#137 Ricardo Costa - Como o jornalismo se adaptou à revolução digital — e o que ainda está...
Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar
José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus.
Muito obrigado aos novos mecenas do 45 Graus desde o último episódio, Paulo Encaração,
João Moraes, muito obrigado à Sandra Ferreira e obrigado também à Bárbara Cepodes, ao
Pedro Costa Antunes, ao Tiago Gama, Tiago Rodrigues e ainda ao Miguel Duarte.
Muito obrigado a todos.
E com isto vamos ao episódio de hoje.
Os órgãos de comunicação social, e em especial os jornais, têm sido abalados na
última década e meia por aquilo a que poderíamos chamar uma tempestade perfeita.
Tempestade essa que provocou fortes quebras tanto nas vendas como nas receitas de publicidade,
os dois principais elementos do modelo de negócio dos jornais.
Simplificando uma história muito mais complexa, podíamos dizer que a internet tirou leitores aos
jornais e a Google e a Facebook tiraram -lhes publicidade.
Isto porque o surgimento da internet, ao, de repente, dar -nos a todos acesso
livre a um manancial enorme de conteúdos, levou a que todos nós, em maior
ou menor intensidade, passássemos a dedicar menos tempo a outro tipo de conteúdos, incluindo
jornais em papel. E os jornais, que é como quem diz as direções dos
jornais, por seu lado também não quiseram ficar para trás nesta onda e criaram
também os seus próprios sites online, onde passaram a disponibilizar os mesmos conteúdos que
até aí disponibilizavam no papel.
Só que para a maioria de nós a internet foi, durante muito tempo, sinónimo
de gratuito e por isso os internautas não estavam especialmente abertos, de início, a
pagar pelos conteúdos dos jornais disponibilizados online.
Acresce a isto que, com o predomínio crescente da Google nos motores de busca
e depois com o surgimento das redes sociais, grande parte das pessoas não chegava
às notícias propriamente através dos sites dos jornais, mas sim por esta via indireta.
E isso fez com que a publicidade, o elemento que desde há muito tempo
permitia aos jornais equilibrar o seu modelo de negócio, fosse fugindo cada vez mais
para as mãos destas gigantes tecnológicas.
Esta tempestade perfeita, para retomar o tempo que usei há pouco, de diminuição das
receitas quer das vendas quer da publicidade, veio colocar os modelos de negócio destas
empresas, em especial dos jornais, em sérias dificuldades.
E isto, claro, traduziu -se em despedimentos, diminuições gerais de salários para os jornalistas
e também numa diminuição da capacidade dos média de agirem enquanto o chamado quarto
poder das democracias. Este tema, da crise dos média, tem sido muito discutido nos
últimos anos e não é a primeira vez que o abordo no 45°.
Recomendo que ouçam também o episódio que gravei há quase 4 anos com o
Gustavo Cardoso, que é professor e investigador, precisamente nesta área, no Isquetéu.
Desde que gravei esse episódio houve progressos importantes com muitos jornais, inclusive em Portugal,
a conseguirem adaptar -se às novas tecnologias e atrair assinantes.
E embora os desafios trazidos por estas alterações estejam ainda longe de estar ultrapassados,
o convidado a este episódio, Ricardo Costa, tem uma visão mais otimista, ou como
ele diz, menos fatalista, do que é norma hoje encontrar ainda no meio jornalístico.
O Ricardo Costa dispensa grandes apresentações, é atualmente diretor de informação da SIC e
diretor -geral de informação do grupo Empresa, onde, de resto, fez toda a sua
carreira. Antes de assumir as funções atuais na SIC, por onde já tinha passado,
tinha sido editora de Junto do Expresso, entre 2009 e 2010, e depois diretor
do Jornal de 2011 a 2016.
Continua, aliás, a ser colunista regular no Expresso e é autor e co -apresentador
do programa da SIC Notícias, Expresso, da Meia Noite.
Na nossa conversa, falámos sobre a visão do Ricardo em relação a estes desafios
trazidos pelas mudanças tecnológicas, quer para os jornais, quer para as televisões.
Televisões essas onde, segundo ele, esse impacto só agora está a chegar em força,
mas vai obrigá -las a fazer uma transição ainda mais rápida do que aconteceu
nos jornais. Falámos também sobre o modo como estas alterações vieram obrigar os órgãos
de comunicação social a atuar hoje em múltiplas frentes e 24 sobre 24 horas.
É uma mudança de ritmo e de abrangência considerável.
Aliás, fica a sensação de que hoje, com tantos conteúdos e tantas plataformas, deveria
haver hoje no ativo mais jornalistas do que no passado e não menos, como
é ainda o caso se compararmos com o que acontecia há 15, 20 anos.
Falámos também do serviço público que a comunicação social presta, ou deve prestar.
Isso faz sentido haver apoios diretos estatais, especialmente nesta altura em que, como disse,
a crise do modelo de negócio, dos jornais em particular, continua a não estar
para trás das costas.
Ou se, pelo contrário, a independência jornalística só é possível através de jornais que
consigam ter viabilidade económica autónoma.
E, claro, discutimos também o caso português que, aliás, compara favoravelmente com outros países
em alguns aspectos ao nível da percepção dos cidadãos.
Por exemplo, somos o segundo em 46 países de um estudo recente em que
as pessoas mais confiam nas notícias.
A longa experiência do Ricardo nesta área, em especial por acumular funções de responsabilidade
tanto na imprensa como na televisão, é muito interessante para perceber este tema.
E houve uma afirmação recente dele que me deixou intrigado e que lhe pedi
para explicar na nossa conversa.
Disse ele, numa entrevista recente, que o nível de atenção com os governos foi
sempre muito maior no Expresso do que propriamente na SIC.
Mas, para o final da conversa, falámos também de um outro desafio com que
o jornalismo atual se confronta, mas de uma natureza completamente diferente.
Como lidar com a ascensão de políticos populistas?
O convidado tem, como verão, uma visão muito crítica, que eu, aliás, partilho em
grande medida, em relação ao modo como os jornalistas têm, em muitos casos, lidado
com estes fenómenos e com o apoio crescente a políticos deste tipo.
Foi, como vão ver ou ouvir, uma conversa cheia de informação e que nos
faz olhar de maneira diferente e mais informada para o que se passa com
os média atualmente. Espero que gostem.
Ricardo, muito bem -vindo ao 45°.
Quando nós falámos ao telefone no outro dia, tu deixaste uma frase que eu
retive e acho que vamos começar por aí, que tinha -se uma perspectiva menos
pessimista do que é normal ouvirmos em relação a estas mudanças que têm passado
os médias, o jornalismo em geral, que são, enfim, não só, mas acho que
quase todas elas têm a ver com alterações tecnológicas, do fundo que fizeram, eliminaram
barreiras à entrada, o que fizeram com que surgissem fake news e outros tipos
de coisas, fizeram com que a distribuição que antes estava na mão dos meios
de comunicação passasse a estar, grande parte dela, no meio de grandes empresas tecnológicas,
como a Google, como a Facebook, e também, obviamente, mudaram a maneira como as
pessoas utilizam essa informação e as pessoas passaram a utilizar muito mais o digital,
passaram a usar mais aplicações e, sobretudo, nos jovens, no outro dia estava a
ler o estudo do Reuters, e nos jovens, então, essa tendência é muito mais
marcada do que no resto.
De um certo ponto de vista, já é uma espécie de tempestade perfeita, porque
ameaça o papel dos jornais até social, se quisermos, e o estatuto social dos
jornais, e depois ameaça o modelo de negócio dos jornais e torna mais...
Ricardo Costa
Eu sou menos pessimista no sentido em que não sou fatalista, mas o processo
é um processo muito difícil, ou seja, é muito mais fácil falar de uma
revolução antes dela acontecer, porque aí temos uma ideia eventualmente romântica, ou mais fácil,
ou eventualmente pior, não interessa, mas de uma coisa que não aconteceu ainda, ou
então depois dela ter acontecido e toda a poeira ter assentado.
Qual é o problema?
É que nós estamos a atravessar essa revolução e, portanto, é muito mais difícil,
são sempre uma série de choques, se olharmos um pouco, enfim, como quando andávamos
na escola e líamos coisas sobre a revolução agrícola ou revolução industrial, seguramente daqui
por 100 ou 200 anos, a estudar -se -á o que foi a revolução
digital e, neste caso, haverá um capítulo ou um subcapítulo ou um parágrafo, o
que for, sobre o que é que essa revolução digital provocou nos mídia.
Quando eu tenho uma visão menos fatalista é que eu acho que seguramente os
mídia vão continuar. Qual é a maior dificuldade para quem trabalha, para quem está
neste setor agora? É o de estar a atravessar uma revolução e de muitos
dos pressupostos que garantiam a existência dos mídia há 10 ou 15 anos, ou
20, provavelmente uma parte destes pressupostos não existe daqui a 10 ou 15 anos
ou não existe, pelo menos, na mesma dimensão.
E a questão é como é que se consegue reequilibrar ou manter o barco
equilibrado numa transição que, tu não focaste tanto no tema económico, mas cuja principal
desafio é com manter a sustentabilidade dos mídia?
E aqui abro um subcapítulo só para uma questão, que é, há uma pergunta
que me fazem muito quando, fazem -me a mim e fazem as outras pessoas
todas da área, quando às vezes há uns colóquios, há uns debates sobre isto,
que é, mas qual é o futuro, qual é o modelo para os mídia?
E eu respondo sempre, não há um modelo, há vários, e isso tem a
ver com o facto de terem entrado várias plataformas, várias coisas, hoje em dia
há orgânica social pequenos, alguns feitos por Malta Nova, outros pessoas mais velhas, e
há modelos completamente diferentes e há também as relações clássicas, há coisas que são
só projetos digitais, há outros que já nasceram, há jornais com o tempo como
o Diário de Notícias, não é?
Ou se olharmos lá para fora, com os anos que tem o Financial Times,
ou que tem o Figaro, e há outros que têm 5 anos, outros que
têm 1 ano, outros que nasceram nos anos 90 e por aí fora.
A verdade é que todos esses nasceram com pressupostos diferentes e o que eu
acho é que no futuro vai haver caminhos diferentes, aliás, já há neste momento,
e tanto pode haver sustentabilidade para um órgão de comunicação social pequeno que vive
de apoios de alguns leitores ou ouvintes, de algumas bolsas, de apoios da União
Europeia, de projetos de fundações.
Agora, isso não é transponível, por exemplo, para uma redação, cerca de 300 pessoas
de direcção de informação, da SIC, por exemplo, ou que tem o Público, ou
que tem o Expresso, ou que tem o Observador, ou a TVI, ou a
CNN, isso é completamente impossível.
E, portanto, estes órgãos de comunicação mais clássicos vivem sobretudo de publicidade.
Alguns hoje têm assinantes, caso, por exemplo, no caso português, o caso mais evidente,
é o Expresso, o Público, o Observador.
Alguns jornais económicos, numa escala mais pequena, os desportivos eu não tenho os números
presentes, mas alguns vão viver de subscrições.
Curiosamente, quem abriu um caminho em alguns destes jornais, alguns mais antigos, como o
Expresso ou o Público, outros mais recentes, caso do Observador, acabou por ser uma
geração, estou a simplificar, porque, obviamente, quando falamos de assinantes há de várias idades,
que foi uma geração, uma boa parte das pessoas que mais assinam jornais são
pessoas da geração do repenso, que se habituaram a ter tudo à borla na
internet, da música e etc.
A minha geração, no fundo.
Se calhar, é verdade, que já é abaixo da minha, mas, curiosamente, depois com
o Netflix e o Spotify deram um salto para as assinaturas, porque perceberam que,
ok, tudo bem, o repenso é bom, no sentido que se apanha tudo e
viram filmes e ouviram todas as músicas sem pagar nada.
Eu ainda sou de uma geração que víamos quando alguém ia a Londres e
trazia os discos que não havia cá, depois às vezes havia uma loja no
bairro Alto que vendia, mas havia um que comprava o disco e os outros
iam para lá para a casa ouvir, ou para a casa dessa pessoa, ou
então alguém já trouxe o último álbum do Schmidt, o último álbum do não
sei o quê, não havia, à venda.
Outra geração e outras gerações a seguir já sacavam tudo, equipavam tudo, eu já
não fui dessa geração por falta de prática, já não precisava e também, entretanto,
as coisas já apareciam cá e já se vendiam cá.
E eu já estava a trabalhar, já tinha dinheiro para comprar discos e livros
sem precisar de ir a Londres e sem precisar de os estar a usar
à borla. Mas essa geração, curiosamente, que estava habituada, já é uma geração muito
digital, no fundo já exigia, no sentido em que para eles já era natural
ter tudo, poder ver tudo, poder ver um filme coreano ou um filme americano
que saiu há duas semanas, de repente com o Spotify e com a Netflix,
estou a simplificar, mas acho que foram as duas principais, se perceberam que a
assinatura de serviços digitais podia valer a pena e isso é muito interessante porque
acabou por dar aos jornais um caminho que não era completamente evidente, houve uma
luta muito grande no caso dos jornais, se quisermos, havia dois caminhos, um encabeçado
internacionalmente pelo Guardian e muito seguido pelo país, cuja ideia era tudo à borla,
sem paywall, sem nenhum tipo de barreira, porque isto vai nos dar audiências tão
grandes que é isso que vai financiar o nosso jornalismo.
Um assentava, obviamente, na força de língua inglesa, o outro na força de língua
espanhola, mas isto depois espalhou -se um pouco e em Portugal o jornal que
seguiu mais esta linha foi o Público, durante muitos anos, na minha opinião, demasiados
anos, e discuti isto com algumas pessoas do Público, nomeadamente com a Bárbara Reis,
quando era diretora do Público, e eu sempre achei isso uma loucura total, achei
uma loucura total, e não foi só para Portugal, o Guardian houve um ano
em que teve um exercício em que perdeu 70 milhões de libras, qualquer outro
jornal tinha fechado, o Guardian aguentou -se porque tinha o endowment de uma fundação
e depois tinha, de facto, uma base de leitores muito fiel e, entretanto, depois
virou para este outro caminho, que é o caminho de pedir quem quiser paga
e tal, e depois como é um jornal militante em algumas causas, é um
bom jornal, mas em algumas causas e em algumas áreas, nomeadamente na política, eu
acho muito fraco na área política, mas pronto, e então na área da opinião
acho um bocadinho maluco mesmo, mas não interessa, mas tem um grupo de seguidores
muito forte a ponto de poder ter pessoas que apoiam em todo o mundo,
haverá seguramente em Portugal pessoas que dão dinheiro para o Guardian e dão, e
é um jornal que vale a pena para muita gente, o El País fez
esse processo muito mais tarde, os donos do El País perderam o controle do
El País, estão sempre contra isso, aquilo foi para um fundo, enfim, está ainda
em grandes revoluções, mas entrou muito tarde nas instituições, o Público demorou muito tempo
a fazer esse caminho em Portugal, felizmente o Expresso sempre teve uma opinião que
não podia ser assim, sempre teve muita coisa fechada, não dava opinião, por aí
fora, durante muitos anos, mas o Expresso estava sozinho a pregar no deserto, por
exemplo, a grande divergência que eu tinha com o Observador, quando o Observador saiu,
apareceu, em 2014, foi o setor de aberto, era uma loucura completa, e era
evidente que era uma loucura, não foi evidente para o Observador logo, passado uns
anos, demorou uns anos, teve que passar a ir para conteúdos fechados e assinaturas,
foi uma pena não ter ido logo, porque foi um erro, tudo bem, os
acionistas decidiram assim. Foi uma pena para eles ou para o mercado?
Foi uma pena para o mercado, foi uma pena para o mercado, porque nessa
altura já era evidente, em 2014, que se nós olhássemos para fora e viéssemos
outros mercados, sempre em França, os jornais quase sempre foram fechados, por isso há
vários jornais, o Figarro é um jornal que tem mais de 100 anos, não
sei de século é, mas não sei se é do século XIX, se é
do início do século XX, e foi sempre fechado, os jornais ingleses tiveram muito
este caminho, os jornais brasileiros, jornais como a Folha, como o Estadão, como o
Globo, eles não tiveram tanto tempo a surfar na maionese do aborrele que é,
vamos embora, vamos ser todos felizes, porque faziam contas e percebiam que isso não
era possível manter redações com dimensão, com qualidade, com bons clonistas, com trabalhos de
enviados especiais, etc., só com base numa publicidade, porquê?
Porque depois há esse outro ponto que tu falaste no início, é que na
publicidade digital, em praticamente todos os países, 70 % pelo menos da receita é
do Google e do Facebook.
O Facebook agora está a perder muito lastro na questão das notícias, porque quer,
não é? O algoritmo do Facebook cada vez dá menos notícias às pessoas e
eu acho que daqui por 3, 4 anos praticamente deixa de dar, deixa de
aparecer no feed das pessoas, porque eles estão a fugir por falta de jeito,
basicamente é por isso, não souberam lidar com o tema depois das eleições americanas
e do Brexit, primeiro não disseram nada a ver com o assunto, claro que
tinham, depois foram desligando essa área e agora com os despedimentos mais recentes, basicamente
todas as pessoas ligadas às áreas de notícias, na maior parte dos países foram
do próprio, a equipa do Facebook foi afastada, e eles, sim, sim, nos despedimentos
é uma das áreas que foi mais, eles cortaram em muitas áreas.
Mas estão a perder dinheiro, não é?
Não, o Facebook não está a perder dinheiro, o que perdeu foi a capitalização
bolsista, que são... Não, não, não, está a perder dinheiro com essa decisão?
Não necessariamente, porque eles estão a ir para outras áreas, mais para as coisas
pessoais, fotografias da família, e não querem estar tanto nas notícias por causa dos
riscos regulatórios, ao contrário do Google, que fez uma opção contrária, que foi exatamente
o de apostar cada vez mais agora na informação e tem acordos com o
Publisher, etc. O Facebook preferiu ir saindo, está a sair de mansinho, contratou o
Nick Clegg, um ex -vice -primeiro ministro britânico, que era o líder dos liberais,
para o seu PR internacional, por causa dos temas de regulação nos Estados Unidos
e sobretudo em Bruxelas, mas está a sair devagarinho.
Ou seja, os jornais encontraram um caminho, que não vai dar para todos, mas
vai dar para vários, de várias maneiras, mas alguns jornais, caso de Expresso Evidente,
caso do Público, que eu penso que o observador, será que o tema das
assinaturas, que lhes vai dar robustez para viver os próximos 10, 15, 20, 30
anos, mais, espero, o Expresso faz 50 anos, espero que possa fazer 100 assim.
Ricardo Costa
No final, no último trimestre do ano passado, de 2022, pela primeira vez, as
assinaturas digitais ultrapassaram as vendas em banca.
E isso é bom.
Claro que isso provoca alguma agitação interna, estamos a falar de um jornal com
50 anos, há muitas pessoas que tiveram muitos anos ligadas sempre ao papel, com
muito maiores vendas. Atenção, as vendas do jornal em papel ainda são muito robustas
e a publicidade do papel também é muito importante, mas o momento em que
as duas linhas cruzam era um momento que ia acontecer.
Se não tivesse acontecido em 2022, teria acontecido em 2023.
Eu há pouco antes estava a dizer que havia um grupo liderado pelo Guardian,
um grupo que no sentido de uma linha, não era uma igreja, mas era
uma linha, que o farol era claramente o Guardian e depois o El País.
Havia um ou outro farol, se quisermos, que era, as pessoas falam muito do
New York Times, mas o primeiro foi o Financial Times.
Foi o Financial Times, depois era o New York Times, o Wall Street Journal,
depois muitos jornais ingleses.
O Economist também, se faz sentido.
O Economist, mas o Economist foi mais tarde, foi mais tarde.
O primeiro, o mais brutal da opção, porque na altura não era nada óbvio,
estamos a falar ainda de...
Sim, eu lembro disso perfeitamente.
Eu lembro -me, no final, antes de 2010, de falar ali que é o
2008, 2009, que é o Financial Times, que tomou uma série de decisões que
foram consideradas completamente contra -intuitivas.
A primeira foi, quando começou a grande crise, eles disseram, vamos aumentar o preço
de banca. Toda a gente disse que eles eram loucos.
E o que eles disseram, não.
Nós preferimos ter menos leitores, mas a pagar mais e que valorizem o que
é a redação, são os nossos colunistas, o que é o nosso trabalho e,
portanto, eles foram para um primeiro choque que não era nada evidente, foi aumentar
o preço depois, tomaram a decisão de deixar ter várias edições internacionais, passar a
ser só uma, que eles tinham uma na Ásia, outra não sei quando, por
aí fora, e centrar tudo no digital.
No digital é que estava a diversificação, havia uma só empresa, também não era
nada evidente. Depois, quando entraram na Apple Store, quando apareceram os iPads, foram os
primeiros a arranjar uma maneira de conseguir que as assinaturas não entrassem por ali,
porque a Apple faz um cut, quando uma pessoa assina uma coisa pela Apple,
são 30%, por isso é que agora o Elon Musk diz que quando se
for as pessoas assinarem, quando forem na Apple, é mais 30%, que é para
as pessoas perceberem que estão a pagar 30 % mais por estarem a fazer
através da Apple, porque a Apple fica com 30 % de qualquer coisa que
as pessoas compram, seja uma aplicação de um jogo para uma criança, seja o
que for, 30 % em média.
Já houve guerras também com algumas grandes empresas de gaming, etc, com a Apple,
por causa disso. E o Financial Times foi expulso da Apple Store, agora só
um jornal daquela dimensão tinha capacidade para fazer aquele… Para suster aquele embate, não
é? Um embate com a Apple podia ter atirado um daqueles jornais para o
lixo. Depois até por várias opções que fizeram em HTML, e por isso na
altura não eram nada evidentes, eles foram bastante pioneiros nisso, depois o New York
Times é o caso mais evidente porque deu um salto e depois pela dimensão
que tem, foi quem até acelerou mais depressa, e a verdade é que hoje
não há a mínima dúvida sobre quem é que tinha razão, e quem tinha
razão eram estes. O Guardian tem o seu caminho e tem o seu espaço
e bem, e hoje em dia acho que é um jornal que está a
ganhar dinheiro, mas aquilo que o Guardian faz muito pouca gente consegue fazer, porque
precisa de uma grande dimensão, precisa de alguma militância, dos seus leitores que sejam
bastante militantes, precisa ter alguma agenda mais politizada em algumas áreas para que depois
tenham os seus seguidores mais militantes.
Sim, sim, para gerar essa militância.
Ora, fazer uma cópia do Guardian aí pelo mundo fora não é uma coisa
muito fácil e portanto eu não aconselho nada, e acho que o outro caminho
é um caminho na empresa onde eu trabalho, nos órgãos de política social onde
trabalhei toda a vida, sempre achei muito mais lógico e muito mais inspirador e
com muito mais pés na terra, muito mais realista o caminho que o Financial
Times tinha, ou o New York Times, depois mais tarde teve o Wall Street
Journal e outros jornais, que é o caso, por exemplo, que vê -se na
Folha de Sol, hoje vê -se em todo o lado, não é, basicamente.
Ricardo Costa
vezes que... Há quem faça isso e alguns daqueles que são só para assinantes
têm, às vezes usam aquela coisa do teoria do queijo suíço, que é, tu
entras e tens uns buracos, deixas umas coisas por onde podes entrar, há alguns
que estão a deixar alguns leitores jovens ou leitores que é a primeira vez
que apanham, porque eles têm uma capacidade de perceber pelos IPs se é a
primeira vez então lê -mos, bem, há vários métodos e atenção, e eu vou
aí, haverá várias maneiras de pescar, não é, mas, grosso modo, depois acabam todos
por ter modelos de assinatura e eu acho que esse é o caminho.
No caso da televisão, a questão é, parece mais fácil, mas não é, a
televisão está ainda numa fase diferente, mas eu tenho poucas dúvidas de que a
médio prazo, agora, o que é o médio prazo, eu não sei responder, pela
desagregação de conteúdos vai sofrer uma revolução digital muito grande, já está a sofrer,
por causa de sofrer, no sentido que está a viver, das Netflix, HBOs e
todas as plataformas de streaming, mas as alterações e o processo de digitalização da
televisão é um processo mais complexo, não digo que é mais difícil que o
dos jornais, mas é um desafio diferente, porque as pessoas não estão habituadas a
pagar por coisas de vídeo que não sejam, nomeadamente, sobretudo, plataformas de séries, é
um tema complexo… Sim, sim, sim, porque os jornais tu já pagavas, pagavas antes,
deixaste de pagar com a internet.
A televisão as pessoas pagam sem ter a noção de que estão a pagar,
não é, porque as televisões enganem, não está a ver com isso, é, mas
as pessoas quando assinam a Mel, ou a Noz, ou a Vodafone, ou a
Novo em casa, por falar em Portugal, naquela, há ali uma parte, 6%, vai
para não sei o que, para não sei o que, para ir por aí
fora, vai direto para os canais.
Mas podes pagar a zero, desculpa -se, imagina que eu tinha só os 4
Ricardo Costa
mas os outros… Pronto, mas para todos os efeitos, aquilo que financia, não é?
Mas o que financia mais as televisões é a publicidade, e a questão é
que cada vez que aparece uma plataforma destas novas, por exemplo, agora a Netflix
passará a ter publicidade, há uma opção com publicidade, a Disney vai pelo mesmo
caminho, a Amazon ainda não se percebeu exatamente o que é que vai fazer,
alguma desta publicidade vai sair do bolo de publicidade televisiva, não sabemos que parte,
mas há uma parte, portanto isto coloca um desafio muito complexo para a transição
das televisões, e a maior complexidade é que não é uma transição do género,
eu vou deixar de fazer isto para fazer aquilo, porque essas transições, mesmo quando
são brutais, são mais fáceis, ou seja, faz -te pensar, quando eu tenho um
restaurante de religio brasileiro e amanhã fecho e abro um restaurante de sushi, pronto,
o que é, pode correr mal ou não, mas eu deixei de fazer uma
coisa para fazer outra, uma metáfora um bocadinho pateta, mas é para perceberem uma
coisa, deixei de fazer uma coisa para fazer outra, ali não é, qual é
o grande problema, o grande problema não, o grande desafio é que nós olhamos
e dizemos assim, certo, isto está a ficar digitalizado, nós vamos ter cada vez
mais pessoas a chegar em nós por outras vias, mas nós temos de continuar
a fazer um jornal ou dois jornais em televisão generalista, às uma da tarde
Ricardo Costa
mil pessoas a ver, não é sempre, mas muitas vezes, um milhão e cem
mil pessoas, à hora do almoço, seixentas, setecentas, quinhentas mil pessoas.
É muita gente. É mais do que podemos estar a falar em digital, ao
mesmo tempo temos de fazer um canal de notícias que emite vinte e quatro
horas, porque é fundamental e a força do direto é ainda brutal no cabo,
as pessoas no cabo, por isso é que o desporto tem a força que
tem no cabo, a informação tem a força que põe as séries, os infantis,
por outras razões, mas o desporto e a informação tem uma força brutal por
causa do direto, direto no sentido que está a acontecer, não é direto só
um direto da rua, é uma coisa que está a acontecer naquela hora, outras
vezes as pessoas estão a ver a apresentação do Ronaldo na Arábia Saudita, ou
o funeral do Papa Bento XVI, ou o que seja, ou a Rainha da
Inglaterra e estão a ver aquilo naquela hora, não vão puxar atrás para ver
na maior parte dos casos.
E depois temos de começar a trabalhar cada vez mais a parte digital e
a questão, aqui a grande dificuldade é esta, é sem deixar de fazer nenhuma
das outras coisas. E é extremamente complicado, eu participei numa boa parte da transição
do jornal, no Expresso, não todo, ainda não é todo o processo, mas estive
lá de 2009, eu tinha estado no Expresso três anos, entre 89 e 92,
na altura não se discutia nada disto, os jornais vendiam -se como pães quentes,
na altura nós deitávamos fora a publicidade, porque um artigo vinha a meia hora
e a publicidade saltava, e era assim, era loucura, mas atenção, na altura o
Expresso tinha à segunda -feira filas de pessoas, filas, literalmente pessoas para publicar artigos,
havia lista de espera, e portanto nós atirávamos publicidade para o lixo, não sei
se o Bolsa mandava por isso ou não, mas era para o lixo, pronto,
então não saiu, se não ligava -te o anúncio, pá, não saiu, então porquê,
pá, o artigo que era para ter 20 mil caracteres chegou, tinha 30 mil,
pá, não tivemos para cortar, pum, saltam dois anúncios, era assim, era mesmo assim
que as pessoas, e eu assisti várias vezes a isso, não era eu que
tomava essas decisões, felizmente, era muito miúdo na altura, mas pronto, eu estive nessa
altura no Expresso, e depois passei aqui, e depois quando voltei ao Expresso em
2009, depois estive lá sete anos seguidos, foi quando essa transição se iniciou, sobretudo
ali a partir de 2014, porque começou a ser evidente uma coisa, que era,
nós íamos ter que crescer online, íamos ter que começar a trabalhar para as
assinaturas digitais, era um processo que tinha que começar a ser feito, ficarmos à
espera que as coisas não acontecessem era um absurdo, parar o vento com as
mãos é uma coisa que não faz nenhum sentido, foi um processo que demorou
muito tempo, e a minha questão é, na televisão eu acho que vai ser
mais rápido, acho que vai ser mais rápido.
Achas que demorou mais tempo a começar?
Não, o tempo que um jornal como o Expresso teve para fazer a transição,
aliás que ainda está a fazer, não é?
Natural, ainda bem, porque tem muitos leitores em papel, e ainda bem que tem,
na televisão eu não sei se o processo não vai ser um bocadinho mais
Ricardo Costa
Agora, estas revoluções estão sempre ligadas à tecnologia, sempre, não é?
A revolução agrícola também estava, e à publicidade, há uma coisa que as pessoas
esquecem, que é, a imprensa quando apareceu era cara, era uma cópia, que as
pessoas liam ali no café, era uma coisa cara.
O que tornou a imprensa barata, chamada penny paper, ou penny press, foi a
publicidade, ou seja, o que massificou a imprensa, o que fez com que naquelas
imagens nós vemos as fábricas, cada operário a chegar à fábrica com o jornal
debaixo do braço, o que tornou a imprensa muito popular e muito barata foi
a publicidade, não foi rigorosamente mais nada, foi a publicidade, que a imprensa já
tinha nascido, na altura estava muito ligada a temas do século XIX, muito ligadas
à igreja, a igreja era uma forte proprietária, ainda hoje é, mas na altura
era uma grande proprietária das igrejas, várias eram proprietárias, os sindicatos, as maçonarias, as
carbonárias, por aí fora, eram coisas muito ligadas, círculos mais monárquicos, era uma imprensa
também muito ativista, mas era de núcleos muito pequenos, havia muito poucas cópias, as
pessoas liam em conjunto, liam numa mesa do café, na mesa do clube, na
mesa do não sei o quê, pronto, na mesa do sindicato.
O que a massificava, ou seja, o operário que queria ler a imprensa tinha
que ir à sede do sindicato, ou da associação, se fosse essa legal, ou
fosse clandestina, o que massifica a imprensa, comparada por um péni, não é uma
coisa muito barata, por 5 estões, é a publicidade, foi isso que permitiu que
se passasse a vender jornais muito baratos e a facilitar a sua distribuição, e,
portanto, toda a história, toda a imprensa, o boom da imprensa, depois da rádio,
da televisão, é feito em cima de publicidade, e o da internet, no sentido
de usar uma distribuição social à borda.
O que agora está a acontecer, no caso dos jornais, é um rebalanceamento entre
publicidade e assinantes. A publicidade continua a ter um peso muito importante, mas o
peso dos assinantes será crescente.
As pessoas têm que pagar mais, no ponto, sim.
Não é pagar mais, vão ter que ser mais pessoas, não é tentar alargar
essa base. E é interessante hoje ver como, apesar de tudo, há pessoas, neste
caso os 20 e os 30 anos, que estão disponíveis para assinar, quando há
20 anos, as pessoas que nessa altura tinham 20 ou 30 anos não estavam
disponíveis para assinar. Eu acho que isso tem muito a ver com a questão
do, estou a simplificar, mas acho que tem muito a ver com a questão
do Netflix e do Spotify, as pessoas perceberam a vantagem de poder ter um
bom serviço digital. Claro que isso também exige que quem, os assinantes não têm,
como podemos dizer, na internet não há tolerância ao atrito, as pessoas não estão
disponíveis para ver as coisas a andar à roda, eu carreguei uma coisa e
quero ver logo, se o interface da Netflix ou da HBO não está a
andar, ou da Opt, ou do que for, as pessoas começam a ficar irritadas
e, ou seja, há tolerância, não há atrito, o atrito tem que ser zero,
não é? E isso é extremamente exigente também para as empresas de comunicação social,
que nunca foram empresas tecnológicas, no sentido, tinham tecnologias mais simples, trabalhavam com tecnologias
mais simples, tinham, pronto, pessoas que sabiam de impressão, mas a impressão era fora,
pessoas que sabiam de emissões de sinais de rádio ou sinais de televisão, mas
não eram empresas tecnológicas, renovavam o seu parque tecnológico sem existir tempo, quer numa
rádio, quer numa televisão, quer num jornal, mudavam -se os PCs, as máquinas fotográficas,
de repente, as empresas de comunicação social têm que ter um lado tecnológico extremamente
complexo, que é, cada vez que muda o Android ou muda o iOS, aquilo
tem que funcionar bem, e isso é super exigente e super complicado para as
empresas de comunicação social.
José Maria Pimentel
Sim, e tu estavas a dizer, esse ponto é importante, que este modelo novo
não pressupõe que as pessoas paguem mais pelo consumo de informação, ou seja, os
assinantes paguem mais, um assinante de hoje, médio, pague mais do que pagava no
passado. Não, eu acho que não.
Ou seja, a lógica é conseguir mais assinantes, uma maior proporção de população, se
quiser. A lógica tem sobretudo a ver ter mais assinantes, o que em Portugal
José Maria Pimentel
Sim, sim, eu ia -te perguntar isso há bocadinho, porque o público, por exemplo,
já fez umas tentativas de parcerias com o Folha, por exemplo, até tiveram uma
assinatura, não sei se ainda têm uma assinatura conjunta.
Têm, têm uma assinatura conjunta com o Folha de São Paulo.
Que é uma ideia gira, mas tem grandes duvidas.
Ricardo Costa
Eu não conheço em detalhe as contas do público, nem as contas do observador,
conheço -as de expresso, mas acho que o caminho é completamente este.
E repito, admito que haja jornais económicos que também o consigam, não sei, embora
aí a escala é mais complexa, os jornais desportivos não falo porque não conheço
as vendas, nomeadamente as vendas digitais, mas, noutros países, há jornais desportivos que funcionam
Ricardo Costa
Porque eu acho que houve várias hipóteses, houve várias ideias disso, por causa da
marca. Porque no fundo o que as pessoas querem é ser leitoras de uma
coisa, depois pode houver de várias, mas da marca.
As pessoas entram, a ideia é de haver uma espécie de um lab, um
sítio onde eu chego e vejo notícias de vários e isso na maior parte
dos casos não pegou.
Houve várias tentativas internacionais, houve depois até uns tipos belgas que lançaram uma ideia
de que o assinante tinha direito depois a ler X artigos de cada jornal,
também tem muita gente que achou que era só isso, que as pessoas queriam
só ler. Sabes, muita gente achou coisas erradas, ou seja, durante muitos anos eu
lembro de ouvir dizer que na net ninguém queria ler coisas grandes, só queriam
ler coisas curtas. Nada mais errado, completamente errado.
Os textos longos, os long -form, seja de jornais portugueses, seja de jornais estrangeiros,
são os mais lidos, ou são dos mais lidos.
Mas durante muitos anos, o que se dizia, já estamos a falar há muitos
anos, há 10 anos, dizia -se, não, não, textos curtos, ninguém quer ler uma
coisa longa no telemóvel.
Sim, sim, sim. Completamente errado.
As pessoas diziam, ninguém ia ler uma coisa longa, não é verdade, as pessoas
leem. Era o que dizia em relação aos podcasts também.
E portanto, houve muita coisa errada.
Porquê que era errada?
Porque todos nós dávamos opinião partindo do que era a nossa experiência anterior.
Nada mais errado. Sim, sim.
Ricardo Costa
Mas só para responder mais diretamente à tua pergunta, a minha divergência com uma
boa parte dos jornalistas sobre isto tem a ver com, ou uma boa parte,
ou com alguns, tem a ver com a questão da fatalidade e com a
questão do achar que isto se resolve por ajudas estatais.
Ia -te perguntar isso também.
Sistemas muito complexos de subsidiação, eu não acredito muito nisso.
Não me choca, por exemplo, há um ponto importante, eu não gosto de dizer,
ah, a imprensa é mais, o jornalismo é mais importante que isto ou aquilo,
eu acho que é mais importante que uma série de coisas, mas não me
fica bem dizer isto, acho que, não gosto de falar em causa própria.
Agora, acho que é possível, por exemplo, haver apoios de programas, de programas nacionais,
europeus, que tenham a ver com reconversões tecnológicas, com, quer de maquinaria, quer de
pessoas, das pessoas serem reconvertidas, no sentido em que as alterações são profundas do
ponto de vista tecnológico e que um jornalista que já tem 30 anos de
experiência às vezes, pá, de repente com o número de programas com que se
tem que trabalhar é normal.
Claro. Poder -se haver programas desse género, pode haver apoios, imagina, sei lá, aquelas
coisas que às vezes dizem, poder ter desconto no IRS das pessoas fazerem assinaturas
de jornais, isso admito que sim, agora a ideia que, embora aí eu gosto
sempre de ver é, o que é que já se experimentou noutros países, o
que é que funciona, o que é que não funciona, porque nós estamos aqui
a lançar ideias que às vezes estão -se a tentar a inventar a roda
e há coisas que já se experimentam noutros países, que funcionam e que podem
ter alguma lógica. Agora, a partir daí, depois eu sou completamente contra a ideia
do género, ah, então, mas se puder haver assinaturas que, pronto, de alguma forma
o Estado apoia, nem que seja por via fiscal, mas só pode ser de
certos jornais, não pode ser daquele ou do outro que é tabloide, isso é
ridículo. É ridículo não, é completamente absurdo.
Não, então é de qualquer coisa que seja, não é, porque senão, depois, então,
quem é que divide...
Ricardo Costa
maior do que... Certo, mas a partir do momento em que entras numa espécie
de apoio do Estado, nem que seja um apoio no sentido de rebate fiscal,
pá, tem que ser o que estiver registado na ERC e que seja considerado
um órgão de comunicação social, pode ter, não há outra solução, senão vais ter
que ter um júri a escolher o que é que é e depois acabas
numa espécie de júris do cinema português, não faz sentido nenhum.
É complicado, eu sei...
Não podes, não tens outra...
Não tens, não tens.
Eu, no fundo, eu preferia, eu acho que o Estado devia estar fora disto,
a única maneira que eu vejo hoje, atenção, posso daqui por dois ou três
anos ter uma opinião eventualmente diferente, é através, depois, desta natureza, um, apoios à
indústria de mídia, no sentido de reconversão tecnológica, reconversão profissional, apoios que não sejam,
tipo, para tirar dinheiro para cima das questões sem qualquer lógica, eventualmente apoios ao
consumo, no sentido em que, se eu for assinante, ou estudante, ou etc, ou
seja, poder ter, ou as pessoas já trabalham no seu IRS e se puder
ter um desconto qualquer, ok, porque há uma questão da importância da comunicação social,
da importância da língua também, não é uma coisa completamente especianda, não mal tudo
bem, que não é por acaso, porque é que a maior parte das, na
maior parte, não de todos os países europeus, têm televisões, com exceção de Luxemburgo,
têm televisões públicas, muitas vezes, isto discutiu -se muito no tempo da Troika, quando
houve a desregulação, muitas pessoas não perceberam, não tem a ver, só, ai, porque
o ministro quer mandar fazer o telejornal, não.
O principal tema da maior parte, dos governos europeus todos, aliás, com exceção, repito,
de Luxemburgo, Luxemburgo, aquilo é um, curiosamente, não sei quantas línguas, né, que, aliás,
financiam brutalmente jornais para existirem jornais em Luxemburguês e nas línguas das comunidades locais,
inclusive o português. Mas isso é uma outra questão, é um Estado muito rico
e pode fazê -lo.
Mas a principal razão dos Estados manterem televisões públicas tem a ver com a
língua e a cultura.
Mas a cultura no sentido lato, não é a cultura no sentido São Carlos,
no sentido completamente lato.
E, portanto, a questão da língua e da comunicação social na língua portuguesa não
é uma questão menor, então, numa altura em que toda a gente, tendencialmente, aprenderá
mais o inglês e vai ter cada vez que consumir mais coisas noutras línguas,
portanto, não é uma questão menor e é importante ter uma política, repito, política
não é agora definir do subsídio ao teatro ou subsídio ao cinema, que é
outra questão completamente diferente, é uma política no sentido de deve ou não se
deve manter este ecossistema, um ecossistema em que haja comunicação social de língua portuguesa.
Mas tem que passar por um canal público?
Ricardo Costa
Isso é um tema diverso, mas, sim, eu acho que tem que passar por
um canal público. O passar por dois também, na maior parte dos países, é
o que há. Eu não falei muito na altura, já foi há muitos anos
que eu estava no Expresso, sobre a questão da privilegiação da RTP porque a
coisa que eu dizia parecia que estava sempre a defender a minha posição ou
o grupo onde eu trabalhava.
E é muito difícil desligar disso, porque as pessoas dizem ''ah pá, estás a
defender isso só por dar jeito assim que existe a RTP ''.
Pronto, a partir daí a discussão não pode acontecer.
É impossível, não é?
Pronto, eu digo, vamos retirar esse fator.
Eu e Gustavo dizia sempre a mesma coisa, então olhamos lá para fora e
vamos ver porque é que Estados bastante liberais ou muito liberais não privatizaram a
televisão. Vamos ver. E porquê?
E as respostas estão lá todas.
Mesmo quando houve o caso de uma concessão de uma rádio, que eu, na
altura, atenção, eu já não estudo isto há bastante tempo, mas eu lembro -me
ali em 2011, 2012, 2013, o único caso de concessão de uma rádio pública
a entrega privada era na Dinamarca.
Tudo o resto era onde estavam nos Estados.
E porquê é que estavam nos Estados na Alemanha, porquê é que estão nos
Estados na Holanda, porquê é que estão nos Estados na Irlanda, porquê é que
estão nos Estados na Inglaterra.
Língua, cultura, língua, cultura e não passa disto.
E por isso é que não foram privatizadas, ou seja, em Portugal pensa -se
muito pouco estratégicamente, mas no tema das privatizações eu tenho uma posição muito liberal,
sempre tive. Por exemplo, eu acho a TAP um desastre ter sido nacionalizado, um
erro total. Mas o maior desastre, na minha opinião, foi a privatização da REN.
Não porque, nós estamos aqui, aliás, a gravar com eletricidade em tua casa, e
portanto a REN na alta, na distribuição alta, depois aqui chega a EDP, ou
a Endesa, ou a Iberdabola, mas a REN está a distribuir a eletricidade pelo
país. Mas porquê que eu fui contra, e sou contra, e acho que devia
ser nacionalizada, a maior parte do capital?
Porque é uma questão de segurança, e de segurança nacional.
E então privatizar uma empresa a favor de um Estado estrangeiro, que foi o
que Portugal fez, foi na China, é, na minha opinião, uma loucurinha, e nenhum
outro país europeu fez.
Sim, sim, esse ponto parece -me vivo.
E acho que um dia isso há de ser resolvido.
O que Portugal não tem é para isso, também não pode, enfim, afrontar, não
é enfrentar, afrontar acionistas estrangeiros, assim, por lá que há aquela palha, mas é
uma questão de segurança nacional.
E vê -se agora, com as divergências, com a China, etc., ter a rede
nacional de eletricidade na China, é uma loucura.
Nas mãos da China.
Não faz sentido nenhum, os chineses não vão desligar isso de um dia para
o outro, mas não faz sentido, é uma questão própria.
Sim, sim, eu estou de acordo.
Isso é o que eu estou a dizer, eu tenho uma posição em relação
às privatizações, completamente sou a favor de privatizações, praticamente tudo.
Por exemplo, achei bem a municipalização da Carris, aliás, é uma discussão que está
em outros países, por exemplo, em Inglaterra, o Financial Times, insuspeito nas últimas eleições
legislativas, fez um editorial a defender a nacionalização de alguns transportes públicos e de
alguns serviços municipais de água, porque estavam a correr mal, o serviço aos clientes
era mau, o investimento era péssimo, e, portanto, devia ser revertido para depois, mais
tarde, voltar -se a privatizar, porque tinha de parar à mão de fundos financeiros
que não estavam propriamente, eu acho que eram os transportes públicos de Manchester, se
não estou engano, e era uma linha de caminhos de férrego, acho que uma
que ia para o sul de Londres, que era péssima, tinha um péssimo serviço,
e, portanto, eles diziam, não corre bem, nacionalize -se, porque o papel do Estado
é, se a coisa não corre bem, nacionaliza, paga o que tem que pagar
aos acionistas, afina a empresa, e depois, quando achar que está em condições de
privatizar e há operadores decentes no mercado para ficar com elas, ficar.
No caso da RTP, eu acho que essa discussão é uma discussão meio a
circular, mas acho um erro enorme, e digo sempre isto, muitas pessoas diziam, não,
mas porquê, aquilo custa x dinheiro, certo, eu percebo a questão do ponto de
vista financeiro, eu percebo, mas eu digo, então, porquê que em Espanha não privatizam,
porquê que em Itália não privatizam, porquê que na Grécia não utilizam, agora vamos
para outros países que tenham contas mais direitas, ok, porquê que na Alemanha não
privatizam, porquê que em Inglaterra não privatizam, porquê que em Irlanda não privatizam, e
as pessoas não sabem responder, ou então dizem, ah, porque têm dinheiro, e os
outros dizem que não têm, e não conseguem responder, e não conseguem responder porquê?
Porque o tema é diferente, e aqui não é necessariamente um tema de segurança
nacional como a REN, ou seja, nós quando pensamos em temas de língua e
cultura, repito, cultura, sentido lato, temos que o pensar em décadas, não é?
Aliás, Portugal tem um tema muito interessante, uma das opções, e acho que a
Adriel Pedro Busri falou nisto aqui quando veio aqui ao teu podcast, que é,
uma das opções mais curiosas que Portugal tomou na sua televisão pública foi legendar
os filmes e as séries, e isso permitiu que as pessoas aprendessem a falar
línguas, e os portugueses falam em média muito melhor línguas estrangeiras do que os
espanhóis, ou do que os italianos, ou do que os franceses, aí houve uma
política cultural, uma política de língua foi, tudo tem que ser dobrado.
Provavelmente cujas consequências eles não tinham no início.
Para dizer que isto tem efeitos muito a longo prazo.
Portanto, uma televisão pública, eu não tenho que estar aqui a defender a RTP,
tem um papel, depois qual é o papel?
É um tema muito mais complexo.
Ricardo Costa
Isto é um tema muito complexo.
Eu lembro -me há uns anos houve um colóquio que o Sindicato de Jornalistas
organizou ali em Cascais, com o patrocínio da Presidência da República, onde vem uma
francesa, Julia Cagé, eu digo o nome dela, embora o nome dela seja totalmente
diferente, que tem uma tese ultimamente bem feita, muito bem pensada, no fim dela
tem aquilo pensado de caba raso, com um sistema de subsidiação e de compra,
só que aquilo não tem nenhuma praticabilidade, eu acho aquilo um absurdo completo, é
um sistema quase utópico.
José Maria Pimentel
Mas eu acho que o ponto, eu acho que o ponto dela é mais
amplo do que isso, é no sentido dos jornais, já anteriormente, ou seja, já
antes da crise, não estarem a cumprir, segundo ela, totalmente o seu fim social.
É, o seu fim social, estarem muito dependentes pelos empresários e da...
E do lucro. Por exemplo, uma coisa que ela diz, não sei se é
verdade, porque eu não li o livro, é que os cortes...
Eu também só vi a apresentação que ela fez, não li o livro dela.
Ricardo Costa
Certo, só que isso, repara, isso é verdade e é uma tanga ao mesmo
tempo. Porquê que é verdade?
Ok, pode -se dizer.
Porquê? Porque já houve alturas em que os jornais eram mais robustos.
Porquê que eu acho que é uma tanga?
Primeiro porque continua a haver investigações, vê -se, em vários jornais, nomeadamente em jornais
franceses, por exemplo, país de onde ela...
Vários. Há investigações, várias, as investigações deitaram ministros abaixo, as pessoas deitaram candidatos presidenciais
abaixo, vários escândalos de todo o género que tenham sido...
Até jornalismo em rede, que não tinha -se tanto antes, os consórcios.
Seja em França, em Espanha, em Portugal, em Inglaterra, nos Estados Unidos, no Brasil,
continua a haver. E depois porquê?
Porque é que há aqui um ponto que é esse, se quisermos, o maior
ponto de divergência que é.
Primeiro, então, se recuarmos um pouco mais, como eu há pouco dizia, a publicidade
é que permitiu a popularização da imprensa, a imprensa ser literalmente popular.
Popular no sentido de as pessoas com menos dinheiro, com profissões menos qualificadas poderem
ter acesso os operários que compravam jornal todos os dias, que era uma coisa
que se via com muita frequência.
Nos anos 70 havia -se ainda em Portugal e até o final dos anos
70 havia -se muito.
E nos anos 80 ainda.
Primeiro, foi a publicidade que permitiu isso.
Segundo, é óbvio, e aí é que é o ponto que quase sempre nessas
discussões tira -se da equação a palavra tecnologia.
E é isso que eu não percebo.
Porque a tecnologia sempre teve um efeito brutal e transformador no jornalismo.
Agora não falo sequer de outras áreas que também teve, mas estou a falar
só de jornalismo. Sempre foi inventado alguma coisa, seja o telex ou o telegrama,
seja depois a coisa na rádio, seja a televisão, seja a internet, naturalmente sempre
teve um impacto e transformou completamente o jornalismo.
E transformou, nomeadamente, a velocidade da que se faz jornalismo e a forma como
se consome o jornalismo.
E o grande problema ou o grande desafio, quando há pouco dia nós temos
que continuar a fazer dois, estou a falar agora do caso assim, dois jornais
grandes às uma e às oito da noite.
Fazer um canal de cabo e crescer cada vez mais num site porque vamos
ter mais pessoas a chegar a nós por via digital e ao mesmo tempo
também outro tipo de plataformas como a Opto.
Nós temos estas frentes todas.
Ao mesmo tempo há um outro problema e esse é o maior desafio das
redações. Esse é um problema que o leitor não tem nada a ver com
isso, só o espectador.
Mas esse sim é mesmo para mim até o maior dos desafios, que é
o chamado desafio das velocidades diferentes.
Que é, assim como a internet me permite a mim à hora que estou
aqui, fim da tarde, se eu quiser abrir um site, eu consigo ter acesso
a informação a esta hora, eu consigo, se quiser escrever agora, não tenho que
escrever à meia -manhã, posso escrever às duas da manhã, posso escrever quando eu
quiser. O leitor ou o espectador que acorda quer ver as coisas ou quer
ler as coisas àquela hora.
Eu quero ler um artigo agora.
O Ronaldo foi para o Al Nasser e eu quero ler um artigo sobre
a Arábia Saudita. Eu acordei às sete da manhã e eu quero ler o
artigo às sete da manhã.
E portanto alguém tem que escrever esse artigo para às sete da manhã.
E esse é de facto um problema, que é o problema de por um
lado nós temos que ter a dar coisas em direto, ter a capacidade de
resposta do imediato, ter que estar a profundidade ou a investigação de pessoas que
podem estar um mês ou dois a fazer um trabalho e por outro lado
temos que ter pessoas que estão a escrever às sete da manhã e pessoas
que estão a escrever às duas da manhã.
E isso é a parte mais complicada porque antigamente não era assim.
As coisas eram mais organizadas em termos de fluxos e de entregas, o output
como se diz pomposamente, mas nós trabalhávamos para um jornal que saía às oito
da noite, uma coisa que saía à uma da tarde, para um imediato nas
cinco notícias ou para um jornal que saía no sábado e de repente uma
pessoa está a trabalhar para uma coisa que é para daqui a meia hora
ou para daqui a quatro horas, outros estão a trabalhar para daqui a três
semanas e outros estão a trabalhar para amanhã de manhã e isso de facto
tornou as redações numa organização muito mais complexa, muito mais complexa.
Não tem qualquer comparação.
Eu lembro -me quando eu comecei a trabalhar em 89, como estagiário no Expresso,
as pessoas estavam todas a trabalhar para um jornal que saía no mesmo dia
e a única diferença é que a revista fechava à quarta, a Economia fechava
à quinta e o Prima Caderno fechava à sexta, havia assim um ciclo de
resto. A organização era completamente parecida, era completamente, e não era igual porque havia
obviamente uns jornalistas mais noctífagos que outros, mas fora isso não havia mais nada,
não havia rigorosamente mais nada.
É uma diferença gigante.
E mesmo quando depois passei para a televisão em 92, nós trabalhávamos para um
jornal que era às oito da noite, outros que eram, na altura ainda não
havia o primeiro jornal, outros que eram para uma da tarde, o grupo de
pessoas que tinha entrado ali às oito da manhã estava a trabalhar para um
jornal que era para uma da tarde, os públicos que entravam ali pelas dez,
onze da manhã estavam a trabalhar para um jornal que era às oito da
noite. Pronto, depois havia outros que entravam um bocado mais tarde porque era para
um jornal que era à meia -noite.
E depois, só mais tarde é que alguns começaram a trabalhar para uma coisa
que era para domingo ou porque era para daqui a duas semanas, ou para
uma grande reportagem que tinha ali uns fluxos mais horizontais mas para meia dúzia
de pessoas. Hoje a complexidade de uma redação como a onde eu trabalho, ou
em RTP, a TVI, a CNN, serão muito parecidas, ou a complexidade de uma
redação como é a do público ou do Expresso ou do Observador não tem
nada a ver com o que eram de um jornal, ou como era uma
televisão. E essa complexidade de ritmos diferentes, de velocidades diferentes é brutal porque, repara,
morre o Pelé. Pá, há pessoas que vão querer saber, ver o que é
que está a acontecer, e os comentários, e os comentadores e o tipo que
jogou com o Pelé, e não sei o quê.
Ao mesmo tempo há pessoas que vão querer ler um artigo que conta toda
a história do Pelé e tal, e não sei o quê, que se calhar
demora pronto, só vai estar pronto daqui a três ou quatro horas ou já
estava escrito e tal.
E há outros que se calhar vão ver umas coisas, depois um documentário que
agora vai sair sobre o Pelé que alguém está a fazer durante não sei
quanto tempo. E tudo isto são coisas, são ritmos.
E se quiseres, na mesma redação, podem estar a fazer ao mesmo tempo isto.
As pessoas que estão ali literalmente para o...
Acabou de morrer o Pelé e tem que estar ali duas horas a falar
do Pelé. Outros que vão estar a fazer coisas para daqui umas horas mais
longas, mais pensadas, mais isto sobre o Pelé.
E outros que se calhar vão estar, ou outro que vai estar um mês
a fazer uma coisa sobre o Pelé de duas horas.
Ricardo Costa
Precisa. E esse sim é o maior problema que a comunicação social tem hoje
e que leva muito ao tema dos salários, que é o tema mais complicado.
Porque ao precisar de mais gente, porque precisa, os meus patrões não gostam muito
de ouvir isto, mas precisa.
E precisa porquê? Porque tu disseste e vou especificar mais.
Por exemplo, redes sociais.
Tu tens de ter equipas que trabalham redes sociais.
Ora, essas equipas estão a trabalhar redes sociais, não podem estar a fazer mais
nada, não faz nenhum sentido que façam mais nada porque não vão estar a
fazer mais redes sociais.
Porque isso não existia antes.
Tu cresces num site, eu não tenho grandes dúvidas que as áreas onde vais
crescer mais nas redações serão sobretudo áreas digitais.
Podcasts, redes sociais, sites, no sentido lato.
Lato do termo. É mais difícil crescer em televisão ou crescer em, como clássico,
por exemplo, se fizeres um jornal e vais precisar mais pessoas de infografias, de
áreas de animações, de questões que tenham mais todas as vezes jornalismo de dados,
uma série de outras coisas que é natural que vão crescendo cada vez que
tenhas mais produção digital.
E a questão é que não vais precisar de menos jornalistas.
Portanto, isto é um problema.
E porquê que isto é um problema?
Porque depois, se o dinheiro é menos, isto tem um problema muito complexo de
resolver os chamados custos fixos.
E esse é um problema.
É um problema porque depois generalizam -se salários mais baixos ou muito baixos e
isso é, de facto, um problema que tem que ser progressivamente resolvido e é
um problema muito complexo.
Para mim esse é o maior problema.
Para mim o maior problema não é o quando as pessoas dizem qual é
o futuro da comunicação social.
Eu isso é muito frio, muito prático.
Há coisas que vão fechar, há outras que vão abrir, há coisas que vão
durar, há umas que vão continuar, há umas que vão desaparecer.
Mas eu já vi antigamente, agora vamos antigamente falar como pessoa que já tenho
54 anos, eu vi muitos jornais fechar.
Eu vi o Independente fechar.
Algum dia eu imaginava quando o Independente não vinha nascer e vi fechar.
Quando nasceu eu estava na faculdade, adorei aquilo, eu era já um grande leitor
do Expresso, mas achei aquilo o máximo.
Epá, e fechou, passaram uns anos.
As razões pelos que fechou, eu tenho uma opinião muito particular sobre isso.
Se quiseres partilhar. Eu acho que, atenção, não é nenhum de mérito para as
pessoas que lá estavam, estavam grandes jornalistas ainda lá, mas porque deixou de ter
objeto. Um bocadinho havia ali aquela coisa da filosofia alemã, acho que é do
Fichte, o eu e o não eu, não é?
Portanto, o não eu era o cavaco, era muito vício.
Mas a minha impressão era essa também.
Quando o cavaco desaparece, e ainda por cima, coincidentemente, o Paulo Portachai, há um
objeto que desaparece. Teve muito a ver com isso, porque a redação manteve uma
qualidade muito grande durante muitos anos e, portanto, eu acho que teve a ver
com isso. Mas pronto, eu vi fechar o Independente, eu vi fechar o Semanário,
vi fechar o Jornal, o jornal que o meu pai lia desde que eu
nasci era o Diário de Lisboa.
Eu vi fechar o Diário de Lisboa depois de uma tentativa de fazer até
um grande renascimento do Diário de Lisboa com o Mário Mosquita, numa equipe em
que estava com o Diana Andringa, onde estava o António J.
Teixeira, etc. E foi um...
Até fez ali uma espécie de jornal, melhorou brutalmente, foi um grande jornal, assim,
mais denso, e não aguentou o embate com o público.
Vi nascer o público, felizmente ainda existe.
Nós já vimos nascer e fechar.
Portanto, eu, quando eu digo assim, vão fechar coisas.
Sim, vão fechar coisas.
E vão aparecer outras.
Não é aquela coisa, tipo, visão ultraliberal da economia, mas no sentido é uma
visão liberal, e eu tenho uma visão liberal, acho que as coisas que não
têm viabilidade económica fecham.
Pronto. E aparecem outras.
E eu ainda por cima daí tenho uma posição que é, não é que
seja condição sine qua non, no limite pode não ser, mas a viabilidade económica
é fundamental à independência jornalística.
Depois dizem, pá, por exemplos, o Guardian, durante anos, porque vivia de um endowment
lá de uma fundação, o Público é um jornal, não estou aqui a dizer
acho que nada de grave, que dá prejuízo e que a SONAI, como acionista
única, todos os acionistas têm assistência, e é um jornal independente, não tenho a
mínima dúvida sobre isso.
O próprio Observador, penso que ainda não chegou, como um todo, em jornal e
rádio, ao site e rádio e a Breakeven positivo, não me parece que tenha
chegado, não sei as contas de 2022, parece -me um jornal independente, porque tem
acionistas que, sempre que é preciso um aumento de capital, asseguram um aumento de
capital. Eu acho isso legítimo.
No longo prazo, e eu gosto de olhar estas coisas com prazo, acho que
o que não tem viabilidade económica dificilmente tem independência jornalística.
Por isso é que a questão da viabilidade económica é fundamental.
E quando dizia há coisas que vão fechar, sim, há coisas que vão fechar,
e vão aparecer outras, e vão aparecer outras completamente só digitais, e vão aparecer
outras não sei o que mais, tantas coisas que apareceram nos últimos anos que
nenhum de nós imaginava que iam aparecer, projetos independentes, jornalísticos pequenos, como o Fumaça,
como o Divergente, como outros.
Ainda bem que apareceram, e ótimos.
A questão é quanto pagam, não é?
Era isso que estavas a falar há um bocadinho, não é?
Não, isso é uma outra questão que muitas vezes até se coloca mais nas
grandes redações. Coloca -se em todas, mas coloca -se mais nas grandes redações porque
de facto algumas das linhas de receita que tinham maiores, que eram os da
publicidade, estão a diminuir, não é nada abrupto, mas há alguma diminuição de vez
em quando e depois aguentar este desembate é complicado, porque é muito mais difícil
fazer uma transição numa coisa que já tem 20 ou 30 ou 40 anos
do que numa coisa que tem um ano ou dois, não é?
Uma coisa que já nasceu completamente digital já nasceu com pressupostos económicos completamente diferentes.
José Maria Pimentel
Claro, mas repara, quer dizer, eu percebo isso do ponto de vista de uma
organização que já existe, tem muito mais pessoas que se calhar não se conseguem
adaptar bem, tem uma série de custos fixos que, por exemplo, não é fácil
eliminar e isso acontece em todo lado, mas o que me pareceu da tua
descrição é que para esta realidade nova é de facto que precisa muita gente,
porque é preciso muita gente para produzir, é preciso muita gente para vender -se,
ou seja, as pessoas que estão nas redes sociais, no fundo, estão a vender
o jornal, não é?
Ricardo Costa
Ou aquele meio. Não só estão a vender, estão a trabalhar para repara, tu
hoje tens pessoas que seguem a Cico Notícias, por exemplo, mas, por exemplo, a
BBC ou o QZ e tu dizes, mas o que é que leio?
Ah, só sigo no Instagram.
E consideram -se leitores do público, mas só leio o público no Instagram.
E tu vais dizer, não, não são?
São, são as pessoas que consideram leitores e tens que trabalhar para aquelas pessoas.
Repara, a Cico Notícias tem 400 e tal mil seguidores no Instagram.
É um número bastante forte, tens que trabalhar para estas pessoas, não faz nenhum
sentido não trabalhar para estas pessoas.
Agora, qual é a receita que tens dali?
Para já, zero ou muito pouco.
Podes vir a ter, mas é uma questão complexa.
Não estar ali não é uma opção, logo tem que haver mais pessoas.
Ricardo Costa
Nos Estados Unidos houve diminuições brutais, sobretudo nas redações, e isto foi muito entre
quase toda a Europa.
Agora, quase todo o mundo, Europa incluída, depois começou a haver mais recrutamento por
causa das novas áreas, novas profissões, novas competências.
Vai continuar abaixo. Portugal continua abaixo do que estava antes.
Bastante abaixo, presumo que a Comissão da Carteira e o Sindicato de Jornalistas terão
os números mais detalhados, mas sim, será um bocado abaixo.
Também há questões tecnológicas que foram eliminadas, é normal que essas coisas aconteçam quando
há transições tecnológicas. Eu estou a perguntar isto porque daquilo que eu tiro da
Ricardo Costa
Alguns jornais internacionais são os mais rentáveis do que eram durante muitos anos.
Porém, está a falar dos portugueses.
Eu, em Portugal, não acho que isso seja impossível.
Não acho que isso seja impossível de todo.
Ou seja, falando do caso do Expresso especificamente, que eu conheço bem as contas,
não é? Por razões profissionais.
Não acho nada impossível que o Expresso tenha não vou dizer que tenha valores
de rentabilidade dos anos 80 isso não vou falar disso.
Mas o ponto de comparação é o pico, não é?
Estou a falar de, não acho nada impossível que o Expresso tenha valores de
rentabilidade relativamente parecidos com os que tinha há 6, 7 anos, 8 anos, não
acho nada difícil. Vais ter que ter, como dizes há bocado, mais gente.
Não, a questão aí é, depois isso há transições complexas, depois também é natural
que possa haver uma outra profissão que tendencialmente, profissão tipo especialidade interna, que possa
eventualmente não precisar tantas pessoas, não sei, pode haver também há reconversão, por aí
fora. Nós temos feito esse processo, no caso do Expresso tem sido um processo
muito contínuo, mas muito devagar, devagar no sentido muito pausado, vai andando e tem
sido bem feito, genericamente.
O caso da SIC, quando eu estava a falar, o caso da televisão é
um caso que a mim me deixa com uma interrogação maior, como eu dizia
bem primeiro, porque estou lá enfiado...
Sim, agora tem mais a ver com as tuas funções atuais, não é?
Tem a ver com as tuas funções, que é, eu tenho a certeza que
a televisão vai passar por uma transformação muito grande, a televisão continua com uma
força enorme e vai continuar, no caso do Direto e noutras coisas ainda, mas
ao mesmo tempo vai ter uma pressão de publicidade que pode sair, nomeadamente, por
outras plataformas. E esta transição é uma transição complexa, dura e como ao mesmo
tempo nós vamos ter que trabalhar para mais gente ou para gente espalhada em
mais sítios, aquilo que se chama consumo desagregado, a questão é conseguir ir resolvendo
esta equação. A única coisa boa é a equação vai -se resolvendo, nós não
temos que a resolver em uma semana, nós temos que ter um processo e
um caminho para ir resolvendo.
E depois, dentro das redações, isto tem que se fazer com um equilíbrio que
é um equilíbrio muito complexo, entre pessoas mais velhas e com uma grande experiência,
memória, etc. E pessoas mais novas que na maior parte dos casos são estamos
a falar de generalidades e depois as coisas não são tão separadas, como é
obvio que têm que são tecnologicamente mais ágeis, repito, pois há pessoas mais velhas
que estão muito ágeis tecnologicamente e há pessoas mais novas que não têm grande
agilidade. Estou a dizer, sinericamente, é assim.
E tem que -se fazer essa transição.
Tem que -se ir fazendo pouco, mas mantendo essa mistura, porque essa mistura é
Ricardo Costa
Saiu, porque os hábitos de leitura mudaram muito para a internet e a publicidade
foi atrás do Google e do Facebook.
E depois o Google e o Facebook tinham um poder de distribuição tal e
são máquinas publicitárias e as pessoas esquecem do que é que vive o Google
e o Facebook, que é a publicidade.
E começaram a ter ofertas muito fortes em cima de conteúdos que não eram
deles, portanto, e depois é uma discussão muito mais complicada.
E a televisão tem mais que ver com estas novas plataformas?
O próprio YouTube... Não, a televisão tinha uma coisa, tinha e tem, uma força
brutal, que é por isso é que ainda tem a publicidade que tem, que
é nada chega a tanta gente num instante como a televisão, nada.
Ricardo Costa
Repare, todos os dias, às oito da noite, entre os três principais noticiários, estão
quase três milhões de pessoas, um bocadinho menos, mas é muita gente.
Já houve alturas em que estavam cinco ou seis milhões, portanto, há uma tendência
de erosão. Felizmente aí, estou a falar, obviamente, em causa própria, assim que tem
tido uma capacidade de resistência muito forte e bastante superior, mas temos a noção
que daqui por dez anos não teremos o mesmo número de pessoas ali a
ver. A questão, para nós, não é ficar sentados a dizer, olha, não vamos
ter o mesmo número de pessoas, acabou.
Não é. Espera aí, então, e o que é que podemos crescer no cabo?
E o que é que podemos crescer em digital?
E o que é que podemos trabalhar diretamente nas redes sociais?
Ou que outros formatos, ou em podcasts?
É isso que nós temos que fazer.
Reajo, nós, repente, por exemplo, a questão dos podcasts é interessante.
Alguns programas da Cic Notícias dispararam em audiência em podcasts, e até há um
em concreto que tem mais audiência em áudio do que em televisão, que é
o Governo de Sombra, que neste momento é o programa cujo nome não podemos...
Isso é bom. Isso é bom.
É a melhor coisa do mundo?
Não, mas é bom.
Tem força televisiva, mas ainda tem mais força em áudio.
Pronto, tem um grupo enorme de pessoas...
Ricardo Costa
A televisão era, como eu costumava dizer, e ainda é, mas numa escala diferente,
era o chamado maior denominador comum, coisa que uma pessoa chegava no dia a
seguir à escola, no dia a seguir ao trabalho, e dizia, pá, estou visto
ontem aquilo, e tu estavas ali num grupo de 10 pessoas, e 8 pessoas
tinham visto a mesma coisa, à mesma hora.
Hoje, se falares numa...
Estão, viste aquilo, ou leste aquilo, primeiro, a probabilidade de haver 8 pessoas que
leram ou ouviram a mesma coisa é muito mais baixa, se for menos, provavelmente,
e depois dizem, então, e quando é que viste ou quando é que...
Todos viram ou leram a horas diferentes, ou quase todas, a não ser que
tenha sido um jogo de futebol, um direto, um acontecimento, tipo, no dia em
que estamos a gravar, foi o funeral do Pelé.
Bem, as pessoas que viram o funeral do Pelé viram à mesma hora, não
é? Pronto. Mas o resto, há muita gente que leu um artigo, que viu
uma coisa, que viu as declarações, e mais, as pessoas muitas vezes comentam coisas
que não viram na televisão, viram só um bocadinho, ou viram no Twitter, ou
José Maria Pimentel
viram no... Mas, olha, desculpa, a minha pergunta era, e é mais longe do
que isso, é que os dados indicam...
Estas coisas, com base em inquéritos, são sempre...
Enfim, a pessoa tem sempre que ter algumas dúvidas, mas, na verdade, este relatório
de Reuters dá uma tendência abrangente de alguma fadiga das pessoas com as notícias,
por exemplo, e isso é especialmente pronunciado nos jovens, ou seja, e aqui estamos
a falar nem sequer consumir, não é?
Não é simplesmente consumir numa plataforma diferente ou numa hora diferente, é nem sequer...
Esse é um desafio maior, não é?
Ricardo Costa
Embora os números, depois, muitas vezes não dizem isso.
Pois, é isso. Eu não estou a dizer que os inquéritos são falsos, nada
disso, mas, às vezes, os inquéritos, as pessoas manifestam posições um bocadinho mais vontades
do que realidades. Por exemplo, no caso dos preços, está -se a fazer um
trabalho muito específico só para o público jovem, artigos para jovens.
E jovens é a que idade é que estamos a falar?
Ricardo Costa
Final da adolescência, mas, sobretudo, nos vintes.
E as coisas correm bem.
As coisas correm bastante bem.
E convertem assinantes, etc.
Pois, há bocado falavas disso, sim.
Aliás, se fosse um trabalho de arranjar pessoas que escrevessem sobre certos temas, mesmo,
específicos, e as pessoas estão lá.
E estão disponíveis. Isto não se chama de consumo desagregado não -linear, é mais
fácil. Repara que o pessoal alinha aquilo que se chama um telejornal em Portugal,
no jornal da noite, a SIC.
A pessoa não pode dizer, agora, aqui, das 20 às 30, das 8h20 às
8h30, vamos só trabalhar para jovens.
Isso não faz nenhum sentido, não é?
Portanto, tem que se tentar uma coisa que apanha o maior...
Agora, quando tu trabalhas em desagregado, não é?
Tu podes ter, no mesmo site, um artigo que só está preocupado sobre as
reformas, que, sabes, faz -se lidar com pessoas mais velhas.
E podes estar com um artigo sobre um tema que achas que tem um
grande impacto ou grande interesse só nas pessoas que têm 18, 20 anos.
Isso leva -nos à questão de mais pessoas e como sustentar.
Essa questão é extremamente complexa porque tens de ter pessoas...
Por exemplo, vou dar este exemplo.
Trabalhar para jovens, especificamente.
Então, tens de ter pessoas que escrevam especificamente isso.
Se calhar não é qualquer pessoa na redação que está a escrever os artigos
José Maria Pimentel
para os jovens. E tu achas, por exemplo, há um comentário que eu apanhei
da parte de diretores, presumo que sobretudo de jornais, e que achei interessante e
não me tinha passado pela cabeça, que era primeiro de um certo contentamento com
a transição que tem sido feita e isto vai ao encontro do que tu
dizias, ou seja, de que as coisas têm corrido relativamente bem, sobretudo lá está,
naqueles jornais maiores, mas de que havia, às vezes, a sensação ou o receio
de estar a trabalhar, no fundo, cada vez melhor para um grupo de pessoas
cada vez menor. Eu não concordo nada com isso.
Não necessariamente cada vez menor.
Eu acho que é maior.
Mas repara, não sei se é o que está por trás disto, mas o
que isto me fez pensar logo é que o que acontecia antigamente, que era
que tu podias não comprar necessariamente o jornal, mas passavas no café, eles tinham
lá o jornal, tu folheavas o jornal, passavas em casa de alguém, hoje em
dia é mais difícil de acontecer, quer dizer, eu tenho a minha assinatura do
Público Expresso Observador, posso partilhá -la e, em alguns casos, até assinatura familiar, mas
não é assim tão simples.
Portanto, pode haver pessoas que, se não estão dispostas a assinar, não leem sequer.
Ricardo Costa
Quase todos os jornais têm um ou outro artigo que está aberto, mas as
audiências mostram, quando nós vemos aí, as coisas estão bastante bem feitas, o número
de visitantes únicos por mês, estamos a falar, muitos destes jornais têm coisas na
casa dos 2 milhões de visitantes únicos, 1 milhão e tal, depende de vários
números. É muita gente, ou seja, aliás, esse era o maior paradoxo desta transição,
era de repente, se falarmos agora especificamente dos jornais, nunca tinham chegado a tanta
gente e nunca faziam tão pouco dinheiro.
Chegavam a muito mais gente, mas ninguém os comprava.
Por isso é que a questão da assinatura era absolutamente vital.
Eu acho que chegam até a mais gente do que chegavam.
Há uma questão que se quebrou, sobretudo para essas pessoas, é que deixou de
haver uma relação direta, às vezes, com a marca.
Por isso é que os assinantes também resolvem isso, que é, o meu pai
era leitor no Diário de Lisboa, o meu tio era leitor da Capital.
É uma coisa quase identitária, não é?
Os dois eram leitores dos précimos, o meu pai era leitor do jornal, o
meu tio era leitor do semanário.
Portanto, havia um lado de relação direta que, quando o consumo é feito de
forma desagregada e é feito, então, quando era muito feito através do Facebook, às
vezes as pessoas tinham lido alguma coisa e depois diziam, mas lê -se tão
onde? Lê -se no Facebook.
Mas o artigo era de quem?
Quem? Tipo, jornal, estava a dizer do autor.
Não sabiam. Hoje isso diminuiu muito, mas isso era um problema muito grave ali
no, estamos a falar há 10 anos, 8 anos, que era, as pessoas liam
muita coisa que não faziam a mínima ideia de onde é que era.
E isso era dramático, não havia nenhuma valorização.
Aquilo que as pessoas diziam, pá, eu gosto imenso deste jornal e teste aquilo,
eu gosto daquilo e não gosto daquilo, eu gosto de ouvir a rádio tal
e não gosto de ouvir a rádio tal.
De repente, quando todo o consumo via através de redes, ou uma grande parte,
isso era um problema muito grave.
As pessoas não faziam ideia, ah, sim, eu li aquilo, mas era da bola?
Ah pá, não sei se era da bola.
Os do futebol normalmente sabiam de onde é que era, mas por outras razões.
Não sei, não sei onde é que li, pá, ali no Facebook, ou mandaram.
Aí é complicado porque aí a marca deixa de ter qualquer valor.
No momento é que a marca deixa de ter qualquer valor, isso é um
problema. Claro que depois alguns jornalistas irão, há um caminho tipo substec, etc.
Isso é uma outra questão, mais complexa, haverá seguramente para alguns jornalistas, mas também
José Maria Pimentel
será para poucos. Claro, sim, enfim, é uma daquelas várias vias que podem resultar
no futuro e que não são necessariamente a resposta única.
Eu até acho o substec interessante.
Não, não, é interessante.
Mas uma vez mais, não é para muitos.
Sim, sim, claramente. Houve uma coisa que eu achei interessante, até puzzling, uma coisa
que me deixou pensar, que tu disseste na entrevista que deste ao podcast do
Francisco Alcimão, o sénior, Deixar o Mundo Melhor, e a entrevista é muito interessante,
já agora fica aqui a recomendação, e tu disseste qualquer coisa deste tipo, e
eu até anotei, pode parecer estranho, mas o nível de tensão do Expresso com
os governos é muito maior do que o da SIC.
É. Eu achei isso engraçado.
Porquê? Por causa da carga política.
Ricardo Costa
Eu disse isso por causa de uma parte que tinha a ver com a
minha relação familiar Ah, pronto, já me lembrava, sim.
com o facto de ser irmão do Primeiro -Ministro.
Claro que eu percebo parte da causa.
Não, não, é, eu sabia disto, já tinha trabalhado no Expresso, mas, sobretudo, quando
saí da SIC para o Expresso, de 2008 para 2009, eu saí da SIC
final de 2008 e entrei no Expresso no dia 6 de janeiro de 2009,
eu lembro da data porque o jornal fazia anos nesse dia, e lembro -me,
na altura entrei para a direção, a diretora -junto do Henrique Monteiro, e lembro
-me, ao fim de 6 meses, tinha mais chatices e incompatibilidades com pessoas do
que em 17 anos na SIC.
Porque, primeiro, as pessoas irritam -se com aquela coisa das chatas para cima e
das chatas para baixo, uma coisa ridícula, deixam de falar e não sei o
quê, coisas básicas deste género.
Depois, porque eu às vezes dizia, então, mas eu às vezes dizia, porque não
ia acabar de vir na televisão, dizia, pá, mas houve ali coisas com o
governo, com o presidente da república, pá, mas aquela uma peça na SIC dizia...
Ah, ele dizia, está bem, mas aquilo passa, o jornal fica impresso.
Eu dizia, pá, mas aquela peça foi vista por um milhão de pessoas e
ele dizia você era um bandido, faz de conta.
E agora este artigo, dizia que era um bandido, mas este artigo foi lido
por 100 mil pessoas.
Não interessa, está escrito e é o Expresso e tal.
E isso para mim foi, pronto, não foi nada de surpreendente, mas é um
facto. E, portanto, quando eu digo que o nível de atenção é muito superior
a ele, eu disse isto de uma parte por causa do...
Assim, se eu tivesse ficado como diretor do Expresso já não era, de certeza.
Não, não, já não era diretor do Expresso, não tenho a mínima dúvida sobre
isso. O nível de atenção de um jornal como o Expresso, que o governo
é muito superior, a televisão é mais diluída, é uma coisa que está mais...
Como é que eu ia dizer?
É mais de quem o diz, é mais se é uma coisa que é
feita, que acontece no Eixo do Mal ou que acontece sem moderação ou acontece
no comentário do José Gomes Ferreira ou acontece no não sei quê de coisas,
é menos a televisão é mais a pessoa, a coisa que aconteceu, a reportagem
que aconteceu no jornal é porque as pessoas olham mais para...
é o Expresso. Pelo menos no caso do Expresso isso foi ver.
Ricardo Costa
tem a ver com, como eu digo, eu fiquei estarecido, ou estupefacto, quando vi
políticos, mas sobretudo empresários, gestores, CEOs, banqueiros a fazerem coisas incríveis, birras incríveis por
causa de uma seta a descer, mas coisas incríveis.
Será? Ainda hoje eu digo assim, mas qual é, não sei se são os
amigos que lhe dizem é pá vieste a descer e tal, não sei, mas
ficam tipo umas coisas de pessoas muito maduras, ou que pareciam maduras e ficam
doidos mas completamente fora deles com as setas que é uma coisa, estamos a
falar em 2022 não faz sentido nenhum, ou 2023 pá, mas é, mas acontece
acontece ainda muito quer dizer, eu percebo até certo ponto é um poder um
Ricardo Costa
digo, o grau de conflitualidade é muito grande isso mesmo no caso da política
e depois também no caso da economia quando dizemos mais empresas, bancos, etc também,
bem, então aí era brutal brutal mesmo, era uma coisa pesada ainda é, mas
pronto é, embora muita dessa classe empresarial e de banqueiros mudou muito hoje em
dia são outras pessoas as coisas estão um bocadinho diferentes mas a tensão era
muito, muito, muito grande atenção, as coisas depois passavam uma parte dessas pessoas depois
passavam uns tempos já estava tudo bem, estava tudo bom passava para a semana
seguinte passava para a próxima edição não, e depois no nível dessa irritação e
de cortes as relações, havia uma coisa, uma frase depois que a Angela Silva
dizia, que tinha muita graça, dizia e acho que ainda diz voltei -me a
dizer, olha isto agora mandou dizer que não fala os preços mais e a
Angela depois dizia uma frase que era não te preocupes que eles voltam sempre
e de facto eu sempre passei, passavam uns tempos assim do nada normalmente essas
José Maria Pimentel
incompatibilidades estavam sanadas enfim, há algumas que sim, mas é difícil dar -se ao
luxo de não falar com os normal sim, mas era com o tempo, passava
eu estava a olhar, no mesmo retório que eu te falava um bocadinho da
Reuters estava a olhar para os dados de Portugal e é interessante porque o
nosso mercado quer dizer, eles têm tantos indicadores que é normal que nós nos
destaquemos n 'alguns, n 'uns favoravelmente n 'outros desfavoravelmente, um é que nós nos
destacamos muito favoravelmente tenho curiosidade inteira da tua interpretação é no grau de confiança
das notícias que nós temos 61%, 61 % das pessoas dizem que confiam na
informação jornalística, se quiseres o que é o segundo valor mais elevado em 46
Ricardo Costa
países que eu estudar rapaz, eu aí acho, é um bocadinho difícil ter uma
explicação muito evidente para isso, mas eu acho que tem a ver com uma
menor polarização política porque as pessoas dizem, a nossa sociedade está muito polarizada não,
não está, quando se vê o que está polarizada, já nem falo do Brasil
ou dos Estados Unidos que é Espanha, França Inglaterra, de certa forma que são
países que eu acompanho mais, Itália que são os que eu acompanho mais, partir
daí já não por razões óbvias da língua, etc a nossa sociedade é bastante
menos polarizada para já, e eu acho que tem a ver com isso, e
depois tem a ver com um outro caso a uma outra questão que é
menos intuitiva atenção, eu aí já não sei se é uma explicação mas pode
ser uma parte que é nós temos menos aquela tradição dos jornais de esquerda
e os jornais de direita já tivemos, temos menos há muita gente que diz,
isso é que é o modelo correto, eu chego a Espanha e sei que
o El País é mais próximo do PSOE que o El Mundo, agora o
El Espanhol do Pedro Ramírez é muito mais pronto, é mais próximo do PP
mas também independente mas mais duro que o ABC é monárquico, que o não
sei o que é mais próximo do Podemos, chega a França ou fica à
rua é um jornal conservador o Mundo é um conservador, o Liberación é mais
mais libertário de esquerda, de certa forma, e tal para fora, chega a Inglaterra
é a mesma coisa no Brasil isso não é tão fácil de definir em
Portugal é menos, agora no outro dia tive uma conversa que eu ouvi ler
sobre isso também, que era eu aí respondo com a questão do mercado o
que fechou os jornais em Portugal de direita e de esquerda a maior parte
deles foi o mercado, não foi mais nada porque eu lembro até ao final
dos anos 80, início dos anos 90 a imprensa estava, havia coisas ok, o
Express sempre foi um jornal mais mainstream um jornal social -democrata pro -europeu pro
-democracia, que nasceu antes de 73 pro -Europa, pro -União Europeia mas de resto
acolheu sempre, aliás, quando foi fundado foi fundado com opções do KIVI, já sei
o PSD e do MRPP, portanto sempre teve assim um misto, mas o jornal
era um jornal muito mais à esquerda o Semanar era um jornal mais à
direita o Independente era um jornal de uma outra direita mais moderna o Diário
de Lisboa era mais à esquerda a Capital não era tanto as coisas estavam
bastante definidas e o que fez fechar estes jornais todos foi o mercado, não
foi rigorosamente mais nada o Independente só deixou de ter viabilidade económica, agora isto
que eu quero dizer, tipo, ah então mas nada tem não há viabilidade para
jornais ou órgãos de comunicação social mais à esquerda ou à direita ah, claro
que há, mas têm que nascer, ocupar o seu espaço e ter receitas o
Observador é um jornal com uma posição claramente mais à direita sobretudo na opinião,
e tem esse posicionamento acho ótimo, não tenho nada contra mesmo nada contra, acho
saudável o que eu não acho e não admito não admito no sentido que
me digam a mim é que, ah se trabalhares num órgão de comunicação social
que é menos alinhado politicamente, isso não é saudável não, é saudável, mas também
é saudável haver um jornal mais à direita ou um jornal mais à esquerda
houve muitas tentativas de jornais à esquerda o Miguel Portas, que já faleceu infelizmente
lançou vários jornais o Miguel lançava jornais com uma grande frequência faliam sempre, porque
quando chegava a fase do primeiro aumento de capital os tipos que tinham dado
dinheiro, que eram quase sempre os mesmos capitalistas, mais de com alguns sentimentos de
esquerda que lhe davam dinheiro, depois para o primeiro, quando chegava o aumento de
capital já não havia e portanto aquilo fechava.
O último foi o Já e a Vida Mundial, se não me engano e
foi sempre por inviabilidade económica, mas pode aparecer repare, assim como apareceu o Observador
porque é que não há de aparecer uma coisa mais à esquerda ou uma
coisa muito mais à direita uma coisa monárquica ou outra aí dificilmente teria escala,
Ricardo Costa
opinião tem a ver com a posição de onde estas pessoas estão a olhar
é como quem olha com uma perspetiva de uma posição, vês uma coisa, a
outra está a outro sítio e vê a outra, não é?
E tem a ver com isso tem muito a ver mais com a convicção
política dos próprios, do que com a com as redações em si a parte
que me tira do sério aí tira -me mesmo do sério ainda há pouco
tive uma pequena, não foi uma discussão foi uma troca de SMS com o
Rui Moreira e depois com o Zé Miguel Júdice, ele até depois pediu desculpa
no ar o Zé Miguel Júdice acha muito a graça estas coisas é a
primeira pessoa que eu conheço a quem ele se liga a dizer olha, deixou
um direito de resposta, ele diz ótimo eu digo, ah, mas não, não, publica,
publica, portanto ele adora direitos de resposta ninguém adora, é a única pessoa que
eu conheço que gosta de direitos de resposta caixa graça porque alguém se irritou
com ele ele lê o direito de resposta, depois a seguir responde eu acho
que é o espírito coimbrão sim, mas gosta disso e foi por causa de
uma coisa que me irritou e aí às vezes fico um bocado não é
violento, mas fico um bocado fora de mim foi por causa de uma coisa
que tinha a ver com o Expresso, eu até estava de férias mas vi
aquilo no Twitter acho que do Rui Moreira, ou alguém que conhecia a idade
do Rui Moreira, que era porque o artigo do Expresso sobre o Bloco de
Esquerda e as reduções de pessoas no Bloco de Esquerda não falava na palavra
despedimentos e de facto aquele artigo não falava na palavra despedimentos mas mas até
às eras logo, aquela coisa do marxismo cultural, FCSH também onde eu andei Universidade
Nova, escolas, universidades formam turbas de jornalistas do marxismo cultural bem, eu por acaso
logo ali, eu até estava de férias, lembro -me que até estava em casa
de uns amigos e lembrava -me de vários artigos do mesmo jornalista que era
o João Diogo Torreia, que é um jornalista do Expresso sobre o Bloco de
Esquerda, a seguir às eleições que falava completamente no despedimento aliás fiz uma busca,
nem liguei ao João Diogo só fiz uma busca no Google e fiz logo
print screen de vários artigos que tenham despedimento para trás e para a frente,
aquele não falava em despedimento mas o gajo tinha falado trezentas vezes em despedimento
em artigos sobre o Bloco de Esquerda portanto, porque a teoria era, se fosse
no CDS falava em despedimento, se fosse no Bloco não, o jornalista do Expresso
não poderia falar em despedimento falso, falso pelo próprio era só ir ver outros
artigos do jornal só que já estava ali a teoria lançada e depois aquilo
é uma coisa, é likes uns atrás dos outros porque aquilo é uma coisa,
não foi um quê depois o Rui Moreira corrigiu e tal e não sei
o quê e o José Miguel Júnior se até pediu desculpa e foi embora,
disse logo, mas os jornalistas e tal aquelas coisas e tal e isso tira
-me do sério, tira -me completamente do sério porque é mesmo tonto a ideia,
primeiro é não conhecer as redações mas não são um bocado mais à esquerda
Ricardo Costa
ser um bocado, mas é assim as redações são e não acho que seja
mau, é natural que sejam as redações têm que ser, na minha opinião não
um quarto poder, mas um contrapoder que é uma coisa diferente, um contrapoder sim
e um contrapoder é o poder que exista poder político, que esteja naquela circunstância
no poder poder económico, sentido lato poder religioso, onde tem pouco peso, mas os
poderes que existam e repara, o que ser um contrapoder não é andar a
perseguir ninguém não é coisa, é ser exigente no sentido do escrutínio de tentar
de alguma forma que as coisas sejam feitas de forma transparente, explicadas criticar quando
há contradições quando há coisas que se prometem que não se cumprem quando há
metas que se dizem e lembrar, disseram que isto ia acontecer, não aconteceu por
aí fora se depois tem uma, um pouco mais sim, eu diria que são
mais à esquerda mas a ideia de que aquilo é tudo uma coisa de
um bando de estudantes de associação de estudantes, não sei isso é uma coisa
que não tem pés nem cabeça, mas não tem pés nem cabeça eu trabalho
com pessoas do mais diversas possíveis, politicamente sobretudo uma massa uniforme, não é?
com ideias diferentes, com prioridades completamente diferentes e isso nota -se muito, hoje em
dia eu gosto muito de falar com os mais novos, por razões óbvias por
gerações diferentes, também por o que é que pensam, etc prioridades completamente diferentes, coisas
que eu dou importância a eles, não dou importância a nenhum outro, não, por
aí fora também a ideia de eles, como se os jovens pensassem todos da
mesma maneira é outra estupidez completa, não é verdade?
fala -se com 10 e têm prioridades 10 prioridades diferentes, agora a ideia de
que isto é uma coisa do marxismo cultural é uma coisa sem pés nem
cabeça, isso não faz nenhum sentido depois há um ponto um pouco diferente que
às vezes as pessoas não percebem e isso de facto às vezes é mais
difícil de explicar e também não tem uma justificação científica, tem apenas uma justificação
do tempo que às vezes por certos períodos os jornais e as televisões e
os jornais há momentos em que são mais empiadosos ou menos empiadosos, mas isso
tem muito a ver com ciclos políticos, não é?
Por exemplo, eu lembro perfeitamente, eu apanhei, eu comecei a trabalhar em 89, que
Vaco Silva era Primeiro -Ministro e depois entrei na SICA em 92 pá, a
SICA no princípio era duríssima, embora Vaco gostava e eu sei isto, posso dizer
isto pessoalmente fizia muita reportagem com ele na rua, ele gostava até achava graça
aquele desafio pá, mas nós éramos empiadosos eu lembro que fiz umas inaugurações de
algumas estradas e eu seguiria a percorrer o raio da estrada até encontrar um
sítio onde ele estava pintado onde o senhor esquecia de não sei o que
para mostrar que aquilo estava, que era tipo fake pá, nós éramos muito obsessivos
eu fiz algumas reportagens com o Cavaco pá, que era, como eu costumo dizer,
o governo hoje fazia um xixi pelas pernas abaixo, a sério mas faziam mesmo,
porque eu costumo dizer isto às vezes ligam a protestar, a mim agora já
ninguém me liga mas quando me ligava eu dizia, pá, se nós fizéssemos com
vossas reportagens que fazíamos com o Cavaco vocês faziam um xixi pelas pernas abaixo,
morriam, tinham ataque cardíaco porque éramos duros éramos duros no sentido de, empiadosos não
era duros no sentido, era porque era uma coisa nova ou seja, porque aquilo
quando a SICA apareceu era a primeira vez que havia uma televisão contra poder
e tal, e estava a mostrar um país diferente, foi quando houve a presidência
aberta de Lisboa, as primeiras campanhas eleitorais, pá aquilo era uma nós fazíamos coisas
muito malucas e éramos duros, éramos duros também com o Soares, e o Soares
irritava -se cada vez que não sei o quê, falamos com o Soares que
eu doido, houve uma vez com um colega meu, já me lembro quem foi,
que estava numa dessas coisas e o Soares pega uma câmara deste tamanho à
frente dele e resolve numa das presenças abertas dizer pá, ele disse que estava
a ser filmado, não havia nenhuma discussão completamente a ser filmado, a andar na
rua com uma câmara enorme a olhar para ele a meio metro, e começa
a dizer ah, esta manifestação, que era uma manifestação, acho que foi na presença
aberta do ambiente, esta manifestação aqui, isto foram os comunas, é pá, os comunas
é que montaram isto e tal, e tal, até que ele foi para o
ar eles estavam habituados a que estas coisas não fossem para o ar Aí
o Soares fez uma cena maluca e tal, e não sei o quê, é
uma vergonha portanto, nós éramos muito, éramos duros nas coisas e duros com o
que vai, que depois obviamente, quando o Guterres entra eu admito que houve ali
um momento de alguma porque havia um momento de extensão, está bem?
Ricardo Costa
ciclo de extensão o Durão Barroso no início também teve um pouco esse período
de extensão, mas depois como havia logo uma crise e a seguir era a
crise económica teve um período um bocadinho menos estado de graça, mas também teve
ali um período que as pessoas também já estavam fartas do Guterres, nós também
já estávamos todos nas relações já estávamos todos fartos do Guterres e do Guterrismo
e tal, depois houve ali aquele período de Santana Lopes que é um período
um bocado mais diferente, e o Sócrates também beneficiou um bocadinho disso ao princípio,
mas depois, quer dizer, o Sócrates foi Sim, eu tinha muito boa impressão no
início, sim. Ah bem, está bem mas foi depois cilindrado como tinha que ser
como teve que ser, não é?
E depois eu percebo que a seguir à Tróica também pode ter havido o
Passos, teve ali um período bom, no sentido, pronto, depois da loucura do Sócrates,
alguém que chegava que punha as contas direitas do país que estava a viver
num grau de delírio mas depois, obviamente, por causa de todo o programa sobretudo
a Tróica, Portugal estava só protetorado, não é?
Eram protetorados. Foram dias muito duras e muito difíceis e uma discussão foi mais
pesada e depois quando aparece o governo da Geringonça é uma coisa nova pode
ter havido um período ali um bocadinho...
Mas tem a ver com muito com isto, tem muito a ver com o
ciclo político não tenho dúvida praticamente nenhuma que o próximo governo que surja de
outro partido vai ter um período...
Agora quando nós estamos a falar de um período é uns meses pronto, é
uma coisa nova e não sei o quê.
Há alguns que começam a fazer disparates mais cedo embora normalmente é ao fim
de uns meses ou de uns anos é que os disparates começam a aparecer
de forma mais sistemática.
José Maria Pimentel
A minha percepção em relação a isso, vendo a coisa de fora é que
aquilo que impede que estes perigos potenciais ligados ao jornalismo se materializem seja ao
lado dos privados, seja isto que tu falavas agora que a atividade jornalística é
muito aberta, não é?
Ou seja, é muito visível e depois tens muitos jornais.
E muito escrutinável. É muito escrutinável, é aberta nesse sentido, é muito visível depois
tens muita gente lá dentro, tens muitos jornalistas tens a direcção, tens os acionistas
e portanto até me parece normal que haja, por exemplo pressão, pode não ser
pressão mas até pode ser uma percepção de uma pressão dos acionistas ou até
uma determinada linha que possa prevalecer mas tu depois tens muita gente lá dentro
e depois é escrutinável esse facto que tu falavas.
Ricardo Costa
Não gosto muito de falar aqui, parece que estou aqui a dizer bem dos
patrões porque senão não fica mal e é ridículo mas do ponto de nós...
Não, mas eu sei, no caso dos prédios são 50 anos.
E mesmo do público.
A grande pressão que nós temos direcção, e atenção e nós tentamos não a
passar para baixo, não a passar para baixo de todo, é a pressão dos
resultados económicos. É de tentar cumprir orçamentos como eu costumo dizer, meio a brincar
e digo isto até na administração, a redação como eu costumo dizer, é a
Comuna de Paris com habitat positivo e se for a Comuna de Paris com
habitat positivo está tudo bem.
Essa é a grande pressão porque o resto é assim.
Às vezes há chatices com anunciantes Ah, eu essas, por exemplo, eu não eu
tento nunca as transmitir à redação a direção é que tem que levar com
esses temas e se for preciso falar com anunciantes quando há coisas complicadas nós
já tivemos chatices grandes, quando houve o caso do Luanda Leaks, eu depois tive
que fazer um périplo enfim, há algumas pessoas que apelharam com estilhaços, mas a
dizer pronto, é o que é, acabou, não há nada pronto, perguntei o que
tenho a perguntar, tal é a vida, não tem problema nenhum.
Em outros casos, as pessoas ficam muito irritadas com esta notícia, porque não sei
o que porque se houve um chatice com o Banco A ou com o
Banco B, se for preciso me ligarem sou eu que atendo em 90 e
tal por cento dos casos, eu nem sequer transmito ao jornalista que isso aconteceu
num ou outro caso já transmiti mas só porque achei que podia transmitir para
que as pessoas não se sintam minimamente pressionadas e não sentem, por isso é
que nós não podemos depender só de um acionista, ou só de dois, ou
até dizer muitos, tem que ser centenas de acionistas, não é dezenas e centenas
de acionistas do ponto de vista de pressão, não há, hoje em dia várias
vezes há uma ou outra pessoa que se queixa diretamente à administração e a
administração diz, olha, recebi este mail, ou liguei não sei o que, estava muito
irritado com isto, ou não gostou daquilo, tudo bem pronto, e as coisas ou
ficam por aí ou só preciso ao telefone, ou falo ou já houve caso
em que tive que almoçar anunciando dos automóveis, que houve uma coisa muito complicada
pronto, é a vida, mas a reportagem era o que era, e pronto, e
tive que ir não é o meu trabalho, mas também faz parte mas desde
que a redação esteja muito protegida disso, eu não tenho nenhum problema com, pronto,
há queixas ou pressões, como quiserem chamar já no tempo do Sócrates houve uma
coisa, até a ERC chegou a fazer um inquérito sobre as pressões e na
altura havia atenção, havia muitas coisas que eu acho que eram um pouco legítimas,
mas os jornalistas, sobretudo na direção, não têm que se queixar de pressões, é
normal de ser pressionado eu não posso aceder à pressão e posso não aceitar
certo, tipo, não aceitar no sentido de não ter paciência e desligar o telefone
e não se pode ter a situação de que a impressora tem poder suficiente,
claro, a pressão por não sei o quê, não publica isto não pode mandar
lá a manchete, não sei o quê várias, ui, umas atrás das outras, não
é? Faz parte de certa altura, na altura havia muita gente que ia à
ERC acha -se que fazia uma coisa um bocado infantil toda a gente, ai,
pressão, o primeiro -ministro ligou -me, está bem e então?
As sogras ligam -me várias vezes, e pá, metade das vezes não ligava de
vida, uma vez que nunca mais acabava o telefone no meu globo, tive tempo
de fazer a barba, vestir Já ouvi contar essa história Ele a contar e
ouve -te estava -me a arrejar de fazer a barba, não sei o quê
liguei o microfone, lá ele falava, falava já não manda o que era, pronto,
é pá, tudo bem, era ele que estava mais a desabafar de outra coisa,
pronto, irritadíssimo com alguma coisa qualquer, e eu também, dos pressos ou da SICA,
acho que ainda era da SICA, e pronto, está bem, é pá, ok, hoje
em dia por razões, já se tem a ver mais com razões pessoais, pá,
deixaram -me ligar por razões evidentes, eu estou muito mais afastado da política e
portanto agora já não tenho essa vida de levar conto de fenêmenos, agora levo
com algumas denunciantes e coisas desse género, mas pronto mas isso faz parte e
José Maria Pimentel
não tem grande problema Olha, a conversa já vai longa e eu sei que
tenho que ter que ir embora, mas havia um último tema que eu queria
abordar rapidamente, porque sei que tu tens uma opinião interessante sobre isto, e é
outro tema muito relevante para os tempos atuais, que tem a ver com a
maneira como os média lidam com políticos populistas, chamemos -lhe assim, não é?
Novos tipos de políticos, pá, para usar um termo mais genérico, e tu até
partilhaste comigo um artigo muito interessante, que eu vou pôr na descrição do episódio
da Malu Gaspar que ela publicou na revista Piauí acho que é assim que
se chama, que é um ótimo que é o nome do estado brasileiro uma
ótima revista brasileira, que podia existir até alguma do género em Portugal e o
artigo é muito interessante porque foi publicado logo a seguir à eleição do Bolsonaro,
quando ele começa a divulgar o nome dos novos ministros, e o artigo é
uma espécie quase de exame de consciência em que ela coloca em cima da
mesa um facto óbvio de que quase nenhum jornalista, para não dizer nenhum jornalista,
conhecia o novo ministro da educação, salvo erro e outros que apareceram o artigo
Ricardo Costa
dela é muito interessante porque nessa primeira eleição do Bolsonaro a reação dos mídias
brasileiros era o choque perante aquela personalidade mas muito pouca gente, ou quase ninguém
se deu ao trabalho de dizer, está bem, mas quem é ele, quem é
a natureza quem são as pessoas que o apoiam quem é que podem vir
a ser os ministros caso ele venha a ser a presidente, ninguém sabia nada
ninguém fez o seu trabalho, e era esse artigo o artigo dela chamava -se
Hora de Acordar eu partilhei muito isso com colegas meus na redação porque eu
acho que aquela posição primária, e é mesmo primária em todos os sentidos de
é o Bolsonaro ou é o Trump logo primeiro, há duas posições, uma é,
então não escrevemos nada sobre ele ridículo, segundo é, então só vamos dizer mal
e escrutinar, ridículo mais por mais absurdo que possa parecer é, a melhor maneira
de lidar com políticos populistas, o jornalismo primeiro é, deve tratar como qualquer outro
político muitos jornalistas eram, nem pensar mas o que é que isso quer dizer?
Ricardo Costa
vezes acontece não, pois nós nem sequer conhecemos, porque nós a primeira questão é,
nós temos que conhecer, nós temos um jornalista que tem um lado sociólogo e
de antropólogo quer dizer, não quer estar aqui a pôr uma carga muito científica
na coisa, mas tem tem, porque senão de repente ficam surpreendidos, porque há um
tipo que tem 10 % e ninguém sabe de onde é que veio isso
não faz nenhum sentido e fica -se surpreendido Ah claro, aí é porque são
os eleitores porque senão somos incompetentes, se aparece agora não quer estar a falar
especificamente do Ventura, aparece outro qualquer que ninguém conhece, não me interessa, e de
repente nós começamos a ver que aquilo está a crescer sociologicamente a primeira obrigação
de um jornalista não tem que ser de todos, mas dos que cobrem aquele
partido é perceber quem é aquela pessoa quem são os que estão, qual é
a máquina dele qual não é, de onde é que vem os apoios, de
onde é que vem não sei o quê porque é que movimenta pessoas, perceber
como é que essa pessoa fala em público, porque é que arrasta multidões, porque
é que não arrasta se não arrasta multidões, mas recebe mais pelas redes sociais
esse é o primeiro trabalho, percebe quando o primeiro trabalho é deve ser, tipo,
como é qualquer outro esse é o primeiro trabalho é a base, se quisermos,
porque senão ficamos na posição de não conseguir explicar aos nossos leitores aos espectadores
quem é aquela pessoa então aí é fazer as malas e meter os papéis
para a reforma, porque não faz rigorosamente sentido quando digo que nós temos que
ser um pouco sociólogos e antropólogos, isto é em qualquer jornalismo eu costumo dar
um exemplo que é quando foi a crise económica, a grande crise económica 2008,
depois a Portugal chegou um pouco mais tarde por causa de vida pública e
há um bom documentário sobre isso, muito bom documentário onde é várias vezes entrevistada
uma jornalista que é a Gillian Tett, uma jornalista do Financial Times, que foi
das pouquíssimas jornalistas que anteviu a crise financeira 2008 subprime, e porquê que ela
anteviu? porque ela tinha formação de antropologia formação de universidade e de terreno portanto
ela é uma pessoa altamente especializada no jornalismo financeiro, hoje é uma das chefes
do Financial Times em Nova Iorque primeiro em Londres, depois em Nova Iorque e
ela sempre olhou para o mundo da alta finança dos traders, dos gajos que
faziam fortunas na bolsa dos jatos privados para a Islândia sempre olhou de uma
forma mais antropológica e ela começou a perceber que ali muita coisa não batia
certo dos ganhos, do dinheiro excessivo começou a olhar ela olhava para aquilo de
uma forma diferente do que olhavam a maior parte dos jornalistas financeiros e escreveu
vários filmes, foi das pouquíssimas pessoas na área financeira onde havia muita gente especializada
a apanhar isto eu não estou aqui a dizer que os jornalistas todos têm
que ter formação de antropologia, eu não tenho, embora goste de antropologia mas não
tenho formação de antropologia mas nós temos de ter uma capacidade antropológica e sociológica
de perceber porquê que, percebe que eu dizia muito colegas meus e digo, alguns
colegas de política não percebo como é que o CAVAC teve 4 maiorias absolutas
eu digo, então é porque não conheces Portugal qualquer pessoa que conhece Portugal percebe
porque o CAVAC teve 4 maiorias absolutas mas esse é um ponto interessante e
eu fiz muito CAVAC no terreno, no período de Primeiro Ministro de Presidente já
fiz muito menos mas o CAVAC era uma pessoa muito popular o momento em
que ele vira a popularidade é no segundo mandato no dia em que fala
da pensão no mandato de Presidente é quando é veiado em Guimarães no dia
da presença, se não me engano no dia em que abre a Capital da
Cultura e porquê que ele era muito popular?
porque foi uma pessoa muito transformadora, primeiro porque era uma pessoa que vinha do
povo e depois porque na altura é o que as pessoas queriam naquela altura
da adesão à União Europeia e etc e ironicamente ele nem era um grande,
uma pessoa muito favorável à adesão à União Europeia, achava que não tinha sido
bem negociado depois beneficia muito com isso como Primeiro Ministro mas isso são outras
questões mas era uma pessoa que apanhou um dos momentos de maior transformação da
sociedade diriam, ah outro Primeiro Ministro também teria apanhado ah não sei, foi ele
e percebia -se andando pelo país, era muito fácil de perceber muito, eu ali
no final dos anos 80 início dos anos 90 até fiz muito e acompanhei
muito como apanhava outros, era muito fácil de perceber isso a popularidade e essas
coisas são importantes, como era fácil de perceber a melhor pessoa que eu jamais
vi a falar em público é o Guterres, nunca vi ninguém assim o Guterres
era o político mais dotado que eu já vi na vida curioso ter dito
mais do que o Paulo Portas, por exemplo muito mais, muito mais o Portas
era mais elitista e depois tinha que mudar muito de onda conforme o público
o Guterres era mais preparado ultra preparado, depois com uma capacidade era uma pessoa
que tinha tido aulas de voz poucas pessoas têm, mas as pessoas riam sempre
o político fica rouco nas campanhas depois o Guterres nunca ficava rouco o Guterres
sabia colocar a voz, tinha tido aulas disso não tem mal nenhum, ele sabia
disso tinha tido aulas de dicção e de de colocação de voz para poder
fazer uma campanha durante 30 dias sem nunca ficar rouco os políticos ainda hoje
ficam roucos porque não têm essas aulas mas pronto, mas isso, cada um faz
o que quiser o Guterres é uma pessoa ultra dotada e isto via -se
um terreno comum, até só o Portas também tinha uma popularidade, o Manoel Monteiro
também tinha, eu vi vários apanhei muitos agora, não acompanho por outras razões, e
há uma obrigação de perceber, e não é dizer assim eu também fiz campanhas
com o Portas, fiz pouco, fiz muito com o Manoel Monteiro não tens de
estar a dizer bem do Manoel Monteiro, ou dizer bem do Cunhal ou bem
do não -sei -quê, tens de dizer é, este tipo é um gajo que
consegue falar para multidões e manter multidões a bater palmas durante uma hora, ponto
e tens de ter essa capacidade mas o problema é que, tu dizes, não
Ricardo Costa
Só que para tu fazeres responder tens de pôr um lugar daqueles.
Repara, há um exemplo que eu irrito muito, eu gosto do New York Times,
como é óbvio, estar aqui a dizer mal é ridículo, um jornalista português a
dizer mal do New York Times, é um grande jornal mas na parte política
não é política doméstica, em muita coisa não é, nas últimas eleições eu estava
lá, assistia, eu estava lá a cobrir as eleições havia uma reportagem que era
ridícula no sentido que era, o New York Times para perceber a Pensilvânia teve
que mandar para lá um jornalista jovem, que por acaso tinha crescido na Pensilvânia,
porque mais ninguém na redação conseguia compreender porque raio é que o Trump podia
ganhar na Pensilvânia não ganhou felizmente, mas tinha ganho nas anteriores, porque eles não
conseguiam, e isso não faz nenhum sentido, não faz nenhum sentido porque é tipo,
os nova iorquinos os jornalistas de Nova Iorque não conseguem perceber não conseguem perceber
porque não querem porque se estiverem lá, nas zonas das fábricas, das minas, etc
percebem como esse jornalista um jovem jornalista fez uma reportagem na terra dele no
cabeleireiro, nas mercearias e não sei o que, explicava como é que a terra
dele tinha mudado, mas o próprio jornal dizia como nós não conseguimos mandar -nos
este tipo era uma coisa mais ou menos deste género, era meio ridículo a
razão, a reportagem era boa, mas a lógica tudo bem, ainda bem que mandaram,
mas mais ninguém consegue perceber isto, não faz sentido porque eles não faziam nenhum
esforço, não queriam não se quer fazer o esforço, a lógica é é tão
absurdo votar Trump que não vale a pena eu estar a perder este tempo,
agora isto não faz sentido, não faz sentido e eu acho que é a
mesma questão em Portugal, repara, não sei se o Ventura vai crescer, se não
vai crescer, tu podes ter vários campos, podes ter investigações sobre o Ventura, como
o Pedro Coelho que é meu colega fez e bem, não tem mal nenhum
podes fazer, agora não podes é só fazer isso tu tens que ter a
capacidade de perceber primeiro como é que é o partido, como é que funciona,
quem são as pessoas que o apoiam, que base eleitoral tem, perceberes porque é
que de repente, porque depois as pessoas também dizem coisas, ah mudaram são os
tipos que mudaram do PC às vezes dizem coisas meias tontas, depois também não
vão ver também mudaram do bloco de esquerda, não é fácil fazer não é,
porque vão buscar a leitura do que aconteceu em França, nos anos 80 do
PC a direita para a esquerda, só que a realidade é muito diferente a
realidade é muito diferente e depois as pessoas depois têm a tendência, e mesmo
em França não foi direto, ou seja, a investigação não mostra isso, e no
Chico onde foi, não é pá, as pessoas gostam muito de ir buscar, ah
isto é exatamente igual ao que aconteceu em França, não, não é não é
nada, mas eu acho que esse esforço tem que haver por isso é que
eu acho que a questão é, os jornalistas podem depois ser implacáveis com os
políticos populistas, podem apanhar as contradições, e normalmente os políticos populistas têm mais contradições
do que outros, é normal ou vão buscar coisas mais emocionais e menos racionais,
sem dúvida mas o primeiro esforço é o de compreensão, e o de perceber
e o de tentar estar dentro, estar dentro no perceber aquela máquina, perceber de
onde é que se eca a máquina, não é, mas como é que funciona
a quem é que chega, pá, a pessoa não percebe nada sim, e perceber
os eleitores porque depois só vão ficando de boca aberta cada vez que há
uma eleição, isso não faz sentido nenhum, então aí deixam de ser jornalistas, vão
para casa ver televisão ou ler jornais, não, porque acho que essa obrigação, isso
é obrigatório é mesmo obrigatório, agora é difícil, eu percebo que seja mais difícil
lidar com pessoas que no limite podem querer pôr em causa a própria democracia,
é complicado, não é mas isso acontece, acontece em Itália, não é Meloni ganhou
eleições, pronto na altura acompanhei alguns jornais italianos que ainda consigo ler italiano mais
ou menos pronto, e os jornais tinham ali, eram muito críticos, mas percebiam iam
tentando perceber que base era aquela porque é que pessoas no sul estavam a
mudar do Movimento 5 Estrelas, sobretudo para a Meloni, que era uma neofascista todas
aquelas mudanças pá, e percebia -se porque aquela tinha mais aceitação em algumas zonas
do país e menos eu acho que os jornalistas têm essa obrigação, que não
é uma questão de estender um tapete, nem dizer viva a Meloni, não, isso
é ridículo mas, pá, não perceber, então depois alguém ganha as eleições e não
José Maria Pimentel
percebe? Claro, claro e perceber a sério, para lá de fatores há fatores que
tu consegues explicar, a insegurança mas não, falar com as pessoas, perceber o que
é que está na cabeça delas, por exemplo, no caso do Ventura uma coisa
que eu me interrogava nas últimas eleições é, porque ele tem dois discursos, tem
o discurso anti -sistema e tem o discurso do direito radical, se quisermos, e
que estão interligados e eu pergunto -me, e nos debates era visível devia parte
dos debates, que era contra a corrupção e não sei o quê e outra
parte que era a dizer coisas para chocar, e eu tenho uma grande dúvida
para a qual ainda não consigo encontrar uma resposta, que é essas coisas mais
radicais de quase, em muitos casos, extrema -direita beneficiam -no ou prejudicam -no?
Eu não sei responder.
Ou seja, se ele não as tivesse dito, tinha tido mais ou menos votos?
Não tenho a certeza.
Ricardo Costa
O caso do Ventura é um caso diferente, por exemplo, da Frente Nacional é
completamente diferente, do ponto de vista da Frente Nacional tem um corpo teórico muito
antigo, que vem de movimentos que vem até logo do pós -segunda guerra mundial,
por isso é que eu dizia é tudo a mesma coisa, não, não é,
a Frente Nacional é uma coisa completamente diferente, o próprio movimento agora da Meloni
não tem nada a ver o Trump não tem nada a ver com isto
o próprio Bolsonaro é uma coisa esse então é até mais estranho na forma
como cresceu bem, tem muito a ver com a corrupção e o terraplanagem quase
da política toda brasileira, o Ventura não tem um corpo teórico muito evidente, aliás,
nada evidente, se é que fez um programa, que depois a seguir mudou o
programa, mudou tudo mas eu a isso não consigo responder Claro, lá está, mas
José Maria Pimentel
nós devíamos ter qualquer tipo de resposta para isto.
Mas não consigo responder, não tenho uma resposta evidente.
Sim, sim, sim, claro, é isso enfim, é uma investigação que tem que é
um trabalho que tem que ser feito.
Olha, Ricardo, foi bem, como eu ontem via, ficávamos aqui mais uma hora.
Um bocado maior do que eu estava a esperar.
Vou -te deixar ir, muito rapidamente, se é que tens um, não sei se
é um livro para recomendar, ou se é um documentário ou se é...
Ricardo Costa
Vou dizer duas coisas básicas um livro que eu digo sempre que devia ser
obrigatório na escola, algures, que é As Cruzadas Vistas pelos Árabes do Amin Malouf
porque é que eu acho, é uma coisa muito básica.
A segunda pessoa recomenda este livro não sei quem recomendou já.
Já li há muitos anos há 20 e tal anos, porque depois de ler
esse livro fiquei com uma certeza, uma coisa que era evidente mas que eu
nunca tinha pensado, que é quase tudo tem duas formas de olhar, ou mais.
E é muito interessante, nós que estudamos, não sei como é que é agora
os programas, mas estudávamos as cruzadas de uma forma, quando li aquele livro fiquei
de boca aberta, porque achei super interessante o poder haver um outro lado de
olhar para as cruzadas e acho que também é uma regra do jornalismo é,
percebemos que muitas vezes há coisas que podem ser vistas de um lado e
podem ser vistas de outro, e uma regra para a vida acho que é
um livro que toda a gente podia, devia ler para perceber, não é para
dar razão não é necessariamente agora aquela coisa que agora diz a maluqueira, esta
maluqueira não, esta moda dos estudos pós -coloniais que agora tem que ser visto
da perspectiva do colonizado, não tem nada a ver com isso mas tem a
ver com o poder olhar para um problema de dois lados.
E o segundo é, recomendo um livro que eu estou a acabar, que é
um livro que saiu o ano passado do Michel Hulbeck chamado Aniquilação é o
segundo livro que eu lei dele, eu não tinha lido mais nada antes, eu
só tinha lido um e estou a gostar muito, é um romance grande, mas
muito bom e que tem um pouco a ver não é só isso, mas
com o tema da velhice e com um tema muito complicado das sociedades ocidentais