#126 João Ferro Rodrigues - «A Era do Nós»: conciliar liberdade e direitos com a promoção...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Neste episódio estou à conversa com o João Ferro Rodrigues a propósito do seu livro A Era do Nós, propostas para uma democracia do bem comum. O convidado é licenciado em Economia pela Universidade Católica e tem o MBA pela Harvard Business School. Profissionalmente tem-se dedicado à gestão em setores como a consultoria estratégica, as energias renováveis e a tecnologia. Quem faz podcasts e outros programas começa a partir de certo ponto a receber regularmente livros de editoras que querem, naturalmente, promover os seus autores. Um dos livros que recebi no início deste ano foi este, A Era do Nós, do João Ferro Rodrigues. Logo na altura achei o tema muito pertinente e agradou-me sobretudo ver um não-académico fazer uma incursão por estes tópicos. Além disso, ao percorrer o índice do livro, encontrei vários pontos com os tópicos que abordo no Política a 45° e por isso decidi esperar até publicar o livro para convidar o João para o podcast. O Política a 45° saiu em Abril, como se lembro, e poucas semanas depois recebo, via redes sociais, uma mensagem do João a elogiar o livro e impressionado também ele com a quantidade de temas em que coincidíamos. Estava feito ali o METES, convidei-o ali mesmo para o Quantity sem Graus e o resultado é este episódio. Este livro do João Fé Rodrigues, A Era do Nós, é uma reflexão sobre a maneira como a sociedade tem evoluído nas últimas décadas, no mundo e em Portugal, e o manifesto por uma ênfase renovada no comunitarismo e no espírito, como ele lhe chama, do bem comum. O livro parte da convicção de que vivemos hoje, em resultado da evolução da economia e das mentalidades, numa era mais individualista e compartimentada do que no passado. Esta tendência reflete-se no aumento da atomização social, e por isso, para muitas pessoas, num maior isolamento, mas outras pessoas mantêm uma vida social ativa, acontece que vivem naquilo que o convidado chama bolhas sociais, em que contactam pouco com o resto da sociedade e com pessoas que têm hábitos e pensam de maneira diferente delas. O João entende que esta tendência anticomunitarista é, desde logo, um mal em si mesmo, ou seja, moral, mas acha também que tem trazido consequências negativas concretas na vida dos próprios indivíduos, seja por via de um menor crescimento económico, seja pelo impacto que tem na saúde e mesmo na felicidade individual. O livro termina por isso com um conjunto de propostas muito concretas para aumentar a confiança entre os cidadãos e a coesão da comunidade, gerando a tal nova Era do Nós que consiga conciliar os ganhos da liberdade e inclusividade das últimas décadas com a necessária harmonia e coesão social. As propostas do convidado incluem medidas relativamente consensuais, como a promoção da mobilidade social, uma maior descentralização, o melhor planeamento urbano ou a promoção do associativismo local, mas inclui também algumas propostas mais ousadas, como por exemplo a da criação de um serviço nacional obrigatório. Ou seja, uma espécie de serviço militar obrigatório, mas focado sobretudo em dar aos jovens uma experiência de contato direto com o país real e levá-los a trabalhar no terreno em prol das comunidades. Nesta conversa com o João Fé Rodrigues abordámos sobretudo o diagnóstico que o convidado faz da evolução da sociedade e do estado da sociedade atual. Entre vários outros temas, falámos do encantamento que hoje todos mais ou menos temos com a ideia do mérito individual, da importância e das limitações desse conceito, falámos da importância de enfatizar não só a liberdade e direitos dos indivíduos, mas também os deveres para com a comunidade, E falámos da ascensão do populismo e da sua relação com o facto de algumas camadas de população sentirem-se hoje deixadas para trás pelas elites mais cosmopolitas, mais progressistas e pelo foco da política em questões menos concretas e por uma agenda que muitas vezes privilegia os direitos das minorias, que é obviamente necessário assegurar, em detrimento de preocupações de camadas da população mais abrangentes. E falámos também da importância de aumentar a mobilidade social, da necessidade de rebentar as tais bolhas sociais e ainda sobre se as empresas devem ou não ter um papel social. Espero que gostem, deixo-vos então com o João Fé Rodrigues e antes disso, como de costume, muito obrigado aos novos mecenas do 45 Graus, Susana Castelo, Miguel Passadouro, Felipe Duarte, muito obrigado também pelo apoio do João Vieira dos Santos, do Germano Rio, do Rafael Santos e do Ricardo Souza. Até ao próximo episódio. Vou começar por te pedir para te escreveres o livro. O que é que te levou a escrever o livro? Para quem nos está a ouvir, porque eu li o livro, mas a maior parte das pessoas ainda não. Vai ler depois, mas para já ainda não. Bem, antes de mais, obrigado
João Ferro Rodrigues
pelo convite. Obrigado, eu gosto muito do teu podcast, portanto estou muito contente de estar aqui a falar contigo. Olha, o livro foi escrito durante o período da pandemia e, portanto, eu acho que não vale a pena esconder aqui um elemento de disponibilidade de tempo e de estar em casa durante fins de semana etc. Abriu-se aqui uma janela de oportunidade que eu acho que foi o catalisador para a escrita no momento em que eu escrevi. Depois eu costumo também dizer a brincar que estou a meio da década dos meus 40 anos e portanto também há aqui provavelmente uma crise de meia-idade que me obrigou a fazer aqui uma espécie de balanço do que é que tem sido a minha vida até agora e há pessoas que as crises de meia-idade dão-lhes para outras coisas. Dá para comprar carros de grande qualidade, dá para, sei lá, fazer returas conjugais. Eu, felizmente, não me deu para isso. Pelo menos para já não estou para ir virado. E portanto achei que podia tentar aproveitar alguma dessa energia reflexiva do momento da vida em que eu estou para escrever e tentar perceber melhor o que é que eu acho sobre determinadas coisas. E Finalmente, há um terceiro motivo que é o livro foi escrito como resultado de leituras. Este livro não nasceu, tenho esta ideia, vou pesquisar para o escrever, foi precisamente o contrário, foi leituras que eu fiz nos últimos 5, 10 anos que eu achava que não tinham nada a ver umas com as outras e que no fundo, ainda diversas áreas das ciências sociais e das ciências físicas, eu estava sempre a ler coisas que tinham muito a ver com o balanço entre o bem comum e o individualismo. E o livro é sobre isso, é sobre o balanço entre o bem comum e o individualismo.
José Maria Pimentel
E depois Foste encontrando pontos entre livros diferentes que ias lendo.
João Ferro Rodrigues
Exatamente, mas o engraçado é que foi literalmente cair a ficha. Caiu uma ficha a determinado momento, quando estava a terminar um dos últimos livros que li sobre estes temas, que foi o do, penso que foi do Michael Sandel, que foi o tirania do mérito, que eu já tinha estado a ler sobre aquele tema, mas em contextos tão diferentes como biologia evolucionária, economia e agora estava a ler-se no contexto da filosofia moral e percebi que de facto havia aqui algo que eu estava a sintetizar que tinha a ver com esta questão do individualismo e do peso, no meu entender, excessivo que o individualismo tomou nas nossas sociedades ocidentais nas últimas décadas e na necessidade de regressarmos, e estes livros também todos apontavam para isso, a uma ótica em que as decisões são tomadas mais a pensar no bem comum. Quando me caiu essa ficha, tinha quase o livro praticamente escrito do ponto de vista da estrutura que eu queria que o livro tivesse. Tentei obviamente que o livro também cruzasse a minha própria experiência pessoal, para não ser algo muito insípido, e comecei a escrevê-lo. Foi este o processo. Portanto, o que me levou a escrever o livro, em resumo, se quiseres, foi uma mistura de timing, de momento que eu tenho na minha vida e de me ter caído a ficha sobre uma síntese de várias leituras que fiz sobre um tema que me interessava e que eu nem sabia que me interessava porque achava que os livros não tinham nada a ver, mas afinal estavam todos relacionados. O que
José Maria Pimentel
é que tu defendes no livro? Bem, a tese do livro é que, se
João Ferro Rodrigues
quisermos, a busca da felicidade de cada um de nós e das comunidades onde vivemos passa por um equilíbrio entre aquilo que são as nossas dimensões mais individuais e aquilo que é o nosso serviço para essa comunidade do bem comum. E que durante as últimas décadas, por razões que o livro tenta resumir, o pêndulo foi demasiado longe para a vertente do individualismo e que, na minha opinião, há sinais claros que esse pêndulo agora está a voltar a equilibrar-se para o lado do bem comum e como eu acho que isso é bom para todos nós, eu procurei no livro, na segunda parte do livro, até introduzir algumas propostas para acelerar esse processo e para que esse bem comum seja otimizado em Portugal.
José Maria Pimentel
É giro porque o livro, tu acabas por fazer uma crítica aos excessos do, poderíamos dizer, da direita liberal e daquilo que chamas de esquerda identitária, que no meu livro até chamas de qualquer coisa do tipo esquerda nova justiça social, mas que no fundo muitas vezes tem essa componente identitária, mas acaba por estar focada em direitos individuais. E tu dizes que é interessante que, em ambos os casos, sendo esses designios altamente justificáveis, tanto da liberdade como dos direitos de minorias que tinham ficado para trás, isso depois acaba por gerar um foco no indivíduo que acaba por corroer o tecido social que existia antes. Essa é uma tese interessante. Em primeiro lugar, deixo-me dizer que não é minha. Isto é
João Ferro Rodrigues
algo que já é muito desenvolvido recentemente, por exemplo, pelo Michael Sandel, que é o tal filósofo da Universidade de Harvard, do livro que eu estava a referir anteriormente, mas também pelo Janty Hall, que é um economista que tem um livro sobre a economia do bem comum, ou seja, eu aqui tentei mais resumir aquilo que pessoas que pensam a sério, que não é o meu caso, pessoas académicas, conclusões chegaram e tentar usar uma linguagem mais coloquial para permitir que esses conceitos fossem entendidos por mais pessoas, mais rapidamente que se fossem transmitidos da academia para a cultura. Esse é o meu papel aqui, é tentar acelerar um pouco esse processo. Agora, o que estás a dizer, aqui é preciso sempre ter muito cuidado quando estamos a falar destas coisas, porque eu pessoalmente acho que os avanços sociais e em grupos que têm sido reprimidos socialmente são fundamentais. Eu sou muito favorável a esses avanços.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Por certa maneira, é claro. Seja avanços no género,
João Ferro Rodrigues
seja de etnias, seja de orientação sexual. Já houve outras fases em que havia comunidades muito orientadas para o bem comum, mas que eram feitas com base na repressão de muita gente destas comunidades, porque se encaixavam num destes subgrupos. Agora, também o que é natural é que quando o foco da política passa para corrigir estas assimetrias, que se perca um pouco o tal foco nesse bem comum. E o que eu acho é que agora estamos numa fase em que, aliás até pelo crescimento dos populismos que o demonstram, que se queremos responder às novas ameaças que temos, temos que, não perdendo nada dos avanços que tivemos nestas causas, que são muito importantes, temos que voltar a política a olhar para questões que são mais sobre a nossa dimensão coletiva do que apenas de direitos individuais. Houve um autor, que eu já não me lembro quem foi, que disse que se calhar não devia haver apenas a declaração dos direitos do homem, mas também devia haver a declaração dos deveres do homem. E eu acho que isto é uma questão muito importante, que é que nós nos esquecemos, que é também no dever com os outros que as sociedades seguentam, não é? E para além de mais, acho que temos todas essa experiência que é quando damos, nos sentimos melhor, mais felizes e, portanto, também até para o bem-estar individual isso é
José Maria Pimentel
positivo. Sim, mas agora em relação àquilo que disseste há bocado fica também essa modéstia de dizer que isto não são ideias novas, mas o livro tem uma reflexão tua e eu acho especialmente interessante, o livro não tem a ambição de ser um livro académico. Não,
João Ferro Rodrigues
não, não, não, eu não sou académico. Claro, isso fica
José Maria Pimentel
logo claro disso, mas eu acho interessante ter alguém que tem uma profissão, que tem uma empresa, como é o teu caso, quer dizer, que tem um trabalho para além disso, a juntar essa perspectiva que vem de muitos trabalhos académicos, precisamente, com uma experiência de vida e com uma reflexão baseada na experiência de vida. Porque isso também é diferente daquilo a que um académico pode ter acesso, que pode se... Eventualmente, obviamente, tem um conhecimento mais profundo de muitos destes fatores, mas não tem a mesma capacidade de que tu ou outras pessoas que tenham essa experiência de ligar uma experiência mais concreta do mundo real é um bocadinho... Desculpa, os académicos que me estão a ouvir é um bocadinho... É um bocadinho depreciativo, não é? Mas entendo o que eu quero dizer, não é? Não, eu
João Ferro Rodrigues
sim. Mas como eu estava a dizer, a sensação que eu tive quando estava a escrever o livro, ou que me levou também a escrever o livro, é que há uma série de lugares comuns que estão imbebidos na nossa cultura, que vêm da economia, que vêm da biologia, que a própria academia já os ultrapassou. E no livro falo do gênio egoísta, falo da tragédia dos comuns, só para dar aqui alguns exemplos de coisas que... Da questão da meritocracia e da sua valorização, são tudo temas que são importantes, mas que nós ainda estamos na nossa cultura, na maneira como tomamos as nossas decisões, que é a cultura que influencia muito, estamos a ser muitas vezes influenciados por onde a academia estava nos anos 70 e anos 80 do século passado. E a academia evoluiu muito, como sempre, continuou a progredir do ponto de vista científico e muitos destes mitos, porque são mitos na academia, já não são defendidos, mas continuam a ter um impacto muito grande no nosso dia a dia, nas conversas que temos com nossos amigos e, portanto, o tal papel de veículo transmissor, o que eu tentei foi, na minha modesta dimensão, foi tentar se eu posso, vou tentar aqui dar uma ajuda, pelo menos dar a conhecer, numa linguagem mais coloquial, o que é que estas áreas científicas acreditam hoje em dia sobre estes mesmos temas, porque isto vai ter que chegar de novo a todos para que tenha impacto na vida em comunidade. Eu penso que as pessoas muitas vezes não têm consciência, tu tens obviamente porque és uma pessoa que tem uma ligação à academia, nós achamos que a academia é uma coisa que está ali e que não tem um grande impacto na vida das pessoas mas o conhecimento que se produz na academia acaba por produzir líderes como o Matácher, como o Reagan, como o António Costa, como o Mário Soares e, portanto,
José Maria Pimentel
isso depois acaba... O peso das ideias, não é? O peso das ideias... Há uma frase até do Keynes muito conhecida sobre isso, como diz.
João Ferro Rodrigues
É brutal, não é? E, portanto, Tudo o que seja acelerar essa ligação entre o que é que a academia está a dar de novo e como é que a nossa sociedade responde a esse conhecimento culturalmente e depois através da sua organização, eu acho que esse é o, se quiseres, o principal mérito que o livro possa ter. Não é a produção de conhecimento pura e dura, é essa síntese e a localização para Portugal, porque eu sou um produto de Portugal, não é? Eu cresci em Lisboa nos anos 80 e nasci nos anos 70, tenho filhas que estudam em Portugal, em Lisboa e, portanto, eu acho que essa dimensão pessoal é só minha, mas também ajuda. Este livro não foi escrito a pensar noutros mercados, foi escrito a pensar em pessoas que leem e dizem, eu revejo-me nesta história. Para caso
José Maria Pimentel
essa era uma pergunta que eu te queria fazer, porque eu pensei muito nisso ao ler o teu livro e já tinha pensado nisso muitas vezes ao ler alguns dos livros que servem de base também ao teu. Que é, a pessoa está a ler, na maioria dos casos, livros escritos para o mundo anglo-americano e aquilo ressoa em nós, mas a pessoa identifica-se com parte daquele diagnóstico, mas por outro lado eu penso, parte daquilo não se aplica necessariamente cá, não é porque a realidade é diferente, nós somos um país, para o bem e para o mal, mais coletivista, por exemplo, do que os Estados Unidos ou até o Reino Unido, sobretudo, das metrópoles de hoje em dia, não é? Tu sentiste isso ao escrever o livro? Ou seja, pensaste a certo ponto? Não, quer
João Ferro Rodrigues
dizer, eu tentei... Ou seja, pensei, mas tentei sempre, tendo essa preocupação, tentei assegurar que isto se encaixava na nossa realidade portuguesa. Na parte das propostas, obviamente que é direto, estou a pensar no nosso país em Portugal, mas mesmo na parte do diagnóstico, quando me refiro ao que era o ensino de economia, por exemplo, nos anos 90, era em universidades portuguesas. Sim. E sabes, José Maria, é verdade que nós não somos os Estados Unidos ou uma Inglaterra, Eu acho que faço aí algumas matizes a dizer que não somos, mas dentro da Europa Ocidental temos um nível, por exemplo, da desigualdade e de outros indicadores, em muitas coisas temos alguma proximidade maior com estes países anglo-saxónicos do que com os países da Europa continental. Portanto, estamos ali no intermédio, mas em algumas coisas até estamos mais aproximados. Mas depois estas questões, por exemplo, identitárias e dos avanços que foram feitos, questões de género, questões de etnias, etc. Ainda estamos em algumas das coisas um bocadinho mais atrasados do que os países anglo-saxónicos. Pois, precisamente, é isso. Mas já estamos a percorrer esse caminho. Eu acho que é muito importante aqui o papel que os partidos mainstream em Portugal sempre, apesar de tudo, mantiveram ali uma dimensão comunitária. O PS e o PSD refirma isso, que é superior ao que aconteceu, por exemplo, aos partidos sociais-democratas e de esquerda no resto da Europa. Aliás, isso nota-se nos votos, na minha opinião. Esse balanço, essa capacidade ainda de responder a pensar que os eleitores se reveem também, estes tipos ainda pensam na comunidade e não apenas só em agendas individuais, acho que é uma das coisas que acabou por explicar porque há menos erosão eleitoral cá nos partidos. Ou seja, respondendo à tua pergunta, sim, muita da literatura que eu consumi é anglo-saxónica, aliás a estrutura do livro é muito anglo-saxónica no seu modelo de livro, mas eu penso que apesar de tudo tive algum cuidado de curar essas conclusões para que elas tenham alguma redezao à nossa realidade. Queria falar
José Maria Pimentel
das duas, são um bocado os dois lados da tua tese, que é uma crítica como já há bocadinho. Parte dela, se quisermos, à direita liberal e parte à esquerda identitária. Se calhar começando pela direita liberal, um dos pontos que tu salientas que eu achei piada é a questão do mérito, que é um aspecto que eu também já pensei muito, mas eu acho interessante sobretudo porque tu remetes para o teu próprio exemplo, ou seja, tu dizes que tens muitos amigos que acham que basicamente o sítio onde estão é praticamente inteiramente resultado das ações deles próprios, portanto mérito, e não entendem que, se é verdade, obviamente que em muitos casos em parte é mérito, também há uma grande parte que é ter o vento a favor deles. Tu sentes mesmo isso?
João Ferro Rodrigues
Sem dúvida. Vento a favor ou vento contra, não é? Ou seja, que o vento tem muita importância na velocidade do avião,
José Maria Pimentel
não tenho nenhuma dúvida. Não, eu digo é, sentes isso entre pessoas que conheces essa visão, não é? No fundo uma espécie de falta de sensibilidade para o facto de não estarem onde estão apenas por mérito próprio.
João Ferro Rodrigues
Sim, mas acho que escolheram o meu livro abriram um bocado a pistana. Não, deixa ver, eu penso que todos nós no nosso percurso há uma dimensão de mérito. Eu próprio reconheço em mim mérito, não penso que seja apenas um produto do acaso e da sorte. Agora, eu nasci e cresci nos anos 80, Portugal já estava em democracia e já havia outro tipo de oportunidades económicas, o crescimento todo relacionado com a entrada na União Europeia. Que mérito é que eu tenho nisto? Nenhum. Os meus pais conheceram-se e trabalhavam num organismo público que era na rua das praças em Lisboa. Por causa disso foram morar ali perto, que é na zona da Lapa, e nascemos ali, eu e a minha irmã, e portanto fomos para escolas públicas acima da média e tivemos acesso a pessoas, amigos, de um nível socioeconómico que era superior ao nosso e com isto acabámos por fazer um percurso académico que foi parecido com o que esses amigos iriam fazendo por natural, só pelo sítio onde nós vivemos. Qual é o meu mérito nisso? Não é nenhum. Quer dizer, tenho amigos meus que dizem, ah pois mas eu sou médico e estudei seis ou sete anos. Claro que há muito mérito nisso, mas quantas pessoas nem chegam a conseguir... Ah mas depois tem o pai médico ou a mãe médica ou... Isso não é logo uma grande vantagem inicial. Claro. Não é? Pronto. O meu ponto é esse, não é dizer que as pessoas não têm... Eu conheço histórias de mérito total. Tenho amigos que têm muitíssimo mérito, tenho outros que têm algum mérito, mas o meu tema é que nós temos que ter uma noção clara de que há fatores que não estão no domínio do mérito na nossa vida e também azar. Atenção que eu até agora tive a dar situações positivas. Eu também tive, por exemplo, azar ter acabado o MBA em 2002, num ano em que houve uma enorme crise económica nos Estados Unidos, onde eu estava, por causa dos dot-com bubbles que arrebentaram e tal, e que havia muito menos trabalho do que se houvesse em 2000 e 2001, por exemplo. O meu curso era o mesmo, Eu apliquei-me da mesma maneira. E, portanto, o que eu penso é que esta questão da conversa da meritocracia é uma conversa perigosa quando não é colocada com este tipo de contextualização, porque dá a sensação que cada um, no nível interior, pode chegar onde quiser. E isso só seria verdade em sociedades com uma mobilidade social total, que não é de todo o nosso caso. Mas mesmo nesses casos, é duvidoso que seja a sociedade que
José Maria Pimentel
nós queremos. Mesmo
João Ferro Rodrigues
nesses casos temos dúvida. Porque, Por exemplo, a dimensão cognitiva que cada um tem, que nasce com ela, e tem a ver também com uma parte genética, obviamente, dos seus pais, etc. Que mérito é que uma pessoa tem com essa dimensão cognitiva inicial? Ou seja, o meu ponto é, o livro não é um livro que te defende só o em comum e que acha que conceitos como o individualismo, questões identitárias ou o mérito não têm valor nenhum. Não, é apenas uma questão de reequilíbrio. A expressão do Michael Sandel que é muito feliz é tirania do mérito. É acharmos que tudo se resolve com mérito. O mérito é muito perigoso porque é uma maneira dos políticas públicas se desculpabilizarem. Se nós dissermos que cada um de nós consegue fazer o que quiser, é só uma questão de tentar e tentar mais e tentar mais, desculpabiliza os governos, porque eles não têm que criar condições, porque no fundo aquela pessoa não chegou lá, tentasse mais, tentasse mais. Não teve mérito. Não
José Maria Pimentel
é verdade, nós todos sabemos isso. E pode sempre reinventar-se e voltar a tentar. Eu vi
João Ferro Rodrigues
com muita atenção aquele podcast que tiveste recentemente com um convidado que estava a falar dos números de pessoas de classes económicas mais baixas que chegam à nossa universidade. Acham que essas pessoas é uma questão de mérito por chegarem menos do que as outras classes. Não é, não tem nada a ver com mérito, ou seja, é óbvio que há a dimensão de classe e do ponto de partida e das dificuldades que têm e não terem explicações, ou seja, os teus podcasts necessários têm sido muito interessantes, demonstram que existem muitos fatores em que as famílias que têm mais rendimentos dão uma ajuda enorme aos seus filhos, como eu dou aos minhas filhas. Portanto, é preciso é ter essa noção, porque se nós tivermos essa noção clara, depois vamos provavelmente defender políticas públicas mais adequadas para o
José Maria Pimentel
bem comum. Eu estou completamente de acordo contigo. Acho que nós estamos alinhados nesse aspecto. Deitar completamente fora o conceito de mérito seria altamente perigoso, porque as pessoas não tinham nada no fundo que as movesse. Mas é evidente que, eu digo até que a maioria dos fatores são extra mérito. Há ali uma componente de mérito, mas na maior parte dos casos os fatores são extra mérito. O que eu acho que acontece na prática, a sensação que eu tenho, e isto também vai de certa forma ao encontro da tua tese de que devíamos ter mais comunitarismo. É que na experiência concreta das pessoas, as pessoas contactam, não com aqueles que ficaram à porta da universidade, mas com os colegas. E portanto, estás a avaliar o teu mérito face ao teu peer e o teu par, provavelmente tem um percurso, tem um background socioeconómico muito idêntico, tem um percurso muito idêntico e portanto aí o teu mérito individual... Aí já se nota. Já se
João Ferro Rodrigues
nota, n? Aí tens razão. E esse é o referencial da pessoa. Há uma espécie
José Maria Pimentel
de miopia social que decorre
João Ferro Rodrigues
da expressão da bolha, que eu uso no livro, que vivemos numa certa bolha em que as pessoas com quem nos relacionamos, na maior parte das vezes, já estão numa espécie de patamar em que a maioria se calhar teve o mesmo tipo de apoio, pois há variações mais pequenas. E depois aí se calhar tu podes dizer de facto, opá, ok, eu cheguei mais longe que o meu colega AOB, ou seja, da universidade ou do liceu e nós tínhamos mesmo condições de partida, portanto aqui há algum mérito e há, esse caso funciona. Mas eu acho que isso decorre também da homogeneidade das nossas relações sociais. E daí entramos depois, se quiseres podemos falar um bocadinho por causa da escola pública, do seu papel super importante porque é dos poucos sítios onde, apesar de tudo, havia esta capacidade de nós percebermos que os pontos de partida são muito diferentes e a partir do momento é que as crianças andam todas em escolas privadas ou em escolas públicas muito homogéneas do ponto de vista social, elas perdem essa capacidade de entender que há mais fatores que não apenas o mérito que acabam por implicar nos seus resultados quando são adultos. Sim, esse teu ponto de livro acho muito importante porque talvez seja de facto uma coisa
José Maria Pimentel
que nos falta hoje em dia ou pelo menos que se deteriorou. Porque tu dizias no início que as ideias são muito importantes, e são, mas a maneira como as ideias aderem à mente das pessoas, quisermos, depende muito da experiência concreta que elas têm. Isso é que explica se tu vais sentir-te atraído por uma ideia ou não. E se a tua experiência concreta for de pessoas do teu meio socioeconómico, precisas ter uma pessoa com uma grande abertura de espírito e grande curiosidade intelectual e eventualmente grande sensibilidade para aderir a ideias que suponham tu percebes que há pessoas mais desprivilegadas. Porque a tua experiência concreta não é essa. A tua experiência concreta é estar a olhar para o teu par e pensar, olha eu esforcei mais do que ele e não tive o mesmo resultado. Ou ao contrário. E portanto está toda virada para essa questão de mérito, que é importante àquela escala, mas numa escala do país, por exemplo, dificilmente serás, se calhar, a favor de uma coisa como o rendimento básico incondicional ou qualquer tipo de coisas de... Quer dizer, obviamente que são medidas que depois na prática podem ter vários obstáculos em implementação, mas dificilmente isso te irá sensibilizar porque aquilo nem se quer estar na tua experiência, quer dizer, tu
João Ferro Rodrigues
não entendes que aquilo seja necessário. Estou completamente de acordo e aliás a palavra experiência aqui é chave. Há duas maneiras, se tu quiseres, há a maneira de indoctrinar as pessoas sobre estas questões, que é o que nós estamos aqui a fazer, falar sobre elas, tentar-lhes abrir o espírito. E o livro também vai por aí. E depois há as experiências. É tu criares experiências de vida que permitam a elas, de facto, ter um conhecimento diferente do que é a sua comunidade, de toda a sua diversidade e com isso começarem-se a preocupar mais com políticas e com soluções que saiam só da sua bolha. O livro, eu penso, que aliás tem um capítulo que se chama Rebenta a Bolha, que também é brincar um bocado com aquele nome daqueles... Quando os jogos estavam viciados, não é? E portanto há aqui uma espécie de um jogo viciado social e algumas políticas que têm a ideia de rebentar a bolha. E é por via da criação de experiências. Eu não estou a defender que isto deva ser falado no currículo do décimo ano da educação de cidadania pelo professor nas escolas dos meninos privados e dos meninos da pública para eles perceberem. Mas estou a defender, por exemplo, uma coisa que eu vi alguns dos teus convidados falarem, da importância de teres mobilidade nas escolas públicas e teres crianças de meios mais desfavorecidos nas boas escolas públicas e arranjar... Ou, por exemplo, a questão do serviço cívico obrigatório, que é uma experiência. Repara, o serviço cívico obrigatório... É a tua proposta que deu mais nas vistas. Deu mais nas vistas. Tu, eu acho que encaixaste-a no ângulo exato que eu estava a pensar. Que é, isto não vai lá por indoctrinar, isto vai lá por criar experiências. Se todas as jovens deste país tivessem essa experiência, eles iam mudar um bocado a sua perspetiva. A tropa, eu não sou defensor do serviço militar obrigatório, atenção, o serviço cívico obrigatório tem outras dimensões. Uma delas pode ser a militar, mas haver outras opções. Mas a tropa tinha esse papel também. A geração dos nossos pais tinham, muitos deles, esta visão mais unificadora da nossa comunidade porque partilhavam a tropa e experiências muitas vezes muito duras e traumáticas com pessoas que muitas vezes não vinham do mesmo meio social, vinham lá da sua aldeia, não sabiam ler ou escrever, mas isso permitiu a essa geração ter uma noção do que é a nossa comunidade, do nosso país, que eu temo que a minha geração, e a tua também, que és um bocadinho mais novo, mas não fazes assim tanta diferença, e dos nossos filhos então, estejam mesmo a perder.
José Maria Pimentel
O que eu achei engraçado ao ler o livro, e agora estava-me a lembrar disso ao ouvir-te, é que tu tens muitas passagens, não sei se tu tiveste essa noção, mas tu tens muitas passagens que entroncam numa visão conservadora. Não estou a dizer que tu estás a passar uma visão conservadora, isso é uma estupidez, porque em Portugal dizer conservaduismo parece uma coisa
João Ferro Rodrigues
pejorativa. Não, não, mas eu não tenho essa visão pejorativa da palavra.
José Maria Pimentel
Mas há uma ponte, aliás, eu lembro do episódio que gravei, acho que com o Pedro Lomba, na série de orientações políticas, que depois deu um empate de origem ao livro, e eu lembro de estar a ouvi-lo falar e de estar a dizer, há uma ponte entre a direita conservadora e a esquerda clássica, não a nova esquerda, mas a esquerda clássica, que vocês
João Ferro Rodrigues
não estão a aproveitar, porque esta visão... Mas foi a ponte que criou o Estado Social Europeu. Sim, em certo sentido. Era essa a ponte, foi essa a ponte que permitiu desde o final da Segunda Guerra até aos anos 70, que foi quebrada inicialmente pela direita clássica, não sei se concordas, mas porque foi a direita com a Thatcher e com o Reagan e tal, que primeiro se mexeu para outras dimensões e depois a esquerda mais tarde com esta questão que nós falámos também de mais identitária. Mas desculpa interromper-te. Eu
José Maria Pimentel
percebo o teu ponto e até é verdade, não me lembrava desse ângulo, que é de certo sentido óbvio, mas eu aqui até quero dizer, Esse era um encontro ao centro, se quiseres. E eu aqui falo de uma esquerda clássica, bastante, enfim, viamente, não é? E também com um conservadorismo pouco moderno, não é? No sentido de enfatizar essa questão da comunidade e até a questão do dever. Por exemplo, tu tens aqui uma passagem, que eu vou citar, que tu dizes, num tempo, qualquer coisa, em que os deveres sociais são esquecidos, em que o ser humano é visto como alguém que vive de forma quase virtual, sem relação com o território e sem as responsabilidades que deve assumir perante a sua comunidade. E isto é muito decepto, tu fazes este diagnóstico perante até as pessoas que no fundo venceram na economia global, se nós quisermos, mas isto pode ser feito em relação a muitas pessoas que vivem em meios urbanos e em parte delas é exatamente nessa esquerda mais identitária. Sim, sem dúvida. É uma crítica interessante. Olha
João Ferro Rodrigues
Maria, mas eu sou uma pessoa de esquerda mas não tenho problemas nenhum em apontar o dedo aos meus pares ou às pessoas que são de outras ideologias ou a concordar. Agora, eu acho é que só o facto de tu dizeres que uma frase dessas faz uma certa ligação à direita conservadora, demonstra como algo na esquerda se perdeu, porque a esquerda, social democracia, vem de um movimento cooperativo, não vem de um movimento identitário, não é? E, portanto, e tu tens escritores, por exemplo, como o Paul Collier, que é um economista que fala muito disso, que é algo que se perdeu na social-democracia, que tem a palavra social aqui, não é? Não tem a palavra individual, para que uma frase como esta que tu acabaste de dizer, hoje em dia quase que lida como uma frase de direita. Exato. Percebes o meu ponto? Agora, que de facto é essa ligação à direita social e à democracia cristã, etc, que existe? Claro que existe. Eu não me defino como um conservador no sentido em que, para mim, tudo o que é estruturas repressivas, extrativas é para arrebentar. E portanto nesse sentido sou um progressista puro e duro. Mas também não sou um revolucionário no sentido em que estruturas que funcionem são para arrebentar só porque sim. Pronto, Eu tenho elementos das coisas que eu defendo que são conservadores. Por exemplo, eu sou conservador na democracia. Eu não acho que... Eu acho que temos que a conservar. É uma instituição... O Tribunal Constitucional é uma instituição. Se eu sou conservador nisso, se calhar comparado com o Pedro Lombo ou com o Pedro Mechia, ou etc., se calhar eles têm a 90% das coisas para eles é para não mexer e eu tenho 50, 40.
José Maria Pimentel
Aqui o conservadurismo é no sentido de uma coisa que é muito marcada no conservadurismo que é a preocupação com o capital moral da comunidade. E com o capital social e com o capital moral. E depois há aqui se calhar uma verdade inconveniente que é será possível nós termos as duas coisas ao mesmo tempo? Ou seja, termos essa coesão e termos essa justiça absoluta? Porque parte desta coesão existe porque há uma identidade partilhada e essa identidade partilhada muitas vezes pressupõe papéis diferentes, pressupõe homogeneidade étnica, por exemplo, em muitos casos, barra cultural. Eu acho que esse é um dos grandes desafios das democracias atuais.
João Ferro Rodrigues
Mas é assim, até estávamos a falar antes do podcast ir para o ar de um livro que lemos e que tu conheces o autor, em que diz que o ponto ótimo, defende este autor, que o ponto ótimo de desenvolvimento...
José Maria Pimentel
Pode sugerir já.
João Ferro Rodrigues
Chama-se Galor, o autor do livro, e o livro chama-se The Journey of Humankind, que fala da tese da geografia, da tese das instituições, mas acrescenta aqui a tese também do mix entre diversidade e homogeneidade étnica e cultural, que também pode ajudar ou não ao desenvolvimento das sociedades. E sim, eu penso que há um ponto intermédio que não é um ponto de total homogeneidade em que o bem comum tem uma defesa absoluta. Não me esqueço que o Salazar, na Constituição de 1933, Tem lá o bem comum como principal causa, a principal razão de tudo e qualquer atividade entre aspas subversiva era o bem comum que era a justificação para acabar com ela. Portanto, o bem comum é preciso ter cuidado, não pode ser levado em excesso porque é levado a totalitarismos e comportamentos de tiranos e antidemocráticos, porque é uma bela desculpa, não é? Mas por outro lado, tem que haver um grau de homogeneidade suficiente, pelo menos a nível da cultura, a nível dos valores de uma sociedade, para ela funcionar. E vai haver sempre um conflito, Isto é uma questão irresolúvel. Eu se calhar se este livro fosse escrito daqui a 30 anos eu estava a defender mais individualismo. O meu
José Maria Pimentel
ponto é, neste momento e em
João Ferro Rodrigues
Portugal onde nós estamos, o que eu sinto é que o pêndulo foi longe demais nas últimas décadas e que agora é preciso reequilibrar. Mas eu sou moderado no sentido em que acho que um ponto ótimo deve ser da minha formação de economia. Há sempre ali um ponto ótimo, mais ou menos, que não é um extremo. E eu não concordo que seja nem no extremo do individualismo, onde acho que andamos a navegar, nem no extremo do bem comum e do comunitarismo puro e duro, porque isso põe as liberdades individuais em xeque e afoga a diversidade que é necessária para refrescar os países.
José Maria Pimentel
Esse ponto é importante, porque tu vês um determinado ponto absoluto como o ideal e achas que estamos desviados para lá, mas seria possível que estivéssemos desviados para o outro. É um péndulo, não é? No fundo, é chegar
João Ferro Rodrigues
a uma zona em que o péndulo está mais centrado, não é? Levar para o outro
José Maria Pimentel
lado do pêndulo. Aliás, a mesma questão do mérito liga aí, porque houve um ponto de sucesso há bocado e depois não explorámos, que é muito interessante, que é que mesmo que o mérito funcionasse, e aqui por mérito podíamos substituir o elevador social, mesmo que a mobilidade social fosse absoluta, isso não era necessariamente desejável, porque é um jogo de soma nula por definição e portanto tu tinhas umas pessoas a subir, outras a descer, portanto era bom para umas mas mau para outras e até porventura criaria alguma perturbação. E ressentimento. E ressentimento, porque tu tens que ter outros fatores identitários das pessoas para além do trabalho, mas por outro lado também há um argumento inverso, até do ponto de vista histórico, é dizer, o trabalho veio precisamente... O trabalho, ou tu seres o teu trabalho, em grande medida veio iluminar fatores que outra hora criaram guerras, por exemplo, não é? Porque com as suas desvantagens, não é? Esta lógica do mérito e de tu... Quer dizer, de nós sermos, acima de tudo, trabalhadores, não é? Mais do que pertencer a determinada religião ou até a determinado país ou a determinada etnia ou a determinado sexo, não é? Sejas homem ou mulher, isso previne também as suas conflitos. Sem dúvida. O problema é que tu não podes eliminar isso completamente, senão... Sem dúvida. As pessoas também não...
João Ferro Rodrigues
Eu penso que coloquei no livro, que é um exemplo direto do Michael Sandel, muito interessante, para as pessoas perceberem esta questão do mérito. Eu acho que esta questão do mérito é das mais difíceis de desconstruir. Está tão dentro de nós que quem critica o mérito, espa, este tipo está a fazer. Hoje em dia há muitos críticos. Sim, começa a haver, mas não estou a falar a nível académico, estou a falar a nível cultural, de falares com os teus amigos, é uma palavra que é quase considerada como estar num altar. E o exemplo que ele dá, que é muito feliz porque ajuda a entender, e foi assim que eu percebi finalmente a questão, foi no tempo da Idade Média havia os tipos que eram os nobres, os tipos que eram os padres, os tipos que eram do povo, depois havia a burguesia e não havia nenhuma mobilidade social. Uma pessoa nascia e morria sempre na sua classe e no seu nível,
José Maria Pimentel
se quisermos,
João Ferro Rodrigues
a nível da ordem social estabelecida. As pessoas que nasciam, por exemplo, no povo, elas não assumiam de maneira nenhuma que necessariamente um nobre era mais inteligente do que elas. Não. Ele até podia ter mais dinheiro, podia ter 25 cavalos, podia comandar exércitos, mas era de outra classe e, portanto, não havia ali nenhuma sensação de ressábio. Ou seja, elas ficavam tristes por não ter mobilidade social, mas achavam que era uma injustiça, mas não se sentiam de maneira nenhuma insultadas na sua inteligência e na sua mobilidade e na sua capacidade, no seu mérito de avançar. Quando entramos numa sociedade que é uma meritocracia perfeita, e este é o argumento dele, isto não acontece. Quem fica para trás, não só fica para trás, e portanto tem o pior resultado a nível económico e social ficar para trás, como para além do prejuízo ficar para trás, a expressão que ele usa é, adiciona, insulto ficar para trás. Porque ele fica para trás e a sociedade aponta-lhe o dedo a dizer tu ficaste para trás porque não conseguiste melhor e agora já não tens a desculpa de não ver essa mobilidade, tu terias conseguido, tu poderias ter lá chegado. E portanto é preciso perceber que quando temos este efeito e de repente começamos a ter muitas pessoas que não sobem a escada do mérito e lá está, é uma palavra perigosíssima, expressão perigosa, porque não tiveram se calhar muito apoio ao longo da sua vida para chegar a outros patamares, elas criam um ressentimento muito grande E muito do que explica hoje em dia este ressentimento contra as elites, que não existiria se calhar da mesma maneira nos outros tempos, eu não estou a defender a idade média, atenção, era pior, mas era precisamente que estas pessoas sentem este ressabiamento, parece que a sociedade lhes está todas a dizer, não, chegaram porque não conseguem, a culpa é vossa. E isto é um caldo muito perigoso para uma comunidade, quando tu tens uma boa parte da população a quem estás a apontar o dedo como se a culpa fosse delas. E como a gente já tinha falado antes, a minha opinião é que não é, que há aqui muitos fatores de
José Maria Pimentel
sorte nestes percursos e de azar que nada têm a ver com o mérito. É a culpa e depois do outro lado, e aí liga à parte da esquerda identitária, é o facto de ser moralmente inferior. É aquela história dos deploráveis de Hillary Clinton e que nós vemos hoje em dia a empurrar o populismo de direita radical e há muitas pessoas que dizem, e é uma tese, o que eu acho relativamente convincente para explicar como é que determinadas figuras como o Trump e o Iron Sol conseguem ser eleitas, é que o cidadão médio olha para ele e pensa isto pode ser o pior do mundo, mas ele não está a julgar. Ele não acha que é moralmente superior a mim. Exatamente. E isso eu acho esse pensamento interessante.
João Ferro Rodrigues
E é isso que muita esquerda e mesmo da direita mais moderada não percebeu do apelo dele. É que ele não está a apontar o dedo. Por mais besta quadrada que eu ache que seja, por mais aldrabão, por mais antidemocrata, ele não está a apontar o dedo a estas pessoas. E estas pessoas, antes de mais, têm um ressentimento. E por alguma razão, o maior... Eu acho que tu já falas disto no teu livro que eu vi, que o maior fator que está ligado ao voto populista é a educação, né? E portanto tem muito a ver com esse ressentimento de quem avançou ou não do ponto de vista educacional E a maior crítica que estas pessoas fazem às elites, ele atacando as elites, ele ataca quem eles sentem que está a atacar. Exato. Ou seja, o inimigo do meu inimigo, meu amigo é. É um pouco esta lógica que nos parece, que suscita também, que explica. Eles sabem perfeitamente em quem estão a votar, mas valorizam muito ele ter o mesmo inimigo que estas pessoas e estas comunidades têm. Portanto, é um tema muito relevante.
José Maria Pimentel
E a crítica que tu fazes à esquerda identitária, no fundo, à nova esquerda, se quisermos, eu imagino que seja até rejeitada por muitas pessoas que se identificam dessa forma, porque tu dizes que parte da esquerda deixou para trás, no fundo, as causas desta massa, de pessoas que não estão especialmente mal, por comparação, sei lá, membros de minorias que são vítimas de racismo, por exemplo, mas que não deixam ter problemas económicos, de ter perdido rendimentos em alguns casos, ou pelo menos de ter visto os rendimentos estagnarem enquanto os rendimentos de outros aumentaram, e isso teria sido deixado para trás pela esquerda. Mas a verdade é que há muita gente de esquerda que não deixa de ter essa visão de que isso também é importante defender. O problema, e isso quer dizer que o problema grande é que depois essas pessoas não alinham no resto da agenda. E é isso que explica no centro da Europa, não tanto em Portugal, ainda não se vê muito isso, mas a crise da social democracia porque esses partidos da esquerda clássica ficam de mãos atadas, não é? Porque não conseguem apelar a ninguém e tu acabas por ter a nova esquerda a ir para os partidos mais libertários e a esquerda antiga a ir para a dieta radical, no fundo, a ir para o... Certo. Eu acho que isso também explica porquê é que em Portugal, por exemplo,
João Ferro Rodrigues
o PS tem uma adesão eleitoral muito superior ao que outros partidos têm. A minha sensação é que sempre teve na liderança quem não fosse nessas cantigas. Ou seja, sempre... Mas
José Maria Pimentel
eu acho que não há... Desculpa, interromper-te. Eu acho que não há sequer na população... Nós somos o país mais empobrecido, com menos nível educacional e, portanto, isto significa que, por um lado, a parte económica continua a pesar muito porque é um país mais empobrecido e por outro lado tu não tens ainda gente suficiente para apelar a essa... Veja-se o Bloco ou o Livre, não é? Quer dizer, tu não tens... Sim, certo. O Livre teve que se esforçar com tudo para eleger um deputado. Sim,
João Ferro Rodrigues
mas repara, eu não sou todo imune ao discurso que o LIVRE ou que o BLOCO têm sobre a necessidade de acabar com injustiças raciais ou de género.
José Maria Pimentel
Não, eu sei, não te preocupes com isso.
