#128 Luísa Lopes - Porque é que o nosso cérebro envelhece (e como evitá-lo)?

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45° Regressado de Férias. Todos sabemos que, infelizmente, com a idade vamos perdendo gradualmente capacidade cognitiva. Desde a memória, por exemplo, há capacidade para aprender coisas novas. Mas a nossa experiência e as pessoas que fomos conhecendo e com quem nos fomos cruzando mostra-nos também que existe grande variabilidade entre as pessoas. Ou seja, há pessoas que numa idade muito avançada mantêm grande cuidado mental e continuam em muitos casos a trabalhar, e muitas vezes em trabalhos criativos e desafiantes. E no sentido contrário, há pessoas em que o envelhecimento cognitivo é acelerado e surge de forma prematura, por norma, associada a doenças degenerativas. Por isso é provável que todos nós, em algum momento, nos tenhamos perguntado porquê é que o nosso cérebro envelhece? É simplesmente uma consequência do envelhecimento geral do nosso corpo? E já agora, será possível evitar sermos assolados por este tipo de doenças de envelhecimento cognitivo prematuro e, já agora, de caminho, abrandar o mais possível o próprio envelhecimento natural? Foram estas e outras perguntas que fiz à convidada deste episódio, Luisa Lopes, que é neurocientista e dedica-se precisamente ao estudo dos mecanismos que causam o envelhecimento cognitivo precoce, em particular ao nível da memória. A convidada é atualmente coordenadora do grupo de investigação em Neurobiologia do Envelhecimento e da Doença, no Instituto de Medicina Molecular e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Na nossa conversa comecei por lhe perguntar o que é que acontece exatamente no nosso corpo e no cérebro em particular que causa esta diminuição das funções cognitivas que acontece mais, em maior ou menor grau, com a idade. Falámos por isso dos neurónios, as células fundamentais do cérebro, e também de dendrites, que são o imenso conjunto de ramos que liga um neurónio aos outros neurónios, permitindo-lhe receber informação destes, e ainda de sinapses, que são a ponta desses ramos, das dendrites, onde ocorre, através dos neurotransmissores, a transferência de informação de um neurónio para o outro neurónio e que permite, no fundo, que todo o nosso cérebro funcione e que pensemos para além do funcionamento do próprio sistema nervoso, em geral. Mas isto é o que acontece a nível biológico, molecular. Também é importante saber, e falámos sobre isso, que hábitos de vida é que devemos ter para tentar retardar este processo. E aí falámos da importância de dormir bem, de fazer exercício, de comer bem, de manter a mente ativa, tudo isto é mais ou menos óbvio, mas também um que é menos óbvio, socializar. Discutimos também aquilo que distingue o envelhecimento normal das doenças neurodegenerativas, que também estão associadas à idade, mas distinguem-se deste envelhecimento normal. E falámos de que tipo de tratamentos existem para estas doenças, bem como das limitações, que apesar dos progressos, continuam a existir nestas soluções. Mas a verdade é que dormir bem, comer bem, fazer exercício, não só são coisas que dão trabalho e tiram tempo, como servem apenas para adiar o problema. Aquilo que todos nós gostaríamos seria de poder não apenas adiar o envelhecimento, mas impedi-lo ou mesmo revertê-lo. Por isso, no final da conversa abordámos também alguns tratamentos revolucionários, embora com algumas barreiras éticas, como por exemplo experiências recentes que foram feitas com ratos, em que se fez uma transfusão de sangue de um animal novo para um animal mais velho e com isso se conseguiu reverter o envelhecimento cognitivo do rato mais velho a uma série de níveis. Claro que tudo isto está muito na infância, mas é evidente que esta é uma área que com o aumento da longevidade vai dar muito que falar nos próximos tempos. Foi uma conversa bem interessante, acho que vão gostar, e além disso a Luísa é mesmo o tipo de convidado que eu gosto para este tipo de discussões, porque consegue ser suficientemente clara para todos perceberem e ao mesmo tempo não simplificar aquilo que está a explicar. Antes de passarmos ao episódio deixa me fazer dois anúncios porque aproveitei as férias para fazer dois upgrades no podcast em resposta a pedidos que vários ouvintes me foram fazendo ao longo do tempo mas que ainda não tinha tido tempo para aplicar. O primeiro tem a ver com os livros que os vários convidados recomendam. Já há muito que me tinham pedido para ter uma lista que fosse consultável para ver que livros tinham sido recomendados e que convidada que tinha recomendado cada um deles. Ora, se forem ao site do podcast, 45graus.parafuso.net, encontram lá um link para o Goodreads, não sei se conhecem, é uma espécie de rede social de livros, onde eu criei um grupo do 45 Graus e criei uma estante com todos os livros recomendados pelos convidados e ainda alguns que eu próprio acrescentei e que vos podem interessar também. Por baixo de cada livro, se carregarem ver Atividade, conseguem ver que convidado recomendou aqueles livros. Esta página do Goodreads permite também fazerem comentários e abrir discussões sobre determinado livro, portanto estejam à vontade para fazê-lo e já agora, se encontrarem algum livro que me tenha esquecido, avisem-me. A segunda novidade, também à pedido de vários ouvintes, é que no site do podcast encontram agora em cada episódio, etiquetas relativas aos assuntos abordados. Estas etiquetas são mais do que o tema ou categoria do podcast, porque cada episódio tem mais do que uma etiqueta, o que é normal porque cada episódio toca em vários pontos. Por exemplo, o episódio de hoje tem as etiquetas ciência, que é bastante abrangente, mas também neurociências, biologia e mesmo saúde. Todas elas têm uma relação com o episódio, mas nenhuma delas, à exceção talvez de ciência mas é demasiado abrangente, conseguem resumi-lo isoladamente. Desta forma, no site podem selecionar uma das várias etiquetas e encontrar todos os episódios que, de alguma forma, encontram naquele tema. No site do podcast, na barra direita, encontram também uma nuvem de palavras em que conseguem ver os temas mais comuns. E já agora, se quiserem ver as redes sociais do podcast, partilhei também um gráfico em que conseguem ver exatamente quais são os temas mais comuns e quais são os menos comuns. De resto, como já perceberam, mais tarde ou mais cedo as vossas boas sugestões são acatadas, portanto deixo o repto. Se tiverem mais sugestões deste tipo que possam melhorar o podcast e torná-lo mais útil para os ouvintes, estejam à vontade e partilhem comigo. Finalmente, antes de passar para o episódio de hoje, tenho de agradecer aos novos mecenas do 45° e com esta pausa para férias são muitos, felizmente. Um grande obrigado por isso ao Tiago Gonçalves, muito obrigado também ao Carlos Nobre e agradeço também ao Carlos Branco, Francisco Seabra, ao Luís Gomes, ao Ricardo Bernardino, ao Armindo Martins, à Maria Rita Bourbon, ao Alexandre Alves, ao Paulo Barros, ao António Oliveira, ainda não acabou, ao Carlos Castro e, Last but not least, ao David Palhota. E com isto, agora é que vos deixo mesmo com o episódio com Luísa Lopes sobre a neurociência do envelhecimento. Espero que gostem.
Luísa Lopes
Luísa, muito bem-vinda
José Maria Pimentel
ao 45°. Olá, boa tarde. Vamos aqui a gravar no IMM, num sítio excelente. Vamos falar de envelhecimento cognitivo e não só. Se calhar faz sentido começar por descrever como é que acontece um envelhecimento normal no nosso cérebro. Ou seja, se as coisas correrem bem, mesmo assim nós envelhecemos, infelizmente, portanto vamos perdendo capacidades. O que é que acontece? Que partes do nosso cérebro é que vão perdendo mais capacidades e porquê é que isso acontece?
Luísa Lopes
Sim, o mais curioso é que o cérebro está sempre a mudar, ao contrário do que as pessoas pensam, que às vezes se preocupam só com a parte quando somos mais velhos. Mas nós, uma das alturas que ele sofre mais modificações é exatamente nas crianças com 2, 3 anos. E nós dizemos muitas vezes, tem o chamado de jabaste, as sinapses. As sinapses são as zonas de transmissão, portanto de comunicação entre os neurônios e as crianças, por isso é que elas são muito desajeitadas do ponto de vista motor e depois começam com a linguagem também, etc. E é nessa altura que se dá uma especialização. E essa é uma altura, eu acho sempre fascinante, porque é assim, não é em vão que nós dizemos que as crianças, o que fica impresso nessa fase é super importante. E eu estou a dizer isto porque falámos de crianças antes de começar. E é uma coisa que as pessoas às vezes esquecem que o cérebro é sempre dinâmico e não só mais tarde. Depois outra fase muito interessante é a adolescência. Que é quando a zona pré-frontal, chamada a zona pré-frontal executiva da censura, o que nós chamamos de maturidade do autocontrolo, fica desenvolvida. E não é por, digamos que não é coincidência, por isso é que nos Estados Unidos começam a haver alcohol aos 21. A impulsividade é até essa altura e nós dizemos também que os soldados, não recrutamos soldados aos 25 anos, recrutamos aos 18. Porque há esta ausência de risco e a ausência de risco é a ausência de medo e não há essa, ainda, essa perceção do medo, do risco, que é perfeitamente natural. Mas eu só dizia isto porque depois temos outra fase. Começamos a ficar com o desenvolvimento a partir dos 40. Infelizmente começamos a ter alterações, perda de volume e começamos a ver isso cedo, Perda de volume que não implica obrigatoriamente alterações cognitivas, mas temos perda de volume tanto nos homens como nas mulheres. Temos alterações vasculares, ou seja... De ligação. Sim, que tem a ver com aquelas que nós também temos em... Que nós vemos sistemicamente, portanto no corpo naturalmente, que o cérebro é o espelho do que nós temos. Portanto, pessoas que comem melhor, que fazem mais exercício físico, que têm mais cuidado, em geral vão ter também uma saúde, digamos, vascular melhor. Portanto, há alterações vasculares, há alterações estruturais, mas curiosamente não há a morte dos neurônios, portanto, que são as células nervosas, que era uma coisa que há uns anos se achava que havia. E de facto, uma das grandes diferenças entre o envelhecimento dito saudável E a neurodegeneração é não haver morte neuronal. E o que é que acontece então? O que nós vemos é alterações sobretudo nas sinapses, nessas zonas de comunicação dinâmicas. E que é exatamente o que nós estudamos no laboratório. Queremos muito estudar como é que está a comunicação cinática, mais do que a quantidade de neurónios. Depois, em neurodegeneração, há de facto uma morte que acontece, por exemplo, em situações de acidentes vasculares cerebrais, que é quando há um bloqueio de irrigação e há morte neuronal, a mesma que acontece em neurodegeneração, mas de uma forma mais gradual do que um acidente vascular.
José Maria Pimentel
Mas aí são as causas anormais, né? As causas
Luísa Lopes
anormais. Em termos de envelhecimento saudável, o que é que nós sabemos que é que acontece? O que é que é normal nessa idade? Normal é, por exemplo, a função executiva diminuir, chamada o cálculo mental. Fica mais lento. Isso não quer dizer que a pessoa esteja doente. Eu digo sempre isto porque as pessoas ficam muito preocupadas. Ai, esquece-me do nome das pessoas, que é uma coisa muito comum com a idade. É normal. Não quer dizer que a pessoa já está a ter uma doença neurodegenerativa. E por exemplo, nós melhoramos muito nas férias. Normalmente há um bom truque para perceber se é stress, falta de sono, porque isto são, depois já vamos lá, mas são os fatores que interferem na cognição normal. Há sempre uma coisa boa que é depois de férias ou durante as férias como é que isto está? Se isto desaparece, obviamente que são causas que são reversíveis, digamos. Mas o que é que acontece? Há o cálculo mental que fica mais lento, há este esquecer, por exemplo, o nome, é uma coisa que é natural com o envelhecimento e normalmente também temos alguma chamada a memória de trabalho, portanto aquela memória de curta duração de curar números de telefone que nos dizem e depois tentar lembrar-se disso também é natural não é tão comum a memória de longa duração. Essa está lá preservada. Essa fica preservada, sim. E mesmo em neurodegeneração, por exemplo, na doença de Alzheimer, que é muito comum, essa fica relativamente preservada. E o que é normalmente afetado é esta capacidade de formar novas memórias. No envelhecimento saudável, curiosamente, há pessoas com 80 ou 90 anos que têm uma memória e uma capacidade de cálculo excepcional. É muito fácil, digamos que há uns anos não era, mas é relativamente fácil e distinguível para um clínico que esteja muito especializado. Nós fazemos investigação pré-clínica, mas trabalhamos com muitos clínicos e eles são muito hábeis a distinguir. A distinguir? A distinguir entre o que é um envelhecimento saudável, que são as alterações cognitivas naturais que se devem esperar de um cérebro de 80 anos, quando comparamos com um de 40 com uma doença neurodegenerativa, que normalmente é o maior medo que as pessoas têm, mas é fácil distinguir.
José Maria Pimentel
Mas tu estavas a sugerir, desculpa, que há pessoas que não têm esse envelhecimento, não é?
Luísa Lopes
Exatamente. E essa é outra fonte de investigação muito interessante, que é o que é que está por trás o que nós chamamos de vulnerabilidade cognitiva ou suscetibilidade cognitiva em indivíduos saudáveis. Ou seja, em ausência de doença, Mesmo assim, há pessoas que aos 80 têm uma capacidade muito mais intacta do que outras e há vários estudos a tentar perceber isto. Portanto, tudo no contexto do envelhecimento saudável perceber, por exemplo, com técnicas de ressonância magnética funcional, que agora estão muito... Toda a gente quase ouve falar, em que no fundo o que nós conseguimos é medir o funcionamento cerebral enquanto as pessoas estão a fazer uma tarefa. E para isso usamos várias medidas, mas normalmente medimos a glucose ou medimos o fluxo sanguíneo, que são marcadores de funcionamento. E conseguimos medir enquanto as pessoas estão a decorar listas ou a fazer cálculos.
José Maria Pimentel
Ou seja, a lógica é que se os neurônios estiverem a funcionar, os sinapses precisam de ser alimentados.
Luísa Lopes
Exatamente. E portanto precisam de sangue e de glucosa. Exatamente. Aqueles que estão a ser mais ativos na altura consomem mais oxigênio, têm mais fluxo sanguíneo. É esse o princípio base, assim, de uma forma simples. E nós, há muitos estudos agora usando essa técnica, que são fascinantes, porque permitiu-nos pela primeira vez olhar para o cérebro em funcionamento. Até então fazíamos aquelas imagens, por exemplo, das taxas ou das ressonâncias, que eram estáticas, não havia este conceito dinâmico, não era estrutura, viamos as estruturas. Agora vemos as estruturas em funcionamento, que eu acho fantástico. Olhar para isto e ver o que é que acontece é algo de fascinante. O que é que nós sabemos? Sabemos que de facto há esta diferença entre as pessoas. Duas pessoas saudáveis, uma consegue ser muito mais resistente ao déficit cognitivo e outras não. Não sabemos porquê. Tem sido alvo de grandes estudos. É uma das coisas que nós também estamos a fazer em laboratório. Depois podemos falar um bocadinho sobre isso. Mas não sabemos porquê que isto acontece. Não tem a ver, normalmente, com fatores genéticos. Pode acontecer na mesma família e com pessoas diferentes. Não tem a ver com fatores ambientais, sabemos que tem a ver com, por exemplo, a educação. Sabemos que a educação, o facto da pessoa ter um nível educativo mais alto, digamos que contribui para o que chamamos de reserva cognitiva. Não quer dizer que as pessoas percam as capacidades mais lentamente, significa que têm outros recursos a nível cerebral, que é muito interessante também ver. Nós sabemos que pessoas com um nível educacional mais elevado têm essa capacidade, conseguem ter outros recursos, no fundo, para a mesma tarefa, imaginemos, temos que escrever o nome, ou usam recursos que permitem compensar para essa perda que acontece com a vida, e usam-nos melhor. E, portanto, conseguimos perceber mais tarde, ou seja, o resultado final significa que é mais lenta o resultado da perda cognitiva. Não quer dizer que ela não existe. Significa que a pessoa usa outra forma de estratégia.
José Maria Pimentel
Certo, certo. Tem mais estratégias. E o cérebro faz, mesmo neurofisiologicamente, faz muito isso, vai compensando. Faz muito, sim. A partir que nós vamos a envelhecer e começa a haver uma compensação entre zonas diferentes.
Luísa Lopes
Exatamente, por exemplo, quando a pessoa perde a função de um dos lados é o que acontece, as pessoas fazem fisioterapia, ou terapia da fala, etc, o que acontece é isso, temos uma zona que morre e a outra que vai fazer essa função e o cérebro nisso é fantástico, com o envelhecimento obviamente que essa flexibilidade é um bocadinho menor, por isso é que nós dizemos burro velho não aprende línguas, que não é verdade de tudo, e aliás nós aconselhamos sempre as pessoas a serem intelectualmente muito ativas, não significa que alguém que seja caixa de supermercado vá fazer física teórica, mas pode, por exemplo, continuar a fazer os puzzles ou as palavras cruzadas ou coisas que fazia e quem fosse físico teórico se calhar vai continuar a fazer os cálculos.
José Maria Pimentel
Mas essa era uma das perguntas que eu tinha para ti, desculpa interromper-te. Eu tenho ideia que a investigação nessa área não é ainda muito conclusiva. Na área não de tu manteres o estímulo cognitivo, isso claramente é. Digo eu, embora também pudéssemos dizer que tinha a ver não, por exemplo, as pessoas que têm educação superior, não com o facto de se manter estimulados, mas com ter construído essa reserva
Luísa Lopes
antes. Há as duas coisas. Sim,
José Maria Pimentel
mas o que eu ia dizer é o papel desse tipo de teste, sei lá, da pessoa a andar a fazer sudoku ou usar umas apps quaisquer, como existem no telemóvel, para estimular o cérebro, eu tenho ideia que aí a investigação não é tão conclusiva, não é? Se aquilo te permite ou não, neste caso, manter o cérebro em forma, se quiser.
Luísa Lopes
Há agora vários estudos mais recentes com envelhecimento. Esses estudos, a maioria deles, são feitos em neurodegeneração, em casos de demência e não tanto no envelhecimento saudável. É o normal também, não é? Sim, porque são onde conseguimos ter fundos para financiar. Mas há estudos muito curiosos na Suécia, na Dinamarca, nos países escandinavos, que ao contrário de usar fármacos, fármacos, digamos, drogas que são sintetizadas e são dadas às pessoas, tentou fazer o que nós chamamos de uma abordagem multidisciplinar, que era durante dois anos pessoas que tinham o chamado déficit cognitivo ligeiro. Significa que são pessoas que já têm algum defeito cognitivo, mas ainda não têm demência diagnosticada. Portanto, é uma fase muito precoce. Mas também não são completamente saudáveis. Não sei se me consegui fazer entender. Ainda não é uma demência diagnosticada e não sabemos se vai ser ou não. Não quer dizer que se possa prever exatamente. Mas é uma fase que pode durar muitos anos e ficar assim ou podem algumas pessoas evoluir para uma neurodegeneração. O que é que acontece? Durante 5 anos essas pessoas foram seguidas e se fez uma abordagem fez-se exatamente isso deu-se estímulo cognitivo, treino cognitivo, exercício físico, socialização, ou seja, as pessoas tinham que estar em grupo, e uma dieta saudável, que normalmente são os fatores de risco que nós também sabemos para prevenir as demências. E, curiosamente, funcionou, ou seja, no fim os primeiros resultados saíram há uns anos e essas pessoas continuam a ser seguidas. Portanto, nós vamos ainda ter resultados ao fim de 10 anos e provavelmente ao fim de 15 anos. E de facto, os resultados foram positivos. Ou seja, há uma alteração positiva, que é estatisticamente significativa, em melhorar ou retardar os efeitos do desfice cognitivo. Portanto, não é verdade que nós não saibamos, nós sabemos. Não quer dizer que seja A, P, X ou Y. Como eu dizia, para cada pessoa, a ideia que nós temos é, mais uma vez, Não é com a pessoa que nunca correu a maratona que vai agora correr, não é? Agora, quem corre deve continuar a correr. Quem não faz nada, se calhar, começar a andar a pé.
José Maria Pimentel
É manter o que tem. Exatamente.
Luísa Lopes
Mas sabemos que isso funciona porque pela primeira vez em 2015, e por causa da qualidade de vida que nós temos e de haver esta consciencialização para o exercício físico, que há 40 anos não havia, pela primeira vez em 2015 nós tivemos menos casos de demência diagnosticados. Ou seja, em termos absolutos foram aumentando, mas digamos, o declive diminuiu. Ou seja, e porquê? Porque a nossa geração, a minha, que é dos 40 a 50, tem um estilo de vida muito mais saudável do que tinham os nossos pais. E temos essa consciencialização. E isso está a mudar os hábitos. Portanto, isso funciona. Ao contrário do que se possa pensar, está a funcionar em termos epidemiológicos. Ou seja, ele tem diminuído desde 2015. Tem diminuído o declive. Significa que o número de pessoas diagnosticadas por ano, esta taxa diminuiu ligeiramente. E o
José Maria Pimentel
que
Luísa Lopes
significa que o que quer que estejamos a fazer em termos de hábitos de vida funciona. E isto foi um estudo, foi em vários centros, portanto, foi confirmado com vários... O que nós chamamos multicêntrico, em vários estudos. Sim. E isso é curioso, não só curioso, mas confirma esta ideia de que nós temos controle nisto. E o outro que eu não falei é o sono. Esqueci-me, mas o sono. Que é outro. Portanto, havia estas 5 variáveis.
José Maria Pimentel
Portanto, é exercício físico, alimentação, estímulo, social e sono.
Luísa Lopes
Sim, nós sabemos que o isolamento, por exemplo, é um fator de risco para a demência e é uma coisa já muito comprovada neste momento. Começou-se a falar há uns anos, mas agora já é muito claro, de facto, o isolamento social aumenta o risco. E
José Maria Pimentel
até para a própria longevidade, não é? Aquel estudo das blue zones.
Luísa Lopes
Diz que as aldeias em que as pessoas vivem mais em comunidade, normalmente têm uma longevidade maior e conseguem ter um envelhecimento saudável.
José Maria Pimentel
São as duas coisas, que é curioso. O caso do sono é engraçado, porque eu tenho dito isso várias vezes recentemente, quer dizer nos últimos anos, porque hoje em dia fala-se muito do sono e da necessidade de dormir e dos efeitos negativos da falta de sono E depois a pessoa tem filhos. E quando tens filhos, desse ponto de vista, estás a fazer muitas vezes as piores coisas, não é? Claro que é por um bem maior.
Luísa Lopes
Mas é agudo. Normalmente não há grande problema porque é uma fase aguda da vida, digamos. Os problemas são os problemas crónicos de sono. Sim. Ter filhos, as pessoas sempre tiveram filhos, não é? E há milhares de anos que as pessoas têm filhos e que eram pequeninos e precisam ser alimentados 3 em 3 horas. A questão aqui tem a ver com, não só nós dormirmos pouco no resto da vida, dormirmos mal e não termos hábitos que nós chamamos de higiene de sono. Portugal é um péssimo exemplo.
José Maria Pimentel
Pois, também tenho ideia disso.
Luísa Lopes
Nós vamos para a cama muito tarde, dormimos muito poucas horas, com filhos ou sem filhos. Com filhos ainda com cuidado, devíamos ter maior cuidado E claro que obviamente que há pessoas que não têm a opção. Depende do trabalho que a pessoa tem. Há pessoas que têm que se levantar muito cedo e que têm que se deitar muito tarde. Mas as mesmas que têm a opção não a escolhem. E há algum tempo saiu um livro muito interessante que dizia que não tomar conta do sono dos nossos filhos é tão negligente como não lhes dar comida. E eu concordo inteiramente. É uma herança que nós deixamos aos filhos e que muitas vezes... E nós nas escolas consciencializamos muito para isto. Para esta importância do sono na fase de desenvolvimento, que é crucial, e que algumas da irritabilidade das crianças, da impaciência, etc., na escola, tem a ver com exatamente precisarem de dormir. E falámos com muitos professores e é geral eles dizerem que às vezes só precisam de 20 minutos de cesta e muda, nós sabemos bem quem tem filhos percebe, sabe? Quando eles ficam super irritados e se tiverem uma bela cesta parecem outras crianças.
José Maria Pimentel
Eu acho que o difícil aí é quando o teu filho está a dormir menos do que devia, tu não percebes que é isso que está a causar essa irritabilidade.
Luísa Lopes
Sim, é verdade, é verdade. Mas também as crianças têm várias fases de desenvolvimento, que também são normais. Sim. Que é quando estão a desenvolver a linguagem, dormem menos, por exemplo, depois têm mais pesadelos. É muito interessante esta fase de desenvolvimento, porque eles de facto, por exemplo, às vezes a linguagem está a desenvolver-se assim estrondosamente e nós dizemos o que é que se passa, todos os dias têm coisas novas e a parte motora retarda, depois é ao contrário. Isso é tudo normal e por isso é que muitas vezes nem se deve comparar o desenvolvimento das crianças, ou seja, claro que sim, há uns certos parâmetros que as pessoas do desenvolvimento sabem, mas não se deve comparar um a um, porque as crianças têm alguma variabilidade que é normal e que também é interessante. E o sono, mesmo o sono, sofre alterações, portanto quem tem filhos sabe muito bem que eles têm as fases dos pesadelos, depois têm as fases que estão super agitados. Normalmente isso acontece com uma fase muito grande do desenvolvimento, seja da linguagem, seja motora, quando começa uma coisa nova na escola. E quem estiver atento, isso é muito... É normal, é normal, é comum. O nosso sono é um bocadinho menos porque eles têm uma resistência muito maior que a nossa. Mas em termos, o que eu dizia, para concluir, em termos agudos não faz mal se tivermos problemas de sono numa fase aguda da vida. Problemas crónicos de sono são claramente um fator de risco. Ok, é bom saber. Para a neurodegeneração. Eu sei que às vezes é assustador, sobretudo para as pessoas que trabalham por turnos, mas há vários estudos que mostram que sobretudo os turnos rotativos, quem na vida tem aqueles turnos rotativos, como as enfermeiras, por exemplo o pessoal de tráfego aéreo, não é? Que muitas vezes, sobretudo os que fazem de longo curso e que têm que se adaptar e têm que mudar o ritmo de sono, pode ser um fator de risco em alguns deles. Não toda a gente, mas é
José Maria Pimentel
um fator de risco. Mas é engraçado, porque olhando para estes fatores que tu alincaste
Luísa Lopes
há bocadinho... Parece fácil,
José Maria Pimentel
é isso? Não, não, parece relativamente fácil, mas depois na prática não é, o dia só tem 24 horas, mas com sono, exercício físico, alimentação, até a questão da socialização, isto são basicamente os mesmos fatores que são recomendados para a própria longevidade, do ponto de vista mais abrangente, a longevidade do nosso corpo. O que gera uma pergunta interessante, que é o que é que do ponto de vista fundamental está a acontecer aqui? O que é que isto está a provocar? O que é que o exercício físico, o sono, a alimentação, a socialização, a parte do estímulo, se calhar mais evidente. Agora, estes quatro que são mais sistémicos, o que é que eles estão a provocar? O que é que sabem em relação a isso? Ou tens algum palpite? Quer dizer, tem que ver com a acumulação de proteínas, tem que ver com a irrigação? Sim,
Luísa Lopes
há várias teorias, e cada vez têm havido mais teorias. A primeira coisa importante é perceber que o envelhecimento é sistémico, de facto. Não há cérebros jovens em corpos maltratados e vice-versa. Portanto, esta ideia às vezes que as pessoas têm de separar as diferentes componentes é errada, a meu ver. Isto é um problema sistémico e obviamente que uma pessoa que mantenha um organismo mais saudável está a contribuir para que o seu cérebro seja mais saudável. Primeira coisa. A segunda é, nós não sabemos muito bem os mecanismos. Sabemos que tem a ver claramente com questões vasculares. Ou seja, o ter um sistema circulatório mais saudável ajuda. E daí tudo o que diminua o risco vascular. E
José Maria Pimentel
daí o exercício ser mais corrida, aeróbico. O exercício
Luísa Lopes
físico, a dieta saudável, tudo o que diminua as doenças crónicas, que no fundo sabemos que são fatos de risco, diabetes, doenças cardiovasculares, diminui claramente o envelhecimento, também, do cérebro. E às vezes digo muito as pessoas perguntam sempre então o que é que eu faço para não ter déficits cognitivos? Eu não envelheço. Porque de facto o envelhecimento está ligado esta nossa longevidade, que agora é maior está ligada a uma série de alterações como o cancro. O cancro surge porque nós vivemos mais tempo. E o cancro o que é? É uma série de checkpoints, se quisermos, as células estão no seu funcionamento, quanto mais tempo nós vivermos, mais mutações elas vão ter que gerir, digamos, mais alterações têm que gerir e mais probabilidade de alguma coisa correr mal acontece. Portanto, há maior risco de termos cancro porque vivemos mais. Quando a nossa esperança média de vida era muito baixa não tínhamos nem doenças neurogenetivas nem cancro. Primeiro porque não sabíamos se ia comesticar e depois porque as pessoas morriam muito cedo. À medida que isto acontece, Eu digo sempre que esta longevidade ou estas doenças são uma conquista, porque temos antibióticos, temos higiene, portanto, tudo aquilo que nos matava muito cedo não mata. Não é uma maldição, é uma benção. Sim, sim, claro. É ver isto de outra forma. O que é que acontece? Agora que nós já conseguimos conquistar essa primeira fase, Não morremos de uma cirurgia, não morremos de sepsis, não morremos de uma infecção generalizada, pelo menos nos nossos países na Europa, felizmente há países onde ainda isso acontece, mas com a medicina moderna não morremos com estas coisas. Não morremos de parto, não morremos com um acidente automóvel que as pessoas quando não viam antibióticos. A higiene, os antibióticos, etc, foram uma grande conquista. Portanto, agora temos o problema seguinte, que é, temos mais cancro, temos doenças neurodicionativas. Primeiro, nós sabemos que há claramente uma ação antioxidante, ou seja, o facto de nós vivermos com oxigênio e precisarmos de oxigênio para viver faz com que acumulemos o que nós chamamos de radicais de diversos oxigênio. E é um dos fatores do envelhecimento, é isso. É a acumulação desses radicais e a forma de lidar com eles.
José Maria Pimentel
As acumulações?
Luísa Lopes
Dentro das células ou... Eles acumulam-se dentro das células, sim. E o que acontece é que isso cria uma série de reações que são tóxicas para o próprio organismo e que tornam as células menos capazes de, digamos, de exercer a sua função. Tudo o que possa diminuir esse efeito, no fundo, vai melhorar a nossa saúde em geral. Nós não sabemos o mecanismo. Há algumas moléculas que têm sido apontadas como os elixires da juventude. Os antioxidantes como o resveratrol no vinho tinto, as sirtuínas, que são moléculas pro longevidade, e há coquetéis com estas coisas todas. Eu já digo porque é que estou a dizer isto tudo. Os chamados senolíticos. Senolíticos é um conceito algo recente, que no fundo é um conjunto de fármacos, um coquetel de fármacos anticancro, que foi descoberto que também aumentava a longevidade e não sabem porquê. Isto é um conhecimento empírico e, portanto, chama-se em geral cenolíticos, antissinogência, se quisermos, que é o envelhecimento das células. E, portanto, todos esses agora têm estado muito na moda de usar um coquetel para nos tornar mais saudáveis. Basicamente, todos vão ao mesmo, que é uma capacidade antioxidante maior e tentar que o nosso estilo de vida promova, no fundo, se quisermos, esse ambiente pouco tóxico para as células. E esse ambiente pouco tóxico é exatamente ter uma dieta com menos açúcar, ter insulina, sobretudo a insulina controlada, que é um dos que também aumenta o efeito pró-oxidante, se quisermos, e mantermos os músculos, a pele, o fígado. uma série de coisas que no fundo não são mais do que aquilo que sempre nos ensinaram, que é manter uma vida saudável. Há pouco falámos das blusões. Porquê é que as pessoas chamam das blusões, que são zonas onde há uma longevidade anormalmente saudável, são zonas, primeiro, mais uma vez, também não se percebe bem, mas sabe-se uma coisa, sabe-se que as pessoas vivem em comunidade, e portanto o isolamento, sabe-se que têm dietas saudáveis e sabe-se, curiosamente, que mantêm uma atividade física até muito tarde. E não precisa de ser os ginásios,
José Maria Pimentel
não é? Sim, sim, não é correr propriamente. Sim,
Luísa Lopes
são pessoas como nós vemos, por exemplo, nas zonas rurais de Portugal, que continuam a fazer as suas coisas na horta e continuam a tratar dos animais. A pessoa manter-se com um propósito ativo e útil é muito importante. E daí sempre também aquela ideia de que a partir de uma certa idade se a pessoa deixa de ter um objetivo, mais uma vez é um fator de risco para ter demência. Sim, sim, sim. Portanto, basicamente, nós não sabemos ainda. Há uma série de pistas que têm a ver sobretudo com o metabolismo celular. E mesmo nos neurônios não sabemos muito bem. Sabemos que provavelmente o que afeta são as coisas que afetam as outras células.
José Maria Pimentel
Pois, são células não é mesmo?
Luísa Lopes
Sim, é outro nível. A diferença dos neurónios é que eles, quando morrem, não há. Os neurónios não substituem-se, exceto uma pequena percentagem, o que torna tudo mais irreversível e grave. Enquanto as outras células nós conseguimos, há morte solar e nós podemos substituí-las ou elas substituem, exceto em alguns casos. No caso dos neurónios não. Os neurónios, quando perdemos neurónios é para a vida toda, nós temos os neurónios com que nascemos. Temos
José Maria Pimentel
o estoque logo quase todo à partida.
Luísa Lopes
Exatamente. Exceto uma...
José Maria Pimentel
É um bocadinho no hipocampo também, não é? Que criamos novos.
Luísa Lopes
Sim, o hipocampo é uma das zonas, ou o giro dentado é uma das poucas zonas, juntamente com o bolo olfativo, que é outra, que é a zona que faz o processamento dos odores, são zonas onde há a chamada neurogênese do adulto. São muito poucas. Também não sabemos bem qual é a função. Sabemos que em algumas situações, por exemplo exercício físico estimula o neurogénios, antidepressivos, os medicamentos antidepressivos estimulam o neurogénios. Sabemos de muitos fatores que estimulam ou diminuem esta neurogénios no adulto, mas não sabemos muito bem O que acontece se ela não existir? O que nos parece neste momento é que nós precisamos sempre de uma pool, ou se quisermos, um nicho de células novas que são importantes para o funcionamento. Curiosamente, havia a grande ideia, quando se descobriu isto, e eu aqui já estou a falar de outras coisas, mas isto é sempre intímido. Sim, sim. Que é, pensava-se, ah isto é fantástico, descobrimos agora um misto de células novas. Portanto, se a pessoa tiver um acidente vascular ou tiver um acidente, por exemplo, um acidente rodoviário em que percam uma parte dos neurónios, conseguimos que estes migrem. Não é verdade?
José Maria Pimentel
Pois, eu ia perguntar isso.
Luísa Lopes
Não, infelizmente. Ou seja, esta capacidade de estes neurónios migrarem para zonas onde são precisas é muito pequena, porque eles precisam de um ambiente muito específico. E mesmo as terapias que nós chamamos de células estaminais, que são baseadas nesta ideia, nesta ideia de que células mais jovens, que ainda têm o seu potencial, potencial no sentido de se diferenciarem o que nós quisermos, porque há neurónios de vários tipos, acetilcolina, glutamata, etc. E portanto, nem todos, Isto também não é bem um cocktail que podemos pôr tudo em todo lado. E pensávamos, ótimo, estas células têm um potencial um bocadinho, o que nós chamamos quase embrionário, que é ter a capacidade de se diferenciar em outras.
José Maria Pimentel
Ou seja, já são neurónios, mas ainda não são...
Luísa Lopes
Exatamente, são neurónios, mas ainda não são diferenciados, o que Nós chamamos de diferenciação, que são precursores de neurônios, mas ainda têm o potencial de dar origem a qualquer um destes tipos. Isso, obviamente, é fantástico em termos de biotecnologia. E é usado, por exemplo, e tem sido usado mesmo em doenças neurodegenerativas, este potencial das células estaminais, que é o mesmo que se usa nos embriões, não é? A grande questão ética de usarmos embriões. Porquê é que nós queremos usar embriões? E são usados muito para a parte da hematopoiese, não é? Da formação das células do sangue. Porquê? Porque são um conjunto de células que ainda têm este potencial de dar origem a todas as outras e, portanto, nós, em princípio, em princípio podemos pô-las em sítios específicos que com os estímulos à volta biológicos e químicos do ambiente, elas vão se transformar naquelas que nós quisermos. Pois bem, nas células hematopéticas funciona bem e por isso é que se tiram as células do cordão umbilical das crianças para o caso de se tiverem doenças ligadas ao sangue, sobretudo leucemias etc funciona bem. Mas no caso do cérebro tem havido algumas tentativas de o que nós chamamos de Injeção de células estaminais em zonas, por exemplo, uma das doenças que mais tem sido usada é para a doença de Parkinson. Na doença de Parkinson perde-se neurônios dopaminergicos da zona de controle motor, por isso é que se fornece um tremor. E houve uma grande aposta em fazer transferência de células estaminais para essas zonas não funciona muito bem. Ou seja, funciona de uma forma muito limitada. E
José Maria Pimentel
não funciona porque não se diferenciam, não criam ligações?
Luísa Lopes
As duas coisas. Percebemos que primeiro precisam de uma série de estímulos para se diferenciar e depois perdemos uma série de células. Portanto, a quantidade que se põe depois não é toda aproveitada e a capacidade de formarem circuitos é muito limitada. Significa que nós ainda não conseguimos perceber bem o que é que está por trás localizar o neurónio no sítio e ele não vai fazer exatamente aquilo que nós pensamos. E sobretudo esta complexidade... Pois pode ter a ver com o quê? Desculpa. Tem a ver que o neurónio para formar circuitos precisa de uma série de estímulos de outros neurónios à volta, das células gliais, que são outro tipo de células do cérebro. Certo. E nós ainda não percebemos qual é o cocktail, correto? Há muitos avanços, convém dizer que há muitos avanços. Por exemplo, uma das coisas interessantes, que eu acho que é super ficção científica, são os chamados organoides, que agora são usados. No fundo é nós, numa placa de Petri, conseguimos construir o mini-brain, os chamados mini-brains, portanto um cérebro em pequenino. E isto tem a ver com o conhecimento que já temos de como é que funciona de uma série de células fazerem um circuito. Já conseguimos fazer, mas ainda não temos o cocktail, ou seja, ainda não temos a receita completa para conseguir fazer um cérebro fora do cérebro, conseguir fazer um circuito fora do circuito. E esta é a grande dificuldade.
José Maria Pimentel
E que ingredientes é que fazem parte dessa receita? São só os neurónios e a... Desculpa, agora esqueci de uma das
Luísa Lopes
outras células. Células gliais. Das gliais? Ou seja, o que é que... O que é
José Maria Pimentel
que contribui? Eu estou a perguntar porque isto... Se fosse uma receita, não é? Falando a um nível superficial, são só células, mas na verdade tens muito mais do que células, tens proteínas, tens uma série, tens o espaço intercelular, não sei se é relevante neste caso, ou seja, essa receita eu imagino que possa ter mais ingredientes. Sim,
Luísa Lopes
tem imensos ingredientes. Primeiro, tem ingredientes de sinais genéticos, portanto, fatores de transcrição que modulam genes, portanto, temos que juntar fatores de transcrição específicos, depois temos que juntar o que nós chamamos de fatores neurotróficos, são proteínas muito específicas que servem de suporte aos neurônios, como se fosse um alimento, mas de suporte para eles crescerem, para eles formarem circuitos. Depois temos uma série de coisas que são os normais, glucose, oxigênio, etc. Exato. Que é o normal. E na tela fala disso, exatamente. Exato. Depois temos a configuração das células, até a densidade das células é importante. Por exemplo, só para dar uma ideia, isto para quem gostaram muito disto, se nós crescermos neurónios sozinhos numa placa, eles morrem rapidamente. Eles precisam de uma certa densidade, as tais células gliais, porque as células gliais eram há pouco tempo consideradas só células de suporte metabólico e portanto que forneciam oxigênio e glucose, etc. Mas nós sabemos agora que elas próprias fazem parte do circuito. São parte importante do circuito, que é um conceito muito recente. Portanto, nós não podemos fazer uma sinapse completa sem tudo. E esta ideia é muito simplista. Os cientistas tentam fazer modelos simples, porque senão nunca vamos conseguir. Se for tudo muito complexo nunca conseguimos ir de pergunta em pergunta. Mas às vezes simplificamos demais e foi o que percebemos. E tivemos que voltar um bocadinho atrás e perceber como é que isto funciona. Ainda há muita coisa a perceber. Outra coisa fascinante no cérebro, e eu digo isto muitas vezes, é que não é como o fígado, em que todas as células são iguais. Nós tiramos uma parte do fígado e o fígado tem uma capacidade de regeneração. No cérebro, embora pareça uma massa uniforme de fora, tem circuitos que são todos diferentes. Primeiro, tem circuitos que nós não sabemos bem o que é que os leva a formar de certa maneira e não de outra. E embora todas as células sejam parecidas e nós consigamos perceber exatamente o que é um neurônio, é uma célula glial, dentro dos neurônios temos neurônios com várias formações. E nós sabemos mais ou menos, temos alguma ideia de como é que eles migram, sobretudo a zona cortical, esta zona mais superficial. Do córtex. Do córtex, que é responsável pelo controle motor, por exemplo, etc. Sabemos como é que é a migração, temos uma série de neurónios configurados e sabemos que eles têm que ir para a camada certa na hora certa do desenvolvimento, mas ainda não conseguimos reproduzir isso em laboratório. Consegue-se agora, era o que eu dizia com estas novas, os organóides que nos permitem, por exemplo, estudar doenças de desenvolvimento, são fantásticos, há imensas doenças. Como este processo é tão complexo no desenvolvimento embrionário, quando estamos a formar um cérebro de um embrião, qualquer pequena alteração tem um impacto enorme no circuito cerebral pode provocar excitabilidade a mais, excitabilidade a menos e daí aquelas doenças chamadas de desenvolvimento as doenças do espectro do autismo, que são muitas vezes causadas por mutações genéticas nessa fase. Por exemplo, o que é interessante, quando olhamos para um cérebro desses, ele é igual em estrutura, mas ele não é igual no seu funcionamento. Quando se olha para um cérebro que tem epilepsia, por exemplo, que é no fundo uma hipercitabilidade em algumas zonas, em um cérebro jovem ele é igual em termos de estrutura. Mas só quando fazemos o chamado eletroencefalograma, que é, pomos eléctrodos no córtex e medimos os sinais, é que conseguimos ver diferenças. E daí a complexidade do cérebro, já não consegue ver... Há coisas que não se vêem, temos que as medir com sinais. E, portanto, juntando diferenças de estrutura, diferenças de sinais, é que conseguimos perceber. Ou seja, juntando as informações todas. E eu dizia, no envelhecimento, pois também, além desta estrutura, no envelhecimento há mesmo alterações de estrutura que se veem. Há uma atrofia, portanto perdemos massa encefálica, aumentamos o que nós chamamos o espaço intraventricular, portanto aumenta o espaço e essas alterações de vasculatura. Portanto, sobretudo os pequeninos vasos, temos alterações que têm a ver com as mesmas que temos no corpo com o envelhecimento. Portanto, essas alterações são claras. Mas além destas, estas alterações de sinais que só conseguimos medir com elétrodos. Pois. E que é mais uma camada de complexidade. Quando eu digo isto, nós gostamos muito que fazemos, gostamos muito de estudar estas coisas, mas de facto é importante ter as variáveis todas quando estamos a medir. E mais uma vez, uma estrutura às vezes estranha não corresponde a uma função diminuída. E o contrário, às vezes temos funções diminuídas que não conseguimos perceber.
José Maria Pimentel
Exato, exato, exato. Sim, pode ser os dois casos. Sim,
Luísa Lopes
isso é difícil.
José Maria Pimentel
E tu dizias há bocadinho, só para fazer ponto com aquela questão da neurogênese que falávamos há bocadinho. Tu dizias no início que no envelhecimento normal, ao contrário do que se achava antes, não há morte neuronal. Não há. Ou não há de maneira significativa. Sim, nós perdemos, como eu disse, a partir dos 40, 45 perdemos alguma massa, o volume do cérebro começa a diminuir. Dos
Luísa Lopes
cérebros começa a diminuir. E eu digo sempre isto, Às vezes, quando estamos a falar para o Paulo de Canjada, as pessoas ficam a pensar meu Deus, já tenho 40. Mas é normal, ou seja, faz parte do ciclo biológico. Há uns anos pensava-se que essa perda de estrutura ou essa perda de volume tinha a ver com morte de células, mas não tem. Tem a ver com redução da arborização dendrítica. Ou seja, nós temos como se fossem ramos de árvores. O neurónio tem um núcleo, portanto a zona do corpo solar e depois é como se fosse uma árvore gigante, dependendo do tipo de neurónio. E o que nós percebemos é que no envelhecimento o que acontece e sobretudo o que acontece é a perda desses ramos, como se fosse um desbaste. E isso é suficiente para no volume total haver redução. Claro,
José Maria Pimentel
que os ramos são, no fundo,
Luísa Lopes
o que interessa porque são as ligações. Exatamente. Mas, há uns anos não havia esse conceito. Ligava-se muito ao neurónio, à célula individual. Contavam-se neurónios, então se temos 40 está tudo bem. O que nós percebemos é que nós podemos ter os 40, mas se a arborização é muito reduzida, temos uma função cognitiva reduzida. Isto quando estamos a falar de zonas responsáveis pela função cognitiva, para a memória, etc. Que são as que eu trabalho mais. E outra coisa, por exemplo, incrível, que eu não sei se as pessoas sabem, a maior parte não sabe, quando a pessoa está sujeita a um stress pós-traumático, há uma perda gigante e muito extrema destes ramos. E a primeira vez que isto foi visto foi nos soldados do Iraque. Quem se lembra da guerra do Iraque? Foi a primeira guerra moderna em que houve imagem, ou seja, havia imagem cerebral na altura. E obviamente imaginemos, tínhamos soldados com 23 anos, jovens, que tinham voltado da guerra do Iraque e que tinham sintomas de sucesso pós-traumático e isso normalmente é aliado além dos ataques de pânico, problemas de sono etc. É aliado a deficiência cognitiva da pessoa.
José Maria Pimentel
Ah, eu não sabia disso. Sim. Ok.
Luísa Lopes
Sim, e então uma das... Obviamente estas pessoas depois foram tratadas e foram feitas taques portanto fizeram-se as imagens cerebrais e percebeu-se que por exemplo o hipocampo que é uma zona crucial na aprendizagem de memória estava diminuído isto foi na altura um choque pensou-se pronto, Estas pessoas com esta idade têm uma perda irreversível de massa numa zona que é crucial no hipocampo. Curiosamente, eles depois foram tratados, quer com psicoterapia, quer com antidepressivos, e voltaram-se a repetir estas imagens. E vimos que o hipocampo não só tinha recuperado o seu volume inicial, como em alguns casos até chamada hipertrofia, era um bocadinho maior. Primeiro aqui percebeu-se que os antidepressivos que eles estavam a tomar aumentavam a neurogênese e daí aquele volume ainda um bocadinho maior. E depois percebemos que de facto o que eles perderam não foi células, foi só a tal arborização. Os endritos. Isto depois foi aliado a uma série de estudos em modelos animais, em que pudemos ver claramente que o stress crónico induz uma redução dendrítica gigante, mas extrema. Tão extrema que em casos como esses, por exemplo com o 11 de setembro, em casos que há traumas muito intensos há duas situações, ou causas de traumas muito intensos ou muito crónicos, muito prolongados no tempo, é tão grave que conseguimos ver um marcador biológico disso no cérebro, o que é impressionante. Se pensarmos bem é impressionante em termos biológicos. E nesses soldados, eu muitas vezes mostro essa imagem, vê-se perfeitamente a atrofia, a chamada atrofia, ou redução dessa zona. Claro que depois, quando eles recuperaram a forma, no fundo recuperaram essa arborização, também normalizaram a função cognitiva, as caixas cognitivas, a memória, a aprendizagem, a capacidade de cálculo. O que é surpreendente, e pela primeira vez isso foi uma prova muito grande, que há ali uma zona que é reversível. E portanto há ali uma janela terapêutica. E que é essa que nós estudamos exatamente no laboratório. Nós queremos perceber quais são os mecanismos muito precoces porque nessa fase estamos a perder dendritos, estamos a perder estes ramos, mas ainda não perdemos a célula. Portanto, há aqui uma grande capacidade de intervenção. E
José Maria Pimentel
vocês no limite até querem, digo eu, poder intervir até antes disso. Nós queremos
Luísa Lopes
intervir antes disso.
José Maria Pimentel
Encontrar marcadores anteriores ao que basta os endereços. E nós o que fazemos
Luísa Lopes
no laboratório é registarmos potenciais destas sinapses, portanto destas zonas de comunicação para perceber se temos sinais muito precoces de uma disfunção que não tenham nada a ver com a morte. E tentamos perceber, por exemplo, essas diferenças individuais. E digamos que o nosso projeto mais entusiasmante agora é perceber nós estamos a tirar, temos a partir de células da pele de indivíduos humanos dos quais temos a função cognitiva, porque nós trabalhamos aqui num campo, digamos, que temos a parte clínica e pré-clínica, felizmente, portanto, temos colegas clínicos que fazem isso, temos o registro clínico destes pacientes saudáveis, são todos saudáveis, e sabemos, por exemplo, uma pessoa com 80 anos que não tenha perdas de memória, digamos, muito marcadas e temos outra com a mesma idade que tenha. Nós, a partir de biópsias, portanto, células da pele destas duas pessoas, conseguimos induzir ou conseguimos diferenciar neurónios em laboratório destas pessoas, que é fantástico. E estamos a medir esses neurônios, estamos a medir as sinapses. Portanto, o nosso objetivo agora é perceber o que é que há de diferente nestas sinapses, não é? Porque nós temos muita coisa de estudos em animais, mas os estudos em humanos ainda não têm esta resolução para ir à sinapse. Aquilo que eu falava da ressonância magnética permite-nos ver áreas, mas não permite ver a sinapse, portanto é como se fosse uma lupa, ou umas zonas muito específicas. Quando registramos potenciais, quando pomos o nosso eléctrode nestas células, permite-nos ver isso, permite-nos perceber. Há canais que vão ser mudados, há neurotransmissores que vão ser mudados, há proteínas que estão a ser alteradas muito antes de haver o comprometimento da célula. É isso que nós queremos. Será que, E a nossa pergunta é, será que estes indivíduos que são mais vulneráveis a déficit córneo têm uma assinatura própria? Será que conseguimos perceber que eles têm uma série de proteínas alteradas que os outros não têm? Será que nós conseguimos depois, se reposermos esses níveis... Evitar. Evitar. Será que isso consegue? Obviamente que isto tem de ser feito primeiro em laboratório. E nestas condições controladas não podemos, como eu digo sempre nas neurociências, a brincar. É fácil ter uma parte do fígado ou da pele quando vamos fazer exames. Do cérebro não. No cérebro só há duas situações em que temos normalmente acesso ao tecido cerebral de indivíduos vivos, que é quando tem um tumor e tiram o tumor e temos o tecido péri-tumoral, portanto, à volta. Ou em situações, por exemplo, também de epilepsia, que às vezes há situações em que é preciso uma cirurgia para retirar o foco dessa... E
José Maria Pimentel
vocês usam o que está à volta.
Luísa Lopes
E nós usamos o que está à volta. E até podemos registrar e podemos ver as proteínas. A questão é que esse tecido já não é saudável, mesmo estando à volta. Há coisas que se podem fazer e se fazem, mas esse tecido não é, digamos, não é o ideal para ver como é que é um ser persaudável. Sobretudo se a
José Maria Pimentel
operação tivesse sido bem feita.
Luísa Lopes
Exatamente. E portanto, não é, como eu digo muitas vezes, não é qualquer pessoa de ânimo leve que me diz ah, pode ficar com uma parte do meu cérebro, nem nós queremos, para estudar. Portanto, usamos estas tecnologias que agora já estão muito avançadas para nos permitir o mais aproximado da função cerebral do indivíduo vivo ou função cinática, se quisermos, que conseguimos. Mas
José Maria Pimentel
ali, pelo que eu percebi, vocês pegam numa célula de pele, no fundo revertem a diferenciação para depois a diferenciar de novo no neurónio.
Luísa Lopes
Exato. Isso é o que se faz com as induced pluripotent cells, a IPS. Mas essas têm um problema, é que essas têm que rejuvenescer o neurónio. E se este, e muito bem, rejuvenesce, perdem a assinatura
José Maria Pimentel
negativa. Pois, era aí que eu
Luísa Lopes
estava aí. Para nós não dá jeito nenhum. Eu não uso muito essas, mas há pouco tempo, há uns 3, 4 anos, foi descrito uma técnica nova que permite fazer esta... Não temos que pô-los no seu estado embrionário, no fundo fazemos da célula da pele diretamente para o neurónio, com uma série de fatores de transcrição, é um cocktail que foi descrito. E isso permite-nos duas coisas. Uma é permite-nos ter neurónios de diversos tipos, colinérgicos, dopaminérgicos, glutamatérgicos, etc. E por outro, mantém a assinatura de envelhecimento. Para quem estuda envelhecimento, isto foi um breakthrough fantástico. Imagino, pois, pois. Uma revolução. Porquê? Porque para nós estudar para este tipo de coisa especificamente, eu que estudo doenças ligadas ao envelhecimento cerebral, o facto de termos células derivadas de pacientes mas num estado embrionário não era útil para este tipo. É útil para muitas outras coisas, mas para este tipo de coisa não era. Estas têm essa vantagem E daí a nossa, digamos, estamos numa fase super entusiasmante. Se nós conseguirmos perceber que isto é uma tecnologia que é reprodutiva, ou seja, que da mesma pessoa conseguimos ter o mesmo tipo de sinal, que a assinatura que estamos a ver está de acordo com o status cognitivo da pessoa. Nós já temos neurónios em laboratório, que são lindíssimos, já tivemos os primeiros, estamos muito entusiasmados, quer de indivíduos jovens, quer de indivíduos idosos. Funcionam muito bem. Agora temos de perceber a quanto tempo in vitro, portanto em placa, quanto tempo eles aguentam para serem analisados, que é o passo. É um desafio técnico, digamos, mas conceptualmente, em termos teóricos, é de facto uma revolução em termos de investigação de
José Maria Pimentel
envelhecimento. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Nós já falámos muito do envelhecimento normal, mas tu já o disse também, e estavas a falar agora, do envelhecimento patológico, se quiseres chamar, ou seja, que está ligado a demências ou está ligado a Parkinson ou a outras doenças do tipo. Por que é que ele afeta sobretudo, por que é que ele se distingue do envelhecimento normal? Bem, não só pela gravidade, mas também por afetar uma zona específica, o hipocampo.
Luísa Lopes
Essa é aquela, the 100 million dollar question, não é? É uma pergunta que tem desafiado os neurocientistas. A primeira coisa é que nós estudamos sobretudo o envelhecimento e por associação as doenças para as quais o envelhecimento é o maior fator de risco. Há doenças mentais que não têm a ver com o envelhecimento, Mas as neurodes nativas têm.
José Maria Pimentel
Não todas, não é? Ou têm? A esclerose lateral, a miotrófica, por
Luísa Lopes
exemplo. Não, não tanto, sim. Mas a doença de Parkinson e a doença de Alzheimer são doenças, por exemplo, em que o envelhecimento é de facto o maior fator de risco. E porquê? Mesmo em modelos animais simples, ela nunca acontece nos primeiros dois terços de vida de qualquer animal. Seja um animal que dure dois anos, seja um animal como nós que dure oitenta. E portanto, elas nunca acontecem numa fase de precoce da vida, exceto, isto aqui é que convém dizer, exceto em casos muito raros, porque há formas genéticas familiares desta doença, mas são menos de 5% dos casos. A maior parte dos casos destas doenças são os chamados esporádicos, significa não sabemos a causa e o facto de risco maior é o envelhecimento. Não acontecem aos 20 anos. E daí a minha preocupação é a nossa, nós somos muito defensores que só podemos perceber estas doenças quando tivermos como base o envelhecimento. Há muitos modelos que usam esta doença sem ter esta componente de envelhecimento em conta. E nós com estes modelos novos queremos perceber, será que estas doenças são só um envelhecimento que correu mal a dada altura? Será que tem a ver com o envelhecimento precoce a dada altura? Tenha imaginemos outro fator de risco acrescido e que... Será que é isso? E, portanto, temos estudado um bocadinho nesta ideia do envelhecimento precoce. O que é que causa, em algo, os neurónios, de repente, começarem a degenerar e perdermos os neurónios?
José Maria Pimentel
Neste caso é mesmo perder os neurónios. Neste caso é mesmo
Luísa Lopes
perder os neurónios. O que eu acho é que, de facto, temos que olhar para isto com a base de envelhecimento. Nós achamos que é um bocadinho como o cancro. Ou seja, há uma série de erros que se vão acumulando. Por isso é que só a partir de uma certa idade é que isto vai acontecer. E porquê? Primeiro os neurónios têm uma capacidade de resistência fantástica. Se pensarmos que nascemos com os mesmos que temos agora, eles têm que ter uma capacidade de suportar lesões, agressões e sobretudo mutações no seu código genético de uma forma excepcional. Quando isto começa a correr mal, seja por razões ambientais, genéticas e outras, aí é que começa a haver esta neurodegeneração. Não sabemos as causas, eu digo sempre isto às pessoas, E a outra pergunta é porquê são áreas diferentes. O que é fascinante, por exemplo, a doença de Alzheimer é uma doença que afeta sobretudo a zona ligada à memória. Portanto, daí O que nós vemos nas pessoas é perderem a orientação espacial, perderem a memória de curta duração. Não se lembraram do que aconteceu ontem. Tanto a zona do hipocampo e a zona cortical. Convém dizer que depois vamos perder todas também. Ou seja, é uma... É só o início. Vai ilustrar... Sim. A doença de Parkinson, por exemplo, afeta sobretudo os neurónios dopaminérgicos, já tínhamos falado, e afeta o controle motor. Portanto, um dos grandes sintomas... Também vai haver déficits cognitivos mais tarde, mas o sintoma major, não é aquele mais predominante, são o quê? São sintomas motores. Porquê que isto acontece? Porquê que em algumas situações são circuitos dopaminérgicos e em outras são circuitos glutamatérgicos, que é o caso da doença de Alzheimer? Não sabemos. Outro dos campos de investigação muito intenso tem sido esse, tem sido tentar tirar os circuitos, tentar perceber que proteínas é que estão alteradas numas, por exemplo, e não estarão alteradas noutra. E porquê é que numa doença isto acontece e na outra não? O que nós sabemos hoje é que em ambas as doenças elas depois eventualmente vão se alastrar e vão sempre ter... Tanto a doença de Alzheimer vai ter alterações motoras, como a doença de Parkinson vai ter alterações cognitivas. Mas de facto, numa, há um tipo de neurônios que é mais sensível, na outra não. Em termos de doença de Parkinson, Achamos que tem a ver com os neurones dopaminéricos que são mais sensíveis ao stress oxidativo e tem sido essa a ideia. Por alguma razão que não sabemos ainda, são mais sensíveis à sinucleina. A sinucleina é a proteína que está agregada na doença de Parkinson. Essa parece ter sido, mas exatamente a razão porque é que uma alteração nessa proteína afeta sobretudo os neurones dopaminergicos e não os outros, não sabemos. De facto, ainda não sabemos. E
José Maria Pimentel
não é, desculpa, Não é uma alteração nessa proteína, mas localizada naquela
Luísa Lopes
parte do cérebro. Não, é assim. O que nós sabemos dos estudos animais que nos permitem testar isso, que é uma boa pergunta, é assim. Imaginemos, nós fazemos uma mutação nessa proteína no cérebro todo e curiosamente continuamos a ver mais efeitos nos neurones dopaminergicos. E aí as formas familiares ajudam, que são formas em que há uma mutação. Não sabemos porquê. Nos casos mais chamados por Addison, que não há doença, nós sabemos que há mais agregados e não é, poderia ser uma proteína só ali, mas não, ela está presente noutros neurónios. Ela tem uma função importante noutros. De alguma forma, Essa tal sucessão de erros no metabolismo, seja na sua degradação, seja na sua síntese, seja na formação, ou seja, no processo metabólico, falha. Não sabemos ainda porquê, exatamente não sabemos porquê. Há imensos grupos a tentar perceber porquê é que nos casos há uma coisa e noutros não há.
José Maria Pimentel
E isto afeta, desculpa, já disseste isto mas só para confirmar, um dos aspectos que distinguem estas doenças, para lá do facto de estarem localizadas, neste caso,
Luísa Lopes
no cérebro,
José Maria Pimentel
é também afetarem diretamente o neurônio menos as dendrites E isso também provavelmente ajuda a explicar porque é que são tão abruptas. Porque no fundo, eu não sei se estou a intuir bem, mas faz algum sentido que o envelhecimento ao ser gradual comece no fundo pela ponta, que são as sinapses, as dendrites, ou seja, as ligações.
Luísa Lopes
A zona mais dinâmica e depois... Sim. E depois vai até ao núcleo. O núcleo é que é bíguro. Sim, Sim, o core. Nas doenças neurodegenerativas, de facto, o que vemos... Nós temos estudado isso, por exemplo, em fases muito precoces das doenças neurodegenerativas, exatamente com essa ideia de que, será que tem semelhanças na fase precoce? Parece haver semelhanças, ou seja, o que nos parece é que numa fase precoce o sinal de alarme é nas sinapses. Nós conseguimos medi-lo e é parecido, mas por alguma razão que tem a ver sobretudo com A acumulação desses agregados tóxicos no corpo solar, portanto neste núcleo do neurónio, faz com que ele morra
José Maria Pimentel
a uma certa altura. Ah, ok.
Luísa Lopes
Agora, as proteínas não ficam agregadas primeiro na sinapse. Elas de facto agregam-se ou numa zona extrasolar, em alguns dos casos, e no outro, o que nós chamamos de fora ou dentro do neurónio.
José Maria Pimentel
O primeiro efeito é que é na sinapse. É.
Luísa Lopes
Temos um efeito logo na sinapse. Não sabemos ainda bem porquê. E é esse que nós gostávamos de usar um bocadinho como marcador precoce. Se nós conseguimos fazer isso em pessoas, será que podemos usar isso como marcador precoce e intervir antes de termos uma fase mais avançada? O grande problema das doenças, que eu não sei se a maior parte das pessoas tem noção, é que o cérebro é tão plástico, que no fundo é uma maldição e uma benção, que nós só perdemos as suas funções quando já perdemos imensos neurónios. Nós só o sentimos quando já perdemos 40% ou 50%. Isso é um problema. Claro. E embora agora, convém dizer que agora a tecnologia está muito avançada e conseguimos com as técnicas de imagem diagnosticar muito mais cedo. Mas de facto, quando a pessoa começa a ter sintomas, já tem uma grande parte da massa dos neurônios que se perdeu. E o grande desafio são dois, não é? Um, será que nós conseguimos diagnosticar mais cedo, com marcadores do sangue, marcadores no líquido. O líquido é o líquido cefalorriquidiano, portanto, e é o líquido que vem ao cérebro e a espinal medula. Por vezes é mais representativo do que está a acontecer, por isso é que às vezes as pessoas fazem punções lombares para ver se têm infecções, etc. E não vamos só ao sangue. Portanto, será que nós conseguimos nestes líquidos biológicos ter noção mais cedo e intervir mais cedo? Primeira coisa. E depois, será que conseguimos perceber o mecanismo? Será que nós sabendo isto mais cedo conseguimos perceber o mecanismo e conseguimos ter fármacos que sejam mais eficazes que não têm sido? Pois,
José Maria Pimentel
porque a ideia que eu tenho, e me corrija-me se eu estiver enganado, é que os fármacos que nós temos atualmente estão basicamente a atuar, muitas vezes na sinapse, que não é bem onde tu queres atuar, não é?
Luísa Lopes
Nos sintomas. Exatamente,
José Maria Pimentel
ao atuar nos sintomas.
Luísa Lopes
Sim. Nós temos dois tipos, ou seja, os grandes, que são os mesmos e tem havido, e eu estou a falar destas doenças especificamente, são as que eu conheço melhor, não temos conseguido avançar. Onde se investe mais, tem havido muitos ensaios clínicos, muita investigação pré-clínica, muito esforço de muita gente, mas de facto, achamos que nós tem a ver com a complexidade de todas estas camadas que falámos, tem sido difícil. E nós temos dois ou três tipos de fármacos, sobretudo, que são que ou repõem os neurotransmissores que se perdem, portanto são sintomáticos a maior parte deles repõem neurotransmissores, seja glutamata, celulculina, dopamina portanto são os que estão envolvidos na doença
José Maria Pimentel
pois, só que no fundo está a adiar o problema sim, estamos
Luísa Lopes
no fundo a tentar, sim, repor um bocadinho, mas não fazem aquilo que nós gostaríamos, que é alterar a progressão da doença. Portanto, no fundo o que fazem é assim, melhoram a qualidade de vida durante uns tempos, porque nós conseguimos repor os níveis, mas mesmo repondo os níveis, nós não conseguimos, se tirarmos tudo, não alterarmos a progressão da doença. Portanto, estar a dar o fármaco ou não é ótimo em termos de qualidade de vida e de sintomas, mas não altera a progressão. E esse é o desafio. E agora tem havido os fármacos novos chamados os anticorpos. O que é que fazem? Aquelas proteínas tóxicas de quais falámos, a ideia revolucionária agora tem sido, e já há uns anos tem sido, se nós conseguirmos retirar esses agregados ficamos bem. E portanto, E como é que fazemos isso? Usamos anticorpos, que são os anticorpos que se usam, por exemplo, para as vacinas, etc. E são anticorpos que reconhecem estes agregados e tiram-nos. E tem sido fantástico. Eles são muito eficazes a tirar, por exemplo, os agregados de proteína beta-amiloide do cérebro, que são os que caracteristicam a doença de Alzheimer. Se nós virmos uma imagem de ressonância de um doente antes e depois do anticorpo, é fantástico. Temos uma clearance, o que nós chamamos de uma limpeza dos agregados, mas em termos cognitivos, quase zero. Ou seja, significa que nós conseguimos, em termos biológicos, retirar os agregados, mas não melhoramos a função cognitiva das pessoas. Porquê? Boa pergunta. Há duas teorias. Uma é que se calhar começámos o tratamento tarde demais, portanto já houve-se déficit cinático e não conseguimos intervir. E a outra é que se calhar estes agregados não são a causa, são apenas, digamos, um lixo de uma causa subjacente e que são um sinal acessório. Hoje ainda não sabemos o que são. Ou seja, isso tem sido um grande desafio. Estas teorias dos péptides tóxicos têm sido ultimamente muito discutidas. Aliás, quem tem estado com atenção nos mídias vimos muito a grande discussão sobre o novo fármaco Alzheimer que foi aprovado nos Estados Unidos e não na Europa, era um destes tipos, é um anticorpo. A Europa não aprovou exatamente por isso porque não se achou, e bem na minha opinião, não se achou que em termos de risco-benefício tem algum risco associado, porque são fármacos que têm que passar a barreira hematoansiótico, portanto a barreira que protege o ser. São anticorpos, estamos a dar anticorpos às pessoas, que têm alguns efeitos secundários. De facto, funcionam a retirar os agregados, mas a repercussão disso na função cognitiva é muito marginal e, portanto, a Agência Europeia do Medicamento, que é quem no fundo controla, autoriza e controla e estuda na Europa, decidiu não autorizar.
José Maria Pimentel
Nós vamos sempre mais a ver se são riscos do que os Estados Unidos, não é?
Luísa Lopes
Somos, e neste caso bem, mas acho que também somos em algumas coisas mais conservadores e há outra razão na Europa que tem a ver com nós termos sistemas nacionais de saúde que comparticipam estes medicamentos, não é? Os Estados Unidos não, é tudo privado. Significa que temos uma responsabilidade maior de estar a pagar medicamentos que são muito caros ao contribuinte e que têm muito pouco efeito nas pessoas. E no fundo também criar expectativas erradas. Temos de ter uma grande responsabilidade, a meu ver, científica e clínica. Que é, será que faz sentido estar a apostar ou estar a pagar fármacos que são tão caros, que têm efeitos secundários que não são negligenciáveis para ter um efeito marginal? Temos de pensar nisto tudo. Há quem ache, e nós ainda achamos, que possam aparecer alguns mais promissores. Portanto, se forem dados mais cedo, de outro tipo de natureza, e estão a ser vários, digamos, análogos destes e modificações que estão a ser testadas. Mas, se formos muito honestos, não têm sido muito promissores.
José Maria Pimentel
E tu à bocado falaste de uma coisa que me deixou intrigado, porque falaste em mutações genéticas. Nós estamos a falar de células que não se replicam, não é? Portanto, como tu dizias, são os mesmos neurônios que mantemos ao longo da vida, na melhor das hipóteses. De onde é que surgem estas mutações?
Luísa Lopes
Estas mutações surgem, não são mutações como no cancro, que acontece ao longo da vida, são mutações que já existem familiares. Quando eu disse mutações foi porque a maior parte dos modelos que nós usamos são baseados nesses casos familiares e não no caso explorado e porque nós não sabemos reproduzir o
José Maria Pimentel
genoma daquela pessoa. Ou seja, estão no genoma daquela pessoa, não são mutações daquela célula.
Luísa Lopes
Exatamente. E curiosamente, mais um argumento para que nós dizemos que o envelhecimento é que faz diferença, mesmo com estas mutações, que são, como eu dizia, menos de 5%, as pessoas nunca têm os sintomas da doença muito cedo. Ou seja, têm mais cedo, aparecem mais cedo, mas não aparecem aos 20. Pode acontecer em alguns casos, a doença de Parkinson por vezes aparece cedo, mas mesmo assim há sempre um ciclo de vida que tem que passar até começarmos a ver efeitos. Portanto, claramente, como eu dizia, mais um argumento a favor de que provavelmente nós precisamos de uma série de sequência de eventos a acontecer e de erros para vermos os sinais. Não é como por exemplo uma doença de desenvolvimento ou uma mutação metabólica, quando falta uma enzima, por exemplo, que degrada a lactose, em que a pessoa, os bebés, por exemplo, quando estão na distância percebe logo. Não, todas estas mutações, mesmo associadas a estas doenças, começamos a ver os efeitos mais tarde. Portanto, isto é mais um argumento a favor de que algo tem de se passar em termos de funcionamento. Tem de passar algum tempo, algum tempo ou se quisermos uma taxa de funcionamento neuronal, para que os efeitos comecem a ser evidentes.
José Maria Pimentel
O problema que vai se acumulando à alguma.
Luísa Lopes
E nós achamos que vamos perceber isso que vai ser como o cancro. Nós no cancro ainda não conseguimos perceber há fatores de risco diretos. Nós sabemos que quem fuma tem uma grande probabilidade de ter cancro do pulmão, que quem apanha as caldões tem um grande poder de ter melanoma, que são aqueles cancros nos quais há um fator de risco direto, etc. Mas ainda não sabemos a causa do cancro. Sabemos que há uma série... A causa última. Nós sabemos que há uma série de erros. Há uma predisposição genética que se junta a um estilo de vida, que se junta a uma vulnerabilidade específica da pessoa. Nós
José Maria Pimentel
nem sabemos a causa evolutiva se quer, não é? Não. Portanto, quanto mais...
Luísa Lopes
Nós sabemos que há uma sequência de erros, não é? Há uma sequência de eventos que se cruzam e que se multiplicam e que se somam e que depois se podem multiplicar. Nalgumas pessoas podem acontecer a vida de zoeiro e nunca chegar a ter cancro, porque provavelmente não têm a mesma vulnerabilidade e noutras acontecem. As pessoas dizem que há um grande azar aquela pessoa, não é? Mesmo na mesma família. E portanto, nós achamos que a doença neurodegenerativa vai ser assim. Não vamos conseguir ter um medicamento milagre, provavelmente, mas é uma sequência de eventos e de erros que leva a este fenótipo, a este resultado cerebral e, portanto, mais multifatorial. E o facto destes novos estudos nos mostrarem que se nós fizermos exercício físico, isolamento social, etc. Temos algum benefício, é mais um argumento a favor disso. Nós é que não gostamos. É mais fácil para nós tomar o medicamento.
José Maria Pimentel
Isso pode ter alguma coisa a ver com a irrigação também, ou seja, com a perda de irrigação, porque eu sei que o sangue também tem um papel na limpeza dessas proteínas, desses detritos.
Luísa Lopes
O que nós sabemos é que tem havido vários estudos com o sono, muito importante, e há estudos recentes que mostram que o sono retemperador, portanto o sono em que passamos pelos quatro estados do sono que são necessários, aumenta esta limpeza chamada clearance destes agregados de alguma forma e o sono provavelmente tem mais a ver com a atividade cerebral do que com a perfusão. Ou seja, nós numa situação de sono diminuímos imenso a atividade cerebral. Nós sabemos hoje que serve não só para processar e para consolidar algumas memórias, mas também serve no fundo um reset da função. E nessa fase do sono há obviamente que tem a ver com a circulação, mas tem a ver com a barreira hematoencefálica, que no fundo nos protege dos agentes externos, mas também ajuda na limpeza de tudo o que são detritos resultantes do funcionamento neuronal. Exato. Portanto, o sono é importante nisso. Nós não lhe chamamos de perfusão, exatamente, mas tem a ver com isso, também tem a ver com perfusão, portanto, de alguma forma o sono é crucial neste processo se quisermos, em modo dinâmico, de limpeza do sistema.
José Maria Pimentel
Aliás, isso é um excelente ponto para nós falarmos de vampiros, porque Há um paper que tu me mandaste, que deve ser familiar, acho eu, quem nos está a ouvir, não o paper, mas o tema, que tem que ver com uma coisa que tem estado muito na berra, que é tratamentos que passam pela infusão de sangue, isso é testado com ratos, portanto, ratos mais novos e ratos mais velhos, e que provoca um rejuvenescimento cognitivo dos ratos. E uma das, eu ia-te pedir para explicar isso, mas uma das teorias que eu apanhei, eu creio que apanhei isto na própria explicação do paper, para esse benefício tinha que ver precisamente com os benefícios no sono, ou seja, era por fazer os ratos dormir melhor que sobretudo... Ou talvez fosse, talvez seja por aí que melhor, mas acho que imagino que não seja a única explicação.
Luísa Lopes
Esses papers foram também surpreendentes. O primeiro paper começou com, no fundo, houve uma experiência em que basicamente havia uma transfusão de sangue de animais jovens em animais idosos e percebeu-se que o fígado, os músculos, a pele melhoravam. Este foi o primeiro paper. Melhoravam e melhoravam, não só o chamado seu proteoma, ou seja, diminuíam a quantidade de proteínas, ou a expressão de proteínas ligadas ao envelhecimento e aumentavam aquelas que são normalmente associadas à juventude. E estruturalmente as células etc havia uma melhoria em geral. E depois fez-se um segundo, isto foi uma grande revolução, primeiro porque não se percebia porquê. Ou seja, é um conjunto de fatores solúveis do sangue, depois percebeu-se que não tinha a ver com as células de sangue elas próprias, portanto isso foi um passo sequente, ou seja, há uma série de fatores que não têm a ver com as células, se nós dermos só o parto que nós chamamos solúvel, portanto sem as células de sangue e só o que é solúvel, também funciona. E agora o que se anda a tentar fazer é identificar qual é esse componente que possa causar isso. Ainda não se sabe.
José Maria Pimentel
E ele provoca, desculpa, um rejuvenescimento sistémico, não é? Portanto, não é
Luísa Lopes
só o cérebro até descobrir depois. Exatamente. E depois o cérebro descobriu-se depois, fizeram-se o mesmo tipo de estudos e nesta fase avaliou-se testes de memória dos animais, a estrutura dos neurónios e até mesmo os registros neuronais como eu disse que fazíamos no laboratório, para perceber, por exemplo, se a transmissão cinética estava bem se a comunicação entre os neurónios estava melhorada E de facto percebeu-se que melhorava. Não sabe o mecanismo. Na altura eu lembro-me que nos pediram imenso para comentar estes papers, obviamente que gerou um grande interesse por parte das pessoas.
José Maria Pimentel
E de pessoas com dinheiro. E de
Luísa Lopes
pessoas com dinheiro. Gerou aquela ideia que eu dizia, e eu muitas vezes tenho muito cuidado a falar disso porque acho mais uma vez uma responsabilidade enorme, no fundo estamos a dar a ideia de que ok, então eu posso pagar a pessoas com 20 anos e fazer transfusões periódicas para eu ficar novo, não é? O elixir da juventude à custa do por isso é que eu dizia que é esta ideia do vampiro, não é? De alguém que usa jovens no pique da sua idade e lhes retira o sangue periodicamente, que é um bocadinho esta ideia do vampiro, não é? Sugar a energia da juventude através do sangue.
José Maria Pimentel
Já vi razões piores para ter filhos.
Luísa Lopes
É verdade, exato. E até há empresas nos Estados Unidos que se dedicavam a fazer isso, a vender sangue, porque o sangue de facto é uma coisa que nós podemos dar periodicamente, dar sangue para ser dado às pessoas mais velhas. Obviamente que isto tem... Já nem vou aqui falar das considerações éticas que para mim são graves. Sobretudo de explorar pessoas que precisam de dinheiro. Ou seja, quem tem muito dinheiro possa usufruir disto. Mas ainda não sabemos exatamente o mecanismo. Há fatores seluvas que claramente têm um efeito. Aqui temos de ter algum cuidado porque estes estudos são sempre feitos em animais de laboratório e convém dizer que não têm variabilidade nem genética nem ambiental que nós vemos em animais ao ar livre. Portanto, Obviamente que nos podem dar pistas sobre alguns dos efeitos que possam estar a acontecer. E como eu disse, há uma série de moléculas, daquelas que já falámos, dos antioxidantes, que nos parecem ter efeitos, mas nenhuma delas é a causa. Nem nenhuma delas é a única para se conseguir retardar o envelhecimento. E isto é importante que fique claro, não é? Temos de ter algum cuidado nesta banha da cobra, ou no elixir da juventude, que eu acho que obviamente que gera grande interesse, porque é um grande interesse económico. Sim, claro.
José Maria Pimentel
Bem, enfim, eu falo por mim, todos nós gostávamos de poder retardar um crescimento tão netido. Há dois,
Luísa Lopes
há esse e há o da obesidade, que todos queríamos um comprimido que nos fizesse emagrecer sem esforço. Eu digo isto só porque mesmo em termos sociais tem que ser cuidado, porque de facto, isto gera um grande interesse, gera uma grande expectativa e às vezes gera que haja pouco escrutínio neste estudo e tem que ser algum cuidado de perceber exatamente o que é que isto mostra. De facto, é promissor, temos de fazer mais estudos para saber o que é que se passa, mas, obviamente, eu não aconselharia ninguém a andar a fazer transfusões periódicas de sangue de pessoas jovens para se tornar mais jovem. Mas, obviamente, que é muito mais confortável do que fazer exercícios, se calhar.
José Maria Pimentel
Eu acho que há aqui duas questões. Uma é perceber exatamente porque é que isto funciona, admitindo que funciona e a outra tem a ver com os riscos que isto pode ter que não estão ainda
Luísa Lopes
claros. Sim, eu acho que sobretudo pode nos dar pistas de que forma é que as células, quais são os fatores que as células precisam ou que estão a ser modificados neste processo. Isso vai ser importante para a ciência, naturalmente. Isto
José Maria Pimentel
afetava, naquela experiência, afetava sobretudo precisamente o hipocampo, não era?
Luísa Lopes
O hipocampo, normalmente, também é o que é mais estudado, digamos. Porquê? Porque é uma área cerebral a partir da qual é muito fácil registrar. Nós vemos muito bem os neurônios, as sinapses, digamos, o circuito é muito... É uma zona da qual tem um circuito sinático...
José Maria Pimentel
É circunscrita, não é? Mas relativamente pequeno.
Luísa Lopes
Sim, e tem um circuito sinático muito fácil de ver mesmo olho nu. E além disso, É provavelmente a zona cerebral mais estudada do mundo, porque também, sendo ela da memória, e aqui é mais o conceito filosófico, obviamente que gerou sempre, desde os tempos mais antigos, uma grande atenção. E aliás, eu não sei se sabes a história, mas o hipocampo foi implicado na memória a partir do paciente Age M, que é muito conhecido, e o António Damasio falava muito dele, o paciente Age M, que tinha uma epilepsia que não era curada. O hipocampo é uma zona de genes de epilepsia muito frequente e na altura o que se fazia, ainda se faz em casos muito extremos, mas é quando a pessoa não responde a medicação anti-epilética, faz-se uma chamada de hipocampotomia, tira-se uma parte do hipocampo que está a gerar esta hipercitabilidade. E foi o que se fez. Portanto, este paciente... E ele estava a ser acompanhado. E viu-se que ele, nos dias seguintes, portanto, estava tudo ótimo. A sua função, o chamado memória de trabalho, portanto, ele desenhava, escrevia, etc. Mas não se lembrava... Estava hoje com os médicos, amanhã já não se lembrava. E tinha-os conhecido no dia anterior. E sempre assim, consecutivamente. Depois uma equipa de neuropsicólogos, na altura, e que foi um artigo muito importante nos anos 50, da Brenda Milner, chamada Brenda Milner, que o estudou E foi a primeira prova de que o hipocampo era crucial para a aprendizagem de novas memórias. E, portanto, a partir daí, toda a gente estuda, sempre que quer estudar memórias, estuda o hipocampo. Há outras áreas cereais importantes para a memória, mas, de facto, o hipocampo presta... Para a geração de novas memórias. Para a geração de novas memórias. E por isso é que, por exemplo, as pessoas com doença de Alzheimer, embora tenham já um grande comprometimento do hipocampo, continuam a ter as memórias antigas. Nós achamos que aí o hipocampo já não é tão crucial nessa fase. Há uma
José Maria Pimentel
espécie de transcrição, não é? O hipocampo é como se transcrevesse essas memórias
Luísa Lopes
para outras zonas de cérebro. Para a zona cortical, sobretudo. E todos esses estudos permitem, estudos de lesões, que são infelizmente por más razões, mas têm sido um grande fator de avanço nas neurociências, como eu dizia, como os soldados do Iraque. Sempre que há infortunios destes, e lesões, permite-nos perceber um bocadinho melhor as funções, e na altura foi isso que aconteceu. E por isso é que esse paciente é muito conhecido de todos os neurocientistas, sobretudo quem estudou hipocampo.
José Maria Pimentel
Há sim uns conhecidos, há como o Phineas Gage, não é?
Luísa Lopes
O Phineas Gage, que é esse mais então do António de Mácio, que era o córtex pré-frontal e no fundo mostrar que esta zona pré-frontal é a zona das emoções, da censura, do autocontrolo.
José Maria Pimentel
Exato, da personalidade, daquilo que nós chamamos de personalidade.
Luísa Lopes
Que mudava a personalidade, não mudou mais nada, mas teve uma alteração de personalidade considerável.
José Maria Pimentel
Sim, esse caso tem um monte de piada.
Luísa Lopes
Esse caso é mais um dos exemplos, infelizmente que uma lesão é que nos ensina sobre as neurociências.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Olha, Luísa, vamos terminar. Eu pergunto sempre isto, normalmente neste tipo de conversas. Há alguma coisa que eu não tenha perguntado, que não tenhamos falado, seja das neurociências, seja da vossa investigação aqui? Há
Luísa Lopes
uma coisa que vou ter que dizer só. Diz, claro. Que eu digo sempre e que é importante, que é sobre a cafeína.
José Maria Pimentel
Ah, esquecemos da cafeína, eu tinha prometido. Não, eu só digo
Luísa Lopes
isto porque acho que é uma curiosidade ao mesmo tempo, mas é baseada na evidência da ciência, que é sempre importante. A cafeína diminui o fator de risco para a doença de Alzheimer, sobretudo nas mulheres. E nós temos evidência epidemiológica disso, portanto, dois, três cafés por dia são suficientes. Mas porquê nas mulheres? Nas mulheres a evidência é mais forte. Não sabemos, parece não ter a ver com fatores hormonais, portanto, porque foi feito em mulheres que também tinham terapia de surgição hormonal, mas por alguma razão, nas mulheres a evidência epidemiológica é mais sólida. E depois, estamos a tentar perceber porque é que isso acontece. Ainda não sabemos muito bem, mas eu só iria dizer que em termos muito gerais a cafeína é saudável, é um fármaco barato e por isso as grandes farmacêuticas normalmente não estão muito interessadas porque a patente não existe, não está disponível em Portugal, então é ainda mais barato que noutros. Depois há alguns efeitos secundários para pessoas que têm problemas cardíacos, só que não podem beber café, mas em geral é muito seguro. E é curiosamente o fármaco que está em saia clínica há mais tempo, porque imensa gente, milhões de pessoas tomam café há anos e nós podemos seguir o que acontece a essas pessoas. E nós dizíamos há pouco, antes de começarmos, que eu acho que tem uma característica curiosíssima é que as pessoas não têm que aumentar a dose para sentir os efeitos cognitivos. E há pouco tempo um grupo de investigadores portugueses do Templo de Estado do Minho, curiosamente, publicou o primeiro grande estudo de ressonância magnética funcional a mostrar porque é que a cafeína aumentava de facto a atenção e o que parece é que aumenta a conectividade entre algumas zonas e por isso é que aumenta a concentração e a atenção e numa janela de tempo muito curta porque ela passa muito depressa a barreira hematoencefálica em meia hora. Exato. E depois e aqueles efeitos motores que as pessoas às vezes sentem de tremor quando bebem café a mais, ao longo da vida eles desaparecem, que é curioso. Esses efeitos começam a
José Maria Pimentel
desaparecer.
Luísa Lopes
Há uma chamada de sensibilização. Portanto, quem toma café inabitualmente deixa de sentir, mas os efeitos cognitivos, curiosamente, e quem toma café pode, no fundo, confirmar isto empiricamente, a pessoa continua a sentir os efeitos, não é? Bebe um café e sente o aumento da concentração e da atenção. Outra coisa interessante é que mesmo nas crianças com hiperactividade e déficit de atenção, em alguns casos, não todos, porque depende um bocadinho do tipo de hiperactividade que se tem, a cafeína parece também ser eficaz. E alguns neuropediatras até receitam a cafeína de uma forma empírica às crianças e porque provavelmente nós achamos que tem a ver com esta coordenação, ou seja, no fundo há...
José Maria Pimentel
Desculpa, o que é que acontece no nível mais fundamental? Porquê que aumenta essa interligação?
Luísa Lopes
O que nós sabemos, e nós publicámos agora um artigo há pouco tempo com um grupo francês, portanto foi um grande artigo internacional, o que nós fizemos aqui foi animais que tentámos perceber com cafeína o que é que acontecia nas regiões que tinham neurônios e nas que não tinham. E o que nós percebemos foi, e isto pode ser uma explicação para isto, é que por um lado a cafeína reduz o metabolismo de todas as células que não são neuronais e aumenta a eficiência de todas as que são neuronais. E portanto nós chamamos a isto de aumentar a saliência, ou seja, digamos que dirija os recursos para onde são precisos nessa altura. E isto é nível mais fundamental. E nós sabemos que há uma série de proteínas ligadas à plasticidade cinática, à memória, cuja expressão é aumentada em animais, a cafeidade de cafeína. Nos humanos, como eu dizia naquela estuda de função, estes estudos parecem muito concordantes, ou seja, enquanto tu amas a nível fundamental, o que é que se passa? Sobretudo aumenta também a transcrição de genes ligados à memória. Por isso, de alguma forma, liberta recursos para a área da memória e da atenção. E nós achamos que pode ser isso também que acontece nas crianças com hiperactividade. Portanto, é uma espécie de sincronização dos circuitos para a atenção. Sim, porque ali
José Maria Pimentel
pareceu-me contraditório. Elas têm hiperactividade, mas estás a dar café.
Luísa Lopes
Não, mas o problema da hiperactividade é o tal déficit de atenção ligado à hiperactividade. A cafeína foca a atenção. Portanto, é uma das coisas que as pessoas que bebem café muitas vezes dizem, não é? Há um aumento de concentração. E nas crianças, em algumas crianças, parece até ser bastante eficaz com primeira linha, em vez de começar a dar antifitamínicos, que depois é os fármacos de segunda linha para isso. E relativamente seguro nestas doses, digamos. Exato.
José Maria Pimentel
Boa, engraçado. Era
Luísa Lopes
só mais uma curiosidade. Eu tinha prometido
José Maria Pimentel
falar do café e depois esqueci. Na verdade, fizeste muito bem. Olha, livro. Eu não sei qual é.
Luísa Lopes
Eu, Há um livro que eu gosto muito. Podem ser livros. Sim, mas há um livro que eu gosto muito, que claro que é um livro de neurociências, mas tem um lado engraçado, que é do Oliver Sacks. O Oliver Sacks é um neurologista, que é muito conhecido do público em geral e que publica um livro que em Portugal é o homem confundiu a cabeça da mulher com o chapéu. Exato, já tem uns bons anos. Já tem uns bons anos, mas é um livro que eu aconselho, porque no fundo o que ele faz é uma série de retratos de pessoas com lesões neurológicas, várias, seja na linguagem, seja por acidentes vasculares cerebrais, e que obviamente têm resultados diferentes, umas têm sonhos, outras não conseguem, Por exemplo, este senhor tinha um problema de não conseguia perceber as formas das coisas e portanto pegava na cabeça da mulher como se fosse um chapéu e daí foi o que deu o nome ao livro, mas humanizou estas lesões do cérebro, humanizou de uma forma no fundo de olhos a cada paciente, o paciente era a voz de cada lesão para as pessoas perceberem não só o quão complexa são, mas também o quão fascinante é a forma do cérebro lidar com isto e de facto os sonhos, esta percepção espacial de alguém não saber onde está, o facto da pessoa confundir palavras, por exemplo, que acontece, é tão intenso, só digamos, e tão profundo, quão fascinante como o cérebro pode funcionar. Eu acho que é um livro que qualquer pessoa pode ler, mas que tem, para mim, claro, um interesse... Sim. Neurocientífico, digamos.
José Maria Pimentel
Boa recomendação. Já me recomendaram esse livro há imenso tempo e eu ainda não o li, confesso.
Luísa Lopes
É ótimo. E ele tem vários, que ele depois... Aliás, ele tem o último, Antes de Morrer, sobre ele próprio, que também vale muito a pena ler. É um livro um bocadinho mais pesado, por isso é que eu não o recomendo tanto. Mas este é muito divertido, porque ele consegue dar-lhe uma... Há uma certa caricatura e há uma certa humanização da lesão que eu acho que é...
José Maria Pimentel
Sim, e a ligação. Imagina eu da parte
Luísa Lopes
médica, científica... Sim, e a aprendizagem de aprender o que é que cada área corresponde a cada função.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Boa, excelente. Luisa, obrigado.
Luísa Lopes
Obrigada, eu também tinha partido. Eu fico sempre muito entusiasmada, depois falo demais,
José Maria Pimentel
mas não é possível. Aqui há espaço para falar o que seria demais, não é possível. Obrigada. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio.