#124 Nuno Maulide - Questões a que só a química sabe responder

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o Conida e 5 Graus. Queria agradecer-vos as várias mensagens que tenho recebido a propósito do livro. Tem sido muito bom receber o vosso feedback, que tem sido, acho que sem exceção, muito positivo. Mas também queria dizer-vos que estejam à vontade para partilhar críticas, pontos que acham que eu enfatizei de masia, que não abordei, aspectos que deixei de fora ou em relação aos quais vocês discordem da minha perspectiva. Eu sou daquelas pessoas que apreciam muito também feedback negativo, as críticas construtivas são muito úteis. Estejam à vontade por isso para enviar comentários em relação ao livro ou em relação ao podcast, através dos vários canais, através do email 45graus.gmx.com ou através das redes sociais, sendo que hoje em dia acabo por utilizar mais o Instagram ou o Twitter. Se quiserem deixar comentários públicos, as redes sociais são melhores. Se quiserem enviá-lo em privado, o e-mail é aquele que garante que eu respondo mais rapidamente. Mas vamos ao episódio de hoje. O convidado é o químico Nuno Maolid. E conversámos a propósito do livro que publicou recentemente, juntamente com Tanja Traxler, chamado Como se transforma o ar em pão? Estas e outras questões a que só a química sabe responder. O Nuno, como já perceberam, é químico e é professor catedrático na Universidade de Viena, na Áustria, onde é também diretor do Instituto de Química Orgânica. Muitos de vós terão ouvido falar do Nuno pela primeira vez em 2019, quando foi eleito na Áustria cientista do Erno. Essa foi talvez a distinção mais vistosa do grande público, mas não a única e aliás o Nuno é também o mais novo membro permanente da Academia de Ciências Austríaca e o único estrangeiro fora dos países germanófilos a integrá-la. O impacto desse prémio acabou por motivar a escrita deste livro, que pretende divulgar esta área da ciência junto do grande público, explicando questões a que, como diz o subtítulo, só a Química sabe responder. E na nossa conversa começámos precisamente por discutir a importância da divulgação de ciência e o porquê da química ser ainda, talvez, menos divulgada do que outras áreas e os químicos muitas vezes menos proativos do que outros cientistas neste trabalho de contato com o grande público. Eu próprio, como digo no início, tenho tido vários convidados físicos e biólogos, por exemplo, mas o Nuno é apenas o segundo químico que recebo no 45 Graus. Falámos também de vários aspectos mais técnicos da Química, e aqui vale a pena clarificar alguma terminologia que o convidado utiliza. A Química, para relembrar, estuda sobretudo moléculas e o modo como estas se formam a partir dos átomos, sejam eles átomos de hidrogênio, oxigênio, carbono, etc. Para formar moléculas, o que acontece é que os átomos unem-se, partilhando entre si um ou mais eletrões da sua camada exterior. E como o convidado refere a certo ponto, existem vários tipos de ligações. Quando cada átomo partilha um único eletrão, estamos a falar de uma ligação simples. É o que acontece, por exemplo, nas moléculas de água, com dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, e daí o H2O. Mas pode haver também ligações duplas ou mesmo triplas em que os átomos se ligam via três eléctrons partilhados. E quanto maior o número de ligações, como o Nuno explica, mais difícil será quebrá-las em laboratório, sendo que isso é essencial se quisermos sintetizar compostos novos e, na verdade, explica muitos dos desafios da química moderna que abordamos nesta conversa. Na nossa conversa focámos-nos sobretudo na área de investigação do Nuno, a Química Orgânica, que trata do estudo de todas as moléculas que têm na sua base átomos de carbono. E aqui cabe muita coisa, porque as moléculas com base em carbono estão não só em muitos produtos familiares do mundo moderno, como os combustíveis fósseis ou os plásticos, mas também, mais importante ainda, em toda a vida que existe na Terra. Falámos por isso de alguns processos químicos essenciais ao mundo moderno, como o de Haberbosch, dos seus custos e impactos com a poluição, e também da dificuldade que continua a existir, mesmo com todos os progressos na química, em replicar em laboratório muitas das reações que os seres vivos, como as bactérias, conseguem fazer. E isto implica que muitos dos métodos que a indústria química utiliza para produzir determinados componentes são na prática força bruta quando comparados com a subtileza de muitos processos biológicos que existem. Isso levou-nos a falar do papel do carbono em todas as formas de vida que existem na Terra, colocando por exemplo uma questão que atormenta há muitos cientistas. Será que era forçoso que todas as formas de vida fossem baseadas em carbono ou isso é simplesmente uma coincidência? Finalmente, no último trecho da conversa, abordámos ainda a química que existe naquilo que comemos e alguns mitos que ainda subsistem nesta área. Deixo-vos então com o Nuno Maolid, não sem antes agradecer, como de costume, aos novos mecenas do 45 Graus, muito obrigado ao Ruben de Bragança, também ao Cristiano Mendes e ao Carlos Oliveira e agradeço também à Carmen Camacho, ao João Almeida Domingues e ao João Freitas. Muito obrigado a todos e espero que gostem deste episódio. Nuno Malide, muito bem-vindo ao 45 Graus. Muito obrigado pelo convite. Eu tenho que começar por um pedido de desculpa à comunidade dos químicos, porque és quase o primeiro químico que eu recebo no podcast e já vou quase para 120 episódios.
Nuno Maulide
Mais tarde que nunca, não é? Na
José Maria Pimentel
verdade, isto não é estritamente verdade, porque eu estava a pensar nisto hoje de manhã, a Zita Martins tem formação de base em Química. Sim, sim, foram colegas de curso. Ah, foram colegas de curso, boa. Eu não sabia dessa. Depois ela acabou a perseguir outros caminhos, portanto, se quisermos ser justos, depois o primeiro químico de... O que ela faz ainda é química, portanto... Ainda é, pois, é verdade.
Nuno Maulide
É só uma aplicação que é diferente, mas na base o que ela faz é química, portanto até
José Maria Pimentel
podes dizer que estás a entrevistar o segundo químico. Sim, ok, está bem, boa. Então, acho que sim, assim te sinto melhor. Mas por acaso, até, um ponto interessante, porque não foi uma coisa deliberada, mas eu acho que não acontece por acaso. Ou seja, acho que a química acaba por ficar ali... Aliás, muitas vezes até é chamada a ciência do meio por causa disso, acaba por ficar um bocado entre a física e a biologia, e portanto acaba por estar menos próxima do grande público, se quisermos. Porquê que achas que isso acontece? Se é que concordas. Entre
Nuno Maulide
física e biologia, apenas por uma questão de escala, não é? Porque em geral a física cai em escalas subatómicas, enquanto a química está na escala atómica molecular, e a biologia em princípio na escala supermolecular.
José Maria Pimentel
Exato, é isso. O que eu
Nuno Maulide
acho é que isso faz da química transversal e se calhar discordo daquilo que dizes pela simples razão de que tanto a física como a biologia estão próximas do público. Não haveria razão para a química também não gostar, se fosse uma questão de escala ou uma questão de posicionamento. Eu acho que tem mesmo a ver com a falta de personalidades e de vocação entre a comunidade dos químicos nestes últimos anos para fazer este trabalho de divulgação e de comunicação com o público em geral.
José Maria Pimentel
E tu achas que isso acontece porquê? Ou seja, é um acaso ou há... A minha intuição era basicamente esta, mas é uma coisa muito rudimentar. A biologia apela mais às pessoas por razões óbvias, porque é mais concreta, nós a identificamos, mas além disso toca numa série de coisas que são úteis desde logo para a saúde. No caso da física, por exemplo, é mais misterioso, mas aí pode ter a ver com... Não sei, tenho a ideia que como a física requer um grau de abstração enorme, se calhar também atrai um tipo de pessoa com até às vezes com um pendor mais filosófico, que depois presta àquele... Sei lá, o Einstein é figura óbvia, não é? Que depois presta a um tipo de... Sendo a área de todas até a mais obscura, a mais intransponível, depois acho que se calhar, paradoxalmente, presta-se mais a essa divulgação. Não sei, mas não... Mas não podemos esquecer o facto de terem
Nuno Maulide
existido dezenas, centenas de físicos nestas últimas décadas, que fizeram um trabalho mesmo muito profundo de comunicação e de explicar à sociedade em geral. Por alguma razão é que quando aparece o bozão de Higgs que é uma partícula com propriedades muito estranhas e muito difíceis de entender acho que os próprios físicos têm dificuldade em perceber o que aquilo realmente é Rapidamente alguém inventa um jargão ou um chavão tipo partícula de Deus, não é? Com isso conquista e captura a imaginação coletiva de toda a população. Quando foi atribuído um prémio Nobel da física para a descoberta das ondas gravitacionais, ninguém neste mundo sabe explicar o que é que são as ondas gravitacionais muito menos porque é que a minha vida amanhã vai ser melhor porque estas
José Maria Pimentel
ondas foram descobertas.
Nuno Maulide
Exato. No entanto, houve um trabalho de PR muito bem feito para justificar e para explicar realmente as virtudes disto. Eu acho que o que falta na Química, o que tem faltado na Química e o que se nota, o que eu noto nestes últimos anos, é que sou professor e tenho um certo contacto com colegas na área, é que há um certo desdém, que é histórico, pela atividade de comunicação de ciência. E geralmente era admitido que quem faz comunicação de ciência é quem não é bom em investigação e quem não tem mais nada para fazer. E por isso não sobra tempo para ir às escolas para fazer experiências riras. E eu acho que o que a física ganhou foi em ter entre os seus mais brilhantes expoentes pessoas que também se dedicaram muito a perceber como é que se transpõe a fronteira do conhecimento. Sim, o
José Maria Pimentel
Carlos Saigon, por exemplo. Ele está a ver este jornal muito mais óptimo.
Nuno Maulide
Ou o Richard Feynman, que de facto um físico de altíssimo calibre, mas que escreveu imensos livros e fez imensas coisas para o público em geral. E eu acho que essas pessoas não têm existido na Química. Os melhores químicos têm ficado um bocadinho arredados da divulgação e da comunicação. E quem a tem feito, se calhar, nem sempre tem esta visão de perspectiva, que é muito importante e é isso que é preciso ter para ser capaz de explicar ao público. Não é só chegar à frente das pessoas e fazer experiências giras e fazer metade de coisas. É preciso ter uma capacidade filosófica, como tu disseste, de perceber a lógica de tudo isto no grande panorama que é a vida humana e o nosso universo.
José Maria Pimentel
Quando tu entras na ciência mais fundamental, fundamental no sentido de tratar dos fundamentos e de não estar ligado a aplicações concretas, imediatas, é obviamente muito mais difícil de transmitir isso às pessoas. E depois acontece esse paradoxo que tu dizias, parece que a física, por tratar de coisas tão tão obscuras, depois quase que puxa esse lado metafísico, as ondas gravitacionais. Por exemplo, o exemplo que tu deste do bosão de Higgs é um excelente exemplo, quer dizer, quem é que interessa o bosão de Higgs? Que é uma coisa completamente... E depois tens coisas do lado da química é a partícula de Deus
Nuno Maulide
que quase não interessa ao menino Jesus exato! É a Roma agora, é isto aí
José Maria Pimentel
porque é uma coisa, quer dizer, obviamente ultra interessante do ponto de vista intelectual e do conhecimento dos fundamentos dos fundamentos do mundo, do ponto de vista da aplicação prática, é zero. Mas tem esse lado um bocado metafísico e depois tu tens do lado da química. No teu livro falas de imensos aspectos e a química está em todo lado. Mas as pessoas não se apercebiam disso e a química é um excelente case study para aquilo
Nuno Maulide
que acontece quando uma ciência fundamental perde o contacto no dia a dia com a sociedade em geral porque o que se assistiu nestes últimos anos é uma perversão da linguagem no que diz respeito à linguagem da nossa disciplina quando a ideia de que compostos químicos por si só são algo a evitar e que não queremos ter compostos químicos na nossa comida, não queremos compostos químicos na nossa roupa, não queremos compostos químicos na nossa água, é o que acontece quando se deixam as coisas mais ou menos andar sem haver uma... Uma tentativa continuada antes de indicar às pessoas porque é que isto serve. E a maior parte das pessoas que leem o livro e que veem esse exemplo que tu falaste e que sequer não vamos falar agora nesta conversa, dizem-me sempre eu não sabia que isto tudo tinha a ver com química. Que é paradoxal, pois tudo é química. Como é que podia haver dúvida de que há alguma coisa que
José Maria Pimentel
acontecesse ao mesmo tempo. Exato, pois, desde logo. Não é? E ainda por cima, por acaso, eu estava a ler o teu livro e estava a pensar, este livro podia ser escrito em torno, por exemplo, de uma visita ao supermercado. Era o suficiente para cobrir logo uma série de coisas, porque tens desde a comida às bebidas, produtos de limpeza, a farmácia se tiver lá incluída, utensílios de plástico, e até sendo um bocadinho mais criativos do lado da energia, está lá quase tudo. Ou por outra, a química está em tudo, tudo que seja produtos modernos, tem... Bem, modernos ou não, mas a química enquanto indústria química está em tudo. Olha,
Nuno Maulide
que é isso daí, dá-os para o mercado, vou tomar aqui nota, fazer uma ideia para um novo livro. Exato. Obrigado, eu depois escrevo-te uns agradecimentos.
José Maria Pimentel
Boa, boa. Uma frase. Mas se te esqueces, não leva mal, que eu acabei recentemente de escrever um livro e estava, ao escrever os agradecimentos, estava o tempo todo a pensar, se eu me esqueço de alguém, depois é impresso e é uma chatice, mas a pessoa não faz por mal, porque às vezes são tantas pessoas que é a mesma coisa.
Nuno Maulide
E depois se chega ao fim, a pessoa quer é acabar e portanto escreve os agradecimentos assim, Um bocadinho na rapidez
José Maria Pimentel
do momento. Sim, por acaso é engraçado. Tens que te forçar a colocar alguma atenção naquilo, não é? Porque tu queres...
Nuno Maulide
Se fosse no começo se calhar escrevia-se melhor.
José Maria Pimentel
É verdade, exatamente. É mesmo isso, por acaso pensei nisso. É engraçado. Olha, voltando isto a, senta-te aqui um bocado, a conversa começou no início. A tua área da química é a área da química orgânica, que é uma área específica da química.
Nuno Maulide
Outra palavra amuzodíssima. Alimentos orgânicos, visualmente, são agricultura orgânica, sei lá o que as pessoas agora chamam orgânico não tem nada a ver. O objetivo da palavra orgânico na definição de química orgânica e química inorgânica é apenas a química dos compostos de carbono. Curiosamente, Nos bons velhos tempos, a química orgânica foi chamada de orgânica porque tinha alguma coisa a ver com a vida. Enquanto a química inorgânica eram, em princípio, compostos aos quais não estavam associados padrões vitais. A química orgânica era a química das coisas que vivem e a química inorgânica era a química dos metais, dos minerais, das rochas, tudo coisas que são inanimadas. Pois como é óbvio que o passar do tempo evoluiu para a química dos compostos de carbono e a química dos compostos que não têm carbono, mas uma grande parte da química inorgânica hoje em dia, porque mostrar que o computador destas denominações são falaciosas, uma grande parte de quem faz química inorgânica hoje, passa o tempo todo a trabalhar com compostos orgânicos. Então há uma área que se chama a química organometálica, que é uma mistura de metais e compostos de carbono. Portanto, mesmo nas definições antigas, a química orgânica foi definida em 1828 por um senhor que a partir de carbonato de amónio, parece que cá estiver errado, mas um composto qualquer inorgânico com sal amónio fez ureia. E a ureia, como se tem por exemplo na urina, é um composto essencial para a vida, estava ligada a algo de vital. Como é que é possível fazer algo de vital, que é um composto que existe nos seres vivos, a partir de um mineral qualquer saído de umas rochas. Foi um bocadinho quebrar dessa fronteira entre a química das coisas inanimadas e a química das coisas que vivem, que respiram. Afinal
José Maria Pimentel
o orgânico não era uma coisa mágica, que só era produzido no corpo. Que
Nuno Maulide
só era produzido pelos seres vivos.
José Maria Pimentel
Ou seja, a química, aquilo que nós chamamos de química orgânica, hoje em dia trata de uma série de coisas que não são orgânicas, desde que sejam compostos de carbono, como por exemplo os hidrocarbonetos. Exatamente.
Nuno Maulide
E também tem a ver com muitas coisas que não são de todo ligadas à vida. Por exemplo, o grafeno, o tal material, ganhou o prémio inaugural da física, curiosamente. Mas foi considerado que os físicos até aí demonstraram como estão sempre atentos àquilo que o público gosta e àquilo que captura o público. São um bocadinho media darling, public darling. Foram roubar, entre aspas, uma descoberta que é puramente química, química orgânica, grafeno não é mais do que mais um atomos de carbono, ligados uns aos outros numa cadeia com uma dimensão bidimensional, não sai das duas dimensões, é uma folha de papel, como é que eles reclamaram isso como descoberta para melhorar a moda física, porque como é óbvio as possibilidades do grafeno são muito necessárias em termos de condução de carga e não sei o quê, e como base para materiais super light, muito ligeiros, muito leves, mas com uma resistência mecânica enorme, mas que é uma descoberta da química. Mas eles perceberam, olha, esta podíamos roubar para nós e vai surgir a explicar às pessoas, porque se escolheu com um pedaço de fita cola e um lápis, porque no fundo é a camada mais pequena de átomos de carbono que se consegue retirar de um pedacinho de grafite e um pedaço de grafite é o lápis, que é o lápis que a gente usa para escrever como é que a partir disso se faz um prémio Nobel da Física? Quando na verdade aquilo era uma descoberta da Química, mas também me diga a verdade se ficassem à espera que o grafeno fosse ganhar um prémio na Química, provavelmente não teria ganho. Esse prémio em 2009, ou algo assim, mais ou menos naquela altura, e depois estava no máximo em 2009, 2010, eu imagino que 12 anos mais tarde, se calhar ainda não teria ganho. Mas porquê? Porque os químicos são muito conservadores. Por exemplo, uma coisa que também é notável na física é que este ano descobrem-se as ondas gravitacionais, seis meses depois estão a ganhar o prêmio de Nobel. A partir que o bosão diga que finalmente é identificado, um ano depois estão a ganhar o prêmio de Nobel. Raríssimo, ou diria quase impossível, vai acontecer na Química. Todas as descobertas que chegarem primeiro ao lado da Química ganham-no décadas, se não mais do que décadas após terem sido descobertas. Mas
José Maria Pimentel
porquê que tu achas que isto
Nuno Maulide
acontece? Tem-se menos certeza em relação à descoberta? Somos uma comunidade muito conservadora. No geral, é isso. Os químicos são uma comunidade muito conservadora e, portanto, é preciso muito tempo até se gerar um certo consenso em torno de algo. Porque um dos grandes riscos da química também era, se nós dessemos a mesma obra muito rapidamente, certas coisas ganhariam antes de realmente demonstrarem que têm a aplicabilidade e o alcance que se supõe. O mercado catalano foi descoberto, por assim dizer, em 2001, em 1999, para aí em 2010, já era mais ou menos evidente que teria eventualmente o potencial para ganhar um prémio Nobel. E assim estivesse para mais 11 anos para ganhar e eu acho que até foi um prémio Nobel bastante cedo. Porque os acoplamentos com Paládio que ganharam em 2010 são descobertas que na sua maioria vêm nos anos 70 e 80. Portanto, demorar 30 anos é quase como ficar
José Maria Pimentel
sem as pernas, que as pessoas morressem, depois começarem a dar prémios nobres. Agora Fiquei curioso com essa explicação, nunca tinha pensado nisso, mas tem a ver com alguns prémios Nobel que tenham sido atribuídos na Química e que depois tenham causado arrependimentos, sei lá, como aconteceu na Medicina com o nosso Egas
Nuno Maulide
Muniz... Não me fales disso! Nem me fales disso, sabes que quando eu era pequeno, eu ia... O meu pai trabalhava na Santa Maria e eu ia muitas vezes lá ter com ele já depois mesmo na adolescência porque o Instituto Gregoriano de Lisboa onde eu estudei piano e música é ali a 10 minutos, cada sábado tem as Forças Armadas subindo as Forças Armadas, chega-se à Santa Maria e eu ia lá muitas vezes ter com o meu pai. E lembro-me muitas vezes de ir ter a parte do ensino, a parte onde está a Faculdade de Medicina, e entrar por aquela entrada onde está logo ali uma estátua de Becquers Moniz, imponente, com a sua batina e com o ar mesmo de scholar, de reputed scholar e o mesmo passar muitas vezes e fazer até às vezes uma espécie de um mariops assim uma véniazinha porque está escrito para a melhor aula da medicina, não sei o que, não sei o que mas como bem dizes, depois de ler um bocadinho no wikipedia as coisas assim, percebe-se que é... Não, foi assim, bem aquilo... Não, curiosamente, a química raramente deu prémios Nobel, mas mesmo já em termos históricos. Raramente deu prémios Nobel a coisas descobertas no próprio Ornstein. Não tenho a certeza, teria que fazer um levantamento cuidadoso, mas a esmagadora maioria são dados tão tarde que acabam muitas vezes por falhar pessoas que entretanto morreram ou acabam por nunca dar prémios que toda a gente diz mas porque é que vocês não dão este prémio? O Carl Gerasi, curiosamente nascida em Viana, aqui, que viveu até aos 90 anos e está no ponto de saúde e lúcido, que é o pai e o inventor da pílula contraceptiva não consigo imaginar contributos da química com mais impacto para a nossa sociedade do que isso e por alguma razão que me escapa o Comitê Nobel nunca quis nomeações ele deve ter recebido de certeza e era um prémio Nobel que até podia dar em 2000 em 2010 não era coisa que... Pronto, ele fez as descobertas dos anos 50 Mas não era coisa que pudesse dizer ah, já é tarde demais. No dia em que houver mulheres que nunca mais tomem pilas contratativas pronto, pode dizer assim, agora já passou um bocadinho do tempo, já não é bem a coisa certa. Mas é uma disciplina em que, pronto, desde o começo, se for ver os primeiros prémios Nobel, 1901, 1902, também são para coisas que vinham já dos 1860, 1870, os grandes gigantes, que já eram gigantes da química nesse tempo. Nunca, ou quase nunca, foram coisas descobertas num próprio ano, ou um ano depois, ou um ano antes. Já houve alguns erros, agora que falas disso, agora que estou a pensar, porque conheço-os da minha área, há um senhor que nos anos 20, está a ser aí 28? O... Como é que ele se chama? O Adolf Windhaus. E mais não sei quem, que me esquece agora o nome, ganharam o prémio Nobel por um trabalho que fizeram na elucidação das estruturas de esteroides, entre os quais o colesterol. E eles propuseram uma estrutura para o colesterol, X, que ganharam o prémio Nobel, e bem-saber, dez anos depois, que a estrutura que eles propuseram estava errada. Mas tipo, buena ou errada. E portanto, se calhar foram coisas dessas que deixaram o Comitê Nobel com um bocadinho de conservadorismo e com medo de... Epá, se calhar... Deixa ver se isto sobrevive da test of time
José Maria Pimentel
exato, exato
Nuno Maulide
mas às vezes arriscam-se as pessoas já vão estar lá no prémio Noma do Palado em 2010 há pelo menos mais uma ou duas pessoas que se estivessem vivas teriam sido contenders para o terem ganho. Simplesmente esperavam um tempo a mais. Neste agora 2021, que é uma área que é bastante próxima da minha, em química orgânica, e uma pessoa... O prémio Nobel chegou ao zero degrees of separation. Quem ganhou é uma pessoa com quem eu trabalhei diretamente. Portanto, não pode ficar mais próximo. Pode, pode. Depois só se for eu, mas não é. E teria, provavelmente, havido uma terceira pessoa que também estava associada a esses trabalhos logo desde o começo, que provavelmente também teria ganho e que, entretanto, morreu de maneira inesperada há 6, 7 anos. Que eu ainda vi, porque queria contar aqui umas histórias que nunca mais acabavam, que viveu muitos da sua vida com um rancor enorme de um dos outros laureados, que considera ter-lhe roubado não sei o quê e não ter dado o devido crédito e não sei o quê. E esse laureado organizou um grande congresso internacional sobre a disciplina, sobre o tema organocatólico, que foi a única, a primeira e única vez em que todas as pessoas do Who is Who daquela área se encontraram. Havia até pessoas que publicavam coisas mais ou menos em contradição umas das outras, mas que nunca se tinham visto num congresso e encontraram-se a mim em direto. E esse senhor apareceu e no meio daquele ambiente de festa, tipo estamos a celebrar a disciplina que quem sabe um dia destes poderá ganhar um prêmio Nobel, foi à casa da pessoa que estava a organizar fazer uma apresentação em que no fundo tentava desmontar as contribuições dessa pessoa que na verdade não contribuiu aquilo que ele diz que contribuiu porque fui eu que... Não sei o quê pá, estragou o ambiente todo, ficou tudo... Chateadíssimo e no fundo ele acabou por se enterrar um bocadinho ali porque as pessoas disseram mesmo pudesse até ter alguma razão não é um momento não é um sítio ele convidou-te Ele pagou das despesas de alojamento e de viagem. Ele convidou toda a gente para estar aqui e falarmos disto. Não é para fazer um ajuste de contas. Ele apareceu quase para fazer um ajuste de contas, que na verdade caiu em saco roto. Mas eu acredito que ele teria ganho. Provavelmente com maus fígados. Morreu 6,
José Maria Pimentel
7 anos depois desse acidente. Na vida, maus fígados não acidentam. Exato. Mas o facto de demorar muito tempo a atribuir os prémios também pode gerar alguma desmotivação, não é? Não,
Nuno Maulide
não. Porque as pessoas... Eu acho que... Quer dizer, há algumas pessoas que sim. Mas eu acho que não se pode viver a vida a trabalhar para prémios claro, claro, mas... A pessoa faz uma descoberta importante e quer que essa descoberta se torne o mais importante possível porque quer contribuir para a humanidade pois a seguir a isso há a certeza de ganhar montes de prémios se não ganhar aquele prémio, pelo amor de Deus Santo
José Maria Pimentel
sim, também é verdade então vai pensar porque é que isso poderia acontecer por ter essa diferença face à física mas também pode ter a ver... Eu acho que aí o outlier será a física porque na química como noutras áreas da ciência, a investigação começa no laboratório e depois tu vais ganhando graus de certeza crescentes. Na física é um bocadinho ao contrário. A investigação termina no laboratório. O Boson Diggs já tinha sido postulado há imenso
Nuno Maulide
tempo e aquilo terminou quando finalmente se confirmou. Também estava a ocorrer isso mesmo agora. É isso mesmo. E a investigação na química termina quando se chega a algum tipo de aplicação... Não termina, mas atinge o zenith quando se chega a uma aplicação ou um conjunto de aplicações que realmente mudou a vida das pessoas e isso acontece ajustado. Enquanto no outro caso acontece quase a montante. Exato, exatamente. Podiam descrever um livro sobre isto. Eu agora estou um bocadinho a pensar o que é que se podia... Já tens duas ideias. É verdade, já tenho duas ideias. Maravilha, estas conversas temos que fazer mais umas.
José Maria Pimentel
Boa, excelente, excelente. Já vamos às aplicações de práticas da química, mas eu não resisto a fazer-te uma pergunta em relação à tua área da química orgânica que falávamos há bocadinho. Olha, precisamente relacionada com o episódio com a azeita martins, porque eu lembro-me de termos falado do facto incontornável que é o facto da vida, como tu dizias há bocadinho, ser baseada em carbono. Ou seja, toda a vida na Terra é possível porque tem uma espécie de coluna vertebrada, não é? Aqui temos a usá-la, é uma dupla analogia, não é? Tem por base o carbono. E uma pergunta que se faz sempre é até que ponto é que isto teria de ser assim? E por exemplo, havendo vida noutros planetas, e aqui vida pode ser vida unicelular, não estamos necessariamente a pensar em seres verdes, ela trata de ter base em carbono? Sim ou não? E não tendo que outros elementos é que seriam boas candidatos?
Nuno Maulide
Sabe Deus, nós gostamos muito de nos arrogar que temos uma grande imaginação, mas na verdade a nossa imaginação é sempre constrangida e limitada por aquilo que nós sabemos. É muito difícil imaginar uma vida com esta sofisticação de processos com outros elementos que não sejam carbono. E porquê é que o carbono é tão bom? Claro que é, mas podes fazer uma pergunta que até é mais fundamental que costumo dizer aos meus alunos na cadeira de mestre de artes em cima, que é Porquê que a natureza decidiu fazer aminoácidos e não hidroxiácidos? Aminoácidos são compostos em que um átomo de carbono está ligado a uma função ácido e a uma função amino. O amino é um átomo de azoto. É um N comum, nitrogênio. Porquê que a natureza escolheu o azoto em vez de escolher, por exemplo, o oxigênio? Também existem hidroxiácidos, em que em vez de ter um azoto é um O. Um oxigênio, um OH. E também podia imaginar fazer oligómoros ou polímeros, as proteínas são polímeros de aminoácidos, a partir de alfa-hidroxiácidos, que teriam uma fórmula tipo poliéster, em vez de ser uma fórmula poliamida. No fundo é um bocadinho a natureza decidiu que como material de construção valia mais a pena usar poliamidas do que poliestas. Valia mais a pena nylon do que uma camisola de poliestas. Tenho toda a razão, porque em termos de robustez e de resistência tem outro valor. Mas a pergunta que eu me coloco é, será que alguns no caminho da árvore bifurcante, trifurcante, ouviu alguns organismos que tentaram e que tinham uma mutação que permitia fazer com átomos de oxigênio em vez de átomos de azoto? E será que eles perderam realmente na concorrência? Falharam? Não se reproduziram mais e, portanto, morreram ali e não aconteceu mais? O que é que terá realmente contribuído para isso, se é que aconteceu isso? Ou será que a natureza, não? Os primeiros building blocks que apareceram foram mesmo os aminoácidos, porque não há outra forma de... Na verdade, não faz muito sentido, porque os aminoácidos precisam de formas de azoto que não é o azoto que está na atmosfera. E a maquinaria das enzimas nitrogenase que faz esse trabalho espetacular, que eu acho que é o melhor reconhecimento da nossa inferioridade como seres vivos, é pensarmos que umas bactérias unicelulares que não lembram ao menos Jesus são capazes de fazer uma coisa, transformar azoto do ar em amoníaco, o tal, como se transformar a área em pão, do livro que nós precisamos de séculos de sofisticação para chegar a um processo que consome perto de 5% de toda a energia que é consumida no planeta Terra 5% de toda a energia consumida no planeta Terra é consumida para fazer uma reação que nós fazemos às três pancadas e com um sacrifício enorme, quando há umas bactérias que, à temperatura ambiente e à pressão atmosférica, fazem isso na boa, com umas enzimas que lá têm, que devem ter evoluído ao fundo dos milhões de anos, mas nós também tivemos milhões de anos até chegarmos a onde estamos, não é? Portanto... Ainda
José Maria Pimentel
bem que pegas nisso, que foi uma dúvida que eu tive ao ler o livro, que se aplica aí e se aplica noutros casos. Porquê é que nós não conseguimos replicar essa reação que as bactérias fazem naturalmente? Quer dizer, nós conseguimos estudar as bactérias, como é que não conseguimos replicar em laboratório aquela maquinaria?
Nuno Maulide
Porque há muito da química que se passa em ambiente biológico que é difícil reproduzir one to one no laboratório. Porque os sistemas biológicos, mesmo numa bactéria de um organismo unicelular, são extremamente complicados. Uma bactéria, uma coisa minúscula, que só se consegue ver com um microscópio, tem uma sofisticação, em termos dos processos químicos, que se passam lá dentro e que estão a decorrer que não lembra mesmo a ninguém. Por isso é que é tão difícil, por isso é que a pergunta da origem da vida é tão interessante. Pois nós percebemos quais são as moléculas que são necessárias até que compreendemos quais são a maior parte das reações que têm de acontecer. É assim um bocadinho como... Eu gosto de falar com analogia sempre... Aqueles jogos de pinball, aquelas máquinas em que a pessoa tem só uns manípulos, umas coisas assim, e põe umas bolas a rodar. No cinema biológico é como se fosse um pinball com milhões de bolas, em que tu sabes que elas estão lá, tu não sabes onde é que elas vieram, nem em que ordem é que elas foram lançadas. E tu tentares lançá-las por ti só, dos diferentes cantos da máquina de pinball, nunca consegues lá chegar, porque há ali qualquer coisa, aquela dimensão metafísica, que eu acho que é uma coisa que se devia falar muito mais frequentemente, metafísica da vida. A partir de que ponto é que um sistema, em termos básicos, a vida é um sistema fechado de reações químicas em rede, em networking, todas dependentes umas das outras e os produtos de uma são os substratos das próximas e vice-versa. A partir de que momento é que um sistema fechado de reações químicas se torna um ser vivo. Tu podes... Eu posso fechar aqui um caixotezinho? Claro, claro,
José Maria Pimentel
claro. Por um solvente, por
Nuno Maulide
uns reagentes e gerar um sistema em que há umas reações que estão a andar, tipo em rede, tipo Amsterdam Threadmill, que não param. Mas a partir de que momento é que isso se torna vida? A resposta comum é a partir do momento em que esse sistema se consegue replicar, faz mais cópias de si próprio e consegue proteger-se do meio exterior e ou interagir com o meio exterior. Que o sistema consiga ser completamente stunk ao que acontece lá fora, não consegue. Nada é completamente stunk neste universo. Portanto, há de haver sempre coisas de fora que entram. E a partir do momento em que esse sistema é capaz de, em homeostase, ou lá como é que ele se chama, recolher o que é o que entra de dentro e de fora e expelir aquilo que não lhe interessa mais e manter uma certa regulação, um certo equilíbrio, juntamente com essa ideia de fazer mais cópias de si mesmo para evitar que um dia dá-lhe um treco e não há mais isto, isso é que é um sistema vivo. E eu acho que esse é um desafio muito apelativo para quem faz investigação na origem da vida, é será que vocês são capazes, num tubo de ensaio, de gerar, de começar a gerar um sistema? Porque isto teve que vir de algum lado. E no começo não havia 50 mil bolas dentro do pinball. No começo havia, de certeza, só duas. Ou quatro, ou seis, ou oito, ou dez. Será que a partir de uns números X de bobas a rolar no pinball dentro de um tubo de ensaio se consegue lentamente aumentar o número de reações até aquilo de repente se transformar... É o filme do Frankenstein, não é? Vamos pôr uns farrapos aqui, fazendo umas coisas ali faz uma espécie de uma cabeça, uns braços, umas coisas... De repente, aquilo ganha vida e digo, olá mestre, sou eu
José Maria Pimentel
provavelmente estamos muito longe disso de tanto quanto sei, a investigação que se tem feito é tentar que moléculas de até RNA e não DNA, porque terá sido por aí que começou, se comecem a autorreplicar, não é? Mas entre isso e um ser vivo, mesmo uma bactéria básica, é um mundo de diferença.
Nuno Maulide
E não é preciso ser RNA, há uma área da química, de química orgânica, que se chama Química de Sistemas, Systems Chemistry, em que eles passam o tempo todo a desenvolver ou a desenhar sistemas que façam autorreplicação. Moleculas que façam mais cópias de si próprias. Se já isso é um desafio enorme e não tem relevância por si só, quer dizer, tem relevância, mas não tem uma relevância enorme no sentido de ah, agora já sabemos para que a vida se faz. Não. Por uma molécula fazer mais cópias de si mesma, não quer dizer que um organismo faz de forma programada e consciente, ou consciente, lá está, entre aspas, mais cópias de si mesmo. Mas já está, se é tão difícil encontrar moléculas e programar moléculas para fazerem cópias de si mesmo, como não será fazer um organismo intério fazer uma cópia de si mesmo?
José Maria Pimentel
E funcionar? Porque a parte da impressora parece relativamente simples comparado com o trabalho de escrever o texto de plano. Nós nem com os clones,
Nuno Maulide
com a genética e com a odagem, não sei o quê, conseguimos necessariamente fazer clones como deve ser de coisas. Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
O ICP2, estavas a aludir há bocadinha, é bom. Portanto, não o referiste, mas estavas a aludir ao processo de Haber-Bosch, acho que é assim que se diz, que é, olha, um bom exemplo daquilo que nós falávamos no início, não é? Porque há quem lhe chama a maior descoberta científica de sempre, talvez seja um bocadinho exagerado, mas seguramente foi das maiores. E é relativamente pouco conhecida, diria, não é? Sendo... Estou a ser prudente, não é? Comparado com o Boson Diggs, por exemplo, só para citar o Boson Diggs, não falando sequer da...
Nuno Maulide
E depois não têm a noção de que sei o Abrabor, mas também tem a ver um bocadinho com a falta de trabalho na Química. Porque, vamos ser muito sinceros, o trabalho de base da chamada crop protection, a agroquímica, é uma coisa que tem péssima reputação. Pois. Não é? Não quero pesticidas, não quero herbicidas. Mas tem agora, pá.
José Maria Pimentel
Tem agora, não é? Não tinha... Se cá nos anos...
Nuno Maulide
930, 940 não tinha, mas pronto, entretanto, passaram-se
José Maria Pimentel
algumas décadas. Pois, é verdade.
Nuno Maulide
Algumas décadas.
José Maria Pimentel
Já agora ou não? Desculpa, já agora explica, é melhor, explicas tu melhor do que eu, o que é o processo que nós estivemos a referir indireto. Falaste disso há bocadinho, mas... Ah, sim, sim, sim.
Nuno Maulide
É a resposta à pergunta de como se transformar, então. É a viragem do século XIX para o século XX, a explosão demográfica no mundo e a realização, e pá, não vamos ter comida suficiente para alimentar as pessoas todas. As pessoas continuam a ter filhos e filhos e filhos e a reproduzirem-se, lá está, a reproduzirem-se sem parar. A população mundial aumenta, Os avanços na medicina também permitem aumentar a esperança de vida, mas nós não temos produção agrícola suficiente para alimentar as pessoas todas. E aí percebeu-se que teríamos, se fôssemos capazes de aumentar a eficiência de produção. As pessoas têm que se desenganar. É muito bonito dizer que eu quero só comida da agricultura biológica. Claro! E é que não tem fertilizantes, pesticidas e herbicidas e eu concordo tudo com isso. Tenho uns rendimentos agrícolas, ou seja, que gera, sei lá, um hectare de uma plantação que não tem qualquer suporte da agroquímica, é muito inferior ao rendimento de 1 hectare plantado com o State of the Art, das descobertas que a agroquímica tem feito nestes últimos séculos. Por isso é que eu digo sempre, as pessoas que trabalham nas empresas que fazem agroquímica, crop protection, são os heróis que toda a sociedade civil pinta como vilões. Porque eles andam ali a trabalhar para aumentar 1% que seja o rendimento agrícola da produção do milho e esse 1% pode fazer a diferença entre a população mundial ter que reduzir, ter que estagnar ou nós conseguirmos continuar a suportar o aumento galopante que a população vai ter, se bem que as previsões é que vai aumentar, aumentar, aumentar até um certo ponto e depois começa a aumentar e diminuir. E, portanto, percebeu-se que sem fertilizantes e adubos e todos esses tipos de compostos que auxiliam o crescimento das colheitas, não iríamos ter um aumento necessário na produção agrícola para conseguir alimentar a população. O que é que são os fertilizantes e os não sei o quê? São tudo compostos de azote. E o que se percebeu é um bocadinho o que se está a perceber agora, não é? Eu gosto muito de fazer analogias e há partes. Um grande problema nos dias que correm começa a ser a escassez de água. Paradoxo. Como é que é possível uma escassez de água se 70% do planeta está coberto de água? É porque essa água está numa forma... A analogia é perfeita, na verdade. O que eu me agora, não é para o pessoal dizer, mas é mesmo muito boa porque é perfeita. Porque há ali montes de água que não está aí numa forma que nós a possamos usar. E
José Maria Pimentel
a água é sempre a mesma, a quantidade é sempre a mesma. O
Nuno Maulide
que é preciso é retirar os compostos dissolvidos, sobretudo o sal, tem muito sal aqui. Dessalinação. A mesma coisa acontece quando se percebeu que é preciso gerar compostos de azoto.
José Maria Pimentel
Azoto é nitrogênio, não é a mesma coisa? É nitrogênio, é a
Nuno Maulide
mesma coisa. Ao ponto de a pé, O ar que nós respiramos, na verdade, nem sequer é maioritariamente oxigênio. É maioritariamente azoto. N2. Portanto, é a molécula mais barata, é mais barata ainda que a água. Porque a água, eu tenho que ir a Algures buscar. O ar existe em todo o lado, não preciso ir ao p, à mera mar ou à mera rio. Portanto, neste momento, nesta sala, onde eu estou, há milhares de milhões de moléculas de azoto. Está em uma forma que eu não consigo usar. É um azoto gasoso, são dois átomos de azoto ligados um ao outro com uma ligação tripla. É a ligação mais forte possível, entre átomos de tamanho razoável. E o azoto que eu gostava de usar para fazer fertilizantes e adubos e não sei quê, era um azoto, por exemplo, como amoníaco, que é só um átomo de azoto com ligações simples para três átomos de hidrogênio. Em vez de ter uma ligação tripla a um outro átomo de azoto, tripla, 3 ligações, substitui a tripla, é como se fosse uma rota-bola, substitui aquela tripla por 3 apostas simples, uma para cada átomo de hidrogênio, o NH3. Isso
José Maria Pimentel
é o que existe naturalmente nas fésias dos animais.
Nuno Maulide
Tem parte, sim, no guano. Lá está o guano. É muito rico em compostos azotados, sobretudo não amoníaco, mas também nitrados. E esse tipo de compostos. Mas os azotados fazem-se facilmente a partir do amoníaco. Pegas o amoníaco, oxida-se. E vai sempre por aí. E então, o Haber Bosch é isso. É o Fritz Haber, sobretudo, com o seu aluno, Carl Bosch, que se metem em mãos à obra um processo, para lá perceber como é que se consegue transformar o azote do ar em amuilho. É uma reação difícil,
José Maria Pimentel
E como é que eles fizeram? São os catalizadores à bala de ferro. Isso foi um breakthrough, foi um salto grande na própria química, não
Nuno Maulide
é para além do processo? É um tipo de descoberta do género... Eu não vou à procura de como é que isto se faz em condições de temperatura ambiente e pressão atmosférica. Eu vou forçar a molécula de azoto, porque eu sei que a ligação é muito forte, vou lhe dar a pancada, vou lhe dar uma boa tareia, temperaturas elevadíssimas, pressões altíssimas, vou lhe dar uma tareia, vou meter ali hidrogênio, porque se eu preciso de fazer NH3 e só tenho N2, preciso pôr uns H's. Quando deixa-me cá pôr uns H's à força, é um bocadinho um processo... Resulta e é muito bom, e é o processo que eu estou a usar hoje em dia, mas é um bocadinho um processo de força bruta. É um bocadinho à solução de... Eu não sei fazer isto de maneira elegante e bonita, mas eu preciso fazer isto rapidamente, porque senão... Vai a problema... Então vou fazer seja lá como der. E
José Maria Pimentel
como é que a temperatura... Explica-me lá, para leigos, como é que a temperatura e a pressão contribuem para se gerar esse processo.
Nuno Maulide
Sobretudo, quando tu pensas uma ligação muito forte à tripla. Tens que quebrar. Tens que quebrar completamente. Senão não consegues usar os atos dos teus outros. Portanto, no fundo, se queres quebrar algo que dentro de si tem muita energia, tens que lhe fornecer ainda mais energia para compensar. No fundo, os sistemas químicos, como todos nós, fazem aquilo que lhes convém e o convir ou não convir, a conveniência é medida em termos energéticos. Mais nada. Portanto, os sistemas vão sempre à procura de onde estão melhor do ponto de vista energético, onde há mais estabilidade. A ligação N-NNN não quer ir a lado nenhum. Porque ela é tão estável, porquê que ela há de se modificar, porquê é que ela há de se alterar? Então, no fundo, é esta noção que tens de lhe dar uma grande datareia, tens de colocar aquela ligação em condições em que ela própria já não seja tão estável. E isso só consegues com o aumento de temperatura, que é uma forma de energia térmica, e com o aumento de pressão. A pressão, no fundo, percebe-se melhor quando eu explico a transição entre um gás e um líquido, e um líquido e um sólido. O que é que é um gás? Um gás, no fundo, é uma assembleia de moléculas que estão, sei lá, eu e mais 20 amigos num estádio de esporte. Estou eu aqui, está a outra ali, está a outra ali a 10 metros, todos bem espalhadinhos um do outro. De repente, pegas nesses 20 amigos e começas a encurtar as distâncias. Começas a reduzir o tamanho do estádio. De repente, já não é um estádio. De repente, é o pavilhão Atlântico. Depois, já não é o pavilhão Atlântico. De repente, é um anfiteatro do Instituto Superior Técnico. De repente, já não é um anfiteatro. De repente, é um café. De repente, já não é um café. De repente, já é a minha sala de estar de repente é a arrecadação. E aí tens 20 pessoas metidas numa arrecadação é um bocadinho de macabro exercício, como é que vai ter 20 pessoas num mini, não é? Começa a ficar um bocadinho apertado. Quanto mais tu apertas, menos graus de liberdade cada uma das 20 pessoas têm. No começo elas podem se mexer, podem gritar, podem andar à volta umas das outras, até se tocarem o maior imenso tempo. Quando vais reduzindo as distâncias, elas começam a ter que ficar tipo sardinha em lata, enfileiradinhas, porque têm que maximizar a possibilidade de ocupar aquele espaço da melhor maneira possível. Depois que injetas a energia, provocas com que elas embatam umas nas outras. Exatamente. E, portanto, o aumento de pressão é isso. Quando eu estou a aumentar a pressão, eu estou a reduzir as distâncias entre moléculas. Eu estou a comprimir as distâncias do estádio de sporting até as distâncias da arrecadação aqui em minha casa. E ao fazer isso, as substâncias geralmente passam do estado de vapor ao estado líquido e do estado líquido ao estado sólido. Quando chegas ao estado sólido, os graus de liberdade são literalmente zero. Ninguém se consegue mexer, é mesmo o melhor empacotamento possível nas 20 pessoas dentro, sei lá, provavelmente dentro de um mini, que tem mais pequeno que a arrecadação. Mais do que isso não consegues comprimir, há um limite de compressibilidade para a maior parte das substâncias. E no fundo é isso que se faz com o aumento de pressão. Se eu quero convencer este átomos de azoto, desta molécula de azoto que é tão estável, a reagir com este átomos de hidrogênio e esta molécula de hidrogênio, são ambos gasosos, eu preciso de os comprimir um contra o outro até não dar mais para comprimir e isso se faz com o aumento da pressão. Então se eu aumentar a pressão e aumentar a temperatura, geralmente eu consigo convencer até as espécies mais relutantes a reagir a uma escuridão.
José Maria Pimentel
Então, mas espera, o aumentar a pressão é uma condição necessária mas que não é suficiente, não é? Estás a colocar-as mais próximas mas não a gerar a reação, se não
Nuno Maulide
teríamos essa reação no estado sólido. Isto é um bocadinho mais complicado porque, em geral, é muito difícil aumentar a pressão mantendo a temperatura constante. E também é muito difícil aumentar a temperatura indefinidamente sem aumentar a pressão. E nós vemos isso em casa. Tu consegues aumentar a temperatura da água até aos 100°C, começa a ferver, tens ali a panela a pressão, consegues ter aquilo fechadinho, mas aquele vapor que está a formar, mais ou menos mais tarde, vai querer libertar-se. Tu precisas ter um autoclave, Aquelas coisas blindadas, para conseguir aquecer a água acima dos 100, 110, 120. Chega a terminar a temperatura, tu tens mesmo que comprimir o líquido que lá tens dentro, porque senão não consegues. Aquilo que era expandir-se, não é? Era
José Maria Pimentel
um bocado o princípio das locomotivas a vapor, não é? Exatamente. E já davas calor e depois aquilo...
Nuno Maulide
Gerava uma expansão de volume e a expansão de volume é que fazia...
José Maria Pimentel
Então, mas espera, ou não? Desculpa estar a ser picuinhos com isto. Não, não, não, Dênis. O nosso público tem que perceber. Para perceber isto? Absolutamente. Nós passamos
Nuno Maulide
estas moléculas a reagirem umas com as
José Maria Pimentel
outras? O aumento da densidade coloca as mais próximas e portanto tem condições de reagir se nós quisermos. Mas depois o que é que a temperatura faz às ligações triplas, por exemplo, de modo a destruí-las ou a soltá-las?
Nuno Maulide
A temperatura fornece a energia necessária às moléculas para quebrar essas ligações. A molécula, em geral, não quer quebrar ligações a menos que lhe forneçam essa energia.
José Maria Pimentel
E porquê é que a energia faz quebrar as ligações? Porque
Nuno Maulide
as ligações elas próprias são uma forma de energy
José Maria Pimentel
storage. As
Nuno Maulide
ligações, no fundo, capturam energia e quando tu quebras uma ligação tens sempre uma libertação de energia. Com um
José Maria Pimentel
carro que funciona a gasolina, por exemplo, é algo do tipo que acontece. A combustão nos motores é um quebrado de ligações. Ok, boa, boa, compreendido. Temos aqui
Nuno Maulide
uma aula de química ao mais alto nível. Pois isto já pode associar quase um segundo curso.
José Maria Pimentel
Este processo da Borbóxia é um bom exemplo até para falar um bocadinho da abordagem mais geral da química quando se trata destes problemas. Eu estava a pensar até do exemplo que tu davas das bactérias há bocado. Como é que um químico aborda este tipo de desafios? Quer dizer, tu tens um desafio qualquer, neste caso, era o que tu descreves há bocadinho, tinhas necessidades alimentares cada vez maior e portanto tratava-se de arranjar uma maneira de adubar os terrenos com uma escala que até aí nunca tinhas tido. E fosse por esse caminho da força bruta. Mas também podrias ter ido, digo eu, pelo caminho de mimetizar aquilo que uma bactéria faz, por exemplo, como falámos há bocadinho. A
Nuno Maulide
chamada química biomimética, porque a natureza, eu acho, continua a ter as melhores lições para nos ensinar, sem dúvida. Apesar de muitas vezes ter lições que não são fáceis de aprender. Há um corpo de trabalho de investigação nos últimos 50, 60 anos, que se dedicou a explorar a estrutura dessas enzimas, dessas bactérias que fazem esse processo e tentar reproduzir, mimetizar. O problema é que nem a estrutura das enzimas é completamente conhecida, por isso é que é uma estrutura bem mais complicada do que parece, nem nós somos capazes de replicar em laboratório todos os fatores que são necessários para aquela estrutura ter a eficiência que tem. Portanto, eu acho que ainda há ali uma grande parte, uma grande dose de mistério no como é que as bactérias realmente fazem aquilo, que desafia a sua credeção. Vou ser muito sincero e dizer que, aí sim, estaria um Prémio Nobel da Química, provavelmente com alguma rapidez. Há alguém que consiga, e é um dos desafios, não é? Quem ganhou o Prémio Nobel em 2005, o Chiroc, depois de ganhar o Prémio Nobel por a descoberta que fez que o catalisador de metade seguiu olefinas, escreveu um email a alguém a dizer que agora o próximo Nobel ganho para os meus sistemas de ativação de azoto. É assim que se chama a ativação de azoto molecular. Porque ele é de facto das pessoas que mais avanços fez no sentido de conseguir transformar o azoto em amoníaco, que é a reação Holy Grail. E os melhores sistemas que ele tem, que foram publicados na revista Science, mesmo esses não chegam nem de perto nem de longe à eficiência dos sistemas das bactérias. Também porque a reação de conversão do azoto molecular em amoníaco é uma redução, o que quer dizer que alguém tem que se oxidar. Porque neste mundo, neste universo, ninguém é nada, ninguém é de bordo. Sempre que faz uma redução, é porque há alegúrios no mesmo sistema reacional, uma ou outra espécie sofreu oxidação. A oxidação e a redução vão sempre de mãos nábias.
José Maria Pimentel
O que é que significa redução neste contexto? É
Nuno Maulide
o oposto da oxidação. No fundo são o Yin e o Yang. E portanto, o sistema dele, pelo que eu me lembro, tinha um agente de oxização que não era nada verde nem eficiente, é que ele não tinha viabilidade em termos de aplicação à escala. Confesso que estou um bocadinho por fora da área, mas acho que já nem sequer é uma área de investigação tão aprofundada. Precisamente porque se percebeu à school, de certa forma, que não é pera doce. E os académicos, em geral, não gostam muito de fazer... Ninguém quer estar a investigar uma coisa durante 10 anos e depois chegar ao fim dos 10 anos e não ter nada para mostrar. As pessoas precisam, sobretudo nos dias em que correm, de gerar publicações. Se possível, de 6 em 6 meses. Se possível, ainda mais rápido. E para conseguir escrever propósitos, para ganhar financiamento, não é nada fácil. Mas eu prometo que depois de terminar esta entrevista vou passar pelo menos uma hora a pensar se não haveria melhor maneira de transformar a área em pão e tentar perceber o que é que tem havido de descobertas recentes. Porque agora aguçaste-me a curiosidade em relação a se não haverá alguém a trabalhar nessa área neste
José Maria Pimentel
momento. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. uma coisa que tu dizes no livro, que me lembraste agora, no comentário que fizeste, tu diz até a propósito do papel da beleza, se quisermos, ou da estética na química, e tu falas do conceito que tu chamas de economia atómica, e que eu, se não te importares, prefiro chamar eficiência atómica, porque se tu como sou de economia sou mais picuinha com os termos, acho que eficiência traduz melhor o conceito que é basicamente tentar gerar uma reação com o mínimo de lixo possível ou com o mínimo de produtos secundários, de componentes que não estão incluídas no produto final. E tu faz um comentário muito curioso, tu dizes, agora tu estás a citar diretamente o livro, tu dizes uma das razões para isto ser difícil é que as reações atômicamente mais económicas, para podermos dizer, eficientes, muitas vezes funcionam bem a uma escala pequena e em condições muito específicas, mas não em larga escala como é necessário na indústria. O que é que é isto exatamente? Ou seja, o que é que muda com a escala que tu não consigas depois expandir uma determinada reação que funciona até em escala pequena ou em condições mais específicas?
Nuno Maulide
É uma boa pergunta, é mais uma vez passível de resposta com analogia, porque é que quando se faz um bolo à escala de um bolo com aquelas condições, aquelas quantidades, tudo corre bem e depois decides, agora quero fazer 10 bolos e tentas multiplicar tudo por 10 e não dá nada nem sequer um sai em condições. Tem muito a ver com fatores que não são fatores, não é nada de desconhecido, precisa de ser investigado à parte. Fatores como coisas de física e engenharia. Como é que dois líquidos se misturam. Não É a mesma coisa misturar um cubo de açúcar dentro do café e ele dissolver-se ou
José Maria Pimentel
misturar
Nuno Maulide
um matacão do tamanho de um milhão de cubos de açúcar dentro de um volume semelhante a um milhão de cubos de café. Há ali muitos parâmetros de, vai estar, mixing, mistura, de flow, de como é que as coisas fluem quando as quantidades são muito grandes e como é que uma reação que em pequena escala funciona bem porque em pequena escala várias destes parâmetros são negligenciáveis. Quando tu passas a uma determinada escala, estes parâmetros atingem proporções brutais. Por exemplo, lembro-me de coisas como fazer uma adição de um reagente gota a gota, um líquido gota a gota a cair dentro de um outro líquido se cada uma daquelas gotas, de cada vez que cai, criar um aumento de temperatura de 1000 graus dentro de um balão ou de um tubo de ensaio não te faz diferença nenhuma porque o aumento é muito localizado e é numa área muito pequena. Mas se de repente fizeres um scale-up e tiveres uma gota, que já não é uma gotinha, mas é um gotão, a cair dentro de um reactor do tamanho desta sala, e se naquele momento em que aquele gotão caiu, aumentou ali a temperatura em 1000 gramas, pode ser o suficiente para a reação perder o controle e por aí em cima. São os desafios relacionados com o scale up. Há muito quem faça investigação nesta área, que é o que se chama Process Research, que é precisamente compreender como é que as reações conseguem escalar e aumentar a temperatura. Quem já tentou fazer um bolo ou uma receita qualquer 5 vezes maior ou 10 vezes maior e falhou, sabe muito bem do que é que eu estou a falar. Não é nada que não seja resolúvel, mas é um desafio muito grande de superstição.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, no caso do... Voltando ao processo de Abra Bosch, quer dizer, podíamos falar de outros, mas este sendo um dos mais importantes de todos é um exemplo interessante para... Não
Nuno Maulide
é como eu digo, acho que tinha que escrever isso no livro. 50% dos átomos de azoto dentro de cada um de nós vêm do processo Abramos.
José Maria Pimentel
Sim, sim, dizes, dizes. Estratógeno, não é? Sim, sim, sim. E portanto, tu poderias ter uma alternativa a este processo que consumisse, por exemplo, recresce menos energia e se calhar até já atras, só que não a escalava. Sim.
Nuno Maulide
Mas se a tivesse e conseguisses demonstrar proof of principle à escala laboratorial, sobretudo, o mais importante é a eficiência, não é? Eu acho que tinhas o suficiente para patentear, para publicar numa excelente revista e daí a uns anos estarias muito rico. Porque eu acho que esses problemas de fazer o scale up, eu acho que hoje em dia há quem... Resolvem-se. E Tendo um processo desses, eu acho que há 100 empresas dispostas a trabalhar contigo para resolver o problema do Secador. É um problema que se consegue quase sempre resolver. Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
É engraçado porque isto tem algumas analogias com o episódio que eu gravei recentemente sobre energia de fusão nuclear. Não só pelo processo de gerar energia, da pressão e temperatura, mas também por essa questão de queda em engenharia e a partir do momento em que tu sabes como o processo funciona, depois há uma série de desafios, mas eles são resolúveis. Podem levar tempo e dar trabalho, mas uma vez descobrida a parte fundamental, tu consegues resolvê-los. E tu no livro dizes também que a descoberta que gostarias de ter feito eu não sei se dizes que mais gostarias de ter feito, se calhar isto é um acrescento meu, era a síntese do polietileno ou seja, que é um tipo de plástico. Porquê que dizes isso? É
Nuno Maulide
porque mudou o mundo. Quer dizer, Há muitas descobertas que mudaram o mundo. O Abra-Voz também mudou o mundo, mas essa mudou o mundo de forma muito tangível. Como é que um mundo em que tudo que era suporte tinha que ser feito ou de betão ou de madeira ou de metal E de repente aparecem os plásticos, e quem diz plástico diz tudo desde os nano carbon fibers, que hoje são feitos as raquetes de ténis do Djokovic. Os como é que é? Nano tubos de carbono, não é? Que são... Tudo isso são materiais e descobertas da química dos materiais, que vêm na sua base desse processo fabuloso de polimerização de um gás, para gerar uma coisa que pode ter os seus malefícios, mas que é um material muito bom para suportar, por exemplo, a água que eu estou aqui a beber nesta garrafinha de plástico, mas também tudo.
José Maria Pimentel
Sim, o computador, não é? Os
Nuno Maulide
computadores que nós estamos a usar estão cheios de... É um material de suporte simplesmente fenomenal e que não tem paralelismo com a natureza. Eu acho que é isso que é mais filosoficamente, que eu acho que é uma dimensão muito filosófica, o mais paradoxal é que se ficássemos só a aprender pela natureza, nunca teríamos descoberto o plástico. Porque a natureza não polimeriza a etiléia. Sim, sim, sim. Engraçado. Sim. Nem nunca há de poder fazer porque não tem interesse nisso. Com grande pena nossa. Porque se a natureza o fizesse, também teria-se que fez um processo para despolimerizar. Mais eficiente. Mais eficiente e teria um processo para despolimerizar. Ah, claro,
José Maria Pimentel
que agora já dava jeito. Para ter estes problemas do
Nuno Maulide
excesso da comoção de plástico. Não tendo... Quando se faz alguma coisa que não dê paralelo na natureza, também temos que lidar com as consequências sem paralelo.
José Maria Pimentel
Exato. É bem pior, não é? Sim, sim. Não foram desenvolvidas umas bactérias que quase que era que consumiam plásticos?
Nuno Maulide
Ah, mas a questão é se isso tem relevância económica. Pois, pois. E se tem suficiente porque o problema é mesmo, primeiro, é viável economicamente, segundo, o que é que são os produtos que resultam da destruição desse plástico? Dar as bactérias para comer e não ganhar nada com isso? É bom, tipo, uma atriz de calcular, não é?
