#120 Miguel Poiares Maduro - Populistas, autocratas e soluções para reformar a democracia
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45°. Como vos disse no último episódio, é já esta semana que
é apresentado oficialmente o livro Política a 45° em três cidades do
país. Por isso faz todo o sentido dedicar este episódio a alguns
dos temas que aborda no livro, como a ascensão do populismo, a
vaga autoritária mais abrangente a nível mundial em que podemos enquadrá-lo e
algumas reformas possíveis para reconciliar os cidadãos com a democracia liberal. Para
uma conversa desse tipo, nesta altura, dificilmente poderia pedir alguém melhor do
que Miguel Poeiras Maduro. O convidado tem-se dedicado a estudar e a
pensar estes desafios, especialmente nos tempos mais recentes, enquanto diretor do Fórum
Futuro da Fundação Gulbenkian, uma iniciativa que visa precisamente discutir temas importantes
para o futuro do mundo e do país. O Miguel publicou também
recentemente, juntamente com o professor da Universidade de Yale, Paul Kahn, o
livro Democracia em Tempo de Pandemia, em que reflete sobre alguns dos
desafios que as democracias vivem atualmente e que a pandemia veio tornar
especialmente nítidos. No episódio que vão ouvir conversamos sobre os desafios que
o populismo e o autoritarismo criam no mundo atual, em particular nas
democracias, e sobre algumas soluções possíveis para os resolver. Embora eu no
podcast tente fugir da atualidade, A verdade é que esta é uma
altura especialmente importante para ter esta discussão, uma vez que passam já
dois meses desde o início da guerra da Ucrânia, um exemplo bem
nítido dos efeitos da tomada de poder por líderes autoritários, e além
disso, gravamos a nossa conversa também na semana da segunda volta das
eleições presidenciais em França. E se é verdade que Marine Le Pen
veio a perder de forma clara, também é verdade que teve um
resultado bem superior a 2017 e, sobretudo, que o conseguiu, o que
é se calhar o ponto mais importante, já depois da invasão da
Ucrânia pela Rússia, a qual expôs claramente o perigo das associações entre
Le Pen e outros populistas a Vladimir Putin. Mas França não é
caso único, o mesmo aconteceu semanas antes com Viktor Orban na Hungria,
que conseguiu ser reeleito com uma clara maioria. A ameaça do populismo
e do autoritarismo está por isso para ficar, seja nas suas implicações
geopolíticas, seja nos desafios que cria dentro das democracias. A popularidade do
populismo, para ser redundância, vem, já se sabe, em grande medida, da
insatisfação de muitos cidadãos com o funcionamento do sistema. Por isso, discutimos
também algumas soluções possíveis para tornar as democracias mais inclusivas e funcionais.
As ideias que vão ouvir são, como não poderia deixar de ser,
as ideias do convidado. Mas quem ler o Política a 45° vai
provavelmente achar, pelo menos, parte do diagnóstico familiar. Porque, no fundo, a
solução para reconciliar os cidadãos com a democracia terá sempre de passar
por duas vias que são complementares. Por um lado, criar mecanismos para
maior e mais próxima participação das pessoas no processo democrático, mas por
outro lado, também criar regras e instituições que assegurem que os políticos
se comportam bem e governam para o bem comum. E com isto
deixo-vos com este episódio com Miguel Poiares Maduro, como de costume, um
agradecimento aos novos mecenas do 45 Graus, neste caso Ana Pina e
J.C. Pacheco, e, claro, renovo o convite para aparecerem nas sessões de
apresentação do livro, esta semana, em Lisboa, já hoje, dia 26, no
Porto, dia 29, sexta-feira, e em Coimbra, dia 30. Sigam o 45
Graus nas redes sociais para mais informações sobre hora, locais e quem
vão ser os apresentadores e espero ver-vos lá, caso contrário, até ao
próximo episódio.
Miguel
Paiolos Maduro,
muito
bem-vindo ao 45 Graus. Muito obrigado pelo convite. Eu ainda Agora estava
a dizer em off que eu no 45° fujo sempre a 7
pés da atualidade para tentar que os episódios possam ser ouvidos daqui
a 1, 2, 3, sei lá, 10 anos daqui. Mas podemos dizer,
sem arriscar muito, que há um assunto da atualidade que não é
espuma dos dias, que vai estar aqui para ficar e que se
junta à outra tendência que já
José Maria Pimentel
fosse, era bom sinal. Ou se for, ou se acabar por ser,
é porque as coisas correram bem. E nós, não sei se concorda
comigo, acho que nós temos duas tendências que demoliram um bocadinho aquilo
que era o sentimento que se vivia no início do século, gerado
com a queda do Muro de Berlim, com o fim da União
Soviética, que se vivia basicamente na viragem do século e no início
do século. Um deles já tem sido amplamente referido, que era a
crença que se gerou de que basicamente o modelo da democracia liberal
tinha vencido-se a espalhar por todo o mundo e, sobretudo, estava implícito
o pressuposto de que ela estava mais do que garantido nos países
ocidentais e isso tem sido ameaçado essencialmente pela expansão do populismo. E
agora, este ano, tivemos outra surpresa negativa que tem a ver com
o componente externo disto, em que se assumia implicitamente que vivíamos numa
ordem global marcada pela globalização, marcada pelo fim da guerra, enfim, pelo
menos no Ocidente, e que de repente estamos por nós com a
invasão do país europeu, com uma série de tensões, com uma Rússia
agressiva, com uma série de países com uma postura mais ou menos
ambivalente, a começar pela Rússia, mas também andia, até a própria Turquia
em certo sentido. E portanto, o que nós vemos é que esta
crença que existia ali na viragem do século parecia ser altamente otimista.
Qual é a sua perspectiva em relação a
Miguel Poiares Maduro
isto? E sobretudo em relação ao que podemos esperar nos próximos anos.
Eu acho que esses dois fenómenos, ou essas duas evoluções a que
temos assistido, provavelmente estão mais intimamente relacionadas do que aquilo que tem
sido discutido. Porquê que eu digo isto? No fundo, a primeira tem
a ver com o crescimento do populismo e de regimes autoritários. E
há uma relação entre os dois, as duas coisas não são idênticas,
não é? Porque nós assistimos a movimentos populistas mesmo dentro de democracias,
mas o populismo, por definição, tende a conduzir ao autoritarismo. Porquê? Basicamente
o populismo apresenta uma concepção da sociedade que contrapõe a vontade do
povo a uma elite que é apresentada como controlando o poder contra
a vontade desse povo. E os populistas arrogam-se ser ele os representantes
da vontade do povo, que ainda por cima é uma vontade como
vista como homogénea e como tal não dependente do pluralismo político. O
que é que isto conduz? Conduz que quando os populistas chegam ao
poder, e nós vimos isso na Turquia, por exemplo, estava a falar,
vemos isso também na Europa, onde o populismo tem crescido em países
como na Hungria, por exemplo, os populistas têm uma noção do poder
que é uma noção de uma democracia não liberal e liberal, no
sentido em que a concepção da democracia que se tinha tornado dominante
é uma democracia que não era meramente eleitoral, como eu costumo dizer
não é um mero contar de cabeças, inclui todo um conjunto de
instituições, de mecanismos de freios e contrapesos para limitar a concentração de
poderes. Ora, os populistas, por definição, ou rugarem-se como representantes de uma
vontade do povo, que é única, que é homogénea, e pelo contrário,
ou verem essas instituições como tribunais, como autoridades independentes, como contrárias, como
capturadas pelas elites, como representante de elites, que colocam limites a que
eles possam concretizar a vontade popular, automaticamente conduzem ao autoritarismo. E portanto
essa é a primeira relação, Ou seja, o populismo tem uma relação
com os regimes autoritários. E em que é que isto tem relação
com aquilo a que assistimos agora geopoliticamente e em particular com as
intervenções da Rússia? É que, ao contrário de outros, eu acho que
aquilo que explica as posições russas não é uma questão de receio,
não é uma questão de segurança, ou melhor, é uma questão de
receio, mas não é de receio de intervenções militares. Que a NATO
invadiça algum Estado que nunca invadiu, que os vizinhos da Rússia invadissem
a Rússia que nunca invadiram. O que temo o senhor Putin é
a expansão das democracias e, portanto, aquilo que mais o assustou na
Ucrânia é a substituição de um regime fantoche por um regime democrático,
com falhas, com problemas, mas que era uma democracia. E o que
ele teme mais, através da adesão, ele teme se calhar mais a
adesão à União Europeia e à democracia do que propriamente questões de
segurança. Se nós virmos historicamente... Deixe-me só dizer o seguinte. Se nós
virmos historicamente, as democracias nunca fazem guerras com outras democracias e, portanto,
é ao contrário. São regimes autoritários que invadem outros países e é,
aliás, o que as temos agora. E, portanto, há uma relação maior
entre isso, ou seja, entre o crescimento do populismo e crescimentos de
regimes autoritários e de novo receios de conflitos e maior instabilidade e
insegurança a nível internacional.
Miguel Poiares Maduro
Não, Mas o que acontece é que ao mesmo tempo, próximo do
seu território, aconteceram evoluções democráticas. E ao mesmo tempo ele viu nas
democracias fragilidades que não via antes, que lhe permitiu agir de forma
mais agressiva. Ou seja, ele provavelmente fez leituras de que este era
o momento, uma Europa mais dependente energeticamente da Rússia, uns Estados Unidos
da América que pareciam afastar-se do mundo, mais isolacionistas, mesmo com Biden,
não é? Na sequência era talvez uma interpretação que ele fez daquilo
que se passou no Afeganistão. Portanto, é a conjugação desses dois elementos
que provavelmente o induziu à intervenção que ele fez e à invasão
da Ucrânia. E
José Maria Pimentel
haverá causas comuns? Porque nós ao olhar para o populismo, há uma
série de causas que são avançadas, desde alterações na esfera da economia,
como a globalização, que em muitos casos levaram a perdas de emprego,
a perdas de rendimento, alterações na esfera cultural, sociedades terem se tornado
mais heterogêneas, o próprio surgimento das redes sociais, há uma série de
tendências que são avançadas para a ascensão do populismo nos últimos anos.
Mas isto é dentro das democracias. Olhando para os outros países nós
vemos também uma tendência de crescimento, ou pelo menos de surgimento de
líderes mais autoritários. Putin é um caso óbvio, embora o seja no
poder ainda desde Salvador 99, mas o Xi Jinping por exemplo provocou
uma mudança grande na China e podemos falar até do próprio Modi,
o Erdogan também já está há imenso tempo, mas claramente com tendências
mais autoritárias. Existem causas comuns nesta leva autoritária? Porque nós podemos também
chamar a...
Miguel Poiares Maduro
Nalguns eu acho que Existem. Sobretudo, eu acho que existem na mudança
de regimes democráticos, ainda que democracias frágeis, para regimes mais autoritários, como
é o caso dandia ou da Turquia. Outros provavelmente são fenómenos diferentes.
Aquilo que se passou na China é realmente um reforço também da
componente autoritária. A China não era uma democracia, mas era um regime
político que não sendo uma democracia assegurava alguma alternância no poder e
portanto combatia muita personalização do regime, desde as mudanças introduzidas por Deng
Xiaoping, não é? Nenhum presidente da China, até o Xi Jinping, podia
ser renovado e, portanto, havia alternância no poder dentro do próprio Partido
Comunista Chinês. O poder era, de certa forma, limitado internamente dentro do
Partido Político. Não era uma democracia, mas tinha mecanismos internos de controle
do poder e de alguma alternância. E esta personalização do regime, sem
dúvida, que é uma evolução preocupante e que reforça a componente mais
autoritária do regime chinês. Mas eu acho que é diferente daquilo que
se passou em regimes de democracias frágeis, podemos chamar assim, como era
a Turquia ou andia, ou de outras democracias que têm assistido a
fenómenos populistas. E isso deve nos levar a repensar, não é repensar,
mas a refletir sobre o estado das nossas democracias. Eu tenho escrito
bastante sobre isso e eu acho que fundamentalmente há dois aspectos que
são relevantes e que explicam, desde logo, a perda de confiança dos
cidadãos nas democracias. Nós temos estudos que indicam que os cidadãos, as
pessoas, continuam a preferir o regime democrático a qualquer outro regime político,
mas que os níveis de satisfação com a democracia têm vindo a
diminuir e, portanto, isso desde logo é preocupante. E eu acho que
a explicação para isso tem a ver com uma perda de legitimidade
dos regimes democráticos a dois níveis, que são os níveis normais de
legitimação de qualquer regime político. Um é aquilo que se chama legitimidade
procedimental, input legítimo assim em inglês, que é a legitimidade através dos
mecanismos de participação e representação que as pessoas sentem que aquele regime
político lhes oferece, a voz que esse regime político lhes oferece. E
nas democracias é uma das coisas que replica o crescimento dos populistas,
as pessoas se sentem-se cada vez menos representadas pelo sistema político tradicional.
Já podemos daqui a pouco, se quiser, discutir porquê. Quer dizer, eu
costumo dizer isto há as causas e depois há as causas das
causas. E portanto já podemos discutir daqui a pouco se quiser porquê,
mas isso é, claro, parece que as pessoas se sentem menos representadas
pelo sistema político atual. E portanto há uma perda da legitimidade das
democracias através do input por natureza procedimental, através da participação e representação
que elas é suposto assegurarem. E depois uma outra perda também ao
nível da legitimidade pelos resultados, ou seja, a correlação tradicional que era
estabelecida entre regimes democráticos e maior crescimento e desenvolvimento económico, tem vindo
a ser afetada, quer por estagnação económica e, em alguns casos, maior
desigualdade em sociedades democráticas, a que se assiste, e por outro, pelo
crescimento económico significativo que alguns regimes políticos, como a China, por exemplo,
conseguiu não sendo uma democracia. Portanto, isso coloca em causa essa relação
quase de causalidade que era estabelecida entre democracia e crescimento e desenvolvimento
económico.
Miguel Poiares Maduro
que podem ajudar a explicar isso. Eu acho que há uma transformação
na natureza do sistema político, eu costumo dizer que há uma transformação
no espaço, no tempo e no modo da política, que está a
perturbar seriamente o funcionamento da democracia e não necessariamente para melhor.
Quer
dizer, isto é muito lento, mas eu vou tentar ser breve. A
transformação no espaço tem a ver com o seguinte, há um número
crescente de matérias em que nós somos interdependentes, não já dentro dos
nossos estados, mas para lá dos nossos estados, por exemplo. A nossa
economia depende em larga medida da relação com outras economias, no nosso
caso com o espaço europeu, mas também para lá do espaço europeu,
mas sobretudo do espaço europeu. O nível de interdependência é aquilo que
gera conflitos sociais, é aquilo que gera a necessidade de regularmos bens
comuns e é aquilo que, portanto, gera a necessidade política. E Nós
não temos ainda instrumentos de política a nível, para lá dos nossos
Estados, suficientemente eficazes. Isso cria dois problemas. Primeiro, é a velha questão,
como é que nós legitimamos politicamente aquilo que está a acontecer para
lá dos nossos Estados. Mas a outra questão é que esta interdependência
também afeta a nossa capacidade de juízo democrático dentro do nosso Estado.
Nós muitas vezes já não sabemos se o que se passa aqui
é consequência da política interna ou da interação entre a nossa política
interna e essa interdependência com outros Estados, com outros espaços políticos, como
a União Europeia. Portanto, altera os mecanismos de responsabilização política e de
participação política. Essa é a primeira dificuldade. Pois a segunda tem a
ver com o tempo e com a circunstância de cada vez mais
a política estar dependente de uma lógica de incentivos de curto prazo.
E portanto isso cria dificuldades muito grandes, é aquilo que o Daniel
Linares, conhecido filósofo político espanhol e um bom amigo, chama de curto
termismo. A política é determinada por isso e se quiser gera também
uma forma de déficit democrático diferente. Nós falamos muito do déficit democrático
europeu, mas é um outro déficit democrático, porque é o déficit democrático,
não representação de gerações de tudo. Digamos que uma política que é
determinada apenas pelo curto prazo está a excluir muitos efeitos positivos e
negativos, muitos interesses da sua representação e participação. E o terceiro aspecto
tem a ver com o modo da política, tem a ver com
as redes sociais, da forma como isso altera o nosso espaço público,
como isso altera aquilo que eu chamo da edição da democracia, ou
seja, os temas que nós debatemos ou não debatemos, como altera e
coloca em causa as velhas formas de intermediação da política, desde os
partidos políticos aos sindicatos a movimentos sociais tradicionais, e o substitui por
formas intermediadas da política, mas que, ao serem formas novas, também alteram
a forma da política. Então ao conduzir a política, por exemplo, num
sentido muito mais emocional do que racional. E a política necessita de
um equilíbrio, necessita de emoção e razão. E quando um desses fatores
ganha excessiva prevalência sobre o outro, isso cria dificuldades também. Portanto, Estas
alterações no espaço, no tempo e no modo da política estão a
causar perturbações da democracia, aquilo que explica, pois manifesta em termos concretos,
por exemplo em Portugal, uma das questões, e não é apenas em
Portugal, mas em Portugal, é uma desconfiança enorme sobre as elites políticas,
sobre a classe política, que a classe política não tem sabido conduzir,
porque a forma de responder a isso era tentar reconstituir esses vínculos
e essas relações de confiança. E pelo contrário, a nossa classe política,
do meu ponto de vista, tem-se ainda afastado mais e, portanto, diminuído
essa conexão, diminuído essa perceção de que representação ou participação, pelo contrário,
as pessoas sentem que não são participadas. Mas isso é o nível
do modo, por exemplo, mas penso no tempo. Os jovens, hoje, claramente
sentem-se menos representados, porque a política é tão determinada pelo curto prazo,
e os jovens que são uma parcela cada vez menor em termos
relativos do eleitorado da nossa sociedade, que a política tende a conduzir
a soluções de políticas públicas que, no fundo, se quiser, tratam pior
os jovens que outras gerações. E é isso que leva os jovens,
por exemplo, a votarem de forma muito diferente, a colocarem em causa
os partidos políticos tradicionais ou a saírem do sistema político como através
da abstenção.
José Maria Pimentel
Sim. Em relação a isto, por acaso, isto é um fenómeno interessante
porque o que nós reparamos, acho eu, em vários países, Portugal incluído,
mas lembro por exemplo do caso do Brasil, eu gravei alguns episódios
com convidados brasileiros a propósito da eleição de Bolsonaro em 2018 e
é muito interessante como lá aconteceu um fenómeno idêntico ao que eu
acho que nós vivemos aqui, em que houve sempre ou tinha havido
sempre uma grande desconfiança da população em relação à classe política. Ou
seja, no fundo as pessoas, a maioria das pessoas, tendiam a não
confiar nos políticos e Eu acho que isso é o mesmo que
nós vivemos em Portugal. Mas de repente parece que houve uma descontinuidade
em que essa desconfiança, que era uma desconfiança larvar mas que não
era suficiente, no fundo, para minar completamente o processo político, se transformou
numa rejeição total. E essa descontinuidade para mim é que é muito
difícil de medir. Perceber o momento em que isso acontece.
Miguel Poiares Maduro
Eu acho, por exemplo, que está a acontecer em Portugal e há
poucos dias quando falava no meu espaço em que eu debato com
o João Soares na RTP sobre a eleição francesa, eu dizia que
nós devíamos prestar atenção àquilo que se passou em França com a
implosão dos partidos tradicionais, porque aquilo não acontece por acaso. E eu
tenho dito isso quando as pessoas dizem que Portugal era um regime.
Diziam! Portugal era uma ilha na Europa de estabilidade política, de estabilidade
do sistema político. Eu dizia, não é verdade. Basta olhar para o
nível da abstenção para ter percepção que há uma enorme insatisfação com
o sistema
político.
Apenas não houve ainda quem fosse capaz de canalizar essa insatisfação com
o sistema político para lá da abstenção para novas formas políticas. E
é isso que fez o Chega. No fundo, a abstenção é resultado
das pessoas sentirem que aquela classe política, aquele sistema político, aqueles partidos,
não os representam. Os seus interesses não se entendem. E, portanto, deixam
de votar. Se de repente aparece um partido político que lhes transforma
isso numa mensagem e lhes diz vocês têm razão, estes tipos estão
ali, não vos representam. É uma elite que está a controlar para
vantagens deles o poder contra os vossos interesses, pois isso é uma
mensagem política que é muito facilmente atrativa e, portanto, esse salto de
que estava a falar acontece dessa forma. Aconteceu noutros Estados e está
a acontecer no nosso. E continuará a reforçar-se se a nossa classe
política e se os partidos políticos tradicionais, eu tenho dito isso ao
meu, mas sem grande efeito até agora, não tiverem percepção da gravidade
e da seriedade do desafio que nós enfrentamos.
José Maria Pimentel
É que nós podemos olhar para isto, ou seja, para a ascensão
do populismo, como um problema de oferta ou de procura. E nós,
eu acho que tendemos, por razões lógicas e também por existirem dados
nesse sentido, tendemos a olhar para ele como um problema de procura.
As pessoas estão mais insatisfeitas com a democracia ou com o funcionamento
geral da democracia, seja aquelas causas mais imediatas, seja as outras causas
mais profundas a que o Miguel aludia. Mas também podemos olhar para
isto, e estava mais ou menos implícita agora no seu comentário anterior,
como um problema de oferta. Um problema no sentido de uma questão
de oferta, ou seja, de ter passado a haver partidos e representantes
políticos que começaram a ativar essa insatisfação de uma maneira que não
acontecia anteriormente.
Miguel Poiares Maduro
Por isso é que eu dizia, o que os níveis de abstenção
que nós tínhamos em Portugal nos diziam é que nós tínhamos um
problema de oferta, de inexistência de oferta, faça uma procura muito grande
de pessoas que não se sentiam representadas pelo sistema político. E quando
subitamente apareceram partidos populistas ou não populistas a defender coisas diferentes, as
pessoas subitamente começaram a manifestar-se isso e a transferir o seu voto,
em muitos casos da abstenção, em outros casos de outros partidos políticos
em que votavam mas sem grande convicção, para essas novas forças políticas.
O que eu acho é que isso é preocupante quando a oferta
que acaba por ser atrativa para as pessoas é uma oferta populista,
pelas razões que eu disse, porque o populismo é tendencialmente... É, por
um lado, uma ideologia política, se quiser, que exclui o pluralismo, e
isso é extraordinariamente perigoso... Daí o penduro autoritário, sim. Claro, e que
automaticamente depois conduz a tendências autoritárias. E eu acho que a resposta
tem de partir, deveria partir, dos partidos políticos tradicionais e de reformas
de capacidade de reformar o sistema político para gerar de novo confiança
José Maria Pimentel
junto dos cidadãos com esses partidos políticos. Então, Miguel, antes de passarmos
às respostas, àquilo que os partidos podem fazer, eu queria só voltar
a uma das causas que falou há pouco, do curto termismo, dessa
tendência para o curto prazo. Essa tendência tem aumentado de facto, ou
seja, isso não é uma tendência inevitável das democracias, pela necessidade que
tem de ser legitimadas eleitoralmente a cada 3, 4, 5 anos.
Miguel Poiares Maduro
Sim, é um problema de dois níveis. O primeiro nível é que
nenhum de nós tem literacia de políticas públicas. Portanto, como nós não
temos literacia de políticas públicas, não podemos esperar que todos os cidadãos
conheçam em detalhe quais são os detalhes de todas as políticas públicas,
incluindo dos efeitos de segunda ordem, que os costumas é que vão
ter a médio e longo prazo e efeitos da outra natureza, em
termos de benefícios e custos, como não podemos esperar isso, As pessoas
votam com base em quê? No que sentem, no imediato, em princípio.