João Ferro Rodrigues
Não, não, eu me apontei. Tal como eu, a maior parte das pessoas que não votam no LIVRE e no BLOCO têm isso também na agenda. A questão é quando a agenda é apenas dominada por estes temas. E a verdade é que o PS, a sensação que eu tenho, até se calhar por ter ali aquela bengala que é ter o Bloco de Esquerda e o LIVRE etc. A poderem fazer e as juventudes socialistas, antes de haver o bloco e tal, a fazerem esse trabalho, sempre se conseguiu, apesar de tudo, manter, se fizessem estudos de opinião no eleitorado, acho que mantinham que havia aqui uma lógica do bem comum. Eu dou um exemplo num livro para mim, é sintomática, que é a questão dos espaços sociais. Uma medida pura e dura de bem comum, de pensar na comunidade, no bem estar de todos, na sua mobilidade, na sua circulação. E é uma medida que não encaixa em discursos identitários, como é fácil de compreender. E há muitas destas medidas que, apesar de tudo, foram sendo tomadas num carácter social mais transversal, mas que não é preocupada em determinados grupos identitários, que é a razão porque eu penso que apesar de tudo o PS e o PSD, porque a gente diz que o PSD tem tido maus resultados, mas vai se mantendo ali entre os 25% e os 30%, há muitos partidos da centro-direita na Europa que foram à vida e que não têm este tipo de votações, e portanto eu acho que a razão porque ambos os partidos ainda conseguem ter um apelo eleitoral maioritário é porque nunca perderam completamente esta lógica. Dito isto, quem controla a agenda mediática não é esta lógica hoje em dia. É o Chega, é a iniciativa liberal, é o livre, é o logo de esquerda e estes temas são temas que por serem mais polarizados, só por isso mesmo têm mais atenção das pessoas. Não,
José Maria Pimentel
completamente. E as elites, chamemos de assim, empelam-se por discutir estes temas que aos olhos do cidadão comum vão
João Ferro Rodrigues
gerando um afastamento. E lá está. E mais uma vez. E depois vem um Trump que apontou a dedo às elites a dizer, eu não gosto deles. E o cidadão comum, que não existe, mas pronto, esse cidadão vai dizer. Ah, pois eu também não, porque eles só falam de coisas que não têm muito a ver com o meu dia a dia e não estão preocupados com aquilo que me preocupa mesmo. E pronto, vou votar no Trump porque nós os dois não gostamos da mesma coisa. E portanto, é esse o risco, como é que isto pode alimentar populismos perigosos.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Eu estava agora a ouvir-te a pensar numa coisa. As propostas que tu sugeres, uma delas é essa do serviço cívico obrigatório, mas tu tens várias propostas que vão todas mais ou menos dar ao mesmo que é liquefazer, se quiseres, a sociedade no sentido de a fazer mover-se mais e as pessoas contactarem mais entre si. Liquefazer é bom. É bom
João Ferro Rodrigues
gostar-se. É muito bom, não tinha pensado nisso. Tipo um shaker, pôr lá a sociedade toda que está dividida em várias bolhas e
José Maria Pimentel
misturado. E um dos méritos que isso pode ter é precisamente esse de, no fundo, gerar uma sensibilidade social maior em pessoas que tenham tido sucesso na vida, se quiser, e que são a classe socioeconómica mais convertida. Mas
João Ferro Rodrigues
não só! É também aumentar em muita mobilidade social de quem está em patamares mais baixos. Até é mais a pensar nisso. Eu não estou aqui só preocupado em permitir abrir a pistana a pessoas que já estejam bem na vida. Eu acho que muitas dessas medidas, por exemplo, aquelas relacionadas com escolas públicas, habitação pública, há muitos estudos económicos que o que indicam é que é assim, por via de experiências, que tudo permite-se a mobilidade social. É colocar pessoas de meios mais desfavorecidos em contato direto com as melhores escolas, com os melhores bairros, terem amigos que vão ser de outros tratos sociais e que também vão puxar por eles ao longo da vida porque eles vão querer competir com esses amigos, naquele fenómeno que tu falavas há pouco, que cada um olha para as suas pessoas. E, portanto, a ideia do liquefação, que eu gostei muito do liqueficador, é muito a pensar na mobilidade social e nas oportunidades que criamos para quem tem um ponto de partida inferior do ponto de vista da oportunidade. Eu
José Maria Pimentel
sei, mas a mobilidade social, que é altamente importante, mas acaba por não contribuir necessariamente para esta lógica comunitarista ou que tu chamas do bem comum porque é um jogo de soma nula, uns sobem outros deixam. Ela é importante, uma sociedade sem mobilidade social significa que as pessoas não têm perspetivas de vida, mas para umas subirem... Estás
João Ferro Rodrigues
a pensar numa dimensão relativa da mobilidade social. Sim, ou seja, o que me parece... Estou a pensar mais numa dimensão absoluta, que é um jogo que não é de soma nula. Podem subir todos. Sim. Claro. Estás a fazer progresso. Sim, e eu acho que a praze é um jogo de soma positiva. Estás a crescer, como economicamente.
José Maria Pimentel
Exatamente. Ou seja, João, o que eu quero dizer é, eu achei essa proposta muito interessante, mas sobretudo nessa lógica do crescimento econômico, se quiseres. Na lógica de voltar a criar, ou até criar, um espírito comunitário, que até que em alguns casos nunca existiu, mas corrijo-me se eu estiver a ver isto mal, eu acho que aí o lado interessante é as pessoas interagirem umas com as outras de maneira a encontrarem pontos em comum, e no fundo criarem esse espírito comunitário mais abrangente do que as bolhas que existem atualmente. Não percebo o teu argumento. O que eu acho é que a dimensão óptima da
João Ferro Rodrigues
nossa comunidade não é atual. Atualmente nós estamos divididos e restringidos em dimensões mais pequenas e isso tem um custo económico e existe desconfiança entre diferentes bolhas, as bolhas socioeconómicas melhores e as que têm mais rendimento e as que têm menos, pelos motivos que já falámos. Rebentar esta bolha e pôr tudo no mesmo shaker, para usar a tua expressão, faz com que aumentes a massa crítica e aumentes a confiança nestes grupos, ou seja, fica um grupo maior e com mais confiança e que isso é gerador de riqueza e prosperidade. Portanto, nesse ponto de vista, se tu quiseres, a questão é, neste momento, a sensação que eu tenho, vejamos um exemplo muito concreto, que se calhar é melhor do que estas conversas teóricas para quem nos está a ouvir. Na universidade, hoje em dia, estávamos a falar há pouco, que o número de pessoas que estão a vir de classes sociais mais baixas para chegar à universidade é francamente reduzido. Algo não está bem. Sempre foi, não
José Maria Pimentel
é uma deterioração nesse caso.
João Ferro Rodrigues
Sim, mas do ponto de vista do peso, a minha questão é, neste momento, a forma como o sistema de acesso à universidade está feito privilegia muito as escolas privadas, porque elas fazem um trabalho de muita qualidade, orientado para isso, para a entrada, e têm muito mais apoio os alunos, e obviamente as famílias dos seus alunos também têm. Privilegia muito as melhores escolas públicas, ou seja, também cria aqui uma série de entropias e dificuldades para quem lá está, faça o seu percurso educativo e até seja um aluno razoável, mas que não esteja no melhor agrupamento de ensino público. E eu não tenho a certeza se isto não se agravou nos últimos 20 anos. Eu acho que esta desigualdade de acesso agravou-se. Concordo contigo, sempre aumentou, foi muito mais o número de pessoas que acedem à universidade, mas a dificuldade no acesso parece-me que se aumentou. O ponto de partida, a balança está mais desequilibrada. Pronto, isto é um exemplo. A mesma coisa na habitação, que sempre houve bairros mais ricos e bairros mais pobres, mas com fenómenos como a gentrificação e com a expulsão das classes médias dos centros urbanos, cada vez os territórios estão mais segmentados. Portanto, o meu objetivo aqui é, se eu acredito que é preciso haver confiança a uma escala maior para haver progresso, então nós temos que fazer políticas que permitam que este progresso aconteça e é como? É rebentando estas bolhas e em cada um destes setores, políticas na habitação, políticas na educação, políticas em todas as áreas que tenham influência, para que mais pessoas possam coexistir e com isto haver mais confiança na comunidade, porque a confiança é o principal gerador de desenvolvimento. Se fores ver quase todos os rankings de desenvolvimento económico, há uma correlação direta entre confiança no seu vizinho e confiança nos seus eleitos. E Portugal está muito baixo nisto. Nós temos um problema de confiança muito grande. Isso nota-se em muitas coisas. Nota-se no nosso tecido económico, que eu também penso que fala no livro. Temos um número... Acho que houve uma vez um professor... Não sei se não foi o Ricardo Reis, o professor Ricardo Reis, que fez um artigo que era de Incredible Shrinking Portuguese Firm. Era assim o nome. A nossa empresa média mínima a nível de dimensão. É ridículo, sim. Porquê? Porque há uma questão de incentivos, mas também há uma questão de falta de confiança que os nossos empresários não gostam de associar-se. Começa a haver, atenção que muito tem mudado nos últimos anos no associativismo empresarial, mas há um caminho enorme por fazer. Alguém tem dúvidas que essa falta de confiança e esse pensamento compartimentado custa muito dinheiro ao país? Porque essa falta de escala não nos permite competir nos mercados globais. Portanto, o que eu penso é que é, na economia, no território, na habitação, na educação, se nós usarmos este prisma, como é que vamos reforçar a confiança e pôr mais pessoas neste bolo e não só esta bolha, vai ter consequências muito positivas a médio e longo prazo no nosso progresso e na nossa riqueza. Portanto, eu nesse ponto de vista, eu acho que isto não era um jogo de soma nula, nesse sentido.
José Maria Pimentel
É, mas eu estava a remeter para uma coisa diferente, agora estou a perceber, estou a ouvir, e também depois de ter lido o livro, tu tens dois tipos de argumentos para este maior comunitarismo. Um é, se quisermos, material, que é de que ele gera mais crescimento económico, até gera ganhos de saúde, por exemplo, e uma série de outras coisas que tu lhe diste agora, e outro é mais, se quisermos, moral e mais imaterial, e é de que esse comunitarismo é algo bom em si mesmo, ou seja, é algo que devemos fazer e é algo que em última análise até nos vai tornar mais felizes. Tu fazes até esse argumento, não é? E tu tens propostas que vão nos dois sentidos, não é? Acho que
João Ferro Rodrigues
resumiste melhor do que eu conseguiria. De facto, esses são os dois argumentos e agradeço porque agora vou usar nas próximas conversas que tiver. Que há o argumento moral, sem dúvida, mesmo que não tivesse nenhum resultado material. A nossa dimensão moral deve-nos fazer viver em comunidades que são saudáveis do ponto de vista moral, mas também há, e ao meu lado de economista, e eu acredito muito nisso, um argumento forte do ponto de vista material e de criação de riqueza e de ultrapassarmos um patamar que nos limita, que é um patamar institucional, um bocado na lógica da economia institucional, da forma como nós estamos organizados e na forma como não estamos aí a buscar o melhor que temos, que nos prejudica e, portanto, são esses dois argumentos. Cada leitor vai se calhar dar mais importância a um ou outro, Mas eu gostei da forma como tu resumiste, porque acho que o argumento material eu não tenho sabido muitas vezes vendê-lo bem e é muito importante também. Pois, porque as pessoas tendem a... Têm ir só ao argumento moral. Claro, claro. E eu não sou padre, quer dizer, não tenho nada contra, eu gosto muito, nem sequer sou religioso e, portanto, claro que eu também tenho a minha dimensão moral como qualquer cidadão, mas também escrevo o livro muito a pensar ok, queremos ser mais ricos, queremos gerar mais riqueza, queremos ter um país mais próspero, queremos criar mais oportunidades e acho que, sinceramente, as propostas que o livro defende, não há aqui um trade-off que para sermos mais comunitários vamos perder... No mesmo sentido, sim. Não, não, é para criar riqueza, não é para reduzi-la.
José Maria Pimentel
Sim, e há até parte destas propostas que tu fazes, eu acho que até são separáveis do teu diagnóstico em relação ao individualismo, porque são problemas que vêm mais atrás, este problema da escala das empresas. Nós até antes desta conversa falávamos no outro dia porque eu estava a contar que tive almoçada com um amigo meu que é empresário no país real, ou seja, não nas grandes cidades ou não em Lisboa pelo menos e ele contava-me que não existem incentivos fiscais praticamente à fusão de empresas, ou seja, à consolidação que é obviamente a melhor maneira de ganhar a escala, não é? Porque, claro que a empresa pode ganhar a escala porque cresce e ganha poder de mercado, mas a maneira mais rápida é tu teres uma empresa a comprar outras ou a fundirem-se. E eu fiquei um bocado escandalizado com aquilo e ele dizia, não, na verdade... Ele dizia até com uma calma ilugiável para alguém que está no terreno. Ele dizia, não, na verdade não existe porque não há procura por isso, porque ainda há muito poucas empresas a fazer isso e isso é cultural, porque os empresários não querem. A última coisa que eles querem fazer é vender a empresa a outro tipo que é o concorrente dele.
João Ferro Rodrigues
O tal tema da confiança,
José Maria Pimentel
de preferir ser
João Ferro Rodrigues
dono de um bolo mais pequeno do que partilhar
José Maria Pimentel
um bolo muitíssimo maior. E preferes morrer ali do que estar a vender aquilo a outra pessoa qualquer.
João Ferro Rodrigues
Eu penso que apesar de tudo, atenção, esta conversa da confiança e da escala empresarial, eu acho que está ligada ao tema também do individualismo e de alguma falta de dimensão comunitária e
José Maria Pimentel
de saber. Eu penso que há alguma ligação. Mas eu tenho uma pergunta para ti, porque eu acho que nós não estamos sempre a falar do mesmo quando falamos de comunitarismo. Porque, por exemplo, quando nós pensamos em comunitarismo, e lembras-te que eu até fazia aquela referência à visão mais conservadora, mais tradicionalista, se tu quiseres, Nós estamos a pensar numa moralidade mais homogénea, numa sociedade mais coesa, no fundo como era antigamente. Mas os países que têm capital social mais elevado, ou seja, que têm esta confiança interpessoal mais elevada, são os países nórdicos. E os países nórdicos são países bastante individualistas nesse sentido. Ou seja, eles têm um capital de moral mais leve, permite gerar uma confiança entre as pessoas, o suficiente para confiar nos políticos, o suficiente para fazer os negócios, mas não é aquela moral antiga, percebe-se o que eu quero dizer? Percebo perfeitamente, mas... Ou seja, eles são muito individualistas.
João Ferro Rodrigues
Eu não tenho a certeza. Repara, basta ver o peso do Estado nos países nórdicos,
José Maria Pimentel
que é muito elevado. Não, claro, mas as pessoas saem
João Ferro Rodrigues
de casa dos pais muito cedo, não têm as obrigações que nós temos de ir para as avós. Estamos a falar então é das estruturas de ligação familiar, por exemplo.
José Maria Pimentel
Sim, E local mesmo, sei lá, nós somos muito mais ligados à nossa cidade de origem, até à comunidade, às vezes até ao bairro, os nossos amigos, os amigos de sempre. Aí
João Ferro Rodrigues
não tenho a certeza, em relação à comunidade já não tenho a certeza, mas o meu ponto é que se tu quiseres medir isso pelo que as pessoas dizem, estou de acordo, depois se fores por ver coisas mais métricas de associativismo local, de participação em clubes, em associações locais, etc. Eles dão-nos 10 a 0 do ponto de vista dessa participação cívica. Se quisermos tangibilizar um bocadinho o que é que o bem comum significa, também é essa participação cívica. Eu percebo o teu ponto e o que eu acho que eu gosto muito dos países nórdicos é que têm níveis de confiança muito elevado. São coisas diferentes. Exato, é isso. Cada um está na sua mas confiam muito no outro. O ponto de partida é que o outro também está na sua mas confia em mim. E, portanto, há ali uma espécie de uma relação feliz. E depois a outra coisa que eu acho que é interessante é que não se importam de deixar uma boa parte da sua riqueza para que a sociedade como um todo funcione bem, neste caso é o Estado a nível local, é o nível nacional, mas depois a terceira coisa que eu gosto muito e que Também é uma coisa que tipicamente uma pessoa que vota à esquerda em Portugal fala pouco, apesar de agora hoje em dia estar a ver mais, é que são países muito concorrenciais. Muito concorrenciais. E que conseguem coexistir ao mesmo tempo com um Estado grande, mas nas áreas onde o Estado não está presente, há muito poucas barreiras à entrada, há muita orientação para a exportação, há muita lógica de associação e são economias que têm muita liquidez no bom sentido, que acontece muita coisa e são a prova que o peso do Estado e a questão da concorrência e da competitividade de uma economia não são dimensões... Multamente exclusivas. Não é um trade-off, não é um trade-off. Tu podes ter economias extremamente competitivas com maior ou menor peso do Estado. Eu gosto muito pessoalmente do tipo de onde chegaram. Deixa-me só dizer em relação às empresas, que estavas a falar há bocado sobre a questão dos incentivos, que era patética que os incentivos eram contrários. Eu te contei que antigamente os fundos europeus davam-te dinheiro e davam-te uma majoração, se fosse uma PME, por sempre uma PME. E depois tu fazias uma operação de consolidação com outra empresa, em teoria é uma coisa economicamente favorável para o país. Perdias o benefício e eles pediam o teu dinheiro de volta porque já não cumprias com a majoração. Quer dizer, eu concordo com o teu amigo quando ele diz que também não há muita procura, mas quando havia procura os incentivos eram muito maus. Isso mudou um bocadinho agora. Eu acho que, por exemplo, estas novas agendas mobilizadoras, não sei qual é o resultado que vai dar, mas que são projetos muito grandes e que estão a fomentar a criação de grandes consórcios. Ou seja, acho que é um bom papel que o Estado pode ter é criar condições e incentivos para que haja estas agregações. Ou seja, o Estado também pode influenciar a criação de confiança. O meu ponto é esse. E o livro fala de muitas políticas que na minha ideia são de geradoras de confiança e que rebentam essas bolhas. E fazendo
José Maria Pimentel
aqui um bocado a advogado do diabo, não achas que uma medida que promovesse a consolidação, que tinha óbvios benefícios económicos, não poderia agravar o problema do individualismo, porque essas empresas muitas vezes, precisamente por estarem muito ligadas à pessoa que as cria, têm muitas vezes um peso na sociedade local que extravasa no seu âmbito económico, não é? Muitas vezes, sei lá, patrocinam as festas da aldeia, sei lá, o geridor da empresa
João Ferro Rodrigues
faz parte. Sim, mas espero que as empresas quando se consolidam saibam manter a ligação territorial, não é? Ou seja, há uma consolidação. Sim, não é possível fazer. Se isto é uma fábrica em Ovar e outra em Santirso, espero que não decidam só apoiar Ovar a partir de agora ou só Santirso, não é? Eu percebo o teu ponto. Ou deixar de apoiar qualquer um deles. Mas repara, na dimensão de comunidade e de agregação mais nacional, faz sentido. Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
E por falar em empresas, isso agora nos levava de volta ao início da conversa, tu começas no fundo por citar uma série de mitos que no teu entendede se criaram, parte deles vindos da economia, sobre a maneira como a economia deve funcionar. E essa era a altura que tu citas o livro do Milton Friedman, que é o Capitalismo e Liberdade, salvo erro, e isso fez-me lembrar de uma reflexão que eu fiz há muito tempo e que eu acho que encaixa bem aqui no modo comunitarista do teu livro. Porque o Friedman tem um artigo que deu muito que falar e em parte está refletido nesse livro, mas existe enquanto um artigo que publicou Salva no New York Times em 76, que é um artigo muito polémico, é que ele diz qual é a coisa do tipo, e acho que o título até é mesmo este, a missão social das
João Ferro Rodrigues
empresas é gerar lucro. Não fazes um MBA sem ouvir,
José Maria Pimentel
sem discutir esse artigo muito. E eu também, numa cadeira que eu dava, discutia esse artigo com os alunos. E é um artigo interessante porque é um artigo bastante provocador, porque ele usa muitos argumentos altamente convincentes e diz, entre outras coisas, que quando tu colocas outras coisas em cima da mesa que não são objetivos económicos, aquilo é meio que a minha andada para estares a drabar e estás a servir os interesses que não são os interesses do fundo que é lá pôs dinheiro e em última análise estás a deixar que esse dinheiro seja capturado para fins que não interessam ou então a fazer umas coisas tipo fazer assim umas obras sociais só para teres boa imprensa mas que na prática não está acrescentar nada. E depois qual foi a reflexão que eu fiz sobre isto, que eu acho que encaixa bem aqui, é que eu acho que este lado social das empresas é um bocadinho como a situação que tu tens lá do Ivala Arário, das ineficiências, é qualquer coisa do tipo, são coisas práticas que são aparentemente desperdício. Ineficiências by design, não é? Ineficiências by design, exatamente. São coisas que são aparentemente desperdício, mas tu as tirares... Como o exemplo do voto, acho que é o exemplo que eu... Tu dás isso para o voto, não é? O exemplo do voto presencial. Exatamente, se deslocar para votar. E um exemplo parecido são os presentes que as pessoas dão a entre si, não é? Que é uma estupidez, não é? Eu faço anos, tu dás-me um presente, faço anos eu dou-te um presente. Que estupidez, não é? Exatamente. Agora, aquilo na verdade é uma ineficiência que serve para... Não, é prova que o utilitarismo tem limitações. Exatamente. Isto vem no teu capítulo sobre o utilitarismo. E eu acho que a responsabilidade social das empresas, que tem muito de uma maneira de fazer publicidade, mas na prática acaba por forçar as empresas, por um lado, a integrar-se nesse tecido social em questão, por outro lado, levar as pessoas que lá trabalham a ter maneiras de se realizarem para lá do trabalho do cur que estão a fazer. E portanto, embora seja ineficiente, eu aí concordo com ele. Quer dizer, claramente é ineficiente, é óbvio, o bottom line daquilo é muito difícil de avaliar, mas tem esse efeito parecido a uma série de ineficiências sociais que nós temos, do tipo de dar presentes, mas podíamos nos lembrar de várias outras, que não servem para nada, mas servem para, por um lado, nos dar sentido à vida, em certo sentido, e por outro lado, permitem manter a confiança. Ok,
João Ferro Rodrigues
mas então estás a chegar a uma conclusão que é manter a confiança. Eu então, permite-me agarrar nisso e discordar um bocadinho do que tu dizes que é então sou eficientes.
José Maria Pimentel
São aparentemente
João Ferro Rodrigues
ineficientes. Repara, eu lembro-me quando eu estudei isso no MBA há cerca de 20 anos que realmente parecia um trade-off, mas eu sou empresário e a sensação que eu tenho é que não é. Hoje em dia eu acho que... Pois, qual
José Maria Pimentel
é a tua experiência? Quando pensas
João Ferro Rodrigues
em trabalhar no motomotor... A minha experiência é... Tu tens o Porter, também dizia, tem aquele framework em que uma empresa tem um ecossistema que tem clientes, tem fornecedores, tem os reguladores, entidade reguladora, tem os empregados, é fundamental, são estes os principais e depois tem os stakeholders, os acionistas também. E o meu ponto é que o que se calhar se chama fazer o bem ou responsabilidade social é só do meu ponto de vista tratar decentemente e com uma perspectiva de longo prazo todo esse ecossistema e que isso favorece os seus lucros. Portanto, se tu fizeres essa análise, se calhar vais chegar à conclusão que existem algumas atividades de responsabilidade social que não favorecem os lucros. Tudo bem, e se calhar as empresas nessas não se deviam meter. Por exemplo, eu acho que as empresas deviam se meter em atividades que são preocupações claras da sua comunidade de clientes, dos seus empregados, porque o pulo de empregados é muito importante, e portanto favorecem a sua retenção, porque a retenção dos empregados cria valor e lucro, que sejam preocupações dos seus acionistas obviamente também, não é? E que sejam dos seus fornecedores também. Portanto, o meu ponto é que existe hoje em dia já muita literatura que demonstra que isso é um trade-off que já não existe muito, que é quando as empresas fazem a responsabilidade social de uma forma correta, ela é potenciadora, claramente, a prazo do lucro. E do lucro não naquela perspectiva dos custos que tivemos aqui extra com um determinado fornecedor porque lhe demos aqui uma ajuda para ele não despedir pessoas ou com uma campanha que fizemos porque a nossa base de clientes concorda que é um tema crítico para a nossa sociedade, nós vamos estar a ganhar com isso passado uns tempos.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, a prazo o
João Ferro Rodrigues
trade-off desaparece. Sim, eu acho que a prazo o trade-off desaparece, e por isso é que estava a brincar contigo a dizer que acho que essa questão da eficiência, a palavra eficiência, claro que existem ineficiências nestas áreas, como em todas as outras, mas acho que bem feito gera muito valor.
José Maria Pimentel
Eu estou de acordo contigo, mas eu continuo a achar que do ponto de vista econômico, estritamente econômico, o Friedman tem alguma razão. Porquê? Porque quando estás a tratar do longo prazo é muito difícil medir isso, não é? É sempre um palpite.
João Ferro Rodrigues
Quando diria o Keynes, estamos todos mortos, não é? Estamos todos mortos
José Maria Pimentel
no longo prazo. Mesmo que não estejas morto, mesmo que seja daqui a 10 anos é muito difícil de dizer isso numa projeção financeira muito difícil de ter que ir lá com certo
João Ferro Rodrigues
mas isso não significa que o valor não esteja lá não é uma coisa que não temos como há muita coisa que é difícil de medir mas que depois se concretiza a nível de valor é aliás o problema muitas vezes é o curto prazismo é uma maneira ótima de aumentar a remuneração de cada ação e comprar as ações próprias da empresa é do ponto de vista do Excel vai dar ali um earning per share fantástico, mas muitas vezes estás a destruir o valor, porque é dinheiro que não estás a investir no longo prazo da empresa, não é?
José Maria Pimentel
Mas o meu argumento é, tu vais sempre ter uma dose de erro muito grande nessa estimativa, mas eu equipar essa dose de erro nessa estimativa às pessoas darem presentes entre si, ou seja, estás a perceber?
João Ferro Rodrigues
Percebo e voltando a esse teu ponto, o exemplo de ineficiências por design, fala-se um bocado nos mitos da economia num livro na questão do utilitarismo e do hiperracionalismo, mas é verdade, o exemplo que eu coloco lá, que é uma nota de rodapé, mas que eu achei interessante. Mas depois
José Maria Pimentel
está numa nota de rodapé na verdade. Mas que eu achei tão interessante
João Ferro Rodrigues
quando li que é... O autor do Sapiens, ele escreveu um artigo no Financial Times a dizer que o voto presencial é um momento comunitário, é um momento em que nós saímos de casa, vemos os nossos vizinhos, estamos todos a ir orientados para algo que é para o bem individual, mas para o bem comum, estamos lá. Se nós estivéssemos a fazer isto no nosso telemóvel... Já ouvi muita gente a dizer que era fantástico, que era muito eficiente, mas a dimensão simbólica e comunitária deste processo perdia-se. É um rito, não é? Que celebra um mito que é a democracia. E tu não podes alterar um rito que celebra um mito, não é? Tal como a igreja tem os seus ritos, a democracia também tem os seus. Por um rito que é uma patetice que é carregar num botão de um telemóvel e já votei, porque perdes esse valor simbólico que estás a atribuir à democracia. Nós todos sabemos que é um dia especial o dia do voto. O dia que vamos lá votar não é um dia igual aos outros. O momento do voto sabemos que estamos a participar de uma dimensão coletiva que já temos poucas. E então eu achei esse exemplo que é um exemplo bom de uma ineficiência por desenho que faz falta.
José Maria Pimentel
Sim, Eu defendo há muito tempo, ou tenho reservas em relação ao voto eletrónico, com um elemento parecido, mas nunca lhe tinha chamado uma coisa tão boa porque de facto é uma boa maneira de chamar. Eu gosto muito de ir votar e para mim é um bocado ridículo, é uma ocasião especial e a minha mulher acha uma coisa meio bizarra, mas Eu gosto de ir lá. Claro, com certeza, eu também gosto. Estou a falar o dia todo, vamos assistir ao almoço, vamos não sei o quê. É um programa, é como ir
João Ferro Rodrigues
ao jamor ver a final da taça, é um bom programa. É
José Maria Pimentel
um bocado estúpido. Também lá está,
João Ferro Rodrigues
que é outro rito. Das poucas coisas que me lembro da filosofia do décimo primeiro ano é uma professora que me disse que um rito era a celebração de um mito, não é? E que tens os ritos da igreja e, portanto, a igreja é a missa, não é? É um rito porque é a celebração de um mito, não é? Que é o mito de Jesus, não é? Eu não vou entrar mais em pormenores porque tenho medo de dizer alguma paraboísa em relação ao tema. E o que eu acabei de dizer eu sei que é assim. E, portanto, na democracia e nas comunidades Existem também ritos que não têm que ser necessariamente eficientes do ponto de vista económico, mas que fazem falta para a tal cola, para a tal confiança. E eu acho que o voto é um deles.
José Maria Pimentel
E o futebol também? Hoje em dia sou bastante a ver só o futebol. O futebol
João Ferro Rodrigues
também. Se olharmos por uma perspectiva meramente económica e do ponto de vista da loucura que se instala numa comunidade não faz muito sentido. Mas olha, basta ver os imigrantes.
José Maria Pimentel
Era isso que eu ia falar. Estou a dar esse exemplo
João Ferro Rodrigues
que diz isso. Vais a Barcelona, vais a Londres e quem anda com as camisolas da seleção e dos clubes são os que acabaram de chegar na cidade. É uma maneira de eles dizerem que pertencem. Exato, exato. O futebol tem... Lá está. O futebol também tem uma dimensão de juntar quem acaba de chegar, de mostrar que ele quer fazer parte daquela comunidade, muito interessante, do ponto de vista sociológico.
José Maria Pimentel
E era como o exército também muitas vezes teve esse papel, até nos Estados Unidos.
João Ferro Rodrigues
E as bandeiras, eu estive lá a seguir ao September 11, as bandeiras nos carros, que era para demonstrar, no fundo, que faziam parte. Portanto, é muito interessante esse tema porque demonstra os limites de uma visão meramente utilitarista da economia, que o individualismo também se baseou um bocado no excesso de atenção à economia, a essa economia mais neoliberal, como resposta a todos os problemas.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Esse ponto do símbolo é interessante até porque toca também naquilo que nós falávamos há bocadinho, dos limites à diversidade. Por exemplo, nós em Portugal temos um problema muito grande, que vai dar nas vistas nos próximos anos de certeza, porque nós temos a nossa identidade coletiva muito construída sobre os descobrimentos. E de repente tens uma agenda revisionista que tem razão em muitos aspectos, que diz atenção que os descobrimentos não foram aquela coisa unilateralmente positiva com que andámos a ser adotrinados na escola todos os anos. Qual é o problema? É que se tu vais demolir isso completamente, estás a demolir um dos alicerces da... O progresso é feito dessas revisões,
João Ferro Rodrigues
mas é... Cria conflitos e não é uma coisa fácil, não é? Mas isso não impede que tenha que ser feito. Lá está, a diferença entre um bom conservador que eu não sou E um progressista é que, claro que sim, mas que temos que analisar as descobertas, ou os descobrimentos, ou o achamento, ou como se chama, da maneira que é mais correta do ponto de vista também do outro. Não, claro.
José Maria Pimentel
Não, não. Do ponto de vista moral, claro que sim, mas do ponto de vista prático. Traz
João Ferro Rodrigues
problemas. Concordo contigo que traz problemas. A quantidade
José Maria Pimentel
de aspectos que estão construídos sobre os descobrimentos é inacreditável. Sem dúvida. Que são personagens, monumentos, quer dizer, datas. Mas,
João Ferro Rodrigues
oh José Maria, qual é que é o símbolo de Paris? É a Torre Eiffel, não é? E só existe há 120 anos, não é? E, portanto, o meu ponto é que... E eles Não gostaram nada inicialmente. Não gostaram nada. É óbvio que nós vamos ter sempre uma dimensão relacionada aos descobrimentos fundamental na nossa identidade, mas isso não significa que ela não possa ir sendo melhorada e sendo mais objetiva e menos exagerada em alguns fatores. É um processo.
José Maria Pimentel
Não, isso aí estou de acordo contigo. Há um aspecto que nós não falámos ainda, interessante, no livro, que levantas uma possibilidade interessante que também já me tinha ocorrido de esta erosão da comunidade poder ter criado um espaço que fez crescer precisamente estas visões mais radicais populistas na maioria dos casos. E esse é um aspecto interessante. Tu até citas um shirt da Ana Arendes interessante, a propósito do tutelaritarismo dos anos 30, que por acaso não me teria ocorrido que tenha essa causa, mas a proposta, pelo menos a interior, é algo que faz sentido, que é quando desaparecem camadas intermédias, que passa a ser tu indivíduo, a tua família, mas depois as outras, sei lá, o associativismo local, ou a pertença à igreja, ou whatever, de qualquer aspecto identitário que seja comunitário, vão desaparecendo. Depois aumenta a desconfiança e sobretudo aumenta, cria espaço, e esse é até do ponto de vista da analogia eu acho interessante, cria um espaço que depois pode ser ocupado. Eu acho que pode ser, e nós acho que Estamos a ouvir isso hoje em dia também, o reboco das redes sociais, mais ocupado pela política no geral e depois dentro da política, por visões mais radicais. Sim, é verdade. E repara que, por exemplo, o surgimento do fascismo
João Ferro Rodrigues
nessa época, ele é um fenómeno que foi ocupar a dimensão comunitária, ou seja, ele não foi responder a necessidades individuais das pessoas, ele foi dar uma visão totalitária, excessiva da comunidade, mas era uma visão comunitária e veio responder até à vontade de pertença que as pessoas têm a algo que é superior apenas aos seus interesses. Ainda agora, recentemente, estava a ver um artigo, que eu não sei se já não me lembro se cheguei a mencionar, no livro sobre os neofascistas italianos, da forma como tentam replicar um bocadinho na ótica do bairro e fazem entrevistas com pessoas que são afiliadas no partido e que elas dizem coisas como eu tenho aqui agora um sítio para ir para estar com pessoas que são aqui conhecer amigos eu estava muito enfiado em casa sozinho e tenho aqui uma dimensão coletiva vamos colar uns cartazes, bemos umas cervejas. O tema é que estas pessoas nem sequer são necessariamente de extrema direita nem racistas mas há um preenchimento de uma dimensão que todos nós temos de pertença que sabem fazer e é perigoso. Ou seja, por isso é que há um dos alertas do livro é cuidado porque o bem comum vai voltar. Agora, quem é que vai agarrar nisto? Vai agarrar quem é democrata, tem preocupações inclusivas e quer que ele coexista pacificamente com muita diversidade e com os ganhos todos identitários das últimas décadas ou vai agarrar nisto quem é o bem comum na ótica do tempo da outra senhora que a única coisa que quer é um rolo que leva tudo à frente numa ótica de uniformismo, tirania e autoritarismo. Esse é que é o grande desafio. Não é tanto se o bem comum vem aí ou não, é qual a faceta. Porque repara que na Europa no século XX tivemos essas duas versões do bem comum. A versão horrível, no meu ponto de vista, do nazismo, do fascismo e do comunismo, do stalinismo, que são visões que não deixam para trás qualquer tipo de individualismo e de autonomia individual, mas também tivemos aqui uma coexistência mais interessante a seguir ao pós-guerra na Europa continental, no período dos chamados 30 anos gloriosos, em que coexistiu com o progresso e com liberdades individuais. Excluíram muitas pessoas que agora, e muitos subgrupos que agora já não excluímos. E portanto, no fundo é, há esse risco e quem é que vai aproveitar este espaço? Este espaço que as pessoas sentem de pertença. Por isso é que o livro propõe que sejam aproveitados por elementos que eu considero positivos para a comunidade, não por elementos que eu considero que a parácia só vão trazer tragédia. Tu
José Maria Pimentel
colocas a coisa entre os termistas, se quiseres, e os democratas, Mas eu até acho que o que aqui está em causa é mais entre os extremistas e as instituições intermédias, se quiseres. E aqui voltamos ao argumento conservador. Ou seja, as pessoas têm a sua identidade, e a sua identidade vai para lá do trabalho. Não há, acho eu, ninguém cuja identidade se esgote no trabalho. E, portanto, as pessoas têm que preencher com algo mais. E, a partir desse momento, o que é que é melhor? É ter, por exemplo, uma instituição como a Igreja, que a pessoa até pode achar obsoleta em muitos aspectos, ou que essa instituição não exista e as pessoas tenham que preencher esse tempo fazendo parte da lega, no é? É um bom exemplo.
João Ferro Rodrigues
Eu não sou religioso, mas eu escrevo num livro aí, porque acredito que a Igreja tem um papel absolutamente fundamental na intermediação dessa necessidade coletiva. Ou seja, há a crença e há a pertença. Exato. Eu não tenho a crença, pessoalmente, mas entendo muito bem a pertença e o papel que a Igreja tem na pertença, na dimensão coletiva das pessoas. Há muita gente que tem um reconforto pela pertença a uma comunidade maior, que é a comunidade da sua igreja. Os
José Maria Pimentel
sindicatos... E depois tudo o que está associado, das festividades locais, o que quer
João Ferro Rodrigues
que seja. E a sensação do contributo, de fazer parte de algo maior do que os próprios. Os sindicatos também tinham esse papel. E a verdade, e indo ao ponto que estavas a dizer, é que se tem esvaziado um bocado quem fazia estes papéis na sociedade civil, na sociedade que não está diretamente, os sindicatos, as igrejas mais tradicionais. E, portanto, está a haver aqui um espaço que vai ser naturalmente populado por algo diferente. Podemos ter aqui uma surpresa positiva, que ser a sociedade civil democrática a arranjar estas novas associações e a criar aqui coisas muito interessantes do ponto de vista local. Ou, espero eu, Ou então ter um grande susto, que é começarmos a ver, a aparecer em cada bairro onde não existe esta dimensão de pertença agora solidificado, uma oferta de dimensões de pertença que não são aquelas que nós mais gostamos, que são as dimensões autoritárias, extremistas, intolerantes e contra os outros. Intolerantes e contra os outros. Há esse risco e o livro também tem essa alerta que é melhor mexer-nos. É um bocadinho como aos símbolos. O livro fala do tema do Bolsonaro, não sei se te recordas, da bandeira amarela. Eu penso também, já terás abordado este tema no teu livro, dos símbolos nacionais, da importância que eles não sejam todos cativados, os símbolos coletivos, por extremistas. A primeira batalha é ganhar o símbolo de volta. Cá em Portugal eu acho que apesar de tudo a nossa bandeira, até por causa da seleção nacional, está bem protegida. Quem a usa não é associada a um extremista, é associada
José Maria Pimentel
a um fã do Cristiano Ronaldo e da nossa equipa. Exatamente. Há um aspecto nisto que, neste teu diagnóstico, pode levar a algum pessimismo, porque sociologicamente provavelmente estes movimentos, estou a pensar no Chega no caso português, terão até mais facilidade de encontrar pessoas dispostas a fazer esse papel de doutrinação local do que propriamente as pessoas com uma visão mais progressista. Porquê? Precisamente por aquele aspecto que tu falas de bolhas e de uma espécie de descolagem entre, podemos chamar as elites se quiseres, não gosto muito do termo mas acho que é se calhar o termo mais fácil, e o resto da população. E por exemplo, há um exemplo muito giro que tu dás no livro, que já pensei várias vezes, tu fazes uma crítica a certo ponto a um determinado órgão de comunicação social pela maneira como dá notícias sobre eventos violentos com enorme desproporção face ao peso que eles têm na realidade. E esse é um aspecto interessante, que é um aspecto que não é especialmente falado. Mas na verdade, há imensa gente, sobretudo pessoas mais velhas, mas não só, também pessoas não empregadas e enfim, eventualmente, não tenho certeza disto, mais fora dos meios urbanos, que passam muitas horas do seu dia a ver televisão, sobretudo, eu não sei se já apanhaste, ou durante a pandemia apanha mais isso, aqueles programas da manhã. Certo, até
João Ferro Rodrigues
conheço uma pessoa próxima, familiar, que fez um deles, portanto conheço bem. Ah sim, depois não me estava lembrando.
José Maria Pimentel
Mas conheço o género, sim. A maior parte das pessoas mais educadas, se quisermos, educadas no sentido do ensino, não têm bem essa noção, porque tu tens um trabalho, quer dizer, não estás em casa, não estás a ver televisão. Tu ligas a televisão e aquelas pessoas constantemente a comentar os casos mais cabrosos, do não sei o quê, que viu louco, esquartejou e há pessoas que passam horas do seu dia a ver aquilo. É impressionante. Qual é a noção do país que
João Ferro Rodrigues
aquelas pessoas têm? Repara, eu estive a ver no outro dia, o ano passado foram assassinados em Portugal pessoas mortas, cerca de 80 pessoas. 80 pessoas! Aqui a dizer outra vez
José Maria Pimentel
o número para os nossos ouvintes não perderem este número. Eu descobri cada um deles duas vezes. Dá
João Ferro Rodrigues
para ver. Há jornais. Dá para ver em 60 programas. Agora imaginem, como é que... Claro que cada morte é uma tragédia, mas destas 80, cerca de metade é violência doméstica, que é horrível, não é? Depois há muitas disputas de vizinhos, mas são 80 casos, não é? E portanto, agora imaginem o esforço mediático que é preciso fazer por um canal diário que está sempre a passar notícias de crimes, para conseguir tirar sumo destas 80 fatalidades, ok? E agora imaginem a perceção completamente equivocada que isto gera nas pessoas. Mas isto não passa só pelas pessoas, com menos educação. Eu tenho amigos meus que têm uma visão do que é a segurança do nosso país completamente baseada nisto, porque estão a ser bombardeados diariamente com estas notícias. E não é só nos programas da manhã. Uma ideia que o país está todos os anos mais perigoso, quando todos os relatórios dizem que há uma tendência estrutural e de décadas que o Portugal está com cada vez menos episódios deste tipo de violência. É uma preocupação. Tem graça a falar desses programas da manhã. Repara que esses programas da manhã mimetizam muito a experiência que essa senhora teria no café da sua rua a falar com os vizinhos. Lá está, é uma resposta a uma certa dimensão comunitária, mas é triste Porque a pertença não é a mesma, ela continua a estar deste lado da televisão e não está a interagir, não é? Por isso é que se diz que ajudam as pessoas a combater a suidão e tu falas... E as pessoas que vêem esses programas dizem isso. Mas não é uma resposta tão boa como uma resposta de estar face a face com alguém no seu bairro ou no seu centro de dia ou num seu clube a jogar umas cartas ou fazer o que for.
José Maria Pimentel
Não tem um lado positivo, só
João Ferro Rodrigues
tem um lado... Não tem esse lado, tem o lado da cuscovelhice, se quiseres, do caldo e queixar-se do mundo, que também faz parte da dimensão comunitária das coisas, mas não tem o lado positivo da pertença, não é tão forte.
José Maria Pimentel
Olha João, para acabarmos, o teu livro tem propostas, mas a minha pergunta é diferente disso, é para onde é que tu vês as coisas encaminhar-se, independentemente de toda a gente acordar amanhã e ler o livro e desatar em implementar aquilo que tu sugeres, como é que tu vês? Porque eu acho que nós temos aqui várias tendências que vão ver esse sentido contrário, não é? Tens as pessoas a utilizar, quer dizer, mais isoladas se quiseres no seu telemóvel, por exemplo, é uma tendência que é muito criticada e eu acho que em muitos casos faz um diagnóstico exagerado, mas contribui para esse individualismo. Tens até o teletrabalho que pode contribuir para esse individualismo e descolamento, porque também no trabalho... Sem dúvida. As pessoas também têm a sua identidade ligada aos colegas de trabalho e à empresa ou organização.
João Ferro Rodrigues
Mas está, o trabalho no escritório é outra das ineficiências por design que nós estávamos a falar porque pode não ser o mais eficiente mas tem imensas coisas positivas para o sentimento de pertença que trabalhar de casa com o Zoom não é a mesma
José Maria Pimentel
coisa, não vale a pena ter ilusões. Eu por acaso pensei nisso logo quando, eu gosto de teletrabalho, mas pensei nisso logo quando começámos a fazer teletrabalho. Mas esses são os negativos, não é? Depois também tens outros casos, já falámos das empresas, por exemplo, hoje em dia existe uma ênfase nessa solidariedade social e no propósito das empresas e até das pessoas. Eu até começo a notar que as pessoas estão menos importadas só com o dinheiro que vão ganhar e mais com aquilo que vão fazer. Portanto, há aqui tendências que vão nos dois sentidos.
João Ferro Rodrigues
O livro, aliás, eu tenho lá um capítulo que é o capítulo 6. Já estamos aí, já estamos num momento em que o pêndulo está mesmo a mudar para o bem comum, eu gostava de ter uma resposta, mas não tenho. Ou seja, o que eu acho é que se não atingimos o patamar de alguns desta cultura do eu, estamos muito próximos disso. E acho que tanto a pandemia, como agora até a questão da guerra, que é horrível. Há aqui muitos fatores que estão, outra vez, a puxar para uma maior preocupação comunitária, que são respostas quase naturais das sociedades e inimigos externos, que fazem também puxar por isso. Em relação ao Portugal, em Portugal tenho a sensação que, no tema da dimensão mais identitária, estamos um bocadinho atrás dos países anglo-saxónicos, portanto é natural que esta corrente continue ainda mais uns tempos até começar outra vez a equilibrar-se. Mas eu sou estruturalmente otimista sobre Portugal e Acho que em última análise tivemos aqui uma elevada pancada por questões externas nas últimas décadas a nível económico e que agora muitas desses fatores estão a desaparecer e depois de ter ouvido os teus programas sobre educação ainda mais otimista fiquei pelo facto mais importante de todos que é apesar de tudo fizemos muita coisa nos últimos 20, 30 anos nesse domínio e somos um país completamente diferente e que vamos começar cada vez mais a receber os frutos disso. Isso estava para outro programa e tu já fizeste muitos sobre esse tema. Mas pronto, só para te dizer que a nível do bem comum em Portugal, neste momento penso que estamos numa fase de transição, mas que ainda não é líquido para mim, se ainda vai piorar antes de melhorar ou vai começar já a melhorar.
José Maria Pimentel
Boa resposta. Olha, e antes de terminarmos, ainda tens mais um livro para sugerir, não é?
João Ferro Rodrigues
Tenho. Aliás, vou aqui confessar que estamos a gravar este programa aqui do estúdio, na casa do José Maria Pimentel e reparei que ele tem um livro que é os Irmãos Karamazov e que vai levá-lo muito bem para férias para ler e eu lembrei-me que tinha, para não falarmos só destas questões de economia e de sociologia e de que temos estado aqui a falar, de um livro que li recentemente e gostei muito, eu penso que ainda não está traduzido em português, mas se tiver o Zé Maria depois faz o favor de colocar nas notas, chama-se A Swim in a Pond in the Rain, o autor é o George Saunders, é um grande novelista conceituado americano de short stories, portanto de contos, e o que ele faz neste livro é uma aula, é muito interessante. Ele escolheu sete contos clássicos russos, do Chekhov, do Tolstói, do Dostoyevski e, primeiro, uma pessoa lê o conto e depois ele faz o que faz na sua universidade nos Estados Unidos que é a sua desconstrução do conto em cerca de 20 páginas e aprende-se muito. Para quem gosta de literatura e quer, como eu, começar a ler alguma coisa dos russos, é uma bela porta de entrada. Eu confesso que até agora não tinha lido nada dos clássicos russos e fico cheio de vontade de continuar a ler. Estava
José Maria Pimentel
a dizer isto em off. És o segundo convidado que recomenda contos russos. Não me lembro quem foi o primeiro, mas é uma sugestão interessante. E o facto de ter essa quase leitura acompanhada, eu acho que é muito interessante. É, é muito didático. É, muitas vezes falta e a pessoa não está a tirar o suficiente daquilo que está a ler, o que não faz sentido, nós não podemos ser todos
João Ferro Rodrigues
especialistas em tudo. Não só é didático como isto é aquilo de professores marcantes, ou seja, o que ele escreve é tão interessante ou mais do que o próprio conto. Ele é muito, muito bom. Eu recomendo a todos os que têm interesse. Boa, João, obrigado. Obrigado pelo convite.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio.