#129 Pedro Bernardo - Dos segredos da edição de livros aos hábitos de leitura em Portugal

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Horáus. Muito obrigado aos novos mecenas do podcast, Carlos Pires, Ricardo Duarte, Luís Machado, Ricardo Trindade, muito obrigado também à Ana Leal, à Cláudia Gomes Batista e ao João Pedro Travassos. Aproveito também para anunciar que vem aí mais um Festival Pods, o festival de podcast que se tem realizado, se bem se lembram, nos últimos anos já, graças ao Márcio Barcelos que teve a ideia e, mais do que a ideia, teve a capacidade, ou tem tido a capacidade, de pôr em prática esta ideia. O festival vai realizar-se em Novembro, em Lisboa. Podem encontrar mais informações em www.podos.pt onde podem também votar no 45° para o prémio do público de podcast do ano. Portanto, duas razões para visitarem o site, para ficarem a saber mais sobre o festival e, de caminho, se acharem que merece, para votarem no 45°. E com isto vamos ao episódio de hoje. Este episódio tem uma história longa, de quase dois anos, porque mais ou menos desde o momento em que comecei a escrever aquilo que viria a ser o livro Política a 45°, dei por mim como uma curiosidade crescente e um acumular de dúvidas e questões em relação ao processo de edição de um livro, as especificidades do mercado de edição em Portugal, comparativamente com outros países, e os nossos hábitos de leitura, ou falta deles, em comparação com outras geografias. Agora que eu próprio tive uma experiência imersiva enquanto autor de um livro, e portanto que passei por este processo, fui levado a pensar ainda mais nas suas questões e surgiram ainda mais dúvidas e por isso decidi que estava na altura de trazer este tema ao 45°. O convidado do episódio que vão ouvir é o editor Pedro Bernardo. Escolhi-o pela sua longa experiência enquanto editor, sobretudo na área da não-ficção, Primeiro nas edições 70, depois no Grupo Almodina e mais recentemente na Eprimatur Bookbuilders. Aliás, foi este o principal motivo que me levou a convidar o Pedro, porque ele foi um dos criadores desta editora, ou editoras, porque na verdade são duas, juntamente com Hugo Xavier e João Reis. E esta Eprimatur Bookbuilders é claramente uma das editoras independentes nascidas nos últimos anos mais interessantes e com mais potencial. É uma editora especial por vários motivos, desde o facto de funcionar e ter se conseguido tornar sustentável com base num modelo alternativo de crowdfunding, ao facto de ter capas não só bonitas mas originais, como nós falamos durante a conversa, bem como ainda tendo em conta o tipo de livros que publica, que tem uma grande ênfase naquilo que a equipa editorial classifica como obras essenciais que foram capazes de mudar mentalidades para o bem e para o mal, como os próprios assinalam. Esta foi uma conversa muito esclarecedora para quem se interessa por este tipo de temas, na qual percorremos uma série de tópicos desde o papel de um editor, às várias etapas no processo de edição de um livro e aos seus vários intervenientes, passando pelas especificidades do mercado editorial e livreiro em Portugal e pelos hábitos de leitura dos portugueses em comparação com outros países. Espero que gostem e até ao próximo episódio. Pedro Bernardo, muito bem-vindo ao 45 Grós. Obrigado pelo convite.
Pedro Bernardo
Olha, o que é que faz um editor? Qual é o trabalho de um editor? Simplificando e por duas partes. Na acessão geralmente portuguesa, um editor é alguém responsável pela seleção editorial de títulos de uma editora. Portanto, passo aqui a redundância. Escolhe os seus títulos com base em catálogos estrangeiros ou com base em propostas de autores que apresentam originais para leitura e apreciação. Essa é a versão mais comum. Se analisarmos o ponto de vista do editor do inglês, aí já é alguém que recebendo um original de ficção ou de não-ficção, tem uma determinada intervenção no texto. Pode dizer ao autor, olha, esta parte não faz sentido, retire isto, acrescente isto, há aqui sugestões de vocabulário e, portanto, tem uma intervenção no texto que em Portugal não é muito comum, embora haja alguns editores a fazer esse trabalho e a fazê-lo bem. Mas, portanto, eu diria que na sessão anglo-saxónica o editor tem uma intervenção no texto, tem um contacto muito próximo com o autor. Na sessão, enfim, latina, se memes lhe assim, é alguém responsável pela gestão e pela escolha dos títulos para construir um catálogo de ficção, não-ficção, misto, etc. Ou
José Maria Pimentel
seja, no mundo anglo-saxónico, essa pessoa será o publisher.
Pedro Bernardo
Na nossa seção de editores, está mais próximo do publisher, exatamente. O editor é alguém que pega no texto, mexe, diz ao autor olha crescente isto, este passo não é bem explícito e portanto tem uma intervenção muito marcada no texto. Há um exemplo curioso, eu acho que ele está disponível online, o TS Elite, a determinada altura, entregou o manuscrito do Wasteland e pediu ao Ezra Pound que lhe fizesse uma espécie de editing, revista e portanto há páginas inteiras com uma cruz em cima do Ezra Pound. Portanto, o Ezra Pound funcionou ali como uma espécie de editor à inglês. Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
Eu apanhei uma história, agora não me lembro de quem era, mas era muito parecida com essa. Há vários casos. Depois tinha sido republicada a versão não editada, digamos assim. Não tinha nada a ver.
Pedro Bernardo
Há sempre aquela tentação de pegar nas coitas, de ver o que é que ficou de fora, mas portanto o editor à inglesa tem esse papel muito interventivo, que na cultura latina, devo dizer, da minha experiência, até às vezes não é bem recebido. Os autores, enfim, por definição, são ciosos dos seus textos. Mas era
José Maria Pimentel
exatamente isso que eu te queria perguntar, porque Eu tinha essa impressão, até, enfim, de experiência própria e a minha dúvida era precisamente essa. É se nós não temos esse editor com o papel mais interventivo sobre o texto por uma questão de escala do mercado, ou seja, a escala ser pequena e não comportar essa função, porque é uma função que exige tempo, exige formação e uma pessoa dedicada àquilo. Ou se é uma questão cultural, se é das pessoas não levarem a bem e portanto nem se quer ser algo que é desejado pelo autor.
Pedro Bernardo
Eu diria que é mais uma questão cultural. Nós temos editores a fazer esse trabalho, por exemplo, a Maria Rosário Pedreira. Exato, pois, eu já ouvi o exemplo dele. Na Leia, grande parte da função dela é analisar originais que lhe chegam e depois ela tem um trabalho de proximidade com os autores, novos autores e não só, mas principalmente novos autores, em que trabalha, o gorila o texto, aconselha o autor E há outros editores a fazer isso. Agora, eu diria que, por exemplo, o Lobo Antunes é menos suscetível de aceitar algumas sugestões de alteração aos seus textos do que um autor em início de carreira.
José Maria Pimentel
Mas é curioso que eu até ouvi o Lobo Antunes como exemplo de alguém que aceitava essas alterações vindo da editora dele que entretanto morreu, se houve um erro. Ele é conhecido por não aceitar
Pedro Bernardo
revisões, não é? O que ela disse é que se o senhor eu faço, ele diz que sim, mas depois fica tudo na mesma. Ah
José Maria Pimentel
é? Ah, pronto, não sabia, não
Pedro Bernardo
sabia. Mas o estatuto do Lobão de Tunas, pá, já lhe permiti, portanto, outros folguedos no processo. Mas da minha experiência, faz parte, quer dizer, é natural que os autores sejam ciosos dos seus textos e, portanto, tenham receio em querer mudar. Mas eu acho que tem muito cultural.
José Maria Pimentel
Mas é curioso porque, enfim, a ficção e a nonficção são bastante diferentes neste aspecto, não é? No sentido em que é mais argumentável que na ficção deva prevalecer a vontade do autor, porque tu podes ter uma idiosincrasia que te torna diferente, e que tem um público para ela mesmo que possa implicar escrever de uma maneira que não é perfeitamente linear ou que, no limite, até vai contra determinadas regras. Na não-ficção é um pouco diferente. Mas ainda assim, sobretudo no caso da não-ficção, acho que há um benefício grande que se perde. Eu tenho sempre a sensação, quando leio livros de não-ficção portugueses, ou seja, de autores portugueses, eu fico sempre com a sensação de que faltou ali um editor, muitas vezes. Ou seja, de que faltou alguém que explicasse que há um encadeamento melhor das ideias, que há um determinado ponto que não se compreende, por exemplo, ou que é redundante, ou seja, há uma série de coisas que um bom editor percebe e que depois no limite, e acho que por exemplo no mundo da enclausaxónica, às vezes até poderia-se já estar numa fase em que tu passaste para outro ponto em que está demasiado formulaico, não é? Ou seja, os livros parecem um
Pedro Bernardo
bocado ser do mesmo, mas
José Maria Pimentel
são inegavelmente muito bem escritos. A maior parte dos livros de não-ficção bons, digamos assim, e que vendem bastante mesmo para um público mais exigente, são bem escritos. Quer dizer, raramente me acontece ter que voltar atrás para perceber o que é que a pessoa queria dizer. Concordo. E são apelativos ao mesmo tempo. Concordo.
Pedro Bernardo
No exemplo nacional, eu diria que há aqui um segundo fator que também pode contribuir para isso, que é a dimensão do mercado e uma questão de custo.
José Maria Pimentel
Pois, isso é o que estava a pensar.
Pedro Bernardo
A intervenção e esse grau de detalhe, de acompanhamento, requer tempo e a verdade é que as editoras não têm muita gente. Como todas as empresas do tecido nacional, enfim, ou pelo menos a maioria, os recursos são escassos e têm que se distribuir por uma série de coisas e há textos que obrigam a leituras atentas, meses e, portanto, um editor pode não ter tempo para dedicar um ou dois meses a um ensaio ou a um romance. Aqui a distinção é indiferente. Na questão dos romance ou a ficção, enfim, há ali coisas mais de construção romanesca, arquitetura, não é, não se vai tanto ao estilo. Quer dizer, eu vi, não sendo, eu fui essencialmente, e sou essencialmente um editor de não-ficção, Mas dos colegas com quem falo, geralmente é isso. Não se vai tanto à ideia, mas vai-se por vezes. Há construção romanesca, dizes, olha, veja lá, esta personagem aqui chama-se Manel, mas há três páginas, era Maria. Há Aquelas coisas que o autor está embranhado no texto e, portanto, pequenas incongruências. É que
José Maria Pimentel
são mais objetivas
Pedro Bernardo
também, não é? Exatamente. E uma leitura de fora vê as coisas sempre com outros olhos, necessariamente. Isso faz parte do processo. E ter
José Maria Pimentel
alguma coisa a ver, porque há aqui um mistério no meio disto tudo, não é? Porque falavas agora da questão da escala, no fundo do mercado poder comportar esse custo. Mas a verdade é que se publica muito em Portugal, pelo menos é a sensação que eu tenho. E que já, enfim, já ouvi isto comentado por várias pessoas. Sim, sim, é verdade. Saem muitos livros. É verdade. Saem, saem. O que parece um bocadinho contraditório. A explicação possível é que como não se sabe quais é que vão correr bem, lançam-se muitos, mas também não se vai investir muito em nenhum deles, o que também pode correr o risco de ser um círculo vicioso, não é? Porque se não se investe muito também
Pedro Bernardo
tenderão a estar menos trabalhados. É verdade, enfim, há vários fatores. Primeiro, a edição é por definição um negócio sem barreiras à entrada. Portanto, eu monto uma editora num T2, quer dizer, escolho os títulos, é tudo subcontratado, paginação, tradução, revisão, impressão, armazém, logística, tudo. É um negócio sem barreiras, portanto, e há ao lado muito romanesco das pessoas que gostam de edição e há muitas pequenas editoras que funcionam sem o objetivo do lucro. Há muitos casos desses e, portanto, isso significa que há muitas editoras a publicar. Algumas só com dois, três títulos por ano, outras com cem, duzentos, trezentos, quinhentos, portanto, é um mercado muito diversificado. Mas, de facto, publica-se, eu não sei se é demasiado, quer dizer, mas a verdade é que há muita armazém cheio, portanto, a norma mais ou menos internacional, ou assim aquela regra mais ou menos da experiência, em termos internacionais, é que em cada 5 romances publicados, 2, 3 dão lucro. Portanto, e esses terão de cobrir os prejuízos dos outros e, portanto, é um negócio complicado, mas, como digo, por um lado tem este apelo, este atrativo romanesco da edição, dessa edição, aquela aura da cultura, há muita gente movida por isto e depois há a parte mais industrial e mais profissionalizada do setor, mas há editoras que publicam 500 títulos por ano.
José Maria Pimentel
Curioso esse número que tu deste, 2 a 3 quintos dos livros publicados, há mais ou menos um limiar, alguma heurística em termos de limiar de números vendidos, a partir dos 500, por exemplo, já dá lucro. Eu vi uns números, em certo ponto, alguns... É
Pedro Bernardo
tudo função dos custos. Posso ter uma edição de 500 exemplares de dar lucro e posso ter uma tiragem de 2000 em que não ganhei. Mas que custo é que entrou? É o custo do papel, que na próxima hora aumentou, não é? Papel, tradução ou não, revisão ou não. Revisão tem sempre ou não? Há editoras que não revêm os livros. Deixam aquilo a cargo dos
José Maria Pimentel
autores. Ah, é sempre tu.
Pedro Bernardo
Eu dispenso de representar nomes, mas sei capaz de não resultar muito bem. Há casos desses, portanto, não tem. Mesmo com revisão, já é o que é muitas vezes. Exatamente, não tem o custo de revisão, mas portanto, tradução, se tiver, revisão, design de capa, impressão e depois armazenamento, logística e os custos de estrutura do próprio negócio, quer dizer, há sempre ali uma margem que tem de ser imputada. Portanto, no caso desta crise do papel, quer dizer, as contas são fáceis de fazer. A edição, ao contrário de outras indústrias, não pode imputar indefinidamente o aumento dos custos no preço final. Porque há um teto para os preços. Eu posso pôr um livro à venda por 40 euros. A risco é que ninguém o compre. Isto significa que este aumento vai comer a margem do negócio. E não sei se isto para muitos editores é sustentável. Já nem digo a médio prazo. Editores que já tenham, por exemplo, as margens muito cortadas. Portanto, estamos a falar, em alguns casos, de 20, 30% de aumento do papel. Nós, por exemplo, deixámos de fazer livros cartonados. Eu dei um exemplo, no nosso blog eu tenho um... O que é que são livros cartonados? São livros de capa dura. Porque se o papel aumentou 20 a 30%, o cartão, em alguns casos, aumentou 50%. Portanto, tudo isto nós temos um texto no blog em que eu explico as contas que eu traduzi. Um livro que nós fizemos em novembro do ano passado, se fosse feito hoje, em custo de produção, e neste caso o aumento era só papel e cartão, custar-nos-ia mais 50%. Pois é uma diferença muito grande. Os ovos aumentaram 50%, mas o produtor consegue fazer repercutir esse aumento no preço. A edição tem... Mas
José Maria Pimentel
achas que não? Quer dizer, no limite... Não, porque há um preço, ponto 1, não é um banho de primeira necessidade. Há ali um momento em que as pessoas... A procura é menos rígida. As pessoas
Pedro Bernardo
que já dissem que acham que o livro é caro. Enfim, podemos falar disso mais à frente. Hoje, não até. Em alguns casos têm razão, mas há uma explicação para isso. Mas o preço do livro não pode aumentar indefinidamente. Ele tem um teto. Se eu pegar um livro numa livraria, um livro com 400 páginas, se me pedirem 30 euros, muito provavelmente eu não o compro. Agora, para poder acumular este aumento todo, em teoria, eu teria de aumentar mais 2, 3 euros e isso não é, em muitos casos, não é possível. Sim, sim, sim. Não é porque aquilo que
José Maria Pimentel
está a fazer não é o meio de primeira necessidade, por isso a tua procura é menos rígida do que noutros bens. E, aliás, até um caso interessante aí, que sempre me tinha fascinado, há determinados livros técnicos, técnicos no sentido académicos, não é bem técnico, não é no sentido de serem livros de determinada cadeira, no sentido de serem livros académicos. Não estou a falar, senhor, de livros com fotografias e papel especialmente espesso ou com acabamento especial, não são livros completamente banais, mas académicos e que muitas vezes se apanha, sobretudo nos estrangeiros, a 100, 150 euros. E eu sempre me tinha interrogado por isso, até que me explicaram porque é que isso acontece. É porque, precisamente, eles são um pouco sensíveis à procura e, portanto, há sempre ali as universidades, as bibliotecas, que vão comprá-los e, portanto, comprar o preço que estiver e o restante público praticamente não compra. Portanto, eles compensam-lhes ter aquilo, aquele valor que não faz qualquer sentido, e as outras pessoas não compram ou então têm maneira de aceder através do autor, quer dizer, um público tão restrito gera-se
Pedro Bernardo
aparente paradoxo. O núcleo comprador são as bibliotecas dos institutos e das universidades, Portanto, o preço é feito para aquele universo, que é um universo, enfim, com poucas restrições orçamentais, a partir daí tudo o que vier, e às vezes vem alguma coisa, portanto, é sempre bem-vindo. Pois é, isso é. Aliás, não é por acaso que os maiores grupos editoriais do mundo são da área do livro técnico.
José Maria Pimentel
Exato. Por exemplo,
Pedro Bernardo
Elsevier é um colosso planetário. Exatamente, porque o que eu estava a pensar são precisamente... Valtter's Clover, holandês, salvo erro, pelo menos na primeira encarnação, no direito, portanto, são grandes grupos, precisamente por isso que aquilo liberta também uma margem substancial.
José Maria Pimentel
Olha, e voltemos atrás, como é que surge um livro normalmente? É através do autor ou através da editora? Acho que está uma dúvida que muita gente deve ter. Duas. Quero dizer, são duas hipóteses, mas qual é que é mais comum?
Pedro Bernardo
Duas formas. Por exemplo, eu posso escolher com base em catálogos de editores estrangeiros, escolho, contacto o editor estrangeiro, diz, olha, nós estamos interessados em fazer a edição portuguesa deste título. Mas é um livro que já existe, não é? Exatamente. Quando ele não existe, desde o Zuma ou aparece um autor com uma proposta, diz, olha, eu tenho aqui um livro sobre o assunto X, ou o próprio editor vai ter com o autor A, B ou C e diz, olha, eu queria que escrevesse sobre isto. Mas qual é que é, na não ficção, por exemplo, qual é que é mais comum que tu expresses? O mais comum é aparecer alguém com o manuscrito e depois, enfim, o editor olha para aquilo, analisa, já nos conta a mim e outros colegas, alguém que chegue com uma ideia. Eu gostava de fazer sobre isso e que era um respaldo. Portanto, alguém que lhe diga assim, senhor, o nosso caso, a nossa história de hétero, do Diogo Noivo, foi precisamente ele que nos contactou e disse, eu tenho esta ideia. Diz, olha, Diogo, nós gostamos muito, sim, senhor, avance, assinamos um contrato e ele pôs-se a escrever o livro. O livro existia na cabeça, era uma ideia e portanto...
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, sim. Claro, exatamente. No meu
Pedro Bernardo
caso veio da editora, mas foi isso também de início, não era livro nenhum. Não, não, não. Acontece, muita gente... Era uma ideia, sim. A editora contacta alguém, qualquer que seja a área, culinária, fotografia, enfim, é irrelevante. Contacta alguém e diz, olha, quer escrever sobre esse assunto? E a pessoa diz que sim ou não. Mas o mais comum é aparecer um autor com o original, a proposta, fazer uma proposta de edição. Sim, sim.
José Maria Pimentel
E nós temos, em Portugal, há muito a tradição do scout, não é? Da pessoa que vai do olheiro, não sei como é que isto se traduz, não é? Não, não. Geralmente... De alguém que está, julguei-me a função, é alguém que está à procura de autores e que vende esse serviço à editora, no fundo, não é?
Pedro Bernardo
Eu não conheço, pode haver, mas eu não conheço. Acontece às vezes, é autores que contactam as editoras e depois a editora pode reconhecer determinado mérito naquele original e presumir que atrás daquilo outros virão e assine, por exemplo, a 3, 4, 5 títulos. E o autor fica amarrado, entre aspas, contra atualmente. Portanto, os próximos a escrever estão reservados para aquela editora. Mas há casos, por exemplo, de editores que publicaram quatro obras de um determinado autor e aquilo não vendeu. E ele muda de editora, publica um quinto e é um best-seller.
José Maria Pimentel
Ah, é assim? Acontece. Acontece. Algum exemplo
Pedro Bernardo
que tocou? Juro que aconteceu com a Dulce Maria Cardoso, se a memória não me falha. Acontece, quer dizer, não há uma explicação. Não é necessariamente fruto do mal trabalho do editor anterior, não é necessariamente fruto de um trabalho excepcional do novo editor, às vezes há ali uma conjugação. O tema, por exemplo, um tema que há 5 anos não te seria a ninguém, mas agora é uma coisa oportuna, tem mais leitores, pronto.
José Maria Pimentel
E tu já há um bocado, já te deste uma pista nesse sentido, mas eu imagino que nem todos os autores sejam fáceis de gerir. Que características é que tornam mais
Pedro Bernardo
difícil ou mais fácil a tua experiência? Para um editor, não é? Os autores são um espelho da natureza humana, como nas outras ediçes. Há bons e há maus, há boas pessoas, há más pessoas. Mas há padrões? Ou seja... Não, não. Quer dizer, É natural, o único padrão que eu diria, nem sei se lhe chamaria de padrão, é que são, e eu percebo, são ciosos do seu texto. E voltando atrás, culturalmente tem alguma resistência a que se lhe mexa no texto. Mas falando com as pessoas, explicando, Na maior parte dos casos as pessoas aceitam, agradecem, mas há casos em que não. Raros, mas há casos em que não. Mas não há, quer dizer, é um espelho da natureza humana, enfim, estamos a falar de autores, podemos estar a falar de canalizadores, giletes fredistas, é natureza humana, portanto há boas pessoas, más pessoas, mas eu percebo que tem resistência, há que se mexer no texto, porque o texto é uma criação intelectual e, portanto, é natural que as pessoas sejam ansiosas desse mesmo texto. Há textos, por exemplo, em que o editor praticamente não mexe. Coisas muito bem feitas acontecem, há outros em que aquilo dá mais trabalho. Eu lembro-me há uns anos, ainda estava na edição 70, e apareceu lá uma autora com um texto daquilo, que tinha a ver com pedagogia, era uma coisa com interesse, mas ela aparece com 600 páginas. O assunto, senhor, a nós interessar-nos ia, mas isto é demasiado grande para aquilo que o mercado consegue comportar e pagar. Ai, mas eu não tiro uma virula ao meu texto. Senhor, então, lamento, mas a nossa reunião acaba aqui. Não valia a pena continuar. Ela já estava, de tal forma, pré-condicionada, a não aceitar nada. Aquilo não iria correr bem. Iria ser uma coisa muito antagónica, confrontacional, que não interessa a ninguém. Mas isto, enfim, como digo, é a exceção do que eu sei. Geralmente as pessoas aceitam com maior ou menor resistência, mas aceitam e aquilo acaba.
José Maria Pimentel
E às vezes também há um viés também de, lá está, da natureza humana que a nossa área interessa-nos muito mais do que aos outros, não é?
Pedro Bernardo
Portanto, nós achamos que tudo aquilo é essencial. Claro, exatamente.
José Maria Pimentel
E isso também pode criar um problema até na comunicação. Eu Tenho sempre a impressão que em Portugal há pouca tradição de comunicar para fora da nossa área, sobretudo se for uma área especializada, académica, e portanto as pessoas têm dificuldade em soltar-se até desse jargão. E depois também a própria gramática às vezes não ajuda, porque digamos que é pouco direta muitas vezes, e isso torna difícil quem não estiver habituado a isso. E aí eu acho que os editores, eu falava disto há bocadinho, acho que os editores podem ter um papel importante precisamente a fazer essa quase conversão e muitas vezes o livro pode ter uma boa matéria-prima, mas resultar completamente impenetravel para quem está a ler ou então masseca à falta de melhor expressão.
Pedro Bernardo
Eu vejo isso mais nos textos que vêm da academia. Sim, pois, exatamente. Sim, sim, era isso que eu estava a referir. Na ficção, do que me vai chegando em conversas com colegas que trabalham e como o próprio sócio, o Xavier, que tem o pelouro, enfim, chamamos assim da ficção de editora, o que eu vejo é autores mais novos, se eu tivesse que apontar uma falha, entre aspas, é a falta de vocabulário. Isso nota. Curioso. Nota. Nota-se, enfim, já não... E o nosso padrão já não é aquele hino, quer dizer, mas nota-se, em muitos casos, uma falta de vocabulário. Isto na ficção. Na não-ficção, no ensaio, vejo que muita coisa que vem da academia vem com uma sintaxe muito colada à sintaxe anglo-saxónica e eu atribuo isto à necessidade de ter que produzir conteúdo científico em inglês, para publicação em revistas estrangeiras, etc. Noto que a sintaxe está muito aproximada do inglês E depois noto, e mais uma vez uma coisa mais cultural, enfim, de alguma escola francesa, que é as pessoas confundem complexidade ou ininteligibilidade com profundidade de pensamento. Exato. Não são necessariamente sinónimos. É isso, É isso, é isso. E, portanto, nesse aspecto, os anglo-saxónicos têm uma tradição mais clara. A escola francesa, enfim, de que nós somos em parte. Sim, sim, absolutamente. E a ideia dos tem... Há ali assim um... Há um culto da opacidade. Exatamente. E aquilo, a nota de rodapé, eu recordo-me há anos de um texto que me chegou, aquilo tinha que ver com estética. Estética, educação, e aquilo era de um doutorado. Não havia duas linhas sem uma nota de rodapé com uma citação. Portanto, aquilo na prática o que era? Aquilo do próprio não tinha nada, eram só ideias dos outros, quer dizer, não... Isto não chega. Sim, sim. E volta a dizer, de um doutorado, já não era de alguém a início de carreira.
José Maria Pimentel
Não, não, mas aí o doutorado funciona ao contrário. Mas, portanto, aquilo não... Essa cultura de reverência pela...
Pedro Bernardo
Tudo aquilo estava estribado em ideias dos outros, quer dizer, Agora do próprio não havia ali nada. Eu já não sei quem é que me contava, estava até a esta conversa
José Maria Pimentel
com alguém recentemente. Acho que até era depois já temos combinado esta gravação, ou seja, não aconteceu por acaso. E essa pessoa já não sei quem era que me estava a contar que estava num livrosco de direito, precisamente, e essa altura chegou a uma página que era só nota de rodapé. Era um fim de capítulo que já só tinha nota de rodapé.
Pedro Bernardo
No direito acontece muito. Aliás, o direito é, na academia, eu diria que é o pior caso. Um livre direito a passo é ineligível. O problema é que aquilo depois extravasa para a legislação, para a produção de legislações. As leis não são claras. Dou sempre dois exemplos. Quer dizer, um cidadão comum ou mesmo licenciado que recebe em casa uma notificação de um tribunal ou da autoridade tributária, tem que ler aquilo três e quatro vezes para perceber. Aquilo é a antídote de uma comunicação clara e eficiente. Eu recordo sempre, há uma norma não escrita na administração pública norte-americana em que deve-se escrever-se para o contribuinte, para o cidadão, de forma clara e inteligível. Nós estamos a transformar-nos no... O cidadão não percebe o que lá está.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é pouco democrático até, não é? Aquilo, quer dizer, com consequências graves. Com qualquer igualidade.
Pedro Bernardo
Uma pessoa, já lhe digo, um alfabeto, quarta classe, enfim, com uma cultura geral menos robusta, olha para aquilo, lê, não percebe nada. Não percebe nada, inclusive não percebe os prazos que tem para reclamar ou qualquer coisa e pode deixar passar um prazo. Tudo isto tem consequências na vida das pessoas e chegamos a um assunto básico, devia ser básico, que era clareza de linguagem. Nós somos antídotes disso, e os faculdades de Direito são, quanto a mim, muito culpadas disto. Sim, sim, absolutamente. Eu acho que há... Lá está, o mercado não deve ter... Não terá dimensão para
José Maria Pimentel
isso, mas os editores podiam ter aí um papel, precisamente, de conversão, dessa maneira de escrever, que é isso que eu acho que mais ou menos todos trazemos da escola, não é? Claro que a Faculdade de Direito também seja o pináculo disso, mas todos trazemos essa maneira de... Muitas vezes arrevesada, pouco direta. Vou dar a minha experiência, eu trabalhei dez
Pedro Bernardo
anos no Grupo Almdina, e o core do grupo Almdina é a publicação de direitos, livros de direitos e das minhas colegas que lidavam com o direito, quer dizer, não há liberdade para intervir no texto o texto chega ali como a aura reverencial, então se for de um catecrático de direitos nenhuma vírula se mexe, mesmo que ela esteja mal posta portanto, há ali uma referência, não se consegue, não se consegue e as inserções vinham de cima. Eu falo, as pessoas querem agir, mas...
José Maria Pimentel
É uma questão de égua.
Pedro Bernardo
Não havia autorização para mexer numa vírula que fosse. Isto É o exemplo supremo do argumento da autoridade,
José Maria Pimentel
mas que tem o efeito contrário. Sim, sim, sim. Olha, voltemos ao processo de edição. Nós já falámos do papel do editor no sentido da pessoa que tem a ideia do livro e decide aquilo que vai ser publicado. Na outra vertente, de mexer mais no
Pedro Bernardo
texto, que intervenientes é que há mais no... O editor recebe a proposta de edição ou escolhe. A partir dali, vamos seguir um exemplo que é um livro com tradução. Há mais uma etapa na produção. Eu escolho um livro e quero traduzi-lo. Tenho de contactar, evidentemente, um tradutor, assino com ele um contrato que define as condições dessa colaboração, com duração, prazo, etc. Consequência, não cumprir os prazos, cláusulas punitivas, etc. Um contrato igual a outro estante. Portanto, o tradutor compromete-se e traduz o texto. Quando ele traduz o texto, entrega a tradução e a editora entrega aquilo. Se tiver um departamento interno de revisão entrega a esse departamento, mas se for uma editora de pequena dimensão há de ter revisores com quem trabalhe em regime de recibo verde. Portanto, entrega aquela revisão para ela ser revista. O revisor faz o seu trabalho, devolve o trabalho ao editor, o editor geralmente dá uma vista de olhos para ver qual foi o tipo de intervenção do revisor e faz chegar esse trabalho ao tradutor, que depois concorda ou não. Quando as colaborações já são fluídas e cordiais, até pode dar-se o caso do editor ficar de fora desse processo e o revisor lida diretamente com o tradutor. Pronto, pessoas conhecidas, enfim, o país é pequeno também, não há muitos bons tradutores, não há muitos bons revisores e, portanto, há casos em que isso se faz diretamente e o editor até não tem de participar no processo. Mas se quiser participar, por uma questão de controle de qualidade, etc., pode fazê-lo. Tudo feito, sim senhor, aceitaram as revisões, aceitaram as sugestões, pega-se nesse original, nesta fase trabalhamos, no princípio, trabalha tudo em Word, em fecheiro de Word. Pega-se nesse fecheiro de Word e entrega-se alguém ao paginador para o paginar segundo o modelo, pode ser um modelo já pré-definido, se for um livro de coleção, o que queremos, feito assim, e vai para paginar. Paginado, o editor recebe aquilo que se chama as primeiras provas. Essas provas vão ou ao revisor ou é o próprio editor ou o departamento da editora que lê essas provas. Se houver emendas, devolve ao paginador, lance essas emendas. Entretanto, paralelamente a este processo, em teoria, já haverá uma proposta de capa em que o editor se sentou com o designer e diz, olha, vamos publicar um livro sobre isto, título e tal, nós queríamos uma coisa neste género ou, se for um texto de coleção, já existe uma matriz e, portanto, há ali depois pequenas variações, cor do título ou isso. Mas portanto há alguém a fazer o design de capa. E com o autor ou sem o autor? Com o autor, que é sempre um processo melindroso porque cada um tem o seu juízo estético. E eu tive só um caso de um autor que deixei de publicar porque não aceitou a proposta de capa. E foi deselegante nos comentários. O livro estava paginado, havia contrato e tal, sendo assim, foi preciso resolver o contrato, foi o único caso até hoje. Mas há autores com opiniões estéticas, um juízo estético mais forte do que outro, enfim. Eu posso dizer de experiência
José Maria Pimentel
própria que, em certo sentido, a fase mais difícil porque é menos objetiva, não é? É,
Pedro Bernardo
exatamente. Em alguns casos, se é um texto de coleção, enfim, aquela coisa resolve-se porque já há uma matriz, já há um modelo gráfico, portanto, agora aquilo que se chama uma capa à vult, só fora de coleção, pronto, é preciso chegar a acordo com o autor, lá está, é um trabalho, enfim, de algum convencimento, no sentido de ter de lhe dizer, mas a editora tem, o senhor gosta de, mas a editora, apesar de tudo, tem uma estética, e portanto é preciso que isto tenha coerência em termos estéticos com o resto dos produtos e distribuíres. Não, não tinham pessoas, acabam, por chegar a um consenso.
José Maria Pimentel
Como é que a prática em Portugal é a esse nível comparado com outros países? Porque lembro-me de falar, a certa altura, com a minha primeira editora, que era na Bertran, que era a Bárbara Soares, e dela comentar que em Portugal nós éramos um pouco mais conservadores do que noutros países nas capas, ou seja, às vezes tu tens umas capas muito revezadas, revezadas muito originais, digamos assim, e às vezes até com cartoons ou coisas que aqui há a percepção de que pode tornar o livro menos sério, digamos assim. Então esta é uma tendência, não sei se tu partilhas. Depois outra tendência, que é quase em sentido oposto, é que hoje em dia, por exemplo, no mundo anglo-saxónico, há uma tendência para ter capas muito cruas, muito simples, só com as letras em grande. Sobretudo na nonficção, estou a falar da nonficção, que me parece, não que a lista tenha lado nenhum, mas parece-me quase a exaustão deste modelo, quer dizer, a certa altura já se tinha testado tantos moldes que se passou a uma coisa mais despida, uma coisa mais minimalista, que no fundo se foca muito no título e isso também provavelmente também não é irrelevante para isto a tendência para usar subtítulos, que é uma tendência nas últimas décadas, não é? Tens um título qualquer chamativo e depois tens o subtítulo que explica. Parece quase uma contradição, mas são duas tendências que eu não encontro bem em Portugal. Tanto a mais original de usar, muitas vezes, desenhos para ilustrar uma capa de não-ficção, estou a falar porque não-ficção é um pouco diferente, como esta mais minimalista. Devo dizer que não concordo do que
Pedro Bernardo
eu conheço. Temos bom design, temos muito bom design editorial em Portugal, premiado, de vários quadrantes. E eu acho que o problema da edição é que quando nós falamos de edição é demasiado abrangente, porque ela vai desde o livro de culinária ao livro infantil e, portanto, não concordo. Não sei se foi o ano passado ou há dois anos, houve design premiado em Bolonha, que é uma feira de livro infantil, portanto, nós temos de tudo. E volto a dizer, temos bom design e design premiado. Premiado também nos livros de adultos,
José Maria Pimentel
digamos assim, não pensamos? Sim, sim, em nível mundial. Há casos de tinta da China ter umas edições
Pedro Bernardo
interessantes e distintivas, sobretudo. Tem, tem. É um trabalho da Vera Tavares que é exatamente distintivo. Criou ali claramente uma... Há muito poucas editoras em Portugal em que se eu entrar numa livraria a 20 metros eu já sei qual é. Olhando para cá para a internet, eu sei qual é a editora. A Tinta de China é uma delas. Há a Ciri Alvim, era outra. E hoje, enfim, quero acreditar que a Primatura também está a aproximar disso, sem falsas modéstias. Mas, por exemplo, eu quando estava no grupo Almedina, trabalhava com a FBA de Coimbra, que tem muito, muito premiados, com... Portanto, tem vários géneros. Ficção, não ficção, portanto, e não só, há outros. Eu acho que o que nós fazemos, o que se faz no resto do mundo, em alguns casos... Acho que é
José Maria Pimentel
a primeira vez que alguém usa essa expressão aqui no podcast. É uma boa expressão!
Pedro Bernardo
Eu acho que é verdade. O que Eu noto, em algum tipo de ficção mais generalista, é que há a tendência para as capas se tornarem muito parecidas. Aí, em algum segmento de ficção, eu noto essa tendência. Que é uma coisa que já vinha, por exemplo, vi isso muito naqueles best-sellers de aeroporto. Aqueles paperbacks, aquele formato pequeno, aqueles layouts gráficos, aquilo era mais... Eram variações, mas aquilo era tudo... É uma fórmula testada, portanto, e de sucesso. Em alguns casos é isso que acontece, mas acho que se consegue fazer e faz-se em Portugal com ilustração, sem ilustração, trabalhando muito a tipografia. Por exemplo, o João Bicker, da FBA, tem uma coisa feita na Fenda, que premia um trabalho em termos de design editorial, é uma coisa fabulosa, que ele, com duas cores, o vermelho e o preto, e em artes gráficas o branco não é cor, é ausência de cor, com duas cores e um tipo de letra, ele conseguiu criar uma identidade de uma editora. Letras, os títulos em círculo, maiores ou menores, enfim, efeitos... E aquilo estava muito, muito bem feito. E, portanto, há de tudo em Portugal, há de um melhor e, portanto, não... Eu aí confesso que não...
José Maria Pimentel
Boa, boa. Não, mas é bom, isso é bom e
Pedro Bernardo
sobretudo, enfim, se é algo positivo também é boa assinalar, não é? Há editoras que tentam esse design mais clean, mais despojado, precisamente porque ele vai contra a corrente, com aquela profusão de cor, com que nós somos bombardeados quando entramos na minha editora. Uma livraria. Uma livraria, exatamente. E isso até ajuda porque aquele título, pela sua sobriedade, acaba
José Maria Pimentel
por destacar relativamente aos demais. Exato, exato. Pois, pois, eu acho que tem justamente a ver com isso. E em Portugal como é que nós comparamos com outros países ao nível dos livros que se vendem, não é das tendências, sei lá, vendemos mais ficção do que em outros países, proporcionalmente menos, vendemos mais ou menos autoajuda, mais ou menos ensaios, quer dizer, como é que...
Pedro Bernardo
Não conhecendo... É
José Maria Pimentel
possível que não existam dados que permitam
Pedro Bernardo
essa cooperação, não é? Não existem, mas estamos a falar de muitos países, mas enfim, do que eu vou vendo e do que sei, o mercado português não é muito diferente de outros mercados. Além de géneros, eventualmente, purei a questão em termos de formatos, que era para fazer aponto com o livro de bolso. Aí sim é que... Nós temos pouco livro de bolso, não é? Temos, por uma razão também fácil de explicar. A escala. O livro de bolso, para ser barato, a tiragem tem de ser grande. Ok. E o problema é que o mercado português não aguenta grandes tiragens para determinados géneros.
José Maria Pimentel
Pois, exatamente, eu sempre tive essa dúvida. Porque os nossos livros, a impressão que eu tenho é que têm pouca variação no formato, não é? Temos aquele... Normalmente o livro típico em Portugal é um livro que tem aquela... É de lombada fina, mas que dobra. Eu não sei como é que isso dá de ter o nome técnico, mas que... Em média, chamássemos de livros
Pedro Bernardo
de capa mole e o formato mais ou menos padrão é um 15 e meio, estamos a falar 15 e meio centímetros de largura ou 15 por 23 e meio, 24 de altura. Portanto, isso é um padrão mais ou menos universal. Mas
José Maria Pimentel
que é uma capa que dobra, não é? Tem ali uma lombada... Porque há edições em que não dobra,
Pedro Bernardo
não é? Geralmente ou são de capa dura, ou são de capa dura, ou então aquilo está mal feito, mas em condições normais, sendo um livro de capa dura, permitir folheá-lo, manuseá-lo, se por exemplo a cartolina da capa for excessiva, vai criar resistência e o livro não abre com tanta facilidade. E depois há formatos mais pequenos, há editoras que têm formatos específicos, enfim, também faz com que se chame a atenção para o produto, o livro estando exposto acaba a oferecer também um produto, mas assim, em média, o formato padrão 15, 5, 23, 5, 15, 24 neste universo. As medidas, depois, têm que ver com os aproveitamentos de papel, nas folhas de papel, na impressão. Exato, depois imagina que sim. É um formato estudado para ter um aproveitamento otimizado do papel. Mas o livro de bolso obedece ali a uma lógica própria, que é uma tiragem para eu ter o livro a um preço apetecível e o livro de bolso cumpre essa função. Enfim, em teoria é o livro mais barato do que a edição normal, chamemos-lhe assim, mas se eu não conseguir ter uma tiragem muito grande, não lhe vou conseguir por um preço atrativo. E depois, enfim, há ali também um fator um bocado cultural que o público português, pelo menos o mais velho, ficou um pouco traumatizado com as experiências de livro de bolso feitas pela Europa América, por exemplo.
José Maria Pimentel
Ah é? Porquê?
Pedro Bernardo
Deixaram aquilo em... Em alguns casos as traduções deixavam um pouco a desejar, em outros, em termos de acabamento, aquilo a cola... As colas em edição não estavam ainda bem desenvolvidas com o tempo. O bloco de livros, as folhas começavam a descolar. E aquilo deixou, em algum público, no qual eu me incluo, deixou ali um pouco... Uma má memória. Um trauma. Deixou o público um bocado de pé atrás relativamente ao livro de bolso. Mas, por exemplo, a Leia tem uma coleção a bise muito bem feita, a Bertrand também, um 11-17, nesse aspecto as coisas lentamente estão a melhorar, mas estamos muito aquém do que se faz noutros países da Europa, onde há coleções gigantescas de livros de bolsa a preços... Pois, exatamente. A Preços abdecíveis. E qual é a tua visão
José Maria Pimentel
em relação aos livros digitais? Eu faço esta pergunta porque em Portugal os dados indicam que se lê... Bom, os dados na verdade são conflituantes em certo sentido porque a cota de mercado é mais ou menos 1, 2%, é muito baixo. Sim, isto eu vou vendo. Embora houve um estudo da Guben, que era só abritos culturais, já vamos falar mais à frente, que dava 10% de pessoas a lerem livros digitais, o que é que é um intervalo um bocadinho grande. Não acredito nisso. Mas pronto, o que tudo indica é que tem uma cota de mercado pequena, comparativamente com outros países. Porquê que isto acontece e tu achas que tem potencial para aumentar? Eu acho que potencial tem. Não vai ser
Pedro Bernardo
a panaceia que durante muito tempo... Pois, isso seguramente. ...Dizeram que ia ser. Mesmo nos outros países, enfim, nós durante muitos anos fomos bombardeados com estatísticas do livro digital que era preciso ler com alguma reserva. As taxas de crescimento eram na ordem das centenas. A questão é que... Partia de muito baixo, não é? Antes havia 100 pessoas a ler, dois anos depois há 500 a ler, enfim. Evidentemente o crescimento é explosivo, mas a amostra é o que é. E, portanto, eu acho que aquilo é mais um meio, é mais um formato. Não é aquilo que durante muito tempo se julgou que ia ser. Eu ainda me lembro de ir a Frankfurt à Feira do Livro e aquilo era vendido como se fosse, enfim, o futuro radioso da edição. Enfim, nós encaremos aquilo como mais um formato. Temos estado a converter o nosso catálogo gradualmente para livro digital, mas requer outro tipo de hábitos de leitura, culturais, etc., que nós gradualmente vamos adquirindo, mas não... Mas é residual. Parece-me
José Maria Pimentel
que há aqui um problema também na origem, porque, a partir da tua visão, era uma impressão que eu já tinha na altura, mas entretanto a tendência do mercado comprovou isso, porque houve até um decréscimo em muitos países. O futuro não é toda a gente ler livros digitais, não é? Provavelmente até haverá alguma complementaridade entre o outro para a mesma pessoa, ou seja, eu próprio leio livros digitais e livros em formato físico. Nós em Portugal, porém, temos um problema porque temos o mercado muito compartmentalizado e temos, por exemplo, há o Kindle da Amazon, que é o que eu tenho, mas implica comprar o livro através da Amazon, mas que, entretanto, comprei muito às margens das editoras, portanto, elas não têm muita vontade de colocar lá, e depois passa-se mais ou menos o mesmo com os restantes, sendo que o mercado também está fragmentado, ou seja, quem quiser ler um livro digital tem a vida bastante complicada. Eu, por exemplo, como tenho ouvintes do podcast no estrangeiro e os portes de envio do livro são muito caros, tive muita gente a pedir-me e a verdade é que o livro ainda não... Na Amazon nunca vai existir, acho eu, quer ser pelo menos no curto prazo. E nos outros também há de estar para estar disponível, mas não esteve de imediato, ou seja, também não é fácil para quem
Pedro Bernardo
está nessa posição, não é? Para ler livros estrangeiros é fácil, para ler livros em português é bastante mais difícil. Sim, quer dizer, praticamente aquilo está feito, colocamos aquilo no... Vocês têm na Amazon? Temos. Ah, não sabia. Através do Aleia tem um serviço bom, que são eles que fazem o intermediário e põem aquilo na Amazon, na Kobo, na Uke, enfim, nas principais lojas online. E, portanto, nós temos vendas que vêm...
José Maria Pimentel
Ok, não sabia, não sabia. De vários
Pedro Bernardo
sítios. Mas, no nosso caso, ainda é residual. Eu acredito que aquilo tem uma margem de crescimento, progressão, mas enfim, será sempre mais um canal. Um não implica a substituição pelo outro e como disseste, há pessoas que lêem nos dois formatos. Vou de férias, posso não querer levar seis livros, e levo o tablet e meto. Sim, sim. Estou letado. O que
José Maria Pimentel
me parece é que nós estamos muito abaixo daquilo que deverá ser a cota natural de livros digitais. Podem andar 20, 30%, não sei, eventualmente mais. O problema é
Pedro Bernardo
que nós não sabemos o que é uma cota natural. Pois, pois, pois. Não, não, eu estou a conjeturar, não é? Exatamente. Quer dizer, é claro que o editor...
José Maria Pimentel
Sá, quanto é que é nos Estados Unidos, por exemplo, faz ideia?
Pedro Bernardo
Varia consoante o género. Há géneros mais propícios a isso, há outros menos. Pois, pois, pois. E Mesmo em alguns casos, nos próprios Estados Unidos, até já houve regressão nos números. Já, pois era aquilo que eu falava há bocadinho. Os próprios números têm de ser olhados com desconfiança, precisa ver qual é a fonte, se o estudo é fiável ou não. Mas eu acho que nós encaramos aquilo como uma espécie de canal complementar, um formato complementar, que não substitui, complementa. Há casos em que as pessoas têm as duas coisas, têm o físico e têm o eletrónico.
José Maria Pimentel
Pois, será a maioria das pessoas. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net.apoiar Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. E olha, o elefante na sala, ou seja, que é a evolução dos números de leitura em Portugal, que é uma coisa que se tem falado bastante, não é? Tu partilhaste até um estudo que eu não conhecia comigo, de Miguelngelo Lopes, João Soares Neves e Patrícia Ávila, que é sobre leitura de livros em Portugal, e eles identificavam este século uma tendência decrescente da leitura de livros. E depois houve um estudo da Gulbenkian, que deu muito o que falar aqui há pouco tempo, sobre hábitos culturais, o estudo não é só sobre livros, e tinha um número que até me parece que foi descontextualizado ou foi mal reportado que 61% das pessoas não tinham lido qualquer livro no ano passado. Na verdade, depois acresce aí os sugestrios 10% de pessoas que supostamente leram livros digitais, não se percebe como é que uma se relaciona com a outra, porque há pessoas que terão lido dos dois tipos, mas enfim, na melhor das hipóteses, 50% das pessoas não leu qualquer livro no ano passado, o que deu a habitual onda pessimista e crítica em relação ao estado das coisas, como é que tu vês isto? Seja este número, seja a tendência, porque dá ideia pelo primeiro estudo que eu referi que houve uma tendência de aumento da leitura com a democratização do ensino e, enfim, até a democratização do acesso aos livros, que depois parece ter mais ou menos invertido na última década, última duas décadas. Não sei se isso é verdade, atenção.
Pedro Bernardo
Pois, eu olho para esses estudos, enfim, eles valem o que valem, mas eu fico sempre um pouco de pé atrás, porque, em alguns casos, até acho que as pessoas nem são completamente verdadeiras nas respostas aos estudos. Mas, dando de barato que os dados são fiáveis, enfim, dos vários estudos que eu já fui lendo ao longo dos anos, geralmente a percentagem média que surge é isso, é que metade dos inquiridos não lê um livro. Isso tem sido mais ou menos considerável, mais 5, menos 5%, mas geralmente é isso. O que é já uma percentagem um pouco assustadora. E importa, desculpa interromper-te, isto tudo é mais relevante se nós compararmos com outros países. E no caso
José Maria Pimentel
de Espanha, por exemplo, andava a salver uns 30% e eu depois apanhei isto, há alguns, mas não consegui confirmar, de que Portugal seria o segundo país da União Europeia com o pior índice de leitura, ou com o índice de leitura mais baixo, não é? E aí é mais relevante, não é? Ser verdade, não é? Mais do que provavelmente os 50%, porque a
Pedro Bernardo
próxima... Não me custa a crer, embora, por exemplo, relativamente a Espanha, há uns anos vi também um estudo em que a percentagem não era muito diferente da nossa. Mas o resultado é que, enfim, dos 50% a gente não se libra. O que já é uma percentagem, quanto a mim, um bocado assustadora. Eu pensava tudo, acho que se lê mais, mas lê-se é em géneros que, por exemplo, há 10, 15, 20 anos não existiam. Eu dou sempre três exemplos. Se eu entrasse numa livraria há 15 anos, não havia uma banca para a culinária. Não havia. Não havia uma banca para fotografia. A autoajuda estava reduzida a meia dúzia de títulos, geralmente importados do Brasil. Portanto, em 15 anos, estes dois, estes três seguidores mais a culinária e a autoajuda, por exemplo, estes dois géneros em 15 anos geraram milhares de títulos e tiveram compradores. Eu lembro, por exemplo, da edição 70 para cada título havia um histórico, Portanto, das tiragens, o ano, o mês e coisas... Por exemplo, Roland Barre, Nec de 80, enfim, já ali no auge do estruturalismo, um título de Roland Barre tinha uma tiragem inicial de 4 mil exemplares. Hoje, isto é impensável. O editor fará 750 e depois vai pôr uma velinha para ver se as coisas correm bem. Portanto, o público diversificou-se. Houve géneros que reduziram bastante as suas vendas, houve outros que surgiram do nada. Eu acho que há mais gente a ler. Agora, leem é outra coisa. Porque nós olhamos ler e depois temos sempre, no nosso consciente, há sempre o ler, mas naquela vertente cultural. Claro. De edificação, enfim, aquela crença iluminista. As pessoas leem outra coisa, livros do chefe A, B ou C, para fazer rabanadas. Aquilo surgiu, não existia, mas surgiu e tem um
José Maria Pimentel
público comprador. E tens o contrário também, não é? Que essa leitura de edificação também pode ser obtida hoje em dia por outros meios, não é? Na internet, sem ter de escutar ou ler um livro necessariamente. Exatamente. A
Pedro Bernardo
par de isso, é bem observado, a leitura tem de concorrer com mil e uma solicitações e a principal das quais precisamente era a internet, onde eu tenho acesso a conteúdos, mas tudo e mais alguma coisa, portanto, o número continua a ser exagerado. Eu acho que, apesar de tudo, se vai além de mais, mas as pessoas leem outras coisas. Agora, há aqui um problema estrutural que são os hábitos de leitura, quer dizer, e isso é um problema estrutural de décadas que não se resolve num ano ou dois. Sim, sim. Se nós compararmos os nossos hábitos culturais com, por exemplo, a população de um país em dimensão populacional idêntica, enfim, não digo uma Holanda, mas, por exemplo, a Bélgica e o resultado agora. Isto é um problema de... Mas, desculpa, qual é a diferença? É o nvel do número de livros lidos ou do tipo de livros lidos? As duas coisas. Porque os outros também leem culinária, os outros também leem historiografia, também leem autoajuda, mas também leem... Há mais gente a ler, lá está. Enquanto no nosso caso, por exemplo, metade dos inquiridos não lê, Eu não sei quais são os dados da Bélgica ou da Holanda, não será metade. Ou da Alemanha, não será metade. Mas isso é um problema, é um atraso cultural de décadas, para o qual não há uma solução imediata. Quer dizer, tem que ser um trabalho que tem que vir a ser feito. Pessoalmente, acho que a escola não tem ajudado, tem ido pela via do facilitismo, quer dizer, a lista de títulos de leitura obrigatória vai caindo drasticamente, quer dizer, já não é preciso ler quase nada, ou lê-se um excerto, umas coisas e portanto, isto não inspira o gosto pela leitura. Mas desculpa, agora, sendo provocador, tu achas que o modelo antigo funcionava? Ou seja, o modelo de
José Maria Pimentel
pôr miúdos a ler livros difíceis, se tu tiveres essa predisposição, chegarias lá de qualquer forma, não é? Tivesse ou não tivesse isso, bem, enfim, claro que ajuda a ter esse acesso, mas terias essa vontade agora? Muitas vezes eram livros que eram difíceis para um miúdo com a maturidade de 15 anos estar a absorver. Não parece necessariamente mau diminuir-se a inclinação da
Pedro Bernardo
via de entrada, se quiser. O problema é que a inclinação diminuiu drasticamente. É que hoje nem difíceis, nem menos difíceis. Há muito por onde escolher e se não querem ler os mais há outras coisas para ler interessantes, quer dizer, ah, o universo é infindável. Agora, eu não partilho a visão da escola meramente lúdica, quer dizer, ela tem de ser lúdica, mas há ali uma altura em que a conquista do saber requer algum sacrifício. Aliás, por definição, o miúdo não quer estar na escola. O miúdo quer estar a brincar. Sim, claro que é. Não quer estar fechado numa sala de aulas ou ouvir um professor que para ele é um chato. Portanto, a aquisição do saber, o processo da escola é chato, mas não pode ser meramente lúdico. Há ali uma vertente de algum sacrifício que é chato para os miúdos, eu sei que é, mas eu acho que se passou de um extremo ao outro. E há muitas formas de tornar a leitura apetecível e interessante. Há muitas formas de levar os miúdos ao teatro através da representação para chegarem ao texto. Há muita coisa e as escolas conseguem fazer isto. Agora, é preciso um esforço concertado e até por uma questão de igualdade de oportunidades, porque os miúdos que não têm um livro em casa, e há muitos agregados familiares onde isso acontece, os pais saem de manhã para trabalhar e chamar à noite, os miúdos estão sozinhos, se não têm bibliotecas em condições, se não tem alguém que puxe por ele, em casa também não. E, portanto, vão ficando para trás. Porque os filhos de pais compostos têm livros em casa, têm explicadores, têm... Esses, de uma maneira ou de outra, vão chegando lá. Agora, as famílias mais carenciadas, se não for a escola a dar-lhes um amparo e a levá-las uma determinada direção, a dar-lhes algumas ferramentas e eu acho que tem-se falhado nesse aspecto.
José Maria Pimentel
Mas tu achas que a resposta, por exemplo, para o Mildo que não tenha livros em casa, é muito difícil que ele ganhe a paixão pela leitura a ler Fernando Pessoa ou Aquilino, não é?
Pedro Bernardo
Mas lê outras coisas, ele vai para a biblioteca. Ou mesmo com a sua antiguidade, ele pode ler outras coisas. Pode ler Sophia de Melbraeun, eu tenho enteados, uma adora ler, tem 11 anos, Sophia de Melbraeun adora aquilo, O mais velho de 14, ler nem obrigado. E crescidos exatamente no mesmo contexto cultural, há duas coisas opostas. Mas têm livros em casa, têm a possibilidade agora. Se não houver, onde é que há? Só há na biblioteca, portanto. E há outras coisas, podem ser coisas mais complexas, outros textos, depois podem requisitar, podem levar para casa, portanto, o papel devia ser este agora. Mas há, curiosamente, uma tendência de que se fala pouco. Os livros infantis têm cada vez menos texto. Há um predomínio da ilustração que no espaço, eu diria, nem chegou a uma geração. Em menos de uma geração, inverteu-se. Antes era o nome do autor e depois vinha, enfim, uma coisa mais pequena, o ilustrador. Agora é ao contrário. Portanto, é o ilustrador, mas a quantidade de texto nos próprios livros infantis tem-se vindo a
José Maria Pimentel
reduzir. Mas é normal, não? Os miúdos gostam mais de imagens. Voltamos. O que é o normal? Tu pegas
Pedro Bernardo
um livro infantil publicado há 20 anos, para 9 anos, e hoje vais ver um para 9 anos e vês a diferença de texto. Mas a pergunta é qual é que
José Maria Pimentel
o miúdo de 9 anos vai preferir? Depende, porque há 10 anos o miúdo de 9 anos gostava daquele. Só havia aquele, não é? Se calhar, desculpa, todo
Pedro Bernardo
o conjeto. Havia mais, mas eu noto que, em alguns casos, os livros recomendados para 9 anos têm muito menos texto. Por exemplo, na minha infância, não gosto muito destas comparações, mas na minha infância já lá vão umas décadas. Aos 9 anos, 10 anos, liamos os 5. 1.2009 anos, não há muitos a ler os 5, porque eles olham para aquilo e lêem só texto, uns desenhinhos, umas coisas. Eu acho que há aqui um hábito cultural que tem de ser cultivado e isso é, antes de mais, um trabalho da escola.
José Maria Pimentel
Olha, e falamos do mercado, do setor livreiro em Portugal, especificamente, que tem algumas, nós ainda não falámos disso, mas há algumas especificidades até de, enfim, algumas mudanças que houve nos últimos anos que têm gerado algumas críticas, houve uma concentração no mercado. A ideia que eu tenho é que houve uma concentração tanto ao nível das editoras, porque houve uma compra e uma consolidação, mas também ao nível das livrarias, ou seja, hoje em dia há duas ou três cadeias de livrarias que vendem o grosso dos livros, não é a impressão que eu tenho?
Pedro Bernardo
São fenómenos diferentes. A primeira concentração foi, aliás, a única, porque nas livrarias não houve concentração. Pois, não é concentração, é mais crescimento. Já, houve desenvolvimento. Exatamente. Duas grandes redes, mas na edição, Aí começou a concentração no setor editorial e começou a final de 2007 e depois em 2008 com a Leia, que eu julgo que é o grupo Leia, a começar a comprar uma série de editoras. Na altura começou por comprar, se a memória não me falha, umas editoras que pertenciam a um fundo de investimento, o Explorer, que tinha, julgo que era, Casa das Letras, Oficina do Livro e mais uma coisa ou outra. E depois foi, paulatinamente, foi comprando mais, mais, mais, mais e criou o Gruplay. Comprou a Asa, comprou a Don Quixote, comprou a Pergaminho, comprou a Caminho, enfim. Há de estar a falhar aqui alguma coisa, mas comprou bastantes coisas. Passado algum tempo, houve ali um fenómeno, não tão intenso, mas a própria Porta Editora também adquiriu o grupo Bertrand. Portanto, circulatores, temas e debates, Quetzal, pronto. Hoje são os dois grandes grupos livreiros. São estes, pois enfim, numa dimensão secundária temos a Almedina, Equalizações de Tempo, Almedina, Minotauro, o atual e depois, enfim, temos a presença, marcadoras, Jacarandá e depois, enfim, pequenas editoras. Tinta da China, por exemplo. Já está num patamar abaixo. Portanto, temos defaturação, temos o grupo 2020, que é um caso, é um case study curioso porque em 10 anos conseguiu consolidar-se como um dos maiores grupos. Começou como Booksmile, de livros infantis, foi crescendo, crescendo, crescendo e em 10 anos parte do capital foi adquirido pela Penguin e pronto. É um caso interessante porque em 10 anos fez em 10 anos o que muitos demoram às vezes 20, 20 e 25. Pronto, foi uma estratégia pensada e conseguiu os seus objetivos. Na parte do recalho livreiro, o que nós temos é hoje dois grandes grupos, que é a FNAC e as Livrarias Bertrand. E depois as superfícies comerciais, o Continente nomeadamente, que também vende livros. Pronto, eu geralmente esqueço-me sempre dele. Mas é por conceito teu. Porque nós não formos sempre, por razão, aliás, várias. De facto, é um...
José Maria Pimentel
E acho que é um tipo de livro específico. E
Pedro Bernardo
tem um peso, em alguns casos, tem uma cota de mercado, em alguns casos, significativa.
José Maria Pimentel
Sim, mas por exemplo, acho que posso dizer isto, o meu livro está ou esteve no continente e foi uma parte residual das compras. E eu apanhei-o várias vezes lá, portanto não era para não estar, simplesmente Lá não era comprado, digamos assim. Para alguns grupos é
Pedro Bernardo
um canal que se calhar pode representar 40% das vendas. Para alguns grupos não é despiciente. Nós, por uma razão de... Porque aquilo obriga a aumentar a tiragem, depois os livros vão e vêm, prazos de pagamento mais ou menos draconianos, os livros quando vêm danificados, portanto, há ali uma série de razões que fizeram com que nós não...
José Maria Pimentel
E provavelmente também não iam vender particularmente por lá, não
Pedro Bernardo
é? Sim, sim, não colocássemos lá os livros. Mas para muitos colegas nossos é um canal importante e, portanto, a não subestimar. Mas em termos de redes livreiras temos estas duas. Pois temos a Almdina, temos uma rede ali de 10 ou 11 livrarias. A Uc, uma loja online que funciona... Mas que é do grupo da Porta Editora também, não é verdade? Mas pertence precisamente, exatamente, à Porta Editora. E depois temos, enfim, aquilo a que se chamam os pequenos livreiros, enfim, não gosto muito do nome, mas é o que é. Ou há quem preferir a designação mais pomposa, livreiros e independentes. E estes últimos, a verdade é que têm vindo a perder peso e têm vindo a perder consistentemente ao longo dos anos, por razões diversas. Eu há uns anos vi uma análise que tinha sido feita por um diretor comercial de uma editora que era os 10 maiores clientes, por exemplo, em 1985 e 10 maiores clientes 20 anos depois. Não havia um nome que se repetisse.
José Maria Pimentel
Dez milhões de clientes, livrarias. Para a editora, quem
Pedro Bernardo
sou os dois dez milhões de clientes, primeiro eram dez livrarias. Vinte anos depois, não havia um nome que se repetisse. Portanto, isto significa que a entrada da FNAC primeiro e depois a consolidação das Vertrans, em alguns casos, pulverizou o pequeno retalho livreiro.
José Maria Pimentel
Sim. E isto, enfim, há muitas críticas no setor em relação aos impactos desta, tanto da consolidação na parte das editoras, como da expansão da parte das livrarias. Uma livro foi editada pela Bertrands, mas Vamos esquecer desse pronome, não está à vontade. Fala à vontade. O que
Pedro Bernardo
é que tu achas disto? Quanto à concentração editorial, enfim, eu sendo um adepto do mercado livre, quer dizer, alguém comprou porque alguém quis vender. Para mim é simples. Não, essa parte, enfim, eu dacordo. Quem vendeu, vendeu, presumo que vendeu bem. Em alguns casos ficou a trabalhar, enfim, com um salário que se calhar até era superior àquilo que tinha enquanto era dono da própria editora. Portanto, isso aí é uma consequência normal de um mercado muito polvorizado que está sujeito a uma espécie de takeover, hostil, a menos hostil, mas neste caso não houve nada de hostil. Portanto, alguém fez uma proposta e alguém quis vender. Tem depois outras consequências para o universo editorial, que poderemos falar mais à frente, mas isso não me choca, porque há uma corrente de pensamento que diz, ah, não, mas esta concentração tem uma política de terra queimada, arrasou com o universo editorial. Não acredito em nada disso. A realidade desmente, aliás, porque a consideração começou em 2007. De 2007 para cá já apareceram dezenas de novos projetos de editoras. Umas vingaram, outras não vingaram. É prova que aquilo não é impedimento de nada e eles vieram preencher se calhar lacunas que esses grupos acharam porque se concentraram em determinados títulos, permitiram outras oportunidades, portanto, é uma... Para mim encaro isso como um processo.
José Maria Pimentel
E muita gente poderá argumentar que eles não vingaram precisamente porque essas editoras têm o poder de mercado que usam para, enfim, tornar insustentável o negócio das mais pequenas. Estou a fazer o advogado do diabo, não é?
Pedro Bernardo
Não, eu percebo, eu percebo, mas a verdade é que outras vingaram.
José Maria Pimentel
Ok, bom ponto. Se calhar
Pedro Bernardo
algumas não vingaram porque o plano de negócios não era isso que o
José Maria Pimentel
índio fazia. E continua a haver... Ou seja, embora estes dois grupos, ou dois, três, dominem o mercado, continua a haver muitas editoras mais pequenas, não é? Já falaste...
Pedro Bernardo
Ah, nós? Nós somos um caso, nós somos um caso e vivente, quer dizer, vamos fazer sete anos, quer dizer, mas eu lia no outro dia, estão a fazer Guerra e Paz, se a memória não me falha, está a fazer 15 anos. E ele disse, na altura em que nós surgimos, surgiram mais ou menos quantos editoras. Desapareceram todas. Mas, entretanto, surgiu a Tinta da China, surgiram livros de bordo de pequenos editores, uma série de coisas, surgiu a Ehab, que já desapareceu, surgiu a Bazarov, enfim, que não sei se ainda continua, mas é o reflexo normal. Aliás,
José Maria Pimentel
basta ir, desculpa interromper-te, basta ir à feira do livro e aquilo são bancadas e bancadas
Pedro Bernardo
e bancadas de editoras. Algumas meias rebuscadas, meias obscuras. Algumas têm objetivos, enfim, são editoras comerciais no sentido nobre do termo, querem fazer dinheiro, querem ganhar dinheiro, mas há projetos de pura carulice, com identidade editorial, gente que gasta, põe o seu dinheiro para publicar e, portanto, não acredito, acho que isso é uma coisa com algum viés ideológico, enfim, o meu também terá o seu viés, mas no outro dependedor. Mas acho que a realidade desmente essa afirmação. Na parte da concentração das redes livreiras, aí, enfim, a coisa fia mais fino porque aquilo na prática é um duopólio, em alguns casos. E sendo um duopólio, põem condições daracunianas. Para as editoras. Para as editoras. O grande problema deste duopólio chama-se desconto comercial. Qual é o desconto comercial que me pedem e qual é aquele que eu posso dar? Eu costumo dizer, quando nós fomos apresentar os nossos projetos à Bertrand, à FNAC, ao Corte Inglês, quer dizer, nós não fomos lá discutir condições comerciais, nós fomos lá aceitar aquilo que nos propuseram. Portanto, aceitamos ou não aceitamos, é tão simples quanto isso. Agora, não há margem de negociação e, portanto, aí é que, quanto a mim, está parte de algum problema, porque aquilo, em alguns casos, pede um desconto comercial grande, pesado. Isso vai condicionar todo o negócio. Uhum.
José Maria Pimentel
E há um desequilíbrio de poder de mercado entre uma editora muito pequena e esse distribuidor, não é, esse retalhista que tem um peso maior. E será que isso também ajuda a explicar uma coisa que eu ouço frequentemente das pessoas queixar-se, o facto dos livros em Portugal serem muito caros. Ainda recentemente estava a almoçar com um amigo brasileiro que veio cá e ele estava-se a queixar que os livros cá custavam, ele dizia, enfim, se calhar estava a exagerar, mas ele dizia acerca do dobro do Brasil. É evidente que tem que ser ajustado também para o custo de vida, não é? Mas não é o dobro, não é? Dificilmente será. Não, o dobro não é. Os
Pedro Bernardo
livros são caros, quer dizer, são caros porque não podem ser baratos. Enfim, passo esta coisa óbvia. Mais uma vez, é uma questão de escala, porque importando os custos todos, tradução, revisão, capa, logística, custo de estrutura, se eu não consigo diluir os custos numa tiragem grande, o preço é função da tiragem e dos custos. Portanto, se eu conseguir fazer uma tiragem grande, consigo diluir os custos. Agora, eu só faço uma tiragem grande se tiver uma expectativa de venda, porque senão estou a produzir para o armazém.
José Maria Pimentel
Sim, então, Pedro, deixa-me ser um bocadinho advogado do diabo. Imagina, se eu for a Inglaterra ou Estados Unidos. Inglaterra é melhor porque Estados Unidos é tão grande que não é um bom contra-exemplo, mas se eu for ao Reino Unido, ou a Alemanha, ou outro país europeu, e pesquisar um livro de um autor meio refundido de ficção, que escreve um nicho, e portanto, por definição aquilo não pode ser uma tiragem grande, vou encontrar esse livro mais caro do que os outros, por exemplo? Não muito. Admito que possa haver uma subsidiação cruzada ali, é possível, ou seja, que aquele esteja a ser subsidiado por outros, não
Pedro Bernardo
é? Em alguns casos pode, assim, aquilo que se chama uma espécie de preço político, em que eu ponho um preço, marco um PVP mais baixo para fomentar a venda. Ou
José Maria Pimentel
tenho uma margem menor naquele autor, mas compenso com outros. Mas
Pedro Bernardo
compenso com outros, pode dar-se o caso. Agora a questão aqui é que mesmo uma tiragem pequena na Alemanha ou na Inglaterra a Inglaterra põe livros no mundo inteiro, literalmente. Tudo o que é aeroporto, é um mercado planetário. Na Alemanha são 80 milhões, com hábitos de leitura culturais enraizados. A própria Espanha, a população é maior, há mais editoras, mas há ali mais mercado potencial. O mercado português, o país é pequeno e aquilo que nós vimos, que a metade dos inquiridos não compraram um Eclipse, a expressão aqui é que são mesmo 7 quemes ou outros a disputar um público reduzido com poder de compra, que é outra coisa que também convém ter em conta. O nosso poder de compra é o que é, não há como fugir disto. Portanto, público reduzido, poder de compra escasso, muita oferta. As pessoas gostavam de comprar três lismas, mas se calhar compram só dois. E, portanto, vão muito ou querem aquilo, querem aquele especificamente e aquele nem têm, mas, portanto, isso geralmente é uma função custo, custo e tiragem.
José Maria Pimentel
Nós não conseguimos diluir. Sim. Ouvindo-te falar, estou a pensar que, algo que não tinha pensado antes, que para uma editora um best-seller tem um duplo benefício, porque não só tu aumentas os resultados de maneira paralela, porque estás a vender mais e, portanto, se tiveste um lucro de 1, vais ter 1 vez o número que vendes, mas a tua margem também vai aumentando, porque vais diluindo os custos e, portanto, a tua margem unitária vai aumentando
Pedro Bernardo
quando tu vendes mais. O que torna, enfim, duplamente interessante vender mais livros, digamos assim. Nós conseguimos diluir o custo porque a impressão gráfica, quanto mais livros eu fizer, mais o custo unitário baixa. Enfim, esta progressão não é até o infinito, senão seria zero. Claro, claro, claro. Mas o custo unitário vai baixando conforme aumenta a tiragem. Tem um bocadinho de custos fixos. Exatamente. O custo, como se fosse dizer, o custo é ligar a máquina. A partir do momento em que ela está ligada, se estiver a trabalhar dois dias seguidos, não há problema nenhum. Portanto, está a imprimir dois dias seguidos. Agora, para isso é preciso imprimir muito livro. Mas é, portanto, quanto mais livros eu vender, então se eu conseguir fazer uma reimpressão, a reimpressão já não tem uma série de custos que foram importados todos à primeira tiragem. Nomeadamente capa, tradução, revisão, tudo isso é importado na primeira tiragem. A segunda, a reimpressão, é assim sim, tem uma margem substancialmente. Agora, a questão é conseguir reimprimir o livro. Eu lembro-me de um caso há uns anos, de um editor francês, um pequeno editor, que teve a fortuna de ter escolhido, antes de ser prémio Nobel, um chinês, Mo Yuan, ganhou um prémio Nobel e depois foram falar com o editor francês, todo contente, até o que é que isso significa, nunca mais esqueci da frase dele, é o fim das dívidas. Porque aquela explosão de vendas do prémio Nobel permitiu-lhe angariar uma série de facturar e ter margem, etc, para resolver um... Mas nunca mais esqueci da frase dele, foi o fim das dívidas. Sim, curioso. E em Portugal sente-se esse efeito também? Efeito
José Maria Pimentel
Nobel? Ou seja, um terminal de autor recebe o pré-menor. Ou seja, é um efeito suficientemente grande, não é? Eu digo isto porque o Nobel é, em sério, uma coisa de
Pedro Bernardo
nicho, não é? É, mas sente, sente. Porque apesar de tudo, enfim, as pessoas... Tem notoriedade. Exatamente. Tem um capital de notoriedade, um capital simbólico, que tem uma consequência prática. E eu já falei, tem colegas que receberam, tiveram a sorte, enfim, eles também escolheram antes de ser Nobel, portanto, tiveram mérito nisso, mas me dizerem que aquilo faz logo duas, três, quatro reimpressões. Portanto, há casos de Nobels que tinham uma tiragem e aquilo andava ali aos caídos no armazém, mas de repente, pronto. Vem dar uma segunda vida ao livro e que vida, portanto, não é uma vida normal, é uma vida plena.
José Maria Pimentel
Olha, eu lancei no... Pude um tweet para as pessoas fazerem sugestões de perguntas e houve várias, eu ainda não falei de nenhuma, mas vou falar agora de uma da Ana Martins. Isto é só para incentivar as pessoas a fazerem mais perguntas para a próxima vez, eu já mais ou menos depreendo a tua resposta, não é? A pergunta dela tinha que ver com que papel é que o Estado pode ter nesta atividade, não é? Se subentende-se que tu consideras que o Estado pode ter um papel em, pelo menos, minurar esse efeito duopólio do lado das livrarias, do lado das editoras, conceptualmente até se entende que há um valor social, se nós quisermos, mais amplo, que editoras focadas exclusivamente a capturar valor económico não vão criar. Eu compreendo isso, mas o teu argumento, pelo que eu entendo, é que na prática não é necessário haver quase um patrocínio estatal, porque há suficientes pessoas que, ou pela carulice, ou pelo gosto, acabam por ir fundando editores e, portanto, no fundo não nos falta essa diversidade. Podia faltar em teoria, mas na prática não falta. Ou seja, não falta quem peguem autores diferentes. Diferentes.
Pedro Bernardo
Por parte, eu, enfim, por uma cidade ideológica, sou-me cada vez, determinado tipo de intervenção estatal. O Estado, quanto a mim, o papel que deve ter, e não que já o tem, é nas escolas. Portanto, acho que devia começar por aí. Já tomou uma decisão em tempos que nunca foi revertida e que tem um impacto significativo. Ou melhor, se ela fosse alterada, teria um impacto draconiano que é a acção do IVA. O LIVRE tem o IVA a 6%. Eu também não acho que ele deva estar isente de IVA. Eu não acredito nisso. Por outro lado, o STAT é uma editora, chama-se Imprensa Nacional Casa da Moeda, que quanto a mim, enfim, tem o papel a desempenhar, mas tem no feito de uma forma um bocado esquizofrénica, porque eu vejo lá coisas que não fazem sentido numa editora como a Imprensa Nacional Casa da Moeda e sei de uma série de projetos que deviam estar a fazer e não fazem. Pronto. Em alguns casos fazem concorrência a editoras comerciais. Há lá títulos e autores publicados, poderiam estar, e em alguns casos o mesmo autor está publicado noutras editoras. Portanto, Eu não percebo porque razão é que foram publicados pela Imprensa Nacional.
José Maria Pimentel
E aí coloca uma questão de potencial escolha política que é o escrutínio... Quando há
Pedro Bernardo
uma série de coisas que falta fazer na edição portuguesa que deviam ser feitas pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, por exemplo. Não há uma edição crítica, por exemplo, das obras completas do Camilo. As obras completas de Aristóteles demoraram anos a ser feitas e começaram a ser feitas pelo Departamento de Filosofia da Focal de Letras do Lisboa. Havia ali uma série de coisas a fazer, que nunca foram fazendo, mas para mim o Estado já está mais ou menos, ou já sabe o que é que deve fazer. Eu acho que devia fazê-lo melhor. A questão do IVA para as editoras é importante. E, por exemplo, se ele passasse para 13 ou para 23, ia ser uma chatice. Mas o Estado financia muito a produção académica. Mas muito, muito dinheiro. Através da FCT, as bolsas da FCT dão todos os anos origem a muitos, muitos livros e estamos a falar de centenas de milhares de euros em não sei quantos projetos. Portanto, o Estado também, depois se o projeto é meritório ou não, enfim, isso é, são contas para outro Rosário. Mas através da FCT, por exemplo, e enfim, e verdade, cumpre dizer que no primeiro ano da pandemia, para a editora de abaixo de um determinado volume de faturação, o Estado comprou diretamente X mil euros de livros, para depois distribuir para bibliotecas, mas isso foi uma situação excepcional, de emergência. Portanto, eu acho que o Estado sabe o que é que deve fazer, acho que, em alguns casos, está a fazê-lo
José Maria Pimentel
mal. Olha, e um tema que não tem nada a ver com isto, mas que não cobrimos à bocada. Eu tenho a sensação de que há uma maior dificuldade de integração do mundo lusófono, nomeadamente do ponto de vista de Portugal, de co-Brasil, obviamente também incluíremos aqui Angola, Moçambique, Cabo Verde, do que existe claramente no mundo anglo-saxónico, aí não há dúvida nenhuma, mas também até exerce sentido no mundo hispânico. Eu Ainda no outro dia estava a falar com o Diogo Novo, que falavas há bocadinho, e ele falava de como os jornais espanhóis, e isto há-vo erro, têm até uma edição na América Latina, autores espanhóis são editados na América Latina e vice-versa, sem necessidade de alteração da escrita. Os portugueses, eu sei que muitas vezes também são dessa forma, mas isso é visto muitas vezes como dificultando as vendas. E a verdade é que já ao longo das décadas já houve vários projetos de tentar unir, criar pontos, nomeadamente entre Portugal e o Brasil, que me parece sempre terem sido difíceis, ter sido pouco execuíveis. Qual é a tua visão sobre isto? Ou seja,
Pedro Bernardo
primeiro concordas com esta minha visão, que posso descrutar, e achas que há potencial aqui? Quais é que são os desafios? No caso dos palópolos, vamos separar o Brasil dos países africanos. No caso dos países africanos, há ali, quanto a mim, dois ou três obstáculos. Enfim, por exemplo, as editoras do livro escolar têm filiais, chamemos-lhe assim, em Angola e Moçambique. Tem lá pequenas editoras para produzir o livro escolar, enfim, tem lá algum enraizamento. Fora isso, o que havia e há são alguns importadores que levam para lá. Agora, estamos a falar de mercados muito pouco evoluídos. Nalguns casos, sim, livrarias, quer dizer, um poder de compra muito fragmentado. E depois, contrariamente, por exemplo, ao universo hispânico, em que os processos independentistas foram todos, enfim, ao par no século XIX, portanto já há ali relações de séculos consolidadas, enfim, nem foram processos tão antagónicos. O nosso ainda está ali recente e, portanto, há sempre ali alguma resistência. Mas
José Maria Pimentel
estás a falar dos países africanos ou já do Brasil?
Pedro Bernardo
No caso espanhol tem ligações muito fortes e já há séculos com... Sim, mas porquê que
José Maria Pimentel
não existe entre Portugal e o Brasil, por exemplo? A independência foi quase ao menos contemporânea.
Pedro Bernardo
Foi, só que o Brasil tinha os problemas e o internacional tornou-se um mercado muito, muito protecionista. Portanto, resiste muito à importação. É isso, é essencialmente um mercado muito protecionista. Tudo demora muito tempo para desalfandegar, etc. Eu sei que a Leia, por exemplo, teve lá um projeto que aquilo acabou para não vingar. Sei que a Tinta da China tentou construir lá uma espécie de Tinta da China Brasil, mas não sei em que modo é que aquilo se tem vindo a desenvolver. Não tenho vindo grandes notícias sobre aquilo, portanto, permitiu também fazer uma ponte e trazer autores brasileiros para Portugal, mas o inverso não resulta. Temos a questão da língua. Podem criar o acordo de ortográfico e quiserem, mas implementado uma coisa que nasce torta, nunca mais sem direito. E, portanto, há o problema da língua. Em alguns casos era preciso adaptar os textos. Tudo isto são pequenas pedras na engrenagem. Em África, bem, são mercados pouco desenvolvidos. Não têm poder de compra, sem rede livreira. O que há são operações, precisamente em parceria e acredito com os governos, para produzir o livro escolar. Foi alguém que veio buscar editoras a Portugal com o know-how para fazer
José Maria Pimentel
aquilo. Sim, claro, mas esse é mais top-down, digamos assim, não é? Sim. Pedro, terminamos com a tua recomendação de livro, mas antes disso até te queria perguntar uma coisa que não tínhamos combinado, mas me lembrei ao ouvir-te falar. Não sei se queres deixar alguns bons exemplos, digamos assim, queres salientar alguns bons exemplos, seja ao nível das editoras, seja ao nível das livrarias, seja ao nível de autores que te pareça que faz sentido referir. De editoras, enfim... Para além da EPM-4. Não, não,
Pedro Bernardo
é assim, não sou suspeito. Sou suspeito em causa própria. Sou um grande apreciador do projeto da Antígona. Gosto do catálogo, apesar da piada de ser assim um catálogo, coisas contra a corrente, enfim, com, em alguns casos, com algum alinhamento ideológico, mas é o que é, quer dizer, não... É uma coisa assumida, só compra quem quiser, mas são livros bem feitos, catálogo bem escolhido, bem feitos no sentido de bem traduzidos, bem revistos, bem paginados, É um projeto de que sou um grande adepto. E gosto também bastante da tinta de tinta de China, do design, da abrangência. Tornaram-se, enfim, é uma editora mais ou menos generalista, o que para mim não é apreciativo, mas, mais uma vez, coisas bem feitas, livros bem paginados, bem traduzidos, há um bom design, portanto, Bom Martin são dois exemplos, para mim, muito interessantes. Enfim, termos livrarias, continua a haver pequenos livrais ou livrais independentes, como lhe queiramos chamar, a fazer um bom trabalho. Livrarias bonitas, bem, venho-me agora à memória à centésima página em Braga, uma livraria muito bonita, em que percebeu qual é o seu público, o que é que deve lá ter, porque em muitos casos as pequenas livrarias foram arrastadas naquela coisa, temos de ter tudo, porque na pequena livraria não pode ter tudo E, portanto, tem de criar o seu público, tem de saber o que é que o seu universo quer e ter uma oferta adequada ao seu público. Quando cai na tentação de querer ter o que os outros têm, a coisa não vai correr bem porque os outros têm armas diferentes, quer dizer, de calibre maior. Bom ponto, sim. Não é possível. Portanto, devem criar o seu nicho e trabalhar, por exemplo, no Porto há uma coisa chamada Poetria. Poetria? Livros de poesia. Pronto. Tem o seu catálogo. Atividade
José Maria Pimentel
cultural. Não conhecia.
Pedro Bernardo
Um caso de intervenção, neste caso não estatal, mas autárquica, eles foram desalojados por causa de uma questão de renda e a Câmara Municipal do Porto, enfim, percebendo o valor simbólico e cultural da livraria, arranjou-lhes um outro espaço, com uma renda confortável. Evidentemente, isto é sempre injusto para outros livreiros que as coisas são o que são e a vida nem sempre é justa para todos. É um critério que não
José Maria Pimentel
convém abusar, não é? Mas é importante, claro.
Pedro Bernardo
Mas pronto, lá está. Alguém percebeu o seu nicho e, portanto, temos livros de poesia, com atividades culturais, leituras, récites, fonte de letras em Évora, coisa bonita. Mais uma vez, percebe quem é o seu público, trabalha para o seu público, cria, faz sugestões, consegue ter um trabalho de acompanhamento que, por exemplo, as grandes livrarias não têm, porque ou está ali pessoal pouco qualificado ou, nunca mais me esqueço, numa livraria que tinha... E o lema era de especialistas para especialistas. E estava lá um autor, um cliente, e chamou o livreiro, fez-lhe uma pergunta e o livreiro disse, olha, não sei. O cliente não sabe e apontou para o lema. E o livreiro virou-se para ele, por ordenado mínimo. Especialistas por ordenado mínimo. Enfim, não deve dizer isso, mas as coisas são o que são. A gente não pode crer no wow e competência e depois pagar. A verdade é que o livreiro, a antiga chamemos-lhe assim, com o domínio do catálogo, aquilo que vendia, com sugestões aos seus clientes, a tendência é para ir desaparecendo. Ele permanece onde? Precisamente nas pequenas livrarias, conhece o seu público, o que é que vai chegando e isso e aquilo. Mas fizeram uma seleção. Não caíram na tentação de ter tudo o que os outros têm.
José Maria Pimentel
É uma coisa de nicho, digamos assim, não é?
Pedro Bernardo
Em certo sentido, sim. E autores? Não sei se queres... Tenho memória grata de um autor que ainda publiquei na edição 70, ele faleceu há coisa dois anos, que foi o Robert Fiske. O Robert Fiske era... Ele foi correspondente do Times e esteve em Portugal depois da Revolução, em 75, e depois foi colocado em Beirute, logo em 75 ou 76, e portanto esteve lá até morrer. Cobriu as guerras na Argélia, no Afeganistão, portanto tudo o que é guerra no Médio Oriente, e escreveu um livro publicado na edição 70 que se chama A Grande Guerra pela Civilização, em que ele descreve todos os conflitos do mundo árabe. As origens, as consequências, a evolução, que é um livro, são 1200 páginas, mas é um portento, é um livro muito, muito bom e na altura da apresentação nós conseguimos trazê-lo cá e portanto não me esqueça ele veio na altura veio do Tajikistão. Com a escala Istambul, Robert Fiske era uma joia de pessoa simpaticíssima com uma cultura geral enormíssima mas simpaticíssima e portanto andámos a fazer aí o press tour com televisão, rádio, jornal, depois íamos almoçar assim nos bons restaurantes, pá, aê lapeteador, peixe fresco, pá, adorava aquilo. À noite ia levá-lo ao hotel, ficámos lá a conversa no bar, portanto tenho uma memória grata do Robert Fiss, fiquei com muita pena quando soube a notícia, mas enfim, assim, dos autores que conheci nestes anos de profissão, foi daqueles com quem mais gostei de trabalhar. Curioso. Olha, e o livro final? A tua recomendação de livro? O livro final é uma coisa de um editor norte-americano falecido já há uns anos, do André Schifrin, O Negócio dos Livros. Como os grandes grupos económicos decidem o que lemos. O André Schifrin, ele era o editor e fundador de um editor norte-americano chamado Pantheon e assistiu em primeira mão porque foi ali que ele começou precisamente ao fenómeno da concentração editorial. E o que ele descreve no livro, o livro está publicado pela edição portuguesa da Letra Livre, e o que ele descreve no livro é precisamente essa concentração e de como é que essa concentração editorial, por imposição da gestão, de forma direta ou indireta, vai condicionando aquilo que se publica. E aquilo que se publica passam a ser coisas sem risco, que obedeçam determinados critérios de rentabilidade, calculados de forma prévia na célebre folha de Excel, enfim, que todo editor que trabalha num grupo editorial já conhece, e de que forma é que isso vai afunilando o critério porque o editor, mesmo que leve um projeto editorial com risco, Esse projeto é chumbado em reunião e isso acaba, de facto, por condicionar o aspecto positivo disto em termos do ecossistema editorial. É que se alguém deixa de fazer aquelas apostas ricas nos grandes grupos, passam a aparecer pequenas editoras que apostam e, portanto, aquilo, enfim... A infelicidade de uns é a sorte de outros e vice-versa. Portanto, fecha-se ali uma oportunidade, mas ela abre para o outro editor. É um livro muito interessante em que ele explica como é que isto evoluiu e, de facto, começou ali a tendência e depois foi repercutindo por vários países da Europa, em Portugal como disse, começou ali em 2007.
José Maria Pimentel
Boa, Pedro, obrigado por teres vindo.
Pedro Bernardo
Obrigado, estou a conversar.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Legendas pela comunidade Amara.org