É isso, é isso, exatamente e fomos salvos pelo setor transacionável.
Aliás, a minha tese foi um bocadinho sobre isso, que é quando nós olhamos
para a propensão à exportação das empresas portuguesas ela vinha sendo a mesma nos
últimos 15, 20 anos, nunca muda era quase um dado adquirido da economia portuguesa
que empresas com mais de 20 trabalhadores 10 % delas exportavam.
E durante a crise isso mudou pela primeira vez.
De repente houve um crescimento da propensão à exportação das empresas portuguesas.
Porquê? Não havia mercado interno.
Interno que se vira para algum lado e ao ter que se virar para
algum lado, ao ter que concorrer com os melhores do mundo, elas próprias melhoraram
os seus métodos tornaram -se mais produtivas, começaram a pagar mais aos trabalhadores porque
tinham que reter os melhores e por aí fora.
E a concorrência é algo essencial.
Depois, a descentralização tem a ver com o facto de o próprio poder político
dever ser descentralizado e estar mais próximo das pessoas.
Idealmente como liberal, o poder deve estar no indivíduo.
O máximo possível, aquilo que o Estado puder deixar que seja o indivíduo a
decidir, as coisas que não sejam possíveis, devem estar o mais próximo possível do
indivíduo. Qualquer poder que possa estar no indivíduo em vez da Câmara deve estar
no indivíduo. Na Câmara em vez da região, deve estar na Câmara.
Na região em vez do Governo Nacional deve estar na região.
Por quê? Por duas séries de motivos haveria mais.
O primeiro é a capacidade de escrutínio, que é mais próximo quando está mais
próximo das pessoas e isso é importante.
A segunda é a aproximação entre quem contribui e quem beneficia das decisões.
Escrevi um artigo há pouco tempo sobre a questão das portagens.
As portagens, nós hoje sabemos que se deixarmos de ter uma portagem na autoestrada
do Algarve, os contribuintes do país todo vão pagar para que as pessoas que
atravessam aquela autoestrada diariamente não tenham que pagar essa portagem.
Isto pode ser uma decisão que maximiza o bem -estar público.
Não vou dizer porquê.
Eu quando dava aulas de análise de investimentos, um dos exemplos era precisamente autoestradas
com e sem portagens e porquê que às vezes não ter portagens pode maximizar
o bem -estar. Mas tem um custo que é, de repente, que tem o
país todo a pagar aquela autoestrada.
Se estas decisões fossem tomadas ao nível regional, ou seja, se o Algarve tomasse
essa decisão, os contribuintes estariam mais próximos.
A população que paga, que são os contribuintes, está mais próxima da população que
beneficia, que são as pessoas que andam ali.
Isto acaba com um conjunto de ineficiências que existem no pagamento e no recebimento
de benefícios do Estado, no pagamento de impostos e recebimento dos benefícios do Estado.
E, por isso, a descentralização é algo tão importante.
Nós, se olharmos os países melhores geridos na Europa, que são assumidamente melhores geridos
em que a despesa pública é a melhor gerida, em que o Estado funciona
melhor, são os países mais descentralizados.
Se falarmos dos países norte da Europa, toda a gente fala dos países nórdicos.
O Estado é enorme lá.
O Estado de central nos países nórdicos é cerca de metade do nosso.
Porquê? Grande parte da gestão daquilo que são os recursos, daquilo que são os
serviços públicos, é feito a nível local.
E isso também leva um respeito maior, porque as pessoas se sentem mais quando
abusam, por aí fora, é um escrutínio muito maior daquilo que é o exercício
do poder local. E, por isso, a descentralização tem sido as coisas que têm
uma péssima imagem em Portugal, porque as autarquias têm uma má imagem, mas que
funciona em todo lado.
Carlos Guimarães Pinto
Certo, certo. E mesmo, quer dizer, nós quando ouvimos uma notícia de casos de
corrupção nas câmaras municipais, estamos sempre a falar em dezenas de milhares de euros.
Quase sempre, não é?
Ele recebeu 20 mil euros dali, 20, 30 mil euros, não é?
Não vou dizer, mas há um caso famoso de corrupção do Estado central, alegada
corrupção do Estado central, que estamos a falar, ainda é alegada até ser julgada,
que não vai acontecer, quando estamos a falar das alegações em torno de um
primeiro -ministro, não estamos a falar de 20 ou 30 mil euros, estamos a
falar de decisões de centenas de milhões de euros, que foram as autoestradas, que
terão resultado, alegadamente, no benefício pessoal de dezenas de milhões de euros.
Quer dizer, quando somamos esses casos todos das câmaras juntos, se calhar não dava
para um mês daquela corrupção.
José Maria Pimentel
E depois há outro, num país como Portugal, acho que há outro benefício da
descentralização, que tu não falaste agora, mas falavas nessa intervenção que eu falava há
bocadinho, que é quase até cultural, mas de um centralismo lisboeta, eu digo isto,
quer dizer, não sou de Lisboa, mas vivo em Lisboa, portanto, quer dizer, hoje
em dia faço parte desse meio, mas há quase uma, aquela metáfora do peixe
estar na água, portanto, nem tem noção do que é a água, não é?
Portanto, tu, vivendo no meio desse ecossistema, nem te passa pela cabeça que as
coisas pudessem ser de maneira diferente, não é?
Tu davas até uns exemplos engraçados do Instituto da Vinha e do Vinho, por
exemplo, que de facto é paradoxal, não é?
Está ali ao pé do Marquês, não é?
Está ao pé do Marquês, exatamente.
Pois isso é um centralismo histórico, mas, e quando se falava de descentralizar o
Tribunal Constitucional para Coimbra, eu lembro daquilo de um sororo gigante, e não quer
dizer que não houvesse...
Falta de dignidade, não sei o quê.
Até parece mal, não é?
Não quer dizer que não houvesse razões, claro que há argumentos de ambos os
lados, não quer dizer que nós reconhecermos que há um problema de centralismo, significa
que tudo tem de ser descentralizado.
Mas há um debate que tem de se ter, não é?
E há riscos. E há riscos, mas é um debate que tem de se
Carlos Guimarães Pinto
ter, não é? E este centralismo político transforma -se num centralismo cultural que se
alimenta a si próprio, e eu acho que é importante falar disso.
É isso, é isso.
A forma como, ao se concentrar o poder todo aqui, o poder económico se
sente atraído, porque o Estado tem uma grande dimensão, e ao ter esta dimensão,
o poder económico tem de estar perto, não é?
Porque é um cliente importante, é um regulador, não é?
E depois concentra -se aqui, atrás do poder político e do económico, o poder
mediático. Às vezes digo isso, hoje posso dizer porque estamos aqui num órgão de
comunicação social alternativo, mas o poder mediático acaba por se concentrar aqui, o que
faz, por razões práticas, grande parte dos comentadores, daquelas pessoas que formam opinião, também
só têm esta vivência daquilo que é Lisboa, ou que se não tiver só,
é uma forte influência sobre aquilo que as pessoas têm, e depois as pessoas
escrevem e falam sobre aquilo que vivem, não é?
Claro, inevitavelmente. E de repente, transformam -se problemas, que são problemas locais, muitas delas
locais, em questões nacionais.
Eu lembro, a certa altura, a legislação sobre o Uber.
Quando se começou a falar da questão do Uber e da ameaça que o
Uber iria trazer, era só táxis, só carros na altura, eu vivia a 5
km do centro do Porto, e não conseguia chamar um Uber para a minha
casa. O Uber era um problema de Lisboa.
O alojamento local, ainda hoje, é um problema de 3 a 4 freguesias de
Lisboa e 2 do Porto.
É uma questão que só é importante aí.
Imagina alguém, até em Aveiro, já não vou dizer em Castelo Branco, em Querresedanciais,
em Aveiro, alojamento local, está a tirar a casa?
Conheço 2 ou 3, percebes?
Carlos Guimarães Pinto
É ridículo. Eu lembro, da certa altura, o noticiário ter aberto com uma pastelaria
que fechou em Lisboa.
Eventualmente achei que era importante, acho que era a Suíça.
Mas era, se calhar, importante para uma elite muito pequena e eu não sabia
o que era a pastelaria suíça.
Queria viver fora de Lisboa, sim.
Não fazia a mínima ideia do que isso era.
E depois transformou -se em política.
Se nós olharmos para os presidentes da Câmara de Lisboa, aquilo é basicamente um
degrau para a política nacional.
Nós hoje temos, como Primeiro -Ministro, um ex -presidente da Câmara de Lisboa, o
Carlos Moedas ainda nem se sentava na cadeira do presidente da Câmara de Lisboa.
Já o viam como futuro Primeiro -Ministro.
O ministro das Finanças também foi presidente da Câmara de Lisboa e vem como
sucessor do Costa e de repente, percebes?
Tivemos o Sapai, tivemos o Santana Lopes.
São vários. Lá está, é a coisa.
Isso não acontece com mais nenhuma Câmara do país.
Não acontece com o Porto, curiosamente.
Nem sequer com o Porto.
Tivemos o Rui Rio, mas não corrobei.
Sim, exatamente. Isso é algo que se alimenta a si próprio e cria um
país demasiado descentralizado, demasiado desigual, que também coloca muita pressão sobre a capital.
As pessoas hoje não têm uma vida necessariamente muito confortável aqui, pelo preço da
habitação. O preço em relação à qualidade.
Foi das coisas que me assustou quando andei aqui a ver casas em Lisboa.
Não foi só o preço.
Paga -se muito por casas mais.
Carlos Guimarães Pinto
Levo a isso e depois, a economia aqui à volta é muito de não
transacionáveis. Porque vive muito Estado, vive muito desse tipo.
Então, quem decide, tem muito na sua cabeça as necessidades dessa economia e não
de outra qualquer. Por exemplo, eu hoje, não sei os números, a última vez
que olho para os números, o Norte do país, em termos relativos, tem um
excedente comercial superior ao da Alemanha.
O Norte do país, que é uma das regiões mais pobres do país, mais
pobre que o Sassouro neste momento, é também uma região altamente exportadora.
E o que é que é importante para uma região que vive das exportações,
que vive muito das exportações?
É importante que as empresas possam ser fiscalmente competitivas e por aí fora.
Mas não é esse o pensamento de quem está aqui.
Quem vive neste mundo, para uma economia funcionar, porque para a economia de Lisboa
funcionar, é preciso haver muita despesa pública, muito dinheiro do Estado e a questão
do IRC, para quê o IRC?
Não, não é sério.
Tem uma preocupação de quem tem que competir com os estrangeiros que são as
empresas que estão lá do outro lado.
Lisboa, obviamente, tem um déficit comercial enorme, uma coisa enormíssima, enquanto o Norte e
o centro do país têm excedentes comerciais, principalmente o Norte do país.
Portanto, estamos aqui a falar de políticas nacionais que são decididas tendo em conta
um contexto muito local e que depois acabam por não favorecer outras regiões que
têm outros contextos. Uma coisa que eu tenho que perguntar é o caso da
Carlos Guimarães Pinto
Por isso é que eu falei no trilema que é dessas três coisas, que
é centralismo, falta de concorrência e alta carga fiscal, um país consegue sobreviver com
uma. Pode ser centralista, desde que tenha concorrência e seja fiscalmente competitivo, que é
o caso da Irlanda.
Os países nórdicos têm a outra componente, que é, têm uma grande liberdade económica
no sentido de haver muita concorrência, são descentralizados, mas depois têm alguma carga fiscal
e conseguem sobreviver apesar disso.
Depois há outros países que juntam.
Nós temos os três.
Nós podemos sobreviver com um.
Podemos crescer e ter algum sucesso com um.
É isso que prova.
Portugal tem os três.
É um país centralista, muito fechado à concorrência, ainda muito fechado à concorrência e
com uma elevada carga fiscal para o seu nível de desenvolvimento económico.
José Maria Pimentel
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A questão da concorrência e do centralismo, eu concordo completamente contigo e, aliás, acho
que se tiveres, agora deixa que se repto, se mantiveres essas duas bandeiras, acho
que já estás a fazer um grande serviço ao país porque são dois, enfim,
são dois caminhos que me parece evidente que seriam benéficos.
Na questão da carga fiscal, eu concordo contigo que olhando para outros países é
evidente que Portugal precisa de baixar a carga fiscal, sobretudo precisa de baixar o
IRC. Há um gráfico, que é muito fácil de fazer, que é se tu
puseres os países por nível IRC, tu tens de facto países com nível IRC
muito alto, mas eles são todas economias que são competitivas por outra forma.
Mesmo o caso de França.
Ora, nós não somos, ou seja, nós temos um IRC muito alto, mas não
temos competitividade por outra via que consiga absorver aquele IRC.
Esse ponto é evidente.
Agora, eu percebo parte da oposição da esquerda a esta medida, percebo a parte
que tem a ver com o Estado Social, porque obviamente há aqui um tiro
no escuro, não é?
Quer dizer, nós não sabemos o que vai acontecer, é possível que isso gere
crescimento económico que no fundo vai aumentar o bolo e, portanto, vai aumentar a
massa fiscal mesmo com uma taxa mais baixa, mas é possível que não aconteça.
Mas, sobretudo, eu acho que há muitas pessoas à esquerda, algumas delas até economistas,
que têm uma aversão a isso e eu percebo porquê.
O problema é que nós não conseguimos fazer nada em relação a isto.
Qual é o ponto deles?
É que tu vives numa economia globalizada, hoje em dia está a haver alguma
reversão da globalização, mas para todos os efeitos vives numa economia globalizada.
Portugal está integrado na União Europeia, o que significa que tu não tens política
cambial e não tens política monetária e os países têm, apesar de tudo, ainda
política fiscal. E como tu não tens fóruns que permitam harmonizar a política fiscal,
há uma espécie de race to the bottom, não é?
Os iniciativos para cada país é baixar mais e mais as taxas de impostos.
O que isso vai provocar a prazo é fácil de entender, não é?
É que, para nós, é um problema da teoria dos jogos, no fundo.
Para nós pode fazer sentido baixar impostos e, de facto, provavelmente vai gerar crescimento
económico a prazo, mas se todos os países fizerem isso, tu vais acabar com
estatos sociais menores porque não conseguem financiar -se, porque todos os países se tornaram
em refúgios fiscais, não é?
No fundo, é isso que acontece.
E eu percebo, quer dizer, nós não podemos resolver isso, mas eu percebo essa
aversão, porque, de facto, esse é um problema.
Quer dizer, se a pessoa diz só, a solução é muito fácil, baixamos os
impostos. Sim, mas isso vai resultar provavelmente no curto prazo, porque isso não é
Carlos Guimarães Pinto
sustentável, não é? Há vários exemplos de países que fizeram isto na fase de
desenvolvimento em que Portugal está e que, de facto, funcionou.
A própria Irlanda, hoje, tem uma despesa pública per capita superior à nossa.
Eles gastam mais em saúde, gastam mais em educação, porque, a certa altura, souberam
tomar este tipo de decisão e, a partir daí, o crescimento económico que isso
gerou permitiu -lhes, hoje, terem melhores serviços públicos.
José Maria Pimentel
Isso é verdade, mas isso só acontece porque isto não é...
Isoladamente, certo? Não, e porque, na verdade, não existe uma concorrência perfeita entre os
Estados, porque, como os Estados são democracias e as coisas têm que ser votadas,
tu andas a vocifrar há anos para que se baixe o IRC e ainda
não foi baixado, embora, na verdade, fizesse sentido.
Ou seja, estas coisas não acontecem necessariamente e, portanto, a Irlanda tem tido aqui
uma espécie de almoço grátis durante algumas décadas.
Carlos Guimarães Pinto
Não, não todo, porque aquilo que irá fazer é todos os países que vivem
numa democracia e querem fornecer um conjunto de serviços às pessoas, porque senão perdem
eleições, têm que encontrar a forma mais eficiente de o atingirem.
E quem for capaz de fazer isso, ou seja, fornecer serviços públicos de qualidade
da forma mais eficiente possível, também conseguirá cobrar menos impostos.
E ao cobrar menos impostos, atrai ainda mais investimento, e consegue melhorar a vida
de toda a gente.
Uma das falácias que vejo muitas vezes é não, mas se nós reduzirmos impostos,
nós temos que definitivamente reduzir o Estado Social ou a qualidade do Estado Social.
Por exemplo, estamos a esquecer aqui uma componente que é a componente de eficiência.
Os serviços que o Estado presta hoje podem ser muito mais eficientes.
Eu lembro de ver o Ministro da Educação orgulhar -se se gastar 6 mil
e tal euros por cada aluno.
Eu não me sentiria orgulhoso de nada disso.
Só demonstro que o sistema é brutalmente ineficiente por qualquer escola privada.
Até de muita qualidade serve um aluno por muito menos do que isso.
A minha filha está numa escola privada e eu pago muito menos do que
isso por ano. E tenho um ensino de qualidade.
Portanto, há a questão da eficiência.
E depois há a outra coisa que é, todos estes serviços de educação, saúde
e a proteção social, hoje em dia Portugal gasta cerca de 100 mil milhões
de euros todos os anos, um bocadinho mais de 100 mil milhões de euros
foi aquilo que eu estou em 2001, em 2021, acho que em 2023 não
tenho os números na cabeça, mas acho que já está mais perto de 110
mil milhões de euros, estamos a falar de 110 e as despedas com saúde
e educação juntas, as duas, saúde e educação, são um quarto disto, menos de
um quarto disto, aliás.
Se juntarmos isso a proteção social, atingimos cerca de 65 milhões, portanto, é à
volta de 60 % daquilo que é os gastos.
Portanto, saúde, educação e proteção social, incluindo pensões e por aí fora, estamos a
falar de 60 e pouco por cento daquilo que são os gastos do Estado
português. E o resto?
E o resto? Nos últimos anos, e eu fiz esse discurso aqui há algum
tempo, o Estado português adicionou mais de 30 mil milhões de receitas desde que
António Costa se tornou primeiro -ministro.
Ninguém diria que em 2016 não havia educação para as crianças, tínhamos problemas de
saúde como temos hoje, tínhamos problemas de pensões como temos hoje e por aí
fora, mas ninguém diria que vivíamos num Estado anárquico.
As receitas da IRC, há não há volta dos 5, 6 mil milhões por
ano, que é um quinto.
Nós de amanhã acabávamos com a IRC e mesmo assim ainda teríamos mais 25
mil milhões de receitas do que tínhamos quando António Costa tomou posse.
Nós podemos reduzir a coleta de IRS a metade, que ainda assim ficávamos com
mais receitas do que tínhamos quando António Costa tomou posse.
E ninguém vai dizer que nessa altura vivíamos numa anarquia em que não existia
Estado social. Existia. Portanto, é possível.
É possível. Qual era a diferença?
É que se fizéssemos este tipo de cortes nos impostos sobre os rendimentos, tornámos
-nos num país muito mais atrativo, a prazo teríamos mais capital, seríamos capazes de
reter e atrair mais talento e a própria economia cresceria, o que permitiria também
haver mais dinheiro para estas despesas públicas.
Depois perguntam -nos mas onde cortar?
Que é uma pergunta muito complicada para quem não tem o Excel das finanças,
que é para onde é que vai o dinheiro?
Nós tudo o que sabemos é isto tudo vai para a educação, isto tudo
vai para a saúde, depois há ali uma coisa que é os serviços centrais
mas o que é?
Essa é outra das reformas que é preciso fazer que é de fato a
José Maria Pimentel
Normalmente há aquela navalha de Dalkam e há outra qualquer que tem a ver
com isso. Não atribuas à má vontade o que pode ser explicado por incompetência.
Ou neste caso, falta de recursos.
Falta de recursos. Sim, não me custa acreditar.
Mas tu, desculpa lá, eu sou um chato, já sabes.
Sim, sim. Tu deste uma resposta habilidosa à pergunta, disseste várias coisas em que
eu concordo. É evidente que nada disto vai contra a necessidade de reformar o
Estado, isso como imaginas não tem nada contra e é evidente também que é
bom os Estados competirem.
Ou por outra, a concorrência é boa em todas as áreas ou em quase
todas, eu aí estou completamente de acordo contigo.
O problema é, nós queremos que a concorrência entre os Estados aconteça sobretudo em
áreas que não necessariamente a área fiscal, não é?
Sim, também. Aconteça relacionada com a atratividade de liberdades económicas, liberdades de outro tipo,
qualidade de vida, quer dizer, uma série de coisas.
Quando tu estás a fazer a concorrência pelo sistema fiscal, o que vai acontecer
é, de facto, um race to the bottom, ou pelo menos para baixo, e
a concorrência, quer dizer, uma das coisas é que a concorrência é boa para
nós consumidores e para empresas que queiram entrar, não é necessariamente boa para as
empresas que estão dentro, não é?
E neste caso, por analogia, essa concorrência não é necessariamente boa para os cidadãos,
porque para ti, país individual, no curto prazo, tens um benefício e vamos dar
isso de barato, e eu acredito que isso aconteceria, tens um benefício de crescimento
económico que vai gerar um aumento do bolo, mas se todos os países fizerem
o mesmo, o que tu vais fazer é que vais convergir para outro equilíbrio
que é um equilíbrio com uma base fiscal menor do que aquela de todos
os partidos. Esse é um desafio, quer dizer, não quero dizer com isto que...
Mas os países não fazem todos o mesmo.
Carlos Guimarães Pinto
de mérito... Corporate taxes reduziram à medida que o fluxo de capitais foi se
tornando mais aberto, ou seja, que as empresas e os investidores podiam investir em
qualquer centro, o que foi muito bom para os países pobres, foi extraordinariamente bom
para os países pobres, as corporate taxes vieram por aí abaixo.
Mas os países, como tu dizes, concorrem em outras coisas.
Amanhã, uma ALI podia ter um IRC zero, muitas pessoas não iam para lá
investir. Sim. Porquê? Porque não tem um sistema de justiça que garanta que a
propriedade privada mantém -se propriedade privada, porque não tem confiança que o sistema legislativo
se mantenha exatamente igual, portanto, há um outro conjunto de coisas.
Mas para quem tem este conjunto de problemas, que são muito difíceis de resolver
quase culturalmente, às vezes...
Carlos Guimarães Pinto
É a reforma mais rápida, até de alimentar reformas de outro lado.
Por exemplo, eu falo muito da questão da taxa única.
A taxa única foi introduzida em muitos países da Europa de Leste e, entretanto,
muitos deles, já depois dessa introdução, beneficiarem de algumas das coisas boas, introduziram já
uma segunda taxa, no caso deste Slovakia, penso, já tem três taxas, portanto, eles
perceberam os benefícios que retiravam dali, retiraram esses benefícios, quando chegaram a certo patamar,
pronto, a partir de agora vamos voltar a um esquema mais progressivo em que
temos aquela taxa. Há diferentes medidas para diferentes alturas, dependendo da posição em que
José Maria Pimentel
o país está. Havia um tema que eu tinha muita curiosidade de saber a
tua opinião, porque o debate em torno de questões económicas, não por acaso, é
o mais complexo de todos, não é?
E é por isso que está sempre presente na política e é por isso
que divide mais as pessoas, mesmo pessoas com uma cultura política sofisticada, se quisermos.
E quando nós falamos destas medidas e medidas de liberalização, parece haver aqui uma
espécie de contrassenso, porque, por um lado, há pessoas que olham para Portugal e
dizem que Portugal tem um problema de liberdade económica ou de falta de liberdade
económica e aponta uma série de coisas, basta ires pegares na posição de Portugal
numa série de rankings de liberdade económica que não qualificamos especialmente bem e há
coisas que são óbvias, como a questão dos licenciamentos, restrições à entrada no mercado,
quer dizer, não precisamos de entrar em questões mais controversas como esta ou a
questão do mercado de trabalho.
Mas depois, por outro lado, tens uma crítica que tem ganho cada vez mais
peso e que, hoje em dia, é feita por muitas pessoas liberais assumidas, aos
excessos que fizeres, ou aos desvios do capitalismo a um nível global.
A um nível global que eu diria que é mais ao nível dos países
ocidentais. Porque depois, por cima disto, tens ainda uma terceira camada que complica isto
mais, que é, se tu olhares para o capitalismo nos últimos 20, 30 anos
a um nível mesmo global, aí a narrativa volta a virar no sentido positivo
em que há uma história de sucesso, quer dizer, basicamente tu tiveste uma liberalização
sobretudo das economias asiáticas e sobretudo da China, que tem um peso gigante e
que retirou milhões e milhões de pessoas da pobreza.
E portanto, tens aqui três níveis, descendo a escada ao contrário, um nível global
que é muito positivo, um nível ocidental que é negativo, quer dizer, há várias
críticas que são feitas e, a meu ver, bastante justas, e depois tens o
nível de Portugal que é positivo ou de positivo, isto é, seria positivo ter
mais, no fundo. E os três níveis estão ligados.
Carlos Guimarães Pinto
Que é, houve ali uma revolução na passagem do século quando a globalização, até
aí, nos anos 80 e 90, a globalização estava muito restringida àquilo que nós
chamamos agora de países desenvolvidos.
A União Europeia, os Estados Unidos e alguns países na órbita destes dois blocos,
o Japão, a Austrália e Nova Zelândia e depois alguns países ali na órbita
e a globalização estava muito focada aí.
O que é que aconteceu, precisamente com o alargamento da Organização Mundial do Comércio,
a entrada, principalmente, da China, mas também de outros países asiáticos, o que é
que acontece sempre que se abrem trocas comerciais, isto é, os meus alunos não
vão perdoar que eu não me lembro quem é que deu este penso que
é o Colário de Riveirinhos, o que é que é?
Quando se abre um país ao comércio internacional o fator mais abundante desse país
é o fator que tende a ganhar.
O que é que isto quer dizer?
Que quando um país escassa em capital como era o caso da China e
da Índia e desses países, ainda é o caso da Índia, se abre, o
fator que mais vai ganhar, tendencialmente, será o fator de trabalho.
E o inverso acontece no outro país.
Nos países em que o fator de capital seja mais abundante é esse que
irá ganhar. O que é que aconteceu com a entrada dos países mais pobres
na Organização Mundial do Comércio?
Esses países mais pobres começaram a produzir tudo aquilo que é trabalho intensivo, tudo
aquilo que exige muitos trabalhadores, porque eles tinham salários mais baixos e, de repente,
toda a produção de tudo aquilo que exige muitos trabalhadores passou para lá.
Colocou uma pressão sobre a procura de trabalhadores nesses países, que eles no princípio
podiam responder porque tinham uma grande capacidade de trabalhadores ainda por usar, no caso
da China, a migração que aconteceu das aldeias para as cidades para trabalhar nas
indústrias e para aí fora, mas a certa altura deixa de haver esse excedente
e os salários começam a aumentar.
E os salários na China aumentaram brutalmente.
É uma história de sucesso.
Hoje um operário na China ganha quase o tanto como um operário cá, que
é uma coisa que há 20 anos era impensável.
Tirou -se imensa gente da pobreza desses países, ainda existe imensa pobreza, eu vivi
6 meses na Índia e uma das coisas que me marcou na vida e
o meu liberalismo também foi a Índia, aqueles 6 meses, mas falaremos nisso noutra
altura ainda existe bastante pobreza lá, mas tirou -se muita gente da pobreza, à
custa de quê? À custa de uma estagnação salarial das pessoas que tinham as
mesmas qualificações, ou seja, as pessoas pouco qualificadas nos países desenvolvidos, na Europa e
nos Estados Unidos. E criou -se ali um fosso, de repente tu se tivesse
capital nos países desenvolvidos tinhas um mercado muito maior, podias vender para muito mais
gente podias investir também nesses países e retirar retorno, sei lá, quem tinha capital
conseguiu crescer mais quem não tinha, os trabalhadores pouco qualificados de repente estavam em
concorrência com os trabalhadores pouco qualificados da Índia e da China, que eram muitos
mais e mais disponíveis para ter salários mais baixos.
E isso foi o que fez com que o capitalismo com que a globalização
retirasse muita gente da pobreza principalmente nos anos 90 e no princípio deste século,
imensa gente em todo o mundo, mas que ao menos no tempo tivesse -se
contribuído para estagnar as condições de vida das pessoas com menos qualificações nos países
desenvolvidos. Isto foi o que aconteceu isso criou um conjunto de conflitos políticos, aliás,
o aparecimento de forças mais extremistas ou de forças menos democráticas ou forças mais
populistas nos países desenvolvidos teve muito a ver com essa insatisfação, que é inegável,
que resulta de um mecanismo do capitalismo, da globalização que na sua totalidade foi
benéfico para a humanidade, porque tirou muita gente da pobreza só que ao nível
do país, quando olhamos ao nível do país deixou a vida de tal umas
pessoas estagnada e isso é um problema.
As democracias não são globais as democracias são locais, portanto, a democracia portuguesa, ou
a democracia americana, ou a democracia inglesa sofreu com isso, que é de repente
um grande conjunto eleitorado que não vê a sua vida a melhorar.
A vida melhorou pela via da inovação tecnológica, do lado do consumo exatamente, mas
em termos de rendimentos, muitas pessoas gostavam de ganhar muito mais do que ganhavam
há 20 anos e não conseguem isso.
E estas três coisas estão ligadas.
Por exemplo, Portugal no princípio deste século era um pobre num clube de países
ricos, a sua posição era nós temos mão de obra barata, portanto, vamos ter
muito pouco Era a China da Europa, salve seja.
Exato, era algo desse género China dá 30 anos, ou 40.
Exatamente, mas poderia crescer e por aí fora De repente, encontrou -se uma posição
intermédia quando entram as Chinas e as Índias, Portugal já não era o pobre
do grupo, portanto, já não tinha esse fator diferenciador de ter mão de obra
mais barata, mesmo que qualificada mais barata, mas também não tinha capital.
Não era um país que, de repente, podia investir na Índia, na China e
retirar a retorno disso.
E demorou um bocadinho a encontrarmos o nosso lugar, que hoje já conseguimos encontrar
um bocadinho melhor, mas demorou um bocadinho.
A tudo isto acresceu a entrada no euro que fez com que não tivéssemos
esse mecanismo de reequilíbrio na balança comercial, que é a desvalorização cambial Normalmente, o
que é que acontece quando um país tem um déficit comercial muito grande e
tem moeda própria, a moeda desvaloriza, tens um déficit comercial há uma menor procura
pela tua moeda, por causa desse déficit a moeda desvaloriza, o que faz com
que as tuas expectações fiquem mais competitivas e é um mecanismo de reequilíbrio automático.
Portugal perdeu isso, de repente tinha exatamente o oposto, que é, tínhamos um déficit
comercial enorme mas o euro estava -se a valorizar porque a Alemanha tinha um
ascendente comercial Mas pronto, não vou aborrecer demasiado as pessoas estão lá a ouvir
com questões de economia internacional, mas todos esses fatores, efetivamente, influenciaram a forma como
isto contribui. Mas tu não achas, do lado da crítica que é hoje em
José Maria Pimentel
dia feita ao capitalismo, do lado dos países ocidentais parte eu concordo contigo, a
parte, e atenção este ano para fazer aqui o disclaimer eu acho que nós
às vezes até discutimos demais este tema em Portugal porque nós temos outras necessidades
mais para menos que têm a ver com aquilo que nós falamos mas ainda
assim tenho curiosidade de ter a tua opinião, porque há parte destes efeitos que
de facto têm a ver com mudanças tecnológicas e com uma redistribuição da riqueza,
até uma diminuição da desigualdade a nível global, pela exceção destes países, que é
do ponto de vista moral uma coisa boa, mas há outros efeitos que são
negativos e que são verdadeiros e que têm a ver com um certo capitalismo
rentista, uma certa captura do Estado em vários países por elites económicas, por elites
políticas também mas por elites económicas, muitas vezes uma concorrência que é restringida.
Não é tanto o velho privilégio, não é tanto que não exista absolutamente concorrência
nós vemos, por exemplo, a economia americana é muito dinâmica e portanto se tu
fores ver os CEOs das principais empresas, são pessoas que chegaram lá por mérito
próprio, mas nem toda a gente podia ter chegado lá ou seja, eles não
são os filhos do CEO anterior mas as pessoas, nem toda a gente poderia
ter chegado lá, portanto está ali uma injustiça gigante em pessoas que são completamente
fora do sistema e o sistema está a capturar, e depois a globalização, que
é, como imaginas eu acho uma coisa bastante boa em quase todos os aspectos
mas tem um aspecto negativo de enfraquecer os Estados e portanto de repente tens
aqui empresas, fundos de investimento consultoras que conseguem navegar este mundo transnacional de uma
maneira que os Estados não conseguem, os Estados pobrezinhos cada um deles está circunscrito
Carlos Guimarães Pinto
Sim, sim, sim, eu gosto de separar aquilo que é o capitalismo daquilo que
é o compadrismo. Há pouco tempo numa comissão qualquer dizia essa piada, a certa
altura concordei com a Mariana Mortágua em relação a um conjunto de coisas de
subsídios que o Estado estava a dar, um conjunto de empresas que estavam demasiado
próximas do poder político e disse -lhe, pronto, nós concordamos com isto porque somos
ambos contra o capitalismo de compadrio Mariana por ser contra o capitalismo e eu
por ser contra o compadrio e foi exatamente isso e é verdade, quando está
com o capitalismo de compadrio o alvo final é o capitalismo, não o compadrio
necessariamente e eu tenho uma forte aversão ao compadrismo e à forma como as
empresas influenciam para estarem mais próximas ou para receberem algum tipo de benefício do
Estado acho isso terrível.
E é um problema grande em Portugal, não é?
É um problema enorme em Portugal, eu posso dizer nós como devemos imaginar, até
devemos ter algumas pessoas que gostam de nós nos fundos de private equity e
por aí fora pessoas que percebem de economia, percebem de competitividade e por aí
fora e há pouco tempo entrei em confronto com essa malta quando comecei a
ver que vão receber imensos fundos do PRR de repente metade do nosso mercado
de private equity vai ser fundos do Estado no setor que devia ser o
setor de ponta a querer e buscar capital lá fora completamente independente do Estado
e subjeto à concorrência.
Não pode ser, vocês têm que ser os gajos que não dependem do Estado
que não querem saber do Estado para nada, mas de repente aparecem 500 milhões
de PRR para dar às private equities ou eu me candidato, ou o meu
concorrente candidatar, vamos todos ali buscar, cada um vai ficar a 50.
Carlos Guimarães Pinto
neutra Exatamente, eu sinto muito mal porque muitas vezes somos erradamente acusados disso, de
ser pro negócios apenas por estarmos a defender o mercado e os resultados do
mercado, porque se nós fôssemos pro negócio, ou seja, defender os interesses das empresas
nós não defenderíamos, por exemplo, nós não estaríamos contra a injeção de dinheiro na
TAP ou na IFASEC são negócios, estaríamos a defender, essas empresas enviam mais dinheiro,
ou a injeção nos bancos, estaríamos a defender, mas depois dizem, ah mas tu
disseste que os lucros da Galp não foram à custa das pessoas que estão
a pagar mais pelos combustíveis, porque não foram?
Porque não foram? Porque não é esse o resultado?
Quer dizer, a Galp tem, grande parte da subida dos lucros foi da exploração
que fazem fora do país e o preço do petróleo, a Galp não tem
qualquer controle sobre o preço do petróleo, simplesmente se o preço do petróleo sobe,
a gente tem de explorar mais petróleo para o vender e se amanhã a
Galp fosse mal gerida, em vez de lucros tivesse prejuízos e o Estado decidisse
que queria meter lá dinheiro para salvar aquilo nós seríamos contra, eu seria o
primeiro a vir dizer contra isso portanto, eu sou a favor dos mecanismos de
mercado a Galp tem um problema que é, das 3 áreas onde está, há
uma em que é monopolista e aí, 50 mil existe um problema que é
no mainstream da refinação mas na exploração de petróleo, é uma empresa como todas
as outras que tem postos de petróleo e que vende no mercado internacional ao
preço que o mercado internacional determina, na distribuição de combustível nos postos, nós sabemos
que as margens são relativamente pequenas há 10 cêntimos, 12, 13 cêntimos e eles
vendem mais caro, porque tem a marca, mas tens essa e depois tens uma
Pria, um do Intermarché, não sei o que, ao lado que vende a menos
de 10 ou 15, quem quiser pode ir lá, não tem esse tipo de
controle. Exceto nas autostradas.
Exceto nas autostradas mas porquê?
Porque nas autostradas não há concorrência.
Exatamente não há concorrência, aliás fizeram, quanto a mim, uma das piores coisas foi
por aqueles adultos com os preços.
Carlos Guimarães Pinto
deles baixar o preço porque sabe que se baixar um cêntimo, o outro também
baixa um cêntimo que aparece logo ali e permite comunicar, não é?
Exatamente, permite comunicar através daquilo, acho que foi um erro a pessoa que na
altura lançou isso, foi o meu professor de Economia na Organização Industrial, no meu
doutoramento e tivemos uma grande discussão sobre isso.
Há benefícios disso e há problemas com isso, mas eu, por exemplo, saio sempre,
faço muitas vezes há um, como deves imaginar, e muitas vezes a meio tenho
que meter combustível saio sempre em Fátima, um sítio que sei que há um
posto de combustível ao lado da saída, meto lá por menos 10 ou 12
cêntimos e depois continuo.
Para quem está a ouvir fica -se a perceber que os deputados não ganham
José Maria Pimentel
parte das pessoas. Sabes que eu acho que, e tenho muita curiosidade em saber
a tua opinião sobre isto, eu acho que um dos desafios de um partido
liberal em Portugal é precisamente que como nós não temos uma cultura liberal, ou
por outra, não temos uma cultura amiga da liberdade económica, tendencialmente, pelo menos na
fase inicial e provavelmente esse é o vosso grande desafio a conseguir passar essa
fase, os principais defensores são os pro -business, ou seja, são pessoas que ou
têm empresas ou trabalham em empresas, quer dizer, têm um interesse que é perfeitamente
legítimo, atenção mas se tu tiveres uma empresa, há aquela frase, eu não sei
de quem era esta frase, eu quero concorrência nos meus fornecedores e quero monopólio.
É, claro, claro. Toda a gente quer isso, não é?
Ou seja, porque às vezes também há essa confusão quer dizer, é óbvio que
um empresário não quer concorrência no mercado em que está, quer concorrência nos fornecedores
para ter o preço mais barato mas não quer concorrência no mercado em que
está, quer dizer, ou por outra pode ser uma pessoa moralmente superior e desejá
-la, mas está a ir contra a carteira dele, não é?
Portanto, eu acho que num país que não tem essa cultura, tem ainda mais
do que tinha há 20 anos, claramente por educação, porque as pessoas viajam, mas
num país que não tem essa cultura, é só um desafio grande, não é?
Que é saltar desse core de apoiantes para uma massa mais larga que, no
fundo, consiga dissipar isso e que consiga quer dizer, eu estou a dizer isto
do ponto de vista como eleitor que é claro que eu confio nas suas
boas intenções, como é lógico, não é?
Mas que no fundo que consiga evitar que isso depois também se traduz em
políticos, porque quem apoia influencia, não é?
Carlos Guimarães Pinto
Isso faz parte. Eu acho que nós temos a felicidade de não estar numa
fase em que existe alguma pureza ideológica e não nos deixamos influenciar por isso.
E este exemplo das private equity é fantástico, porque obviamente tenho muitos amigos nesta
vida conheci muita gente daí, que obviamente tinha algo a ver com a minha
defesa, com a forma como eu me opus às injeções de capital nas private
equity, algo recente, nós estávamos a falar do programa Consolidar, se for procurar ver
as intervenções minhas bastante agressivas em relação a esse programa e mesmo em relação
ao CIFID e obviamente as pessoas vêm ter comigo e têm as suas razões
para achar que isso é justificado, mas percebem porquê que a minha coerência ideológica
exige -me ser contra aquilo que é o interesse de algumas dessas pessoas e
aí não tenho tido qualquer tipo de questões, não sinto de todo essa pressão
e se eu sentisse não reagiria a ela obviamente ninguém iria confessar que reage,
mas honestamente eu preferia não fazer política do que ter que reagir a essas
coisas, até para poder ter emprego mais bem pago fora daqui agora, a questão
cultural que eu acho que é importante isso leva -nos a uma coisa que
eu acho que grande parte do nosso esforço enquanto liberais é convencer as pessoas
de algumas mensagens contra intuitivas do liberalismo por isso é que eu acho muito
mais importante a componente pedagógica e acho que o partido e todas as organizações
que estão a aparecer mais liberais por aí têm esse papel muito importante, porque
a mensagem liberal diante do liberalismo económico em muitos aspectos é contra o intuitivo,
tentar que as pessoas percebam isso e acho que o sucesso do liberalismo em
Portugal vai depender muito mais disso do que de outras coisas que normalmente se
fala mais mediaticamente dos líderes e das caras, não sei o quê, eu acho
que vai depender muito mais disso, porque temos uma cultura fortemente iliberal eu gosto
de dar aqui este exemplo porque este exemplo para mim foi dos mais chocantes
quando cheguei à Assembleia da República eu há uns meses pedi nas minhas redes
sociais para que as pessoas dissessem qual foi a multa mais estúpida que tu
já recebeste a burocracia mais estúpida que já recebeste e pusei aqui para trabalhar
um bocadinho no feedback que recebemos e também eles próprios a procurar na lei
as coisas mais estúpidas, as obrigações mais estúpidas que resultam em multas às vezes
de milhares de euros para que ninguém em consciência, se não existissem as iria
propor, eu acho que ninguém exigiria esse tipo de coisa encontramos as coisas mais
estúpidas, a obrigação de Biret na altura ficou famosa, mas outras coisas ainda mais
estúpidas como uma coisa que existe desde os anos 70 que é a obrigação
de colar no posto de trabalho que as empresas têm, o contrato coletivo de
trabalho, as novas vagas que a empresa abre as coisas que ninguém cumpre, porque
se for lá a fiscalização eles pagam multas de milhares de euros ninguém quer
saber de nada disso e eu levei aquilo e disse isto vai passar tudo,
ninguém do seu perfeito juízo acho que grande parte dos deputados nem se quer
saber que aquelas obrigações existiam e passaram duas coisas, foi das portagens que eventualmente
ainda vai mudar muito a especialidade e aquela obrigação de pôr o texto a
dizer que um número começado por dois é de uma rede fixa, eliminação dessa
obrigação porque é uma obrigação recente que apareceu numa directiva qualquer, mas vi ali
partidos a defenderem com afinco a obrigação de colar em papel o contrato coletivo
de trabalho alguns na empresa, eu perdi a paciência e perguntei mas se isso
é tão importante assim, onde é que no vosso posto de trabalho se está
colado? Talvez a falar de alguns deputados que estão cá há mais de 20
anos, onde é que está?
Ninguém sabia é uma obrigação de tal maneira importante que ninguém sabia se ela
sequer era cumprida na Assembleia da República isto é uma questão cultural, que retirar
aquele papel retirar a obrigação daquele papel é um ataque aos direitos dos trabalhadores,
um direito que nenhum trabalhador quer saber, ninguém sabe, ninguém quer saber daquilo para
nada, mas de repente a ACT faz uma fiscalização a uma empresa que existe
há 3 meses e a empresa desgraçada não sabia daquela obrigação e tem que
pagar uma multa de 2 mil ou 3 mil euros quando se legislou sobre
os solários também nos gozaram sobre isso, que foi uma das coisas que encontramos
ali, alguém nos enviou de repente os técnicos de solário têm que colar na
parede os seus diplomas, ah mas vocês querem que os técnicos de solários não
sejam, não, não, os médicos não têm o diploma colado no seu gabinete, os
arquitetos não têm, nenhum técnico é obrigado a ter isso, porque é que aqueles
que são obrigados a ter isso, porque é que, mais uma vez, porque é
que é obrigatório o BIDÉ é uma coisa ridícula não tenho BIDÉ em casa,
estou em cumprimento, acabo de perceber muitas pessoas tiram depois do licenciamento estar feito,
tiram porque não querem e hoje em dia nas leis mais recentes para as
reabilitações eles já não obrigam a isso, ainda é obrigatório na construção mas note
-se, é obrigatório na construção mas ninguém se lembrou de tirar aquilo, quando fizeram
uma lei de novo para as reabilitações já não puseram aquilo, mas porque é
que se preocupam com isso se preocupam porque nas novas construções foi aquilo que
falámos com pessoas, a inclusão do BIDÉ entre o espaço e não sei o
que, aquilo custa entre 1000 e 1500€, agora imagina o que é existir uma
obrigação de ter uma peça de porcelana em casa que custa, numa casa nova,
1500€ de repente temos 20 .000 casas novas, estamos a falar de uma despesa
de 30 milhões de euros por ano que se faz por inação BIDÉ é
uma palavra engraçada e as pessoas acham ridículo mas é 30 milhões de euros
que se gastam por ano por nada e esses requisitos vão alargando e nunca
Carlos Guimarães Pinto
T1, segundo o RG, num T1 podes ter um quarto numa determinada dimensão, mas
se tiveres um T2, aquele quarto principal já tem que ser maior, não podes
construir um T2 com o mesmo tamanho de um T1 mais um quarto tudo
o resto também tem que ser maior eu até entendo que haja justificações para
isso, mas também devíamos deixar à liberdade das pessoas poderem construir casas mais pequenas,
se assim me entenderam, ou maiores mas existe uma cultura de restricionismo em que
não se acabam com leis, em que só se criam novas leis porque existe
essa cultura de que retirar leis é retirar direitos quando muitas vezes retirar leis
é devolver direitos eu acho que é mais do que isso, é uma versão
José Maria Pimentel
à incerteza, isso até está estudado havia uma coisa que eu não queria deixar
de falar contigo que eu acho que é a minha principal oposição à iniciativa
liberal e aos liberais e muitos liberais em Portugal, até é mais aos liberais
do que à iniciativa liberal porque eu acho que um partido, enfim, como o
nome indica é uma parte e um partido tem que ter uma mensagem, portanto
no fundo até é mais uma oposição aos liberais do que ao partido, que
é eu, como sabes, sou todo a favor, ou pelo menos em grande medida
a favor de liberdade económica, mas os liberais em Portugal muitas vezes enfatizam muito
a liberdade económica e enfatizam muito pouco ou quase nada, um problema que para
mim é igualmente importante em Portugal, se não mais importante até porque está na
origem que é a questão da desigualdade quando eu digo desigualdade é desigualdade de
oportunidades embora ao medirmos a desigualdade de facto são coisas diferentes e importa se
orientar que são coisas diferentes, mas não erramos por muito e aqui não tem
a ver com o debate, que eu acho um debate interessante do ponto de
vista filosófico se há ou não um problema da desigualdade, se é um problema
em si mesmo eliminar a pobreza é um debate interessante mas o que eu
acho que muita gente não percebe é que a desigualdade é um problema a
vários níveis a desigualdade num país como Portugal é um problema a vários níveis
primeiro, é um problema da ordem prática, porque se tu não tens igualdade, ou
seja, se as pessoas não têm igualdade de oportunidades não têm acesso a educação,
não têm acesso a oportunidades a liberdade económica por si só não chega é
verdade que a liberdade económica em alguns aspectos contribui para nivelar o terreno, mas
não é suficiente porque há outros que são extra -mercados extra -económicos, portanto não
chega só a liberdade económica depois há outro aspecto interessante, que é pouco referido
e a investigação mostra de maneira muito clara, que é sociedades muito desiguais como
é Portugal historicamente, são sociedades mal governadas porquê?
É um circo vicioso entre...
José Maria Pimentel
É um jogo vicioso entre má governação, corrupção podemos chamar -lhe para usar um
termo simples e desigualdade.
Tens desigualdade, tens menos gente as pessoas capturam o poder, se capturam o poder
tu não confias e, portanto, geram um ciclo vicioso em que desigualdade gera corrupção
e corrupção gera mais desigualdade depois o que as pessoas começam a exigir ao
poder político é bens particularistas quer dizer, uma pensão, porque tu não acreditas que
o partido que está no poder, se se propuser a fazer reformas, tu não
acreditas porque eles são todos uns corruptos.
Se eles disserem que vão aumentar a pensão sim senhor, portanto tens aqui um
problema que é muito difícil de resolver sem resolver a questão da desigualdade.
E, por exemplo uma das questões em que isto é mais visível tem precisamente
que ver com o apoio às medidas de liberalização económica isto está estudado.
Nos países com muita desigualdade as pessoas são muito mais aversas, por exemplo, a
medidas de liberalização no mercado de trabalho, porque se tu não confias, se tu
achas que o plano de jogo não está nivelado, tu não queres ficar descalço
e isto em Portugal é uma coisa que tu vês até em pessoas que
têm bons empregos, as pessoas têm muito medo de perder o emprego têm muito
medo. E, portanto, se tu não corrigires este problema claro que este é um
problema que não se corrige, quer dizer, quanto a mim a minha receita é,
para corrigires o problema da qualidade institucional em Portugal tens que ir por duas
vias, tens que ir pela via da reforma ou por três vias que quiseres,
tens que ir pela via das políticas e nós falámos muito, ou seja, políticas
económicas, por exemplo tens que ir pela via das reformas institucionais, mas também tens
que vir por esta via que é a mais poderosa de todos.
Atua muito mais lentamente, como é óbvio tu não vais reverter esta desigualdade estrutural
do pé para a mão mas tu não vais conseguires criar uma sociedade bem
governada sem reverter isto porque tu tens aqui uma espécie de ciclo vicioso e
depois as pessoas não têm mais capital social, as pessoas não confiam, quer dizer,
Carlos Guimarães Pinto
tu não consegues Eu vou começar a ir pelo fim, que é uma coisa
com a qual eu concordo que a elite em Portugal tende a compor -se
a vir das mesmas famílias, tu vais às direções executivas das grandes empresas e
reconheces os apelidos todos de um lado ou de outro vais precisamente aos grandes
grupos parlamentares e reconheces os apelidos de alguém que esteve, do pai, do tio,
do irmão que esteve na política também portanto, as elites tendem a reciclar de
geração para geração e isso é um problema e isso é um problema porque
se autoalimenta porque a partir de certa altura as elites desconfiam de tudo que
vem de fora na altura, em 2019, houve muitas razões para eu querer sair
da liderança do partido e que o João depois assumisse e uma delas foi
eu ter sentido que eu vindo de fora não teria sido tão bem aceito
pela elite que depois determina a forma como o partido é tratado os jornalistas,
a elite jornalística e por aí fora e já tenho tido algumas experiências, não
vou dizer os nomes, mas de pessoas que sinto que vieram de fora dessa
elite acabaram por não ser tão bem tratadas como podiam mesmo que algumas tenham
tido sucesso, como por exemplo o caso de Cavaco portanto, eu alinho completamente com
isso, acho que temos uma elite muito fechada de poder que se vai repetindo
de geração para geração não concordo com outra parte, que é, acho que o
liberalismo é a forma de romper com esse ciclo e é a forma de
romper com esse ciclo por várias formas e esse ciclo rompe -se com a
questão da educação é um dos pilares mais importantes para isso mas educação é
Carlos Guimarães Pinto
menos até a certo nível tem que ser o Estado a financiar a educação
agora, a forma como esse serviço é prestado também vai influenciar o acesso que
cada um tenha à mobilidade social e a forma como o Estado fornece esse
serviço não incentiva a mobilidade social, e aqui tenho uma experiência pessoal muito clara
nisso, eu andei numa das piores escolas do país que ainda hoje é uma
das piores escolas do país que era desenhada para que os alunos cumprissem a
escolaridade obrigatória não era desenhada para enviar alunos para a universidade aliás, na minha
turma, do 5º e 6º ano entraram 5 no universidade, nós éramos para aí
27 e foi o recorde daquela escola, nunca tinha acontecido entrar em 5 alunos,
se entrasse, entrava 1 na maior parte das turmas era 0, eram alunos que
iam até o 9º ano e ao próximo segundo ano, se fossem bons, iam
para a universidade era muito raro, e que era desenhado para isso e se
aqueles alunos daquela região onde eu cresci quisessem ir para outra escola que tivesse
um modelo diferente não podiam, e essa diferença existe ainda hoje nas escolas públicas,
nós temos escolas públicas brutais, principalmente em Lisboa e no Porto escolas públicas brutais,
que são muito melhores do que algumas privadas muitíssimo melhores, com projetos pedagógicos fantásticos
e depois temos escolas em outros locais que são muito, muito mais que são
desenhadas mesmo para encostar lá os alunos durante muitos anos e isto não é
mobilidade social, porque depois o aluno é influenciado por aquilo que está à sua
volta, na minha escola, ser bom aluno era uma coisa má, era algo cultural
era mau ser bom aluno, e essa cultura influenciou muitas pessoas que eu sei
que eram brutalmente inteligentes e que deviam ter tido outro tipo de carreira e
hoje têm profissões que não estão ao nível da sua capacidade intelectual, por terem
ido para aquela escola e por isso é que a liberdade de escolha é
tão importante por isso é que eu acho que a concorrência de projetos pedagógicos
é tão importante que permita aos pais e aos próprios alunos escolherem onde possam
estudar, vai resolver tudo?
Não vai vai continuar?
Havia pais que têm a decisão errada que vão tomar a decisão errada, certo,
mas havendo financiamento do Estado, com o que nós concordamos a prestação dos serviços
de educação poderia ser feita de outra forma, com mais autonomia e acima de
tudo com liberdade de escolha, continuaria haver diferenças entre escolas continuaria haver alguma diferença,
isso ditaria que uma pessoa que nasce no meio pobre tinha exatamente as mesmas
condições do meio rico?
Não, isso nunca vai acontecer mas permitiria a mais pessoas, e eu tive esse
exemplo porque na minha área tinha essas duas escolas que eram basicamente lado a
lado nem havia a questão de ser mais próxima da casa, eram lado a
lado só que pessoas que tinham crescido num certo meio tinham que ir para
uma e pessoas que tinham crescido num outro meio iam para uma escola a
500 metros, nós não tínhamos cantina na nossa escola, nós tínhamos que ir comer
àquela escola portanto, para veres o quão perto as duas escolas eram, nós tínhamos
que ir lá comer, mas não podíamos ir para aquela escola lá perto havia
a escola de Santa Maria de Lamas, o colégio de Lamas que é perto
de Espinho, não é muito distante, que era uma escola privada mas com contrato
de educação que estava aberta a toda a gente num meio relativamente pobre, que
era dos operários, da corteça e por aí fora e a quantidade de pessoas
que lá iam para a universidade era muito maior, estavamos a falar de pessoas
que vinham do mesmo meio social que nós vínhamos, porquê?
Porque os pais podiam escolher um projeto pedagógico diferente havia uns que tomavam a
decisão errada e só porque estavam mais perto da outra escola punham os alunos
nessa escola que era pior, havia, é verdade não criou uma igualitarização para todos
mas houve miúdos pobres que por terem acesso a um projeto pedagógico diferente porque
os pais preocuparam -se com isso hoje têm uma vida muito melhor do que
a que tinham e isso para nós é importante e acho que só nós
é que defendemos isso depois, há uma outra questão que muitas vezes é vista
como promotora da desigualdade e que eu acho que não é, que é a
questão da taxação do rendimento quando se fala em taxa única, mas vocês querem
promover a desigualdade mas isto não é promoção da desigualdade, imaginemos que temos uma
corrida de 5km em que alguém começa 500m à frente, outra pessoa começa 1000m
à frente e outra começa da linha de partida, somos mais pobres limitar a
velocidade a que as pessoas podem correr promove ou demove a desigualdade eu acho
que promove a desigualdade, porque se tu começas atrás e não podes correr mais
depressa, então vais ficar sempre atrás começas atrás porquê neste exemplo?
imagina que tu és filho de uma família pobre, começas a tua vida do
zero começas atrás porque não tens património e alguém herda 500 mil euros, começa
Carlos Guimarães Pinto
fluxo do que cobrar uma questão mas por outro lado, por exemplo, o imposto
sobre heranças não tem os mesmos problemas de desincentivo à atividade económica que o
imposto sobre o rendimento que tem, nós até hoje não podemos impedir -nos de
morrer portanto, não vamos deixar de morrer porque o imposto é mais alto sobre
as heranças, não vamos deixar de produzir o que quer que seja, mas eu
falei aqui da moralidade social e sou uma pessoa que não vai herdar, não
herdou nada mas às vezes é importante dizer uma coisa e eu concordando com
essa perspectiva, há uma questão importante que é a herança não é um direito
dos filhos e não deve ser visto como isso é acima de tudo um
direito dos pais de um pai que quer que o filho tenha uma vida
melhor e portanto não consome aquela parte certo, certo, sim, tem uma tensão entre
o... por isso é que eu acho que a herança é uma espécie de
consumo eu posso consumir, comprar um conjunto de bens de consumo e pagar um
IVA de X ou posso, daquilo que eu tiro benefício é deixar este dinheiro
ao meu filho para que ele tenha uma vida mais descansada e também pode
fazer sentido cobrar o imposto porque é um tipo de consumo, aceito isso agora,
o que aconteceria em Portugal se se introduzisse algo desse género era precisamente para
além do IRS alto isso é outra questão por isso nunca me vais ver
José Maria Pimentel
a defender isso deixa -me voltar à questão da educação e da igualdade de
oportunidades para fechar porque eu não concordo contigo naquele último ponto ou para outro,
eu concordo contigo que é desejável mais concorrência nas escolas e mais autonomia das
escolas, completamente de acordo fiz dois ou três episódios em que se falou disso
e é um ponto em que eu estou completamente de acordo, até porque eu
próprio tive essa experiência tive a sorte de não andar em más escolas, mas
pude ao mesmo tempo ver o que essa falta de autonomia provocava agora, a
questão é esta, para tu teres uma escola que faça essa promoção de igualdade
de oportunidades, tu vais ter que primeiro vais ter que aumentar o financiamento das
escolas não quer dizer que seja proporcional, tu dirias que pode ser feito de
maneira mais eficiente claro, mas vais ter de aumentar e vais ter de fazer
outra coisa aliás, vais ter de fazer mais duas coisas, vais ter de ter
um estado intervencionista porque a concorrência é boa para alguns aspectos da escola mas
noutra não é, por exemplo, as pessoas querem que os filhos estejam com filhos
de pessoas da mesma classe social a maior parte das pessoas não quer que
os filhos vão andar com...
estou a usar o argumento da autoridade, desculpa mas isso está mais do que
estudado, quer dizer, as pessoas não querem e é normal porque tu queres que
os teus filhos conheçam as melhores pessoas possíveis do ponto de vista das futuras
oportunidades deles e portanto, isto é uma falha de mercado no fundo e portanto,
para corrigir essa falha de mercado, tens de ter uma intervenção do Estado que
neste momento não está a acontecer.
E finalmente, há outro ponto ainda que é, para tu fazeres isto, tu ias
precisar de não só ter um Estado mais interventivo, mas de o engordar um
pouco nesta área, não é engordar, mas no sentido de tinhas que reforçar a
qualidade dos funcionários públicos que estão a tratar disto, não porque ias precisar de
pessoas para planear estas políticas e portanto, tu fizerias de contratar pessoas com qualificações
capazes para fazer estas políticas.
E estas três coisas são três coisas difíceis de engolir, achou?
Foi um liberal muito clássico, não é?
Carlos Guimarães Pinto
Eu não acharia que isso é necessariamente obrigatório por uma coisa que é a
questão de deficiência. Hoje em dia o sistema é brutalmente ineficiente.
Quando o ministro se orgulha de cada aluno no ensino público custar mais de
6 mil euros há claramente ali ganhos de deficiência que podem ser obtidos.
Nós vemos isto na saúde, por exemplo, quando se introduz uma gestão através de
PPPs, de repente gasta -se menos dinheiro e tem -se mais serviços.
E esses ganhos de eficiência seriam brutais para o ensino e permitiriam compensar eventualmente
alguma despesa de regulação do sistema que eventualmente seria necessária.
Mas as despesas de regulação, ao lado daquilo que são as atuais ineficiências, parece
-me que seriam bastante inferiores.
Um sistema deste teria que ser muito bem montado obviamente as escolas não podiam
rejeitar alunos teria que ser por sorteio.
Um conjunto de coisas que teriam que ser implementadas e isto seria sempre gradual.
Portanto, tínhamos um sistema em que se daria autonomia às atuais escolas, depois parte
do financiamento decorreria da sua capacidade de atrair alunos e quando isso acontece há
incentivos há melhor estando.
Portanto, não é uma questão simples, mas não ficaríamos pior do que estamos hoje.
Eu acho que nós hoje ainda temos uma...
Não ficaríamos pior com o quê?
Desculpa. Em termos de mobilidade social.
Hoje em dia as escolas promovem alguma mobilidade social mas qualquer sistema em que
as escolas tivessem mais autonomia, em que houvesse liberdade de escolha, levaria a que
se promovesse ainda mais.
Mas eu estou de acordo.
A questão da liberdade de escolha é até certo ponto.
Nós ainda temos escolas que por estar em determinados meios têm oficinas.
A minha escola tinha oficinas.
A minha escola no secundário chamava -se industrial.
Nós tínhamos duas escolas secundárias em Espinho.
Uma chama -se liceu, ainda hoje, e outra industrial.
Porquê? Os miúdos que iam para a industrial era para formarem -se das oficinas,
a serem carpinteiros, não sei o quê.
E depois via o liceu, que era para formar os miúdos que iam para
a universidade. E isto ainda existe um bocadinho hoje no nosso atual sistema.
Já não é tão mau como era na minha altura mas ainda existe hoje.
E eu quero que os alunos que querem ir para o liceu, que possam
ir para o liceu.
Se é o projeto pedagógico que querem.
Há complicações, não é assim tão simples.
Admito que haja, voltámos ao princípio, que haja pontos neste raciocínio que estejam errados
e depois a implementação mostrava que estavam errados e que era preciso melhorar de
outra forma. Admito perfeitamente que isso pudesse acontecer.
Agora, que tendencialmente um sistema com autonomia e liberdade de escolha promoveria mais a
mobilidade social é algo que demorar muito tempo a convencer -me do contrário.
Carlos Guimarães Pinto
Quem hoje procura numa escola privada e esse ambiente selecionado, eu há pouco campanava
a cabeça porque tomei a decisão há pouco tempo sobre se a minha filha
iria para uma escola pública ou privada e um dos motivos que me levou
a querer que ela fosse para a escola pública era o poder de conviver
com grupos diferentes, de pessoas não quererem que ela numa escola privada estivesse exposta
a sua... E esse foi um motivo a favor da escola pública que eu
fiz muita força e era um dos principais.
Não serão todos pais, haverá alguns, mas...
Eu percebo isso e tenho também essa visão.
Há uma aprendizagem muito grande, ainda hoje, eu sinto a aprendizagem de poder ter
estado... Eu às vezes digo, eu só descobri que era pobre quando cheguei à
universidade porque todo o meu meio era muito mais pobre do que eu.
Era mais pobre do que eu e sentia -me bem.
Sentia -me de classe média, quando os meus vizinhos viviam em barracas, eu tinha
uma casa de tijolo e coisa...
Eu era classe média, para mim, na minha opinião.
Só quando depois é que cheguei à universidade é que percebi que se calhar
não era. Mas nunca me senti pobre.
Mas essa convivência também me ajuda a perceber que essas realidades, hoje precisamente barracas
já existem muito pouco no norte do país, aqui a Sul ainda existem mais,
mas que são realidades que são coisas verdadeiras e miúdos que lá está.
E esses miúdos que vivem em barracas, diziam pais muitas vezes de famílias destruturadas
mesmo com liberdade de escolha na educação dificilmente chegariam lá.
E é o que é, estamos a falar de miúdos que às vezes chegavam
à primeira classe sem saber falar porque passavam o dia todo sozinhos, isolados e
por isso nem sequer conseguiam articular certas palavras.
Eles iam para a escola com 5 ou 6 anos para aprender a falar
antes de ler e escrever a ter vocabulário para além disso.
Portanto, eu acho que conviver com essas realidades é algo que nos ajuda e
que nos ajuda também a perceber, a pôr as coisas em contexto e nós
não falámos da questão da Índia porque foi uma das experiências que me ajudou
também a formatar politicamente.
Mas conta quantas que é?
Eu passei 6 meses na Índia e viajei muito pela Índia foi das experiências
mais marcantes, eu tornei -me não viajando, gosto muito de viajar estive em 72
países, em África em Ásia e não encontrei nenhum país que fosse tão diferente
como a Índia. E uma parte dessa diferença, para algumas diferenças boas, a diversidade
cultural, os cheiros anda -se na rua, há um cheiro a Índia o facto
das vacas andarem para o lado de se vender especiarias por todo lado, há
um cheiro forte a Índia que nos entranha nas roupas, mas a questão da
pobreza uma absoluta miséria em vários pontos mas foi um país que se desenvolveu
e uma coisa que eu aprendi aqui na Índia e noutros países é que
muitas vezes, até mais do que o nível absoluto de desenvolvimento, aquilo que em
matemática se chama a primeira derivada, contribui mais para o sentimento de felicidade das
pessoas, que é o de sentirem que a vida para o ano vai ser
melhor do que este ano, que daqui a 10 anos e que a vida
dos filhos vai ser muito melhor e estar em economias dinâmicas para ter acesso
à turma. Estive nas Filipinas muito tempo também em África, na Tanzânia, na Quênia,
vi diferentes realidades de países brutalmente estagnados e países que estavam a crescer bastante
e independentemente do nível em que estavam a primeira derivada marcava muito mais o
espírito das pessoas do que propriamente o nível em que estamos sendo que o
nível é importante, não é?
Carlos Guimarães Pinto
muito grandes e depois chega Portugal e a primeira derivada é zero Nós estamos
muito melhor do que as pessoas nas Filipinas ou quando estive ali nos países
mas sente -se muito mais uma certa depressão aqui do que em países que
até são mais pobres, eu estive na Roménia em 2004 pai, que havia um
ânimo brutal, o país era miserável miserável, em 2004, eu estive em África muito
tempo, 10 anos depois, e não via grandes diferenças entre aquilo que vi em
África em 2014 daquilo que vi no interior da Roménia em 2004, 2005 miserável,
mas a primeira derivada era enorme estávamos prestes a entrar na União Europeia, havia
imensos investimentos e isso sentia -se, até nos estudantes universitários que queriam todos sair
do país, que foi o que aconteceu nós agora vamos poder ser felizes, vamos
poder crescer isso é importantíssimo e por isso é que eu testo aquelas ideias
dos decrescimentos e da estagnação e temos que ficar estagnados e que não é
um problema, estamos estagnados é, a noção de que os nossos filhos podem vir
a viver pior do que nós, pai, é uma das coisas mais deprimentes que
existe, a noção de que daqui a 10 anos podemos estar a viver pior
do que vivemos hoje, é uma coisa absolutamente deprimente portanto, esta primeira derivada ensinou
-me essa história dessa viagem pela Índia, para além de todos os efeitos culturais
que teve em mim espirituais, de outra forma que não é para aqui chamar,
depois podemos falar em off com os microfones ligados, sobre aquilo que me mudou
nessa altura para além disso, foi o entendimento da importância dessa primeira derivada em
Carlos Guimarães Pinto
não é? Sim, eu iria sugerir um livro com o qual não concordo com
tudo, mas acho que é uma análise muito crítica e muito interessante, é um
livro recente do Fukuyama, sobre o liberalismo e os seus descontentes aquilo lê -se
muito rapidamente de uma ponta a outra e para quem, como eu, tem como
missão de vida divulgar o liberalismo e que tem essa coisa olhar para as
críticas ao liberalismo, para aquilo que são as principais falhas, é importantíssimo até para
estabelecer o discurso e mudar, recomendo isso a toda a gente principalmente para os
liberais, para entenderem de onde podem vir os principais pontos fracos.