Ou nisso, ou então têm muita confiança nos líderes políticos e dão-lhes
tempo para eles resolver os problemas. Num sistema político em que os
políticos estão muito preocupados em responder a isso imediatamente, ou em que
a democracia representativa é muito mais substituída por uma democracia direta, e
em que as pessoas vão votar muito mais pelo que sentem naquele
instante do que por essa capacidade que não têm de literacia política
de médio e longo prazo, nós tendemos a acentuar os incentivos de
curto prazo. Na medida em que se perdeu confiança nos órgãos de
intermediação política, que tinham uma função de dar algum espaço temporal, neste
caso, para se poder decidir e poder pensar as coisas a mais
longo prazo, que permitiam aos partidos políticos ter mais margem para compromissos
em termos de políticas de médio e longo prazo, na medida em
que se perdeu isso, na medida em que se perdeu confiança nos
políticos e, portanto, capacidade de aceitar coisas que parecem não ter um
resultado imediato, mas que podem funcionar a médio e longo prazo. E
na medida em que os próprios políticos, cada vez mais, nem sequer
já pensam nas eleições há quatro anos, pensam na sondagem que vai
sair no final dessa semana, tudo isso tem acentuado e reforçado ainda
mais a componente do curto prazo. Portanto, ela já existia, mas eu
costumo dizer, as teorias da escolha pública foram as primeiras a introduzir
essa dimensão temporal na avaliação política dos ciclos políticos. Mas aí eram
ciclos legislativos, agora é ciclos semanais, são ciclos mediáticos de 24 horas.
E portanto o curto termismo reforçou-se cada vez mais.
Miguel Poiares Maduro
Há alguma incerteza. É a mesma coisa como um médico que nos
tem de fazer um diagnóstico e que em primeiro lugar nos diz
você vai ter de fazer uma dieta, não vai poder comer nada
que goste nos próximos tempos e etc. Nós não gostamos disso, mas
não é aquilo que nos vai trazer... Pelo contrário, vai-nos trazer maiores
dificuldades no imediato. Nós gostávamos era de comer bem, não é? Mas
confiamos no médico que aquilo vai ter a médio e longo prazo
e feito. Se nós não confiarmos no médico e que ele nos
diz, não, você agora até se vai sentir pior, não vai desfrutar
tanta vida, mas isto vai-lhe fazer melhor a médio e longo prazo.
E passamos a decidir só com aquilo que nos faz efeito logo
imediatamente, nós continuamos a comer aquilo que gostamos, não é? Pronto,
Miguel Poiares Maduro
Sim, eu aliás dou o exemplo aí ao nível da transformação do
modo de funcionamento da política, porque as redes sociais, uma das coisas
que estão a transformar e a acentuar tudo isto também, é a
confusão entre informação e conhecimento. Ter acesso a informação não quer dizer
conhecimento, porque nós podemos não ter a capacidade de analisar essa informação
de forma a transformar conhecimento. E antes nós íamos ao médico e
aceitávamos o diagnóstico dos médicos. E hoje em dia as pessoas vão
ao médico e depois chegam a casa ao Google e estão no
fundo, second guess, a reavaliar no Google o diagnóstico do médico. Portanto,
mesmo em relação aos médicos, essa relação de confiança já não é
assim tão grande. E já não é assim tão grande porquê? Porque
a facilidade de acesso à informação leva-nos a confundir a informação com
o conhecimento e, portanto, a colocar em causa aquilo que o médico
nos diz.
Miguel Poiares Maduro
Eles têm um desafio de dois tipos. Um, o mais complicado, vamos
falar agora, que é esta sociedade também é uma sociedade mais fragmentada
em termos de interesses, não é? Portanto, mais difícil de conjugar as
pessoas e, portanto, Como é que os partidos tradicionais... Aqueles capsule parties
antigos já não... Como é que eles vão conseguir fazer isso? Eu
acho que só o conseguem com agendas muito ambiciosas e lideranças bastante
carismáticas. Há o Obama, por exemplo. O Obama foi um dos últimos
políticos que conseguiu isso, ganhar umas eleições na base não de propostas.
Eu costumo dizer há duas alternativas. Ou uma queda aritmética eleitoral, deixa-me
aqui somar os grupos sociais através dos quais eu posso ter maioria
e vou tentar desenhar uma micro-proposta que reflita o interesse de cada
um deles, dar-lhes um caramelo a cada um deles no meu programa
eleitoral para somar o coiso, que é uma desalternativa, mas que eu
acho que é bastante problemática porque acentua ainda mais a fragmentação da
sociedade, e eu acho que a democracia apreciamenta a ideia de reconciliar
os interesses divergentes e, portanto, necessita desse espaço comum e dessa dimensão
de projeto comum também, é problemático, portanto, isso vai acentuar a fragmentação
em vez de quando os partidos políticos iam tentar juntar as pessoas,
construir uma agenda comum, mas a alternativa é a outra, é a
primeira mas é bastante difícil. Segundo aspecto, que é aquele da reconstituição
da confiança, de uma relação de confiança com os eleitores, com os
cidadãos, passa por reformas internas de abertura, O contrário, os partidos políticos
têm vindo a cada vez mais a fechar-se sobre si próprios, a
não ser representativos. Repare, os nossos candidatos a primeiro-ministro são cada vez
escolhidos mais de um grupo mais pequeno de pessoas, não é? Nos
universos eleitorais os partidos políticos são muito reduzidos, portanto uma das questões
pode passar por primárias abertas, algo desse género. Não é uma solução.
Nada disto são soluções por si só. O segundo lugar eu acho
que tem de ter mecanismos de controlo, de integridade e de ética
e de conflitos de interesses muito maior. Nós temos de reformar a
nossa cultura política de forma muito acentuada a esse nível, sobretudo na
prevenção dos conflitos de interesse, períodos de nojo quando se sai da
política, tudo isso, ou quando se entra e de onde se entra
para a política. Portanto, são necessárias um conjunto de reformas que leve
os cidadãos a confiar nos partidos políticos e na classe política dos
partidos políticos. Devo dizer que do meu ponto de vista aí Portugal
está pior que outros estados porque a nossa cultura política é uma
cultura política, eu direi, muito frágil e as nossas instituições são instituições,
do meu ponto de vista, muito problemáticas tradicionalmente, porque são instituições muito
facilmente capturadas pelos partidos que estão no poder. Nós temos uma cultura
política que facilita, ao contrário de outros estados que têm administrações públicas
com muito mais autonomia, muito menos partidarizadas e que portanto leva as
pessoas a confiar nessas administrações públicas. E depois o outro lado dessa
confiança dos cidadãos na administração pública é a própria administração pública poder
ter confiança nos cidadãos, essa confiança é mútua, no nosso caso é
exatamente o contrário. E já agora, isso é uma das razões em
que depois este problema, que é um problema de instituições e de
qualidade das nossas instituições, se transforma depois num problema de crescimento e
desenvolvimento económico e social. Mas isso já nos levaria a outra discussão.
Miguel Poiares Maduro
é verdade. Não sei se a administração pública é assim tão boa
como isso. Tem áreas da administração pública que funcionam bem e é
um país que curiosamente desenvolveu um mecanismo, se quiser, para lidar com
essa partidarização e com essa péssima cultura política que é regularmente a
própria democracia suspende a sua partidarização e atribui a uma liderança técnica,
digamos que um período de dieta partidária, chamemos-lhe assim. Porque se reparar,
nas últimas décadas, a Itália tem regularmente, quase uma vez por década,
um momento em que tem um governo tecnocrático, como é agora o
caso do Draghi, que não é de nenhum partido político, e que
são normalmente os governos que fazem as reformas que depois permitem ao
país ir aguentando nos anos seguintes. Tiveram isso com o Monti também
e tiveram com outros casos também. Mas o Monti foi muito
Miguel Poiares Maduro
saiu com muito baixa popularidade. Sim, mas entrou com bastante popularidade, saiu
com baixa popularidade porque fez reformas difíceis mas são reformas que ainda
hoje ajudaram a Itália. A Itália não teve um problema financeiro por
causa disso, não é? Por causa do... Não entrou, a Itália estava
em risco de... Aliás, foi por isso que o Berlusconi saiu e
entrou ao Monti, a Itália estava em risco de entrar também em
banca rota, como Portugal esteve. E quem salvou foi o Monti, claro.
Claro que esse processo deixou o Monti bastante impopular, mas hoje em
dia já se começa a fazer uma reavaliação desse período e, independentemente
da avaliação de coraçes políticas, aqui o que eu estou a dizer
é esta lógica que tem o sistema italiano, que é interessante, de
regularmente suspender. Não é uma suspensão da democracia, porque todos os partidos
políticos, o Parlamento continua a funcionar. E estes governos tecnocráticos dependem do
apoio dos diferentes partidos políticos. Mas são digamos que há um acordo
entre os partidos políticos para dar margem a que um governo tecnocrático,
governo durante algum período, faça no fundo aquilo que os partidos políticos
acham que eles não podem fazer e depois eles votam de novo
à política tradicional. E será assim provavelmente também com Draghi dentro de
pouco tempo. Mas
José Maria Pimentel
E eles vêm... Por acaso é interessante falar dessa sua experiência, porque
a impressão que eu tenho é que esse tipo de missões, como
são normalmente constituídas por pessoas, enfim, ou de origem ou pelo menos
de educação, ou seja, de formação de países ou do Norte da
Europa, ou da Europa Central ou até dos Estados Unidos, tende a
escapar-nos muitas vezes a infraestrutura cultural por trás das coisas, ou seja,
eles têm uma lógica instrumental de regras, que é uma lógica que
nesse tipo de países cuja cultura é muito baseada em regras funciona,
mas que depois em países que têm um substrato cultural mais forte
que segue menos essas regras e é mais baseado em relações ou
tradições, enfim, coisas mais imateriais, depois não funciona na prática, porque nada
serve instituir uma determinada regra, um determinado procedimento, se depois ele só
é cumprido de facto, mas não é cumprido na realidade. É difícil
Miguel Poiares Maduro
fazer uma única leitura. Essa é uma componente, seguramente. Não é única,
porquê? Porque, em primeiro lugar, varia consoante as pessoas e desde logo
a inteligência delas. Eu costumo dizer, as pessoas mais inteligentes e os
melhores líderes, por exemplo, são aqueles que sabem que uma das suas
primeiras prioridades é perceber aquilo que eles não sabem e portanto que
necessitam de buscar competências para saber ou alguém que os complemente. Enquanto
muitas vezes são as pessoas menos inteligentes que têm a arrogância de
pensar que sabem tudo, independentemente de ouvirem, de irem tentar buscar essas
competências. Portanto, desde logo, varia consoante as pessoas e a qualidade desses
funcionários. Por outro lado, é verdade que muitos desses funcionários vêm de
alguns desses tipos de cultura, de países com esse tipo de cultura,
mas há muitos, por exemplo, há muitos italianos que normalmente são pessoas
muito preparadas tecnicamente e depois vão para instituições internacionais. Lembro-me de um
dos da Troca de Bem em Portugal, ele era indiano, muitas vezes
com indicações nas melhores instituições, é verdade, anglo-saxónicas, americanas e etc. Mas
também há uma componente muito grande no funcionamento, por exemplo, do FMI,
tem muito a ver, é muito determinado, não é apenas por quadros
de leitura intelectual, é muito determinado também pelos interesses dos países do
FMI, que basicamente os países que emprestam o que querem é o
retorno o mais imediato possível do dinheiro. E, portanto, isso, quando se
pretende o retorno… Não
Miguel Poiares Maduro
É, não se conduna muito com mudanças graduais, nem se conduna com...
E significa que certo tipo de reformas estruturais são compatíveis com isso.
Aquelas podem exigir frontloading de medidas, medidas imediatas, mas outras que até
poderiam exigir um investimento a médio e longo prazo e poderiam ter
mais efeito, perdão, a médio e longo prazo, mas que inicialmente até
não poderiam gerar poupança de dinheiro, é mais difícil de fazer isso.
Eu dou-lhe dois exemplos, só para ter uma percepção das dificuldades, dos
dilemas que se causa bem diferentes. Primeiro tem a ver com a
administração pública. No caso da nossa administração pública nós temos uma pirâmide
invertida ao nível salarial, que é não ganhando bem, aqueles que ganham
na base da administração pública ganham melhor que aqueles que no setor
privado, onde nós sabemos que os salários em Portugal são muito baixos,
exercem funções semelhantes. E portanto, a nível das funções mais básicas da
administração pública, as remunerações até são em termos competitivos com o mercado,
comparados com o sistema privado, em termos relativos melhores. Em termos de
quadros médios e mais qualificados é o contrário, à medida que sobe
na qualificação da administração pública, a administração pública paga pior que o
sistema privado. Ora, quando tem de fazer subitamente cortes na massa salarial
completa da administração pública, por razões de justiça e equidade social, não
vai poder dizer, ah, eu vou cortar aos que ganham menos e
vou pagar mais aos que ganham mais, porque é aí que a
nossa administração está desqualificada. Este tipo de medidas de consolidação arsemental são
incompatíveis com aquilo que é necessário ao nível da reforma estrutural da
nossa administração pública, que é exatamente o contrário, que era pagar melhor
os que ganham melhores. E portanto desde logo tem aí uma tensão
entre dois objetivos. Mas podia-lhe dar outro exemplo? Há quem defenda, eu
sou alguém que tem simpatia por esse modelo, uma lógica de funcionamento
de financiamento do assínio superior diferente, em que o Estado paga a
todos os estudantes, mas paga sobre a forma de um empréstimo que
eles devolvem à medida que entrarem na vida profissional e em proporção
do que ganharem na sua vida profissional. Portanto, não há risco financeiro
para os estudantes, eles só pagarão quando puderem pagar e na sua
vida profissional, mas pagarão nessa altura. E agora nem sequer pagariam de
todo as propinas que pagam. Portanto era tudo financiado pelo Estado como
uma espécie de empréstimo. É um modelo que a Austrália tem, este
modelo. O Reino Unido evoluiu para um modelo semelhante a este, mas
não é exatamente o mesmo. Este modelo, que podia fazer muito mais
sentido, É um modelo que gera mais sustentabilidade no ensino superior no
futuro e uma maior relação com o mercado, trabalho, por exemplo, mas
que no imediato também iria exigir mais recursos, não menos recursos. Isto
para dar um exemplo da dificuldade desse tipo de incentivos. Mas outra
coisa, quando eu há pouco falava, também tem a ver com questões
culturais de não perceber o que é que numa determinada sociedade vai
funcionar ou não funcionar. Eu aos meus alunos dou muitas vezes um
exemplo engraçado da Colômbia. Eu até tenho um vídeo que mostra sobre
isso, de um presidente da Câmara em Bogotá. A Colômbia tinha um
problema enorme de trânsito. Este é um exemplo até que é dado
curiosamente na Árvore Business School em Políticas Públicas, lá é um dos
casos estúdios que eles mostram. Tinha um problema enorme de congestão de
trânsito e durante muito tempo tentaram as medidas tradicionais que se tenta
nesse caso, que é fazer pagar mais multas porque os carros não
respeitavam os sinais vermelhos, verdes e etc. E portanto isso criava imenso
problema, penalizar mais os carros, tudo isso e nada disso funcionava, curiosamente.
Nada disso parecia funcionar. Não funcionava porque não andava para cobrar as
multas
Miguel Poiares Maduro
Porque não tinha efeito dissuasivo, ao contrário, o custo não estava a
causar efeito dissuasivo, até porque era difícil fazer pagar as multas, tudo
isso, o sistema de enforcement. Veio um presidente da Câmara, que até
era um filósofo, que percebeu, em primeiro lugar, qual era a cultura
dos cidadãos de Bogotá. E o que é que ele fez? Colocou
palhaços a ridicularizar comportamento das pessoas, em vez de polícias chinaleiros no
trânsito, colocou palhaços a fazer parar as pessoas e a ridicularizar os
que se comportavam mal e etc. E melhorou em 30% a fluidez
do trânsito. É uma coisa extraordinária. Porque ele percebeu aquilo que interagia
com a população da sua cidade. E, portanto, é um caso muito
curioso que demonstra como é que transpor uma medida de um determinado
contexto para o outro não funciona. Aliás, a ciência de comportamento também
nos ensina isso. Por isso é que há um exemplo muito engraçado
da ciência de comportamento que eu também uso, que é um exemplo
retirado de uma creche em Israel, em que os pais chegavam com
frequência atrasados para ir buscar os filhos, no final. E então decidiram,
bem, vamos começar a multar os pais. Sempre que eles chegarem atrasados,
nós multamos que é para ver se eles deixam de chegar atrasados.
Os atrasos aumentaram. Porquê? As pessoas passaram a entender aquilo não como
uma obrigação moral, mas como um serviço, um preço que pagavam por
poderem chegar atrasados. E então decidiram pagar a multa e chegavam atrasados.
Aquilo que passou de uma obrigação moral, transformou-se em algo transacionável. E
ao ser transacionável as pessoas passaram a achar que eu pago e
está bem. É muito curioso. Mostra-nos o cuidado que nós temos de
ter a desenhar medidas públicas, porque depende muito daquilo que funciona num
determinado contexto ou noutro. E também outra coisa, que é ter a
percepção de que qualquer política pública que nós decidamos, por muito bem
pensada que está, pode não funcionar e, portanto, um dos aspectos mais
fundamentais das políticas públicas é ter um mecanismo de autocorreção. Deve ter
um mecanismo de avaliação e de autocorreção por maneira. Porque por muito
bem pensada, bem desenhada e bem intencionada, as intenções não fazem boas
políticas públicas.
Miguel Poiares Maduro
que o incentivo financeiro da penalização da multa, que ainda por cima
era difícil eles depois executarem e fazerem enforcement, porque andar atrás das
pessoas, fazer cumprir, tudo isso, provavelmente tinha um sistema também de polícia
e de tribunais difícil que levava às multas, como nós também temos
em Portugal, tornava aquilo dificilmente credível, não é? As multas. O efeito
de ridicularização do comportamento
de pessoas,
no momento, levava as pessoas a induzir a aceitarem. Portanto, o trânsito
era gerido... Eu tenho esse vídeo que mostra os alunos no fundo
as pessoas tinham mais respeito dos palhaços do que dos polícias chineleiros
porque por causa da cultura em que a polícia tinha perdido a
autoridade naquele domínio do trânsito mas é que o ridículo de serem
expostos naqueles comportamentos dos palhaços, já
José Maria Pimentel
não. Sim. Depois já agora vi, se puder, esse vídeo que eu
ponho aqui depois nas referências do episódio. Tá bem. Mas esse por
acaso é um exemplo interessante, até porque o próprio trânsito é uma
arena interessante pelo comportamento humano. É verdade. Há uma série de comportamentos
que a pessoa não teria se tivesse que sair do carro para
o justificar a seguir. Há coisas um bocado bizarras. Aliás, eu lembro-me
do episódio que gravei com o Pedro Magalhães, que foi logo no
início do podcast. Falávamos do capital social, ou confiança interpessoal do Putman,
Exatamente. E ele dava como exemplo em Portugal precisamente o trânsito. Ele
falava, por exemplo, daqueles cruzamentos que têm aquela grelha pintada amarelo para
as pessoas não pararem no meio e as pessoas param todas no
meio porque basicamente pensam se eu não avançar o tipo que está
à minha direita vai avançar ou à minha esquerda e portanto tira-me
um lugar a mim ou o exemplo de... Que eu acho que
é mais relevante para esse caso que é o de paragem em
segunda fila. Sim,
Miguel Poiares Maduro
Está a diminuir. Isso até o próprio Putman tem dito. Ele próprio
tem. Ele
tem dito isso, eu vi numa conferência, Agora já está com uma
idade muito avançada, mas a última vez... Eu já ia dizer isto,
parece tudo tão próprio. Já foi antes, eu já estive no governo
há 7 anos, foi para aí há 10 anos. Já não foi
assim tão recentemente, mas já foi bem depois do Boling Alone. Já
depois disso ele continuava a achar que o capital social estava a
diminuir bastante. E é normal, porque... Mas, embora se calhar estão-se a
criar novas formas de capital social nas redes sociais, não é? Mas,
por exemplo, o Paul Kahn, que é o outro grande filósofo político
americano e que é meu co-autor do livro, ele tem uma visão
ainda mais catastrófica do que eu, não é? Ele acha que a
internet está a destruir essas instituições de intermediação e que criavam capital
social. Para ele é criação de virtudes cívicas. Exato. Ele acha que
as virtudes cívicas são fundamentais ao funcionamento, e eu também concordo em
boa parte com ele, da democracia. E acha que essas organizações, não
necessariamente que ele seja religioso, por exemplo, mas como a religião funcionava,
mas os sindicatos, as associações civis, tudo isso, o desaparecimento disso, no
fundo, está a diminuir essas organizações cívicas e o desaparecimento dessas organizações
é o desaparecimento de capital social também.
Miguel Poiares Maduro
civil que não se manifesta em armas, mas que se manifesta em
intenções culturais. E que depois se manifesta também na incapacidade das instituições
políticas desempenharem as suas funções. Eu diria, incapacidade das instituições políticas reconciliarem
os interesses diferentes e conseguirem cozer, digamos, um interesse comum. É aquilo
que eu falava há pouco, que é muito importante que as democracias
consigam. As democracias não podem ser apenas um fator de fragmentação, não
podem assentar apenas na fragmentação. Têm de ter capacidade também de transformar
esses interesses diferentes em algo comum, se não existir isso, a polarização
e a radicalização. Esse é um bom ponto, sim, sim.
José Maria Pimentel
Sim, porque a democracia, e as democracias liberais em particular, são a
maneira de gerir uma sociedade com essa fragmentação. Mas funcionam tanto melhor
quanto dentro dessa fragmentação consigam criar pontos comuns. É uma boa maneira
de resumir. Miguel, estamos a aproximar do final da conversa, vou fechando
os parênteses que nós abrimos no sentido inverso para tentar organizar isso.
Acho que isso é um bocado otimista esperar que vamos fechar os
parênteses todos, mas tudo bem. Alguns, pelo menos. Um ou dois. Voltando
às soluções em relação aos partidos, ou seja, à maneira como os
partidos podem reconfigurar, nós não estamos de certa forma a tentar quadrar
um circo, porque o que nós vemos agora é uma espécie de
tensão entre o sistema e a população, podemos dizer. Há um livro
muito interessante do Yasha Monk que se chama precisamente The People Against
Democracy, porque é a população contra as instituições. E se nós estamos
a tornar os partidos mais próximos ainda dos cidadãos, pelo menos no
curto prazo, um cínico dirá que isso ainda vai produzir efeitos piores.
Porque o que nós vamos ter é algo como aconteceu nos Estados
Unidos, em que foi precisamente a existência de primárias que permitiu ao
Trump controlar aquela eleição, contornando a vontade das fias do partido.
Miguel Poiares Maduro
Não necessariamente Depende da natureza das primárias e como estão organizadas, do
meu ponto de vista. E de novo, nós não podemos importar uma
solução de um país para o outro. Podemos dizer que a realidade
do que não funciona cá em Portugal é diferente do que não
está a funcionar nos Estados Unidos da América.
Sim, bom ponto.
E desde logo o nosso problema fundamental aqui é uma atrofia dos
partidos políticos com uma base de participação dentro dos partidos políticos que
é muito pequena. Eu costumo dizer, se o meu partido conseguisse ter
uma base de militância ativa muito maior do que aquela que tem,
eu estaria muito mais à vontade sem primárias abertas. Eu acho que
as primárias abertas, nós temos de ponderar as primárias abertas porque a
base de participação militante se tornou tão pequena e, portanto, a partir
do momento em que se torna tão pequena, isto tem duas consequências.
A primeira é que o partido tem uma base de representação muito
limitada e, em segundo lugar, os riscos de captura do processo eleitoral
são muito grandes. Se a participação eleitoral é muito pequena, o risco
de ser controlado por sindicato de votos torna-se exponencialmente maior. Portanto, nós
não podemos ignorar que esse é o problema que nós temos. Se
esse é o problema, quais são as soluções que nós podemos ignorar?
Isto não quer dizer que as primárias, por isso é que eu
disse logo, nenhuma destas soluções é milagrosa. As primárias, pois, trazem outro
tipo de problemas e nós temos de tentar mitigar esses problemas. Mas
o segundo aspecto fundamental é que eu acho que o trazer mais
próximo das pessoas é sobretudo ser suscetível de gerar confiança, de repor
a confiança perdida na classe política. E aí tem muito a ver
com os tais testes de integridade, com a prevenção de conflitos de
interesse, com a prevenção da partidarização do Estado, tudo isso. A
Miguel Poiares Maduro
Eu gosto muito do Pedro e acho que é um excelente investigador.
E uma das conclusões a que eles chegaram, muito interessante, é que
ao contrário do que muita gente julga, os jovens querem participar politicamente
mais e estão a participar mais politicamente no sentido em que se
interessam mais por temas políticos e se mobilizam mais em torno de
questões políticas e cívicas. O que acontece é que eles estão a
participar muito menos através dos partidos políticos, porque não confiam nos partidos
políticos. Portanto, isto confirma aquilo que eu digo, não é? Há procura.
Essa procura não é satisfeita pelos partidos políticos tradicionais, não é? Portanto,
eles ou vão para novos movimentos políticos, por exemplo, acho que a
iniciativa liberal aí, claramente, para os jovens é um mecanismo de participação,
porque eles sentem que eles representam interesses. No fundo sentem que os
partidos tradicionais são os partidos do Estado Social que existe, mas que
esse Estado Social é um Estado Social a que eles não têm
acesso. E
portanto
a indecisiva liberal é o que defende os que estão excluídos desse
Estado social, que são os jovens fundamentalmente. Ou, quando não encontram partidos
políticos, vão para novas formas, para novos movimentos de organização social, novas
formas de participação social.
Miguel Poiares Maduro
Mas também têm tido, e eu sou muito cético, não sou tão
catastrofista como o Paul Kahn, mas também sou muito cético e identifico
muitos riscos na internet, mas também já apresentei soluções como pluralismo de
algoritmos, tudo isso, para tentar mudar a forma de funcionamento das redes
sociais, Mas mesmo hoje em dia também não podemos escolher. Uma das
coisas interessantes que as redes sociais trouxeram é o encontro lá, incluindo
a nível de jovens, vozes que antes não encontrava, não conhecia e
que vai de redes jovens inteligentes, bem preparados e com interesse político
e que vão buscar. Eu tive durante um período muito breve agora
recentemente uma responsabilidade perena de tentar trabalhar num programa político de um
candidato do meu partido, sabe isso, não é? Quando foram as diretas
do PSD e
o
Paulo Angela, eu era coordenador do programa eleitoral, e comecei a ver
aí, a começar a entrar em contato e estava a ver vários
jovens que eu desconhecia de todos e que foi através muitas vezes
de redes sociais e através depois de outros jovens encontrados aí com
ideias muito interessantes e muito bem preparadas em áreas de políticas públicas
que eu desconhecia. E portanto, se os partidos políticos forem inteligentes, têm
aí um campo de recrutamento muito interessante também. Sim.
José Maria Pimentel
Eu infelizmente já estou a deixar de ser jovem, portanto não corro
risco de falar em causa própria. Posso confirmar isso. Miguel, última pergunta,
e para ver que acho que vou conseguir o objetivo de fechar
pelo menos os grandes parênteses. Voltando ao início, ao outro lado deste
fenómeno que é o aumento do autoritarismo. É engraçado porque quando começou
a guerra na Ucrânia, ou a invasão da Ucrânia, houve uma série
destes efeitos que pareceram funcionar de maneira oposta. O Ocidente se tornou
mais unido, se tornou mais operante, os partidos do sistema, se nós
quisermos, que estão no poder na maioria dos países, se tornaram mais
operantes do que tinha acontecido até ali. As redes sociais, de que
se fala na maioria das vezes dos efeitos negativos, funcionaram bem e
foram essenciais para, não só para as pessoas se unirem mas para
transmitirem informação, neste caso não em fake news mas em actual news
daqueles países. Por outro lado os efeitos negativos do autoritarismo tornaram-se altamente
visíveis, Que melhor manifestação concreta que nós poderíamos ter do que um
líder autoritário tomar conta de um país para invadir outro. E no
entanto, pouco tempo evoluído, nós tivemos Vítor Orbán a conseguir ser eleito
outra vez na Hungria e temos Marina Pena a morder os calcanhares
de Macron e aliás eu devo dizer que quando este episódio for
publicado nós já se vai saber o resultado das eleições, portanto não
sabemos. À partida Macron consegue ganhar a mesma, mas é possível que
não, não é? E portanto aquilo que pareceria ser uma vacina não
foi, não é? Temos
Miguel Poiares Maduro
que ter cuidado com isso à
partida. Pois, pois, pois.
Eu espero bem que sim, mas Eu tenho lembrado várias pessoas recentemente,
atenção que nós não podemos confundir aquilo que nós desejamos tanto, alguma
coisa, que depois lemos a sociedade e aquilo que está a acontecer
em nosso redor em função daquilo que nós desejamos. E leva-nos a
conceber como inconcebível certas coisas. E foi assim com o Brexit. A
eleição de Trump era muito menos provável. Exato, eu ia dizer isso.
Foi assim com o Brexit, foi assim com o Trump. Ninguém achava
que era concebível. Ah, eles estão a crescer e tal. E depois
foi o que foi. E portanto, vamos ver, espero bem que sim,
mas
Miguel Poiares Maduro
temos de ter cautela com como lemos as redes sociais, porque nós
os dois estamos a ler uma parte das redes sociais. Tem a
ver, desde logo, com os algoritmos que nos tendem a dar aquilo
que nós gostamos de ouvir e de ver. E, desde logo, em
termos geográficos, mas não só, Há um estudo muito interessante que demonstra
que os russos basicamente têm promovido contas falsas e a disseminação das
suas teses e da sua desinformação em regiões do globo que não
são a Europa, porque no fundo eles acharam que não iam conseguir
combater a nível europeu com os canais tradicionais e portanto onde as
contas russas falsas e a disseminação de informação falsa com as teses
russas mais está a progredir nandia, no sul da África, na América
do Sul, e é aí que eles estão a apostar. E, portanto,
nós estamos a ler aquilo, quando há pouco dizia, porque se tornou
visível, isto e isto assim. Atenção, para nós, na nossa bolha das
redes sociais. Não, eu acho
Miguel Poiares Maduro
houve mais do que foi na realidade. Eu acho que houve uma
grande união, mas não foi assim tão grande como se calhar nós
achamos que foi. Eu vou a Itália ainda regularmente e a Itália
que sempre é um país que tem uma relação de alguma proximidade
com a Rússia e de uma elite muito próxima da Rússia. E
nós vemos isso mesmo na elite em Portugal, que começam a aparecer.
Quer dizer, Jaime Nogueira Pinto, Miguel Souza Tavares. Quer dizer, pessoas em
Itália maior com outro tipo de leitura. Portanto, aquilo que nos parece
tão óbvio não é assim tão óbvio como isso. E em segundo
lugar, aquilo que explica a eventual vitória do Orbán e o crescimento
da Marine Le Pen são também variáveis nacionais que são sempre mais
importantes que as variáveis de política internacional. Em última análise as eleições
decidem-se por circunstâncias internas e não por circunstâncias internacionais. Eu penso que
no caso do Orbán, quer dizer, não podemos ignorar o crescimento económico
que a Hungria tem tido durante o seu período no governo. Portanto,
as pessoas sentem-se satisfeitas, ponto. Estão-se pouco a importar com os outros
limites e em segundo lugar o controle do espaço comunicacional que ele
tem, não é? Atenção. Com o regime dele a Hungria é uma
democracia já com muitas falhas, e falhas significativas ao nível do controle
da opinião pública e do espaço comunicacional. E isso não deixa de
ser relevante. E em França temos o crescimento daquilo que eu dizia,
de camadas muito substanciais da população, tal como se assistiu nos Estados
da América com o Trump, que entendem que não são representadas pelo
sistema político tradicional. E Macron, num certo sentido, beneficiou disso. Porquê? Porque
Macron ultrapassou os partidos tradicionais e transformou o sistema francês numa luta
entre os moderados versus os radicalizados. Mas essa transformação política criou um
problema, que é a ausência de programas políticos alternativos dentro daquilo que
era um espaço de grande moderação e facilitou a Le Pen a
parecer como do outro lado está a elite, deste lado está o
povo. E a dicotomia é essa e não passa a ser uma
dicotomia entre dois programas políticos, um mais à esquerda e outro à
direita. Portanto, o grande problema transformou-se nisso e isso facilita o crescimento
da Le Pen.
Miguel Poiares Maduro
por cima não existe uma tradução, uma das dificuldades também é que
não existe uma tradução em português e que é de um outro
professor americano com quem eu trabalhei bastante e fui até inicialmente um
discípulo e depois escrevi com ele, que é Neil Comezard, que acentua
muito a importância... Os dois têm um ponto em comum, os livros,
embora de forma diferente, sobre as instituições e a importância das instituições.
O Comesar acentuou muito a ideia de que as escolhas principais que
nós fazemos em termos de políticas públicas não têm a ver com
as finalidades das políticas públicas, mas sim com os processos de decisão
e as instituições que vão determinar se nós atingimos ou não essas
finalidades. No fundo, o Comensal alertou para o risco de grande parte
das nossas discussões centrarem nos fins. Quando os fins é o mais
consensual e na realidade aquilo que nós estamos a escolher é entre
diferentes processos de decisão para atingir essas mesmas finalidades. E nós devíamos
estar a discutir esses processos de decisão. E o segundo aspecto que
ele acentua e que eu digo muitas vezes às pessoas que trabalham
comigo é que esses processos de decisão, essas instituições, são todos eles
imperfeitos. Nenhum deles vai funcionar de forma perfeita. Todos têm problemas e,
portanto, nós temos de ter a percepção, quando estamos a escolher entre
políticas públicas e quando estamos a desenhar instituições para implementar ou promover
políticas públicas, temos de ter a percepção que estamos a escolher entre
alternativas imperfeitas. E o livro dele aliás chama-se, esse primeiro livro chama-se
Imperfect Alternatives. E esse é O primeiro ponto que eu digo sempre
às pessoas que trabalham comigo, não se esqueçam, as escolhas que nós
fazemos são entre alternativas imperfeitas e é um equívoco. Quer olharmos para
a alternativa atual e ver nela problemas e achar que isso é
uma justificação para a substituir por outra, não é em si mesmo,
não é. Porque só será se a outra for menos imperfeita. Mas
a outra também será seguramente imperfeita. E em segundo lugar, é o
risco de nós concebermos as alternativas sempre de forma idealizada. E portanto,
desenvolvemos políticas públicas, lá está muito terminados pela finalidade que queremos atingir,
esquecendo que essa finalidade não é aquilo a que nós vamos chegar.
Nós podemos aproximarmos ou não disso, dependendo do processo de decisão e
das instituições que vão conduzir a isso. E o segundo livro, também
tem muito a ver com a questão das instituições, Esse já existe
uma tradução em português que é, penso que... Em inglês é Why
Nations Fail, em português penso é Porque Falham as Nações, do Acemaglo
e do Robinson. E é um livro, para mim, particularmente importante para
Portugal, Porque eu acho que o problema principal de Portugal é a
fraca qualidade das instituições e que as nossas instituições entram precisamente dentro
da categoria daquilo que eles chamam de instituições extrativas. Exatamente. De uma
sociedade em que as pessoas votam mais energia a tentar obter uma
renda dos poucos recursos existentes, e neste caso distribuídos e concentrados no
Estado, do que em criar mais recursos. E acho que é muito
importante, se eu pudesse, aconselhar a todas as pessoas... Sim, sim,
Miguel Poiares Maduro
sim. E estes dois livros têm algo em comum,
que
é acentuar a importância das instituições ao que em Portugal nós quase
não discutimos. Então no debate político praticamente ignora-se isso. Acho que discutimos
um pouco mais
já, o que não
é mau. Um bocadinho, mas calhar é numa elite.
Pois talvez, talvez.
No debate político isso não existe. For ver nas eleições, ninguém discutiu
isso, a qualidade das instituições, ninguém discutisse. Eu costumava dizer mesmo que
quando estava no governo, foi das coisas a que eu devotei mais
atenção, a importância foi o desenho das instituições, Ninguém valorizou isso. Um
político que... Quer dizer, o único caso em que as pessoas hoje
em dia mais notam foi a mudança do modelo de governo da
RTP, por exemplo. Mas na altura, por exemplo, quando eu fiz isso,
tive imensa oposição, incluindo dentro do meu próprio partido. E em geral
na nossa classe política as pessoas achavam inconcebível a ideia de um
modelo institucional que tirasse o poder do governo. Porque é que eu
ia abdicar eu de decidir o que é que a RTP devia
fazer.
Miguel Poiares Maduro
a votar. Sim, eu logo aconselhava as pessoas a irem ao site
da Gubenkian e do Fórum Futuro na Gubenkian, que abaixo se escreve
em Fórum Futuro Gubenkian, e a partir de lá têm acesso a
um conjunto enorme de estudos. Eu assento em que precisamente estudos de
relação a políticas públicas sobre as nossas instituições, procurando fazer esse trabalho
de capacitação, se quiser, do nosso espaço público. Não são recomendações de
políticas públicas, são diagnósticos e pontos de partida para termos uma melhor
qualidade no debate público sobre as nossas políticas públicas e uma maior
capacidade de transferência de informação para aqueles que são os decisores públicos,
para aqueles que depois vão decidir sobre políticas públicas. E aconselhava, em
particular, dois conjuntos de estudos. Um, que é os projetos da justiça
interracional, lá está que tem precisamente a ver, que demonstram como as
gerações mais jovens hoje em dia estão a ser, não sei dizer,
prejudicadas no acesso à habitação, no mercado de trabalho, em muitos aspectos.
Mas o segundo, talvez aquele de interesse mais geral para todos, é
o exercício que nós fizemos ao longo de dois anos, que é
um exercício de cenarização do país, o Foresight Portugal 2030. Vários países
lá estão, têm instituições públicas que fazem esse trabalho, nós não temos
em Portugal e quisemos nós fazer isso, que é discutir quais são
as grandes tendências do país, quais têm sido as grandes tendências do
país e do mundo à nossa volta. Porque percebendo quais são as
nossas grandes tendências e quais são as grandes tendências do mundo à
nossa volta, que nós estamos em melhor condição para decidir o que
devemos fazer. E nós desenvolvemos três grandes cenários, como eu já disse,
são modelos heurísticos, no sentido em que nenhum deles é um cenário
daquilo, não é uma previsão do que vai acontecer, nem sequer é
uma proposta do que deve acontecer. São formas de conhecer, quer aquilo
que é o país hoje em dia, quer os desafios com que
o país se confronta para o futuro, cenários mais ambiciosos, outros menos
ambiciosos, em relação à forma como nós podemos lidar com esse futuro.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra
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