José Maria Pimentel
Então, fazemos aí uma colheita de uma vaquinha
Nuno Maulide
para apagar as bactérias, mas no final ninguém ganha nada com isso. Tem que haver algum ganho, tem que se retirar alguma coisa, porque alguma coisa sairá. Eu diria, Se as bactérias forem simplesmente capazes de cortar o polo etileno em moléculas de etileno gasoso, acho que é capaz de ser o processo mais bonito, mas menos economicamente viável, porque o etileno não vale nada. Portanto, se calhar, é mais uma questão de será que aquelas bactérias conseguem gerar coisas que sejam economicamente relevantes e será que é elas próprias em termos da sua produção e da sua aplicação se bem que há grandes avanços na biotecnologia. Cada vez mais há uma série de processos que a pessoa nem se dá conta que sem micro-organismos nunca nós só com química conseguiríamos lá chegar. Por isso, ou com a biotecnologia, ou com química bruta, pois, claro, está ao estilo da Abra Bosch, desde que o que resulta valha a pena, a questão toda é o que é que sai de lá? Se o que sai são moléculas pequenas que tenham um valor de mercado muito elevado nem há problema de gastar 5% da energia do planeta. Pois como abre a bosta se vê, não é? Se a sociedade civil sobrevive gastando 5% da sua energia para formar amoníaca a partir de azótico e hidrogênio é porque esses custos de energia compensam sempre a alternativa que se calhar não é nenhuma. Portanto é tudo uma questão. Infelizmente ou felizmente, se calhar é isso que obriga o género humano. Sem a capacidade de gerar mais valia, não há processos químicos ou biológicos que sejam relevantes à escala. Porque ninguém dá nada a ninguém. Só para ganhar ar. E
José Maria Pimentel
os plásticos que nós estávamos a falar agora são outro exemplo de uma estrutura, neste caso não biológica, que usa, eu não sei se só ou maioritariamente, átomos de carbono enquanto estrutura.
Nuno Maulide
Sim, sim, sim. É tudo baseado em átomos de carbono. Até o teflon, que de tanto jeito nos dá nas nossas frigideiras para serem antiaderentes, é claramente uma molécula baseada em carbono. O giro, giro, giro, era eu conseguir pegar... Aí sim! Se eu conseguisse pegar no plástico... Se eu tivesse um processo para pegar no plástico e transformar o plástico em gasolina... E não é impossível, porque o plástico polietileno é uma versão muito, muito abargada de gasolina. Se eu conseguisse pegar nessa fita de uma extensão infindável e cortar essa fita em pedaços do tamanho certo, esse é que é o problema da gasolina. É que eu tenho que ter o tamanho certo. Se os pedaços forem pequenos demais, saem gases. Se os pedaços forem grandes demais não dá gasolina, dá parafinas e óleos que podem ter outro valor, mas não é a mesma coisa. O ideal é quebrar aqui o tamanho certo. Se conseguisses fazer isso, tinhas aí... Fazias gasolina em laboratório. Então não era? A partir de lixo? Sim. Imagina o que era? As pessoas já estão ensinadas, estão bem treinadas para separar o plástico, não é? Já se conseguiu ensinar a sociedade civil que não se põe as garrafas de plástico no mesmo lixo dos outros lixos. Portanto, se conseguisse a partir desse lixo que as pessoas, em princípio, até te pagam para vir recolher, gerar a gasolina que depois usas para alimentar os veículos, bolas, e isso é que é. E
José Maria Pimentel
qual é que é o desafio aí? É teres a quantidade de energia necessária ou conseguires fazê-lo de uma maneira cirúrgica
Nuno Maulide
suficiente? É o cirúrgico. Tem que cortar da cor também que serve. É o problema de teres um cachecol que tens que cortar quase ao milímetro, mas sem régua. Mas sem régua, sim.
José Maria Pimentel
E sem tesoura. E
Nuno Maulide
sem tesoura. A tesoura, ainda para os vistos, não é o mais difícil. O mais difícil é a régua. Porque assim que começas a cortar, podes cortar em todo lado e podes cortar todos os pedaços em pedaços ainda mais pequenos. E esses mesmo em pedaços ainda mais pequenos e ainda mais pequenos. Sim, sim.
José Maria Pimentel
Eu estava a dizer que não tinhas tesoura, posso estar a usar a analogia má, mas a ideia que eu tenho é que estás mais a usar um martelo do que uma tesoura, não é? Estás mais a dar marteladas do que propriamente a... É mais a ver onde é que quebra, não é?
Nuno Maulide
Mas eu ainda acho que nos dias que correm há catalisadores capazes de fazer uma reutilização.
José Maria Pimentel
Catalisador é o que gera a reação é
Nuno Maulide
o que promove por nova reação mas daí até ter uma coisa realmente aplicável à escala mas para lá que para lá que a mim é esse
José Maria Pimentel
facto era ótimo que era dois em um não era o que estavas a dizer há bocadinho
Nuno Maulide
não reduzias eram as emissões de CO2 pois
José Maria Pimentel
não reduzias as emissões de CO2 é verdade mas e
Nuno Maulide
também por exemplo há um isso é uma coisa muito impopular de se dizer... Que há uma série de pessoas que fizeram uma grande carreira às costas de desenvolvimento de reações para capturar CO2, não é? Pois se conseguem capturar o azoto do ar, também se devia conseguir capturar o CO2. E são reações que têm a validez, há uma validade, e há até um processo muito interessante que faz polímeros, faz policarbonatos. Se manter gastos de espumas, não sei o que, para estofos e revestimentos, a partir de CO2. É o único processo que eu acho que funciona bem à escala. Há uma série de outras coisas que estão publicadas, mas nada daquilo tem aplicabilidade, nada daquilo tem viabilidade e, sobretudo, cada vez que eu leio um grand proposal sobre fixação de dióxido de carbono, é assim que se chama, fixação da molécula de dióxido de carbono, que já tem um carbono, que nem sequer é tão difícil assim de ligar com a química orgânica. E tive uma conversa com um colega que me disse, cada vez que leio um grant desses, digo, compare a eficácia do seu processo com a plantação de um hectare de árvores. Porque, pelos vistos, independente da espécie de árvores, há árvores que captam CO2 à fratazana. Dependendo disso, se calhar a solução nem é uma solução puramente da química, mas sim uma solução mais simples, mais convencional, mais ambiental de ir à procura de espécies de plantas que sejam realmente muito boas nisso, não é para plantar qualquer planta, não é? Há certas plantas que capturam CO2 muito
José Maria Pimentel
mais eficientemente do que outras. Nem sei quais são, faz ideia.
Nuno Maulide
Há uma série de espécies até ligadas às plantas da Marijuana e do Cannabis e não sei o quê. Mas são variantes dessas plantas. Que são muito eficientes a fixar...
José Maria Pimentel
Mas a ti isso não ia dar duplo dinheiro a muita gente, não é? Então não era. Era um bom pretexto para fazer plantações. Eu
Nuno Maulide
acho que a agricultura está a voltar. Era aquela coisa que era essencial, não é? O Arbor Bosch é essencial a agricultura, é a base de qualquer população. Depois passou a ser assim o parceiro mal amado dos serviços, não é? A pessoa quer trabalhar nos serviços, quem quer trabalhar na agricultura. E estamos agora a chegar a uma fase da agricultura que eu chamaria de agricultura 2.0 ou 3.0 que é uma agricultura que é inteligente, que não é só ir semear e recolher é pensar o que é que eu posso fazer para além de comer qualquer coleta agrícola, gera o fruto que se quer comer, mas também gera uma série de resíduos. Até que ponto é que eu não consigo reaproveitar os meus resíduos e transformá-los em coisas valiosas, problemas ambientais enormes como a produção de azeite. Alguém me dizia no outro dia que a produção de azeite tem um problema enorme porque os resíduos gerados na produção de azeite são tóxicos. E as fábricas que fazem processo, as instalações que processam azeitona acho que têm que estar muito longe das populações porque geram uns cheiros horríveis. Não sei se tu
José Maria Pimentel
sabes a par disso. Sim, sim, sim. Estou a par da experiência própria porque há cidades em
Nuno Maulide
que se sente isso. É? Eu não sabia porque não tenho bem a noção. E, portanto, até que ponto é que... É a história mesmo, é a história dos termoços que eu tenho tanto falado, não é? Até que ponto é que estas coisas que cheiram mal ou não sei o quê não têm, do ponto de vista químico, algum valor se formos capazes de lhes dar o tratamento certo e de distrair. Portanto, a agricultura, não como aquela coisa de força bruta, de eu quero é retirar o meu produto alimentar e o resto que se lixe, mas mais inculturado, mais inteligente, com mais conhecimento de base científico, da dimensão molecular, o que é que está aqui nestes resíduos todos que eu ando feito para a banheira de fora e que se calhar podia reaproveitar. Sim.
José Maria Pimentel
E do ponto, se tu conseguisses tratar os átomos como peças de lego, resolvias quase todos os problemas. É
Nuno Maulide
verdade, isso é que era o desejo
José Maria Pimentel
da química. Eu digo quase todos porque provavelmente persistem alguns relacionados com a escassez de determinadas componentes. Mas pelo menos aquilo, eu diria que a grande, grande maioria tu conseguirias resolver. É,
Nuno Maulide
é verdade.
José Maria Pimentel
Nós estávamos agora a falar dos plásticos e falámos há bocado da vida, isto é, dos seres biológicos e falámos também a certo ponto dos hidrocarbonetos, ou seja, dos combustíveis fósseis. Sim, sim. E de facto, como nós falávamos no início, o carbono está aqui em todo lado. Nós já falávamos um bocadinho disto há bocado, mas não haveria alternativas? Isto tem a ver com o que? Isto tem a ver com o carbono ser de facto imbatível e não haver outros elementos mesmo da mesma fileira como o silicone que conseguissem fazer o mesmo? Ou tem a ver com a abundância, simplesmente? Com o planeta ter muito carbono?
Nuno Maulide
Eu diria com as duas, não é? Porque o silício, é assim que se chama o elemento por baixo do carbono, tem propriedades muito diferentes. Muito diferentes mesmo. Basta pensar que o CO2 que é um gás, no caso do silício, é CO2-Re. Portanto, é uma estrutura completamente diferente. O dióxido de silício não é uma só molécula, é um polímero, porque aquilo não é capaz de se organizar de forma unimolecular, tem que se agregar e gerar cadeias.
José Maria Pimentel
Espera, espera, desculpa, agora deste aí um passo que eu não entendi. Qual é a diferença entre uma molécula e um polímero? Eu pensava que um polímero era um conjunto de moléculas. Não, o polímero também é uma molécula. Pois, sim. É uma molécula enorme. Uma proteína também é
Nuno Maulide
uma molécula. Também é uma molécula, é um polímero. No fundo, polímero tem que ser o máximo. Portanto, o CO2 existe na forma monomérica. É só uma molécula, uma molécula, uma molécula, uma molécula. O SiO2, com silício, é um agregado Si-oxigênio, Si-oxigênio, Si-oxigênio. Às vezes faz ciclos, às vezes fica só uma cadeia que nunca mais acaba. Aquilo tem uma forma muito irregular, mas não consegues ter a molécula de SiO2 só com estes três átomos. Não é possível. Só com um átomo de silício e dois átomos de oxigênio. Porque ela espontaneamente agrega e forma esse tipo de polímonos.
José Maria Pimentel
Esse, por acaso, é um aspecto que nós não falámos. É um aspecto que tu falas muito no teu livro, que é da engenharia das moléculas. Ou seja, da forma que as moléculas têm. Que era, eu confesso, que era algo que eu nunca tinha pensado. Eu pensava nas moléculas enquanto o conjunto de átomos, e no fundo dependia do conjunto de átomos que lá estivesse, nunca me teria ocorrido que a forma fosse importante. Falas até das proteínas, da capacidade de elas se dobrarem.
Nuno Maulide
Sim. Nunca tinha pensado nisso. Ou na história dos átomos de enxofre, quando se ligam, o que faz o cabelo ficar encraculado.
José Maria Pimentel
Mas isso é alterável em laboratório? Ou
Nuno Maulide
isso depende? Não é. Há uma área de investigação muito interessante que se dedica, por exemplo, a tentar mudar a forma das moléculas. E com isso, a mudança de forma de uma molécula, à escala molecular, pode ter um impacto direto no aspecto macroscópico daquele material. Como é que faz isso? Aplicando muita energia. Acabei de dar a resposta. Aplicando muita energia para forçar essa forma. Há uma área de investigação que se chama mecanoquímica, que é mesmo isso. Se tu conseguires ter uma molécula, é um bocadinho uma mistura de física com química, se conseguires ter uma molécula e ligares quase que... Pôres um gancho numa ponta da molécula e um gancho na outra ponta e com esses dois ganchos esticares a molécula e se a molécula tiver espaço na sua estrutura para se esticar porque se esticas demasiado, partes, não é? E o partir é quebrar a ligação. Mas o que é que estás a fazer ao esticar? Estás a aplicar uma força. Aplicar uma força é comparar com dar energia. Portanto, é possível e até não é possível. Aliás, por alguma razão, é desaconselhável as pessoas terem febre acima de já a temperatura. Quando se tem uma febre, geralmente tens 38ºC, 39ºC... Febres acima dos 39, 5ºC, febres de 40ºC, são muito perigosas e as pessoas têm que ir para o hospital, podem morrer. Porquê? Porque é a temperatura suficiente para as proteínas mudarem de forma. Ah! É energia suficiente, este mundo é 2 graus a mais do que a temperatura do nosso corpo, é energia suficiente, a energia térmica é suficiente, para convencer as proteínas a desdobrarem-se. E quando uma proteína se desdobra, é um dos grandes problemas da química de proteínas. Tu podes ter uma proteína, mas tu quando as trazes, não é a mesma coisa que a teres em solução aquosa, dobrada da maneira certa, porque é quando está dobrada da maneira certa que ela faz a função que tem que fazer. Quando tu a retiras do seu ambiente natural ela não tem a mesma propensão, não tem razão nenhuma para se dobrar ela desdobra-se uma proteína desdobrada é praticamente inútil. Hum, engraçado, nunca tinha pensado nisso. Eles chamam isso a desnaturação das proteínas. As proteínas desnaturadas, é como os filhos desnaturados, depois já não se consegue quem naturar outra vez. Muitas vezes é difícil. Há uma área de pesquisa na química de proteínas que se chama protein folding. É como é que se consegue convencer proteínas a dobrarem-se da forma como elas estão dobradas em ambiente natural. E é isso que torna muito difícil estudar a estrutura dos proteínas. O proteína é uma coisa fascinante porque, no fundo, é mesmo verdade, não é? A sequência dos aminoácidos estão ligados uns aos outros é muito importante. Mas se aquilo estivesse só ligado numa cadeia aberta, não
José Maria Pimentel
faz nada.
Nuno Maulide
É indiferente ter o aminoácido A, o B, o C ou o X. É a sequência que permite a proteína dobrar-se e dobra-se da maneira certa para. Chegas a um, dois graus a mais da temperatura do nosso corpo, três graus a mais, a proteína começa a desdobrar, começas a perder a possibilidade de fazer certos processos que são essenciais à vida e é isso que leva-no rapidamente à morte.
José Maria Pimentel
E provavelmente é muito mais fácil desdobrá-la, pelos vistos mais ou menos, são dois graus,
Nuno Maulide
do que dobrá-la. Uma vez desdobrada, ela não se redobra tão facilmente
José Maria Pimentel
assim. É interessante. Sim, engraçado. Estás a ver como a química afinal é... Sim, sim, eu já estava convencido
Nuno Maulide
depois de ler o livro. É fascinante. Mas
José Maria Pimentel
agora quem está a ouvir também fica convencido. Vou falar de algumas coisas dos outros capítulos do livro da comida. Tenho umas dúvidas sobre isso. Os capítulos que dizem respeito à comida são interessantes até porque tocam em algumas dúvidas que eu sempre tive. Uma delas, por exemplo, tem a ver com aquilo que a linguagem comum chama os hidratos. Quando as pessoas falam de hidratos normalmente estão a falar de pão, arroz, massa, por aí, que normalmente tem amido entre as componentes, é aquilo que os une. E a verdade é que aquilo na prática são formas de açúcar e, portanto, na prática em certo sentido nós estamos a comer açúcar e no entanto para a maior parte das pessoas isto soa estranho e se calhar tem boas razões para soar estranho, a minha pergunta é essa o que é que há de diferente é eu comer um prato de massa versus comer umas colheradas de açúcar os meus palpites são dois e agora diz-me se isto faz sentido um é que como a massa, sobretudo se for integral, são polímeros, não sei se estou a usar a palavra certa, são polímeros mais longos, portanto demora mais tempo a digerir, e isso do ponto de vista digestivo, pelo menos se a pessoa não quiser ganhar peso é interessante, e depois provavelmente estes, ou seja, o arroz, a massa e o próprio pão trazem uma série de micronutrientes que não existem no açúcar.
Nuno Maulide
É isso mesmo. Sobretudo o açúcar refinado. Quando se pensa no açúcar, pensa no açúcar refinado, que é uma coisa que não existe na natureza. Nós é que o fizemos desta maneira. O açúcar tal que existe nos frutos e muitos alimentos, tem outro tipo de componente, porque vem sempre associado a outras coisas. O problema do açúcar refinado é que é mesmo só aquilo. Quando estás a comer umas folhadas de açúcar, é só aquilo e não tem mais nada. Todos os alimentos são melhores do que qualquer comida refinada Porque, como tu acabaste de dizer, contém uma série de micronutrientes que nunca na vida conseguirias recuperar. A tal história de como eu digo no começo do livro da mistura daquelas coisas todas que fazem uma maçã, mas tu as pusesses todas num tubo de ensaio e não tinhas uma maçã. Sim, exato. E é isso. As tuas suposições estão perfeitamente corretas. É, por um lado, a maneira como os açúcares, as moléculas estão ligadas umas às outras, que reduz a velocidade à qual essas coisas são comparadas. Portanto, a tua digestão e a incorporação, a absorção dessas moléculas de açúcar é muito diferente do que quando comes um... Não dá um spike, como dá às vezes também quando tem um sobrinho pequenino não habituado a comer nada de chocolates nem de açúcar nem de não sei o quê de cada vez que lhe dão um quadradinho de um chocolate qualquer o miúdo fica durante uma hora, uma hora e meia, completamente louco, mas passado dos carregos. E pelo fim de uma hora, uma hora e meia que ele passa. Portanto, o açúcar tem esse efeito de gerar grandes spikes na condição de glucose.
José Maria Pimentel
Mas apesar destas diferenças, que são importantes obviamente, do ponto de vista fundamental aquilo no fim do dia vai ser açúcar em ambos os casos.
Nuno Maulide
Sim, da mesma forma que do ponto de vista fundamental o nosso ar está cheio de moléculas de azoto.
José Maria Pimentel
Claro, claro, claro. O que eu quero dizer com isto é que para o nosso organismo, a maneira como nós absorvemos, retiramos energia, é da mesma forma em todos os casos. É mesmo. O que não é irrelevante, não é?
Nuno Maulide
Mas como é importante perceber, nós conseguimos sobreviver sem dados de carbono. Não conseguimos é sobreviver sem proteínas, porque não temos outra fonte de azoto, se não forem as proteínas dos aminoácidos. Enquanto a partir das proteínas, em caso de emergência, é possível fazer açúcar. E da gordura? E da gordura também. Há umas reações muito giras que transformam aminoácidos em... Então,
José Maria Pimentel
espera aí, o nosso corpo é capaz, a partir das proteínas, de gerar açúcar? Ou seja, nós poderíamos sobreviver no fundo comendo só proteínas?
Nuno Maulide
Sim. Não é um processo muito eficiente. Sim. Pouco agradável provavelmente também. Mas é perfeitamente possível a partir dos aminoácidos. É uma reação de oxidização. Porque oxida aminoácidos. Ah está, ver-se livre do azota é mais fácil. Quando não se o tem, é que não... Sim, sim, sim, exato. Não há mais onde buscar. E
José Maria Pimentel
tu falavas agora daquele exemplo da maçã, de poder ter os componentes da maçã em laboratório. Eu penso sempre, para mim é um puzzle, não estar mais disseminada aquela comida... No fundo, uma espécie de ração humana, tal como nós temos para os cães.
Nuno Maulide
Porque não tem sabor nenhum, porque perdes todo o apelativo.
José Maria Pimentel
É verdade, mas é só por isso ou é porque também é difícil...
Nuno Maulide
Porquê que os livros em versão eletrónica não o substituíram completamente? Houve uma altura que quando apareceu aquela coisa, posso
José Maria Pimentel
fazer propaganda agora, do Kindle, que a todos nós dava agora, vai deixar de haver livros em papel. Então, o Nuno, um belo exemplo. Eles não substituíram de facto. E eu próprio tenho um Kindle e de vez em quando... Passo a publicidade e de vez em quando leio por lá, de vez em quando leio por livros físicos porque continua... Pode ser geracional, mas continua a gostar desse lado. Mas, não tendo substituído, capturaram parte do mercado. É verdade. Mas ninguém come... Ração Humana claramente não é um bom nome, não é? Mas ninguém
Nuno Maulide
come... Mas há uma série de empresas... Ah, eu sei! Certamente têm anúncios no Facebook e não sei o quê... Que tendam a convencer-te. E depois vais sempre aos comentários e vês que quem já chamei-te tudo, sabe a água de lavar pratos num dia mau. Mas é só por saber
José Maria Pimentel
mal ou há alguma dificuldade, não foi a minha pergunta essa, há alguma dificuldade em conseguir capturar todos esses nutrientes e colocá-lo numa vida? Não
Nuno Maulide
estudei isso ao ponto de perceber se em termos de valor nutricional é mesmo comparável ou não. Isso é uma pergunta que não estou equipado para responder. É bem possível que seja, mas não sei. Coloco perguntas nesse sentido. Eu acho que a sensação organoléptica de comer comida a sério é muito difícil. Quando era mais novo, eu próprio dizia que queria ter... Nós fomos crianças à frente de um prato de esparregado com couves de bruxelas e não sei mais o quê, e com os pais a dizer, agora ficas aqui sentado até acabares isso, e horas e horas ali a sofrer, mas eu não quero, mas eu não quero... E nesse momento todos nós pensámos que é imediato que houvesse um comprimido ou uma coisa que se pudesse comer facilmente e tivesse os nutrientes todos. Não é possível em termos de quantidade, um comprimento pequenininho não pode conter tudo. E eu acho que é mesmo isso, eu acho que perder faz tão parte de quem nós somos, dos seres humanos, todos os filmes de realidades alternativas em que não há comida da maneira como nós a conhecemos, mas sim nos quais quer preparados, sabem sempre tão mal a quem está a ver, não é? Porque perdes uma das coisas mais interessantes, para além de que, se bem que com a pandemia perdeu-se bastante, com o fechar das pessoas, mas perdes também uma coisa que é uma fonte de interação social enorme. Enquanto o livro não. O livro é uma coisa que se consome sozinho. E por isso mesmo é mais fácil, foi mais fácil assim gerando um produto que em termos de experiência seja minimamente comparável e que tenha vantagem. Porque em vez de ter que acratar com 10 livros, eu levo só aquele tabletzinho e tenho os 10 livros todos lá, e até tenho 100 e até tenho 1000. Até
José Maria Pimentel
tens a mais, em certo sentido.
Nuno Maulide
Sem ter vantagens claras e tangíveis, não estou a ver sequer... Mas há de facto umas coisas e eu nem imagino quem é que consegue consumir isso. Porque já o pessoal do fitness e do bodybuilding consome os seus protein shakes e não sei quê. Mesmo essas pessoas nunca prescindirão de uma grande maioria de comida a sério.
José Maria Pimentel
Eu nem estava a pensar nisso, mas até poderia ser bom precisamente para aquele tipo de comida que não é prazerosa, digamos assim. Eu acho que nenhum de nós... Pelo menos fala por mim, quer dizer, tenho algum cuidado com a alimentação e de certeza que não como a quantidade de vegetais que devia. Se calhar se eu tivesse um shot qualquer que tomava de manhã e que tinha parte desses micronutrientes não seria má ideia.
Nuno Maulide
Se não o fosse, asqueroso. Mas
José Maria Pimentel
mesmo que fosse, para te tapar o nariz. É? É? Eu acho
Nuno Maulide
que sim. É capaz de sacrificar por algo que fosse documentadamente bom, sabendo que a alternativa é pá, podes não comer os vegetais de outros que queres, mas a pergunta é interessante, estás a referir-te numa questão de falta de tempo?
José Maria Pimentel
Não, não estava a pensar. Ou de não gostares mesmo de vegetais? Também pode ser, estava a pensar, eu gosto de vegetais, não sou um bom exemplo nesse sentido, mas estava a pensar...
Nuno Maulide
Há alguma coisa que tu não gostes de comer e que comas e que te obrigues a comer porque é bom? Por acaso acho que não. Eu acho que é uma pergunta que ninguém responde como se não faz sentido. Se há alguma coisa que eu não
José Maria Pimentel
gosto de comer, não vou obrigar a comer. Podes comer mais, acho que como mais salada do que seria o meu steady state, o meu estado natural
Nuno Maulide
eu compreendo a pergunta e se calhar tem alguma viabilidade e se calhar é um mercado que vai demorar um bocadinho até arrebentar mas uma das grandes problemas da população mundial, da obesidade e não sei o quê, é precisamente a demonstração de que as pessoas não comem mais do que aquilo que não gostam. Comem mais daquilo que gostam e daquilo que
José Maria Pimentel
sabem. Exato. Portanto,
Nuno Maulide
será que tu resolves algum problema? Já é difícil dizer às pessoas, não comas tanto chocolate, não comas tanto disto que te faz engordar e comas só disto. Eu diria que a resposta era muito mais em como é que se transformam os alimentos que fazem bem em coisas saborosas. Alguém disse ali outro dia que as bolachas e os bolos e não sei que estão engineered para saber bem não para saber bem para ter um sabor deliciosamente afilativo e eu pergunto não seria mais valioso para nós como sociedade fazer um engineering da comida que é saudável e que faz bem para
José Maria Pimentel
fazer também ela saber deliciosamente. O problema é que tu aí terias que pôr lá as coisas que fazem mal. Será? Açúcar, sal e gordura, basicamente.
Nuno Maulide
E é só isso que faz as coisas saberem deliciosamente bem? É uma pergunta
José Maria Pimentel
que eu acho que é grandemente. Aliás, qual é o segredo do McDonald's, por exemplo, é pôr sal, gordura e açúcar e tudo?
Nuno Maulide
Alguém outro dia dizia que eu... Acho que li no Quora, não sei o quê... Qual é o segredo dos chefes nos restaurantes? E a resposta mais votada era muita manteiga. Quantidades copiosas de manteiga. Claro. Porque os bistos, o que eles fazem é molhos de manteiga, derretem manteiga em todo lado e juntam quantidades enormes de manteiga depois de cozinhar, antes de cozinhar, durante o processo de cozinhar e é com isso que a maior parte dos pratos salgados ficam, e os doces também, ficam com um sabor delicioso, tipo restaurante. Então, se calhar, é verdade. Mas também já começa a haver produtos substitutos de manteiga e não sei o que aí, que são completamente vegan, que eu devo dizer que aquilo, em alguns casos, engana a grana. Vi um daqueles queijos frescos, tipo o Philadelphia, não sei o quê, completamente feito de vegan, é claro, com carboidratos, não tem proteínas nenhumas, mas aquilo sabe exatamente. Eu acho que até não será assim tão difícil de fazer um engineering de comida para enganar os nossos sentidos, não é? Já é um passo em frente.
José Maria Pimentel
Mas tu tens as gorduras trans, tens as gorduras vegetais que no fundo se conseguiu criar. Mas continuam a ser
Nuno Maulide
gorduras. Continuam a ser gorduras, era o que eu ia dizer. O que eu estou a dizer é uma manteiga que não tem proteínas, que é só o carboidrato e só a gordura. Uns queijos que não têm origem animal nenhuma, eu acho isso notável. E isso é mainstream, neste momento já é mainstream. A minha vinha melhoradora. Comprei isso e adoramos sempre. Porque penso, isto afinal não é... Isto afinal não é queijo nenhum. Mas sabe como se fosse aquele queijinho. E não
José Maria Pimentel
tem a mesma composição de um queijo? Ou seja, a mesma história, não é da mesma origem, mas não tem... Não, a composição é completamente diferente.
Nuno Maulide
Aquilo tem zero proteína. Tem zero proteína? Tem zero proteína. Há-de ver aquelas coisas, não vou dizer a marca, mas aquelas coisas que andam para aí naquela secção dos vegans, mas em todos os supermercados de todo o mundo. Já vi isso em Portugal, já vi isso nos Estados Unidos. Há ali uma secçãozinha daqueles produtos de substituição, já nem sequer são muito caros e não é de origem animal. E vais ver, has de ver o rótulozinho. Na parte de trás, uma das coisas que eu acho mais fascinantes no mundo em que vivemos, sobretudo para quem não gosta de química, é que tu podes em qualquer coisa que compres, em qualquer supermercado, virar aquele rótulozinho e ter uma descrição, por cada 100 gramas disto consomes não sei quantos gramas de proteína, não sei quantos gramas de carboidrato, não sei quantos gramas de gordura. Há-de lá ver quanta proteína que engoltem. Não tem nada a ver.
José Maria Pimentel
Ainda bem que falas disso porque eu tinha uma pergunta que me esqueci de fazer que estava relacionada com isso. Até te falei disso no outro dia, quando falámos ao telefone. Nós não falámos da lactose. É um açúcar. Pois é. Também. Formalmente, sim. Formalmente é um açúcar. E hoje em dia já existe leite sem lactose. Pois é. E eu no outro dia, até foi depois de ter lido o teu livro, e portanto inspirado pela leitura do livro, vi na prateleira do supermercado um leite sem lactose e peguei no leite sem lactose e no leite normal e vi o rótulo. E Estava à espera que o leite sem lactose tivesse, provavelmente, menos calorias e, sobretudo, menos açúcar. Mas não. Tinha exatamente o mesmo que me deixou curioso. Será que eles substituem a lactose por...?
Nuno Maulide
Pelo que eu percebi e que eu me lembro, o que é feito é o mesmo tipo de leite, que continua a ser leite de vaca. Não há problema nenhum. O que os fabricantes fazem é que adicionam uma enzima chamada lactase durante o processo de tratamento daquele leite. E o que a lactase faz é quebra a lactose. Porque a lactose é um dimer, são dois açúcares ligados um ao outro quebra a ligação e uma vez quebrada a ligação já não é lactose, são os açúcares a composição global em termos de carbohydrates tem que ser a mesma ou muito parecida, porque tu não retiraste nada tu só decompuseste nos teus componentes
José Maria Pimentel
e faz todo sentido na verdade, e por isso é que aquilo é doce porque basicamente passou a ser mais doce porque provavelmente até o teu paladar
Nuno Maulide
sente mais por estar... Há alguns que a removem mesmo porque fazem passar o leite sob um leito com essa enzima lactase ou que separam mecanicamente até é possível, acho que é possível, mas acho que é muito caro separar mecanicamente a lactose do resto do leito faz uma filtração, com os filtros especiais que só retém a lactose e deixam para dar o resto de tudo. Mas eu acho que esse não é tão doce, mas deve ser bem mais caro.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, sim. Exato. Boa. Olha, Nuno, terminamos com a tua sugestão do livro. Não sei se é um ou são vários. São
Nuno Maulide
vários. Eu sou um grande fã do Malcolm Gladwell. Gostei muito do livro dele chamado Bling também gostei muito do livro dele chamado The Tipping Point e agora estou a ler um livro dele chamado Outliers que desmistifica um bocadinho aquelas pessoas que nós achamos que são génios
José Maria Pimentel
exato,
Nuno Maulide
exato que tem um dom especial ou um talento qualquer e o gajo reduz aquilo tudo ao ponto básico com toda a razão que é, para ser muito bom em alguma coisa, tem de se passar imenso tempo a trabalhar essa coisa.
José Maria Pimentel
E tem que se nascer na altura certa.
Nuno Maulide
Nascer na altura certa, no caso dos esportes, mas no caso... Não, e está para pensar, até, eu acho que ele dá o exemplo do Bill Gates, não é? Sim, nasceu no ano certo, no sítio certo, para estar na escola certa que tinha acesso a computadores, naquele momento, mas ele vai até ao ponto de mostrar quem eram os grandes milionários no século XIX e no começo do século XX nos Estados Unidos e que 9 dos 50 milionários, não, como é que é? 9 das pessoas, das 50 pessoas, das 100 pessoas mais ricas de toda a história nasceram nos Estados Unidos entre 1815
José Maria Pimentel
e 1815
Nuno Maulide
que é aquela hora, o momento de espécie fechacional ou desmistifica a forma de, e com toda a razão, nós achamos que o Mozart tem um talento inado Foi a parte que mais me marcou, até como músico.
José Maria Pimentel
Sim, depois tu tens o treino de piano.
Nuno Maulide
E ele explica que sim, mas... Por exemplo, os concertos para piano de Mozart, os primeiros... Ele escolheu uns 30, mas os primeiros 8 são obras medianas. E é verdade, E quando a pessoa as ouve, percebe que são obras... Não é mal, mas não é o... E a partir do concerto número 9, que é o primeiro, que é o Genome, é o primeiro que é reconhecido como uma obra-prima. E ele faz a conta de desmitificar aquilo e os primeiros concertos ele escreveu quase copiando concertos que o pai dele trazia, escritos por outras pessoas na Europa e ele teve acesso, teve a sorte de ter acesso a bibliotecas que tinham essas coisas todas e ele copiou, copiou e fez tipo copy-paste de coisas diferentes, gerou uma peça nova e com isso aprendeu o suficiente ao fim das tais 10 mil horas e quando ele chega ao conselho número 9 tem as tais 10 mil horas de trabalho. Eu acho esse livro fascinante, mas também li uma série de livros agora de leadership em grande parte porque eu vivo num ambiente académico em que eu acho que falta muito lidereship. As pessoas não têm noção, não são treinadas para isso. É um bocadinho learning by doing e geralmente learning by doing com péssimos exemplos. Portanto, falta muito conhecimento do que é que é preciso para liderar pessoas e para gerir uma organização de forma eficiente. E aí recomendo os livros do Simon Sinek, que estou a ler, ainda não acabei, mas já estou vidrado. Um deles, Start with Why, que está aqui mesmo ao meu lado na mesa, e o outro que tenho em casa, Why Great Leaders Eat Last, que faz-me lembrar um bocadinho a época dourada do José Mourinho, de Senhor da Quinta, que vai longe ao futebol. O José Mourinho já não é o mesmo José Mourinho que era no começo do século XXI. Uma grande parte disso vinha, primeiro, de fome de vência. E segundo, ele era o primeiro a chegar ao treino, uma, duas, três horas antes do treino, e era o último a sair do treino, uma, duas horas, três horas depois de ter terminado. E essa vontade de fazer o trabalho de casa e o trabalho de base sem delegar necessariamente em assistentes é uma componente fundamental de quem lidera com muita eficiência. E
José Maria Pimentel
o sacrifício que está associado também. Porque no
Nuno Maulide
fundo ninguém é líder, ninguém é aceito como líder pela sua organização só com base na competência técnica. É um grande erro dos grandes líderes chegarem a um determinado ponto e pensarem eu não preciso de fazer mais nada porque as pessoas reconhecem a minha competência e eu sou tão melhor que os outros que eles naturalmente reconhecem a minha vida. Aliás, isto acho que é uma falácia a que todos os grandes líderes, provavelmente, mais cedo ou mais tarde,
José Maria Pimentel
não serão os meus. Parar de
Nuno Maulide
fazer aquele trabalho de casa, aquele trabalho de SAPA, de base, é um grande perigo. E como, de qualquer maneira, em ambiente académico, eu lidero um grupo de investigação de 30 pessoas, lidero um instituto de 70, o Dean, o Decano da nossa faculdade, lidera uma faculdade com 2 mil, o reitor lidera uma universidade com 90 mil alunos e assim and so on and so on. Tudo em ambiente académico se resume a eficiência de liderança e eficiência de organização.
José Maria Pimentel
Boa, boa maneira de terminarmos. Nuno, como eu calculava, foi uma ótima conversa. Gostei imenso, foi mesmo bom. Obrigado. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio.