#137 Ricardo Costa - Como o jornalismo se adaptou à revolução digital — e o que ainda está...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Muito obrigado aos novos mecenas do 45 Graus desde o último episódio, Paulo Encaração, João Moraes, muito obrigado à Sandra Ferreira e obrigado também à Bárbara Cepodes, ao Pedro Costa Antunes, ao Tiago Gama, Tiago Rodrigues e ainda ao Miguel Duarte. Muito obrigado a todos. E com isto vamos ao episódio de hoje. Os órgãos de comunicação social, e em especial os jornais, têm sido abalados na última década e meia por aquilo a que poderíamos chamar uma tempestade perfeita. Tempestade essa que provocou fortes quebras tanto nas vendas como nas receitas de publicidade, os dois principais elementos do modelo de negócio dos jornais. Simplificando uma história muito mais complexa, podíamos dizer que a internet tirou leitores aos jornais e a Google e a Facebook tiraram -lhes publicidade. Isto porque o surgimento da internet, ao, de repente, dar -nos a todos acesso livre a um manancial enorme de conteúdos, levou a que todos nós, em maior ou menor intensidade, passássemos a dedicar menos tempo a outro tipo de conteúdos, incluindo jornais em papel. E os jornais, que é como quem diz as direções dos jornais, por seu lado também não quiseram ficar para trás nesta onda e criaram também os seus próprios sites online, onde passaram a disponibilizar os mesmos conteúdos que até aí disponibilizavam no papel. Só que para a maioria de nós a internet foi, durante muito tempo, sinónimo de gratuito e por isso os internautas não estavam especialmente abertos, de início, a pagar pelos conteúdos dos jornais disponibilizados online. Acresce a isto que, com o predomínio crescente da Google nos motores de busca e depois com o surgimento das redes sociais, grande parte das pessoas não chegava às notícias propriamente através dos sites dos jornais, mas sim por esta via indireta. E isso fez com que a publicidade, o elemento que desde há muito tempo permitia aos jornais equilibrar o seu modelo de negócio, fosse fugindo cada vez mais para as mãos destas gigantes tecnológicas. Esta tempestade perfeita, para retomar o tempo que usei há pouco, de diminuição das receitas quer das vendas quer da publicidade, veio colocar os modelos de negócio destas empresas, em especial dos jornais, em sérias dificuldades. E isto, claro, traduziu -se em despedimentos, diminuições gerais de salários para os jornalistas e também numa diminuição da capacidade dos média de agirem enquanto o chamado quarto poder das democracias. Este tema, da crise dos média, tem sido muito discutido nos últimos anos e não é a primeira vez que o abordo no 45°. Recomendo que ouçam também o episódio que gravei há quase 4 anos com o Gustavo Cardoso, que é professor e investigador, precisamente nesta área, no Isquetéu. Desde que gravei esse episódio houve progressos importantes com muitos jornais, inclusive em Portugal, a conseguirem adaptar -se às novas tecnologias e atrair assinantes. E embora os desafios trazidos por estas alterações estejam ainda longe de estar ultrapassados, o convidado a este episódio, Ricardo Costa, tem uma visão mais otimista, ou como ele diz, menos fatalista, do que é norma hoje encontrar ainda no meio jornalístico. O Ricardo Costa dispensa grandes apresentações, é atualmente diretor de informação da SIC e diretor -geral de informação do grupo Empresa, onde, de resto, fez toda a sua carreira. Antes de assumir as funções atuais na SIC, por onde já tinha passado, tinha sido editora de Junto do Expresso, entre 2009 e 2010, e depois diretor do Jornal de 2011 a 2016. Continua, aliás, a ser colunista regular no Expresso e é autor e co -apresentador do programa da SIC Notícias, Expresso, da Meia Noite. Na nossa conversa, falámos sobre a visão do Ricardo em relação a estes desafios trazidos pelas mudanças tecnológicas, quer para os jornais, quer para as televisões. Televisões essas onde, segundo ele, esse impacto só agora está a chegar em força, mas vai obrigá -las a fazer uma transição ainda mais rápida do que aconteceu nos jornais. Falámos também sobre o modo como estas alterações vieram obrigar os órgãos de comunicação social a atuar hoje em múltiplas frentes e 24 sobre 24 horas. É uma mudança de ritmo e de abrangência considerável. Aliás, fica a sensação de que hoje, com tantos conteúdos e tantas plataformas, deveria haver hoje no ativo mais jornalistas do que no passado e não menos, como é ainda o caso se compararmos com o que acontecia há 15, 20 anos. Falámos também do serviço público que a comunicação social presta, ou deve prestar. Isso faz sentido haver apoios diretos estatais, especialmente nesta altura em que, como disse, a crise do modelo de negócio, dos jornais em particular, continua a não estar para trás das costas. Ou se, pelo contrário, a independência jornalística só é possível através de jornais que consigam ter viabilidade económica autónoma. E, claro, discutimos também o caso português que, aliás, compara favoravelmente com outros países em alguns aspectos ao nível da percepção dos cidadãos. Por exemplo, somos o segundo em 46 países de um estudo recente em que as pessoas mais confiam nas notícias. A longa experiência do Ricardo nesta área, em especial por acumular funções de responsabilidade tanto na imprensa como na televisão, é muito interessante para perceber este tema. E houve uma afirmação recente dele que me deixou intrigado e que lhe pedi para explicar na nossa conversa. Disse ele, numa entrevista recente, que o nível de atenção com os governos foi sempre muito maior no Expresso do que propriamente na SIC. Mas, para o final da conversa, falámos também de um outro desafio com que o jornalismo atual se confronta, mas de uma natureza completamente diferente. Como lidar com a ascensão de políticos populistas? O convidado tem, como verão, uma visão muito crítica, que eu, aliás, partilho em grande medida, em relação ao modo como os jornalistas têm, em muitos casos, lidado com estes fenómenos e com o apoio crescente a políticos deste tipo. Foi, como vão ver ou ouvir, uma conversa cheia de informação e que nos faz olhar de maneira diferente e mais informada para o que se passa com os média atualmente. Espero que gostem. Ricardo, muito bem -vindo ao 45°. Quando nós falámos ao telefone no outro dia, tu deixaste uma frase que eu retive e acho que vamos começar por aí, que tinha -se uma perspectiva menos pessimista do que é normal ouvirmos em relação a estas mudanças que têm passado os médias, o jornalismo em geral, que são, enfim, não só, mas acho que quase todas elas têm a ver com alterações tecnológicas, do fundo que fizeram, eliminaram barreiras à entrada, o que fizeram com que surgissem fake news e outros tipos de coisas, fizeram com que a distribuição que antes estava na mão dos meios de comunicação passasse a estar, grande parte dela, no meio de grandes empresas tecnológicas, como a Google, como a Facebook, e também, obviamente, mudaram a maneira como as pessoas utilizam essa informação e as pessoas passaram a utilizar muito mais o digital, passaram a usar mais aplicações e, sobretudo, nos jovens, no outro dia estava a ler o estudo do Reuters, e nos jovens, então, essa tendência é muito mais marcada do que no resto. De um certo ponto de vista, já é uma espécie de tempestade perfeita, porque ameaça o papel dos jornais até social, se quisermos, e o estatuto social dos jornais, e depois ameaça o modelo de negócio dos jornais e torna mais...
Ricardo Costa
Eu sou menos pessimista no sentido em que não sou fatalista, mas o processo é um processo muito difícil, ou seja, é muito mais fácil falar de uma revolução antes dela acontecer, porque aí temos uma ideia eventualmente romântica, ou mais fácil, ou eventualmente pior, não interessa, mas de uma coisa que não aconteceu ainda, ou então depois dela ter acontecido e toda a poeira ter assentado. Qual é o problema? É que nós estamos a atravessar essa revolução e, portanto, é muito mais difícil, são sempre uma série de choques, se olharmos um pouco, enfim, como quando andávamos na escola e líamos coisas sobre a revolução agrícola ou revolução industrial, seguramente daqui por 100 ou 200 anos, a estudar -se -á o que foi a revolução digital e, neste caso, haverá um capítulo ou um subcapítulo ou um parágrafo, o que for, sobre o que é que essa revolução digital provocou nos mídia. Quando eu tenho uma visão menos fatalista é que eu acho que seguramente os mídia vão continuar. Qual é a maior dificuldade para quem trabalha, para quem está neste setor agora? É o de estar a atravessar uma revolução e de muitos dos pressupostos que garantiam a existência dos mídia há 10 ou 15 anos, ou 20, provavelmente uma parte destes pressupostos não existe daqui a 10 ou 15 anos ou não existe, pelo menos, na mesma dimensão. E a questão é como é que se consegue reequilibrar ou manter o barco equilibrado numa transição que, tu não focaste tanto no tema económico, mas cuja principal desafio é com manter a sustentabilidade dos mídia? E aqui abro um subcapítulo só para uma questão, que é, há uma pergunta que me fazem muito quando, fazem -me a mim e fazem as outras pessoas todas da área, quando às vezes há uns colóquios, há uns debates sobre isto, que é, mas qual é o futuro, qual é o modelo para os mídia? E eu respondo sempre, não há um modelo, há vários, e isso tem a ver com o facto de terem entrado várias plataformas, várias coisas, hoje em dia há orgânica social pequenos, alguns feitos por Malta Nova, outros pessoas mais velhas, e há modelos completamente diferentes e há também as relações clássicas, há coisas que são só projetos digitais, há outros que já nasceram, há jornais com o tempo como o Diário de Notícias, não é? Ou se olharmos lá para fora, com os anos que tem o Financial Times, ou que tem o Figaro, e há outros que têm 5 anos, outros que têm 1 ano, outros que nasceram nos anos 90 e por aí fora. A verdade é que todos esses nasceram com pressupostos diferentes e o que eu acho é que no futuro vai haver caminhos diferentes, aliás, já há neste momento, e tanto pode haver sustentabilidade para um órgão de comunicação social pequeno que vive de apoios de alguns leitores ou ouvintes, de algumas bolsas, de apoios da União Europeia, de projetos de fundações. Agora, isso não é transponível, por exemplo, para uma redação, cerca de 300 pessoas de direcção de informação, da SIC, por exemplo, ou que tem o Público, ou que tem o Expresso, ou que tem o Observador, ou a TVI, ou a CNN, isso é completamente impossível. E, portanto, estes órgãos de comunicação mais clássicos vivem sobretudo de publicidade. Alguns hoje têm assinantes, caso, por exemplo, no caso português, o caso mais evidente, é o Expresso, o Público, o Observador. Alguns jornais económicos, numa escala mais pequena, os desportivos eu não tenho os números presentes, mas alguns vão viver de subscrições. Curiosamente, quem abriu um caminho em alguns destes jornais, alguns mais antigos, como o Expresso ou o Público, outros mais recentes, caso do Observador, acabou por ser uma geração, estou a simplificar, porque, obviamente, quando falamos de assinantes há de várias idades, que foi uma geração, uma boa parte das pessoas que mais assinam jornais são pessoas da geração do repenso, que se habituaram a ter tudo à borla na internet, da música e etc. A minha geração, no fundo. Se calhar, é verdade, que já é abaixo da minha, mas, curiosamente, depois com o Netflix e o Spotify deram um salto para as assinaturas, porque perceberam que, ok, tudo bem, o repenso é bom, no sentido que se apanha tudo e viram filmes e ouviram todas as músicas sem pagar nada. Eu ainda sou de uma geração que víamos quando alguém ia a Londres e trazia os discos que não havia cá, depois às vezes havia uma loja no bairro Alto que vendia, mas havia um que comprava o disco e os outros iam para lá para a casa ouvir, ou para a casa dessa pessoa, ou então alguém já trouxe o último álbum do Schmidt, o último álbum do não sei o quê, não havia, à venda. Outra geração e outras gerações a seguir já sacavam tudo, equipavam tudo, eu já não fui dessa geração por falta de prática, já não precisava e também, entretanto, as coisas já apareciam cá e já se vendiam cá. E eu já estava a trabalhar, já tinha dinheiro para comprar discos e livros sem precisar de ir a Londres e sem precisar de os estar a usar à borla. Mas essa geração, curiosamente, que estava habituada, já é uma geração muito digital, no fundo já exigia, no sentido em que para eles já era natural ter tudo, poder ver tudo, poder ver um filme coreano ou um filme americano que saiu há duas semanas, de repente com o Spotify e com a Netflix, estou a simplificar, mas acho que foram as duas principais, se perceberam que a assinatura de serviços digitais podia valer a pena e isso é muito interessante porque acabou por dar aos jornais um caminho que não era completamente evidente, houve uma luta muito grande no caso dos jornais, se quisermos, havia dois caminhos, um encabeçado internacionalmente pelo Guardian e muito seguido pelo país, cuja ideia era tudo à borla, sem paywall, sem nenhum tipo de barreira, porque isto vai nos dar audiências tão grandes que é isso que vai financiar o nosso jornalismo. Um assentava, obviamente, na força de língua inglesa, o outro na força de língua espanhola, mas isto depois espalhou -se um pouco e em Portugal o jornal que seguiu mais esta linha foi o Público, durante muitos anos, na minha opinião, demasiados anos, e discuti isto com algumas pessoas do Público, nomeadamente com a Bárbara Reis, quando era diretora do Público, e eu sempre achei isso uma loucura total, achei uma loucura total, e não foi só para Portugal, o Guardian houve um ano em que teve um exercício em que perdeu 70 milhões de libras, qualquer outro jornal tinha fechado, o Guardian aguentou -se porque tinha o endowment de uma fundação e depois tinha, de facto, uma base de leitores muito fiel e, entretanto, depois virou para este outro caminho, que é o caminho de pedir quem quiser paga e tal, e depois como é um jornal militante em algumas causas, é um bom jornal, mas em algumas causas e em algumas áreas, nomeadamente na política, eu acho muito fraco na área política, mas pronto, e então na área da opinião acho um bocadinho maluco mesmo, mas não interessa, mas tem um grupo de seguidores muito forte a ponto de poder ter pessoas que apoiam em todo o mundo, haverá seguramente em Portugal pessoas que dão dinheiro para o Guardian e dão, e é um jornal que vale a pena para muita gente, o El País fez esse processo muito mais tarde, os donos do El País perderam o controle do El País, estão sempre contra isso, aquilo foi para um fundo, enfim, está ainda em grandes revoluções, mas entrou muito tarde nas instituições, o Público demorou muito tempo a fazer esse caminho em Portugal, felizmente o Expresso sempre teve uma opinião que não podia ser assim, sempre teve muita coisa fechada, não dava opinião, por aí fora, durante muitos anos, mas o Expresso estava sozinho a pregar no deserto, por exemplo, a grande divergência que eu tinha com o Observador, quando o Observador saiu, apareceu, em 2014, foi o setor de aberto, era uma loucura completa, e era evidente que era uma loucura, não foi evidente para o Observador logo, passado uns anos, demorou uns anos, teve que passar a ir para conteúdos fechados e assinaturas, foi uma pena não ter ido logo, porque foi um erro, tudo bem, os acionistas decidiram assim. Foi uma pena para eles ou para o mercado? Foi uma pena para o mercado, foi uma pena para o mercado, porque nessa altura já era evidente, em 2014, que se nós olhássemos para fora e viéssemos outros mercados, sempre em França, os jornais quase sempre foram fechados, por isso há vários jornais, o Figarro é um jornal que tem mais de 100 anos, não sei de século é, mas não sei se é do século XIX, se é do início do século XX, e foi sempre fechado, os jornais ingleses tiveram muito este caminho, os jornais brasileiros, jornais como a Folha, como o Estadão, como o Globo, eles não tiveram tanto tempo a surfar na maionese do aborrele que é, vamos embora, vamos ser todos felizes, porque faziam contas e percebiam que isso não era possível manter redações com dimensão, com qualidade, com bons clonistas, com trabalhos de enviados especiais, etc., só com base numa publicidade, porquê? Porque depois há esse outro ponto que tu falaste no início, é que na publicidade digital, em praticamente todos os países, 70 % pelo menos da receita é do Google e do Facebook. O Facebook agora está a perder muito lastro na questão das notícias, porque quer, não é? O algoritmo do Facebook cada vez dá menos notícias às pessoas e eu acho que daqui por 3, 4 anos praticamente deixa de dar, deixa de aparecer no feed das pessoas, porque eles estão a fugir por falta de jeito, basicamente é por isso, não souberam lidar com o tema depois das eleições americanas e do Brexit, primeiro não disseram nada a ver com o assunto, claro que tinham, depois foram desligando essa área e agora com os despedimentos mais recentes, basicamente todas as pessoas ligadas às áreas de notícias, na maior parte dos países foram do próprio, a equipa do Facebook foi afastada, e eles, sim, sim, nos despedimentos é uma das áreas que foi mais, eles cortaram em muitas áreas. Mas estão a perder dinheiro, não é? Não, o Facebook não está a perder dinheiro, o que perdeu foi a capitalização bolsista, que são... Não, não, não, está a perder dinheiro com essa decisão? Não necessariamente, porque eles estão a ir para outras áreas, mais para as coisas pessoais, fotografias da família, e não querem estar tanto nas notícias por causa dos riscos regulatórios, ao contrário do Google, que fez uma opção contrária, que foi exatamente o de apostar cada vez mais agora na informação e tem acordos com o Publisher, etc. O Facebook preferiu ir saindo, está a sair de mansinho, contratou o Nick Clegg, um ex -vice -primeiro ministro britânico, que era o líder dos liberais, para o seu PR internacional, por causa dos temas de regulação nos Estados Unidos e sobretudo em Bruxelas, mas está a sair devagarinho. Ou seja, os jornais encontraram um caminho, que não vai dar para todos, mas vai dar para vários, de várias maneiras, mas alguns jornais, caso de Expresso Evidente, caso do Público, que eu penso que o observador, será que o tema das assinaturas, que lhes vai dar robustez para viver os próximos 10, 15, 20, 30 anos, mais, espero, o Expresso faz 50 anos, espero que possa fazer 100 assim.
José Maria Pimentel
Já agora desculpa interromper-te, não sei se estes números são públicos e se podes divulgá-los, mas no caso do Expresso, como é que está a repartição entre assinatura online e do jornal físico? Porque o Expresso é um caso especial, não é?
Ricardo Costa
No final, no último trimestre do ano passado, de 2022, pela primeira vez, as assinaturas digitais ultrapassaram as vendas em banca. E isso é bom. Claro que isso provoca alguma agitação interna, estamos a falar de um jornal com 50 anos, há muitas pessoas que tiveram muitos anos ligadas sempre ao papel, com muito maiores vendas. Atenção, as vendas do jornal em papel ainda são muito robustas e a publicidade do papel também é muito importante, mas o momento em que as duas linhas cruzam era um momento que ia acontecer. Se não tivesse acontecido em 2022, teria acontecido em 2023. Eu há pouco antes estava a dizer que havia um grupo liderado pelo Guardian, um grupo que no sentido de uma linha, não era uma igreja, mas era uma linha, que o farol era claramente o Guardian e depois o El País. Havia um ou outro farol, se quisermos, que era, as pessoas falam muito do New York Times, mas o primeiro foi o Financial Times. Foi o Financial Times, depois era o New York Times, o Wall Street Journal, depois muitos jornais ingleses. O Economist também, se faz sentido. O Economist, mas o Economist foi mais tarde, foi mais tarde. O primeiro, o mais brutal da opção, porque na altura não era nada óbvio, estamos a falar ainda de... Sim, eu lembro disso perfeitamente. Eu lembro -me, no final, antes de 2010, de falar ali que é o 2008, 2009, que é o Financial Times, que tomou uma série de decisões que foram consideradas completamente contra -intuitivas. A primeira foi, quando começou a grande crise, eles disseram, vamos aumentar o preço de banca. Toda a gente disse que eles eram loucos. E o que eles disseram, não. Nós preferimos ter menos leitores, mas a pagar mais e que valorizem o que é a redação, são os nossos colunistas, o que é o nosso trabalho e, portanto, eles foram para um primeiro choque que não era nada evidente, foi aumentar o preço depois, tomaram a decisão de deixar ter várias edições internacionais, passar a ser só uma, que eles tinham uma na Ásia, outra não sei quando, por aí fora, e centrar tudo no digital. No digital é que estava a diversificação, havia uma só empresa, também não era nada evidente. Depois, quando entraram na Apple Store, quando apareceram os iPads, foram os primeiros a arranjar uma maneira de conseguir que as assinaturas não entrassem por ali, porque a Apple faz um cut, quando uma pessoa assina uma coisa pela Apple, são 30%, por isso é que agora o Elon Musk diz que quando se for as pessoas assinarem, quando forem na Apple, é mais 30%, que é para as pessoas perceberem que estão a pagar 30 % mais por estarem a fazer através da Apple, porque a Apple fica com 30 % de qualquer coisa que as pessoas compram, seja uma aplicação de um jogo para uma criança, seja o que for, 30 % em média. Já houve guerras também com algumas grandes empresas de gaming, etc, com a Apple, por causa disso. E o Financial Times foi expulso da Apple Store, agora só um jornal daquela dimensão tinha capacidade para fazer aquele… Para suster aquele embate, não é? Um embate com a Apple podia ter atirado um daqueles jornais para o lixo. Depois até por várias opções que fizeram em HTML, e por isso na altura não eram nada evidentes, eles foram bastante pioneiros nisso, depois o New York Times é o caso mais evidente porque deu um salto e depois pela dimensão que tem, foi quem até acelerou mais depressa, e a verdade é que hoje não há a mínima dúvida sobre quem é que tinha razão, e quem tinha razão eram estes. O Guardian tem o seu caminho e tem o seu espaço e bem, e hoje em dia acho que é um jornal que está a ganhar dinheiro, mas aquilo que o Guardian faz muito pouca gente consegue fazer, porque precisa de uma grande dimensão, precisa de alguma militância, dos seus leitores que sejam bastante militantes, precisa ter alguma agenda mais politizada em algumas áreas para que depois tenham os seus seguidores mais militantes. Sim, sim, para gerar essa militância. Ora, fazer uma cópia do Guardian aí pelo mundo fora não é uma coisa muito fácil e portanto eu não aconselho nada, e acho que o outro caminho é um caminho na empresa onde eu trabalho, nos órgãos de política social onde trabalhei toda a vida, sempre achei muito mais lógico e muito mais inspirador e com muito mais pés na terra, muito mais realista o caminho que o Financial Times tinha, ou o New York Times, depois mais tarde teve o Wall Street Journal e outros jornais, que é o caso, por exemplo, que vê -se na Folha de Sol, hoje vê -se em todo o lado, não é, basicamente.
José Maria Pimentel
E até houve aquela, eu não sei se isso persiste por acaso, inicialmente houve aquele modelo híbrido em que tu tinhas direito a 5 artigos gratuitos por mês. Ainda há, há quem teste isso. Ainda existe, mas na Folha não existe, por exemplo, que é uma chatice, às
Ricardo Costa
vezes que... Há quem faça isso e alguns daqueles que são só para assinantes têm, às vezes usam aquela coisa do teoria do queijo suíço, que é, tu entras e tens uns buracos, deixas umas coisas por onde podes entrar, há alguns que estão a deixar alguns leitores jovens ou leitores que é a primeira vez que apanham, porque eles têm uma capacidade de perceber pelos IPs se é a primeira vez então lê -mos, bem, há vários métodos e atenção, e eu vou aí, haverá várias maneiras de pescar, não é, mas, grosso modo, depois acabam todos por ter modelos de assinatura e eu acho que esse é o caminho. No caso da televisão, a questão é, parece mais fácil, mas não é, a televisão está ainda numa fase diferente, mas eu tenho poucas dúvidas de que a médio prazo, agora, o que é o médio prazo, eu não sei responder, pela desagregação de conteúdos vai sofrer uma revolução digital muito grande, já está a sofrer, por causa de sofrer, no sentido que está a viver, das Netflix, HBOs e todas as plataformas de streaming, mas as alterações e o processo de digitalização da televisão é um processo mais complexo, não digo que é mais difícil que o dos jornais, mas é um desafio diferente, porque as pessoas não estão habituadas a pagar por coisas de vídeo que não sejam, nomeadamente, sobretudo, plataformas de séries, é um tema complexo… Sim, sim, sim, porque os jornais tu já pagavas, pagavas antes, deixaste de pagar com a internet. A televisão as pessoas pagam sem ter a noção de que estão a pagar, não é, porque as televisões enganem, não está a ver com isso, é, mas as pessoas quando assinam a Mel, ou a Noz, ou a Vodafone, ou a Novo em casa, por falar em Portugal, naquela, há ali uma parte, 6%, vai para não sei o que, para não sei o que, para ir por aí fora, vai direto para os canais. Mas podes pagar a zero, desculpa -se, imagina que eu tinha só os 4
José Maria Pimentel
canais. Ah não, só os 4 canais paga a zero, sim, através da TDT,
Ricardo Costa
mas os outros… Pronto, mas para todos os efeitos, aquilo que financia, não é? Mas o que financia mais as televisões é a publicidade, e a questão é que cada vez que aparece uma plataforma destas novas, por exemplo, agora a Netflix passará a ter publicidade, há uma opção com publicidade, a Disney vai pelo mesmo caminho, a Amazon ainda não se percebeu exatamente o que é que vai fazer, alguma desta publicidade vai sair do bolo de publicidade televisiva, não sabemos que parte, mas há uma parte, portanto isto coloca um desafio muito complexo para a transição das televisões, e a maior complexidade é que não é uma transição do género, eu vou deixar de fazer isto para fazer aquilo, porque essas transições, mesmo quando são brutais, são mais fáceis, ou seja, faz -te pensar, quando eu tenho um restaurante de religio brasileiro e amanhã fecho e abro um restaurante de sushi, pronto, o que é, pode correr mal ou não, mas eu deixei de fazer uma coisa para fazer outra, uma metáfora um bocadinho pateta, mas é para perceberem uma coisa, deixei de fazer uma coisa para fazer outra, ali não é, qual é o grande problema, o grande problema não, o grande desafio é que nós olhamos e dizemos assim, certo, isto está a ficar digitalizado, nós vamos ter cada vez mais pessoas a chegar em nós por outras vias, mas nós temos de continuar a fazer um jornal ou dois jornais em televisão generalista, às uma da tarde
José Maria Pimentel
e às oito da noite, porque… Porque continua a ter muita gente a ver, apesar de menos, continua a ter muita gente a ver. Sim, mas estamos a falar às oito da noite de um milhão e cem
Ricardo Costa
mil pessoas a ver, não é sempre, mas muitas vezes, um milhão e cem mil pessoas, à hora do almoço, seixentas, setecentas, quinhentas mil pessoas. É muita gente. É mais do que podemos estar a falar em digital, ao mesmo tempo temos de fazer um canal de notícias que emite vinte e quatro horas, porque é fundamental e a força do direto é ainda brutal no cabo, as pessoas no cabo, por isso é que o desporto tem a força que tem no cabo, a informação tem a força que põe as séries, os infantis, por outras razões, mas o desporto e a informação tem uma força brutal por causa do direto, direto no sentido que está a acontecer, não é direto só um direto da rua, é uma coisa que está a acontecer naquela hora, outras vezes as pessoas estão a ver a apresentação do Ronaldo na Arábia Saudita, ou o funeral do Papa Bento XVI, ou o que seja, ou a Rainha da Inglaterra e estão a ver aquilo naquela hora, não vão puxar atrás para ver na maior parte dos casos. E depois temos de começar a trabalhar cada vez mais a parte digital e a questão, aqui a grande dificuldade é esta, é sem deixar de fazer nenhuma das outras coisas. E é extremamente complicado, eu participei numa boa parte da transição do jornal, no Expresso, não todo, ainda não é todo o processo, mas estive lá de 2009, eu tinha estado no Expresso três anos, entre 89 e 92, na altura não se discutia nada disto, os jornais vendiam -se como pães quentes, na altura nós deitávamos fora a publicidade, porque um artigo vinha a meia hora e a publicidade saltava, e era assim, era loucura, mas atenção, na altura o Expresso tinha à segunda -feira filas de pessoas, filas, literalmente pessoas para publicar artigos, havia lista de espera, e portanto nós atirávamos publicidade para o lixo, não sei se o Bolsa mandava por isso ou não, mas era para o lixo, pronto, então não saiu, se não ligava -te o anúncio, pá, não saiu, então porquê, pá, o artigo que era para ter 20 mil caracteres chegou, tinha 30 mil, pá, não tivemos para cortar, pum, saltam dois anúncios, era assim, era mesmo assim que as pessoas, e eu assisti várias vezes a isso, não era eu que tomava essas decisões, felizmente, era muito miúdo na altura, mas pronto, eu estive nessa altura no Expresso, e depois passei aqui, e depois quando voltei ao Expresso em 2009, depois estive lá sete anos seguidos, foi quando essa transição se iniciou, sobretudo ali a partir de 2014, porque começou a ser evidente uma coisa, que era, nós íamos ter que crescer online, íamos ter que começar a trabalhar para as assinaturas digitais, era um processo que tinha que começar a ser feito, ficarmos à espera que as coisas não acontecessem era um absurdo, parar o vento com as mãos é uma coisa que não faz nenhum sentido, foi um processo que demorou muito tempo, e a minha questão é, na televisão eu acho que vai ser mais rápido, acho que vai ser mais rápido. Achas que demorou mais tempo a começar? Não, o tempo que um jornal como o Expresso teve para fazer a transição, aliás que ainda está a fazer, não é? Natural, ainda bem, porque tem muitos leitores em papel, e ainda bem que tem, na televisão eu não sei se o processo não vai ser um bocadinho mais
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rápido. Sim, sim, ou seja, demorou mais tempo para descolar, iniciar esse processo, mas uma vez começando é mais rápido. Veremos se vai ser ou não, mas eu acho que pode ser mais rápido.
Ricardo Costa
Agora, estas revoluções estão sempre ligadas à tecnologia, sempre, não é? A revolução agrícola também estava, e à publicidade, há uma coisa que as pessoas esquecem, que é, a imprensa quando apareceu era cara, era uma cópia, que as pessoas liam ali no café, era uma coisa cara. O que tornou a imprensa barata, chamada penny paper, ou penny press, foi a publicidade, ou seja, o que massificou a imprensa, o que fez com que naquelas imagens nós vemos as fábricas, cada operário a chegar à fábrica com o jornal debaixo do braço, o que tornou a imprensa muito popular e muito barata foi a publicidade, não foi rigorosamente mais nada, foi a publicidade, que a imprensa já tinha nascido, na altura estava muito ligada a temas do século XIX, muito ligadas à igreja, a igreja era uma forte proprietária, ainda hoje é, mas na altura era uma grande proprietária das igrejas, várias eram proprietárias, os sindicatos, as maçonarias, as carbonárias, por aí fora, eram coisas muito ligadas, círculos mais monárquicos, era uma imprensa também muito ativista, mas era de núcleos muito pequenos, havia muito poucas cópias, as pessoas liam em conjunto, liam numa mesa do café, na mesa do clube, na mesa do não sei o quê, pronto, na mesa do sindicato. O que a massificava, ou seja, o operário que queria ler a imprensa tinha que ir à sede do sindicato, ou da associação, se fosse essa legal, ou fosse clandestina, o que massifica a imprensa, comparada por um péni, não é uma coisa muito barata, por 5 estões, é a publicidade, foi isso que permitiu que se passasse a vender jornais muito baratos e a facilitar a sua distribuição, e, portanto, toda a história, toda a imprensa, o boom da imprensa, depois da rádio, da televisão, é feito em cima de publicidade, e o da internet, no sentido de usar uma distribuição social à borda. O que agora está a acontecer, no caso dos jornais, é um rebalanceamento entre publicidade e assinantes. A publicidade continua a ter um peso muito importante, mas o peso dos assinantes será crescente. As pessoas têm que pagar mais, no ponto, sim. Não é pagar mais, vão ter que ser mais pessoas, não é tentar alargar essa base. E é interessante hoje ver como, apesar de tudo, há pessoas, neste caso os 20 e os 30 anos, que estão disponíveis para assinar, quando há 20 anos, as pessoas que nessa altura tinham 20 ou 30 anos não estavam disponíveis para assinar. Eu acho que isso tem muito a ver com a questão do, estou a simplificar, mas acho que tem muito a ver com a questão do Netflix e do Spotify, as pessoas perceberam a vantagem de poder ter um bom serviço digital. Claro que isso também exige que quem, os assinantes não têm, como podemos dizer, na internet não há tolerância ao atrito, as pessoas não estão disponíveis para ver as coisas a andar à roda, eu carreguei uma coisa e quero ver logo, se o interface da Netflix ou da HBO não está a andar, ou da Opt, ou do que for, as pessoas começam a ficar irritadas e, ou seja, há tolerância, não há atrito, o atrito tem que ser zero, não é? E isso é extremamente exigente também para as empresas de comunicação social, que nunca foram empresas tecnológicas, no sentido, tinham tecnologias mais simples, trabalhavam com tecnologias mais simples, tinham, pronto, pessoas que sabiam de impressão, mas a impressão era fora, pessoas que sabiam de emissões de sinais de rádio ou sinais de televisão, mas não eram empresas tecnológicas, renovavam o seu parque tecnológico sem existir tempo, quer numa rádio, quer numa televisão, quer num jornal, mudavam -se os PCs, as máquinas fotográficas, de repente, as empresas de comunicação social têm que ter um lado tecnológico extremamente complexo, que é, cada vez que muda o Android ou muda o iOS, aquilo tem que funcionar bem, e isso é super exigente e super complicado para as empresas de comunicação social.
José Maria Pimentel
Sim, e tu estavas a dizer, esse ponto é importante, que este modelo novo não pressupõe que as pessoas paguem mais pelo consumo de informação, ou seja, os assinantes paguem mais, um assinante de hoje, médio, pague mais do que pagava no passado. Não, eu acho que não. Ou seja, a lógica é conseguir mais assinantes, uma maior proporção de população, se quiser. A lógica tem sobretudo a ver ter mais assinantes, o que em Portugal
Ricardo Costa
é um problema dado a dimensão da população, não é? Exato. E a dimensão da população, o poder de compra e o tema da língua, não é? Que não é fácil entrar noutros países. Ah, claro, claro. Ao contrário dos jornais...
José Maria Pimentel
Sim, sim, eu ia -te perguntar isso há bocadinho, porque o público, por exemplo, já fez umas tentativas de parcerias com o Folha, por exemplo, até tiveram uma assinatura, não sei se ainda têm uma assinatura conjunta. Têm, têm uma assinatura conjunta com o Folha de São Paulo. Que é uma ideia gira, mas tem grandes duvidas.
Ricardo Costa
Não sei se funciona ou não, não conheço os números, mas isso são parcerias que podem existir. Agora, a ideia de que vai haver milhares de pessoas a assinar não sei quem noutro país é difícil, apesar de nós termos muitas pessoas lá fora, e portanto é natural, na imigração sim, mas não é uma coisa mais óbvia nem mais fácil do mundo.
José Maria Pimentel
E tu achas que este modelo já está aprovado mesmo em países com a dimensão de Portugal? Ou seja, o Financial Times é um mundo completamente diferente. Não, nos jornais, acho que já está. Estou falando nos jornais? Já está. Isso é muito interessante.
Ricardo Costa
Eu não conheço em detalhe as contas do público, nem as contas do observador, conheço -as de expresso, mas acho que o caminho é completamente este. E repito, admito que haja jornais económicos que também o consigam, não sei, embora aí a escala é mais complexa, os jornais desportivos não falo porque não conheço as vendas, nomeadamente as vendas digitais, mas, noutros países, há jornais desportivos que funcionam
José Maria Pimentel
com assinaturas. Tu já deste várias vezes o exemplo da Netflix, a Desbioses e Afins. E uma dúvida que eu sempre tive, aliás até cheguei a ter com um amigo um projeto de lançar uma plataforma desse género, porque é que nunca existiu, aliás já existiu uma ou outra, mas porque é que nunca pegou uma plataforma para jornais no modelo Netflix -Spotify?
Ricardo Costa
Porque eu acho que houve várias hipóteses, houve várias ideias disso, por causa da marca. Porque no fundo o que as pessoas querem é ser leitoras de uma coisa, depois pode houver de várias, mas da marca. As pessoas entram, a ideia é de haver uma espécie de um lab, um sítio onde eu chego e vejo notícias de vários e isso na maior parte dos casos não pegou. Houve várias tentativas internacionais, houve depois até uns tipos belgas que lançaram uma ideia de que o assinante tinha direito depois a ler X artigos de cada jornal, também tem muita gente que achou que era só isso, que as pessoas queriam só ler. Sabes, muita gente achou coisas erradas, ou seja, durante muitos anos eu lembro de ouvir dizer que na net ninguém queria ler coisas grandes, só queriam ler coisas curtas. Nada mais errado, completamente errado. Os textos longos, os long -form, seja de jornais portugueses, seja de jornais estrangeiros, são os mais lidos, ou são dos mais lidos. Mas durante muitos anos, o que se dizia, já estamos a falar há muitos anos, há 10 anos, dizia -se, não, não, textos curtos, ninguém quer ler uma coisa longa no telemóvel. Sim, sim, sim. Completamente errado. As pessoas diziam, ninguém ia ler uma coisa longa, não é verdade, as pessoas leem. Era o que dizia em relação aos podcasts também. E portanto, houve muita coisa errada. Porquê que era errada? Porque todos nós dávamos opinião partindo do que era a nossa experiência anterior. Nada mais errado. Sim, sim.
José Maria Pimentel
E inicialmente parecia, inicialmente parecia que era esse o caso, mas depois comprovou -se que não, não é?
Ricardo Costa
Mas só para responder mais diretamente à tua pergunta, a minha divergência com uma boa parte dos jornalistas sobre isto tem a ver com, ou uma boa parte, ou com alguns, tem a ver com a questão da fatalidade e com a questão do achar que isto se resolve por ajudas estatais. Ia -te perguntar isso também. Sistemas muito complexos de subsidiação, eu não acredito muito nisso. Não me choca, por exemplo, há um ponto importante, eu não gosto de dizer, ah, a imprensa é mais, o jornalismo é mais importante que isto ou aquilo, eu acho que é mais importante que uma série de coisas, mas não me fica bem dizer isto, acho que, não gosto de falar em causa própria. Agora, acho que é possível, por exemplo, haver apoios de programas, de programas nacionais, europeus, que tenham a ver com reconversões tecnológicas, com, quer de maquinaria, quer de pessoas, das pessoas serem reconvertidas, no sentido em que as alterações são profundas do ponto de vista tecnológico e que um jornalista que já tem 30 anos de experiência às vezes, pá, de repente com o número de programas com que se tem que trabalhar é normal. Claro. Poder -se haver programas desse género, pode haver apoios, imagina, sei lá, aquelas coisas que às vezes dizem, poder ter desconto no IRS das pessoas fazerem assinaturas de jornais, isso admito que sim, agora a ideia que, embora aí eu gosto sempre de ver é, o que é que já se experimentou noutros países, o que é que funciona, o que é que não funciona, porque nós estamos aqui a lançar ideias que às vezes estão -se a tentar a inventar a roda e há coisas que já se experimentam noutros países, que funcionam e que podem ter alguma lógica. Agora, a partir daí, depois eu sou completamente contra a ideia do género, ah, então, mas se puder haver assinaturas que, pronto, de alguma forma o Estado apoia, nem que seja por via fiscal, mas só pode ser de certos jornais, não pode ser daquele ou do outro que é tabloide, isso é ridículo. É ridículo não, é completamente absurdo. Não, então é de qualquer coisa que seja, não é, porque senão, depois, então, quem é que divide...
José Maria Pimentel
Mas repara, eu inclino -me nessa direção da tua posição, mas fazendo um bocadinho de advogado do diabo, há jornalismo que é perfeitamente legítimo e que tem pessoas interessadas e que vende e depois há jornalismo que pode criar um valor social
Ricardo Costa
maior do que... Certo, mas a partir do momento em que entras numa espécie de apoio do Estado, nem que seja um apoio no sentido de rebate fiscal, pá, tem que ser o que estiver registado na ERC e que seja considerado um órgão de comunicação social, pode ter, não há outra solução, senão vais ter que ter um júri a escolher o que é que é e depois acabas numa espécie de júris do cinema português, não faz sentido nenhum. É complicado, eu sei... Não podes, não tens outra... Não tens, não tens. Eu, no fundo, eu preferia, eu acho que o Estado devia estar fora disto, a única maneira que eu vejo hoje, atenção, posso daqui por dois ou três anos ter uma opinião eventualmente diferente, é através, depois, desta natureza, um, apoios à indústria de mídia, no sentido de reconversão tecnológica, reconversão profissional, apoios que não sejam, tipo, para tirar dinheiro para cima das questões sem qualquer lógica, eventualmente apoios ao consumo, no sentido em que, se eu for assinante, ou estudante, ou etc, ou seja, poder ter, ou as pessoas já trabalham no seu IRS e se puder ter um desconto qualquer, ok, porque há uma questão da importância da comunicação social, da importância da língua também, não é uma coisa completamente especianda, não mal tudo bem, que não é por acaso, porque é que a maior parte das, na maior parte, não de todos os países europeus, têm televisões, com exceção de Luxemburgo, têm televisões públicas, muitas vezes, isto discutiu -se muito no tempo da Troika, quando houve a desregulação, muitas pessoas não perceberam, não tem a ver, só, ai, porque o ministro quer mandar fazer o telejornal, não. O principal tema da maior parte, dos governos europeus todos, aliás, com exceção, repito, de Luxemburgo, Luxemburgo, aquilo é um, curiosamente, não sei quantas línguas, né, que, aliás, financiam brutalmente jornais para existirem jornais em Luxemburguês e nas línguas das comunidades locais, inclusive o português. Mas isso é uma outra questão, é um Estado muito rico e pode fazê -lo. Mas a principal razão dos Estados manterem televisões públicas tem a ver com a língua e a cultura. Mas a cultura no sentido lato, não é a cultura no sentido São Carlos, no sentido completamente lato. E, portanto, a questão da língua e da comunicação social na língua portuguesa não é uma questão menor, então, numa altura em que toda a gente, tendencialmente, aprenderá mais o inglês e vai ter cada vez que consumir mais coisas noutras línguas, portanto, não é uma questão menor e é importante ter uma política, repito, política não é agora definir do subsídio ao teatro ou subsídio ao cinema, que é outra questão completamente diferente, é uma política no sentido de deve ou não se deve manter este ecossistema, um ecossistema em que haja comunicação social de língua portuguesa. Mas tem que passar por um canal público?
José Maria Pimentel
Ou dois, na verdade, temos dois.
Ricardo Costa
Isso é um tema diverso, mas, sim, eu acho que tem que passar por um canal público. O passar por dois também, na maior parte dos países, é o que há. Eu não falei muito na altura, já foi há muitos anos que eu estava no Expresso, sobre a questão da privilegiação da RTP porque a coisa que eu dizia parecia que estava sempre a defender a minha posição ou o grupo onde eu trabalhava. E é muito difícil desligar disso, porque as pessoas dizem ''ah pá, estás a defender isso só por dar jeito assim que existe a RTP ''. Pronto, a partir daí a discussão não pode acontecer. É impossível, não é? Pronto, eu digo, vamos retirar esse fator. Eu e Gustavo dizia sempre a mesma coisa, então olhamos lá para fora e vamos ver porque é que Estados bastante liberais ou muito liberais não privatizaram a televisão. Vamos ver. E porquê? E as respostas estão lá todas. Mesmo quando houve o caso de uma concessão de uma rádio, que eu, na altura, atenção, eu já não estudo isto há bastante tempo, mas eu lembro -me ali em 2011, 2012, 2013, o único caso de concessão de uma rádio pública a entrega privada era na Dinamarca. Tudo o resto era onde estavam nos Estados. E porquê é que estavam nos Estados na Alemanha, porquê é que estão nos Estados na Holanda, porquê é que estão nos Estados na Irlanda, porquê é que estão nos Estados na Inglaterra. Língua, cultura, língua, cultura e não passa disto. E por isso é que não foram privatizadas, ou seja, em Portugal pensa -se muito pouco estratégicamente, mas no tema das privatizações eu tenho uma posição muito liberal, sempre tive. Por exemplo, eu acho a TAP um desastre ter sido nacionalizado, um erro total. Mas o maior desastre, na minha opinião, foi a privatização da REN. Não porque, nós estamos aqui, aliás, a gravar com eletricidade em tua casa, e portanto a REN na alta, na distribuição alta, depois aqui chega a EDP, ou a Endesa, ou a Iberdabola, mas a REN está a distribuir a eletricidade pelo país. Mas porquê que eu fui contra, e sou contra, e acho que devia ser nacionalizada, a maior parte do capital? Porque é uma questão de segurança, e de segurança nacional. E então privatizar uma empresa a favor de um Estado estrangeiro, que foi o que Portugal fez, foi na China, é, na minha opinião, uma loucurinha, e nenhum outro país europeu fez. Sim, sim, esse ponto parece -me vivo. E acho que um dia isso há de ser resolvido. O que Portugal não tem é para isso, também não pode, enfim, afrontar, não é enfrentar, afrontar acionistas estrangeiros, assim, por lá que há aquela palha, mas é uma questão de segurança nacional. E vê -se agora, com as divergências, com a China, etc., ter a rede nacional de eletricidade na China, é uma loucura. Nas mãos da China. Não faz sentido nenhum, os chineses não vão desligar isso de um dia para o outro, mas não faz sentido, é uma questão própria. Sim, sim, eu estou de acordo. Isso é o que eu estou a dizer, eu tenho uma posição em relação às privatizações, completamente sou a favor de privatizações, praticamente tudo. Por exemplo, achei bem a municipalização da Carris, aliás, é uma discussão que está em outros países, por exemplo, em Inglaterra, o Financial Times, insuspeito nas últimas eleições legislativas, fez um editorial a defender a nacionalização de alguns transportes públicos e de alguns serviços municipais de água, porque estavam a correr mal, o serviço aos clientes era mau, o investimento era péssimo, e, portanto, devia ser revertido para depois, mais tarde, voltar -se a privatizar, porque tinha de parar à mão de fundos financeiros que não estavam propriamente, eu acho que eram os transportes públicos de Manchester, se não estou engano, e era uma linha de caminhos de férrego, acho que uma que ia para o sul de Londres, que era péssima, tinha um péssimo serviço, e, portanto, eles diziam, não corre bem, nacionalize -se, porque o papel do Estado é, se a coisa não corre bem, nacionaliza, paga o que tem que pagar aos acionistas, afina a empresa, e depois, quando achar que está em condições de privatizar e há operadores decentes no mercado para ficar com elas, ficar. No caso da RTP, eu acho que essa discussão é uma discussão meio a circular, mas acho um erro enorme, e digo sempre isto, muitas pessoas diziam, não, mas porquê, aquilo custa x dinheiro, certo, eu percebo a questão do ponto de vista financeiro, eu percebo, mas eu digo, então, porquê que em Espanha não privatizam, porquê que em Itália não privatizam, porquê que na Grécia não utilizam, agora vamos para outros países que tenham contas mais direitas, ok, porquê que na Alemanha não privatizam, porquê que em Inglaterra não privatizam, porquê que em Irlanda não privatizam, e as pessoas não sabem responder, ou então dizem, ah, porque têm dinheiro, e os outros dizem que não têm, e não conseguem responder, e não conseguem responder porquê? Porque o tema é diferente, e aqui não é necessariamente um tema de segurança nacional como a REN, ou seja, nós quando pensamos em temas de língua e cultura, repito, cultura, sentido lato, temos que o pensar em décadas, não é? Aliás, Portugal tem um tema muito interessante, uma das opções, e acho que a Adriel Pedro Busri falou nisto aqui quando veio aqui ao teu podcast, que é, uma das opções mais curiosas que Portugal tomou na sua televisão pública foi legendar os filmes e as séries, e isso permitiu que as pessoas aprendessem a falar línguas, e os portugueses falam em média muito melhor línguas estrangeiras do que os espanhóis, ou do que os italianos, ou do que os franceses, aí houve uma política cultural, uma política de língua foi, tudo tem que ser dobrado. Provavelmente cujas consequências eles não tinham no início. Para dizer que isto tem efeitos muito a longo prazo. Portanto, uma televisão pública, eu não tenho que estar aqui a defender a RTP, tem um papel, depois qual é o papel? É um tema muito mais complexo.
José Maria Pimentel
E tu reconheces que os limites que tu falavas há bocadinho à intervenção estatal também se aplicam à televisão e à rádio, não é? Ou seja, os teus prioridos em relação à intervenção estatal ou à subsidiação do jornalismo em outras áreas, neste caso são muito maiores, não é? Sim, sim. Até sou que eu até simpatizo com essa posição.
Ricardo Costa
Isto é um tema muito complexo. Eu lembro -me há uns anos houve um colóquio que o Sindicato de Jornalistas organizou ali em Cascais, com o patrocínio da Presidência da República, onde vem uma francesa, Julia Cagé, eu digo o nome dela, embora o nome dela seja totalmente diferente, que tem uma tese ultimamente bem feita, muito bem pensada, no fim dela tem aquilo pensado de caba raso, com um sistema de subsidiação e de compra, só que aquilo não tem nenhuma praticabilidade, eu acho aquilo um absurdo completo, é um sistema quase utópico.
José Maria Pimentel
É dos leitores se tornarem mais ou menos quase que acionistas do jornalismo.
Ricardo Costa
Porque é que eu não concordo nada com aquilo? Porque a ideia deles é, parte deste princípio é, o jornalismo não vai poder viver da publicidade. Ponto. Logo, vamos já para o modelo seguinte. E eu acho que isso não é verdade, não está a ser verdade e não é verdade até hoje, mesmo em França, o caso onde ela apresenta a coisa não é verdade. Há jornais em França que são sólidos, que são...
José Maria Pimentel
Mas eu acho que o ponto, eu acho que o ponto dela é mais amplo do que isso, é no sentido dos jornais, já anteriormente, ou seja, já antes da crise, não estarem a cumprir, segundo ela, totalmente o seu fim social. É, o seu fim social, estarem muito dependentes pelos empresários e da... E do lucro. Por exemplo, uma coisa que ela diz, não sei se é verdade, porque eu não li o livro, é que os cortes... Eu também só vi a apresentação que ela fez, não li o livro dela.
Ricardo Costa
Mas se calhar viste o gráfico que eu não ia ver. Vi vários gráficos, ela fez uma apresentação bem feita.
José Maria Pimentel
Os cortes na investigação, ou seja, nas redações, na parte das redações dedicada à investigação a sério, digamos assim, começaram muito antes, segundo ela, muito antes da crise.
Ricardo Costa
Certo, só que isso, repara, isso é verdade e é uma tanga ao mesmo tempo. Porquê que é verdade? Ok, pode -se dizer. Porquê? Porque já houve alturas em que os jornais eram mais robustos. Porquê que eu acho que é uma tanga? Primeiro porque continua a haver investigações, vê -se, em vários jornais, nomeadamente em jornais franceses, por exemplo, país de onde ela... Vários. Há investigações, várias, as investigações deitaram ministros abaixo, as pessoas deitaram candidatos presidenciais abaixo, vários escândalos de todo o género que tenham sido... Até jornalismo em rede, que não tinha -se tanto antes, os consórcios. Seja em França, em Espanha, em Portugal, em Inglaterra, nos Estados Unidos, no Brasil, continua a haver. E depois porquê? Porque é que há aqui um ponto que é esse, se quisermos, o maior ponto de divergência que é. Primeiro, então, se recuarmos um pouco mais, como eu há pouco dizia, a publicidade é que permitiu a popularização da imprensa, a imprensa ser literalmente popular. Popular no sentido de as pessoas com menos dinheiro, com profissões menos qualificadas poderem ter acesso os operários que compravam jornal todos os dias, que era uma coisa que se via com muita frequência. Nos anos 70 havia -se ainda em Portugal e até o final dos anos 70 havia -se muito. E nos anos 80 ainda. Primeiro, foi a publicidade que permitiu isso. Segundo, é óbvio, e aí é que é o ponto que quase sempre nessas discussões tira -se da equação a palavra tecnologia. E é isso que eu não percebo. Porque a tecnologia sempre teve um efeito brutal e transformador no jornalismo. Agora não falo sequer de outras áreas que também teve, mas estou a falar só de jornalismo. Sempre foi inventado alguma coisa, seja o telex ou o telegrama, seja depois a coisa na rádio, seja a televisão, seja a internet, naturalmente sempre teve um impacto e transformou completamente o jornalismo. E transformou, nomeadamente, a velocidade da que se faz jornalismo e a forma como se consome o jornalismo. E o grande problema ou o grande desafio, quando há pouco dia nós temos que continuar a fazer dois, estou a falar agora do caso assim, dois jornais grandes às uma e às oito da noite. Fazer um canal de cabo e crescer cada vez mais num site porque vamos ter mais pessoas a chegar a nós por via digital e ao mesmo tempo também outro tipo de plataformas como a Opto. Nós temos estas frentes todas. Ao mesmo tempo há um outro problema e esse é o maior desafio das redações. Esse é um problema que o leitor não tem nada a ver com isso, só o espectador. Mas esse sim é mesmo para mim até o maior dos desafios, que é o chamado desafio das velocidades diferentes. Que é, assim como a internet me permite a mim à hora que estou aqui, fim da tarde, se eu quiser abrir um site, eu consigo ter acesso a informação a esta hora, eu consigo, se quiser escrever agora, não tenho que escrever à meia -manhã, posso escrever às duas da manhã, posso escrever quando eu quiser. O leitor ou o espectador que acorda quer ver as coisas ou quer ler as coisas àquela hora. Eu quero ler um artigo agora. O Ronaldo foi para o Al Nasser e eu quero ler um artigo sobre a Arábia Saudita. Eu acordei às sete da manhã e eu quero ler o artigo às sete da manhã. E portanto alguém tem que escrever esse artigo para às sete da manhã. E esse é de facto um problema, que é o problema de por um lado nós temos que ter a dar coisas em direto, ter a capacidade de resposta do imediato, ter que estar a profundidade ou a investigação de pessoas que podem estar um mês ou dois a fazer um trabalho e por outro lado temos que ter pessoas que estão a escrever às sete da manhã e pessoas que estão a escrever às duas da manhã. E isso é a parte mais complicada porque antigamente não era assim. As coisas eram mais organizadas em termos de fluxos e de entregas, o output como se diz pomposamente, mas nós trabalhávamos para um jornal que saía às oito da noite, uma coisa que saía à uma da tarde, para um imediato nas cinco notícias ou para um jornal que saía no sábado e de repente uma pessoa está a trabalhar para uma coisa que é para daqui a meia hora ou para daqui a quatro horas, outros estão a trabalhar para daqui a três semanas e outros estão a trabalhar para amanhã de manhã e isso de facto tornou as redações numa organização muito mais complexa, muito mais complexa. Não tem qualquer comparação. Eu lembro -me quando eu comecei a trabalhar em 89, como estagiário no Expresso, as pessoas estavam todas a trabalhar para um jornal que saía no mesmo dia e a única diferença é que a revista fechava à quarta, a Economia fechava à quinta e o Prima Caderno fechava à sexta, havia assim um ciclo de resto. A organização era completamente parecida, era completamente, e não era igual porque havia obviamente uns jornalistas mais noctífagos que outros, mas fora isso não havia mais nada, não havia rigorosamente mais nada. É uma diferença gigante. E mesmo quando depois passei para a televisão em 92, nós trabalhávamos para um jornal que era às oito da noite, outros que eram, na altura ainda não havia o primeiro jornal, outros que eram para uma da tarde, o grupo de pessoas que tinha entrado ali às oito da manhã estava a trabalhar para um jornal que era para uma da tarde, os públicos que entravam ali pelas dez, onze da manhã estavam a trabalhar para um jornal que era às oito da noite. Pronto, depois havia outros que entravam um bocado mais tarde porque era para um jornal que era à meia -noite. E depois, só mais tarde é que alguns começaram a trabalhar para uma coisa que era para domingo ou porque era para daqui a duas semanas, ou para uma grande reportagem que tinha ali uns fluxos mais horizontais mas para meia dúzia de pessoas. Hoje a complexidade de uma redação como a onde eu trabalho, ou em RTP, a TVI, a CNN, serão muito parecidas, ou a complexidade de uma redação como é a do público ou do Expresso ou do Observador não tem nada a ver com o que eram de um jornal, ou como era uma televisão. E essa complexidade de ritmos diferentes, de velocidades diferentes é brutal porque, repara, morre o Pelé. Pá, há pessoas que vão querer saber, ver o que é que está a acontecer, e os comentários, e os comentadores e o tipo que jogou com o Pelé, e não sei o quê. Ao mesmo tempo há pessoas que vão querer ler um artigo que conta toda a história do Pelé e tal, e não sei o quê, que se calhar demora pronto, só vai estar pronto daqui a três ou quatro horas ou já estava escrito e tal. E há outros que se calhar vão ver umas coisas, depois um documentário que agora vai sair sobre o Pelé que alguém está a fazer durante não sei quanto tempo. E tudo isto são coisas, são ritmos. E se quiseres, na mesma redação, podem estar a fazer ao mesmo tempo isto. As pessoas que estão ali literalmente para o... Acabou de morrer o Pelé e tem que estar ali duas horas a falar do Pelé. Outros que vão estar a fazer coisas para daqui umas horas mais longas, mais pensadas, mais isto sobre o Pelé. E outros que se calhar vão estar, ou outro que vai estar um mês a fazer uma coisa sobre o Pelé de duas horas.
José Maria Pimentel
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Ricardo Costa
Precisa. E esse sim é o maior problema que a comunicação social tem hoje e que leva muito ao tema dos salários, que é o tema mais complicado. Porque ao precisar de mais gente, porque precisa, os meus patrões não gostam muito de ouvir isto, mas precisa. E precisa porquê? Porque tu disseste e vou especificar mais. Por exemplo, redes sociais. Tu tens de ter equipas que trabalham redes sociais. Ora, essas equipas estão a trabalhar redes sociais, não podem estar a fazer mais nada, não faz nenhum sentido que façam mais nada porque não vão estar a fazer mais redes sociais. Porque isso não existia antes. Tu cresces num site, eu não tenho grandes dúvidas que as áreas onde vais crescer mais nas redações serão sobretudo áreas digitais. Podcasts, redes sociais, sites, no sentido lato. Lato do termo. É mais difícil crescer em televisão ou crescer em, como clássico, por exemplo, se fizeres um jornal e vais precisar mais pessoas de infografias, de áreas de animações, de questões que tenham mais todas as vezes jornalismo de dados, uma série de outras coisas que é natural que vão crescendo cada vez que tenhas mais produção digital. E a questão é que não vais precisar de menos jornalistas. Portanto, isto é um problema. E porquê que isto é um problema? Porque depois, se o dinheiro é menos, isto tem um problema muito complexo de resolver os chamados custos fixos. E esse é um problema. É um problema porque depois generalizam -se salários mais baixos ou muito baixos e isso é, de facto, um problema que tem que ser progressivamente resolvido e é um problema muito complexo. Para mim esse é o maior problema. Para mim o maior problema não é o quando as pessoas dizem qual é o futuro da comunicação social. Eu isso é muito frio, muito prático. Há coisas que vão fechar, há outras que vão abrir, há coisas que vão durar, há umas que vão continuar, há umas que vão desaparecer. Mas eu já vi antigamente, agora vamos antigamente falar como pessoa que já tenho 54 anos, eu vi muitos jornais fechar. Eu vi o Independente fechar. Algum dia eu imaginava quando o Independente não vinha nascer e vi fechar. Quando nasceu eu estava na faculdade, adorei aquilo, eu era já um grande leitor do Expresso, mas achei aquilo o máximo. Epá, e fechou, passaram uns anos. As razões pelos que fechou, eu tenho uma opinião muito particular sobre isso. Se quiseres partilhar. Eu acho que, atenção, não é nenhum de mérito para as pessoas que lá estavam, estavam grandes jornalistas ainda lá, mas porque deixou de ter objeto. Um bocadinho havia ali aquela coisa da filosofia alemã, acho que é do Fichte, o eu e o não eu, não é? Portanto, o não eu era o cavaco, era muito vício. Mas a minha impressão era essa também. Quando o cavaco desaparece, e ainda por cima, coincidentemente, o Paulo Portachai, há um objeto que desaparece. Teve muito a ver com isso, porque a redação manteve uma qualidade muito grande durante muitos anos e, portanto, eu acho que teve a ver com isso. Mas pronto, eu vi fechar o Independente, eu vi fechar o Semanário, vi fechar o Jornal, o jornal que o meu pai lia desde que eu nasci era o Diário de Lisboa. Eu vi fechar o Diário de Lisboa depois de uma tentativa de fazer até um grande renascimento do Diário de Lisboa com o Mário Mosquita, numa equipe em que estava com o Diana Andringa, onde estava o António J. Teixeira, etc. E foi um... Até fez ali uma espécie de jornal, melhorou brutalmente, foi um grande jornal, assim, mais denso, e não aguentou o embate com o público. Vi nascer o público, felizmente ainda existe. Nós já vimos nascer e fechar. Portanto, eu, quando eu digo assim, vão fechar coisas. Sim, vão fechar coisas. E vão aparecer outras. Não é aquela coisa, tipo, visão ultraliberal da economia, mas no sentido é uma visão liberal, e eu tenho uma visão liberal, acho que as coisas que não têm viabilidade económica fecham. Pronto. E aparecem outras. E eu ainda por cima daí tenho uma posição que é, não é que seja condição sine qua non, no limite pode não ser, mas a viabilidade económica é fundamental à independência jornalística. Depois dizem, pá, por exemplos, o Guardian, durante anos, porque vivia de um endowment lá de uma fundação, o Público é um jornal, não estou aqui a dizer acho que nada de grave, que dá prejuízo e que a SONAI, como acionista única, todos os acionistas têm assistência, e é um jornal independente, não tenho a mínima dúvida sobre isso. O próprio Observador, penso que ainda não chegou, como um todo, em jornal e rádio, ao site e rádio e a Breakeven positivo, não me parece que tenha chegado, não sei as contas de 2022, parece -me um jornal independente, porque tem acionistas que, sempre que é preciso um aumento de capital, asseguram um aumento de capital. Eu acho isso legítimo. No longo prazo, e eu gosto de olhar estas coisas com prazo, acho que o que não tem viabilidade económica dificilmente tem independência jornalística. Por isso é que a questão da viabilidade económica é fundamental. E quando dizia há coisas que vão fechar, sim, há coisas que vão fechar, e vão aparecer outras, e vão aparecer outras completamente só digitais, e vão aparecer outras não sei o que mais, tantas coisas que apareceram nos últimos anos que nenhum de nós imaginava que iam aparecer, projetos independentes, jornalísticos pequenos, como o Fumaça, como o Divergente, como outros. Ainda bem que apareceram, e ótimos. A questão é quanto pagam, não é? Era isso que estavas a falar há um bocadinho, não é? Não, isso é uma outra questão que muitas vezes até se coloca mais nas grandes redações. Coloca -se em todas, mas coloca -se mais nas grandes redações porque de facto algumas das linhas de receita que tinham maiores, que eram os da publicidade, estão a diminuir, não é nada abrupto, mas há alguma diminuição de vez em quando e depois aguentar este desembate é complicado, porque é muito mais difícil fazer uma transição numa coisa que já tem 20 ou 30 ou 40 anos do que numa coisa que tem um ano ou dois, não é? Uma coisa que já nasceu completamente digital já nasceu com pressupostos económicos completamente diferentes.
José Maria Pimentel
Claro, mas repara, quer dizer, eu percebo isso do ponto de vista de uma organização que já existe, tem muito mais pessoas que se calhar não se conseguem adaptar bem, tem uma série de custos fixos que, por exemplo, não é fácil eliminar e isso acontece em todo lado, mas o que me pareceu da tua descrição é que para esta realidade nova é de facto que precisa muita gente, porque é preciso muita gente para produzir, é preciso muita gente para vender -se, ou seja, as pessoas que estão nas redes sociais, no fundo, estão a vender o jornal, não é?
Ricardo Costa
Ou aquele meio. Não só estão a vender, estão a trabalhar para repara, tu hoje tens pessoas que seguem a Cico Notícias, por exemplo, mas, por exemplo, a BBC ou o QZ e tu dizes, mas o que é que leio? Ah, só sigo no Instagram. E consideram -se leitores do público, mas só leio o público no Instagram. E tu vais dizer, não, não são? São, são as pessoas que consideram leitores e tens que trabalhar para aquelas pessoas. Repara, a Cico Notícias tem 400 e tal mil seguidores no Instagram. É um número bastante forte, tens que trabalhar para estas pessoas, não faz nenhum sentido não trabalhar para estas pessoas. Agora, qual é a receita que tens dali? Para já, zero ou muito pouco. Podes vir a ter, mas é uma questão complexa. Não estar ali não é uma opção, logo tem que haver mais pessoas.
José Maria Pimentel
Claro, mas a minha pergunta é, já agora uma pergunta antes dessa. Há números da evolução do número de jornalistas no ativo ou das dimensões das redações? Eu não os tenho, mas têm diminuído. Porquê? Eu sei que diminuíram, não sei...
Ricardo Costa
Nos Estados Unidos houve diminuições brutais, sobretudo nas redações, e isto foi muito entre quase toda a Europa. Agora, quase todo o mundo, Europa incluída, depois começou a haver mais recrutamento por causa das novas áreas, novas profissões, novas competências. Vai continuar abaixo. Portugal continua abaixo do que estava antes. Bastante abaixo, presumo que a Comissão da Carteira e o Sindicato de Jornalistas terão os números mais detalhados, mas sim, será um bocado abaixo. Também há questões tecnológicas que foram eliminadas, é normal que essas coisas aconteçam quando há transições tecnológicas. Eu estou a perguntar isto porque daquilo que eu tiro da
José Maria Pimentel
tua explicação... Isto não é bem uma explicação, é mais um...
Ricardo Costa
Sim, da tua tese. Tese é que não é todo, é um pensamento sobre a coisa. Tese não é todo, a tese tinha que estar aqui muito estruturada, eu não
José Maria Pimentel
tenho isso estruturado. Estou a fazer uma interpretação daquilo que aconteceu e pode vir a acontecer. Havia um problema imediato que parece estar resolvido, que é o problema da viabilidade imediata dos jornais, mais especificamente da imprensa, no caso da televisão ainda não está resolvido. Mas mesmo resolvendo esse problema imediato, ainda não se regressou aos níveis de rendibilidade antigos que permitiam ter redações para o modelo antigo e a pagar melhor quanto mais para o modelo novo que os jornais internacionais.
Ricardo Costa
Alguns jornais internacionais são os mais rentáveis do que eram durante muitos anos. Porém, está a falar dos portugueses. Eu, em Portugal, não acho que isso seja impossível. Não acho que isso seja impossível de todo. Ou seja, falando do caso do Expresso especificamente, que eu conheço bem as contas, não é? Por razões profissionais. Não acho nada impossível que o Expresso tenha não vou dizer que tenha valores de rentabilidade dos anos 80 isso não vou falar disso. Mas o ponto de comparação é o pico, não é? Estou a falar de, não acho nada impossível que o Expresso tenha valores de rentabilidade relativamente parecidos com os que tinha há 6, 7 anos, 8 anos, não acho nada difícil. Vais ter que ter, como dizes há bocado, mais gente. Não, a questão aí é, depois isso há transições complexas, depois também é natural que possa haver uma outra profissão que tendencialmente, profissão tipo especialidade interna, que possa eventualmente não precisar tantas pessoas, não sei, pode haver também há reconversão, por aí fora. Nós temos feito esse processo, no caso do Expresso tem sido um processo muito contínuo, mas muito devagar, devagar no sentido muito pausado, vai andando e tem sido bem feito, genericamente. O caso da SIC, quando eu estava a falar, o caso da televisão é um caso que a mim me deixa com uma interrogação maior, como eu dizia bem primeiro, porque estou lá enfiado... Sim, agora tem mais a ver com as tuas funções atuais, não é? Tem a ver com as tuas funções, que é, eu tenho a certeza que a televisão vai passar por uma transformação muito grande, a televisão continua com uma força enorme e vai continuar, no caso do Direto e noutras coisas ainda, mas ao mesmo tempo vai ter uma pressão de publicidade que pode sair, nomeadamente, por outras plataformas. E esta transição é uma transição complexa, dura e como ao mesmo tempo nós vamos ter que trabalhar para mais gente ou para gente espalhada em mais sítios, aquilo que se chama consumo desagregado, a questão é conseguir ir resolvendo esta equação. A única coisa boa é a equação vai -se resolvendo, nós não temos que a resolver em uma semana, nós temos que ter um processo e um caminho para ir resolvendo. E depois, dentro das redações, isto tem que se fazer com um equilíbrio que é um equilíbrio muito complexo, entre pessoas mais velhas e com uma grande experiência, memória, etc. E pessoas mais novas que na maior parte dos casos são estamos a falar de generalidades e depois as coisas não são tão separadas, como é obvio que têm que são tecnologicamente mais ágeis, repito, pois há pessoas mais velhas que estão muito ágeis tecnologicamente e há pessoas mais novas que não têm grande agilidade. Estou a dizer, sinericamente, é assim. E tem que -se fazer essa transição. Tem que -se ir fazendo pouco, mas mantendo essa mistura, porque essa mistura é
José Maria Pimentel
fundamental. E porque é que a coisa que tu disseste já há meia hora que este processo está a começar mais tarde, embora, na tua opinião, vai ser mais rápido na televisão. Porque é que isso acontece? Ou seja, porque é que ele começou antes no... Enfim, eu acho que isso é parte da resposta, mas é... O mais tarde tem a ver com...
Ricardo Costa
Repare um bocadinho, a imprensa era paga, a imprensa era muito menos imediatista, obrigava -te a ir a um sítio comprar aula...
José Maria Pimentel
Mas a publicidade saiu mais rapidamente da imprensa do que da televisão, ou não?
Ricardo Costa
Saiu, porque os hábitos de leitura mudaram muito para a internet e a publicidade foi atrás do Google e do Facebook. E depois o Google e o Facebook tinham um poder de distribuição tal e são máquinas publicitárias e as pessoas esquecem do que é que vive o Google e o Facebook, que é a publicidade. E começaram a ter ofertas muito fortes em cima de conteúdos que não eram deles, portanto, e depois é uma discussão muito mais complicada. E a televisão tem mais que ver com estas novas plataformas? O próprio YouTube... Não, a televisão tinha uma coisa, tinha e tem, uma força brutal, que é por isso é que ainda tem a publicidade que tem, que é nada chega a tanta gente num instante como a televisão, nada.
José Maria Pimentel
Aliás, este relatório do Reuters Instituto que eu te falava há bocadinho, tinha lá uma conclusão interessante de que, apesar do crescimento das audiências da televisão, os jornalistas, se quisermos, as personalidades dos médiuns mais conhecidos, continuavam a ser os pivôs dos programas de televisão. É, porque tem a ver com isso.
Ricardo Costa
Repare, todos os dias, às oito da noite, entre os três principais noticiários, estão quase três milhões de pessoas, um bocadinho menos, mas é muita gente. Já houve alturas em que estavam cinco ou seis milhões, portanto, há uma tendência de erosão. Felizmente aí, estou a falar, obviamente, em causa própria, assim que tem tido uma capacidade de resistência muito forte e bastante superior, mas temos a noção que daqui por dez anos não teremos o mesmo número de pessoas ali a ver. A questão, para nós, não é ficar sentados a dizer, olha, não vamos ter o mesmo número de pessoas, acabou. Não é. Espera aí, então, e o que é que podemos crescer no cabo? E o que é que podemos crescer em digital? E o que é que podemos trabalhar diretamente nas redes sociais? Ou que outros formatos, ou em podcasts? É isso que nós temos que fazer. Reajo, nós, repente, por exemplo, a questão dos podcasts é interessante. Alguns programas da Cic Notícias dispararam em audiência em podcasts, e até há um em concreto que tem mais audiência em áudio do que em televisão, que é o Governo de Sombra, que neste momento é o programa cujo nome não podemos... Isso é bom. Isso é bom. É a melhor coisa do mundo? Não, mas é bom. Tem força televisiva, mas ainda tem mais força em áudio. Pronto, tem um grupo enorme de pessoas...
José Maria Pimentel
E consegue chegar... Por exemplo, os jovens, nós falávamos disso também no outro dia, os jovens, todos os dados tendem a apontar isto, que os jovens vêem, são o público com tipos de consumo mais diferentes e, portanto, que tenderão a ver menos televisão mesmo nessas alturas. Havia aquela coisa do...
Ricardo Costa
A televisão era, como eu costumava dizer, e ainda é, mas numa escala diferente, era o chamado maior denominador comum, coisa que uma pessoa chegava no dia a seguir à escola, no dia a seguir ao trabalho, e dizia, pá, estou visto ontem aquilo, e tu estavas ali num grupo de 10 pessoas, e 8 pessoas tinham visto a mesma coisa, à mesma hora. Hoje, se falares numa... Estão, viste aquilo, ou leste aquilo, primeiro, a probabilidade de haver 8 pessoas que leram ou ouviram a mesma coisa é muito mais baixa, se for menos, provavelmente, e depois dizem, então, e quando é que viste ou quando é que... Todos viram ou leram a horas diferentes, ou quase todas, a não ser que tenha sido um jogo de futebol, um direto, um acontecimento, tipo, no dia em que estamos a gravar, foi o funeral do Pelé. Bem, as pessoas que viram o funeral do Pelé viram à mesma hora, não é? Pronto. Mas o resto, há muita gente que leu um artigo, que viu uma coisa, que viu as declarações, e mais, as pessoas muitas vezes comentam coisas que não viram na televisão, viram só um bocadinho, ou viram no Twitter, ou
José Maria Pimentel
viram no... Mas, olha, desculpa, a minha pergunta era, e é mais longe do que isso, é que os dados indicam... Estas coisas, com base em inquéritos, são sempre... Enfim, a pessoa tem sempre que ter algumas dúvidas, mas, na verdade, este relatório de Reuters dá uma tendência abrangente de alguma fadiga das pessoas com as notícias, por exemplo, e isso é especialmente pronunciado nos jovens, ou seja, e aqui estamos a falar nem sequer consumir, não é? Não é simplesmente consumir numa plataforma diferente ou numa hora diferente, é nem sequer... Esse é um desafio maior, não é?
Ricardo Costa
Embora os números, depois, muitas vezes não dizem isso. Pois, é isso. Eu não estou a dizer que os inquéritos são falsos, nada disso, mas, às vezes, os inquéritos, as pessoas manifestam posições um bocadinho mais vontades do que realidades. Por exemplo, no caso dos preços, está -se a fazer um trabalho muito específico só para o público jovem, artigos para jovens. E jovens é a que idade é que estamos a falar?
José Maria Pimentel
Não sei dizer exatamente as idades, mas é... É que é o conceito um bocado volúvel, não é? É, mas eu falaria de pessoas ali nos vintes.
Ricardo Costa
Final da adolescência, mas, sobretudo, nos vintes. E as coisas correm bem. As coisas correm bastante bem. E convertem assinantes, etc. Pois, há bocado falavas disso, sim. Aliás, se fosse um trabalho de arranjar pessoas que escrevessem sobre certos temas, mesmo, específicos, e as pessoas estão lá. E estão disponíveis. Isto não se chama de consumo desagregado não -linear, é mais fácil. Repara que o pessoal alinha aquilo que se chama um telejornal em Portugal, no jornal da noite, a SIC. A pessoa não pode dizer, agora, aqui, das 20 às 30, das 8h20 às 8h30, vamos só trabalhar para jovens. Isso não faz nenhum sentido, não é? Portanto, tem que se tentar uma coisa que apanha o maior... Agora, quando tu trabalhas em desagregado, não é? Tu podes ter, no mesmo site, um artigo que só está preocupado sobre as reformas, que, sabes, faz -se lidar com pessoas mais velhas. E podes estar com um artigo sobre um tema que achas que tem um grande impacto ou grande interesse só nas pessoas que têm 18, 20 anos. Isso leva -nos à questão de mais pessoas e como sustentar. Essa questão é extremamente complexa porque tens de ter pessoas... Por exemplo, vou dar este exemplo. Trabalhar para jovens, especificamente. Então, tens de ter pessoas que escrevam especificamente isso. Se calhar não é qualquer pessoa na redação que está a escrever os artigos
José Maria Pimentel
para os jovens. E tu achas, por exemplo, há um comentário que eu apanhei da parte de diretores, presumo que sobretudo de jornais, e que achei interessante e não me tinha passado pela cabeça, que era primeiro de um certo contentamento com a transição que tem sido feita e isto vai ao encontro do que tu dizias, ou seja, de que as coisas têm corrido relativamente bem, sobretudo lá está, naqueles jornais maiores, mas de que havia, às vezes, a sensação ou o receio de estar a trabalhar, no fundo, cada vez melhor para um grupo de pessoas cada vez menor. Eu não concordo nada com isso. Não necessariamente cada vez menor. Eu acho que é maior. Mas repara, não sei se é o que está por trás disto, mas o que isto me fez pensar logo é que o que acontecia antigamente, que era que tu podias não comprar necessariamente o jornal, mas passavas no café, eles tinham lá o jornal, tu folheavas o jornal, passavas em casa de alguém, hoje em dia é mais difícil de acontecer, quer dizer, eu tenho a minha assinatura do Público Expresso Observador, posso partilhá -la e, em alguns casos, até assinatura familiar, mas não é assim tão simples. Portanto, pode haver pessoas que, se não estão dispostas a assinar, não leem sequer.
Ricardo Costa
Quase todos os jornais têm um ou outro artigo que está aberto, mas as audiências mostram, quando nós vemos aí, as coisas estão bastante bem feitas, o número de visitantes únicos por mês, estamos a falar, muitos destes jornais têm coisas na casa dos 2 milhões de visitantes únicos, 1 milhão e tal, depende de vários números. É muita gente, ou seja, aliás, esse era o maior paradoxo desta transição, era de repente, se falarmos agora especificamente dos jornais, nunca tinham chegado a tanta gente e nunca faziam tão pouco dinheiro. Chegavam a muito mais gente, mas ninguém os comprava. Por isso é que a questão da assinatura era absolutamente vital. Eu acho que chegam até a mais gente do que chegavam. Há uma questão que se quebrou, sobretudo para essas pessoas, é que deixou de haver uma relação direta, às vezes, com a marca. Por isso é que os assinantes também resolvem isso, que é, o meu pai era leitor no Diário de Lisboa, o meu tio era leitor da Capital. É uma coisa quase identitária, não é? Os dois eram leitores dos précimos, o meu pai era leitor do jornal, o meu tio era leitor do semanário. Portanto, havia um lado de relação direta que, quando o consumo é feito de forma desagregada e é feito, então, quando era muito feito através do Facebook, às vezes as pessoas tinham lido alguma coisa e depois diziam, mas lê -se tão onde? Lê -se no Facebook. Mas o artigo era de quem? Quem? Tipo, jornal, estava a dizer do autor. Não sabiam. Hoje isso diminuiu muito, mas isso era um problema muito grave ali no, estamos a falar há 10 anos, 8 anos, que era, as pessoas liam muita coisa que não faziam a mínima ideia de onde é que era. E isso era dramático, não havia nenhuma valorização. Aquilo que as pessoas diziam, pá, eu gosto imenso deste jornal e teste aquilo, eu gosto daquilo e não gosto daquilo, eu gosto de ouvir a rádio tal e não gosto de ouvir a rádio tal. De repente, quando todo o consumo via através de redes, ou uma grande parte, isso era um problema muito grave. As pessoas não faziam ideia, ah, sim, eu li aquilo, mas era da bola? Ah pá, não sei se era da bola. Os do futebol normalmente sabiam de onde é que era, mas por outras razões. Não sei, não sei onde é que li, pá, ali no Facebook, ou mandaram. Aí é complicado porque aí a marca deixa de ter qualquer valor. No momento é que a marca deixa de ter qualquer valor, isso é um problema. Claro que depois alguns jornalistas irão, há um caminho tipo substec, etc. Isso é uma outra questão, mais complexa, haverá seguramente para alguns jornalistas, mas também
José Maria Pimentel
será para poucos. Claro, sim, enfim, é uma daquelas várias vias que podem resultar no futuro e que não são necessariamente a resposta única. Eu até acho o substec interessante. Não, não, é interessante. Mas uma vez mais, não é para muitos. Sim, sim, claramente. Houve uma coisa que eu achei interessante, até puzzling, uma coisa que me deixou pensar, que tu disseste na entrevista que deste ao podcast do Francisco Alcimão, o sénior, Deixar o Mundo Melhor, e a entrevista é muito interessante, já agora fica aqui a recomendação, e tu disseste qualquer coisa deste tipo, e eu até anotei, pode parecer estranho, mas o nível de tensão do Expresso com os governos é muito maior do que o da SIC. É. Eu achei isso engraçado. Porquê? Por causa da carga política.
Ricardo Costa
Eu disse isso por causa de uma parte que tinha a ver com a minha relação familiar Ah, pronto, já me lembrava, sim. com o facto de ser irmão do Primeiro -Ministro. Claro que eu percebo parte da causa. Não, não, é, eu sabia disto, já tinha trabalhado no Expresso, mas, sobretudo, quando saí da SIC para o Expresso, de 2008 para 2009, eu saí da SIC final de 2008 e entrei no Expresso no dia 6 de janeiro de 2009, eu lembro da data porque o jornal fazia anos nesse dia, e lembro -me, na altura entrei para a direção, a diretora -junto do Henrique Monteiro, e lembro -me, ao fim de 6 meses, tinha mais chatices e incompatibilidades com pessoas do que em 17 anos na SIC. Porque, primeiro, as pessoas irritam -se com aquela coisa das chatas para cima e das chatas para baixo, uma coisa ridícula, deixam de falar e não sei o quê, coisas básicas deste género. Depois, porque eu às vezes dizia, então, mas eu às vezes dizia, porque não ia acabar de vir na televisão, dizia, pá, mas houve ali coisas com o governo, com o presidente da república, pá, mas aquela uma peça na SIC dizia... Ah, ele dizia, está bem, mas aquilo passa, o jornal fica impresso. Eu dizia, pá, mas aquela peça foi vista por um milhão de pessoas e ele dizia você era um bandido, faz de conta. E agora este artigo, dizia que era um bandido, mas este artigo foi lido por 100 mil pessoas. Não interessa, está escrito e é o Expresso e tal. E isso para mim foi, pronto, não foi nada de surpreendente, mas é um facto. E, portanto, quando eu digo que o nível de atenção é muito superior a ele, eu disse isto de uma parte por causa do... Assim, se eu tivesse ficado como diretor do Expresso já não era, de certeza. Não, não, já não era diretor do Expresso, não tenho a mínima dúvida sobre isso. O nível de atenção de um jornal como o Expresso, que o governo é muito superior, a televisão é mais diluída, é uma coisa que está mais... Como é que eu ia dizer? É mais de quem o diz, é mais se é uma coisa que é feita, que acontece no Eixo do Mal ou que acontece sem moderação ou acontece no comentário do José Gomes Ferreira ou acontece no não sei quê de coisas, é menos a televisão é mais a pessoa, a coisa que aconteceu, a reportagem que aconteceu no jornal é porque as pessoas olham mais para... é o Expresso. Pelo menos no caso do Expresso isso foi ver.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é interessante porque há uma parte que não me surpreende completamente, quer dizer, a política tem um peso no Expresso maior do que tem na SIC. A SIC é um canal, a SIC é outro canal de qualquer jornalista, tem uma série de coisas. Tem a ver com televisão, tem a ver com coisas que vêm de trás,
Ricardo Costa
tem a ver com, como eu digo, eu fiquei estarecido, ou estupefacto, quando vi políticos, mas sobretudo empresários, gestores, CEOs, banqueiros a fazerem coisas incríveis, birras incríveis por causa de uma seta a descer, mas coisas incríveis. Será? Ainda hoje eu digo assim, mas qual é, não sei se são os amigos que lhe dizem é pá vieste a descer e tal, não sei, mas ficam tipo umas coisas de pessoas muito maduras, ou que pareciam maduras e ficam doidos mas completamente fora deles com as setas que é uma coisa, estamos a falar em 2022 não faz sentido nenhum, ou 2023 pá, mas é, mas acontece acontece ainda muito quer dizer, eu percebo até certo ponto é um poder um
José Maria Pimentel
pouco desproporcionado, não faz sentido mas será, parte não terá que ver, agora ao ouvir estava a pensar nisso, não terá que ver com o lado sociológico da coisa, quer dizer, pode ter, pode ter vou explicar para quem está a ouvir e muitos deles não ligam à televisão é isso, pode ter mas quando eu
Ricardo Costa
digo, o grau de conflitualidade é muito grande isso mesmo no caso da política e depois também no caso da economia quando dizemos mais empresas, bancos, etc também, bem, então aí era brutal brutal mesmo, era uma coisa pesada ainda é, mas pronto é, embora muita dessa classe empresarial e de banqueiros mudou muito hoje em dia são outras pessoas as coisas estão um bocadinho diferentes mas a tensão era muito, muito, muito grande atenção, as coisas depois passavam uma parte dessas pessoas depois passavam uns tempos já estava tudo bem, estava tudo bom passava para a semana seguinte passava para a próxima edição não, e depois no nível dessa irritação e de cortes as relações, havia uma coisa, uma frase depois que a Angela Silva dizia, que tinha muita graça, dizia e acho que ainda diz voltei -me a dizer, olha isto agora mandou dizer que não fala os preços mais e a Angela depois dizia uma frase que era não te preocupes que eles voltam sempre e de facto eu sempre passei, passavam uns tempos assim do nada normalmente essas
José Maria Pimentel
incompatibilidades estavam sanadas enfim, há algumas que sim, mas é difícil dar -se ao luxo de não falar com os normal sim, mas era com o tempo, passava eu estava a olhar, no mesmo retório que eu te falava um bocadinho da Reuters estava a olhar para os dados de Portugal e é interessante porque o nosso mercado quer dizer, eles têm tantos indicadores que é normal que nós nos destaquemos n 'alguns, n 'uns favoravelmente n 'outros desfavoravelmente, um é que nós nos destacamos muito favoravelmente tenho curiosidade inteira da tua interpretação é no grau de confiança das notícias que nós temos 61%, 61 % das pessoas dizem que confiam na informação jornalística, se quiseres o que é o segundo valor mais elevado em 46
Ricardo Costa
países que eu estudar rapaz, eu aí acho, é um bocadinho difícil ter uma explicação muito evidente para isso, mas eu acho que tem a ver com uma menor polarização política porque as pessoas dizem, a nossa sociedade está muito polarizada não, não está, quando se vê o que está polarizada, já nem falo do Brasil ou dos Estados Unidos que é Espanha, França Inglaterra, de certa forma que são países que eu acompanho mais, Itália que são os que eu acompanho mais, partir daí já não por razões óbvias da língua, etc a nossa sociedade é bastante menos polarizada para já, e eu acho que tem a ver com isso, e depois tem a ver com um outro caso a uma outra questão que é menos intuitiva atenção, eu aí já não sei se é uma explicação mas pode ser uma parte que é nós temos menos aquela tradição dos jornais de esquerda e os jornais de direita já tivemos, temos menos há muita gente que diz, isso é que é o modelo correto, eu chego a Espanha e sei que o El País é mais próximo do PSOE que o El Mundo, agora o El Espanhol do Pedro Ramírez é muito mais pronto, é mais próximo do PP mas também independente mas mais duro que o ABC é monárquico, que o não sei o que é mais próximo do Podemos, chega a França ou fica à rua é um jornal conservador o Mundo é um conservador, o Liberación é mais mais libertário de esquerda, de certa forma, e tal para fora, chega a Inglaterra é a mesma coisa no Brasil isso não é tão fácil de definir em Portugal é menos, agora no outro dia tive uma conversa que eu ouvi ler sobre isso também, que era eu aí respondo com a questão do mercado o que fechou os jornais em Portugal de direita e de esquerda a maior parte deles foi o mercado, não foi mais nada porque eu lembro até ao final dos anos 80, início dos anos 90 a imprensa estava, havia coisas ok, o Express sempre foi um jornal mais mainstream um jornal social -democrata pro -europeu pro -democracia, que nasceu antes de 73 pro -Europa, pro -União Europeia mas de resto acolheu sempre, aliás, quando foi fundado foi fundado com opções do KIVI, já sei o PSD e do MRPP, portanto sempre teve assim um misto, mas o jornal era um jornal muito mais à esquerda o Semanar era um jornal mais à direita o Independente era um jornal de uma outra direita mais moderna o Diário de Lisboa era mais à esquerda a Capital não era tanto as coisas estavam bastante definidas e o que fez fechar estes jornais todos foi o mercado, não foi rigorosamente mais nada o Independente só deixou de ter viabilidade económica, agora isto que eu quero dizer, tipo, ah então mas nada tem não há viabilidade para jornais ou órgãos de comunicação social mais à esquerda ou à direita ah, claro que há, mas têm que nascer, ocupar o seu espaço e ter receitas o Observador é um jornal com uma posição claramente mais à direita sobretudo na opinião, e tem esse posicionamento acho ótimo, não tenho nada contra mesmo nada contra, acho saudável o que eu não acho e não admito não admito no sentido que me digam a mim é que, ah se trabalhares num órgão de comunicação social que é menos alinhado politicamente, isso não é saudável não, é saudável, mas também é saudável haver um jornal mais à direita ou um jornal mais à esquerda houve muitas tentativas de jornais à esquerda o Miguel Portas, que já faleceu infelizmente lançou vários jornais o Miguel lançava jornais com uma grande frequência faliam sempre, porque quando chegava a fase do primeiro aumento de capital os tipos que tinham dado dinheiro, que eram quase sempre os mesmos capitalistas, mais de com alguns sentimentos de esquerda que lhe davam dinheiro, depois para o primeiro, quando chegava o aumento de capital já não havia e portanto aquilo fechava. O último foi o Já e a Vida Mundial, se não me engano e foi sempre por inviabilidade económica, mas pode aparecer repare, assim como apareceu o Observador porque é que não há de aparecer uma coisa mais à esquerda ou uma coisa muito mais à direita uma coisa monárquica ou outra aí dificilmente teria escala,
José Maria Pimentel
não é? Mas eu até acho que seria interessante ter uma...
Ricardo Costa
Mas aí é o mercado, mas aí é mesmo o mercado é o mercado no sentido da finance, da estabilidade mas não tem eleitores, claro agora, eu acho que a questão da confiança tem a ver com menos polarização política isso para mim parece um bocado evidente se depois tem a ver com menos dos jornais estarem menos alinhados isso já não tenho tanta certeza a minha intuição é essa,
José Maria Pimentel
é que tem alguma coisa a ver com isso e depois este tema é engraçado porque tu vais ter esta experiência também há aqui uma espécie de contradição, um paradoxo porque estes inquéritos mostram que do ponto de vista dos leitores os jornais estão todos mais ou menos ao centro mesmo o Observador está um bocadinho à direita, mas não muito mas depois tens conversas com pessoas isto está a acontecer também tu falas com um amigo de esquerda e ele diz ah, os jornais estão todos à direita falas com um amigo de direita e ele diz, os jornais estão todos à esquerda, até o Observador então é uma coisa engraçada, já ouvi dizer que a relação do Expresso é toda à esquerda, já ouvi dizer que é toda à direita já ouvi dizer que o Observador na verdade já a relação é toda à esquerda eu na verdade não sei o que é que é verdade no meio disto tudo na maior parte destes casos a
Ricardo Costa
opinião tem a ver com a posição de onde estas pessoas estão a olhar é como quem olha com uma perspetiva de uma posição, vês uma coisa, a outra está a outro sítio e vê a outra, não é? E tem a ver com isso tem muito a ver mais com a convicção política dos próprios, do que com a com as redações em si a parte que me tira do sério aí tira -me mesmo do sério ainda há pouco tive uma pequena, não foi uma discussão foi uma troca de SMS com o Rui Moreira e depois com o Zé Miguel Júdice, ele até depois pediu desculpa no ar o Zé Miguel Júdice acha muito a graça estas coisas é a primeira pessoa que eu conheço a quem ele se liga a dizer olha, deixou um direito de resposta, ele diz ótimo eu digo, ah, mas não, não, publica, publica, portanto ele adora direitos de resposta ninguém adora, é a única pessoa que eu conheço que gosta de direitos de resposta caixa graça porque alguém se irritou com ele ele lê o direito de resposta, depois a seguir responde eu acho que é o espírito coimbrão sim, mas gosta disso e foi por causa de uma coisa que me irritou e aí às vezes fico um bocado não é violento, mas fico um bocado fora de mim foi por causa de uma coisa que tinha a ver com o Expresso, eu até estava de férias mas vi aquilo no Twitter acho que do Rui Moreira, ou alguém que conhecia a idade do Rui Moreira, que era porque o artigo do Expresso sobre o Bloco de Esquerda e as reduções de pessoas no Bloco de Esquerda não falava na palavra despedimentos e de facto aquele artigo não falava na palavra despedimentos mas mas até às eras logo, aquela coisa do marxismo cultural, FCSH também onde eu andei Universidade Nova, escolas, universidades formam turbas de jornalistas do marxismo cultural bem, eu por acaso logo ali, eu até estava de férias, lembro -me que até estava em casa de uns amigos e lembrava -me de vários artigos do mesmo jornalista que era o João Diogo Torreia, que é um jornalista do Expresso sobre o Bloco de Esquerda, a seguir às eleições que falava completamente no despedimento aliás fiz uma busca, nem liguei ao João Diogo só fiz uma busca no Google e fiz logo print screen de vários artigos que tenham despedimento para trás e para a frente, aquele não falava em despedimento mas o gajo tinha falado trezentas vezes em despedimento em artigos sobre o Bloco de Esquerda portanto, porque a teoria era, se fosse no CDS falava em despedimento, se fosse no Bloco não, o jornalista do Expresso não poderia falar em despedimento falso, falso pelo próprio era só ir ver outros artigos do jornal só que já estava ali a teoria lançada e depois aquilo é uma coisa, é likes uns atrás dos outros porque aquilo é uma coisa, não foi um quê depois o Rui Moreira corrigiu e tal e não sei o quê e o José Miguel Júnior se até pediu desculpa e foi embora, disse logo, mas os jornalistas e tal aquelas coisas e tal e isso tira -me do sério, tira -me completamente do sério porque é mesmo tonto a ideia, primeiro é não conhecer as redações mas não são um bocado mais à esquerda
José Maria Pimentel
as redações repara uma coisa as razões sociológicas fazem, é natural que sejam podem
Ricardo Costa
ser um bocado, mas é assim as redações são e não acho que seja mau, é natural que sejam as redações têm que ser, na minha opinião não um quarto poder, mas um contrapoder que é uma coisa diferente, um contrapoder sim e um contrapoder é o poder que exista poder político, que esteja naquela circunstância no poder poder económico, sentido lato poder religioso, onde tem pouco peso, mas os poderes que existam e repara, o que ser um contrapoder não é andar a perseguir ninguém não é coisa, é ser exigente no sentido do escrutínio de tentar de alguma forma que as coisas sejam feitas de forma transparente, explicadas criticar quando há contradições quando há coisas que se prometem que não se cumprem quando há metas que se dizem e lembrar, disseram que isto ia acontecer, não aconteceu por aí fora se depois tem uma, um pouco mais sim, eu diria que são mais à esquerda mas a ideia de que aquilo é tudo uma coisa de um bando de estudantes de associação de estudantes, não sei isso é uma coisa que não tem pés nem cabeça, mas não tem pés nem cabeça eu trabalho com pessoas do mais diversas possíveis, politicamente sobretudo uma massa uniforme, não é? com ideias diferentes, com prioridades completamente diferentes e isso nota -se muito, hoje em dia eu gosto muito de falar com os mais novos, por razões óbvias por gerações diferentes, também por o que é que pensam, etc prioridades completamente diferentes, coisas que eu dou importância a eles, não dou importância a nenhum outro, não, por aí fora também a ideia de eles, como se os jovens pensassem todos da mesma maneira é outra estupidez completa, não é verdade? fala -se com 10 e têm prioridades 10 prioridades diferentes, agora a ideia de que isto é uma coisa do marxismo cultural é uma coisa sem pés nem cabeça, isso não faz nenhum sentido depois há um ponto um pouco diferente que às vezes as pessoas não percebem e isso de facto às vezes é mais difícil de explicar e também não tem uma justificação científica, tem apenas uma justificação do tempo que às vezes por certos períodos os jornais e as televisões e os jornais há momentos em que são mais empiadosos ou menos empiadosos, mas isso tem muito a ver com ciclos políticos, não é? Por exemplo, eu lembro perfeitamente, eu apanhei, eu comecei a trabalhar em 89, que Vaco Silva era Primeiro -Ministro e depois entrei na SICA em 92 pá, a SICA no princípio era duríssima, embora Vaco gostava e eu sei isto, posso dizer isto pessoalmente fizia muita reportagem com ele na rua, ele gostava até achava graça aquele desafio pá, mas nós éramos empiadosos eu lembro que fiz umas inaugurações de algumas estradas e eu seguiria a percorrer o raio da estrada até encontrar um sítio onde ele estava pintado onde o senhor esquecia de não sei o que para mostrar que aquilo estava, que era tipo fake pá, nós éramos muito obsessivos eu fiz algumas reportagens com o Cavaco pá, que era, como eu costumo dizer, o governo hoje fazia um xixi pelas pernas abaixo, a sério mas faziam mesmo, porque eu costumo dizer isto às vezes ligam a protestar, a mim agora já ninguém me liga mas quando me ligava eu dizia, pá, se nós fizéssemos com vossas reportagens que fazíamos com o Cavaco vocês faziam um xixi pelas pernas abaixo, morriam, tinham ataque cardíaco porque éramos duros éramos duros no sentido de, empiadosos não era duros no sentido, era porque era uma coisa nova ou seja, porque aquilo quando a SICA apareceu era a primeira vez que havia uma televisão contra poder e tal, e estava a mostrar um país diferente, foi quando houve a presidência aberta de Lisboa, as primeiras campanhas eleitorais, pá aquilo era uma nós fazíamos coisas muito malucas e éramos duros, éramos duros também com o Soares, e o Soares irritava -se cada vez que não sei o quê, falamos com o Soares que eu doido, houve uma vez com um colega meu, já me lembro quem foi, que estava numa dessas coisas e o Soares pega uma câmara deste tamanho à frente dele e resolve numa das presenças abertas dizer pá, ele disse que estava a ser filmado, não havia nenhuma discussão completamente a ser filmado, a andar na rua com uma câmara enorme a olhar para ele a meio metro, e começa a dizer ah, esta manifestação, que era uma manifestação, acho que foi na presença aberta do ambiente, esta manifestação aqui, isto foram os comunas, é pá, os comunas é que montaram isto e tal, e tal, até que ele foi para o ar eles estavam habituados a que estas coisas não fossem para o ar Aí o Soares fez uma cena maluca e tal, e não sei o quê, é uma vergonha portanto, nós éramos muito, éramos duros nas coisas e duros com o que vai, que depois obviamente, quando o Guterres entra eu admito que houve ali um momento de alguma porque havia um momento de extensão, está bem?
José Maria Pimentel
E portanto dizia ah agora não estamos, mas isso tinha a ver com algum
Ricardo Costa
ciclo de extensão o Durão Barroso no início também teve um pouco esse período de extensão, mas depois como havia logo uma crise e a seguir era a crise económica teve um período um bocadinho menos estado de graça, mas também teve ali um período que as pessoas também já estavam fartas do Guterres, nós também já estávamos todos nas relações já estávamos todos fartos do Guterres e do Guterrismo e tal, depois houve ali aquele período de Santana Lopes que é um período um bocado mais diferente, e o Sócrates também beneficiou um bocadinho disso ao princípio, mas depois, quer dizer, o Sócrates foi Sim, eu tinha muito boa impressão no início, sim. Ah bem, está bem mas foi depois cilindrado como tinha que ser como teve que ser, não é? E depois eu percebo que a seguir à Tróica também pode ter havido o Passos, teve ali um período bom, no sentido, pronto, depois da loucura do Sócrates, alguém que chegava que punha as contas direitas do país que estava a viver num grau de delírio mas depois, obviamente, por causa de todo o programa sobretudo a Tróica, Portugal estava só protetorado, não é? Eram protetorados. Foram dias muito duras e muito difíceis e uma discussão foi mais pesada e depois quando aparece o governo da Geringonça é uma coisa nova pode ter havido um período ali um bocadinho... Mas tem a ver com muito com isto, tem muito a ver com o ciclo político não tenho dúvida praticamente nenhuma que o próximo governo que surja de outro partido vai ter um período... Agora quando nós estamos a falar de um período é uns meses pronto, é uma coisa nova e não sei o quê. Há alguns que começam a fazer disparates mais cedo embora normalmente é ao fim de uns meses ou de uns anos é que os disparates começam a aparecer de forma mais sistemática.
José Maria Pimentel
A minha percepção em relação a isso, vendo a coisa de fora é que aquilo que impede que estes perigos potenciais ligados ao jornalismo se materializem seja ao lado dos privados, seja isto que tu falavas agora que a atividade jornalística é muito aberta, não é? Ou seja, é muito visível e depois tens muitos jornais. E muito escrutinável. É muito escrutinável, é aberta nesse sentido, é muito visível depois tens muita gente lá dentro, tens muitos jornalistas tens a direcção, tens os acionistas e portanto até me parece normal que haja, por exemplo pressão, pode não ser pressão mas até pode ser uma percepção de uma pressão dos acionistas ou até uma determinada linha que possa prevalecer mas tu depois tens muita gente lá dentro e depois é escrutinável esse facto que tu falavas.
Ricardo Costa
Não gosto muito de falar aqui, parece que estou aqui a dizer bem dos patrões porque senão não fica mal e é ridículo mas do ponto de nós... Não, mas eu sei, no caso dos prédios são 50 anos. E mesmo do público. A grande pressão que nós temos direcção, e atenção e nós tentamos não a passar para baixo, não a passar para baixo de todo, é a pressão dos resultados económicos. É de tentar cumprir orçamentos como eu costumo dizer, meio a brincar e digo isto até na administração, a redação como eu costumo dizer, é a Comuna de Paris com habitat positivo e se for a Comuna de Paris com habitat positivo está tudo bem. Essa é a grande pressão porque o resto é assim. Às vezes há chatices com anunciantes Ah, eu essas, por exemplo, eu não eu tento nunca as transmitir à redação a direção é que tem que levar com esses temas e se for preciso falar com anunciantes quando há coisas complicadas nós já tivemos chatices grandes, quando houve o caso do Luanda Leaks, eu depois tive que fazer um périplo enfim, há algumas pessoas que apelharam com estilhaços, mas a dizer pronto, é o que é, acabou, não há nada pronto, perguntei o que tenho a perguntar, tal é a vida, não tem problema nenhum. Em outros casos, as pessoas ficam muito irritadas com esta notícia, porque não sei o que porque se houve um chatice com o Banco A ou com o Banco B, se for preciso me ligarem sou eu que atendo em 90 e tal por cento dos casos, eu nem sequer transmito ao jornalista que isso aconteceu num ou outro caso já transmiti mas só porque achei que podia transmitir para que as pessoas não se sintam minimamente pressionadas e não sentem, por isso é que nós não podemos depender só de um acionista, ou só de dois, ou até dizer muitos, tem que ser centenas de acionistas, não é dezenas e centenas de acionistas do ponto de vista de pressão, não há, hoje em dia várias vezes há uma ou outra pessoa que se queixa diretamente à administração e a administração diz, olha, recebi este mail, ou liguei não sei o que, estava muito irritado com isto, ou não gostou daquilo, tudo bem pronto, e as coisas ou ficam por aí ou só preciso ao telefone, ou falo ou já houve caso em que tive que almoçar anunciando dos automóveis, que houve uma coisa muito complicada pronto, é a vida, mas a reportagem era o que era, e pronto, e tive que ir não é o meu trabalho, mas também faz parte mas desde que a redação esteja muito protegida disso, eu não tenho nenhum problema com, pronto, há queixas ou pressões, como quiserem chamar já no tempo do Sócrates houve uma coisa, até a ERC chegou a fazer um inquérito sobre as pressões e na altura havia atenção, havia muitas coisas que eu acho que eram um pouco legítimas, mas os jornalistas, sobretudo na direção, não têm que se queixar de pressões, é normal de ser pressionado eu não posso aceder à pressão e posso não aceitar certo, tipo, não aceitar no sentido de não ter paciência e desligar o telefone e não se pode ter a situação de que a impressora tem poder suficiente, claro, a pressão por não sei o quê, não publica isto não pode mandar lá a manchete, não sei o quê várias, ui, umas atrás das outras, não é? Faz parte de certa altura, na altura havia muita gente que ia à ERC acha -se que fazia uma coisa um bocado infantil toda a gente, ai, pressão, o primeiro -ministro ligou -me, está bem e então? As sogras ligam -me várias vezes, e pá, metade das vezes não ligava de vida, uma vez que nunca mais acabava o telefone no meu globo, tive tempo de fazer a barba, vestir Já ouvi contar essa história Ele a contar e ouve -te estava -me a arrejar de fazer a barba, não sei o quê liguei o microfone, lá ele falava, falava já não manda o que era, pronto, é pá, tudo bem, era ele que estava mais a desabafar de outra coisa, pronto, irritadíssimo com alguma coisa qualquer, e eu também, dos pressos ou da SICA, acho que ainda era da SICA, e pronto, está bem, é pá, ok, hoje em dia por razões, já se tem a ver mais com razões pessoais, pá, deixaram -me ligar por razões evidentes, eu estou muito mais afastado da política e portanto agora já não tenho essa vida de levar conto de fenêmenos, agora levo com algumas denunciantes e coisas desse género, mas pronto mas isso faz parte e
José Maria Pimentel
não tem grande problema Olha, a conversa já vai longa e eu sei que tenho que ter que ir embora, mas havia um último tema que eu queria abordar rapidamente, porque sei que tu tens uma opinião interessante sobre isto, e é outro tema muito relevante para os tempos atuais, que tem a ver com a maneira como os média lidam com políticos populistas, chamemos -lhe assim, não é? Novos tipos de políticos, pá, para usar um termo mais genérico, e tu até partilhaste comigo um artigo muito interessante, que eu vou pôr na descrição do episódio da Malu Gaspar que ela publicou na revista Piauí acho que é assim que se chama, que é um ótimo que é o nome do estado brasileiro uma ótima revista brasileira, que podia existir até alguma do género em Portugal e o artigo é muito interessante porque foi publicado logo a seguir à eleição do Bolsonaro, quando ele começa a divulgar o nome dos novos ministros, e o artigo é uma espécie quase de exame de consciência em que ela coloca em cima da mesa um facto óbvio de que quase nenhum jornalista, para não dizer nenhum jornalista, conhecia o novo ministro da educação, salvo erro e outros que apareceram o artigo
Ricardo Costa
dela é muito interessante porque nessa primeira eleição do Bolsonaro a reação dos mídias brasileiros era o choque perante aquela personalidade mas muito pouca gente, ou quase ninguém se deu ao trabalho de dizer, está bem, mas quem é ele, quem é a natureza quem são as pessoas que o apoiam quem é que podem vir a ser os ministros caso ele venha a ser a presidente, ninguém sabia nada ninguém fez o seu trabalho, e era esse artigo o artigo dela chamava -se Hora de Acordar eu partilhei muito isso com colegas meus na redação porque eu acho que aquela posição primária, e é mesmo primária em todos os sentidos de é o Bolsonaro ou é o Trump logo primeiro, há duas posições, uma é, então não escrevemos nada sobre ele ridículo, segundo é, então só vamos dizer mal e escrutinar, ridículo mais por mais absurdo que possa parecer é, a melhor maneira de lidar com políticos populistas, o jornalismo primeiro é, deve tratar como qualquer outro político muitos jornalistas eram, nem pensar mas o que é que isso quer dizer?
José Maria Pimentel
É porque isso pode permitir -lhe aproveitar -se do sistema, que é como muitas
Ricardo Costa
vezes acontece não, pois nós nem sequer conhecemos, porque nós a primeira questão é, nós temos que conhecer, nós temos um jornalista que tem um lado sociólogo e de antropólogo quer dizer, não quer estar aqui a pôr uma carga muito científica na coisa, mas tem tem, porque senão de repente ficam surpreendidos, porque há um tipo que tem 10 % e ninguém sabe de onde é que veio isso não faz nenhum sentido e fica -se surpreendido Ah claro, aí é porque são os eleitores porque senão somos incompetentes, se aparece agora não quer estar a falar especificamente do Ventura, aparece outro qualquer que ninguém conhece, não me interessa, e de repente nós começamos a ver que aquilo está a crescer sociologicamente a primeira obrigação de um jornalista não tem que ser de todos, mas dos que cobrem aquele partido é perceber quem é aquela pessoa quem são os que estão, qual é a máquina dele qual não é, de onde é que vem os apoios, de onde é que vem não sei o quê porque é que movimenta pessoas, perceber como é que essa pessoa fala em público, porque é que arrasta multidões, porque é que não arrasta se não arrasta multidões, mas recebe mais pelas redes sociais esse é o primeiro trabalho, percebe quando o primeiro trabalho é deve ser, tipo, como é qualquer outro esse é o primeiro trabalho é a base, se quisermos, porque senão ficamos na posição de não conseguir explicar aos nossos leitores aos espectadores quem é aquela pessoa então aí é fazer as malas e meter os papéis para a reforma, porque não faz rigorosamente sentido quando digo que nós temos que ser um pouco sociólogos e antropólogos, isto é em qualquer jornalismo eu costumo dar um exemplo que é quando foi a crise económica, a grande crise económica 2008, depois a Portugal chegou um pouco mais tarde por causa de vida pública e há um bom documentário sobre isso, muito bom documentário onde é várias vezes entrevistada uma jornalista que é a Gillian Tett, uma jornalista do Financial Times, que foi das pouquíssimas jornalistas que anteviu a crise financeira 2008 subprime, e porquê que ela anteviu? porque ela tinha formação de antropologia formação de universidade e de terreno portanto ela é uma pessoa altamente especializada no jornalismo financeiro, hoje é uma das chefes do Financial Times em Nova Iorque primeiro em Londres, depois em Nova Iorque e ela sempre olhou para o mundo da alta finança dos traders, dos gajos que faziam fortunas na bolsa dos jatos privados para a Islândia sempre olhou de uma forma mais antropológica e ela começou a perceber que ali muita coisa não batia certo dos ganhos, do dinheiro excessivo começou a olhar ela olhava para aquilo de uma forma diferente do que olhavam a maior parte dos jornalistas financeiros e escreveu vários filmes, foi das pouquíssimas pessoas na área financeira onde havia muita gente especializada a apanhar isto eu não estou aqui a dizer que os jornalistas todos têm que ter formação de antropologia, eu não tenho, embora goste de antropologia mas não tenho formação de antropologia mas nós temos de ter uma capacidade antropológica e sociológica de perceber porquê que, percebe que eu dizia muito colegas meus e digo, alguns colegas de política não percebo como é que o CAVAC teve 4 maiorias absolutas eu digo, então é porque não conheces Portugal qualquer pessoa que conhece Portugal percebe porque o CAVAC teve 4 maiorias absolutas mas esse é um ponto interessante e eu fiz muito CAVAC no terreno, no período de Primeiro Ministro de Presidente já fiz muito menos mas o CAVAC era uma pessoa muito popular o momento em que ele vira a popularidade é no segundo mandato no dia em que fala da pensão no mandato de Presidente é quando é veiado em Guimarães no dia da presença, se não me engano no dia em que abre a Capital da Cultura e porquê que ele era muito popular? porque foi uma pessoa muito transformadora, primeiro porque era uma pessoa que vinha do povo e depois porque na altura é o que as pessoas queriam naquela altura da adesão à União Europeia e etc e ironicamente ele nem era um grande, uma pessoa muito favorável à adesão à União Europeia, achava que não tinha sido bem negociado depois beneficia muito com isso como Primeiro Ministro mas isso são outras questões mas era uma pessoa que apanhou um dos momentos de maior transformação da sociedade diriam, ah outro Primeiro Ministro também teria apanhado ah não sei, foi ele e percebia -se andando pelo país, era muito fácil de perceber muito, eu ali no final dos anos 80 início dos anos 90 até fiz muito e acompanhei muito como apanhava outros, era muito fácil de perceber isso a popularidade e essas coisas são importantes, como era fácil de perceber a melhor pessoa que eu jamais vi a falar em público é o Guterres, nunca vi ninguém assim o Guterres era o político mais dotado que eu já vi na vida curioso ter dito mais do que o Paulo Portas, por exemplo muito mais, muito mais o Portas era mais elitista e depois tinha que mudar muito de onda conforme o público o Guterres era mais preparado ultra preparado, depois com uma capacidade era uma pessoa que tinha tido aulas de voz poucas pessoas têm, mas as pessoas riam sempre o político fica rouco nas campanhas depois o Guterres nunca ficava rouco o Guterres sabia colocar a voz, tinha tido aulas disso não tem mal nenhum, ele sabia disso tinha tido aulas de dicção e de de colocação de voz para poder fazer uma campanha durante 30 dias sem nunca ficar rouco os políticos ainda hoje ficam roucos porque não têm essas aulas mas pronto, mas isso, cada um faz o que quiser o Guterres é uma pessoa ultra dotada e isto via -se um terreno comum, até só o Portas também tinha uma popularidade, o Manoel Monteiro também tinha, eu vi vários apanhei muitos agora, não acompanho por outras razões, e há uma obrigação de perceber, e não é dizer assim eu também fiz campanhas com o Portas, fiz pouco, fiz muito com o Manoel Monteiro não tens de estar a dizer bem do Manoel Monteiro, ou dizer bem do Cunhal ou bem do não -sei -quê, tens de dizer é, este tipo é um gajo que consegue falar para multidões e manter multidões a bater palmas durante uma hora, ponto e tens de ter essa capacidade mas o problema é que, tu dizes, não
José Maria Pimentel
tens de gostar, mas para fazeres isso bem, tens de certa forma de gostar, ou por outra, tens de te colocar tens de fazer essa viagem, depois podes
Ricardo Costa
regressar tens de ter uma posição mais fria e mais analítica sim, mais analítica
José Maria Pimentel
acho que tens de pôr uma posição mais empática ou seja, para tu perceber
Ricardo Costa
eu ali, quando fazia isto no terreno, hoje em dia não faço no terreno mas faço muitas vezes nos debates e etc é porque a política é emocional,
José Maria Pimentel
tens de sentir como por exemplo, no caso do Ventura, uma coisa que me choca um pouco, e aliás, isto já se passava com o Cavaco, como tu dizias, é que quando eu ouço a maior parte dos jornalistas falar são coisas
Ricardo Costa
no Cavaco, Ventura não tem nada a ver não estou a compará -los, estou
José Maria Pimentel
a comparar isto que eu vou dizer a seguir tenho pena de dizer isto, mas quando eu ouço a maior parte dos jornalistas falar sobre o Ventura eu fico com grandes dúvidas de que eles percebam e eu próprio não tenho certeza se percebo, provavelmente não mas pelo menos faço um esforço maior, porque é que as pessoas votam nele verdadeiramente. Mas os jornalistas deviam saber responder.
Ricardo Costa
Só que para tu fazeres responder tens de pôr um lugar daqueles. Repara, há um exemplo que eu irrito muito, eu gosto do New York Times, como é óbvio, estar aqui a dizer mal é ridículo, um jornalista português a dizer mal do New York Times, é um grande jornal mas na parte política não é política doméstica, em muita coisa não é, nas últimas eleições eu estava lá, assistia, eu estava lá a cobrir as eleições havia uma reportagem que era ridícula no sentido que era, o New York Times para perceber a Pensilvânia teve que mandar para lá um jornalista jovem, que por acaso tinha crescido na Pensilvânia, porque mais ninguém na redação conseguia compreender porque raio é que o Trump podia ganhar na Pensilvânia não ganhou felizmente, mas tinha ganho nas anteriores, porque eles não conseguiam, e isso não faz nenhum sentido, não faz nenhum sentido porque é tipo, os nova iorquinos os jornalistas de Nova Iorque não conseguem perceber não conseguem perceber porque não querem porque se estiverem lá, nas zonas das fábricas, das minas, etc percebem como esse jornalista um jovem jornalista fez uma reportagem na terra dele no cabeleireiro, nas mercearias e não sei o que, explicava como é que a terra dele tinha mudado, mas o próprio jornal dizia como nós não conseguimos mandar -nos este tipo era uma coisa mais ou menos deste género, era meio ridículo a razão, a reportagem era boa, mas a lógica tudo bem, ainda bem que mandaram, mas mais ninguém consegue perceber isto, não faz sentido porque eles não faziam nenhum esforço, não queriam não se quer fazer o esforço, a lógica é é tão absurdo votar Trump que não vale a pena eu estar a perder este tempo, agora isto não faz sentido, não faz sentido e eu acho que é a mesma questão em Portugal, repara, não sei se o Ventura vai crescer, se não vai crescer, tu podes ter vários campos, podes ter investigações sobre o Ventura, como o Pedro Coelho que é meu colega fez e bem, não tem mal nenhum podes fazer, agora não podes é só fazer isso tu tens que ter a capacidade de perceber primeiro como é que é o partido, como é que funciona, quem são as pessoas que o apoiam, que base eleitoral tem, perceberes porque é que de repente, porque depois as pessoas também dizem coisas, ah mudaram são os tipos que mudaram do PC às vezes dizem coisas meias tontas, depois também não vão ver também mudaram do bloco de esquerda, não é fácil fazer não é, porque vão buscar a leitura do que aconteceu em França, nos anos 80 do PC a direita para a esquerda, só que a realidade é muito diferente a realidade é muito diferente e depois as pessoas depois têm a tendência, e mesmo em França não foi direto, ou seja, a investigação não mostra isso, e no Chico onde foi, não é pá, as pessoas gostam muito de ir buscar, ah isto é exatamente igual ao que aconteceu em França, não, não é não é nada, mas eu acho que esse esforço tem que haver por isso é que eu acho que a questão é, os jornalistas podem depois ser implacáveis com os políticos populistas, podem apanhar as contradições, e normalmente os políticos populistas têm mais contradições do que outros, é normal ou vão buscar coisas mais emocionais e menos racionais, sem dúvida mas o primeiro esforço é o de compreensão, e o de perceber e o de tentar estar dentro, estar dentro no perceber aquela máquina, perceber de onde é que se eca a máquina, não é, mas como é que funciona a quem é que chega, pá, a pessoa não percebe nada sim, e perceber os eleitores porque depois só vão ficando de boca aberta cada vez que há uma eleição, isso não faz sentido nenhum, então aí deixam de ser jornalistas, vão para casa ver televisão ou ler jornais, não, porque acho que essa obrigação, isso é obrigatório é mesmo obrigatório, agora é difícil, eu percebo que seja mais difícil lidar com pessoas que no limite podem querer pôr em causa a própria democracia, é complicado, não é mas isso acontece, acontece em Itália, não é Meloni ganhou eleições, pronto na altura acompanhei alguns jornais italianos que ainda consigo ler italiano mais ou menos pronto, e os jornais tinham ali, eram muito críticos, mas percebiam iam tentando perceber que base era aquela porque é que pessoas no sul estavam a mudar do Movimento 5 Estrelas, sobretudo para a Meloni, que era uma neofascista todas aquelas mudanças pá, e percebia -se porque aquela tinha mais aceitação em algumas zonas do país e menos eu acho que os jornalistas têm essa obrigação, que não é uma questão de estender um tapete, nem dizer viva a Meloni, não, isso é ridículo mas, pá, não perceber, então depois alguém ganha as eleições e não
José Maria Pimentel
percebe? Claro, claro e perceber a sério, para lá de fatores há fatores que tu consegues explicar, a insegurança mas não, falar com as pessoas, perceber o que é que está na cabeça delas, por exemplo, no caso do Ventura uma coisa que eu me interrogava nas últimas eleições é, porque ele tem dois discursos, tem o discurso anti -sistema e tem o discurso do direito radical, se quisermos, e que estão interligados e eu pergunto -me, e nos debates era visível devia parte dos debates, que era contra a corrupção e não sei o quê e outra parte que era a dizer coisas para chocar, e eu tenho uma grande dúvida para a qual ainda não consigo encontrar uma resposta, que é essas coisas mais radicais de quase, em muitos casos, extrema -direita beneficiam -no ou prejudicam -no? Eu não sei responder. Ou seja, se ele não as tivesse dito, tinha tido mais ou menos votos? Não tenho a certeza.
Ricardo Costa
O caso do Ventura é um caso diferente, por exemplo, da Frente Nacional é completamente diferente, do ponto de vista da Frente Nacional tem um corpo teórico muito antigo, que vem de movimentos que vem até logo do pós -segunda guerra mundial, por isso é que eu dizia é tudo a mesma coisa, não, não é, a Frente Nacional é uma coisa completamente diferente, o próprio movimento agora da Meloni não tem nada a ver o Trump não tem nada a ver com isto o próprio Bolsonaro é uma coisa esse então é até mais estranho na forma como cresceu bem, tem muito a ver com a corrupção e o terraplanagem quase da política toda brasileira, o Ventura não tem um corpo teórico muito evidente, aliás, nada evidente, se é que fez um programa, que depois a seguir mudou o programa, mudou tudo mas eu a isso não consigo responder Claro, lá está, mas
José Maria Pimentel
nós devíamos ter qualquer tipo de resposta para isto. Mas não consigo responder, não tenho uma resposta evidente. Sim, sim, sim, claro, é isso enfim, é uma investigação que tem que é um trabalho que tem que ser feito. Olha, Ricardo, foi bem, como eu ontem via, ficávamos aqui mais uma hora. Um bocado maior do que eu estava a esperar. Vou -te deixar ir, muito rapidamente, se é que tens um, não sei se é um livro para recomendar, ou se é um documentário ou se é...
Ricardo Costa
Vou dizer duas coisas básicas um livro que eu digo sempre que devia ser obrigatório na escola, algures, que é As Cruzadas Vistas pelos Árabes do Amin Malouf porque é que eu acho, é uma coisa muito básica. A segunda pessoa recomenda este livro não sei quem recomendou já. Já li há muitos anos há 20 e tal anos, porque depois de ler esse livro fiquei com uma certeza, uma coisa que era evidente mas que eu nunca tinha pensado, que é quase tudo tem duas formas de olhar, ou mais. E é muito interessante, nós que estudamos, não sei como é que é agora os programas, mas estudávamos as cruzadas de uma forma, quando li aquele livro fiquei de boca aberta, porque achei super interessante o poder haver um outro lado de olhar para as cruzadas e acho que também é uma regra do jornalismo é, percebemos que muitas vezes há coisas que podem ser vistas de um lado e podem ser vistas de outro, e uma regra para a vida acho que é um livro que toda a gente podia, devia ler para perceber, não é para dar razão não é necessariamente agora aquela coisa que agora diz a maluqueira, esta maluqueira não, esta moda dos estudos pós -coloniais que agora tem que ser visto da perspectiva do colonizado, não tem nada a ver com isso mas tem a ver com o poder olhar para um problema de dois lados. E o segundo é, recomendo um livro que eu estou a acabar, que é um livro que saiu o ano passado do Michel Hulbeck chamado Aniquilação é o segundo livro que eu lei dele, eu não tinha lido mais nada antes, eu só tinha lido um e estou a gostar muito, é um romance grande, mas muito bom e que tem um pouco a ver não é só isso, mas com o tema da velhice e com um tema muito complicado das sociedades ocidentais
José Maria Pimentel
e o livro é bastante bom Boa, olha excelentes recomendações entretanto já vi quem que já tinha recomendado o livro do Amir Malouf, foi o António Gomes deve saber quem é, GFK ou GSK? GFK, foi o meu colega de faculdade embora ele estava em sociologia Outro convidado impecável e por acaso ainda não li o livro, fico com dupla curiosidade, agora não tenho mesmo de escudo Ricardo, obrigado. Obrigado Este episódio foi editado por Hugo Oliveira Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast .com Selecione a opção apoiar para ver como contribuir