#134 Maria Manuel Mota - Uma revolução no tratamento da malária e os desafios actuais de...

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Como já vai sendo habitual, tenho alguns anúncios a fazer e o primeiro é uma recomendação para darem um salto à página do 45° no YouTube. Deixo o link na descrição do episódio, mas também basta ir ao YouTube e pesquisar por 45°. Vão lá e vejam os novos vídeos que lá estão. Valem bem a pena. Os vídeos são resultado de uma parceria com o Francisco Jugral, que é ouvinte do 45°, é editor de vídeo e, em boa hora, teve a ideia de me enviar um e-mail a sugerir aproveitar os melhores momentos dos episódios do podcast para fazer vídeos ilustrativos. Como vão poder ver com os vossos olhos, os vídeos estão muito bem feitos e tornam ainda melhores as conversas originais. Por isso, subscrevam a página do 45 Graus no YouTube e, estejam atentos, vou publicando novos vídeos com certos de episódios do 45 Graus com regularidade. Com a aproximação do Natal, alguns ouvintes têm-me perguntado se é possível comprar o livro Política a 45 Graus autografado. Por isso, aproveito para falar disso aqui também. Se estiverem interessados, contactem-me e vemos isso. Enviem-me um e-mail para 45graus.com ou, se preferirem, uma mensagem nas redes sociais. Digo-vos apenas que, com alguma imaginação, é possível fazê-lo. E finalmente, como sempre, um agradecimento aos novos mecenas do 45°, à Sofia Almeida, ao João Dornelas, ao João Domingos, um obrigado também à Maria Oliveira, ao João Nuvaes, ao Hélio Bragança da Silva e ao Rodrigo Silva. E agora, vamos ao episódio de hoje. A convidada deste episódio 134 é Maria Manuel Mota, que é bióloga e uma das nossas cientistas de maior renome a nível internacional pela sua investigação na área da malária. A Maria Manuel tem formação em Biologia e Imunologia e doutorou-se em Parasitologia molecular pelo University College de Londres. E depois de ter feito investigação sobre a malária internacionalmente, regressou a Portugal em 2002, onde tem continuado a desenvolver investigação nesta área, a qual lhe teve alheio diversas distinções. Desde 2014, assumiu também funções de diretora executiva no Instituto de Medicina Molecular em Lisboa. A Maria Emanuela, por isso, não só uma cientista muito reputada, mas também, porque uma coisa não leva necessariamente à outra, alguém que tem, como vão ver, um pensamento muito fundamentado e articulado sobre a ciência e a investigação nesta área. Nesta conversa falámos, por isso, sobre a investigação dela na área da malária, mas também sobre os desafios de fazer investigação científica. Começámos por falar sobre o que a levou logo no início da carreira a estudar a malária e é uma história engraçada porque nos leva, enfim, a nós que não somos cientistas, a perceber também o que é fazer carreira na área da ciência. Falámos sobre várias medidas, algumas delas muito simples, que têm contribuído para diminuir muito o número de mortes por malária, mas também das suas limitações. E aqui falámos de uma nova vacina da Universidade de Oxford que tem grande potencial para fazer avançar ainda mais os progressos nesta área. E falámos, como referi, dos desafios da investigação científica. Falámos da importância que tem a investigação fundamental em ciência, por oposição à investigação aplicada. Falámos da importância, mas também dos desafios da interdisciplinaridade, numa altura em que a ciência é cada vez mais especializada. E falámos de como é fazer ciência em Portugal, das forças que tem, mas também das limitações que persistem ao nível do volume de financiamento, da estabilidade das políticas públicas e da independência da ciência face ao poder político. Falámos também de um tema muito quente atualmente nos meandros da ciência internacional, que é a dificuldade crescente em atrair doutorados para a investigação fundamental. E finalmente, falamos de outro tema quente nas ciências, neste caso extensível às ciências sociais, que são as críticas ao sistema de publicação e avaliação científica. Como virão, estas críticas têm muita razão de ser, mas como muitas vezes acontece, o sistema também não está configurado assim por acaso e não é fácil encontrar alternativas viáveis, embora haja boas ideias. Antes de vos deixar com a nossa conversa, uma nota rápida para a qualidade do som, que no meio do episódio está abaixo do habitual. O Oliveira, como habitual, fez a edição de som deste episódio e fez um ótimo trabalho. Está perfeitamente audível mas ainda assim abaixo da qualidade de som normal no 45° a que foram habituados. Apesar disso, como disse, percebe-se perfeitamente e a conversa vale bem a pena. Deixo-vos então com Maria Manuel Mota. Maria Manuel Mota, muito bem-vinda ao 45 Graus.
Maria Manuel Mota
Muito obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui contigo, conversar, espero que seja divertido.
José Maria Pimentel
Sim, na verdade eu é que estou aqui contigo.
Maria Manuel Mota
Exatamente, tu é que vieste aqui estar comigo.
José Maria Pimentel
Na verdade é ao contrário. Para começar, vou-te propor um exercício. Imagina que tu podias recuar no tempo e falar com a Maria Manuela Motta de há 15 ou 20 anos, jovem investigadora, ainda mais jovem investigadora. Há
Maria Manuel Mota
15 ou 20 anos não era assim tão jovem, mas pronto.
José Maria Pimentel
Enfim, Na verdade podes definir o time frame que quiseres, mas a recuar assim uma, duas ou três décadas, o que é que lhe contarias que a iria surpreender em termos de avanços na ciência, sobretudo nesta área das ciências biomédicas, que não seria expectável que acontecesse tão rápido, ou seja, progressos que não seria expectável que acontecessem naquela medida, e pelo contrário, áreas em que a expectativa era que houvesse um avanço rápido e as coisas têm estado muito mais difíceis do que se esperava nessa altura.
Maria Manuel Mota
Eu acho que é diferente se nós fizermos 15 ou 20 anos atrás, ou seja, quando eu comecei a minha carreira, Quando eu comecei a estudar para ser cientista, quando eu comecei a fazer o meu doutoramento, estamos a falar de quase 30 anos atrás. E depois há um outro período que é quando eu comecei a minha carreira independente, quando eu passei a ter a minha equipa e passei a ter o meu grupo científico. E é diferente, mas não porque eu trabalhei em áreas diferentes. Ou seja, quando eu era mesmo muito nova, quando comecei a fazer doutoramento, eu comecei logo a trabalhar em malária. E o que eu acho que diria a mim própria nessa altura era vai em frente. Porque a verdade é que eu não fui pelas modas, porque eu fui por aquilo que me apaixonei, mas na altura o que é que as pessoas estavam todas a ir trabalhar? Estavam todas a ir trabalhar em desenvolvimento embrionário, portanto havia muitas pessoas a desenvolver nessa área. Há alguns na imunologia, mas até já tinha passado talvez a onda maior de imunologia, mas é sempre uma onda contigo, porque obviamente toca muitas áreas, a imunologia, etc. E eu achei que queria ir estudar um parasita. E era um parasita que causa uma doença que se chama malária e que era completamente uma área morta. Ou seja, havia muitos grupos no mundo para os quais eu fui, etc. Mas mesmo no instituto quando eu cheguei, no instituto em Londres, que era um instituto enorme com todas as áreas, era óbvio que era o departamento mais adormecido, portanto não havia tanto dinamismo, etc. E isso poderia ter sido muito desanimador e eu lembro-me na altura de pensar várias vezes, porque tinha muitos amigos a trabalhar, tudo que era desenvolvimento, como é que o embrião se forma, como é que podemos corrigir, toda a parte genética, isto e aquilo. E eu lembro-me de questionar, mas às vezes estou mesmo na moda e obviamente não estou a fazer algo que seja na moda. Mas ao mesmo tempo Não me incomodava porque eu tinha visto uma imagem de um parasita, que não era aquele que eu estava a trabalhar, era um parasita que se chama Leishmania, que as pessoas já ouviram falar que é para os cães, em Portugal existia muito, agora existe uma vacina, etc. Portanto já há uma diminuição, mas as pessoas têm a noção, especialmente quem tem cães, mas é um parasita também de humanos e em muitas regiões do mundo, mas simplesmente esse parasita escolheu viver numa células que são do nosso sistema imune e as pessoas já sabem agora, especialmente depois destes dois anos de pandemia já ouviram falar muito do sistema imune, que é umas células que se chamam macrófagos e que são, digamos, o carro-patrulha do nosso sistema imune. Andam por ali a ver o que é que há estranho. E este parasita, que obviamente é um organismo invasor, um organismo estranho a nós, resolveu viver dentro dessa célula. Ou seja, em termos evolutivos, houve um entendimento entre estes dois organismos que era como se um ladrão decidisse viver na esquadra de polícia, não é? Portanto, e para mim isso foi fascinante e eu sabia a partir daquele momento que o que me fascinava é entender porque é que dois organismos decidem viver juntos. Porque é que duas células se adaptam e evolutivamente decidem a viver juntos. Mas não era, digamos, a área da moda e eu às tantas que tive dúvidas e portanto houve muitas perodos da minha vida, apesar de eu estar fascinada e ser uma pessoa apaixonada, portanto, aquilo aconteceu e eu fui para aquela área. Mas houve momentos em que eu me lembro de estar em casa a pensar, às vezes não estou na área certa, eu devia ir para a outra área.
José Maria Pimentel
Para apostar no que vale a errado.
Maria Manuel Mota
Exatamente. Mas acho que não. Ou seja, se eu fosse lá, dizia-lhe assim, não percas muito tempo a pensar nisso. Aliás, não percas tempo nenhum a pensar nisso e trabalha em frente e vai em frente. Portanto, eu acho que seria, por um lado, esse aspecto. Por outro lado, eu trabalhei depois sempre em malária e depois a malária de repente passou a ser moda. Ou seja, não era de todo. Eu quando comecei o meu mestrado, alturamente, em 94, 95, simplesmente isto não era moda de todo, mas de repente...
José Maria Pimentel
Mas porque é que não era? Porque é que não era? Porque é que se tornou?
Maria Manuel Mota
Ou seja, não era porque era uma área em que realmente A seguir à Segunda Guerra Mundial houve uma esperança que nós íamos conseguir erradicar malária do mundo e houve uma campanha internacional feita pela Organização Mundial de Saúde e várias entidades internacionais para acabar com a malária do mundo e tiveram um impacto muito grande, por exemplo, na Europa. Nós acabamos com malária na Europa, que também era residual, mas acabamos. Nós temos que ter a noção que em Portugal nós tivemos malária, foi considerada erradicada em 1959. Pois
José Maria Pimentel
a pessoa esquece que também havia malária na Europa. Pois,
Maria Manuel Mota
diminuiu o imenso número de casos de malária na Ásia, havia imensos casos de malária. Foi uma campanha com o seu impacto, mas não aquele impacto que as pessoas acreditavam que ia ter, que seria erradicar o parasita da malária, que se chamam pelas maladias do planeta Terra. Ou seja, nós fazermos um bocado o que fizemos com o apóleo. A verdade é que fizemos, mas que agora está a voltar. Ou seja, algo que nós temos de ter sempre cuidado, mas teve um sucesso. Com a varíola, não é? Exatamente. Portanto, nós temos simplesmente que ter a noção que a malária foi sempre daqueles que ficou sempre aquém do que achávamos que íamos conseguir fazer. Nunca tivemos ferramentas muito boas, nunca tivemos uma vacina mesmo muito eficaz, até agora, as pessoas mais atentas ouviram agora nas últimas semanas notícias sobre isso, mas a verdade é
José Maria Pimentel
que não é. Vamos agravar na altura, certo?
Maria Manuel Mota
Exatamente. Mas, dizendo isto, na transição para o milénio, realmente houve um movimento global que disse não, nós não podemos cruzar os braços, nós não podemos achar porque falhou à primeira vez que vai falhar à segunda. E o que é certo é que nós temos de fazer um movimento global novamente, agora foi um movimento bastante distinto do primeiro, com alguns dos mesmos parceiros, mas muitos parceiros novos. Claro que o parceiro talvez mais forte, novo, que surgiu aqui, que no fundo achávamos mesmo que era, e que ainda continua a ser, um game changer, portanto mesmo uma cartada daquelas importantes foi a fundação Bill & Melinda Gates, que simplesmente se sentou à mesa com todas as outras entidades globais, com a Organização Mundial de Saúde, etc. Criaram novas entidades globais para dizer nós agora vamos conseguir mesmo erradicar a malária do mundo. E mais uma vez foi uma campanha extremamente bem-sucedida no início, ou seja, a campanha em si digamos que arrancou no ano 2000, assim, e nos primeiros 15 anos nós temos de ter a noção que reduzimos para metade o número de mortes por malária. E nós, as mortes por malária, mais de 90% são em crianças abaixo de 5 anos e nós temos de ter a noção que quando fizemos isto, nós salvamos, digamos este movimento global já salvou milhões e milhões de vidas em 15 anos. O problema é que chegamos a 2015 e, por várias razões, foi fácil fazer, digamos, esta primeira curva descendente, mas depois chegamos ali a um período de 2015 que começamos a entrar num platô em que não continuámos a descer. E já antes do ano da pandemia, em 2019, tínhamos sido os primeiros sinais que este platô até estava a crescer um bocadinho. Não está a crescer a pico, mas... E claro que depois com a pandemia todos os esforços que se fazem nestas regiões endémicas de malária são esforços de muitas organizações não governamentais, muitos muitos esforços de pessoas que estão no terreno, deixaram de estar no terreno e quando digamos levantamos o pé do travão isto simplesmente teve um impacto e tivemos muitos mais casos já em 2021, portanto há muitos mais casos de mortes por malária e casos de infecção. Desculpa
José Maria Pimentel
só interromper-te, que esforços foram esses? Porque as vacinas só surgiram... Ah, esta de Oxford é uma GSK que tem um ou dois anos, mas daí não estamos a falar ainda de vacinas, que esforço foram esses, a distribuição
Maria Manuel Mota
de redes e tal. Há três medidas principais. Uma delas, que é provavelmente das mais eficazes, é a distribuição das redes mosquiteiras impregnadas em inseticida e portanto é as pessoas dormirem por baixo de algo que nós consideramos que é muito romântico isso, mas não é nada agradável, dormir debaixo destas redes que estão impregnadas em mosquito. Portanto, elas funcionam não só como uma barreira mecânica em que o parasita da malária é transmitido por um mosquito, portanto o mosquito não atinge a pessoa enquanto está a dormir, mas ao tocar na rede, a rede como tem inseticida, o mosquito também morre. Esse é um lado. O outro é inseticida mesmo, mas inseticidas locais. Portanto, são milhares e milhares de pessoas que vão à casa das pessoas, nestas regiões endémicas, e que simplesmente, como as pessoas se lembram antigamente, nem sei se agora ainda se usa, mas chelfatar as videiras, isto e aquilo, andam com umas maletas e que têm, digamos, uns guichos e que põem nas regiões onde nós sabemos que os comportamentos, independente da região, do comportamento dos mosquitos, onde é que eles gostam, onde é que eles gostam de ter os ovos, isto e aquilo, e que simplesmente colocam inseticida ali. Porque antigamente na campanha dos anos 50 e 60 o que se fez foi uma coisa completamente diferente. Foi também por inseticida, mas nós fazíamos spray, eram aviões que passavam nas estagiões e que levantavam como se fossem uma lata de inseticida, mas que abriam as comportas e deixavam cair a inseticida. Isto foi o responsável por muitos problemas ecológicos enormes, porque obviamente não matava só o mosquito da malária, o mosquito que transmitia a malária, que transmitia o parasita que causa a malária. E portanto, obviamente, tinham efeitos secundários enormes. E depois ainda há uma terceira via que é em determinadas regiões, funciona muito bem e para determinados grupos de pessoas darmos um tipo de fármaco em que é dado em combinação e é um fármaco que é maravilhoso, que é artemizinina e que simplesmente, obviamente, dado em combinação com outros para evitarmos a resistência, simplesmente salva muitas vidas.
José Maria Pimentel
Aí já como tratamento. Aí já como
Maria Manuel Mota
tratamento. E, portanto, estarmos, no fundo, a fazer vários desses tipos de ações. Há também outro tipo de agentes profilátricos, que podemos dar fármacos, em que darmos a grupos muito específicos, por exemplo, mulheres grávidas. Porque um dos graves problemas não é só a morte em crianças abaixo de 5 anos, mas é o número de gravidezes que existem nestas regiões, em que o feto é muito pequeno e portanto tem todo um problema de desenvolvimento desse feto pelas mulheres que terem a malária.
José Maria Pimentel
Interessante. É curioso falar disso porque o ouvinte até, o Duarte Martins, que é ouvinte e mecenas do podcast, falava exatamente disso e ele falava da Against Malaria Foundation, que tinha sido considerada pela Guivoela a instituição de caridade mais eficaz do mundo. O que vem é uma distinção interessante.
Maria Manuel Mota
É que nós, às vezes a nossa eficácia depende do número de pessoas que nós tocamos, não é? E nós estamos a falar de...
José Maria Pimentel
Eficácia claramente é nesse sentido. Exatamente.
Maria Manuel Mota
E nós estamos a falar de 200, 300 milhões de pessoas que ficam infectadas todos os anos, 200 a 300 milhões. Estamos a falar de qualquer uma destas entidades que toca estas pessoas, que faça... Não tenho a certeza exatamente o que é que esta foundation faz, porque há várias...
José Maria Pimentel
Esta é a distribuição de redes, sobretudo. Exato, distribuição de redes. Isso é um
Maria Manuel Mota
impacto enorme. Está a salvar milhões de vidas. Portanto, obviamente o impacto é brutal.
José Maria Pimentel
E agora, portanto, isso foi tudo antes das vacinas, agora aparentemente vamos ter vacinas. Só
Maria Manuel Mota
que estas campanhas e estas ferramentas que estávamos a usar no terreno tiveram muito impacto. Mas porquê que depois não conseguem fazer o resto? Porque é que diminuímos imenso no início e depois chega um plateau. Porquê que não vamos a zero? E há muitas explicações possíveis, ok? Primeiro porque este tipo de medidas cansa. Nós não vamos conseguir dormir, nós temos a noção e agora acho que com a pandemia as pessoas percebem isso. Obviamente nós somos uma população que se comportou maravilhosamente no mundo, nós fizemos os nossos lockdowns, portanto, ficar em casa quando nos foi pedido, vacinámos-nos quando foi pedido, usamos máscara quando nos foi pedido, nós todos tivemos essa noção e portanto acho que a população portuguesa está de parabéns por ter respondido de forma tão rápida e eficaz sem politizar demasiado todo este tipo de medidas, ok? Mas temos que ter em noção que há um lado de cansaço. Se agora nos dizerem que vamos ter que usar máscara todos os dias da nossa vida, todo o tempo, eu acho que há um tipo de situação em que, obviamente, começa a levantar-se dúvidas qual é a necessidade, isto e aquilo. Portanto, todas estas medidas têm a sua eficácia e o seu tempo. Além de que há também teorias e vários cientistas e sociólogos defendem este tipo de ideia que é nós estamos preparados para fazer isto se virmos à nossa volta certa destruição. Ou seja, enquanto há muitas crianças a morrerem à nossa volta, obviamente num caso de uma região endémica, claro que nós estamos preparados para fazer tudo que for necessário, mesmo que nos seja muito difícil, para proteger os nossos filhos, os filhos dos nossos amigos, toda a nossa população. Mas se de repente os números de caem e nós já não vemos isso acontecer tanto à nossa volta, temos tendência a relaxar. E portanto é por isso que estas medidas não têm tanta eficácia, por isso é que uma vacina é sempre algo que, tomado uma vez, que dure bastante tempo, tem uma eficácia obviamente incrível e nós já vimos isso ao longo da nossa vida. Quer dizer, nós temos essa noção, o que as vacinas fizeram na nossa população é incrível, não é? Salvaram milhões e milhões de vidas no século XX, não é? E ainda
José Maria Pimentel
agora com o Covid, onde na verdade também se passou, acho eu, um fenómeno semelhante a esse que tu descreviste, que as pessoas, naquela altura de meio à preocupação, toda a gente usava máscara e depois a partir de certa altura aquilo já era uma seca e a pessoa começava a relaxar. Exatamente,
Maria Manuel Mota
porque há... E é normal, ok? É normal. Portanto, nós temos de ter a noção e atenção que dormir é com as pessoas presas. Mas também não é assim tão difícil dormir debaixo de uma... É que não é aquelas redes mosquiteiras que nós vemos nos filmes românticos que esvoaçam etc. E nós estamos debaixo da cama e parece uma coisa... Não! Não podem esvoaçar porque têm que estar metidas por debaixo do colchão, porque senão o mosquito arranja a maneira de coer. Portanto, têm que estar metidas por debaixo, é uma coisa mais rígida. A gente está impregnada de uma coisa que tem cheiro, que é pegajosa. Portanto, há um aspecto que não é agradável e não fazemos isso num clima em que estão 25 graus, com uma brisa, etc. Então está todo um lado muito menos romântico da coisa.
José Maria Pimentel
Sim, engraçado. E agora as vacinas, como é que funcionam e como é que foi possível chegar a elas? Porque era um objetivo já com décadas.
Maria Manuel Mota
Com muitas, muitas décadas. E eu acho que isto é algo muito interessante para também pensarmos todos como sociedade. Eu costumo dizer que todas as nossas ações têm consequências, não é? E é um cliché, toda A gente sabe isso. Mas às vezes nós esquecemos disso. Nós esquecemos que a malária ainda existe e nunca foi completamente erradicada porque também é uma decisão nossa. Ou seja, nós podíamos também ter tido a decisão de que não nos importávamos viver com máscara a vida toda e que íamos viver com o número de mortes acima do que nós considerávamos normal, não é? E podíamos continuar com o Covid-19. Tínhamos posto toda a nossa energia em vacinas, isto e aquilo, e vivíamos. É assim que outras regiões do mundo vivem. Ou seja, é normal para pessoas que vivem numa região endémica de malária perderem filhos para a malária. E portanto estas pessoas infelizmente dizem que vivem assim e escolhem viver assim e têm que, como se costuma dizer, e é muito triste dizer esta frase, mas é a vida e têm que continuar com a vida desta forma. Mas é uma opção nossa nós fazermos isto. Ou seja, é incrível como o mundo, quando algo que nos afetava muito diretamente, nós rapidamente pusemos todos os esforços nisto para resolver esse problema e conseguimos encontrá-lo. Claro que há problemas mais complicados e menos complicados e provavelmente arranjar uma vacina para um vírus do género que é o vírus StarCov2 é mais simples do que arranjar uma vacina para um parasita, que é um organismo muito mais complexo que o vírus. Portanto, ninguém está por isso em causa, mas também é uma decisão nossa em que tipo de fundos é que vamos lá pôr. E nos últimos dias, aliás está a acontecer ainda hoje, se está a reunir todas estas organizações mundiais com os diferentes países para decidir qual é a contribuição de cada país para o fundo global para combater certas doenças como HIV, a malária, tuberculose. E as pessoas podem-me dizer, mas o HIV já deixou de ser um problema? Porque nós, no nosso mundo, nós não vemos pessoas a morrer com HIV. O HIV ainda existe, mas as pessoas têm que ter noção que ainda morrem 800 mil pessoas todos os anos com HIV. E é uma opção nossa, essa é mesmo uma opção nossa também, nós permitirmos que essas pessoas morram. E é de todos nós, nós não podemos dizer, ah, mas eu não decido sobre isso. Claro que decido sobre isso. Decido sobre o governo que vai estar no seu país e que decide quanto é que vai financiar para medicamentos que vão ser distribuídos. Porque nós já sabemos que há forma não de curar, mas há uma forma de tratar estas pessoas e as pessoas a exclusão de morrer. Mas claro que nós temos outras prioridades e portanto de acordo com essas prioridades nós decidimos. Mas é uma decisão nossa e isso é importante as pessoas terem a noção. E o que acho que aconteceu aqui com a vacina da malária é muito incrível. Portanto, esta equipa que nós estamos a falar é uma equipa que trabalha antes de eu começar a ter trabalhado em malária. Portanto, o Adrian Hill, que é o chefe, digamos, o líder da equipa da vacina da malária, trabalha em malária há mais anos do que eu, portanto é mais velho do que eu, já era grupo líder quando comecei a fazer o meu doutoramento, portanto já tinha a sua própria equipa, já desenvolvia vacinas para a malária. Mas
José Maria Pimentel
estás a falar, desculpa, desta nova
Maria Manuel Mota
vacina de Oxford. Exatamente, desta nova vacina de Oxford. E é dirigida por este Adrien Hill e a verdade é que tudo é muito lento. Eu às vezes costumo dizer, e eu agora que já estou em painéis em que nós discutimos sobre novas vacinas, investimos nesta ou aquela, vem-nos mostrar resultados, após-resultados e penso assim, mas há cinco anos estivemos nesta mesma sala, ou agora estivemos neste mesmo zoom, não foi em zoom, estávamos numa sala, estamos agora num zoom, e estamos a discutir exatamente os mesmos resultados para conseguirem meia dúzia de decisões para testar isto ou testar aquilo. Portanto, é tudo demasiado lento. E porquê que é demasiado lento? Porque não há um investimento claro em dizer isto é para ontem e se for para ontem simplesmente vamos dar prioridade e portanto há muito mais financiamento e isto vai já acontecer. E portanto, mais uma vez, é uma decisão nossa. O que aconteceu agora é que em Oxford este grupo está a trabalhar ao lado e dentro do mesmo instituto do grupo que desenvolveu a vacina para Sarkov 2, a chamada vacina AstraZeneca. E em todo parecida, portanto, a AstraZeneca, que no fundo fez uma parceria com a Universidade de Oxford, com este grupo, a vacina deles é completamente baseada no que estava também a ser desenvolvido para a vacina da malária. Só que agora, simplesmente, com a vacina de Sarkov 2, puderam testar, por exemplo, um adjuvante, que é algo que vai junto com a vacina, Com a vacina vai um material, parte do vírus, que pode ser sintético, mas neste caso é etc, mas vai lá para o nosso sistema imune passar a ver aquele vírus, mas vai algo que ajuda o nosso sistema imune a ativar o nosso sistema imune. É tipo uma chave que diz assim, pá, dá-lhe uma chicotada, toca a trabalhar.
José Maria Pimentel
Um estimulante.
Maria Manuel Mota
Um estimulante, exatamente. Nós chamamos a dejuvante, não é? E estes adjuvantes muitas vezes são muito difíceis de testar, porque quem é que vai testar um adjuvante? Mas
José Maria Pimentel
é o quê? É uma proteína? São
Maria Manuel Mota
proteínas, são moléculas que estimulam o nosso sistema imune, o nato, etc. E portanto, muitas vezes são difíceis de ser testados, porque quem é que se oferece para testar uma coisa? Porque tem que ser testado em humanos, isto e aquilo. No caso da malária, tem que ser testado em crianças, porque quem nós vamos vacinar são crianças, e portanto aquilo demora todas as autorizações e estamos a falar de anos e anos e anos. Foi o Sarkov 2 e de repente vamos pegar o nosso desvante que nós consideramos que é mais agressivo possível porque vai ser testado agora, não é? E funcionou maravilhosamente e de forma segura, etc. E portanto eles imediatamente, ora com este teste nós já podemos testar agora em 400 crianças em África, não é? E portanto foi esse teste que fizeram. Teve isso e teve um outro lado. Teve um lado de acelerar tudo isto, ok? De a Organização Mundial de Saúde também permitir, as autorizações são muito mais rápidas e ao mesmo tempo teve uma mudança muito interessante que às vezes penso também como é que isto não aconteceu antes, que é à altura do ano em que a vacina é dada. Ou seja, nós estamos a falar de uma vacina que tem que ser dada mais que uma vez, Mas à altura onde é dada é bastante importante, porque as pessoas já estão a dizer, não têm esta noção, mas como há malária, o parasita da malária é transmitido por um mosquito, o mosquito não existe na mesma quantidade a toda a altura do ano. Existe na época das chuvas porque houve água e, portanto, houve água para os ovos fazerem as larvas, etc. Para, no fundo, haver reprodução dos mosquitos, na época seca há menos. E o que eles perceberam agora é que, dando a vacina mesmo antes de começar a época das chuvas, ainda em época seca, mas não durante a transmissão da malária, mas naquelas duas semanas que antecedem, o impacto parece ser bastante maior.
José Maria Pimentel
Por isso é que parece um pormenor evidente em retrospectiva.
Maria Manuel Mota
Exatamente, exatamente. E é daquelas coisas que até dos anos 60 já toda a gente falava, mas depois, lá está, como não há autorizações para trabalhar em toda altura, simplesmente às vezes dava-se quando era para dar, quando era possível. E isto em conjunto, estamos agora a falar de uma vacina num grupo muito pequeno de crianças, e portanto obviamente isto tem que ser estendido para um grupo maior para termos a certeza que estes números se confirmam, mas estamos a falar de uma eficácia de 78%. A melhor vacina que tínhamos tido até agora em malária só tinha 30% de proteção e as pessoas agora já percebem estes números porque já se falava de todas as outras. Portanto, estamos a falar de algo que realmente é extremamente promissor. Se vai ser a única ferramenta que pode levar isto a zero, provavelmente não, porque nós normalmente como seres humanos temos esta tendência. De repente temos uma ferramenta fantástica e depois vamos dizer assim, ok, nós temos esta ferramenta fantástica, agora esquece o financiamento para malária, para isto, para aquilo, porque já está resolvido. Já descobriram a pólvora, não é? Não, estes são organismos sempre em evolução e, portanto, o que é uma solução agora, daqui a uma década pode não ser a solução. O que é uma solução para determinadas regiões pode não ser para outras. E, portanto, há muitos aspectos aqui a ter em conta e provavelmente vão ter que ser mostrados e nós não podemos parar. Temos a questão de acelerar.
José Maria Pimentel
E é engraçado, pelo que eu percebi da tua explicação, o grande progresso não foi tanto na essência da vacina, ou seja, na arquitetura da vacina, mas nessa desvante.
Maria Manuel Mota
Exatamente, ou seja, é mesmo a molécula que estávamos a testar há mais de duas décadas. Incrível. Ou seja, há Mais de duas décadas em seres humanos, é provavelmente que estamos a estudá-la há três ou quatro décadas, portanto, esta molécula. Engraçado.
José Maria Pimentel
E o que é que ela faz? Nós estamos a falar de malária. Não sei quanto tempo ainda não falámos do processo. Somos infectados através do patogénico que está no mosquito, mas ainda não falámos mais do que isso, o que também acho eu ajudar a explicar porque é que tu te entusiasmas com isto desde o início. Explica lá em traços gerais como é que funciona, como é que a malária nos infeta, não é, no fundo.
Maria Manuel Mota
Ok, então a malária é causada por um parasita. E o que é que é um parasita? Um parasita é um organismo que não consegue viver sem nós e causa-nos danos, ok? Mas uma bactéria e um vírus podia ser um parasita, mas não os consideramos assim em termos disciplinares. Em termos biológicos, sem dúvida, o HIV é um parasita, não é? Para nós, obviamente. Uma bactéria que nos causa diarreia, obviamente é um parasita, mas nós disciplinarmente na ciência não consideramos assim. Um parasita tem que ter essa característica biológica, mas já é um organismo mais desenvolvido que um vírus ou que uma bactéria. As células de um parasita são parecidas com as nossas células, Já têm núcleos, já é uma organização bastante mais complexa e por isso também é um organismo muito mais difícil de combater. Dizendo isto, ele é um organismo que vive entre dois hospedeiros, no caso da malária humana, porque existe malária em quase todos os vertebrados e, portanto, existe malária nos pinguins, ou malária... Existe. Mas digamos, nos mamíferos ou nos seres humanos, ele tem como hospedeiro o ser humano, mas tem como hospedeiro, ainda mais importante que o ser humano, o mosquito. E o mosquito não apenas transmite, mas o parasita tem um ciclo de vida dentro do mosquito que se reproduz de forma sexuada. Portanto, já é um organismo extremamente complexo e, portanto, cria uma diversidade enorme. Quando sai do mosquito, já é completamente diferente daquele que no fundo entrou lá. Pois, o que cria bastante dificuldade. Porque já tem um pai e uma mãe e pode dar todas as possibilidades de milhares e milhares de filhos. E tem milhares e milhares de filhos e, portanto, dá todas as possibilidades e cria uma complexidade enorme. Quando é transmitido por um mosquito e vai para nós, também em nós tem dois processos de reprodução distintos, mas sequenciais. Um primeiro que se dá que é obrigatório, o parasita tem que chegar ao fígado e reproduz-se aí no fígado. O mosquito transmite muito poucos parasitas. O mosquito transmite 10 a 20 parasitas, o que deveria ser suficiente para qualquer sistema imune dar cabo daquilo. Mas este parasita refugia-se rapidamente no fígado e simplesmente no fígado cada parasita dá origem a 30 mil, 50 mil parasitas. Portanto, mesmo que sejam 10, rapidamente são milhares e milhares de parasitas. A partir daí, esse parasita que sai do fígado, esses milhares de parasitas que saem do fígado, cada um deles vai infectar uma célula vermelha do nosso sangue, ok? As hemácias, o que quiserem chamar, as células normais, e simplesmente infecta uma dessas células e a cada 48 horas multiplica-se em 20, 30, 9 parasitas. Portanto, estamos a falar que rapidamente temos milhões, bilhões das nossas células que são importantíssimas porque as células normales são o que transportam oxigênio para as nossas células poderem respirar, libertam-nos do dióxido de carbono que é tóxico e, portanto, para nós são células fundamentais que estão completamente sempre a ser destruídas. E normalmente a malária começamos com sintomas que podem ser sintomas simplesmente meios gripais, tipo dores nas articulações e isto e aquilo, a sintomas extremamente complexos, que é falha completa dos órgãos. Pode ser o cérebro, um síndrome neurológico, as crianças por exemplo deixam de reconhecer a mãe, é muito chocante. Uma criança quando desenvolve malária cerebral deixa de reconhecer a mãe e depois fica completamente paralisada e normalmente é um síndrome muito letal, mas pode ter um envolvimento dos pulmões, do fígado, dos rins e portanto muitas vezes até o que acontece é uma falha completa dos órgãos e a criança acaba por morrer.
José Maria Pimentel
A sintomatologia diferente tem a ver com o quê?
Maria Manuel Mota
Isso é uma coisa que adorávamos saber porque é demasiadamente complexo. Ou seja, é uma pergunta que muitos cientistas há mais de 100 anos... Para as pessoas também terem a noção, o Sarkov 2 foi descoberto no final de 2019, 2020 já estava todo sequenciado, em 2021 estávamos a ter vacinas para chegar ao mundo inteiro. Só não chegaram ao mundo inteiro, mais uma vez, pela nossa decisão. Mas nós conhecemos já desde o final do século XIX, Plasmodium, que é o agente responsável por malária, já o conhecemos, desde o século 19. Já tivemos três prémios novas pela malária. Uns anos depois descobriu-se que o mosquito transmitia o parasita. Mais recentemente já, neste século, em 2013, tivemos uma cientista chinesa que nos anos 60 e 70 descobriu este fármaco maravilhoso, artemisenina, que tem sal de milhões de vidas, que pode ser usado para tratamento e portanto tem sido fantástico. E portanto nós já tivemos isto, mas a verdade é que ainda não sabemos porque é que alguns indivíduos desenvolvem doença severa e outros quase nem desenvolvem sintomas nenhums. Um bocadinho como nós temos Covid, não é? Porque alguns indivíduos não desenvolvem, outros
José Maria Pimentel
desenvolvem. E porquê é que desenvolvem sintomas diferentes? Aqueles que desenvolvem, desenvolvem sintomas
Maria Manuel Mota
em parte diferentes dos outros? Há algumas razões que são minimamente conhecidas e que são bastante, até já há décadas, porque o parasita foi tão importante no planeta Terra que o nosso genoma foi modificado, os nossos genes foram modificados pela presença do parasita. Nós sabemos que há uma doença que é extremamente grave quando nós temos as duas cópias dos genes iguais e que se dá anemia falciforme, que as pessoas têm uma vida muito, muito limitada, mas que só se tivermos uma cópia simplesmente estamos protegidos de ter malária grave e por isso é que esta mutação é uma das mutações mais frequentes no mundo porque simplesmente ela existe... Já
José Maria Pimentel
é uma resposta evolutiva à malária.
Maria Manuel Mota
Exatamente, porque obviamente quando só está numa cópia nos protege e portanto compensa mesmo correndo o risco que às vezes quando vê as duas juntas nós simplesmente podemos ter um problema gravíssimo.
José Maria Pimentel
E provavelmente é mais comum em populações que vivem
Maria Manuel Mota
nas zonas onde a malária é mais comum. Obviamente, é muito comum nas regiões endémicas para a malária. Eu falei de uma, da Anemia Falsa Forme, existem várias, tem mutações que são todas muito parecidas, são mutações que envolvem a célula vermelha, porque é onde o parasita se desenvolve e que simplesmente são muito comuns e são todos sempre mais comuns em regiões onde mais tarde estamos a conseguir erradicar a malária.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, onde ela era mais prevalente. Interessante isso. E, portanto, a grande dificuldade, Para além do adjuvante, a grande dificuldade, o nível mais fundamental de construir a vacina tem a ver com essa diversidade genética do plasmódio.
Maria Manuel Mota
Exatamente, ou seja, o que a vacina tem é, como a do SARS-CoV-2 tem um bocado de spike, ou seja, RNA, ou seja, proteína, tem a spike que é a proteína que cobre o SARS-CoV-2, esta também tem a proteína, mas que está há anos a ser desenvolvida, portanto é o mesmo tipo que os cientistas fizeram agora e puderam fazer muito rápido, é porque já há um racional para outros organismos infecciosos. É a proteína que cobre o parasita quando ele é transmitido do mosquito para nós. É, digamos, o casaco que o parasita veste e, no fundo, é um bocado dessa proteína. Só que esta proteína tem muitas variações, ok? E nós, obviamente, foi desenhada para nesta região do mundo. Sabemos que a forma que é mais prevalente e a vacina foi desenhada para isso. Não quer dizer que o parasita não vá mudar e que nem sequer a mesma vacina possa ser usada para o mundo inteiro, porque em diferentes regiões do mundo, digamos que a proteína dos parasitas têm formas diferentes.
José Maria Pimentel
Pois é, é interessante e no fundo ele consegue evadir o nosso sistema imunitário logo de início, precisamente por causa dessa diversidade. Ou seja, nós...
Maria Manuel Mota
Sem dúvida. Ele consegue evadir o sistema imuno por várias razões diferentes, ok? Sem dúvida a diversidade é uma delas e é uma diversidade em muitos aspectos. A diversidade até quando depois chega às células vermelhas numa infecção, ele está coberto por uma célula vermelha, porque ele vive dentro de uma célula e está coberto por ela. Mas ele até deposita proteínas do próprio parasita na superfície destas células vermelhas porque ele precisa muitas vezes estar em determinadas fases do ciclo em sítios em que há pouco oxigênio. Ele gosta de se ligar aos vasos das células endoateliares para ter sítios onde há menos oxigênio e onde pode sair da célula vermelha com calma e reinvadir novas células vermelhas. Mas isso expunha o parasita a um perigo enorme, porque se está a expor as suas próprias proteínas o sistema imune devia vê-lo. Não, ele tem uma família de genes e está sempre a mudar essas proteínas. Portanto, estamos a falar de um parasita que existe à face da Terra antes do ser humano. Por isso é que no fundo é um agente
José Maria Pimentel
de transações desvertebradas. Pois, está-nos de nós na árvore da vida. Exatamente. E Portanto,
Maria Manuel Mota
é normal que tenha evoluído estratégias muito, digamos, inteligentes. Eu digo inteligentes em traste, porque obviamente o parasita não é inteligente, mas foi selecionado para estar completamente bem dentro de
José Maria Pimentel
nós. Olha, deixa-me dar um bocadinho de agulhas para falar da investigação nesta área de uma maneira mais ampla. Uma dúvida que eu tenho, verdade, a coisa de fora, é como é que numa área como esta, no caso do desenvolvimento da vacina, já estamos a falar de ciência aplicada, mas muito do que se faz aqui no IMM é aquilo que se chama investigação fundamental. Eu
Maria Manuel Mota
trabalho em Malaria, mas de ponto de vista de ciência fundamental em Malaria.
José Maria Pimentel
Ou seja, que não tem uma aplicação direta à manhã. E aí como é que se consegue definir, não tendo essa aplicação direta, ou seja, não tendo um bottom line imediato, como é que se definem objetivos nesta área? Tu tens um objetivo de ir atrás de uma pergunta, mas nem todas as perguntas têm o mesmo potencial. Claro. É impossível definir o objetivo? Ou seja, no fundo é simplesmente confiar... Ou seja, A pergunta é como se fosse uma caixa negra, que nós não sabemos onde é que vai levar e portanto trata-se simplesmente de tentar responder o melhor possível àquela pergunta ou é possível de alguma forma priorizar perguntas, se quiser.
Maria Manuel Mota
Há dois lados. Primeiro, eu acho que nós nunca devemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. Ou seja, nós temos que ter espaço para ciência fundamental que não ache que haja ninguém inteligente o suficiente no mundo para dizer é, isto é que vai ser mesmo o futuro. E portanto aí é escolher pelas pessoas e escolher pessoas que sejam muito bem treinadas a aprender a fazer questões. A questão, fazer perguntas, é mesmo muito importante na ciência e essencial na ciência fundamental. E o vosso lema é o meu lema. O nosso lema é andamos à procura ou andamos atrás das perguntas do inglês Chasing Questions e é exatamente isto. E foi o nosso lema exatamente por isso. Porque o mais importante é definir a pergunta. Mas ninguém é suficientemente brilhante para dizer esta é a pergunta que vai dar. E eu já vou dar exemplos sobre isso. Mas se nós não tivermos este grupo de pessoas, é como ter uma flor muito bonita numa jarra, podemos pôr água, podemos pôr lá uns pauzinhos quaisquer para a flor e vai durar uns dias, mas vai só durar uns dias. Se não tiver raiz e uma terra que lhe proporcione que essas raízes vão e vão buscar todas as nutrientes que precisam, essa planta vai morrer. E é a mesma coisa, nós não podemos ter uma ciência apenas aplicada, baseada num princípio de um objetivo claro para resolver um problema, se não tivermos as raízes que são o conhecimento que é fornecido pela ciência fundamental. E eu vou dar aqui um exemplo que as pessoas todas se apercebem agora. Sem dúvida que agora com o Sarkov 2 e com esta corrida toda às vacinas, houve um aspecto que foi incrível, que foram as vacinas da RNA. Mas nós estamos a falar que a RNA é uma molécula que é estudada há quatro décadas, ok, ou mais, e que é estudada nesta vertente que pode ser usada para enganar o sistema imune, ser apresentada ao sistema imune de forma natural, há três décadas. Portanto, nós estamos a falar de muitas décadas. Era impossível estas vacinas terem sido desenvolvidas com esta eficácia se não tivesse havido aquele trabalho de ciência fundamental. E agora, ok, as pessoas que até recebem o prémio Nobel etc. Dizem, mas eu há 30 anos tentava pôr um projeto e as pessoas não acreditavam que aquilo era muito importante. Estamos a falar que toda a gente que estava a ler aquele projeto era bastante inteligente, era um dos melhores.
José Maria Pimentel
Sim, sim, conhecedor.
Maria Manuel Mota
Nós temos de ter esta noção de que tem que haver uma liberdade para a ciência fundamental que vai descobrir coisas que nós nem imaginamos. Eu também dou sempre um outro exemplo, que é um exemplo muito, muito mais antigo, mas é o de descobrir o fogo. Quem descobriu o fogo, eu não imagino, ok? Sim, não dava de ser. Nós precisamos de algo para nos aquecer, ou precisamos de algo para cozinhar os nossos alimentos. Não, aconteceu por acaso, a pessoa teve curiosidade, aconteceu por acaso, e não aconteceu de um momento para o outro. A pessoa provavelmente quando esfregou pedras, ou esfregou isto ou aquilo, viu feisca, não é que... Porque nós agora, as minhas filhas tentaram uma vez comigo e dissem assim Mas é mesmo difícil de fazer fogo, portanto o que é que se é uma pessoa persistente? Não aconteceu por acaso, o que foi acontecendo é que a pessoa começou a perceber que fazer feisco ou fazer... Portanto havia qualquer aspecto que em pessoas curiosas, em seres humanos curiosos, fez com que desenvolvesse isso. E depois dessa descoberta do fogo, a pessoa começou a perceber que se estivesse junto a esse fogo, aquecia-se no inverno. Que durante a noite podia iluminar. Que se fizesse alimentos ali, se os aquecesse, achamos eram mais saborosos e depois não tinham tantas dores de barriga. Portanto, há todo um lado que foram milhares e milhares de anos para descobrir as aplicações e no Fogo estamos a falar mesmo de milhares e milhares de anos, as aplicações que a descoberta Foucault teve. E portanto, eu acho que como sociedade nós temos que ter a noção de que é obrigatório termos um grupo de pessoas que é lhes dado a liberdade para fazer estes chasing questions. Dizendo isto, dizem-se, ah pá dá-me-tão de honras a liberdade de fazer o que lhes apetece. Não. Existe um método, existe uma ética, existe uma avaliação que é feita a estas pessoas que cada vez têm estándares mais elevados e que nós temos que ter a noção que têm cada vez que ser mais elevados para se justificar que todos nós, os impostos de todos nós contribuam para que estas pessoas possam desenvolver as suas ideias. Se me perguntarem assim, mas tudo que é ali desenvolvido vai contribuir? Eu acho que é tudo, 100%. E eu não respondia assim. Não vai ser da mesma maneira que o RNA, e não vai ser toda a gente que trabalhou em RNA tem exatamente o mesmo impacto. Por isso é que alguns recebem o prêmio Nobel. No entanto, muitos ficaram tristíssimos naquela vida e injustiçados. Porque há muitos mais que mereciam receber o prémio Nobel do que apenas aqueles que receberam.
José Maria Pimentel
E há becos sem saída. Exatamente!
Maria Manuel Mota
Mas mesmo que foi um beco sem saída, é importante ser comunicado à sociedade, ser comunicado aos outros cientistas, que é para não entrarem todos naquele beco. É dizer assim, olha, agora já está aqui no sentido proibido, ou pelo menos um sinal de que é beco sem saída. Não é? Por esta razão esta e aquela. E às vezes um beco sem saída, 10 ou 20 anos depois, não é um beco sem saída. Porque a tecnologia evolui, etc. Portanto, nós Temos que ter a noção de que a ciência fundamental é mesmo importante. Eu há pouco falei, pegando no caso da malária, de que nós descobrimos que agora a vacina foi dada duas semanas antes de começar a época da transmissão da malária. Mas A verdade é que nos anos 60 já tinha havido estudos em que mostravam que em crianças que viam em regiões endémicas ou de tipos de vacinas, campanhas de vacinas, que não eram para a malária, que não existiam, dadas, as vacinas não tinham tanto impacto. Portanto, nós já devíamos ter pensado sobre isto. Há algo que a malária faz ao sistema imune que provavelmente não permite uma resposta tão fantástica e pronto, nós já devíamos ter pensado sobre isto. E esse conhecimento estava lá e que obviamente agora quando pusemos o mais dois, às vezes pensamos assim, porque é que eu não pensei isto há duas décadas atrás? A ciência precisa de tempo e eu sei que às vezes a sociedade não quer esse tempo, especialmente a sociedade em que vivemos hoje quer respostas rápidas, quer o tudo para o ontem e a ciência não vai ser isso, a ciência fundamental não vai ser isso e por isso eu também acho que a ciência não pode ter só defendermos a ciência fundamental. Não podemos pôr os ovos todos no mesmo cesto e temos que dar resposta à sociedade. É claro que há problemas em concretos na sociedade que temos que dar logo resposta, como foi o Sarkov 2, e os cientistas a que tiveram, para dar uma resposta imediata e muito melhor do que às tantas nós conseguiríamos imaginar, sequer. Mesmo eu como cientista não conseguiria imaginar como a vacina viesse tão rápida, mas o que é certo é que todos nos unimos e, no fundo, a ciência deu essa resposta rápida. E sim, quando existe um problema desses, e vão surgindo muitos, temos que conseguir dar respostas rápidas, mas também temos que ter o espaço e o tempo para que os cientistas estejam dedicados só a fazer perguntas, a questionarem-se e a, no fundo, saciarem a curiosidade desses mesmos cientistas, com regras muito claras de avaliação e não permitindo que as pessoas façam o que lhes apetece no tempo que lhes apetece. E é importante que as pessoas chamem isso em casa. É que há estándares éticos, estándares de avaliação, etc, para essas pessoas fazerem parte desse grupo ou não. Eu sou curioso, que regras são essas? As regras são muito simples. Primeiro, as pessoas têm que mostrar uma certa produtividade. Ou seja, não é uma pessoa que anda atrás só de perguntas e nunca produz absolutamente nada.
José Maria Pimentel
Claro. Só que aqui a produção é uma métrica difusa, não é? Não é difusa.
Maria Manuel Mota
Não, da toda. E há muita discussão sobre se as métricas são corretas, isto e aquilo e que tipo de métricas é que são. Mas há uma forma de ter impacto, ou seja, ser ciência fundamental, mas que, passar dois ou três anos, aquele conhecimento que a pessoa está a usar, está a ser usado por muitos outros. Quando é que aquele conhecimento está a ser citado ou não por outros? Há métricas desse tipo, não é?
José Maria Pimentel
Mas imagina, desculpa, estou a fazer-me a jogar do diário, mas imagina que estás a trabalhar numa dessas áreas que não está na moda e, portanto, até estás a fazer progresso, mas eles não são especialmente citados porque não é uma área... Sem dúvida. E isso é preciso
Maria Manuel Mota
ter em conta. Mas por isso é que existem as universidades. E as universidades devem existir isso para dar espaço a essas pessoas. Pessoas que nós consideramos que são brilhantes, que pensam mesmo bem, que pensam que daqui vai sair. Porque as pessoas, durante a vida toda delas, não vão ter 200 fantásticas ideias. Mas basta que tenham uma boa ideia que possa fazer diferença no mundo. E, portanto, tem que ser dada a oportunidade às pessoas, mas tem que ser uma pessoa que produz, uma pessoa que simplesmente mostra que está a encontrar algo de novo. O importante da ciência é que está a encontrar algo que nunca foi visto antes. Já lá existia, não é? Na área da ciência que eu trabalho, da ciência biomédica mais generalizada, não é? Mas todas as áreas, seja da física, seja da matemática, o importante é que nós não estamos a repetir o que os outros já viram. Nós estamos a fazer algo que existe no mundo, mas estamos a dar-lhe uma explicação que nunca a imaginamos antes. É algo completamente novo, é uma visão nova sobre o mundo que nos vai ajudar a simplesmente resolver problemas no futuro e eu acho que essa é a métrica mais importante. E
José Maria Pimentel
vocês aqui no IMM têm uma característica, acho que é peculiar, se calhar estão enganados e é muito comum, mas vocês têm uma ligação à Faculdade de Medicina, têm também a possibilidade de ir buscar perguntas à prática clínica diretamente.
Maria Manuel Mota
Nós temos num campus muito, muito especial.
José Maria Pimentel
É peculiar, não é? Ou seja, não é... Não.
Maria Manuel Mota
Existem vários institutos no mundo, mas eu acho que o nosso campus é mesmo muito especial e é único pelo tamanho também. Ou seja, é grande o suficiente para a velha massa crítica, não é tão gigantesco que nos perdemos e nem sabemos uns quem são os outros. Demorou muitos anos a criar este diálogo, ok? Ou seja, O Instituto de Medicina Molecular está aqui desde 2004, mais ou menos, e demorou muitos anos. Está por trás do Hospital Santa Maria, um edifício por trás do Hospital Santa Maria, e às vezes as pessoas dizem assim, os vossos deviam se mudar para outro sítio, e muitas vezes questionamos sobre isso, para ter mais visibilidade, para as pessoas saberem onde é que vocês estão, etc. Mas há algo na nossa impressão digital que é muito bom nós estarmos aqui com os alunos de medicina que estão a criar a seus próximos médicos, que podem vir a ser cientistas também, e o hospital que tem os médicos lá, que tem os doentes, que tem os casos mais extraordinários, porque há um enorme hospital domiciliar e, portanto, tem casos extraordinários e, portanto, é deste mundo todo que nós bebemos. E mesmo que os cientistas mais fundamentais, e que só estão à procura daquelas perguntas, não estão a tentar resolver nenhuma cura para o Sr. António e a Sra. Maria que apareceu ali no hospital, atenção que nós temos de ter a noção que eles bebem muito desta vivência. Demorou muitos anos e eu tenho que dizer que os primeiros dois anos raramente tínhamos, como eu costumo dizer, as batas brancas que passavam do edifício, portanto nós estamos por trás, mas há uma saída do hospital por trás, passavam daquela porta das traseiras para este edifício aqui, atravessavam este parque de estacionamento, aqui é muito feio, mas que temos que arranjar uma maneira bonita de fazer esta transferência, mas simplesmente era raramente o que acontece. E com o tempo cada vez é mais. E cada vez é mais agora nós, até alguns dos nossos cientistas serem convidados para fazerem parte, por exemplo, das rotas de manhã da visita dos doentes. Os cientistas estarem lá e fazerem e ver os casos. Porque sim, porque não? Porque podem ter uma ideia, é muito importante vermos como é que os outros pensam, etc. E
José Maria Pimentel
a experiência concreta das coisas é...
Maria Manuel Mota
E a forma como os médicos são educados, falta-lhes às vezes, este lado, um médico é educado para resolver problemas, como nós, como é o cientista, mas para o sucesso. E porque tem que ser, não é? Porque eu também quero chegar ao hospital e o médico não vai dizer, vou-te testar nisto, talvez vá falhar. Não espero que ele tenha a certeza de que vai acertar comigo. O cientista é exatamente o contrário. O método científico é nós colocarmos uma hipótese, mas desenhamos as experiências contra a nossa hipótese. Mas é algo que às vezes até é perverso, porque como seres humanos onde é que nós ganhamos a gratificação de fazer isso? Quem é que vai testar contra si próprio? Quem vai apostar contra si próprio? E o nosso método científico tem isso. Mas eu acho que é importante nós termos esta...
José Maria Pimentel
Esse ponto de seriedade. Exatamente.
Maria Manuel Mota
E portanto, eu acho que aqui é algo mesmo muito único e que acho que estamos num ponto muito bom neste momento, mas que é apenas o ponto de começo. Acho que há ainda panos para mangas para neste campo fazermos algo extraordinário.
José Maria Pimentel
Isso é muito giro. Aliás, traz-me a lembrar de outra vertente da complementariedade na ciência, que é, e aliás eu falava há pouco tempo com o Nuno Moraes, aqui do M&M, que é a questão da interdisciplinaridade. Porque a ciência, e isso é verdade em todas as áreas da ciência, até nas ciências sociais, é cada vez mais especializado. O que se entende, não é? Porque é também mais complexa e a verdade é que, para tu ser um bom cientista, é evidente que tens que ser a pessoa que mais conhece naquela área e ter competência nessa área, Mas ao mesmo tempo tem aqui este trade-off de poder criar uma espécie de tunnel vision, de visão muito curta e sei lá, por exemplo, eu me lembro de aquilo que tu falavas há bocadinho, num aspecto tão simples quanto à altura do ano em que se dá a vacina da malária, que claramente se eu peça a alguém de outra área naquela sala quando foi decidido aquilo poderia ter dito isso 10 ou 20 anos antes
Maria Manuel Mota
mesmo. Exatamente, exatamente. Mas ao
José Maria Pimentel
mesmo tempo, desculpa só para terminar, ao mesmo tempo isto soa uma coisa muito bonita e ninguém terá problemas em discordar disto, mas na prática eu desconfio que não seja assim tão fácil ter que criar estes pontos.
Maria Manuel Mota
É muito difícil criar estes pontos porque também a ciência é cada vez mais complexa, porque é normal, cada vez temos mais conhecimento e tudo se torna mais complexo. E acumulativo. É acumulativo, não é? Faz parte de sermos seres humanos que acumulamos conhecimento, não é? Isso é bom. E os sistemas cada vez estão mais competitivos também. Portanto, as pessoas para fazer também a sua própria vida e sobreviver neste sistema cada vez têm que ser mais competitivas e, portanto, se começam a dispersar imenso não conseguem ser competitivos o suficiente. E, portanto, há todo um lado que nós muitas vezes temos de parar e repensar como é que o sistema deveria ser feito. Nós tentamos combinar sempre isto com, obviamente, as pessoas serem expostas ao maior número de possibilidades num curto espaço de tempo. Por exemplo, vou dar aqui um exemplo. O nosso instituto, e com todos os institutos de investigação, portanto, tem o nosso e à segunda-feira, o que nós chamamos de Monday Lectures, E eu uso muitas vezes estas coisas em inglês porque a língua oficial do IMM, como é a ciência, é o inglês. Claro que quando fazemos espaço-sociedade não, é o português, obviamente, estamos em Portugal. Mas digamos, dentro de nós, na nossa comunidade, chamamos de Manda Lectures, até porque temos mais de 30 nacionalidades aqui representadas no Instituto. E as Manda Lectures o que é que são? São pessoas que vêm de todo lado do mundo, às vezes por Zoom agora, outras vezes viajam até nós, em que simplesmente vêm naquele dia mostrarmos algo e nós geralmente temos tendência a escolher uma pessoa que não trabalha numa área que nós trabalhamos. Ou seja, o instituto já tem de ser o diverso o suficiente e portanto termos pessoas como a Nuno Moraes que faz bioinformática, que no fundo é trabalhar os dados dos nossos genes, como é que os nossos genes respondem, isto e tudo. Faz isto e portanto é uma pessoa única que não há muitos outros a fazer, mas que muitos de nós, eu no meu laboratório, quero fazer isto e, portanto, é bom ter um colega que só faz isso e que só pensa nisso, que quer pensar nisso nas perguntas dele, não é obrigado a pensar nas minhas perguntas, mas Um dia podemos ir tomar café ou podemos ir almoçar e ajuda-me a pensar qual é o caminho que eu devo tomar para pensar nas minhas perguntas da forma como eu penso. Ou que pessoas é que eu devo contactar e isto e aquilo ou outro. Portanto, há todo este lado que é muito importante. Uma das peças mais importantes num instituto como o nosso é uma cafeteria, porque é onde as pessoas se encontram e por acaso conversam sobre uma coisa ou outra e fazem ligações e fazem pontos. Fazer pontos no pensamento é algo muito importante para a ciência. E por outro lado é nós trazermos pessoas de fora que todas as semanas vêm onde e frente e portanto teremos 40, 50 pessoas diferentes que não trabalham connosco, que vêm de todo o lado do mundo, desde a Austrália, os Estados Unidos, ao Japão, à África, seja onde for, e que vêm nos falar de uma visão do mundo, que pensam em coisas diferentes, pensam as semanas diferente e vêm nos mostrar, mas São cientistas. Depois ainda temos às quintas-feiras, uma vez por mês, estes fazemos menos, mas são o que nós chamamos, os seminários out-of-hour box. Então é isso mesmo, nem são cientistas biomédicos. Aí hoje tivemos um que fala muito sobre sustentabilidade, portanto temos isto, mas já temos economistas, temos cientistas sociais, temos todo um lado pessoas que podem ser completamente diferentes. Já tivemos uma cientista da NASA que vinha exatamente com o micro satélites, detectam hotspots de diferentes doenças conforme vêem coisas que têm formas de monitorizar isto, porque achamos que um cientista para ser capaz de fazer boas perguntas tem que ter mundo E não pode estar fechado na sua torre de marfim. E portanto, no fundo, como diretora do Instituto de Mocena Molecular, a minha maior responsabilidade é permitir que essas pessoas tenham o mundo.
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante, sim. As perguntas, em grande medida, vêm de analogias. Porque nós podemos não as projetar enquanto tal, não é? Mas no fundo é uma analogia com outra experiência que nós tivemos ou com outra área sobre a qual nós lemos. É engraçado fazer isso, não fazia ideia, ainda bem que perguntei. Não, a sério, agora, falando a sério, acho que são iniciativas com muita piada, tanto a de outras áreas dentro da ciência como essa de ir fora até das próprias ciências biomédicas e das ciências naturais. Mas
Maria Manuel Mota
ainda temos até uma outra iniciativa que estávamos a fazer com muito acesso antes do Covid, vamos recomeçar agora outra vez, que se chama Horizonte CMM e no fundo é para a sociedade em geral. Nós começamos a fazer porque era para a sociedade em geral e começamos a perceber que todos tínhamos muito a ganhar com ela. Então o que é que é? Como eu já disse, o nosso lema é Chasing Questions, à procura ou a perseguir questões. Nós começamos a perceber, quando lidamos com os nossos colegas clínicos, etc., nós temos as mesmas perguntas. Às vezes, elas são feitas completamente de aspectos distintos. E então, o que agora fizemos foi um conjunto de séries em que temos sempre a mesma pergunta e a mesma pergunta podia ser feita por um paciente, pelo seu médico ou pelo cientista de serviço, como nós nos chamamos, ok? E Então temos uma conversa que dura hora e meia, é aberta ao público em geral, mas tenho que dizer que teve tanto sucesso que um terço, provavelmente, das pessoas que estavam a assistir, tínhamos anfiteatros que chegaram até 300 ou mais pessoas aqui, em que quase um terço eram alunos de medicina, porque começaram a perceber que podiam aprender muito. Os outros eram cientistas e os outros geralmente são ou pacientes daquela área que estamos a fazer ou simplesmente pessoas em que eram familiares, etc. Querem no fundo perceber isto. Se for uma pessoa sobre câncer, porquê que um câncer se desenvolve? Como é que um cancro se desenvolve? Isso é o que um cientista quer saber. Um médico precisa de saber isso também, para saber como é que ele vai combater isto e aquilo. Mas uma pessoa que tem cancro também quer perceber. Ou se eu tiver um familiar com cancro, eu quero perceber porque é que este familiar não desenvolveu cancro. E há uma razão para eu me preocupar familiarmente. Aquela pergunta inicial pode ser feita de milhares de maneiras diferentes e estas conversas foram um sucesso mesmo e nós queremos agora, nós estamos aqui, fizemos também, Fizemos com o patrocínio da Fundação Palmeiras Veda e também fizemos até umas sessões também no Porto e queremos mesmo agora relançar estas novas porque o que não faltam são perguntas. E portanto, acho que é muito interessante, nós percebemos que todos estamos mais ou menos na mesma parte. E podemos aprender uns dos outros.
José Maria Pimentel
Podiam gravá-los até.
Maria Manuel Mota
Sem dúvida, sem dúvida.
José Maria Pimentel
Não, estou a falar a sério. Há pessoas interessadas que não calham estar...
Maria Manuel Mota
Há algumas questões que foram de um sucesso brutal. Porque as pessoas se envolveram mesmo. Depois há uma hora e meia, temos sempre pelo menos 45 minutos para cá, 45 minutos que eles estão, os três, a falar entre eles, há um moderador, não é, ou uma moderadora e depois simplesmente há perguntas do público. E depois as pessoas ficavam tão entusiasmadas e podíamos ter ficado ali em vez de hora e meia ter ficado 3 horas, não é? Ou mais. E as pessoas vão dizer Pux, vocês deviam fazer isto na televisão e, portanto, ah, sem dúvida. São muitas iniciativas que podem ser desenvolvidas para a população em geral e não é só porque nós fazemos isto como uma forma de ajudar a população ou porque queremos estar em contato com a população. É porque nós ganhamos muito também de estar em contato com a população.
José Maria Pimentel
Sim. Lá está, ter contato com os doentes, que vocês não têm o que vocês normais, e antes disso com os clínicos que também, como tu dizes, até há pouco tempo também não acontecia tão frequentemente. Exatamente. Isso deve ser uma experiência interessante para um cientista, porque lá está, um clínico tem... Já tem um contato com essas... Um oncologista, não é? Quer dizer, trata sobretudo de um tipo de câncer qualquer, não é? É evidente que lida com alguma variedade, porque nem todos os pacientes têm as mesmas manifestações e o câncer não se desenvolve da mesma forma em toda a gente. Mas está circunscrito ali numa realidade concreta, não é? Portanto, não está a lidar. Imaginou diariamente com tentar perturbar o cancro dessa maneira mais fundamental. Mas que ao mesmo tempo, o facto de não lidar com isso, também lhe retira alguma imaginação. Não,
Maria Manuel Mota
é que cada vez mais o clínico também tem que ter espaço para pensar nisso. Porque vai pensar em soluções, que não vai ser o clínico sozinho, individual, mas vai ser aquela equipa clínica que está naquele hospital, que deve comunicar-se com outras equipas clínicas do mundo e, portanto, no fundo, o que para mim diz. Eu tenho que dizer que nos últimos dias vi uma série da Netflix, comecei a achar que seria um disparate ver, mas que adorei, ok? Tenho que dizer que é uma médica da Universidade de Yale, ok? Em que simplesmente escreve uma crónica para o New York Times há 15 anos que se chama Diagnostic, diagnóstico, ok? E portanto escreve diagnósticos estranhos, isto e aquilo de lá. Mas agora foi lançada para fazer uma série de episódios em que o conceito, e ela quis lançar isto para o New York Times, em que a ideia é que há diagnósticos tão estranhos que é muito difícil escrever um diagnóstico. E, portanto, obviamente aquela equipa que está ali a tentar ver aquela pessoa está ali aquela equipa. E nós sabemos que em muitas situações o próprio médico gosta que o doente vá ter uma segunda opinião porque a possibilidade é ser esta, mas não tem a certeza se pode ser esta e não está pensando nas possibilidades sozinhas. Então eu disse, por que não abrir o consultório para o mundo inteiro. Portanto, ela lança o diagnóstico que até agora não teve uma solução e abre pelos canais do mundo inteiro. E há desde pessoas da Austrália, obviamente aos Estados Unidos, à América do Sul, à Báfrica, que respondem. Dizeram-me, tive um paciente assim. Normalmente muitas destas coisas são as doenças raríssimas, que são coisas muito raras e que são muito pouco vistas e portanto os próprios clínicos não sabem exatamente, nunca viram algo parecido. Muitas vezes nestas doenças raras são o mesmo tipo de síndrome mas manifesta-se ligeiramente diferente nas pessoas e, portanto, nem parece ser a mesma coisa. Claro que, obviamente, os episódios que estão ali, o episódio 2 e o episódio 3, são episódios que têm uma solução. Exato, que acabam bem. Mas é... Eu acho que é
José Maria Pimentel
uma... Mas é uma grande ideia isso, porque é uma grande ideia. Eu acho que
Maria Manuel Mota
é Uma ideia maravilhosa e convido toda a gente a ver, que eu passei a noite passada a ver e achei super interessante. Como é que chama a série? Diagnóstico.
José Maria Pimentel
Diagnóstico. Eu acho que já essa cura no New York Times é muito familiar, mas a série não me
Maria Manuel Mota
fez me apanhar. É uma médica, agora não me recordo o nome dela, mas... Fica
José Maria Pimentel
já como uma das recomendações. Exatamente. O plano de saúde mental é um ótimo plano. Houve só um problema, é que ele nunca fez nada que ajudasse a implementar o plano.
Maria Manuel Mota
Estamos a violar todos os dias direitos humanos. A falta de apoio do governo para estes sítios mostra isso. As instalações são péssimas. Passava frio a tomar banho. Tinhas uma televisão e ficavas a babar, a olhar para lá e pronto. Desassossego em nova série Fumaça. São 13 episódios sobre saúde e doença mental em que tentamos ir das experiências pessoais à política, das promessas à prática. Estreia a 24 de novembro. Procura por Fumaça na tua aplicação de podcasts ou no link na descrição deste episódio.
José Maria Pimentel
Isto é pornográfico. É frio, cheira mal, está degradado, não tem nada. Olha, eu tenho a sensação, enfim, não que tu não me vais contrariar isto, porque tens interesses no jogo, mas eu tenho a sensação de que nós em Portugal somos especialmente bons nesta área, na área das ciências biomédicas, ou seja, temos boa investigação e, sobretudo, boa investigação se considerarmos o financiamento que temos. É verdade, não é?
Maria Manuel Mota
Assim e não, Ok? Portanto, eu vou dizer isto. Podemos ser muito melhores. Agora, não se faz omelete sem ovos. Hoje só estou a falar em ovos, mas é verdade. Nós não podemos querer ter um financiamento pequeno, errático e de repente querermos que tudo funcione. Não. Isso não vai acontecer. Agora, houve uma explosão nesta área e muitas outras áreas da ciência, da engenharia, muitas áreas. Por isso não vou falar das outras, mas não estou a achar que esta é especial ou é melhor que as outras, ok? Por isso vou falar desta porque é aquela que eu tenho melhor conhecimento. Mas nós temos vários institutos de investigação biomédica no país que são bastante bons, estão top e temos investigadores que podiam estar aqui, mas podiam estar em Harvard, podiam estar… mas, na média, ainda não estamos sequer como nós gostaríamos de estar, ok? Portanto, nós temos de ter esta noção. E os outros não param. E nem queremos que parem. Porque o que interessa é descobrir coisas para o mundo, não é? Nós não trabalhamos para Portugal. Nós trabalhamos para o mundo inteiro. O que é que Portugal tem a ganhar nós termos cá com a ciência a ser de ponta cá, muito. Porque se estes médicos aqui do Hospital Santa Maria e médicos de outro hospital de qualquer país tiverem acesso a novo conhecimento, vão tratar os seus doentes de maneira diferente, vão conseguir imaginar outras possibilidades. Portanto, Isso vai ter um impacto, não tenha a menor dúvida, na saúde das pessoas, na vida das pessoas, mais do que isso. É que se nós criarmos ideias novas, obviamente isso tem um impacto económico enorme no país. Ou seja, se nós tivermos ideias que desenvolvemos aqui, que criamos aqui, não só chega mais rapidamente às pessoas, mas, atenção, nós fazemos isto para os seres humanos, sejam eles de ponta de África, de Austrália, do Japão ou do Alasca, ok? Portanto, nós fazemos para que chegue a um ser humano. Tanto faz quem eles sejam, mas sem dúvida que um país, se eu fosse política, que tem que defender mais o lado nação, é óbvio que aqui estaria muito mais rápido, mas do que isso é que se nós tivermos novas ideias, que são mesmo novas e podemos vender ao resto do mundo, economicamente, podemos ter um impacto brutal. E, portanto, eu vou-vos falar, por exemplo, aqui de uma ideia que surgiu aqui no Instituto de Medicina Molecular, foi uma ideia criada aqui, um aluno de doutoramento, numa equipa do IMM, aluna O Daniel, a equipa é liderada pelo Bruno Silva Santos, que em 2011 descobriram que havia um grupo pequeno de células do nosso sistema imune, muito pequeno, menos de 1%, que tinha uma atividade antitumoral muito forte. Simplesmente tiraram-a para fora e o que eles arranjaram foi a maneira de a modificar de maneira a que ela se multiplicasse muito mais. Portanto, o conceito agora, e eu estou a explicar-te de maneira muito simples e obviamente devo estar a cometer alguns erros até porque nem sequer é minha área específica, mas a ideia é uma pessoa que tem um tumor, tira estas células, que não vão conseguir combater o tumor porque são ínfimas, mas faz um exército cá fora e injeta esse exército dentro
José Maria Pimentel
da pessoa. São as vacinas terapêuticas, não é? Exato,
Maria Manuel Mota
imunoterapia. Mas eles fizeram algo que está a ter um impacto brutal. Ele já está a ser testado neste momento. Foi já comprado. Eles iniciaram aqui uma empresa, venderam a empresa e já está satisfeita agora na Califórnia em seres humanos pela taqueda internacional. Estamos a falar de uma grande empresa. Obviamente, isto teve um impacto enorme para o IMM, um fator de enorme orgulho e ter começado como aluno de doutoramento, etc. Há algo que nós vimos isso como uma ideia fantástica, mas seria muito mais fantástico se tivesse acesso a estado nos doentes em Portugal também. Ao mesmo tempo que está nos outros, não quero que eu... Sim, claro, claro. Mas temos que ter esta noção que nós ainda nos falta fazer esse caminho todo. Dizendo isto, isto só vai acontecer também num ambiente e eu volto atrás. Porque as pessoas dizem, ah lá está, eles quando estavam a estudar isto, estas células, não estavam a estudar isto que fosse para o campo, eles é que viram que havia esta população muito pequenina, mas estavam a estudar estas células pelo ponto de vista biológico, porque o sistema imune tem essas células em quantidade tão pequena. E é isto o mesmo importante, é que estavam à procura de uma pergunta que não teve nada a ver, ou seja, isto foi
José Maria Pimentel
um arxivo que foi descoberto
Maria Manuel Mota
em 2011, 2012, que eles nunca imaginaram, sequer quando viram aquilo, que em 2022 iam estar na situação que estão agora. Sim. E portanto...
José Maria Pimentel
Sim, é um bom exemplo daquilo que falámos
Maria Manuel Mota
à parte. Exatamente.
José Maria Pimentel
Mas o que é que nos falta em Portugal? É o volume de financiamento ou é esse lado errático que tu dizes à bocadinha, que é uma crítica que estamos já ouvindo, Ou seja, uma certa inconstância e imprevisibilidade. Tudo.
Maria Manuel Mota
Ou seja, há um volume, eu costumava dizer, e estou em Portugal há 20 anos, eu vim grávida quatro meses da minha filha e a minha filha fez 20 anos este ano, portanto eu estou mesmo há 20 anos, portanto não dá para esquecer. E a verdade é que durante muitos anos defendi que o problema era a inconstância. Era simplesmente nós não sabermos com que linhas nos cruzamos, porque ou tanto há ou não há e depois umas vezes os projetos são em janeiro, outras vezes são em dezembro, outras vezes são em março. Quer dizer, há um ano que não existe tudo, tudo isso não ajuda a ter uma estratégia, a planear, etc. É terrível. Mas eu tenho que dizer que ao longo do tempo, eu e dizem assim, vamos nos organizar, porque depois começamos a pedir. Mas está a demorar tanto que tenho que dizer que agora é tudo. É porque senão perdemos mesmo o comboio, porque não estivemos. E eu faço parte dessa geração, que muitas vezes as pessoas veem como a geração Mariano Gá, que é, no fundo, termos tido a possibilidade de ir para fora, ver o mundo e trazer esse mundo para Portugal. Mas eu estou com 51 anos, não é? Portanto, se eu sou parte dessa geração, a nova geração tem que sempre ser de uma outra maneira, já não pode ser a mesma coisa. Nós já não podemos estar sempre com a cenourinha à frente e eu acho que há muita política da cenourinha à nossa frente. Para o ano é que vai ser, ou daqui a 5 anos é que vai ser? Não. É que tem que ser para o ontem. E, portanto, eu acho que nós temos de ser muito concretos, é preciso haver mais financiamento, esse financiamento tem que estar mais dirigido, A avaliação tem que ser muito, muito mais rígida e nós não podemos ter tudo em todo lado do país. Ou seja, nós temos muita noção de que há uma política de recadio. Nós só temos uma códea, mas se dividirmos esta códea em umas migalhinhas, toda a gente tem uma
José Maria Pimentel
migalhinha. É o que passa no ensino superior também, a geral.
Maria Manuel Mota
E eu acho que aí o que falha é que a migalhinha não vai servir a ninguém, porque nós vamos mesmo a morrer à fome.
José Maria Pimentel
Claro, e o peito. Os dados nutridos. Tens de investi-lo num melhor sítio. Até que tem maneira de avaliar qual é o melhor sítio.
Maria Manuel Mota
Exatamente. Portanto, isso tem que ser com, no fundo, um método rígido, mas vamos dizer uma coisa, não é preciso reinventar a roda, nós sabemos como é que ela afeta noutras partes mas não tem sucesso. E portanto, é criar. E muitas vezes, quando mudamos de governo, às vezes perguntam-me assim, mas preferias aquele sistema ou aquele? E eu já disse às pessoas, eu tanto me faço. Agora, vamos escolher um sistema e vamos mantê-lo até o avaliar e dizer se é bom ou não para mudar. Agora, nós não podemos estar sempre a mudar sistema.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Mas, por exemplo, tu achas que devíamos despolitizar a ciência, digamos assim, ou seja…
Maria Manuel Mota
Faz-se completamente. Eu acho que tem que haver um acordo. Nos próximos 50 anos o financiamento para a ciência tem que ser deste nível, que tem que ser ambicioso a fazer isto e é independentemente de quem são os governantes que estão lá à frente. E tem que haver um método como é que esse dinheiro é usado, ok? Tem que haver uma base, tem que haver um espaço, porque obviamente, então para que é ter um ministro da ciência se está tudo, o ministro é o mesmo ministro da ciência que está do sítio. Mas tem que haver uma base que é única e que está estabelecida e que nós sabemos que é essencial para que um sistema nacional de ciência e tecnologia exista. Essa base tem que lá estar. Os floreados, sim, aí cada um vem fazer um programa que gosta mais, isto e aquilo, sem dúvida, mas esta base tem que lá estar e isto tem que ser um acordo interpartidário, tem que ser um acordo, no fundo, ultracovidamental. Ou seja, no fundo tem que ser algo que é estabelecido e que aquela agência financiadora vai ter aquele volume de financiamento, que é dependente do PIB, obviamente se ficarmos de repente muito pobres ou muito ricos, também a agência é uma esquerda dependente disso num número real, ok? E que tem um evoluir. E esse evoluir tem que ser para nós estarmos, eu diria, para um país como Portugal, com a ambição que tem que ter Portugal, que eu acho que tem que ter ambição e tem que ter sonho, tem que ser acima da meta europeia. Para mim é tão simples quanto isso. Ou seja, eu acho que nós temos que ambicionar estar no pelotão da União Europeia e estamos na cauda da União Europeia naquilo que gastamos. Se dividirmos em 3 terços, nós estamos no último terço, ok? No que gastamos quer para capita, quer por PIB. Ok? E eu diria que nós temos que ambicionar estar no primeiro. Idealmente seremos a número 1, obviamente, mas temos que estar a ambicionar estar
José Maria Pimentel
no primeiro. Ou seja, mesmo proporcionalmente ao PIB, nós estamos no último terço.
Maria Manuel Mota
No último terço. Portanto, isso é bastante claro e É importante nós percebermos isto. E portanto, se me perguntarem assim, mas nós fazemos bem em relação àquilo que temos? E o que é que isso interessa para o mundo? A ciência nós não estamos a fazer
José Maria Pimentel
para... É um bocadinho aquela coisa miserabilista. Eu não faço isto
Maria Manuel Mota
para se desfazer a minha mãe que fica muito contente que tenha uma filha cientista.
José Maria Pimentel
Apesar de lhe trocarem o nome. Exatamente. Havia alguém no Twitter eu peço desculpa agora não lembro do nome no Twitter de perguntas para a nossa conversa que perguntava sobre a possibilidade da presidência ou direção, não sei mais qual era o nome da FCT ser, lá está, não política ou seja, não de nomeação política e ser uma espécie de concurso internacional, como existe, bem, na verdade não existe muito quando não existem outras áreas, mas existem em alguns países. Tu achas que isso fazia sentido?
Maria Manuel Mota
Sim, eu acho que a FCT tem que ser independente do governo, mas para isso tem que haver dois orçamentos, tem que haver um orçamento. Portanto, a FCT é a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e é uma agência de financiamento da ciência, não é? Tem
José Maria Pimentel
que ter recursos próprios.
Maria Manuel Mota
Tem que ter recursos próprios, porque senão, lá está, o que é que vai uma ministra ou um ministro da ciência fazer? Dizer assim, estou cá a fazer o quê? Que se os outros já sabem o que é que vou fazer. Por isso é que tem que haver dois orçamentos. Um orçamento que é a base, que são o que são os projetos e essa pessoa pode exigir, essa pessoa tem que ser mesmo independente. O diretor do NIH, ok? Não sei se chama diretor ou presidente do NIH. O NIH é o National Institute of Health dos Estados Unidos, portanto é digamos uma fundação para a Ciência e Tecnologia, mas só para a área da saúde e para as ciências digamos biomédicas ou da biologia, não é? Portanto, o diretor vai todos os anos ao Senado explicar porque quer aumento, porque quer aumento, é uma pessoa ambiciosa e portanto quer que o seu orçamento seja aumentado e ele vai ao Senado explicar porque é que é esse aumento e é grelhado durante um dia inteiro para saber, portanto, é que está preparado e tem que estar... E nós temos de ter uma pessoa deste tipo, temos de ter uma pessoa que está preparada para ser grelhada e não apenas uma pessoa que simplesmente executa, digamos, um plano governamental. Eu acho que isso tem que ser duas estruturas diferentes.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Bom, aí estamos a uma distância bastante grande, não é? Nem audiências dos ministros do Meados Tempo, quanto mais disso. Mas sim, era algo que fazia todo o sentido. Lá está, não só por criar essa impedência financeira e a capacidade de criar políticas a prazo, não é? E não ter essa inconstância e essa falta de transparência. E depois também terias que ter... Lá está, a ciência vive num mundo global, não é? Portanto, inevitavelmente terias que ter práticas que são semelhantes às que existem em outros países. Os objetivos podem ser diferentes. Lá está, pode haver uma prioridade que varia de país para país, mas as práticas, as regras têm que ser comuns. Exatamente. E qual é a relação entre, a nível de financiamento, por exemplo, para um cientista nesta área, qual é a proporção entre o financiamento que vem do próprio país, VFCT, e o financiamento que vem de programas europeus ou financiamento que vem de fundações nacionais ou internacionais?
Maria Manuel Mota
Só para a gente entender lá em casa, para ser mais simples, nenhum cientista em Portugal, se estiver dependente do financiamento que vem de Portugal, consegue ser competitivo a nível internacional. Temos de ter essa noção. E isto não pode ser assim. Ou seja, o financiamento nacional teria que permitir que simplesmente as pessoas sejam competitivas. Porque se não for assim, então não vale a pena ter financiamento basal. Claro que os nossos governantes nos dizem, mas nós temos que atrair dinheiro para fora. Claro que temos, mas também nós, todos os nossos laboratórios, devíamos ter dois orçamentos. O basal, que nos permite ser internacionalmente competitivos, porque se não formos internacionalmente competitivos, mais mal fechar o laboratório. Temos de ter essa noção. Nenhum cientista trabalha para Portugal. Não faz sentido haver um cientista que trabalhe para Portugal. Isso não existe já no século XXI. Tem de trabalhar para ser competitivo a nível internacional. Portanto, tem de ter um financiamento basal que permite ser competitivo a nível internacional e depois tem que ter uma ambição enorme para buscar todos os financiamentos internacionais para fazer os celoreados e quem sabe receber o prémio Nobel, fazer tudo. Mas tem que haver uma base que é mesmo forte E isto é o que falha no nosso país. Ou seja, nós vamos à União Europeia, mas a Alemanha vai à União Europeia, a França vai à União Europeia. Mas os cientistas na Alemanha conseguem ser competitivos a nível internacional com o financiamento alemão. E portanto, dizendo isto, o financiamento de cada país não é apenas um financiamento público, mas o público tem que ser a locomotiva. Num país como os Estados Unidos, que as pessoas consideram capitalista, liberal, isto e aquilo lá, o financiamento público é a locomotiva. Porque se o Estado apoiar e tiver estruturas fortes, os privados vêm a seguir, porque acreditam naquilo. Porque se desenvolvem coisas. E também se desenvolve a filantropia. Porque claro que se nós formos fortes, se tivermos instituições fortes que estamos a fazer bem, as pessoas começam simplesmente a confiar e nós precisamos que os portugueses confiem em nós. E
José Maria Pimentel
a filantropia é um bocado daqueles floreados a que estou-te a referir, não é? É mais direcionado. A Fundação Melinda Guetz decidiu apostar na malária. Exatamente. Eles não têm decidido.
Maria Manuel Mota
Exatamente. Com o mundo privado nós vamos ter que aprender também a trabalhar com eles. Atenção, não é? E podem até apostar muito em ciência fundamental, mas têm que ser trabalhados para perceber porque é tão importante e têm que acreditar na instituição. Porque ninguém vai dar dinheiro numa instituição que não acredita. Sim, está na comunha. Exatamente. Nós temos de ter essa noção e isso é mesmo muito importante para nós também podermos fazer o nosso trabalho. O público tem que ser a locomotiva e os outros vêm atrás.
José Maria Pimentel
E Há um desafio, segundo sei, na investigação fundamental atualmente e tem um pouco até a ver com esta coisa dos privados que é a dificuldade em atrair doutorados para esta investigação fundamental mesmo. E eu tenho curiosidade em saber, se confirmas esse diagnóstico e quais é que tu achas que são as causas porque fala-se muitas vezes de no fundo as pessoas poderem ir ganhar mais pelo privado fazer até algumas coisas que muita gente possa achar mais graça por serem mais trendy do que trabalhar no público, que para todos os efeitos é aquilo que estamos a falar. Há quem fala também, muitas vezes, das próprias peses da estrutura, das pessoas terem alguma dificuldade em fazer investigação. Tu sentia, não sei como é que Portugal está nesta realidade, Mas é que é uma tendência
Maria Manuel Mota
nesta área. Não, é uma tendência internacional. Nacional sentimos muito, claro. Nós já tínhamos mais dificuldade em atrair pós-docs, pessoas que já fizeram doutoramento. Nós chamamos de pós-docs, pós-doutoramento. E podem ser muitos níveis. Eu sou uma pós-doc. Na exceção, o verdadeiro da palavra é que é o parasita, não é? Que pode ser, pois é diferente. Obviamente os doutores já são grupo líder, mas eu sou uma pessoa que já fez doutoramento e que estou a trabalhar em investigação pós-doutoramento. Agora, o que nós consideramos pós-docs, geralmente são aquelas pessoas que acabaram de fazer doutoramento e que estão a fazer dentro de uma outra equipa, não são os líderes da equipa, estão a fazer simplesmente a sua investigação, já de uma forma semi-independente, mas não são as pessoas que lideram, digamos, a equipa. Portanto, têm, digamos, uma pessoa acima delas e que é o chefe da equipa. Isso é o que nós chamamos para os doutorados, e que são muito importantes, porque são umas pessoas que já têm bastante experiência, fizeram doutoramento, no fundo aprenderam, não é? Já passaram por isto, não é? Aprenderam a fazer as questões, aprenderam o método, aprenderam tudo isto, e são peças fundamentais. Todas as pessoas são peças fundamentais numa equipa, mas estas são peças fundamentais numa equipa. O problema é a insegurança disto, porque se estas pessoas são isso, temos que dizer que é um período de transição. Ou seja, é um período em que a pessoa já não é estudante, já fez o seu doutoramento e simplesmente está a trabalhar num projeto, mas é um tempo limitado e deve ser visto como um tempo limitado porque a pessoa não pode ficar à eterno na casa porque a pessoa deve ter outras ambições e a pessoa vai ser chefe de grupo, vai seguir a academia, vai para a indústria, vai fazer isto, vai fazer aquilo. Em Portugal sempre tivemos um problema muito grande porque depois nós não temos uma indústria que absorva este tipo de pessoas. Nos Estados Unidos há muitas oportunidades para além de fazer o mundo, digamos, académico, do que isto. E eu não acho que é tanto trabalhar no público como no privado. O IMM, atenção, o IMM é uma instituição privada, sem fins lucrativos, mas é uma instituição constituída do direito privado e, portanto, nós podemos contratar as pessoas, tal qual como uma empresa. Não somos uma empresa, somos uma associação, não é? Sem fins lucrativos.
José Maria Pimentel
Sim, mas tem essa autonomia de contratar. Exatamente.
Maria Manuel Mota
Agora, nós não pretendemos, quando contratamos estas pessoas, que as pessoas ficarem para sempre. O que nós notamos é que as pessoas estão a ficar fartas desta insegurança. E talvez haja uma mudança de mentalidade. Às vezes eu sinto, eu já estou a falar com os meus colegas, as pessoas começam a dizer isto assim, nós estamos a parecer os banhos, como antigamente eu achava que os meus pais falavam das gerações seguintes, não é? Porque nós é que vivemos assim e estes agora não estão preparados para viver assim.
José Maria Pimentel
Não têm fibra, não é?
Maria Manuel Mota
Exatamente, e portanto, eu acho que é normal que as gerações pensem de maneira diferente, mas há todo um lado aqui que as pessoas... É verdade que às vezes eu sinto-me um bocadinho chocada das pessoas que querem tanta segurança no seu emprego, mas as pessoas estão livres de querer essa segurança, ok? Eu sempre gostei de ter a liberdade. Eu sempre gostei. Eu fui para Londres, depois fui para Nova Iorque. E essas coisas assim. Mas não te sentias insegura porque não sabias... Não! Quer dizer, achava que tinha dois dedos de testa, não é? Pronto. E, sei lá, às vezes também um bocadinho na ilusão. Mas achas sempre que ia arranjar emprego e ia fazer coisas. Tinhas
José Maria Pimentel
perspectivas, não é? Mas achas que isso tem a ver com isso? Que as pessoas terem menos... Quer dizer, não terem essa perspectiva, ou seja, achar que aquilo pode ser um beco sem saída?
Maria Manuel Mota
Às vezes as pessoas acham que é um beco sem saída e em Portugal tornou-se um bocadinho um beco sem saída muitas vezes porque, vamos pensar, eu tive equipas às vezes que chegavam a ter 20, 25 pessoas. Agora, aqui vai muito mais pequeno, é cerca de 10 pessoas. Não que sejam 10 pessoas, que é um número mais fácil de perceber. Só há uma grupo líder, que sou eu. Portanto, se todos eles querem ir fazer o seu laboratório de malária em Portugal, não existe, porque não vai haver 10. E quando eu digo 10, ao fim de 5 anos são outros 10, ao fim de outros 5 anos já são outros 10, não é? Portanto, isto não vai existir. Nós não fazemos o treino destas pessoas para estas pessoas irem estar malária e irem fazer isto ou fazer aquilo. Nós ensinamos as pessoas e treinamos as pessoas para as pessoas aprender a responder a perguntas, a fazer as perguntas, a responder as perguntas, a encontrar soluções. E este eu considero que o treino científico é o melhor treino que uma pessoa pode ter. Encontrar soluções para o problema, e isso serve para qualquer coisa da nossa sociedade. Não acho que uma pessoa tem que ter. E sempre foi assim. O instituto onde eu fiz o doutoramento em Londres fez 100 anos de existência, ainda antes da pandemia. E eles queriam fazer um filme, isto e aquilo, e simplesmente reunir as pessoas que estiveram em diferentes épocas. Portanto, obviamente havia muita gente. E eu fui-me a reunir com o grupo que no meu ano entraram todos para fazer doutoramento que eram 30. E desses 30, só eu e outra que éramos cientistas, grupo líder no mundo. Ou seja, todos os outros estão a fazer coisas diferentes. Há uns que estão a fazer muito mais dinheiro que eu. Porque um é um advogado famosíssimo em Londres de patentes. É fazer um volume imensurável. Advogado? Advogado de patentes. Depois a seguir fez a advocacia. Mas eu tenho uma grande amiga minha que é, que fez o curso comigo de Biologia no Porto e que agora é uma advogada famosa de patentes nos Estados Unidos, em Washington. Mas, por exemplo, uma ou outra deste grupo era a diretora na altura do Museu de Ciência em Londres e havia pessoas em todo o lado do mundo. Portanto, nós estamos a falar que, obviamente, as pessoas têm que encontrar soluções diferentes. E é verdade que as pessoas pensam assim, mas para isso eu vou fazer um doutoramento, que estou quatro anos, será o mínimo, provavelmente cinco ou seis anos a fazer um doutoramento, Depois vou fazer um postdoc de mais 5 anos, para depois ir fazer uma coisa completamente diferente. Então, nós temos que compreender. Eu nem sequer nunca me questionei sobre isso. Eu fiz porque naquele momento era aquilo que eu me apetecia fazer. Não estava a questionar o que é que eu vou fazer daqui a 10 anos. Eu tinha um sonho, o meu sonho era descobrir qualquer coisa super importante, mas não tinha aquela ideia de qual é a carreira que eu quero fazer. E sempre tive a noção, para mim era simples, que eu tinha noção, se eu não fizer isto, eu vou fazer outra coisa qualquer e de certeza que dá para comer. Portanto, enquanto eu puder fazer aquilo que eu gosto mesmo de fazer, eu vou fazer. Quando não tiver essa possibilidade, vou fazer outra coisa que talvez goste menos e aprenda a gostar. Mas é verdade que as novas gerações têm essa preocupação. No caso, por exemplo, dos alunos de doutoramento, que são pagos por bolsas, o que é que significa a bolsa? A bolsa é uma ajuda, portanto, não é um salário, as pessoas têm um contrato na mesma Constituição, um contrato de 4 anos, mas têm, por exemplo, em segurança social só tem uma compartilhação voluntária e, portanto, é menor, não recebem 14 meses, só recebem 12 meses, portanto, é uma ajuda para o trabalho que fazem durante o período de tempo que estão ali. E eu, por exemplo, sou super a favor que os alunos de outramento recebam para a bolsa, porque é livre, a bolsa é deles. E se eles não estiverem contentes com aquele grupo, simplesmente a bolsa é-lhes entregue para eles poderem se movimentar para outro sítio. Eu pessoalmente sou a favor. Mas é muito interessante porque nós temos aqui um meeting, um encontro, que temos com todas as pessoas do instituto, duas vezes ao ano, que nós chamamos de town hall. E o town hall meeting é exatamente como antigamente se fazia, em que o chefe da cidade, o rei ou qualquer coisa assim, o governo presenta, vem e simplesmente ouve todas as questões das pessoas. E num deles, os estudantes disseram mesmo que achavam que a direção não os defendia, porque estão a fazer um movimento que acham que devem ter contratos, que não os defendia nesse sentido. E eu expliquei a minha visão, porque é que eu não defendi é nesse sentido, porque acho que simplesmente a bolsa dá...
José Maria Pimentel
É mais liberdade. Não são estudantes, é desliberdade.
Maria Manuel Mota
E eu acho que nesta altura eles têm que ter liberdade, mas eu tenho que dizer, a discussão foi acesa, foi ótima, foi acesa mas foi ótima, foi super saudável, foi... E há vários alunos a expor as suas razões, isto e aquilo que é outro. E é verdade que eu ouço coisas que na minha geração, a pessoa que eu era, porque há anos na minha geração já havia pessoas diferentes, as pessoas estarem preocupadas aos 20 e tal anos se vão ou não comprar uma casa, etc. Para mim fez-me confusão porque eu nem sequer pensava nisso. Porque o que eu queria era ter a liberdade de passar dali o mais depressa possível quando acabasse o tratamento para ir fazer outra coisa qualquer. Mas eu tenho que assumir que nem todos primeiro pensam como eu e estando numa geração que no global a geração vai pensar diferente da minha geração.
José Maria Pimentel
Mas até seria desprezo pensar o contrário. Normalmente até se diz que nas gerações anteriores as pessoas davam esse passo mais cedo do que agora.
Maria Manuel Mota
Pois, mas há tantas que me davam esse passo mais cedo. Era uma noção de precariedade maior. Ou seja, também faz sentido porque ali eu era... Eu e as pessoas da minha geração que estavam a fazer ciência era a primeira vez que havia bolsas, portanto era aquilo que tínhamos e adorávamos aquilo, não adorávamos o conceito e às tantas vezes, mas assim, não porque é que eu agora, eu trabalho aqui de manhã à noite, às tantas às fins de semana, etc e não hei-de receber um contrato, ou ter a mesma segurança social e contar para anos de trabalho como outra pessoa qualquer, ok? É um argumento completamente válido e portanto eu não estou contra ele. Eu como velha, e tenho que me pôr nessa posição, tenho dificuldade a entender. O que é normal, os velhos têm mais dificuldade de entender as coisas do novo geração. E eu tento entender, tenho dois filhos nisto, mas é verdade, é um pouco neste sentido que às vezes eu me questiono como é que vamos fazer ciência, porque a base da ciência, o base de chasing questions, então se fizéssemos ciência fundamental neste lado, tu precisas ser mesmo uma pessoa livre. Mas as pessoas dizem, mas eu não me sinto condicionado por ter um contrato. E às vezes não sinto, mas eu acho que há todo um lado de conceptual
José Maria Pimentel
em que
Maria Manuel Mota
é necessário ser livre. Mas também se questionam, me questionam e confrontam mesmo e dizem, então mas agora porque a pessoa já é um grupo líder já não precisa dessa liberdade? E eu percebo isso tudo, mas a minha liberdade é muito menor agora do que era com um aluno de doutoramento. Aluno de doutoramento, se eu quisesse mandar o meu chefe a outra parte e mudava de laboratório, eu acho que podia fazer isto. Eu agora não posso fazer isso porque eu tenho a responsabilidade, neste momento, de 10 a 12 pessoas à minha responsabilidade, em que os salários deles dependem de mim. Portanto, é normal que com a idade essa responsabilidade aumente e a liberdade diminua, ok? Tem que continuar a haver liberdade de pensamento, etc. Mas há uma responsabilidade que aumenta. Mas que eu acho que se nós dermos cedo demais aos estudantes podemos cortar asas. Mas é verdade que eu acho que esta falta de postdocs no mundo inteiro, já as revistas como a Nature e a Senses já estão a pôr comida de reais. Este problema, portanto, é um problema concreto. Mesmo laboratórios de prémios novas que tinham sempre uma lista de espera de dois ou três anos, começam a ter dificuldade em ter pessoas. Portanto, estamos a falar de algo que é concreto. Porquê? Porque há menos pessoas a querer isto. Há mais pessoas a querer ter um emprego, a querer ter algo que tem ainda mesmo impacto. Não quer dizer que estas pessoas sejam menos ambiciosas. Não estou a falar disso de uma forma preconceituosa. Acham que é demasiado arriscado dedicarem anos de vida a isto. Eu, na altura, não vi como um risco porque eu estava a adorar fazer isto. E eu acho que é isso que esta nova geração vê diferente.
José Maria Pimentel
E haverá outro lado de não falta de ambição, mas muita ambição pelo facto do privado, por exemplo, da indústria, se ter tornado mais atraente do que era antes. Sem dúvida, claro. Ou seja, no fundo, por oferecer possibilidades de investigação que antigamente não eram possíveis.
Maria Manuel Mota
Mas atenção que não é só a área financeira. É verdade, quando eu estava a dizer que não podemos pôr os ovos todos no mesmo cesto, etc. Trabalhar numa área aplicada também é atrativa. Às vezes nós, como cientistas fundamentais, sentimos que estamos a competir de forma desleal, os outros é que estão a competir com a nós de forma desleal, com os que fazem algo aplicado. Porque se tu és jovem e tu queres resolver os problemas do mundo, pensas eu quero resolver os problemas do mundo já amanhã, estás a perceber? E portanto, para que é que eu vou investir 20 anos da vida que ninguém me dá a garantia que eu vou sequer influenciar nada no mundo, ok? E portanto, há um lado que, na cabeça, se nós educarmos os jovens para algo que tem que ser rápido, que, digamos, o retorno daquilo que fazem tem que ser imediato e rápido, é óbvio que fazer ciência fundamental não é atrativa. Temos de ter esta noção. E fazer ciência mais aplicada é muito mais atrativo. Portanto, ir trabalhar para uma empresa, isto e aquilo, com outra, por surpresa. Ah não, mas eles estão a fazer algo que daqui a cinco anos vai estar nas pessoas. Portanto, eu sinto-me parte dessa máquina. Obviamente a ciência aplicada muitas vezes não quer dizer que a pessoa descobriu nada fundamental, lá está, por isso, não é? Mas está a fazer algo, inovação, etc, para que isso chegue às pessoas, que é muito importante. Atenção, eu não estou a menesprezar.
José Maria Pimentel
Claro, está a resolver problemas concretos. Mas mais uma vez eu
Maria Manuel Mota
volto a dizer, nós não podemos ter os ovos dos Estados Unidos no sexto e como costumamos dizer, nem todos gostamos do amarelo. O importante é que a Ásia continua a haver seres humanos com 20 e tal anos que continuem a gostar de desafios que são difíceis, que costam de liberdade, etc, etc, e que não queiram só um retorno mais rápido, ok? Mas atenção, eu consigo compreender, e eu tenho duas filhas, uma com 20 anos e outra com 16, que é óbvio que às tantas é muito mais simples pensar isso, mas provavelmente também seria para mim, eu é que às tantas isso nem sequer estava lá à minha disposição. Exato. Então eu não estou a falar mal desta geração, vejo-se a minha. A minha não era melhor em nada do que esta, porque tenho outras qualidades muito melhores. Só que no meu caso, a ciência fundamental também nem sequer estava lá. Surgiu, atropessei e aproveitei a oportunidade, ok? Agora, tendo a escolha, eu provavelmente também teria ido para outro caminho, sei lá.
José Maria Pimentel
Pois, claro, na maior parte das vezes é assim, tem a ver com a escolha existir ou não. E
Maria Manuel Mota
portanto, o que eu digo aos meus colegas é não vamos estar em conversas aqui que não ajudam ninguém e que estamos aqui simplesmente a conversar sobre o século dos anjos e a dizer tão mal do mundo e da nova geração e não sei o quê, nós temos é que ser mais atrativos, temos que nos vender melhor e fazer as pessoas sonharem, porque atenção, eu acho que a maior parte das pessoas novas tem ainda o sonho com eles e Gustavo adorava sonhar E, portanto, nós temos é que fazer com que estes jovens acreditem no sonho e que queiram sonhar connosco. E, no fundo, isso depende de nós. Depende até mais de nós do que deles.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Eu diria até que a tendência nas gerações mais novas até é mais por uma via mais imaterial do que aquela coisa mais à moda antiga do valor seguro, do benefício imediato. Hoje em dia vê-se muito mais as pessoas seguirem vias que não são óbvias e que não têm, e muitas vezes até não pagam tão bem, mas que dão mais propósito. Mas
Maria Manuel Mota
mais uma vez, para isso temos que ter instituições muito fortes. O Instituto de Medicina Molecular tem que ser, e outros, portanto estou a falar deste porque obviamente é este que eu dirijo, tem que ser uma instituição mesmo forte, que seja super atrativa. As pessoas têm que querer vir trabalhar para cá. Eu quero sonhar para o Instituto de Medicina Molecular e eu quero ir à procura, não é de pokémon, eu quero ir à procura de perguntas. E eu acho que é isso que também... Nós temos que trabalhar essa imagem e não é uma imagem enganadora, é uma imagem baseada no mundo real e para ser no mundo real nós temos que ser uma instituição forte. Eu tenho que ser capaz destes alunos quando vêm cá, ainda estou na universidade, isto e aquilo, tenho que ser capaz de lhes mostrar, dizer olha daqui saíram alunos que agora trabalham ou na Austrália, ou fazem isto, ou fazem coisas diferentes, ou dirigem o sistema do Museu de Londres, ou de Singapura, ou seja de onde for, ou estão em África a fazer, a desenvolver um novo instituto ou fazer isto e aquilo, eu tenho de lhes mostrar que nós somos capazes de formar essas pessoas, porque eles têm muito mais opção de escolha do que eu tinha na minha altura E, portanto, eu tenho que ser atraente o suficiente para eles queremres ver-se ganhar connosco.
José Maria Pimentel
Sim, sim, exatamente. Olha, para terminar, havia outro assunto que eu gostava de falar contigo, que tem a ver com críticas, que hoje em dia se tem a falar muito ao sistema de publicação e avaliação científica, ou seja, no fundo aquilo que é o veículo para a formação do conhecimento científico. E eu, vendo a coisa de fora, parece-me que há pelo menos dois tipos de críticas. Uma tem que ver com o acesso à investigação, aos resultados da investigação científica muitas vezes estar por trás de uma paywall, a pessoa ter que pagar, e é quando muita dessa investigação é financiada por dinheiros públicos, tem o chamado movimento Open Science para desbloquear esse acesso e há iniciativas do Comissão Europeia nesse sentido e agora recentemente, até no mês passado, houve até uma proposta do governo americano, da Casa Branca, também nesse sentido. E depois há outra crítica mais profunda, parece-me, que tem a ver com o tipo de incentivos que existem à publicação. Por exemplo, existem... Hoje em dia diz-se muito que existem, e isto é em todas as áreas da ciência, não é só nesta área, que existem muitos incentivos que a pessoa está sempre a publicar. Fala-se também às vezes de incentivos, parece-me que é uma contradição, mas é para não divulgar logo resultados, para maximizar o resultado em termos de reputação daquele cientista ou daquele grupo de cientistas, daqueles resultados e aqui já é uma crítica mais profunda, porque aqui já afeta diretamente a produção do conhecimento científico, enquanto o primeiro é que tem mais que ver com a população em geral que está a pagar por aquilo e não tem acesso àqueles resultados. O que é que tu achas disto tudo?
Maria Manuel Mota
Eu tenho que dizer, são aspectos bastante distintos. O sistema é um sistema que não funciona de uma maneira justa e ética. Ou seja, para as pessoas perceberem lá, o que nós temos são revistas científicas de muitos níveis diferentes, no sentido de grupos diferentes económicos a desenvolvê-los, alguns se tornaram grupos gigantescos, em que simplesmente foram capazes de desenvolver aquele sistema e no fundo tem um trabalho quase gratuito, claro que tem editores que são pagos, À frente destas revistas e vamos falar, por exemplo, de uma revista que as pessoas em casa já ouviram falar, a Nature, publicar na Nature. E a Nature tem editores lá que são pagos, mas como é que um artigo é anónsente na Nature? Este editor lê o artigo e diz, eu gostava de ter isto aqui ou não, ok? Mas este editor não percebe, tem uma experiência naquela área, foi cientista, etc, mas não percebe tudo. Então o que é que pega? Pega e escolhe três pessoas anónimos, ou seja, nunca os autores vão saber quem é que eram essas pessoas, ok? E escolhe que são da área...
José Maria Pimentel
O editor sabe, não é? O editor sabe o que se
Maria Manuel Mota
escolhe, ok? Mas não diz aos autores quem são. E estas pessoas anonimamente comentam o artigo e dizem se vale a pena ou não publicar aquele artigo. Estas pessoas são... Peer reviewers. São peer reviewers, é revisão pelos pares. Estas pessoas são cientistas, que são nossos colegas. Nós não sabemos quem eles são, quando eu submeto um artigo eu não sei quem são, mas eu revejo para a Nature. E portanto, há pessoas que submetem lá e eu revejo para eles. Eu faço a revisão gratuitamente. Portanto, eles geralmente tomam 10 a 14 dias para eu fazer uma revisão de um artigo e eu faço essa revisão gratuitamente. Mas imaginamos que tudo corre bem e o artigo é aceito, na Nature as pessoas têm que ter a noção que mais de 95% dos artigos são rejeitados, Mas se o artigo for aceito e por isso há um grande trabalho de imensos pessoas no mundo inteiro a rever os outros artigos todos que não são, claro que esse trabalho não é perdido porque os autores vão ver e às vezes a pessoa diz, este artigo está ótimo mas não é ao nível da Nature, e pensando na Nature tinham que descobrir mais isto, qualquer coisa assim. Portanto, as pessoas trabalham para outras revistas, ou fazem mais trabalho isto aquilo aquilo outro, portanto, há todo este lado. Vamos supor que corra bem, os três autores dizem isto é um artigo que deve ser aceito, nunca é assim tão simples, nunca é aceito à primeira, é tipo, pode ser aceito, mas se eles fizerem mais isto, aquilo, aquilo outro, hoje em dia é muito assim e há muita gente que critica isso, que é demasiado longo todo o processo. Eu tenho artigos que às vezes são submetidos e só dois anos depois é que são publicados. Portanto, há um período de dois anos.
José Maria Pimentel
Como a LB7, que seja revisóis e tal. Exatamente. E,
Maria Manuel Mota
simplesmente, o artigo acaba por ser feito e, provavelmente, neste momento, para publicar na Netshare, se a pessoa quiser que esteja aberto toda a gente do mundo, todas as pessoas possam aceder ao artigo, a pessoa tem que pagar, estamos a falar, entre 10 mil e 13 mil dólares pelo artigo. Em próprio? Sim, a pessoa que submete tem que pagar, para ser open access, ou seja, esteja acessível a todos. Mesmo que não seja acessível a todos, custa, sei lá, 3 mil euros, 2 mil e 3 mil euros para ser um artigo de anéis. Portanto, estamos a falar de uma coisa, enquanto a verdade é que A maior parte do trabalho foi feito por revisores que não receberam absolutamente nada.
José Maria Pimentel
Ok? Pronto.
Maria Manuel Mota
E se não for acessível a todos, ok? Por exemplo, nós aqui assinamos a Nature e temos acesso à Nature, mas há milhares e milhares de revistas que nós não podemos assinar todas, porque nós pagamos para ter acesso à Nature, para nós aqui os nossos investigadores terem acesso à Nature, estamos a falar de milhares de euros que pagamos por ano, para nós podermos que os nossos investigadores, como estamos a falar, muitos, muitos milhares de euros, dezenas de milhares de euros por
José Maria Pimentel
ano que pagamos. Ou seja, desculpa, só para recapitular, o investigador paga para publicar, enquanto peer reviewer não recebe nada e o instituto em que o investigador trabalha paga para ter acesso.
Maria Manuel Mota
Portanto, nós estamos a falar de um sistema que obviamente quando olhamos para isto diz isto é só ridículo e claro que até há parábolas no Twitter, não sei o que mais, de filmes que as pessoas fazem a dizer qualquer pessoa de fora que vê sobre isto, é tipo... É tipo uma amiga dizendo, olha eu escrevi um artigo, é pá fixe! O amigo não é cientista, pá que fixe! Não sei o que é, pá! E o que é que vais... Ah não vou receber nada, eles é que vão publicar o meu artigo. Tu não recebes nada de público? Não, não, eu até tive que pagar. Pagaste? Wow! Então mas vai estar acessível a toda a gente. Ah não, as pessoas têm que pagar para ler. É mesmo me dar um tiro na cabeça. Quem é que criou este sistema? O sistema, Eu acho que tem que se repensar, mas já pensamos em milhentas maneiras diferentes de fazer isto e não é simples porque estamos a falar de milhares e milhares de pessoas que se pagares à hora àquelas pessoas que fazem revisão, ao preço que elas custam, também estamos a falar de milhões e milhões. O sistema não é simples. Por outro lado, há todo um lado, e aí é o teu segundo assunto, que é tu devias estar muito mais acessível. Open access, em que os resultados mal saiam do laboratório, deviam estar acessíveis. E nós fizemos essa experiência agora com o Covid, em que temos o que nós chamamos de bio-archives, para o lado da Biologia, para os outros lados das ciências daventuras, em que são arquivos em que assim que eu tenho o artigo escrito o meu aluno acabou de fazer todas as experiências. Eu acho que estão bem feitas, eu tenho o controle do laboratório e publico ali E está acessível a toda a gente. Nos bio-archives está acessível a toda a gente. O problema é que não foi peer reviewed. E eu acho que isto funcionaria há uns anos atrás, em que a quantidade de informação era muito pequena. Agora, com toda a franqueza, eu quero que haja um trabalho, antes de eu ir ver, que seja revisto por outros, porque senão eu não faço outra coisa senão ler artigos, porque há muita informação ali. Portanto, há todo um lado aqui que é difícil de dizer... Ou seja, é sem dúvida Teoricamente uma ideia fantástica, mas é uma inundação de informação tal que nós não conseguimos ter acesso à informação como deve ser. E eu, pessoalmente, gosto muito da revisão por partes. Portanto, eu acho que, como às vezes nós dizemos, a democracia é um sistema maravilhoso, mas não é perfeito, não é assim tão maravilhoso, é o melhor dos sistemas menos bons. E, portanto, eu acho que há muito espaço para melhorar, mas ainda ninguém foi capaz de vir com uma ideia que seria fantástica. E já houve muitas tentativas. Criou-se a PLOS, Public Library of Science, é um grupo que se criou que é sem fins lucrativos, mas eu também para publicar lá, atenção que eu tenho que pagar 4.000, 5.000 euros para publicar um artigo, São todos open access, portanto ninguém, tudo que está lá está acessível a todos. Claro que as pessoas dizem assim, todos devíamos ir publicar lá. Portanto, se é isto, e para quê que eu vou pagar 11 mil ou 13 mil euros, porquê que eu não pago 4 mil? Porque o problema é que há uma certa, por um lado, vaidade, a verdade é que se criaram marcas e as pessoas querem vestir a marca nesta. E isso faz diferença nas carreiras. E por exemplo, uma pessoa que está na minha fase de carreira, eu podia dizer, eu quero lá saber agora se eu vou publicar plovos. E há várias experiências dessas, vou só publicar na AMBO, há várias, umas europeias, outras mais americanas, e há várias experiências deste tipo. E eu podia dizer, eu vou só publicar nisto. Mas será que eu posso ser egoísta o suficiente que vou arriscar a carreira dos meus alunos, altamente os meus pós-docs nisto? Porque eles quando forem para um determinado local, obviamente vai depender...
José Maria Pimentel
Deveram na equipe de quem, claro.
Maria Manuel Mota
E simplesmente onde é que publicaram, não é? E se publicaram no Nature vão estar num ranking à frente do que se publicaram no PLOS. E as pessoas dizem assim, mas não devia ser assim, porque nós somos estadoscientistas e nós devíamos ir pela qualidade da ciência e não por onde é publicado, sem dúvida. Mas mais uma vez a informação é tal que se eu for júri e tiver 18 propostas para avaliar o currículo daquelas 18 pessoas, eu não vou ler os artigos de cada pessoa. Eu tenho que ser o que os pares me dizem sobre aquele artigo.
José Maria Pimentel
Mas essa reputação tem uma base real? Ou seja, os peer reviewers da Nature são melhores? Ou seja, são pessoas que...
Maria Manuel Mota
Não são. São as mesmas, porque eu vou tanto para o blog do que para a Nature, ok? Só que às tantas eu sou...
José Maria Pimentel
Então é completamente prestígio.
Maria Manuel Mota
Sim, por um lado. Mas não é só atingir um certo standard. Há o standard e há os floreados todos. Ou seja, a Nature publica descobertas à partida que são mesmo excepcionais. Ah, ok. Tudo é novo, mas há coisas excepcionalmente novas. Ou
José Maria Pimentel
seja, o standard não é da qualidade da revisão, é do impacto
Maria Manuel Mota
da descoberta. Exatamente. E, portanto, isso pode ser... Agora, dizendo isto, se nós formos a ver, e as estatísticas já estão feitas, uma pessoa que trabalhe em Harvard tem uma probabilidade incomensurávelmente maior do que uma pessoa que trabalhe no IMM para ter um paper aceito na Nature. Claro, claro, claro. Porquê? Porque quem está lá são seres humanos. E até vamos esquecer do outro lado, uma pessoa que se chama Maria Manuel Mota tem muito mais acesso a publicar um artigo na Nature do que uma pessoa que está a começar a sua carreira e que fez um doutoramento num laboratório que ninguém conhecia.
José Maria Pimentel
No limite tu podes fazer blind, podes apagar essa informação toda. Pronto, Então já se propôs
Maria Manuel Mota
isso, em que se fizesse o blind. O problema é que nós todos sabemos mais ou menos da nossa área quem é que está a fazer o quê.
José Maria Pimentel
Isso sim! E
Maria Manuel Mota
há experiências dessas, há revistas que já têm isso etc. Mas vamos a franks. Como há revistas agora que dizem que os revisores se quiserem podem dar o seu nome. Portanto, os reviewers ainda não deviam ter. Nós tivemos um artigo, por exemplo,
José Maria Pimentel
publicado na Nature, em
Maria Manuel Mota
que o reviewer pôs o nome. Mas é assim, eu, por exemplo, recuso-me a pôr o nome, porquê? Porque eu não vou pôr o nome de quando sou negativa. E às vezes sou negativa justamente, mas não vou pôr nome. Eu só vejo o nome dos meus reviewers quando eles me aceitaram o paper. Mas
José Maria Pimentel
isso não pode ser assim, não é? Exatamente! Ou seja, pôres o nome, tinhas que assumir que punhas o nome sempre. Exatamente! Não precisavas dar a pessoa e posso escolher, não é? Mas
Maria Manuel Mota
depois vais criar inimigos, não é?
José Maria Pimentel
Claro, pois, pois, pois. Porque é
Maria Manuel Mota
bom ser anónimo porque é para tu estares à vontade a dizer, não é para estares à vontade a dizer o mal dos teus inimigos, é para estares à vontade a dizer que cientificamente há aqui uma falha. E sem teres que criar um inimigo no campo.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Claro, claro, claro. Portanto,
Maria Manuel Mota
o sistema teoricamente seria bom. Os seres humanos fazem no menos bom.
José Maria Pimentel
Claro, claro. E aqui isso rapidamente se torna muito complexo, não é? Porque tu tens aqui várias camadas, não é? Tens a camada de lucros potencialmente excessivos dessas editoras, tens a camada que eu não acho que seja desprovida de sentido delas publicarem só resultados com mais impacto e isso eu acho que tem algum sentido, porque lá está num mundo em que a informação é quase infinita faz sentido que exista esse ranking, não de qualidade da investigação, mas de impacto da investigação, não é? É
Maria Manuel Mota
porque a Nature tem lucros incríveis, Eu não posso dizer os números porque não os
José Maria Pimentel
sei. Sim, aquilo é um modelo de negócio incrível.
Maria Manuel Mota
E isso é que, obviamente, é o mundo em que vivemos, mas eu acho que aí é que está. Há uma maneira de fazer isto, só que eu também não sei se as instituições querem. Tudo o que fosse financiado com dinheiros públicos não poderia ser publicado em
José Maria Pimentel
instituições com fundos lucrativos. A proposta do governo americano julga que é isso. É basicamente isso. Porque
Maria Manuel Mota
eles têm uma revista super bem sucedida que não tem fins lucrativos, que é a Science. E também é caríssima, atenção, não é barata, mas não tem fins lucrativos, ou seja, o dinheiro que ganham serve para financiar outro tipo de estruturas e projetos. A science pertence à American Association of Advanced Science. É uma associação sem fins lucrativos e, portanto, todos os lucros que fazem, que são milhões, são aplicados a favor da ciência. E portanto pode existir isso. Porquê que são caros? Porque também há um conceito que tem que ser caro para ser bom. Portanto, acho que também há aqui um lado, talvez, e esta é uma opinião apenas pessoal, acho que nem nunca discuti isto com ninguém e, portanto, está a surgir agora. Porquê que a science há de ser cara se não tem fins lucrativos? Em vez de investir noutras coisas, não. Mas eles querem investir noutras coisas, eles querem um modelo de negócio que investa noutras coisas, que faça nome noutras coisas, não é? E que não seja apenas publicar uma revista. E, portanto, fazem o modelo de negócio que os outros fazem.
José Maria Pimentel
Sim, sim, claro, claro. E também, para além desse viés a que tu dizes há bocadinho, dessas revistas privilegiarem inevitavelmente investigadores com mais carreira, universidades mais prestigiadas, quer dizer, institutos mais prestigiados, também existe um viés ao nível do tipo de investigação, ou seja, de influenciar em investigação num determinado sentido porque se considera, claro está, porque essas revistas ou os editores dessas revistas consideram que elas têm mais impacto do que outras.
Maria Manuel Mota
Estão interessados, sim. É muito falado sobre isso porque os editores vão aos meetings, não é? Portanto, as pessoas começam a achar o que é que eles estão interessados. Exato, exato. É assim, mas eu estou um bocadinho longe desse centro, ok? Eu vim como independente para Portugal, estou a fazer em Portugal. Mas é verdade que nós já tivemos aqui editores a visitar o IMM, mas não são tantos, mas eu sei perfeitamente que o editor vai à árvore de determinado grupo e tem certos contatos mas o investigador também muitas vezes influencia o editor a dizer esta área é que vai ser uma área de sucesso. Mas é promisco esta relação, há atenção porque há um conflito de interesses que há de um lado que
José Maria Pimentel
há de outro. Mas portanto, para fechar o tempo, claramente não há uma panaceia, mas o que é que tu achas que pequeno espaço é que se podia dar para melhorar o problema? Onde já disseste, não é, que era tornar a investigação que fosse financiada com dinheiros públicos, tinha que ficar em open access. Tinha
Maria Manuel Mota
que ficar em open access, mas que as pessoas não podem pagar, porque é uma coisa diferente. É porque eu tenho grandes que me dizem que têm que ser em open access, só que eu pago os 11 mil ou 13 mil euros para ter
José Maria Pimentel
acesso. Ah, o próprio investigador, claro. Exatamente.
Maria Manuel Mota
Portanto, é proibir, não pode ser para uma instituição privada com lucros. Agora, não sei se o mundo está preparado para isso, mas aí talvez.
José Maria Pimentel
Claro, O problema é o impacto que isso pode ter no sistema, porque a pessoa pode criticá-lo mas as coisas não estão... Se é difícil mudar estão lá a fazer alguma coisa. Exatamente. Essa é que é a grande dificuldade destas coisas. Bom, Maria, excelente conversa. Muito obrigada. Tão excelente que vai bastante longa. Para terminar, que livro é que nos traz? Eu não faço ideia.
Maria Manuel Mota
Olha, eu vou escolher o último livro que li, que li agora nas férias. É um livro bastante longo, mas que eu acho que vale a pena. Mesmo que não se leia todo até o final, mas eu acho que a maior parte das pessoas vai ficar agarradas e quer ler todo até o final. Que se chama The Empire of Pain. Ainda não está traduzido para português, ok? E é sobre, no fundo, uma família, a família Sackler, e que esteve muito envolvida, estavam várias, mas esta foi uma das principais e uma das originais envolvida na crise dos opioides nos Estados Unidos. Mas começa muito antes disso. Começa com três irmãos que foram todos médicos e especialmente com o mais velho, que era, digamos, o patriarca. Hoje em dia é uma palavra feia e que deve ser feia, ok? Que deve ser feia, mas o patriarca, digamos, da família, daqueles três irmãos que influenciam os outros, é a história dele e de como nós podemos ver a característica de uma pessoa que tem imensas características positivas, outras negativas, mas é realmente um livro que nos agarra porque numa pessoa tem tantas características que são incríveis e que admiramos e por outro lado tem algo que obviamente está ali errado e que eticamente está sempre borderline e que é difícil condenarmos isto e aquilo, mas que depois determina tudo de uma forma com consequências tão brutais para a população mundial e para toda uma geração que ficou completamente independente destas drogas antidóxicas baseadas em opioides, mas é mesmo fascinante de ler. Portanto, não é um romance que eu trago, mas foi o último livro que li e são 400
José Maria Pimentel
páginas. É um romance, mas é uma história. É uma
Maria Manuel Mota
história de vida e de várias vidas, de muitas vidas e é mesmo fascinante de ler.
José Maria Pimentel
Boa, excelente. Olha, obrigado.
Maria Manuel Mota
Obrigada a eu, foi um prazer estar
José Maria Pimentel
aqui. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45grauspodcast.com. Selecione a opção apoiar para ver como contribuir, diretamente ou através do Patreon, bem como os benefícios associados a cada modalidade.