#119 Nuno Loureiro - Chegou finalmente o tempo da energia de fusão?

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Como já vos anunciei na semana passada, o livro que escrevi, Política a 45 Graus, já está em pré-venda e vai para as livrarias dia 21 deste mês. Deixo o link para o livro no site da Wook na descrição do episódio mas podem encontrá-lo em qualquer livraria online, bastando pesquisar no Google. Entretanto, como tinha prometido, mais informações sobre as 3 sessões de apresentação que vai haver. A apresentação oficial, digamos assim, vai ser em Lisboa, no dia 26, portanto logo a seguir ao feriado, 25 de abril, vai ser na FNAC do Colombo, às 6h30 da tarde, e vai ter a apresentação da Susana Peralta e do Francisco Mendes da Silva, que São dois convidados que aparecem no livro, um deles na parte 1, o Francisco, e a Susana na parte 2 do livro. Depois vai haver outra sessão no Porto, dia 29, portanto na sexta-feira, às 6h30 também, neste caso no Espaço Mira, que fica ao pé da Estação de Campanhã. E vai ser apresentado pelo Luís Aguiar Conraria, a quem eu não só pedi para fazer o prefácio do livro, como agora ainda chateei, para fazer a apresentação no Porto. E finalmente vai ser apresentado também em Coimbra, neste caso no sábado dia 30 às 4 da tarde, pelo Carlos Fiolhais, grande cientista e que foi já duas vezes convidado do podcast e teve a simpatia de aceitar fazer a apresentação em Coimbra. Portanto, caso estejam ou em Lisboa ou no Porto ou em Coimbra ou enfim perto de algumas das cidades por esta altura, seria ótimo ver-vos, enfim, falar convosco e saber também a vossa opinião em relação ao podcast, em relação ao livro. Enfim, seria muito bom ter-vos lá, seja em Lisboa, Coimbra ou no Porto. Mas agora vamos ao episódio de hoje, que trata do tema com grande potencial. Todos sabemos que para fazer face às alterações climáticas o mundo tem forçosamente de diminuir o consumo de energias fósseis. Energias como o petróleo ou o gás são além disso altamente sensíveis a perturbações geopolíticas, tal como nos últimos meses têm mostrado, com impactos muito diretos na nossa vida do dia a dia. No entanto, a verdade é que a energia é necessária e a maioria de nós não está propriamente disposto a abdicar de qualidade de vida, e as energias renováveis ainda não permitem fazer face às necessidades energéticas. Isto é de tal forma que o grosso da energia consumida no mundo continua a ser de combustíveis fósseis. Mas e se eu vos dissesse que existe uma fonte de energia alternativa, que não emite dióxido de carbono para a atmosfera, tem um baixo risco associado e, além disso, é virtualmente ilimitada. Parece exagero, mas é verdade. Chama-se energia de fusão nuclear. Esta energia é ainda mais poderosa do que a energia nuclear clássica, a de fissão, utiliza matérias ilimitadas, átomos e isótopos de hidrogênio e, ao contrário da energia nuclear clássica, produz muito pouca radioatividade. E se eu vos dissesse ainda que nos últimos anos tem havido avanços promissores que podem tornar esta energia, a energia de fusão, viável já nas próximas décadas. A verdade é que já há muito tempo, há quase um século, que sabemos que é possível produzir energia de fusão nuclear. Por uma razão simples, é ela a fonte da energia do Sol, onde as altas temperaturas e a enorme gravidade geram a fusão de átomos de hidrogênio que dão energia ao Sol e nos chegam à Terra através da luz. No entanto, conseguir gerar este tipo de reação na Terra tem-se revelado muito difícil. Esta dificuldade é de tal ordem que no meio dos físicos e engenheiros que tentam a fusão nuclear há até uma piada batida que diz qualquer coisa do tipo. Faltam só 30 anos até termos energia de fusão. E é onde sempre falta há 30 anos. Abordei este tema pela primeira vez, e única até agora, no 45 Graus no final de 2018, no episódio 42 com o Luís Silva, Física e professor do técnico. Se isto tivesse acontecido em qualquer outra altura nas últimas décadas, é quase certo que um episódio gravado três anos antes continuaria a estar perfeitamente atual. No entanto, desta vez não é assim, e por bons motivos. É que tem havido desenvolvimentos muito importantes nesta área nos últimos anos. Só no último ano houve dois dos maiores avanços concretos das últimas décadas no caminho para produzir energia de fusão. Em agosto do ano passado, nos Estados Unidos, a National Ignition Facility, o NIF, de que vamos falar muito neste episódio, bateu o recorde no que toca ao rácio de energia gerada pelo processo de fusão, face à energia que foi preciso injetar para acionar essa fusão. A energia gerada continua a ser menos do que a injetada, mas este é um resultado muito promissor. E mais recentemente, já em fevereiro deste ano, o que em ciência é o mesmo que dizer ontem, o laboratório JET, no Reino Unido, bateu o recorde do máximo de energia total gerada no processo de fusão. Estes são apenas dois de muitos passos que são necessários para tornar esta energia viável, mas são dois progressos muito importantes, de tal forma que já em março o governo americano organizou na Casa Branca uma cimeira para discutir este tema e o potencial da energia de fusão para alimentar energeticamente os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, do lado privado, todos estes progressos e o imperativo de encontrar soluções para as alterações climáticas têm levado a um aumento do investimento do chamado capital de risco, com dezenas de novas empresas a tentarem atualmente ser as primeiras a produzir energia de fusão que seja viável comercialmente. Por tudo isto, parece que finalmente, depois de décadas, estamos numa altura em que podemos ter uma perspectiva realista de ter avanços importantes nesta área no futuro relativamente próximo. Este é por isso um tema não só interessante mas altamente relevante atualmente e para o discutir dificilmente poderia arranjar alguém melhor do que o convidado de hoje. Nuno Loureiro é licenciado em Engenharia Física Tecnológica pelo Técnico e doutorado em Física pelo Imperial College de Londres. A especialidade dele é a Física dos Plasmas e as suas aplicações à fusão nuclear e também a problemas do domínio da Astrofísica. Atualmente é professor catedrático no MIT nos Estados Unidos. Durante a nossa conversa começámos, como não poderia deixar de ser, pela física por trás da fusão. Falámos do processo que ocorre quando existe fusão no núcleo dos átomos e porque é que ele gera energia, por exemplo, e falámos também dos dois métodos principais que são hoje usados para tentar produzir fusão nuclear. A fusão por confinamento magnético, por um lado, e a chamada fusão inercial, normalmente através de laser. O Nuno Loureiro descreveu também estes progressos recentes que eu acabei de descrever e por que motivo eles são importantes, mas também as limitações que têm. O porquê do aumento do investimento privado nesta área e o potencial que tem face aos laboratórios financiados por dinheiros públicos, os desafios que ainda existem para conseguir efetivamente produzir energia nuclear e torná-la comercialmente viável, e estes desafios vão muito para o lado da física, tem que ver com computação e em muitos casos com questões relacionadas com a engenharia dos materiais. Falámos também dos perigos potenciais da fusão nuclear, nomeadamente, obviamente, a radioactividade. E finalmente, no final, como não poderia deixar de ser, pedi ao Nuno que fizesse algumas previsões para o que é que podemos esperar no futuro, quando é que podemos finalmente ter uma experiência que produza mais energia do que aquela que é preciso injetar para começar a reação nuclear e quando é que poderemos ter finalmente a energia de fusão enquanto a principal fonte de energia consumida no planeta. Enfim, com este tema era difícil que não fosse, mas foi um episódio muito interessante e o Nuno fez um grande esforço para tentar desconstruir alguns conceitos complicados para os leigos. Caso tenham curiosidade em relação a alguns aspectos mais técnicos da fusão que nós abordamos no início, sugiro que ouçam também o episódio com o Luís Silva, que eu referi há pouco, em que nós abordámos em mais detalhe alguns desses aspectos e, sobretudo, eu expliquei-os também na introdução. Antes de avançar para o episódio, agradeço como de costume aos novos mecenas do podcast. Muito obrigado ao Ricardo Macedo, também ao Miguel Palhas, obrigado ainda a Catarina Fonseca, ao Gonçalo Morgado e ainda ao Alberto Alcalde que nos ouve desde Espanha. Um abraço a todos, muito obrigado, espero ver-vos nas apresentações do livro e agora deixo-vos com Nuno Loureiro. Nuno, Nuno Loureiro, muito bem-vindo ao 45 Graus.
Nuno Loureiro
Olá, obrigado, Zé Maria.
José Maria Pimentel
Olha, eu vou-te passar já a bola, porque neste tema, eu faço isto quase sempre, mas neste tema em particular tem que ser o convidado a explicar, não é a primeira vez que eu trato deste tema no 45°, já abordei com o Luís Silva no episódio há cerca de dois anos, lá para o final do episódio, mas ainda assim é natural que os ouvidos não se lembrem. E portanto, explica-me lá, em traços simples, como é que funciona a energia nuclear de fusão e como é que ela compara com a energia de fissão. Eu acho que é assim que se diz em português normalmente, não é?
Nuno Loureiro
Sim. Ok. Portanto, olá, Azamaria, mais uma vez. Obrigado pelo convite. Muito gostei de estar aqui. Portanto, fusão nuclear, como o nome indica, é uma energia que resulta de uma interação nuclear, tipicamente entre isótopos do hidrogênio, deutério e trítio é a reação mais favorável e portanto esta reação consiste em tentar fundir os núcleos do deutério e do trítio. Esse processo liberta energia porque o resultado desse processo é energeticamente mais estável do que os núcleos antes de terem fundido.
José Maria Pimentel
Desculpa, explica-me mais. Tem que ter essa energia. Ok. Ok.
Nuno Loureiro
Ok, vou tentar explicar o melhor possível. Existe um elemento fundamental chamado hidrogênio, que é o mais leve, é um protão e um eletrão. Existem os chamados isótopos pesados do hidrogênio, que é o caso do deutério e do trítio, que diferem do hidrogênio porque em vez de terem um neutrão, têm dois ou três neutrões. A fusão nuclear consiste em tentar fundir esses núcleos, os núcleos desses elementos. Também pode ser fundir o núcleo do
José Maria Pimentel
hidrogênio. Pois, eu ia-te perguntar isso. Porquê que normalmente se faz com os isótopos e não com o átomo de hidrogênio? Porque se liberta mais energia? Ou porque é mais fácil? Deixa-me
Nuno Loureiro
só te dar aqui um passo atrás para responder à tua pergunta de uma maneira mais compreensível. Normalmente os núcleos não querem fundir, porque são protões,
José Maria Pimentel
os protões
Nuno Loureiro
têm a mesma carga e, portanto, repelem-se. A tendência natural não é estes dois núcleos de deutério e de tritio fundirem-se. Portanto, para conseguir que isso aconteça é preciso dar-lhes muita energia para eles conseguirem ultrapassar essa repulsão natural que têm. Mas muita energia significa aquecê-los. Aquecê-los a temperaturas extremamente elevadas. O que faz
José Maria Pimentel
com que eles circulem mais rápido, não
Nuno Loureiro
é? Exato, portanto, circulam
José Maria Pimentel
mais rápido e... Como circulam mais rápido,
Nuno Loureiro
É isso mesmo. Esse é quase o termo técnico. Aumenta a probabilidade de haver uma reação de fusão entre estes dois núcleos. As estrelas fazem isto com o núcleo hidrogênio, não tem problema porque tem uma gravidade imensa, muita massa, e portanto no centro do Sol as pressões são imensas e é relativamente fácil para o Sol conseguir fundir as citótomos de hidrogênio e é assim que são a libertade de energia que faz com que o Sol brilhe, que alimenta toda a vida na Terra. Aqui na Terra nós temos alguma dificuldade em conseguir chegar às temperaturas necessárias para conseguir as reações de fusão em abundância suficiente. E esta reação entre o deutério e o trítio é aquela que tem a maior probabilidade de resultar, de fundir, às temperaturas mais baixas. Sendo que essas temperaturas mais baixas não são tão baixas assim, estamos a falar de qualquer coisa como 150 milhões de graus centígrados. São
José Maria Pimentel
mais altas do que no Sol, na verdade. Exato,
Nuno Loureiro
portanto nós precisamos de chegar a uma temperatura mais alta do que no centro do Sol, exatamente. Voltando à tua pergunta inicial, isto difere da fissão nuclear, que é o que se faz nas centrais nucleares convencionais, porque nas reações de fissão nuclear o que sucede é o oposto. Portanto, isto tem a ver com partir, por assim dizer, o núcleo de elementos pesados, urânio e plutónio tipicamente, e os resultados são mais estáveis e portanto libertam energia nessa reação. Ok,
José Maria Pimentel
então realmente temos aqui várias frentes. Deixa-me tentar fechar uma por uma. Se calhar começando por aquilo que tu explicaste ainda agora. No fundo há dois fenómenos, digamos assim, à falta de melhor termo, que permitem fazer esta fusão dos núcleos. É a temperatura e a pressão, sendo que no Sol a pressão existe por causa da gravidade, da massa, que coloca os átomos, ou os isótopos, para o caso, sobre essa pressão. Qual é a equivalência entre estes dois fenómenos? Porque eles, no fundo, produzem o mesmo resultado, mas não são a mesma coisa, pressão e temperatura, mas tem alguma… qual é a relação entre eles?
Nuno Loureiro
Ok, essa pergunta faz todo sentido. Nós aqui na Terra não temos uma maneira de conseguir imitar a força gravítica do Sol, de uma estrela daquele tamanho. E, portanto, a alternativa que nos sobra é... A pergunta que uma pessoa se pode pôr é imagine que quer ter um gás que está a 150 milhões de graus centígrados. Esse gás tem que estar dentro de algo, tem que estar confinado num recipiente físico, uma panela chamemos-lhe, ok? É evidente que não há nenhum material conhecido na Terra que consiga estar exposto a temperaturas de 150 milhões de graus centígrados. Portanto, a pergunta que se põe é como é que eu faço um gás que está a essa temperatura e que não toca nas paredes do recipiente que o contém. Ok, então aqui se calhar temos que apelar um bocadinho à física básica que se aprende no liceu, que é, portanto, recordar que Os eletrões e os protões são partículas carregadas e, portanto, as suas trajetórias, a maneira como elas se deslocam, é sensível a campos magnéticos e campos elétricos que possam ser impostos. E, portanto, o que nós temos de fazer aqui na Terra para confinar este gás muito quente é construir aquilo que a gente chama de umas garrafas magnéticas, passa a expressão, portanto é como se eu construísse uma gaiola magnética que usa os campos magnéticos para confinar os eletrões e os protões portanto, concretamente, esta garrafa magnética tem na versão mais básica tem a forma de um donut, um toro e as partículas giram dentro desse donut durante tempo suficiente e a temperaturas suficientes para haver essas reações de fusão nuclear E
José Maria Pimentel
não chegam a tocar-lhe? Essa é a chave, Não chegam a tocar nas paredes, digamos assim, do...
Nuno Loureiro
Idealmente não chegam a tocar, se bem que idealmente dá para escrever livros, não é? Portanto, na realidade, isto é muito difícil de fazer porque estas partículas carregadas, os eletrões e os protões, formam um gás chamado plasma que muitas vezes parece ter ideias próprias. Esse plasma não se limita a fazer aquilo que a gente lhe manda, por assim dizer, e existem perdas e ineficiências do sistema que significam que nós não conseguimos manter o... Muitas vezes não conseguimos manter as pressões necessárias ou as temperaturas necessárias para haver reações de fusão necessárias.
José Maria Pimentel
E quando ele toca nas paredes, o que acontece? Porque o material não consegue suster aquela temperatura. Termina a reação?
Nuno Loureiro
Certo. Portanto, isso nunca acontece... Algumas partículas, de facto, tocam nas paredes prometidas. Mas não o grosso das partículas. Senão, de facto, poderia ser prevalente.
José Maria Pimentel
Sim, a pessoa tende sempre a pensar como se fosse um líquido, não é? Portanto, imagina uma coisa a derramar pela... Bem, e já voltamos aos fundamentos disso, mas não resisto, porque Isso que tu disseste do plasma, porque no fundo tem esse gás ionizado, ter um gás de iões, não é? No fundo, acho que estou a dizer bem, mas que corrismo.
Nuno Loureiro
Estás a dizer bem, um gás de iões e eletrões, não é? Um gás... Sim, exato. Um gás neutro porque contém iões e eletrões.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Os iões com carga positiva, os eletros com carga negativa, portanto... Certo. A soma, digamos assim, o net é neutro. E tu dizias que o plasma tem um comportamento mais ou menos imprevisível que é impossível de prever. E é engraçado porque, enfim, para alguém que vê a coisa de fora, a física suscita sempre até alguma admiração porque é uma área muito matematizada, que consegue descrever a realidade através de formas matemáticas e muitas vezes, não raro, ao contrário do que acontece nas outras ciências e é de resto, muitas vezes diz-se que a economia, que é a minha área, tem a inveja da física por causa disso, a física consegue prever a realidade através justamente da matemática, não é? Sei lá, tínhamos o Bozón-Diggs para dar um exemplo mais ou menos recente. E aqui, o que é um caso engraçado porque a fusão nuclear é um objetivo com... Enfim, já vai fazer 80 anos, não é? Portanto, é um objetivo já com longas décadas e que parece estar a criar sempre aos físicos e quem trabalha nesta área uma série de desafios de confronto com a realidade, em que a realidade parece muito mais complexa, não só parece exceder essa capacidade de a matematizar, como parece excedê-la em muitos graus, porque há muitas décadas que se tenta fazer isto. Porquê é que isto acontece?
Nuno Loureiro
Essa pergunta é muito boa, Sr. Maria. Ótima pergunta. Portanto, se quer esclarecer algumas coisas que são importantes para conseguir dar uma resposta completa à tua pergunta. Portanto, é verdade que se faz investigação em fusão nuclear desde os anos 40 e se quer a primeira coisa que é importante distinguir é a fusão nuclear controlada da descontrolada, por assim dizer. Portanto, os humanos sabem... Da bomba de hidrogênio, não é? Exato. Portanto, os humanos sabem fazer a fusão funcionar e o exemplo mais espetacular disso, não estou a usar a palavra espetacular num sentido positivo, mas espetacular, são as bombas de hidrogênio, não é? A tecnologia para as quais é conhecida desde o final dos anos 40 e que usam, precisamente, reações de fusão nuclear. Portanto, o que nós tentamos fazer, quando falamos da fusão nuclear como uma fonte de energia, energia controlada, é tentar canalizar essa energia que está disponível no núcleo dos átomos para produzir eletricidade ou produzir calor, n? Portanto, aí a palavra controlada é a questão chave. Portanto, fusão nuclear controlada, a investigação acho que começou assim mais seriamente mesmo nos anos 60, portanto vamos com cerca de 60 anos de investigação e sim é verdade que nós ainda não dominamos completamente todos os aspectos de como fazer fusão nuclear, mas o progresso na fusão nuclear, na investigação em fusão nuclear controlada tem sido imenso. Qualquer métrica que se compare daquilo que se conseguia fazer nos anos 60 com aquilo que se consegue fazer hoje mostra que o progresso não existe de experiencial. Mas é de facto um problema muito difícil, como tu dizes, que resiste todas as tentativas, muitas tentativas de... De modelização. Bom, de modelização certamente e de compreensão na sua totalidade. Portanto, nós usamos a matemática, claro, a física de plasmas é uma disciplina da física tão rigorosa quanto outra qualquer, usamos matemática para tentar descrever este sistema. Simplesmente o que se passa é que um plasma é composto por bilhões de partículas, ok? Estas partículas interagem entre si, porque são eletrões ou protões, portanto têm campos elétricos e correntes que interagem uns com os outros e com os campos magnéticos exteriores que se lhes impõe. Portanto, isto é um sistema que é completamente caótico no sentido em que é impossível prever com exatidão a trajetória de um eletrão durante mais do que um tempo muito pequeno. Portanto, nós temos de tratar este sistema com técnicas estatísticas.
José Maria Pimentel
Certo. Estucástico, no fundo, não é? Exato. Tem uma componente aleatória, não é?
Nuno Loureiro
Tem uma componente aleatória, porque nós tratamos isto com técnicas da física estatística que nos permitem calcular certas propriedades deste sistema. Prever como é que o plasma se vai comportar dentro desta garrafa magnética, não é? Já agora, nós chamamos estas garrafas magnéticas, chamamos de Tokamaks, é um acrónimo russo. Não é algo que alguém vá fazer umas contas com papel e lápis e no final ter uma fórmula que tenha a solução, não é? Não é isso. Quando as pessoas falam de modelizar um plasma de fusão, as pessoas estão a falar em fazer simulações que são o estado de arte, em supercomputadores. Algumas dessas simulações podem demorar meses a fazer. No fundo, acho que
José Maria Pimentel
se quer para
Nuno Loureiro
os ouvintes a analogia mais fácil de compreender é que é semelhante a prever o tempo,
José Maria Pimentel
não é? Exato.
Nuno Loureiro
Só que não se chama muito mais complexo do que o tempo. Portanto, nós conseguimos fazer algumas previsões e usamos os computadores para fazer essas previsões e através da computação avançada temos conseguido avançar muito ao longo das últimas duas décadas, ou três décadas quase na nossa compreensão desse sistema que é um sistema estocástico, como tu dizias, altamente não linear, turbulento, para dizer que sim, que é difícil, mas que não é hopeless. Portanto, nós temos feito muitos avanços conciliando medidas, portanto, experiências mesmo, a interpretação de dados experimentais, com esta modelização computacional, com insights analíticos, às vezes, que não são uma solução no sentido em que os ouvintes estão mais habituados de uma solução exata do problema, mas que permitem compreender muitas das coisas que estamos a ver nestes reatores. E na
José Maria Pimentel
verdade não é necessária essa solução exata, o que é necessário é uma estimativa que permita ter uma noção do ponto central e de quanto é que ele se vai desviar e portanto conseguir... Isso mesmo. Interessante o número que tu deste agora. Aliás, eu apanhei uma apresentação tua sobre este tema que está no YouTube e tu dizes algo desse género que me impressionou. Simulações em supercomputadores atuais, portanto temos a ver supercomputadores de hoje demorarem de 7 meses
Nuno Loureiro
agora? Meses. O que é incrível. Sim, portanto, esta escala de computação é uma escala que as pessoas em geral não têm uma noção concreta do tipo de computação que se faz, dos recursos que são utilizados. É muito frequente simulações para prever o comportamento destes plasmas, com os quais tentamos fazer fusão nuclear, consumirem qualquer coisa como 100 milhões de horas computacionais. Ok, o que é que isto quer dizer? Isto quer dizer que houve alguém que pegou, por exemplo, em 100 mil computadores, ou 100 mil processadores se quiser, que estão a trabalhar em paralelo, distribui o cálculo a fazer por esses 100 mil processadores, isto quer dizer que o processador número 1 faz uma parte das contas, o número 2 outra parte, o número 3 outra parte. Eles comunicam entre si, portanto o postador número 10 diz assim, olha tenho aqui o resultado desta parte da conta, vou enviar para o postador número 20. Portanto eles comunicam assim, é assim que funciona a computação paralela. E portanto estes 100 mil computadores juntos calcularam durante semanas, às vezes meses para chegar ao fim desta conta que eles estavam a tentar fazer. Estas contas são muito complexas, portanto tipicamente têm a ver com tentar prever o comportamento deste plasma, como eu dizia, tende a ser turbulente, não é? Portanto, dizer-nos se este plasma vai perder calor, se vai perder partículas, etc, etc. E
José Maria Pimentel
rapidamente, enfim, corrijo-me se eu estiver a intuir isto mal, mas a minha intuição é que isto pode parecer estranho de demorar assim tanto tempo, mas na verdade, se a pessoa pensar que pequenas diferenças de comportamento inicial depois têm efeitos exponenciais ao longo do tempo, não é estranho que exija esses recursos computacionais porque tu, a partir do momento em que tens essas diferenças pequenas, facilmente crias cenários possíveis que são quase infinitos para o comportamento do plasma.
Nuno Loureiro
Sim, portanto... É aquele
José Maria Pimentel
caótico que falavas há bocadinho.
Nuno Loureiro
Essa sensibilidade às condições iniciais também é uma coisa que é explorada variando as condições iniciais. Portanto, cada simulação demora muito tempo, não é? E se quisermos explorar a sensibilidade às condições iniciais, temos simplesmente que fazer mais simulações. Mas aquilo que faz com que estas simulações computacionais sejam tão complexas é a diferença, bom, não sei, chegar é muito técnico, mas, portanto, é a diferença entre as escalas que queremos simular e as escalas que são exigidas pelo sistema. Portanto, imagina que, para preveres o tempo em Portugal amanhã, imagina que tinhas que simular, tinhas que ter uma resolução de metro quadrado na área de Portugal. Sim. Ok? Portanto, Portugal tem a área que tem, são muitos metros quadrados, não é? Portanto, são muitas unidades computacionais para tentar perceber o tempo no país em geral. Acho que isto é uma boa analogia para perceber porque é que estas coisas são tão complexas. Tem a ver com a resolução que tem que se ter face ao tamanho do sistema que estamos a tentar simular. Sim,
José Maria Pimentel
sim, sim. Por acaso é uma bela analogia. E de facto é incrível os recursos que exigem e ajuda a explicar também porque é que é um desafio tão grande conseguir...
Nuno Loureiro
Hoje em dia, portanto, estamos a... Como eu dizia, a simulação numérica é uma ferramenta que nós temos explorado imenso na nossa disciplina. E hoje em dia, portanto, estamos a começar a ver a utilização de técnicas mais avançadas de computação, como por exemplo machine learning, inteligência artificial e até mesmo algumas ideias um pouco mais exóticas de computação quântica.
José Maria Pimentel
Eu ia te perguntar exatamente isso, sim.
Nuno Loureiro
Para tentar conseguir ainda computações mais feed dignas deste problema que estamos a tentar resolver.
José Maria Pimentel
Porque eu, enfim, como imaginas é uma área que eu percebo pouco, mas estava a ouvir falar e estava a pensar que esta era precisamente das áreas em que a computação quântica teria maior impacto.
Nuno Loureiro
Bom, potencialmente.
José Maria Pimentel
Potencial, potencial.
Nuno Loureiro
Exato, potencialmente sim, portanto existe, o advento da computação quântica ainda não aconteceu, não é? A computação quântica é uma área de investigação e hoje em dia alguns de nós estão a tentar perceber como é que poderíamos utilizar computadores quânticos para simular os problemas em que nós estamos interessados, quando finalmente houver computadores quânticos funcionais, não é? E isso é um problema de investigação em si, independentemente das potenciais aplicações que possam ou não vir a ter para a fusão nuclear, mas é uma área muito gira.
José Maria Pimentel
Olha, vamos voltar um bocadinho atrás, para organizar isto. Desculpa, vou só voltar a uma pergunta que tinha feito porque não sei se entendi bem. Recapitulando, o que acontece no Sol é que tu tens simultaneamente temperaturas muito elevadas e uma pressão em resultado da gravidade muito elevada e os dois contribuem para esta reação. Na Terra, tu não consegues reproduzir essa pressão e portanto tens que recolher a temperatura para provocar este tipo de reação. Qual é a equivalência entre os dois processos em provocar uma reação nuclear?
Nuno Loureiro
Eu possivelmente não me expliquei bem.
José Maria Pimentel
Ah, esta premissa eu se calhar não estou a explicar bem. Eu próprio se calhar não me expliquei bem.
Nuno Loureiro
No Sol, tu não tens este problema do confinamento deste gás, porque ele está confinado pela pressão. Tu tens uma força de gravidade imensa e isso confina o plasma no interior do Sol. Nós aqui na Terra, nós não temos esse campo gravitacional e portanto, para confinar o plasma, em vez de usarmos campos gravíticos usamos campos magnéticos. Mas, quer dizer, ao fim do dia uma pessoa tem que chegar a pressões muito semelhantes em que a pressão é a densidade vezes a temperatura. Mas porquê
José Maria Pimentel
é que nós na Terra precisamos de temperaturas mais elevadas do que no Sol? É porque não conseguimos a mesma pressão, não é? Pois,
Nuno Loureiro
portanto, exatamente. Tem a ver com a densidade que conseguimos confinar. Existe uma coisa chamada o produto triplo da fusão, o produto Lawson, E eu acho que isto é relativamente intuitivo. Portanto, quando uma pessoa quiser, quer ter reações de fusão de uma forma que seja sustentável, portanto que haja suficientes reações de fusão para produzir energia, nós precisamos de ter partículas suficientes à temperatura suficiente durante um tempo suficiente. Ok? Portanto, não basta uma reação de fusão de hora a hora para o sistema ser rentável. E, portanto, se quiseres maximizar isto, tu consegues maximizá-lo tendo mais densidade ou mais temperatura ou mais ambos, portanto, mais pressão durante tanto tempo quanto conseguires. Portanto, as pessoas muitas vezes falam neste produto triplo que é a densidade vezes a temperatura, que é a pressão, vezes o tempo. O tempo. O tempo de confinamento. Contudo, como falava antes, estes plasmas parecem ter uma mente própria às vezes, ideias próprias portanto existem limites à pressão que a gente consegue confinar num reator e ultrapassando esses limites o plasma torna-se instável e a reação acaba, portanto começa a desrespeitar os campos magnéticos que nós utilizamos para tentar confinar. Começa
José Maria Pimentel
no fundo a embater nas paredes, digamos assim. E
Nuno Loureiro
portanto temos que trabalhar com essas limitações que são limitações que não sabemos ultrapassar.
José Maria Pimentel
No Sol não existe esse problema porque a gravidade é suficientemente forte para confinar. Certo, certo, certo. Ok, ok, boa, boa.ltimo ponto da tua explicação inicial, que foi exatamente por onde tu começaste e em certo sentido o mais importante de todos, que é de onde é que vem a energia que é produzida pela reação de fusão? E aqui corremos o risco de nos enfiar aqui num rabbit hole, de nunca mais sair daqui, mas eu acho interessante explorar este aspecto porque, e aliás isto é um fenómeno físico muito interessante, nas partículas mais leves quando tu as vais fundindo elas vão libertando energia e nas partículas mais pesadas, como é o caso do urânio que é usado na ficção, é ao contrário, é quando os separas que as libertam energia. Porquê que isto acontece? Ou seja, de onde é que vem esta energia que é libertada por esta reação?
Nuno Loureiro
Na realidade, em último caso, esta energia vem da famosa equação de Einstein é igual a mc², e portanto esta ideia de que é possível converter massa em energia e energia em massa O que acontece no caso da fusão é que existe uma diferença de massa entre os... A
José Maria Pimentel
soma das partes e o produto final da fusão, não é? Exatamente,
Nuno Loureiro
entre os ingredientes iniciais e o resultado. E essa massa é convertida em energia. Eu
José Maria Pimentel
estou cheio de pena de te explicar estas coisas para leigos, mas vou ter que fazer uma pergunta a seguir isso é relativamente fácil de perceber intuitivamente se o produto final desta fusão é menor do que a soma das duas massas iniciais liberta energia mas porquê que liberta energia? Porquê que isso acontece? Quer dizer, o que é que está nas leis da física que faz com que no fundo, ou para outro lado, ao contrário, porque é que a massa é menor, não é? O que é que acontece para que a massa do produto final seja menor do que a massa dos dois átomos, ou neste caso dos dois isótopos iniciais? José
Nuno Loureiro
Maria, eu não sei se te sei dar uma explicação simples a essa pergunta. Na realidade isto tem a ver com questões sobre a estabilidade interna dos núcleos e a maneira como nem todas as configurações são possíveis. O facto é esta escala, as coisas estarem quantizadas e, portanto, apenas certos níveis podem ser ocupados e, portanto, não podes ter uma reação em que as massas estejam distribuídas continuamente. Existe como se tivesse uma tabela de situações possíveis e essa tabela é discreta. E, portanto, a diferença entre esses níveis tem que ser libertada a energia de uma forma discreta. Os fotões de luz que a gente fala são a energia, não é?
José Maria Pimentel
Mas tem alguma coisa a ver com... Eu lembro de ter apanhado esta explicação em tempos e era qualquer coisa deste tipo. É preciso alguma energia, digamos assim, para manter o núcleo do átomo coeso. No fundo, para o átomo existir, não é? Para o átomo existir e não se desmembrar, à falta de melhor analogia. Certo. E essa energia diminui com a fusão, ou seja, é menor no hélio, que vem a seguir ao hidrogênio, do que no hélio e daí quando tu fundes dois átomos de hidrogênio libertar-se essa energia extra, enquanto que no caso do urânio é ao contrário.
Nuno Loureiro
Certo, exatamente. Tudo o que estás a dizer é correto e é complementar àquilo que eu estava a dizer, isto é, na realidade são duas perguntas diferentes uma é porquê que existe esta conversão de massa em energia e a outra é porquê que para os átomos mais leves a tendência é fundir e para os átomos mais pesados a tendência é aficionar. A explicação foi aquela que tu acabaste de dar muito bem.
José Maria Pimentel
Ok, ok, boa, boa. Pronto, então temos o mise en place, digamos assim, temos os ingredientes que precisamos para avançar para a parte mais sumarenta. Este é um tema que me interessa, acho que desde que é miúdo comecei a interessar-me por física e por estas áreas, enquanto obviamente leigo e não segui essa área, mas esse sempre foi um tema que me fascinou porque há décadas que se sabe que está aqui um grande potencial de resolver uma série de problemas do mundo mesmo antes da questão das alterações climáticas, mesmo antes disso tinha só o facto de ter uma fonte de energia praticamente ilimitada, é a razão para investir pelo menos atenção nisso. Ao mesmo tempo, como tu dizias, já há décadas que se tenta fazer avanços, tu chamavas a atenção a isso, portanto, que não é exatamente desde os anos 40, aí provavelmente as atenções estavam mais focadas na questão da bomba e menos na utilização de energia, mas pelo menos desde os anos 60, e no entanto os avanços foram sendo sempre mais lentos do que se desejava tem uma série de piadas na área em torno disso, toda a gente que já leu qualquer coisa sobre o assunto já ouviu, não é? Qualquer coisa do tipo, a fusão nuclear está a duas décadas de distância e estará sempre há variações sobre esta piada mas essa é a mesma coisa. A verdade é que nos últimos anos, e quando eu digo os últimos anos, falo do último 1, 2 anos, ou 3 anos, começa finalmente a parecer haver vários progressos a sério nesta área. Tu próprio já ouviste há bocadinho que tinha havido muito mais progressos do que no fundo parece em termos de resultados, como acontece sempre há sempre coisas que estão a passar debaixo de água e que não fazem headlines mas que são progresso a verdade é que só no último ano nós tivemos pelo menos dois avanços importantes e esses sim fizeram manchetes de jornais um nos Estados Unidos, no National Ignition Facility, que fica no Lawrence Livermore National Laboratory, portanto é um laboratório americano, em que conseguiram através de... E já agora, até o bom, porque eu vou fazer assim, porque há dois métodos basicamente atualmente para tentar fusão, no caso dos Estados Unidos eles usaram um método que é através de laser, se eu não me engano, e conseguiram, essencialmente o que eles conseguiram foi atingir o máximo até hoje em termos de do rácio entre a energia que tu introduzes no sistema para gerar esta reação e o output, e o resultado que consegues de reação, isto foi em Agosto do ano passado, e em Fevereiro deste ano, no Reino Unido, o JET, que é outro laboratório que já tinha feito o último récord em 97, conseguiu gerar esta reação, ou seja, gerar uma reação de fusão pelo record até hoje, que não parece muito, são 5 segundos, mas é significativo e portanto tivemos de um lado um record em termos de resultado, ou seja, de energia produzida face à energia injetada e do outro lado de duração, então eu disse que há importância de manter essa duração ao longo do tempo. Por outro lado temos vários outros laboratórios em outros países a tentar fazer avanços, temos o ITER que vai ser lançado, vai ser, lançado vai ser, vai ser, está em construção, se algum erro, vai ser inaugurado acho que em 2024, não é, em França.
Nuno Loureiro
O ITER sim, portanto acho que tem objetivos de ser, não sei se a data está bem... Talvez
José Maria Pimentel
não, mas espera, já explicas... Talvez corrijamos
Nuno Loureiro
mais tarde nesta década. Já
José Maria Pimentel
explicas melhor, mas para o Twitter é um grande projeto, um projeto que reúne uma série de países e que terá um... Destas coisas em forma de dónuta que tu dizes há bocadinho, agora está a faltar a palavra certa. Um tokamak. Um tokamak bastante maior do que os outros. E depois ao mesmo tempo temos uma série de iniciativas privadas que têm recebido injeções maciças de fundos nos últimos anos e algumas delas, bem, todas têm objetivos ambiciosos e várias delas têm já comunicado alguns resultados aparentemente promissores, nunca se sabe exatamente em que é que se poderão concretizar, mas a verdade é que temos tanto do lado público, digamos assim, como do lado privado uma série de iniciativas que acho eu não tínhamos há uns anos. Que avanços é que têm sido feitos na realidade? Ou seja, quão substanciais é que são estes avanços na prática?
Nuno Loureiro
São várias boas questões, não mas só... Ok, portanto, só para escurecimento dos ouvintes, não é? Eu até agora falei da fusão nuclear controlada por confinamento magnético, portanto utilizando campos magnéticos. Existe uma alternativa que é a utilização de lasers para fazer implodir uma cápsula, uma cápsula que contém os reagentes, portanto o deutério e o trítio. Portanto, pode ser por iluminação direta da cápsula com esses feixes de laser, da maneira mais uniforme possível, ou por iluminação indireta, que é o que eles tentaram fazer no NIF. Portanto, os lasers na realidade não incidem na cápsula diretamente, incidem nas paredes de um pequeno cilindro, dentro do qual está a cápsula. Os lasers, quando incidem nas paredes do cilindro, criam um raio-x e é a pressão destes raios-x que faz comprimir a cápsula. Portanto, isto são métodos completamente alternativos, cada um com suas vantagens e desvantagens. Portanto, o que eles fizeram de facto no NIF, no National Agriculture Facility em Lawrence Livermore National Lab, como tu disseste, foi, tiveram a experiência mais bem-sucedida que eles tinham tido até agora no sentido de ter chegado o mais próximo possível de uma situação em que... Em que se
José Maria Pimentel
gera mais energia do que foi injetada, não é?
Nuno Loureiro
Bom, com alguns qualificantes, não é? Que é gerar mais energia do que a energia que chegou à cápsula. Mas a energia que chega a esta cápsula que estamos a tentar fundir é uma fração ínfima de bom. Ok. Teve cerca de 1% da energia que foi utilizada para ligar estes lasers. Isso foi uma grande vitória do NIF e foi um acontecimento espetacular. Esta área não é a área em que eu sou um especialista, mas pelo que eu percebo este triunfo teve a ver com manipulações muito subtis da maneira como a cápsula é construída. A cápsula é uma coisa que se pode ver a olho nu, mas muito pequena e a maneira como ela é construída lá dentro tem detalhes que podem resultar em sucesso ou não. No caso do JET. Do JET ou do Reino Unido? Do Reino Unido, exatamente. O JET é um projeto de colaboração europeia que fica no Reino Unido. É um tokamak que está em operação desde 1984, salvo erro, que foi recentemente modificado para substituírem a parede do tokamak por um material que vai ser o mesmo material que vai ser utilizado no ITER. Tu também falaste, portanto, eles estão neste momento a usar o JET como uma máquina para fazer testes, exatamente, para tentar prever o que é que vai acontecer no ITER. E portanto, o que eles conseguiram, depois de alguns soluços, por assim dizer, foi reproduzir, tentar reproduzir a melhor experiência que eles tinham tido até agora, que tinha sido em 97, mas agora nas condições mais próximas das condições que o ITER vai ter. Eles não só conseguiram reproduzir o que tinham feito em 1997, eles conseguiram ultrapassar a energia produzida e manter essa energia durante 5 segundos, que basicamente é o máximo que o jet pode operar sem interrupções. Então isso foi uma grande vitória e um resultado do trabalho internacional feito pela comunidade de fusão e de facto foi um resultado espetacular e que eu penso que é um bom augúrio daquilo que o ITER poderá vir a encontrar.
José Maria Pimentel
E o ITER, eu apanhei algumas declarações nesse sentido e coincido até com o que o Luís tinha dito no episódio, entra-se simplesmente algo neste sentido. Se o jet conseguiu isto, o ITER quase certeza vai conseguir um rácio superior a 1, ou seja, gerar mais energia do que aquela que é injetada, simplesmente pela sua dimensão. Porquê que isto é assim? Porquê que ser maior, neste caso, é quase um garante de maior rendibilidade? Se é que
Nuno Loureiro
é assim... Quer dizer, a ideia subjacente àquilo que tu acabaste de dizer tem de facto a ver com o tamanho, porque o tamanho traduz no tempo que tu consegues confinar a energia dentro do teu tocamac. Para explicar isto melhor, talvez posso apelar a uma imagem simples de cozinha. Imagina que tens uma panela com água a ferver, ok? Ela está com água a ferver, está tapada, mas as paredes estão em contacto com o ar da cozinha que está à temperatura ambiente, certo? Então, se tu não estiveres a fazer nada, tu vais perder a temperatura da água que lá está, não é? E agora a questão é quanto tempo é que tens de esperar para que a água que estava a ferver dentro da panela fique à temperatura ambiente? Bom, isso depende de várias coisas. Uma delas é da quantidade de água que tens lá dentro e a outra é de qual é a distância entre o centro da panela e as paredes da panela. Basicamente é isto. Não estamos a falar de uma coisa mais complicada do que isto. Portanto, o Wither é maior. Portanto, a distância entre o centro do plasma e as paredes do Tokamak é maior e portanto isso significa que em princípio consegues confinar a energia mais tempo. Portanto, aumentas o tal tempo que eu estava a falar que era importante para as relações de fusão e, em princípio, vais ter mais hipóteses de sucesso. Curioso, sim. Mais relações de
José Maria Pimentel
fusão. É engraçado porque isso que estás a dizer é exatamente o que explica diferenças de metabolismo, por exemplo, nos animais. Exatamente na mesma... Acho eu, enfim, que espero não estar a transmitir mal, mas é exatamente a mesma lógica de superfície versus interior e da distância. Pois, portanto, tu aludiste ao interesse das empresas privadas, não é? Na fusão. E
Nuno Loureiro
o que é que mudou que tenha motivado este subterrestre de empresas privadas e venture capital, não sei como se diz venture capital em português.
José Maria Pimentel
Capital de risco, capital de risco, acho que sim.
Nuno Loureiro
Capital de risco, obrigado, exato, obrigado. Capital de risco. Portanto, não sei se existe apenas uma explicação para isso, mas acho que existe uma percepção de que a fusão nuclear tem um papel fundamental a desempenhar na transição energética e na transição para um cenário energético que é livre de fontes poluentes, livre de carbono. Portanto, eu acho que há muitos investidores privados que estão motivados a investir nesta área porque querem combater as alterações climáticas causadas pelo homem, não é? Portanto é esse o tipo de motivação. Mas também há muitas empresas que simplesmente acham que isto é de facto a próxima oportunidade e que querem entrar no jogo o tão cedo quanto possível para poderem lucrar com isso, não é? E portanto, de facto, ao longo dos últimos dois ou três anos acho que houve uma ressonância entre o dinheiro privado que está disponível e o número de pessoas que criaram empresas privadas para tentar explorar conceitos diferentes de fusão nuclear. Existe uma corrida neste momento para saber quem é que vai conseguir primeiro demonstrar produção de energia, né? Através da fusão nuclear, qual é que vai ser o conceito, se vai ser uma empresa ou um laboratório nacional a demonstrá-lo e toda a gente está a tentar fazer essa demonstração muito antes daquilo que o ITER vai demonstrar a execuibilidade da função. O ITER só vai ter experiências com deutério e trítio em 2035, portanto neste momento
José Maria Pimentel
é o cabo apontado. Ah, eu não sabia que era tão tarde. O
Nuno Loureiro
ITER é suposto estar a funcionar mais tarde nesta década, talvez 2025, se tudo correr como planeado, mas eles não vão começar logo a fazer deutério e trítio, portanto eles vão primeiro fazer experiências com o hidrogênio para conhecer melhor a máquina e só mais tarde é que vão ter as campanhas deutério e trítio. Ah,
José Maria Pimentel
ok. Bem, mas de facto é incrível, é uma boa demonstração da complexidade que falávamos há bocadinho, ou seja, precisar de 10 anos de testes até começar a testar a sério, até começar a fazer experiências a sério mostra quão complexa é o exercício.
Nuno Loureiro
Pois, portanto, certamente é uma maneira muito prudente de fazer as coisas, contudo há pessoas que acham que é demasiado prudente, que gostariam de esperar menos, e certamente o capital de risco não é conhecido por ser particularmente paciente, não é? Portanto, as pessoas não querem esperar 15 anos, querem a fusão tão cedo quanto possível, não
José Maria Pimentel
é? Sim, sim, sim. Mas o que é que tu... A entrada do capital de risco e até a própria preocupação com as alterações climáticas acabam por surgir de certa forma a posteriori, porque estes progressos são inevitavelmente resultado de trabalho que foi feito nos últimos anos e não só nos últimos 1, 2 anos. Mas a verdade é que são progressos muito grandes comparativamente com o que tinha acontecido antes. O caso do JET, por exemplo, bateu o recorde anterior que tinha sido estabelecido por eles próprios em 97, por já uma série de anos. Na tua opinião, o que é que explica este súbito... Antes de haver o súbito interesse, porque é o próprio resultado disso, esta súbita aceleração? Tem a ver com os avanços na supercomputação, que falavas há bocadinho, e na inteligência artificial. Ou é simplesmente uma espécie... Aquela, pode-se... Estas coisas às vezes acontecem assim, não? Há uma acumulação de conhecimento que de repente se traduz em progressos sem que isso signifique que houve necessariamente uma aceleração do investimento naquele período. Sim, portanto,
Nuno Loureiro
existem algumas... A computação certamente ajudou-nos a perceber muito melhor como é que se comportam os plasmas nos reatores, não é? E isso traduziu-se na descoberta de cenários de fusão mais eficientes ou mais promissores. E depois existem algumas tecnologias que não estavam disponíveis há 20 anos atrás e que agora estão disponíveis. Por exemplo, aqui há uma companhia que é um spin-off aqui do MIT que se chama CFS, Commonwealth Fusion Systems, cujo conceito é baseado no facto de eles terem descoberto uma maneira de construir bobinas magnéticas que é radicalmente diferente daquilo que se podia fazer antes, não é? E que permite termos campos magnéticos muito mais fortes do que se achava que seria possível. E portanto, como o confinamento é uma questão de campo magnético, portanto, aumentar a intensidade do campo magnético é altamente vantajoso e portanto o conceito deles é baseado nesta tecnologia nova de fazer. Isto não era possível há 5 anos atrás sequer. Ou
José Maria Pimentel
seja, isto vai haver também há vezes noutras áreas como a ciência dos materiais, não é?
Nuno Loureiro
Sem dúvida, sem dúvida. Portanto, a fusão nuclear não é apenas uma questão de física, não é? Existem todas as áreas de engenharia e tecnologia circundantes. Engenharia dos materiais, certamente, muitas outras coisas que ditam o sucesso da fusão nuclear como uma fonte de energia.
José Maria Pimentel
É interessante porque tu vejo, enfim, eu vejo isto fora, mas eu vejo um entusiasmo recentemente, e quando digo recentemente é no último ano, se quiseres, em torno da fusão nuclear, que contrasta com um certo ceticismo, até algum cinismo que tu vies há uns anos, em que, enfim, achava-se que era obviamente, o potencial era tão grande, justificava continuar sem investir, mas as razões para o otimismo não eram especialmente grandes e hoje em dia houve as pessoas, aliás houve até há umas semanas uma cimeira na Casa Branca em torno disto em que a secretária da Energia, Sábuo Heir, falava em ter fuso nuclear na próxima década, não é? Provavelmente é um, enfim, é bastante ambicioso, mas era algo que se alguém dissesse isso há 10 anos achavam que era maluco, basicamente. Se calhar há muita gente, muita gente também terá achado que ela era maluca, mas ainda assim...
Nuno Loureiro
Sem dúvida houve. O Avessa Cimeira na Casa Branca, não é? Cujo tópico era o estabelecimento de uma visão para a comercialização da energia de fusão para a próxima década. E eu acho que há muitas pessoas que consideram que isto é otimista, se calhar demasiado otimista. Eu acho que há razões para estarmos entusiasmados. Os progressos que têm sido feitos e o momento que está por trás da fusão nuclear neste momento é muito forte e acho que há ideias em jogo que são muito interessantes e que parecem muito promissoras. Contudo, eu acho que a história da fusão nuclear aconselha prudência e, Por um lado, existe esta percepção de que algo como a fusão nuclear é necessário para fazermos esta transição energética e, portanto, acho que isso motiva muito do otimismo e do momento que se tem criado por trás disto. Por outro lado, acho que é importante perceber que a fusão nuclear ainda é uma área de investigação, o problema não está resolvido e quem sabe que o problema está resolvido não está ao ser honesto. Nós achamos que os estudos que temos feito sugerem que a fusão nuclear é possível, mas até fazemos a experiência e nós não sabemos a resposta.
José Maria Pimentel
Claro, claro. E há mais até, porque nós aqui temos estado a falar dos desafios em gerar reação, e em gerar esse tal net positive, gerar mais energia do que aquela que se injeta no sistema para gerar a reação, conseguir fazê-lo durante algum tempo, ou seja, conseguir que isso seja estável, mas a impressão que eu tenho é que os desafios para depois, para criar de facto energia comercialmente viável vão
Nuno Loureiro
para além disso, não é? Certo. Tu tens toda a razão. Isto é, não basta apenas... Não basta. Não basta apenas ter a reação de fusão a funcionar, não é? Existem todas as questões que estão associadas com pegar nisto e fazer disto um reator de energia, não é? Uma coisa que produz de facto energia para a rede de uma maneira contínua. E aí existem várias questões que têm que ser trabalhadas ainda, que podem ir de partes sociológicas da questão, como por exemplo, será que as populações estão disponíveis para ter reatores de fusão nuclear nos seus quintais, não é? Ou seja, na sua terra. Até questões altamente técnicas, como por exemplo, como é que vamos continuar a gerar trítio suficiente Para termos o trítio que é necessário. Porque
José Maria Pimentel
o trítio é muito raro, não é?
Nuno Loureiro
O trítio não existe na natureza porque tem um tempo de decaimento radioativo médio de 12 anos. Portanto, o trítio tem que ser gerado, e nós sabemos gerá-lo, é gerado através de lítio. Portanto, bombardeia-se de lítio com neutrões e isso gera trítio. Portanto, estamos a falar de um processo que é inerente a um design normal daquilo que se concebe que poderia ser um reator de fusão nuclear. Mas pronto, isto é, não é a coisa mais óbvia do mundo, ao contrário do deutério que se vai buscar a água do mar. O trítio tem questões associadas, é um elemento radioativo, contrasta com a fissão nuclear porque na fissão nuclear o tempo de caimento radioativo é da ordem dos 100 anos, enquanto que o trítio é de 12 anos. E as quantidades de trítio que são necessárias são diminutas, mas em todo caso. Existem estas questões que estão subjacentes à fossão nuclear como uma fonte de energia e que têm que ser bem trabalhadas e resolvidas em alguns casos.
José Maria Pimentel
E o rácio do... Eu não sei qual é o termo técnico para o rácio entre a energia introduzida e a energia gerada.
Nuno Loureiro
Não sei, rendimento, rentabilidade?
José Maria Pimentel
Vamos chamar de rentabilidade então. Atualmente o que nós temos ainda está abaixo de 1, aquele do nível, acho que foi 0.7, sabe o erro, e foi assim no micro segundo, foi ali no momento muito preciso.
Nuno Loureiro
Menos ainda. Menos ainda. Menos ainda do que um micro segundo.
José Maria Pimentel
Menos ainda do que um micro segundo. E ainda por cima o denominador não é fiel, como tu estavas a dizer há bocadinho, porque não está a contabilizar, só está a contabilizar a energia que acertou, digamos assim, não a energia toda. Para caso não sabia disso. E no caso do JET, no caso do laboratório no Reino Unido, o saldo de arroz foi 0.3, portanto é um valor abaixo, embora tenha sido por mais tempo. Mas o que nós precisaríamos para gerar energia sustentável, lia ou algures, não é sequer 1.1, o que nós precisaríamos era algo na ordem dos 100, por exemplo, não é?
Nuno Loureiro
Pois, portanto aí entramos na questão do que é que se quer dizer por sustentável e portanto quando tu dizes isso, o que tu estás a dizer é economicamente viável.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, é isso que eu estou a dizer. Mais
Nuno Loureiro
uma vez, existem algumas questões do discurso que eu acho que é importante sermos muito claros. Existe uma diferença enorme entre demonstrar que é possível fazer fusão nuclear de uma forma controlada, não é? Aí era ter uma rentabilidade de 1, não é? Portanto é simplesmente dizer, ok, estas reações estão a produzir tanta energia quanto aquela que eu já tenho no sistema, mas isto não é suficiente para isto ser economicamente viável, ok? Portanto, para tu teres uma situação em que vão haver operadores ou empresas que vão fazer dinheiro com a fusão nuclear, que basicamente é uma condição essencial para a comercialização da energia nuclear, tu tens que ter rentabilidades que são muito superiores a isso. Portanto, vamos dizer, esse reacto em vez de ser um tem que ser cinco, ou seis, ou sete. Isso agora vai depender dos detalhes em si, de como é que é construído este reator, os seus custos em si, se já estamos a falar numa situação em que estamos a construir reactores em série, portanto, em que os custos baixam, etc.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Como é que seria feita a conversão desta energia gerada em energia que se pudesse distribuir pela rede? É exatamente a mesma forma que se faz no reator de fissão, ou seja, através de aquecendo água, se saiba o erro?
Nuno Loureiro
Muito parecido, exato. Muito parecido. Portanto, basicamente o TOCAMAX seria rodeado por este cobertor de lítio, que é bombardeado pelos neutrões que resultam da reação de fusão. Esse bombardeamento não só cria trítio, como aquece o cobertor e circulas um líquido, pode ser água, que entra frio sai quente e a partir daí é um sistema relativamente normal.
José Maria Pimentel
Exato, ou seja, o fim, a conversão é fácil. Certo. Essa é a parte mais fácil, num certo sentido.
Nuno Loureiro
Num certo sentido sim, portanto existem esquemas mais alternativos em que se fala de reações de fusão que não são com deutero e tritio e que não produzem neutrões e essas podem permitir outro tipo de conversão da energia de fusão em energia elétrica, mas são esquemas
José Maria Pimentel
diferentes. Ah é, mas essas são com o quê? Com hidrogênio mesmo, não?
Nuno Loureiro
Com boron e protões, portanto é uma chamada fusão aneutrónica. Aneutrónica, ou seja, sem neutrões? Que não produz neutrões.
José Maria Pimentel
Que não produz neutrões, ok. Tem vantagens
Nuno Loureiro
no sentido em que não produzindo neutrões não vai ativar radioativamente os materiais que estiverem expostos, mas tem desvantagem de ser muito mais difícil de fazer, precisa de temperaturas muito mais elevadas. Também existem empresas privadas a explorar isto. Eu
José Maria Pimentel
ao caso não explorei isso, mas enfim, quando eu falar em nuclear gera sempre preocupação, daí o problema sociológico que tu falavas há bocadinho, que é um problema de branding no fundo, e aliás por isso é que muitas vezes a energia, eu reparei nisso, a energia nuclear de fusão aparece só como energia de fusão. Eu acho que é já uma tentativa tirar o nuclear do caminho. Mas de facto, quer dizer, pode haver um problema nessa radioatividade mesmo estando nós a falar de menos elementos radioativos produzidos e de eles terem um nível de queimamento mais rápido do que o urânio?
Nuno Loureiro
Portanto, depende do que é que estamos a falar quando falamos de problemas, não é? Portanto, a fusão nuclear não é equivalente à fissão nuclear no sentido de ser possível um desastre nuclear como Chernobyl ou Fukushima, ok? E as razões para isto são várias. Uma delas é que a quantidade de detrítio que existe a qualquer momento dentro do reator é mínima, ok? Portanto, aquilo dá para horas, por assim dizer, ok? Ao contrário de num reator de fissão nuclear em que muitas vezes os combustíveis que estão lá são suficientes para meses. Essa é uma diferença fundamental. Daí
José Maria Pimentel
ser mais difícil também, não é?
Nuno Loureiro
Sim, sem dúvida. A outra diferença fundamental é que se a temperatura baixar as reações de fusão acabam. Portanto, voltando ao início desta conversa, conseguir que a fusão nuclear funcione dá imenso trabalho, não é? É preciso ter aquelas temperaturas enormes, não é? Portanto, qualquer interferência com o reator, qualquer falha do seu funcionamento causa imediatamente baixa da temperatura, acabam-se as reaçes de fusão. Portanto, este cenário de desastre nuclear não existe na fusão nuclear e é uma das coisas, uma entre várias coisas, que a torna uma alternativa tão interessante à fissão nuclear. Ou
José Maria Pimentel
seja, a vela apaga-se em vez de gerar um incêndio. Exatamente,
Nuno Loureiro
a vela apaga-se. Exatamente. Agora, não nos podemos esquecer que isto continua a ser uma energia nuclear, portanto o tritio é um elemento radioativo e vai haver ativação radioativa dos componentes da máquina. Pronto, e outra questão que se fala às vezes é os riscos associados para a proliferação nuclear que possam ter a ver com a fusão nuclear. Esses riscos também existem. São mínimos, não sei se diria mínimos, mas inferiores aos riscos das centrais nucleares convencionais mas não são zero.
José Maria Pimentel
Sim, sim, esse é um ponto interessante. Enfim, é um ponto interessante sobretudo por causa deste problema de opinião pública que surge sempre em torno da da energia nuclear e mesmo quer dizer, eu acho que parte dele tem que ver com o equívoco entre a energia de fissão e a energia de fusão, mas há outra parte que persiste mesmo depois de desclarecer esse equívoco, ou pelo menos parte dele. Tu há bocadinho falaste do esforço que existe atualmente de um lado de laboratórios públicos, digamos assim, ou seja, com fundos do Estado e do outro lado de empresas privadas. O que é que as empresas privadas, enfim, eu sei que são muitas, portanto não é muito fácil responder isto assim, mas o que é que elas estão a ser criativas, não é? Em que é que elas estão a tentar fazer diferente que os laboratórios com fundos públicos não conseguem fazer ou não querem fazer, tendo em conta o ambiente na questão?
Nuno Loureiro
Nos melhores dos exemplos, o que as empresas estão a fazer é desburocratizar o processo e simplesmente ter uma atitude mais eficiente, mais proativa, mais... Experimentação, não é? Sim, com experimentação, mas também com sentido de urgência. Que é difícil de implementar às vezes em operações muito burocratizadas ou que têm uma grande inércia, não é? Como muitas vezes os laboratórios de Estado aqui nos Estados Unidos são operações gigantes, não é? Aos quais é muitas vezes difícil incutir um sentido de urgência ou tipo que não conseguem inovar de uma maneira tão eficiente como algumas dessas empresas privadas. Sim,
José Maria Pimentel
por isso a decisão é mais lenta, não é? Por
Nuno Loureiro
isso a decisão é mais lenta, a versão a riscos, etc, etc. Exato, exato. Portanto, esta importação de uma atitude de Silicon Valley para o Nublafusão, que é de facto o que nós estamos a ver, tem vantagens e desvantagens, claro, não é? Contudo, eu acho que algumas das vantagens são uma eficiência maior e uma menor aversão a correr riscos, não é? Permite experimentar várias coisas. Agora, aquilo que nós estamos a ver é de repente todo um mapa de empresas diferentes, nem todas têm propriamente um conceito que eu diria que está muito bem pensado. Existe um pouco de tudo, Existem algumas que eu acho que são muito promissoras ou pelo menos um conceito muito interessante. Outras não tanto. Quer dizer, o mercado se irá mais
José Maria Pimentel
tarde, não é? Sim. No caso das privadas, a partir de ir-se-ia que elas estavam numa certa desvantagem por não terem os meios que tu tens para fazer no ITER um tocamac gigante, eles não conseguem fazê-lo, não é? Certo. E sendo a dimensão importante, como tu dizias há bocadinho, isso à partida seria uma desvantagem, por exemplo, pelo menos neste método de confinamento magnético, não necessariamente no outro, uma desvantagem
Nuno Loureiro
difícil de ultrapassar, não é? Sem dúvida. Portanto, o projeto ITER, acho que é importante que as pessoas tenham noção, o orçamento oficial do projeto ITER neste momento é 20 e tal bilhões de dólares, ok? E os insiders dizem que isso é uma subestimativa que na realidade talvez esteja mais próximo dos 40 bilhões de dólares. Portanto, sim, não é qualquer empresa privada que tem estes recursos à sua disposição. Este nível de financiamento não é aquilo que estamos a falar nas empresas privadas, embora algumas já tenham conseguido engarear qualquer coisa como um bilhão de dólares. Bilhão,
José Maria Pimentel
estamos a falar de mil bilhões, não é? Sim, sim, desculpa. No mundo anglo-americano, está a ser a falar de... Mil bilhões, exatamente.
Nuno Loureiro
O ITR é um projeto de engenharia gigantesco, talvez seja o projeto mais complexo de engenharia que a humanidade já tentou construir. As empresas privadas não vão para aí, elas tentam explorar conceitos que permitem fazer reatores mais pequenos. Existe um trade-off entre o tamanho, por exemplo, e o campo magnético que se consegue ter. Ao contrário de dizia-te aqui esta empresa, a ECFS, todo o seu conceito é baseado no facto de conseguir ter campos magnéticos, que são cerca de duas a três vezes aqueles que vamos ter no ITER e isso permite-lhes reduzir o tamanho proporcionalmente ao tamanho do ITER e depois existe esta lógica de engenharia que é as coisas maiores são mais caras, portanto se quiseres construir uma máquina do tamanho do ITER tu vais pagar muito mais do que construir uma máquina que seja até às vezes menor. Existe este trade-off entre certos aspectos da máquina que podem permitir uma grande redução dos custos.
José Maria Pimentel
Ou seja, estão a tentar aplicar um capo magnético mais forte num espaço menor. Exatamente. E não vão compensar a diferença de tamanho com um campo mais forte. É isso mesmo, precisamente. E há outro tipo de soluções criativas, digamos assim, de que... Já disse há pouco aquela do... A neutrónica. Mas existem outras soluções criativas diferentes daquilo que tem sido feito por estes laboratórios, porque no caso desse confinamento magnético continuamos a falar de... Isto é uma variação sobre aquilo que já é feito, mas como que estas empresas também pudessem explorar outras vias que não tivessem sido sequer exploradas pelas vias ortodoxas dos laboratórios. Sim,
Nuno Loureiro
existem algumas coisas bastante criativas que em vez de usar lasers usam pistões para comprimir o plasma. Existem outras que basicamente tentam criar uma onda de choque para comprimir uma cápsula. Existem muitas ideias, nem todas recomendáveis, acho eu. No mais mainstream, uma alternativa que eu acho que é séria e que é bastante promissora, é uma variação do confinamento magnético que se chama um stellarator, que basicamente é a mesma coisa que acontece que se pegássemos um donut e imagino que o seccionávamos em 8 partes e rodávamos cada uma dessas partes por um ângulo diferente isso é uma máquina que se chama um Stellarator existe um famoso na Alemanha chamado o Wendelstein 7X e esse tem vantagens em relação ao tokamak convencional que são muito interessantes tem a desvantagem de ser muito mais complexo de construir mas eu acho que é uma tecnologia que... Mas
José Maria Pimentel
qual é a vantagem em rodar essas partes do donut?
Nuno Loureiro
A vantagem é que... Ok, a vantagem é um pouco técnica mas não necessitas de ter uma corrente a circular lá dentro, dentro do plasma, e o facto de não teres que impor essa corrente tem imensas vantagens, desde a operação até à estabilidade do plasma.
José Maria Pimentel
Ok, engraçado. Eu não sei se esta minha impressão está correta, mas em áreas de ciência de ponta, infelizmente, a Europa tende a estar atrás dos Estados Unidos. Nesta área a impressão que eu tenho é que não é esse o caso. Nós falámos do JET no Reino Unido, o ITER, enfim, o ITER é um projeto mundial, mas por todos os efeitos vai ser construído em França. Várias destas empresas curiosamente são, estão instaladas pelo menos no Reino Unido E embora os Estados Unidos também tenham, nós falamos do NIF a bocadinho e também tenham várias empresas destas privadas, eu tenho a impressão que no mínimo o tabuleiro de jogo está equilibrado e até me parece que está mais a favor da Europa, é verdade?
Nuno Loureiro
Sim, portanto, eu acho que normalmente o investimento dos Estados Unidos na fusão nuclear tem uma correlação forte
José Maria Pimentel
com o preço do petróleo. É, pois. Essa era a minha suspeita que tinha a ver com isso.
Nuno Loureiro
E, portanto, eu acho que há algum tempo que o Departamento de Energia, que é quem coordena aqui nos Estados Unidos o investimento em fusão nuclear, decidiu que o grande projeto em que estão envolvidos é o ITER e portanto a grande parte do orçamento vai para a colaboração no ITER e que aqui domesticamente infelizmente não tem havido orçamento suficiente para investir na criação de uma nova máquina, de um novo tokamak. E portanto, sem dúvida que as máquinas mais importantes da atualidade estão na Europa. O JET no Reino Unido, o Asdex e o Endless Flying 7X na Alemanha, portanto são das máquinas mais importantes. A China também está investindo muito fortemente em fusão nuclear, com certeza porque eles percebem a dimensão do problema energético que têm para resolver. Portanto, nós não devemos descontar a China como um dos parceiros com… eles têm uma máquina que tem avançado bem, tem tido muitos sucessos e eles estão a pensar construir a sua própria versão do ITER. Então, estão muito motivados, com muitos recursos, não é? Portanto, eu acho que a cena da fusão na China é algo que devemos prestar atenção, acho que podem acontecer coisas muito interessantes lá também. Mas, sem dúvida, portanto, eu acho que a Europa, neste caso, tem liderado e neste momento eu acho que não há perspetivas aqui nos Estados Unidos para a criação de um novo tokamak nacional, não é? Portanto, existem empresas privadas que estão a propor a criação, mais uma vez como aqui o CFS, que vai construir o seu próprio tokamak que é suposto estar online em 2024 ou 2025, mas portanto isso é uma parceria, talvez uma parceria pública ou privada, ainda não sabem todos os modos em que isso vai contextualizar.
José Maria Pimentel
E isto, bem, isto não é de toda a tua área, mas estas coisas também são muito dependentes de um certo equilíbrio geopolítico que, afim, nos próximos anos pode sofrer algumas perturbações, porque este processo do ITER, por exemplo, reúne uma série de países, entre os quais, por exemplo, a Rússia, só para dar um exemplo óbvio. Ou seja, depende de um grau de cooperação internacional que pode não ser um dado adquirido no futuro próximo. Sim,
Nuno Loureiro
sem dúvidas. Neste momento, acho que o projeto do EITER está suficientemente avançado que se houvesse um país que tivesse que sair da colaboração, desconfio que os outros países não iriam desistir por causa disso. Mas sim, portanto, um projeto como o EITER é passível de problemas desse género e, aliás, alguns desses problemas não necessariamente geopolíticos, mas outros, eu tenho justificado porque é que demorou tanto tempo, porque é que está a demorar tanto tempo para construir.
José Maria Pimentel
Pois, exato, exato. É o que sempre acontece. Tu lidas mais com a fusão através do confinamento magnético, portanto tens um pouco viajado ver esta pergunta, mas a impressão com que eu fiquei é que não só existem mais destes projetos com confinamento magnético do que com fusão por inercial, através de laser, como também é nesse que tu apostas mais, ou seja, é aquilo que parece ter mais potencial futuro tendo em conta as condicionantes que existem sobre o outro? Bom, sim, portanto acho que é importante esclarecer que experiências como
Nuno Loureiro
o NIF, o seu objetivo principal não é a fusão nuclear. O seu objetivo principal é estudar aquilo que acontece em explosões. Porque
José Maria Pimentel
ele gera o arsenal nuclear, não é? Porque
Nuno Loureiro
a missão principal do Lawrence Livermore National Lab é a gestão do arsenal nuclear dos Estados Unidos. Portanto, eles estão muito interessados em saber o que é que acontece à matéria em densidades e temperaturas extremas e portanto estas experiências que eles fazem com o NIF têm como primeiro objetivo responder a questões que são questões importantes para a manutenção do arsenal nuclear. E, portanto, os orçamentos que estão disponíveis para aspectos que têm a ver com a defesa nacional são muito, muito, muito superiores aos arrecimentos que estão disponíveis para coisas como a fusão nuclear. O NIFO é muito bem financiado, não pela sua relevância para a fusão nuclear, que também a tem, mas pela sua relevância para a defesa nacional. É perfeitamente possível que experiências tipo NIFO, de fusão por confinamento inercial, consigam criar um plasma que está a fundir e que tenha reações de fusão abundantes. Mas isso não quer dizer que esse seja o melhor sistema para ter uma central de fusão nuclear a produzir energia. Por exemplo, existe uma dificuldade inerente que é... A maneira como o NIF funciona é... Existe uma cápsula, como eu expliquei, que contém o deutério e o trítio. Os lasers irradiam essa cápsula, direta ou indiretamente, a cápsula explode e acabou, não é? Pois. Isto não é uma produção de energia contínua. Portanto, para uma central nuclear o que se deseja é uma situação em que a energia está a ser produzida de uma maneira contínua. Portanto, qualquer experiência por confinamento inercial nunca vai operar de uma maneira contínua, vai operar sempre de uma maneira pulsada. Portanto, teria que ter esse... Uma cápsula de cada vez.
José Maria Pimentel
Para ser binomente funcional, a minha intuição é que teria que ter essa rendibilidade, o limiar de rendibilidade será muito maior do que o magnético, do que o confinamento magnético.
Nuno Loureiro
Pronto, teria que ter uma grande rentabilidade e, depois, potencialmente, o que teríamos que ter eram maneiras de armazenar a energia produzida, imagino baterias gigantes, para que depois essas baterias possam ser usadas de maneira contínua. Pronto, isto implica avanços na tecnologia de armazenamento de energia que não existem ainda hoje. A fusão nuclear, na versão do stock a max, também tem esse problema, mas agora estamos a falar da escala de possivelmente horas em vez de ser da escala do nanosegundo. Portanto, é muito
José Maria Pimentel
diferente nesse sentido. É interessante. Ainda bem que te perguntei isto, por acaso, porque eu não tinha percebido esse desafio adicional que existia na questão do laser. Pois,
Nuno Loureiro
portanto, tem a ver com esta diferença fundamental entre fazer fusão nuclear como uma experiência de laboratório ou utilizar a fusão nuclear para produzir energia. São coisas distintas.
José Maria Pimentel
Por exemplo, só essa explicação que tu deste agora é interessante porque é aquilo que se vê vir para lá nas manchetes dos jornais, porque quando a notícia sai, as pessoas leem que houve esse progresso e imaginam logo uma correlação, uma causalidade neste caso com a produção de energia nuclear que na verdade não é necessariamente no caso, não é? Como tu explicavas, nem foi sequer isso que os levou a fazer aquela experiência, não é? Portanto é bastante diferente. E os privados, o grosso, se não todas as empresas privadas estão a fazer com confinamento magnético.
Nuno Loureiro
Não todas, certamente. Existem algumas, como esta por exemplo dos pistões. Acho que sim, uma grande parte está a utilizar técnicas de confinamento magnético, mas como digo, não todas.
José Maria Pimentel
Bom, Nuno, estamos a aproximar do final da conversa. Eu faço esta pergunta sempre, mas nesta aqui é especialmente relevante perguntar isto. Alguma coisa importante que eu não tenha perguntado, que não tenhamos coberto?
Nuno Loureiro
Não, portanto, houve só um aspecto que podíamos ter falado, mas da mesma maneira que a dinâmica dos plasmas é importante para a fusão nuclear, ela também é muito importante para compreender uma série de fenómenos extraterrestres, não é? Por assim dizer, portanto, fenómenos em astrofísica ou em física de espaço, explosões solares, etc. Portanto, existe esta sinergia entre as descobertas que se fazem em fusão nuclear e o que elas possibilitam que a gente depois compreenda em coisas astrofísicas, que eu acho que é uma coisa interessante e que eu pessoalmente alicia, portanto eu tenho de trabalhar nesta... Tu trabalhas nas duas áreas? Nas duas áreas, precisamente porque existem relações muito fortes entre a física de um sistema e a física destes outros sistemas. Portanto, isso às vezes é interessante. É
José Maria Pimentel
engraçado teres dito isso porque era uma pergunta que eu tinha para te fazer e esqueci-me. Portanto, foi engraçado teres falado nisso agora no final. Mas o que é que nós já soubemos, o que é que nós já aprendemos sobre o universo, digamos assim, através da investigação nesta área?
Nuno Loureiro
Ah, pois, ok. Portanto... Por exemplo, as ferramentas computacionais que a gente desenvolve para estudar fusão nuclear, os códigos que a gente usa para fazer as simulações, são muitas vezes os mesmos códigos ou os mesmos paradigmas que se podem usar para estudar coisas como explosões no sol, ou jatos astrofísicos, ou turbulência em galáxias, ou geração de câmaros magnéticos. Portanto, isso é uma série de pontos comuns, não só a nível da teoria, portanto das descrições que fazemos do sistema que tentamos estudar, como também das próprias ferramentas que utilizamos, os códigos e etc. E depois muitas destas coisas, a observação de certos fenómenos num laboratório, quer seja as experiências nucleares ou experiências associadas com fusão nuclear, muitas vezes é uma maneira de tu teres aquilo que a gente chama de astrofísica do laboratório, é tu metes coisas no laboratório e tentas inferir dessas medições, compreender o que é que se pode estar a passar no sol ou noutros ambientes aos quais tu não tens acesso direto. Portanto, essa dicotomia é muito interessante e eu acho que tem sido muito muito proveitosa. E
José Maria Pimentel
aquilo lá que tu chamavas a atenção no início, das experiências serem essenciais para se perceber, ou seja, não bastar a matematização, é importante, não é? Porque se tu não fizesse essas experiências nunca chegarias a perceber como é que é. Mas até, por exemplo, neste caso o plasma se comporta
Nuno Loureiro
na prática. Certo, exato. Pois, quer dizer, ajuda, portanto, experiência, observações, a teoria, computação, são coisas muito complementares que nós usamos. Boa.
José Maria Pimentel
Olha, antes de passarmos ao livro, eu não resisto a fazer-te uma pergunta traiçoeira. Se tu tivesse, se tivesses que apostar, quando é que dirias que vai haver o próximo, em que ano é que vai haver o próximo grande progresso? Pode estabelecer outro, mas ocorre-me, por exemplo, uma tal rendibilidade superior a um ano. Quando é que achas que isso vai ser atingido? Eu
Nuno Loureiro
acho que nós vamos ver isso no final desta década. Portanto, Eu acho que vai haver, bom, pelo menos o Tocamac que está a ser construído aqui nesta parceria entre o MIT e esta empresa privada, que se chama Spark, ele é suposto prestar online em 2025 e portanto eu acho que em 2026, se tudo correr bem, a ideia é que eles vão demonstrar rentabilidade superiores, muito superiores a um ano. Ou
José Maria Pimentel
seja, tu achas que quando superar o limiar vai superá-lo por bastante, não é?
Nuno Loureiro
Acho que sim. E acho que a resposta da tua pergunta é esta década. E
José Maria Pimentel
já agora?
Nuno Loureiro
Espero não me estarem a enganar a mim mesmo.
José Maria Pimentel
Eu acho que eu diria que a pergunta é traiçoeira, mas tu não corres grande risco, não é? Porque isto é uma área em que tem havido tantas previsões erradas que não... Que não... Enfim... Certo, certo. Não estás provavelmente a pôr a tua reputação no sepo para ser uma previsão. E já agora não resisto. No cenário mais otimista de todos, quando é que poderia haver, na tua opinião, energia comercialmente viável, ou seja, energia a circular de produção de fusão?
Nuno Loureiro
Pois, isso aí depende de muitos fatores que são completamente exteriores à física e à tecnologia. Muitos deles são fatores económicos, outros são fatores políticos, não
José Maria Pimentel
é? Repara já agora só uma coisa. Eu não disse ela tornar-se disseminada, eu disse ela entrar na rede, algures, não é? Claro que depois para escalar pode ser mais difícil. Portanto,
Nuno Loureiro
eu acho que a esperança é que tecnicamente isso seja possível antes de 2050. Ok. Se isso vai acontecer ou não tem a ver com coisas como existe alguém interessado em comercializar esta energia? Será que esta energia vai ser suficientemente rentável? Qual é que vai ser o preço do petróleo nessa altura? Vamos estar a ter os mesmos encorajamentos para limitar a produção de energia por outras maneiras? Como é que é a evolução da energia solar e a energia eólica e, nomeadamente, a evolução de tecnologias de armazenamento de energia. Portanto, acho que há imensos fatores que podem determinar a resposta à pergunta que estás a fazer, que
José Maria Pimentel
não têm nada a ver
Nuno Loureiro
com a física e a tecnologia
José Maria Pimentel
em si. Esta é verdadeiramente a pergunta traiçoeira das duas. Não é que estás a extravasar a teoria. Olha, vamos terminar. Eu sei que tens um livro bom para recomendar, que eu já li um bocadinho na preparação desta conversa. Portanto, força. Pois, portanto, tinhas-me perguntado que eu sugerisse um livro. Há um livro recente de um senhor chamado Arthur Turrell. Eu acho que
Nuno Loureiro
é um livro muito narrativo, portanto está escrito de uma maneira para entusiasmar as pessoas para esta área e tenta contar de uma maneira acessível a toda a gente a situação que se está a viver nesta área. E a pessoa que escreve sabe do que está a falar, portanto ele é doutorado por curiosidade pelo Imperial College, onde eu também estudei, em fusão nuclear, portanto é uma pessoa que tem acesso às pessoas e tem um acesso à ciência, que não é o mesmo que se fosse uma pessoa não educada na área. E acho que é um livro de leitura muito fácil e que qualquer pessoa pode apreciar e extrair algo valioso. E ele
José Maria Pimentel
até tem, salvo erro, até tem um aspecto interessante porque ele depois trabalhou na área da Economia, Embora ele seja doutorado em física.
Nuno Loureiro
Certo, então eu sei que ele mudou de área, não sei porque é que ele faz hoje em dia, além de escrever estes livros. Eu acho que foi ao contrário, eu acho
José Maria Pimentel
que ele passou por economia, acho que ele esteve numa que na Inglaterra e depois voltou à física para escrever este livro. Acho eu, não tenho a certeza do que estou a dizer. Mas, boa, acho que é giro. Já agora, Nuno, já agora recomenda também o outro que me tinhas enviado. Ah, o outro livro é um livro... Que eu acho que também é diferente, mas acho que também é interessante para as pessoas.
Nuno Loureiro
Certo, então é um livro mais técnico, embora não um livro técnico. Chama-se Star Power e é escrito por um cientista chamado Alain Baculé, que é um profissional que trabalha na área e é fundamentalmente, se calhar mais focado no ITER e naquilo que rodeia a construção do projeto. Sim, porque ele está envolvido no ITER. Certo, certo. Ele é um cientista francês muito envolvido no ITER e escreveu este livro para contar essa história. É uma perspectiva muito diferente do primeiro livro que eu recomendei e o foco também é diferente
José Maria Pimentel
eu posso confirmar, eu li um bocadinho dos dois e assim é exatamente isso que estás a dizer, não é bem um livro académico é um livro de não ficção sobre o tema, mas que é perfeitamente acessível mas o outro tem mais storytelling
Nuno Loureiro
O outro é talvez uma leitura mais light.
José Maria Pimentel
Exato, exato. É mais concreto. Isto é a arte destas coisas, não é? Quando contas uma história com pessoas, é muito mais relatable para quem está a ler do que a teoria, por muito acessível que ela esteja. Enfim, isso tem a ver também com a nossa própria evento. Bom, Nuno, olha, obrigadíssimo, foi uma excelente conversa, obrigado pela tua paciência e, enfim, esforço e disponibilidade em tentar traduzir esta complexidade para leigos.
Nuno Loureiro
Obrigado, Euro, José Maria, Acho que nem sempre foi muito bem sucedido, mas espero que as pessoas tenham ficado com alguma ideia do que é a função nuclear e o que é que nós tentamos fazer.
José Maria Pimentel
Sim, foste... Enfim, fala por mim é um privilégio poder conversar com alguém que trabalha nesta área e conhece de perto tanto a teoria como as experiências que estão a ocorrer nesta área, para mim foi ótimo.
Nuno Loureiro
Obrigado. Obrigado, Dão. Obrigado, Zé Maria. Este
José Maria Pimentel
episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Ana Raquel Guimarães, Julie Pichini, Família Galaró, José Luís Malaquias, Francisco Hermano Gildo, Nuno Costa, Abílio Silva, Salvador Cunha, Bruno Heleno, António Lima, Helena Monteiro, Pedro Lima Ferreira, Miguel Van Uden, João Ribeiro, Nuno Pinheiro, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins e Tiago Leite.