#119 Nuno Loureiro - Chegou finalmente o tempo da energia de fusão?
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45 Graus. Como já vos anunciei na semana passada, o livro que
escrevi, Política a 45 Graus, já está em pré-venda e vai para
as livrarias dia 21 deste mês. Deixo o link para o livro
no site da Wook na descrição do episódio mas podem encontrá-lo em
qualquer livraria online, bastando pesquisar no Google. Entretanto, como tinha prometido, mais
informações sobre as 3 sessões de apresentação que vai haver. A apresentação
oficial, digamos assim, vai ser em Lisboa, no dia 26, portanto logo
a seguir ao feriado, 25 de abril, vai ser na FNAC do
Colombo, às 6h30 da tarde, e vai ter a apresentação da Susana
Peralta e do Francisco Mendes da Silva, que São dois convidados que
aparecem no livro, um deles na parte 1, o Francisco, e a
Susana na parte 2 do livro. Depois vai haver outra sessão no
Porto, dia 29, portanto na sexta-feira, às 6h30 também, neste caso no
Espaço Mira, que fica ao pé da Estação de Campanhã. E vai
ser apresentado pelo Luís Aguiar Conraria, a quem eu não só pedi
para fazer o prefácio do livro, como agora ainda chateei, para fazer
a apresentação no Porto. E finalmente vai ser apresentado também em Coimbra,
neste caso no sábado dia 30 às 4 da tarde, pelo Carlos
Fiolhais, grande cientista e que foi já duas vezes convidado do podcast
e teve a simpatia de aceitar fazer a apresentação em Coimbra. Portanto,
caso estejam ou em Lisboa ou no Porto ou em Coimbra ou
enfim perto de algumas das cidades por esta altura, seria ótimo ver-vos,
enfim, falar convosco e saber também a vossa opinião em relação ao
podcast, em relação ao livro. Enfim, seria muito bom ter-vos lá, seja
em Lisboa, Coimbra ou no Porto. Mas agora vamos ao episódio de
hoje, que trata do tema com grande potencial. Todos sabemos que para
fazer face às alterações climáticas o mundo tem forçosamente de diminuir o
consumo de energias fósseis. Energias como o petróleo ou o gás são
além disso altamente sensíveis a perturbações geopolíticas, tal como nos últimos meses
têm mostrado, com impactos muito diretos na nossa vida do dia a
dia. No entanto, a verdade é que a energia é necessária e
a maioria de nós não está propriamente disposto a abdicar de qualidade
de vida, e as energias renováveis ainda não permitem fazer face às
necessidades energéticas. Isto é de tal forma que o grosso da energia
consumida no mundo continua a ser de combustíveis fósseis. Mas e se
eu vos dissesse que existe uma fonte de energia alternativa, que não
emite dióxido de carbono para a atmosfera, tem um baixo risco associado
e, além disso, é virtualmente ilimitada. Parece exagero, mas é verdade. Chama-se
energia de fusão nuclear. Esta energia é ainda mais poderosa do que
a energia nuclear clássica, a de fissão, utiliza matérias ilimitadas, átomos e
isótopos de hidrogênio e, ao contrário da energia nuclear clássica, produz muito
pouca radioatividade. E se eu vos dissesse ainda que nos últimos anos
tem havido avanços promissores que podem tornar esta energia, a energia de
fusão, viável já nas próximas décadas. A verdade é que já há
muito tempo, há quase um século, que sabemos que é possível produzir
energia de fusão nuclear. Por uma razão simples, é ela a fonte
da energia do Sol, onde as altas temperaturas e a enorme gravidade
geram a fusão de átomos de hidrogênio que dão energia ao Sol
e nos chegam à Terra através da luz. No entanto, conseguir gerar
este tipo de reação na Terra tem-se revelado muito difícil. Esta dificuldade
é de tal ordem que no meio dos físicos e engenheiros que
tentam a fusão nuclear há até uma piada batida que diz qualquer
coisa do tipo. Faltam só 30 anos até termos energia de fusão.
E é onde sempre falta há 30 anos. Abordei este tema pela
primeira vez, e única até agora, no 45 Graus no final de
2018, no episódio 42 com o Luís Silva, Física e professor do
técnico. Se isto tivesse acontecido em qualquer outra altura nas últimas décadas,
é quase certo que um episódio gravado três anos antes continuaria a
estar perfeitamente atual. No entanto, desta vez não é assim, e por
bons motivos. É que tem havido desenvolvimentos muito importantes nesta área nos
últimos anos. Só no último ano houve dois dos maiores avanços concretos
das últimas décadas no caminho para produzir energia de fusão. Em agosto
do ano passado, nos Estados Unidos, a National Ignition Facility, o NIF,
de que vamos falar muito neste episódio, bateu o recorde no que
toca ao rácio de energia gerada pelo processo de fusão, face à
energia que foi preciso injetar para acionar essa fusão. A energia gerada
continua a ser menos do que a injetada, mas este é um
resultado muito promissor. E mais recentemente, já em fevereiro deste ano, o
que em ciência é o mesmo que dizer ontem, o laboratório JET,
no Reino Unido, bateu o recorde do máximo de energia total gerada
no processo de fusão. Estes são apenas dois de muitos passos que
são necessários para tornar esta energia viável, mas são dois progressos muito
importantes, de tal forma que já em março o governo americano organizou
na Casa Branca uma cimeira para discutir este tema e o potencial
da energia de fusão para alimentar energeticamente os Estados Unidos. Ao mesmo
tempo, do lado privado, todos estes progressos e o imperativo de encontrar
soluções para as alterações climáticas têm levado a um aumento do investimento
do chamado capital de risco, com dezenas de novas empresas a tentarem
atualmente ser as primeiras a produzir energia de fusão que seja viável
comercialmente. Por tudo isto, parece que finalmente, depois de décadas, estamos numa
altura em que podemos ter uma perspectiva realista de ter avanços importantes
nesta área no futuro relativamente próximo. Este é por isso um tema
não só interessante mas altamente relevante atualmente e para o discutir dificilmente
poderia arranjar alguém melhor do que o convidado de hoje. Nuno Loureiro
é licenciado em Engenharia Física Tecnológica pelo Técnico e doutorado em Física
pelo Imperial College de Londres. A especialidade dele é a Física dos
Plasmas e as suas aplicações à fusão nuclear e também a problemas
do domínio da Astrofísica. Atualmente é professor catedrático no MIT nos Estados
Unidos. Durante a nossa conversa começámos, como não poderia deixar de ser,
pela física por trás da fusão. Falámos do processo que ocorre quando
existe fusão no núcleo dos átomos e porque é que ele gera
energia, por exemplo, e falámos também dos dois métodos principais que são
hoje usados para tentar produzir fusão nuclear. A fusão por confinamento magnético,
por um lado, e a chamada fusão inercial, normalmente através de laser.
O Nuno Loureiro descreveu também estes progressos recentes que eu acabei de
descrever e por que motivo eles são importantes, mas também as limitações
que têm. O porquê do aumento do investimento privado nesta área e
o potencial que tem face aos laboratórios financiados por dinheiros públicos, os
desafios que ainda existem para conseguir efetivamente produzir energia nuclear e torná-la
comercialmente viável, e estes desafios vão muito para o lado da física,
tem que ver com computação e em muitos casos com questões relacionadas
com a engenharia dos materiais. Falámos também dos perigos potenciais da fusão
nuclear, nomeadamente, obviamente, a radioactividade. E finalmente, no final, como não poderia
deixar de ser, pedi ao Nuno que fizesse algumas previsões para o
que é que podemos esperar no futuro, quando é que podemos finalmente
ter uma experiência que produza mais energia do que aquela que é
preciso injetar para começar a reação nuclear e quando é que poderemos
ter finalmente a energia de fusão enquanto a principal fonte de energia
consumida no planeta. Enfim, com este tema era difícil que não fosse,
mas foi um episódio muito interessante e o Nuno fez um grande
esforço para tentar desconstruir alguns conceitos complicados para os leigos. Caso tenham
curiosidade em relação a alguns aspectos mais técnicos da fusão que nós
abordamos no início, sugiro que ouçam também o episódio com o Luís
Silva, que eu referi há pouco, em que nós abordámos em mais
detalhe alguns desses aspectos e, sobretudo, eu expliquei-os também na introdução. Antes
de avançar para o episódio, agradeço como de costume aos novos mecenas
do podcast. Muito obrigado ao Ricardo Macedo, também ao Miguel Palhas, obrigado
ainda a Catarina Fonseca, ao Gonçalo Morgado e ainda ao Alberto Alcalde
que nos ouve desde Espanha. Um abraço a todos, muito obrigado, espero
ver-vos nas apresentações do livro e agora deixo-vos com Nuno Loureiro. Nuno,
Nuno Loureiro, muito bem-vindo ao 45 Graus.
José Maria Pimentel
Olha, eu vou-te passar já a bola, porque neste tema, eu faço
isto quase sempre, mas neste tema em particular tem que ser o
convidado a explicar, não é a primeira vez que eu trato deste
tema no 45°, já abordei com o Luís Silva no episódio há
cerca de dois anos, lá para o final do episódio, mas ainda
assim é natural que os ouvidos não se lembrem. E portanto, explica-me
lá, em traços simples, como é que funciona a energia nuclear de
fusão e como é que ela compara com a energia de fissão.
Eu acho que é assim que se diz em português normalmente, não
é?
Nuno Loureiro
portanto nós precisamos de chegar a uma temperatura mais alta do que
no centro do Sol, exatamente. Voltando à tua pergunta inicial, isto difere
da fissão nuclear, que é o que se faz nas centrais nucleares
convencionais, porque nas reações de fissão nuclear o que sucede é o
oposto. Portanto, isto tem a ver com partir, por assim dizer, o
núcleo de elementos pesados, urânio e plutónio tipicamente, e os resultados são
mais estáveis e portanto libertam energia nessa reação. Ok,
José Maria Pimentel
então realmente temos aqui várias frentes. Deixa-me tentar fechar uma por uma.
Se calhar começando por aquilo que tu explicaste ainda agora. No fundo
há dois fenómenos, digamos assim, à falta de melhor termo, que permitem
fazer esta fusão dos núcleos. É a temperatura e a pressão, sendo
que no Sol a pressão existe por causa da gravidade, da massa,
que coloca os átomos, ou os isótopos, para o caso, sobre essa
pressão. Qual é a equivalência entre estes dois fenómenos? Porque eles, no
fundo, produzem o mesmo resultado, mas não são a mesma coisa, pressão
e temperatura, mas tem alguma… qual
é a
relação entre eles?
Nuno Loureiro
Ok, essa pergunta faz todo sentido. Nós aqui na Terra não temos
uma maneira de conseguir imitar a força gravítica do Sol, de uma
estrela daquele tamanho. E, portanto, a alternativa que nos sobra é... A
pergunta que uma pessoa se pode pôr é imagine que quer ter
um gás que está a 150 milhões de graus centígrados. Esse gás
tem que estar dentro de algo, tem que estar confinado num recipiente
físico, uma panela chamemos-lhe, ok? É evidente que não há nenhum material
conhecido na Terra que consiga estar exposto a temperaturas de 150 milhões
de graus centígrados. Portanto, a pergunta que se põe é como é
que eu faço um gás que está a essa temperatura e que
não toca nas paredes do recipiente que o contém. Ok, então aqui
se calhar temos que apelar um bocadinho à física básica que se
aprende no liceu, que é, portanto, recordar que Os eletrões e os
protões são partículas carregadas e, portanto, as suas trajetórias, a maneira como
elas se deslocam, é sensível a campos magnéticos e campos elétricos que
possam ser impostos. E, portanto, o que nós temos de fazer aqui
na Terra para confinar este gás muito quente é construir aquilo que
a gente chama de umas garrafas magnéticas, passa a expressão, portanto é
como se eu construísse uma gaiola magnética que usa os campos magnéticos
para confinar os eletrões e os protões portanto, concretamente, esta garrafa magnética
tem na versão mais básica tem a forma de um donut, um
toro e as partículas giram dentro desse donut durante tempo suficiente e
a temperaturas suficientes para haver essas reações de fusão nuclear E
José Maria Pimentel
Sim, a pessoa tende sempre a pensar como se fosse um líquido,
não é? Portanto, imagina uma coisa a derramar pela... Bem, e já
voltamos aos fundamentos disso, mas não resisto, porque Isso que tu disseste
do plasma, porque no fundo tem esse gás ionizado, ter um gás
de iões, não é? No fundo, acho que estou a dizer bem,
mas que corrismo.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Os iões com carga positiva, os eletros com carga negativa,
portanto... Certo. A soma, digamos assim, o net é neutro. E tu
dizias que o plasma tem um comportamento mais ou menos imprevisível que
é impossível de prever. E é engraçado porque, enfim, para alguém que
vê a coisa de fora, a física suscita sempre até alguma admiração
porque é uma área muito matematizada, que consegue descrever a realidade através
de formas matemáticas e muitas vezes, não raro, ao contrário do que
acontece nas outras ciências e é de resto, muitas vezes diz-se que
a economia, que é a minha área, tem a inveja da física
por causa disso, a física consegue prever a realidade através justamente da
matemática, não é? Sei lá, tínhamos o Bozón-Diggs para dar um exemplo
mais ou menos recente. E aqui, o que é um caso engraçado
porque a fusão nuclear é um objetivo com... Enfim, já vai fazer
80 anos, não é? Portanto, é um objetivo já com longas décadas
e que parece estar a criar sempre aos físicos e quem trabalha
nesta área uma série de desafios de confronto com a realidade, em
que a realidade parece muito mais complexa, não só parece exceder essa
capacidade de a matematizar, como parece excedê-la em muitos graus, porque há
muitas décadas que se tenta fazer isto. Porquê é que isto acontece?
Nuno Loureiro
Essa pergunta é muito boa, Sr. Maria. Ótima pergunta. Portanto, se quer
esclarecer algumas coisas que são importantes para conseguir dar uma resposta completa
à tua pergunta. Portanto, é verdade que se faz investigação em fusão
nuclear desde os anos 40 e se quer a primeira coisa que
é importante distinguir é a fusão nuclear controlada da descontrolada, por assim
dizer. Portanto, os humanos sabem... Da bomba de hidrogênio, não é? Exato.
Portanto, os humanos sabem fazer a fusão funcionar e o exemplo mais
espetacular disso, não estou a usar a palavra espetacular num sentido positivo,
mas espetacular, são as bombas de hidrogênio, não é? A tecnologia para
as quais é conhecida desde o final dos anos 40 e que
usam, precisamente, reações de fusão nuclear. Portanto, o que nós tentamos fazer,
quando falamos da fusão nuclear como uma fonte de energia, energia controlada,
é tentar canalizar essa energia que está disponível no núcleo dos átomos
para produzir eletricidade ou produzir calor, n? Portanto, aí a palavra controlada
é a questão chave. Portanto, fusão nuclear controlada, a investigação acho que
começou assim mais seriamente mesmo nos anos 60, portanto vamos com cerca
de 60 anos de investigação e sim é verdade que nós ainda
não dominamos completamente todos os aspectos de como fazer fusão nuclear, mas
o progresso na fusão nuclear, na investigação em fusão nuclear controlada tem
sido imenso. Qualquer métrica que se compare daquilo que se conseguia fazer
nos anos 60 com aquilo que se consegue fazer hoje mostra que
o progresso não existe de experiencial. Mas é de facto um problema
muito difícil, como tu dizes, que resiste todas as tentativas, muitas tentativas
de... De modelização. Bom, de modelização certamente e de compreensão na sua
totalidade. Portanto, nós usamos a matemática, claro, a física de plasmas é
uma disciplina da física tão rigorosa quanto outra qualquer, usamos matemática para
tentar descrever este sistema. Simplesmente o que se passa é que um
plasma é composto por bilhões de partículas, ok? Estas partículas interagem entre
si, porque são eletrões ou protões, portanto têm campos elétricos e correntes
que interagem uns com os outros e com os campos magnéticos exteriores
que se lhes impõe. Portanto, isto é um sistema que é completamente
caótico no sentido em que é impossível prever com exatidão a trajetória
de um eletrão durante mais do que um tempo muito pequeno. Portanto,
nós temos de tratar este sistema com técnicas estatísticas.
Nuno Loureiro
Só que não se chama muito mais complexo do que o tempo.
Portanto, nós conseguimos fazer algumas previsões e usamos os computadores para fazer
essas previsões e através da computação avançada temos conseguido avançar muito ao
longo das últimas duas décadas, ou três décadas quase na nossa compreensão
desse sistema que é um sistema estocástico, como tu dizias, altamente não
linear, turbulento, para dizer que sim, que é difícil, mas que não
é hopeless. Portanto, nós temos feito muitos avanços conciliando medidas, portanto, experiências
mesmo, a interpretação de dados experimentais, com esta modelização computacional, com insights
analíticos, às vezes, que não são uma solução no sentido em que
os ouvintes estão mais habituados de uma solução exata do problema, mas
que permitem compreender muitas das coisas que estamos a ver nestes reatores.
E na
Nuno Loureiro
agora? Meses. O que é incrível. Sim, portanto, esta escala de computação
é uma escala que as pessoas em geral não têm uma noção
concreta do tipo de computação que se faz, dos recursos que são
utilizados. É muito frequente simulações para prever o comportamento destes plasmas, com
os quais tentamos fazer fusão nuclear, consumirem qualquer coisa como 100 milhões
de horas computacionais. Ok, o que é que isto quer dizer? Isto
quer dizer que houve alguém que pegou, por exemplo, em 100 mil
computadores, ou 100 mil processadores se quiser, que estão a trabalhar em
paralelo, distribui o cálculo a fazer por esses 100 mil processadores, isto
quer dizer que o processador número 1 faz uma parte das contas,
o número 2 outra parte, o número 3 outra parte. Eles comunicam
entre si, portanto o postador número 10 diz assim, olha tenho aqui
o resultado desta parte da conta, vou enviar para o postador número
20. Portanto eles comunicam assim, é assim que funciona a computação paralela.
E portanto estes 100 mil computadores juntos calcularam durante semanas, às vezes
meses para chegar ao fim desta conta que eles estavam a tentar
fazer. Estas contas são muito complexas, portanto tipicamente têm a ver com
tentar prever o comportamento deste plasma, como eu dizia, tende a ser
turbulente, não é? Portanto, dizer-nos se este plasma vai perder calor, se
vai perder partículas, etc, etc. E
Nuno Loureiro
Essa sensibilidade às condições iniciais também é uma coisa que é explorada
variando as condições iniciais. Portanto, cada simulação demora muito tempo, não é?
E se quisermos explorar a sensibilidade às condições iniciais, temos simplesmente que
fazer mais simulações. Mas aquilo que faz com que estas simulações computacionais
sejam tão complexas é a diferença, bom, não sei, chegar é muito
técnico, mas, portanto, é a diferença entre as escalas que queremos simular
e as escalas que são exigidas pelo sistema. Portanto, imagina que, para
preveres o tempo em Portugal amanhã, imagina que tinhas que simular, tinhas
que ter uma resolução de metro quadrado na área de Portugal. Sim.
Ok? Portanto, Portugal tem a área que tem, são muitos metros quadrados,
não é? Portanto, são muitas unidades computacionais para tentar perceber o tempo
no país em geral. Acho que isto é uma boa analogia para
perceber porque é que estas coisas são tão complexas. Tem a ver
com a resolução que tem que se ter face ao tamanho do
sistema que estamos a tentar simular. Sim,
Nuno Loureiro
portanto, exatamente. Tem a ver com a densidade que conseguimos confinar. Existe
uma coisa chamada o produto triplo da fusão, o produto Lawson, E
eu acho que isto é relativamente intuitivo. Portanto, quando uma pessoa quiser,
quer ter reações de fusão de uma forma que seja sustentável, portanto
que haja suficientes reações de fusão para produzir energia, nós precisamos de
ter partículas suficientes à temperatura suficiente durante um tempo suficiente. Ok? Portanto,
não basta uma reação de fusão de hora a hora para o
sistema ser rentável. E, portanto, se quiseres maximizar isto, tu consegues maximizá-lo
tendo mais densidade ou mais temperatura ou mais ambos, portanto, mais pressão
durante tanto tempo quanto conseguires. Portanto, as pessoas muitas vezes falam neste
produto triplo que é a densidade vezes a temperatura, que é a
pressão, vezes o tempo. O tempo. O tempo de confinamento. Contudo, como
falava antes, estes plasmas parecem ter uma mente própria às vezes, ideias
próprias portanto existem limites à pressão que a gente consegue confinar num
reator e ultrapassando esses limites o plasma torna-se instável e a reação
acaba, portanto começa a desrespeitar os campos magnéticos que nós utilizamos para
tentar confinar. Começa
José Maria Pimentel
No Sol não existe esse problema porque a gravidade é suficientemente forte
para confinar. Certo, certo, certo. Ok, ok, boa, boa.ltimo ponto da tua
explicação inicial, que foi exatamente por onde tu começaste e em certo
sentido o mais importante de todos, que é de onde é que
vem a energia que é produzida pela reação de fusão? E aqui
corremos o risco de nos enfiar aqui num rabbit hole, de nunca
mais sair daqui, mas eu acho interessante explorar este aspecto porque, e
aliás isto é um fenómeno físico muito interessante, nas partículas mais leves
quando tu as vais fundindo elas vão libertando energia e nas partículas
mais pesadas, como é o caso do urânio que é usado na
ficção, é ao contrário, é quando os separas que as libertam energia.
Porquê que isto acontece? Ou seja, de onde é que vem esta
energia que é libertada por esta reação?
José Maria Pimentel
Mas tem alguma coisa a ver com... Eu lembro de ter apanhado
esta explicação em tempos e era qualquer coisa deste tipo. É preciso
alguma energia, digamos assim, para manter o núcleo do átomo coeso. No
fundo, para o átomo existir, não é? Para o átomo existir e
não se desmembrar, à falta de melhor analogia. Certo. E essa energia
diminui com a fusão, ou seja, é menor no hélio, que vem
a seguir ao hidrogênio, do que no hélio e daí quando tu
fundes dois átomos de hidrogênio libertar-se essa energia extra, enquanto que no
caso do urânio é ao contrário.
José Maria Pimentel
Ok, ok, boa, boa. Pronto, então temos o mise en place, digamos
assim, temos os ingredientes que precisamos para avançar para a parte mais
sumarenta. Este é um tema que me interessa, acho que desde que
é miúdo comecei a interessar-me por física e por estas áreas, enquanto
obviamente leigo e não segui essa área, mas esse sempre foi um
tema que me fascinou porque há décadas que se sabe que está
aqui um grande potencial de resolver uma série de problemas do mundo
mesmo antes da questão das alterações climáticas, mesmo antes disso tinha só
o facto de ter uma fonte de energia praticamente ilimitada, é a
razão para investir pelo menos atenção nisso. Ao mesmo tempo, como tu
dizias, já há décadas que se tenta fazer avanços, tu chamavas a
atenção a isso, portanto, que não é exatamente desde os anos 40,
aí provavelmente as atenções estavam mais focadas na questão da bomba e
menos na utilização de energia, mas pelo menos desde os anos 60,
e no entanto os avanços foram sendo sempre mais lentos do que
se desejava tem uma série de piadas na área em torno disso,
toda a gente que já leu qualquer coisa sobre o assunto já
ouviu, não é? Qualquer coisa do tipo, a fusão nuclear está a
duas décadas de distância e estará sempre há variações sobre esta piada
mas essa é a mesma coisa. A verdade é que nos últimos
anos, e quando eu digo os últimos anos, falo do último 1,
2 anos, ou 3 anos, começa finalmente a parecer haver vários progressos
a sério nesta área. Tu próprio já ouviste há bocadinho que tinha
havido muito mais progressos do que no fundo parece em termos de
resultados, como acontece sempre há sempre coisas que estão a passar debaixo
de água e que não fazem headlines mas que são progresso a
verdade é que só no último ano nós tivemos pelo menos dois
avanços importantes e esses sim fizeram manchetes de jornais um nos Estados
Unidos, no National Ignition Facility, que fica no Lawrence Livermore National Laboratory,
portanto é um laboratório americano, em que conseguiram através de... E já
agora, até o bom, porque eu vou fazer assim, porque há dois
métodos basicamente atualmente para tentar fusão, no caso dos Estados Unidos eles
usaram um método que é através de laser, se eu não me
engano, e conseguiram, essencialmente o que eles conseguiram foi atingir o máximo
até hoje em termos de do rácio entre a energia que tu
introduzes no sistema para gerar esta reação e o output, e o
resultado que consegues de reação, isto foi em Agosto do ano passado,
e em Fevereiro deste ano, no Reino Unido, o JET, que é
outro laboratório que já tinha feito o último récord em 97, conseguiu
gerar esta reação, ou seja, gerar uma reação de fusão pelo record
até hoje, que não parece muito, são 5 segundos, mas é significativo
e portanto tivemos de um lado um record em termos de resultado,
ou seja, de energia produzida face à energia injetada e do outro
lado de duração, então eu disse que há importância de manter essa
duração ao longo do tempo. Por outro lado temos vários outros laboratórios
em outros países a tentar fazer avanços, temos o ITER que vai
ser lançado, vai ser, lançado vai ser, vai ser, está em construção,
se algum erro, vai ser inaugurado acho que em 2024, não é,
em França.
José Maria Pimentel
explicas melhor, mas para o Twitter é um grande projeto, um projeto
que reúne uma série de países e que terá um... Destas coisas
em forma de dónuta que tu dizes há bocadinho, agora está a
faltar a palavra certa. Um tokamak. Um tokamak bastante maior do que
os outros. E depois ao mesmo tempo temos uma série de iniciativas
privadas que têm recebido injeções maciças de fundos nos últimos anos e
algumas delas, bem, todas têm objetivos ambiciosos e várias delas têm já
comunicado alguns resultados aparentemente promissores, nunca se sabe exatamente em que é
que se poderão concretizar, mas a verdade é que temos tanto do
lado público, digamos assim, como do lado privado uma série de iniciativas
que acho eu não tínhamos há uns anos. Que avanços é que
têm sido feitos na realidade? Ou seja, quão substanciais é que são
estes avanços na prática?
Nuno Loureiro
São várias boas questões, não mas só... Ok, portanto, só para escurecimento
dos ouvintes, não é? Eu até agora falei da fusão nuclear controlada
por confinamento magnético, portanto utilizando campos magnéticos. Existe uma alternativa que é
a utilização de lasers para fazer implodir uma cápsula, uma cápsula que
contém os reagentes, portanto o deutério e o trítio. Portanto, pode ser
por iluminação direta da cápsula com esses feixes de laser, da maneira
mais uniforme possível, ou por iluminação indireta, que é o que eles
tentaram fazer no NIF. Portanto, os lasers na realidade não incidem na
cápsula diretamente, incidem nas paredes de um pequeno cilindro, dentro do qual
está a cápsula. Os lasers, quando incidem nas paredes do cilindro, criam
um raio-x e é a pressão destes raios-x que faz comprimir a
cápsula. Portanto, isto são métodos completamente alternativos, cada um com suas vantagens
e desvantagens. Portanto, o que eles fizeram de facto no NIF, no
National Agriculture Facility em Lawrence Livermore National Lab, como tu disseste, foi,
tiveram a experiência mais bem-sucedida que eles tinham tido até agora no
sentido de ter chegado o mais próximo possível de uma situação em
que... Em que se
Nuno Loureiro
Bom, com alguns qualificantes, não é? Que é gerar mais energia do
que a energia que chegou à cápsula. Mas a energia que chega
a esta cápsula que estamos a tentar fundir é uma fração ínfima
de bom. Ok. Teve cerca de 1% da energia que foi utilizada
para ligar estes lasers. Isso foi uma grande vitória do NIF e
foi um acontecimento espetacular. Esta área não é a área em que
eu sou um especialista, mas pelo que eu percebo este triunfo teve
a ver com manipulações muito subtis da maneira como a cápsula é
construída. A cápsula é uma coisa que se pode ver a olho
nu, mas muito pequena e a maneira como ela é construída lá
dentro tem detalhes que podem resultar em sucesso ou não. No caso
do JET. Do JET
ou do Reino Unido?
Do Reino Unido, exatamente. O JET é um projeto de colaboração europeia
que fica no Reino Unido. É um tokamak que está em operação
desde 1984, salvo erro, que foi recentemente modificado para substituírem a parede
do tokamak por um material que vai ser o mesmo material que
vai ser utilizado no ITER. Tu também falaste, portanto, eles estão neste
momento a usar o JET
como uma
máquina para fazer testes, exatamente, para tentar prever o que é que
vai acontecer no ITER. E portanto, o que eles conseguiram, depois de
alguns soluços, por assim dizer, foi reproduzir, tentar reproduzir a melhor experiência
que eles tinham tido até agora, que tinha sido em 97, mas
agora nas condições mais próximas das condições que o ITER vai ter.
Eles não só conseguiram reproduzir o que tinham feito em 1997, eles
conseguiram ultrapassar a energia produzida e manter essa energia durante 5 segundos,
que basicamente é o máximo que o jet pode operar sem interrupções.
Então isso foi uma grande vitória e um resultado do trabalho internacional
feito pela comunidade de fusão e de facto foi um resultado espetacular
e que eu penso que é um bom augúrio daquilo que o
ITER poderá vir a encontrar.
Nuno Loureiro
é assim... Quer dizer, a ideia subjacente àquilo que tu acabaste de
dizer tem de facto a ver com o tamanho, porque o tamanho
traduz no tempo que tu consegues confinar a energia dentro do teu
tocamac. Para explicar isto melhor, talvez posso apelar a uma imagem simples
de cozinha. Imagina que tens uma panela com água a ferver, ok?
Ela está com água a ferver, está tapada, mas as paredes estão
em contacto com o ar da cozinha que está à temperatura ambiente,
certo? Então, se tu não estiveres a fazer nada, tu vais perder
a temperatura da água que lá está, não é? E agora a
questão é quanto tempo é que tens de esperar para que a
água que estava a ferver dentro da panela fique à temperatura ambiente?
Bom, isso depende de várias coisas. Uma delas é da quantidade de
água que tens lá dentro e a outra é de qual é
a distância entre o centro da panela e as paredes da panela.
Basicamente é isto. Não estamos a falar de uma coisa mais complicada
do que isto. Portanto, o Wither é maior. Portanto, a distância entre
o centro do plasma e as paredes do Tokamak é maior e
portanto isso significa que em princípio consegues confinar a energia mais tempo.
Portanto, aumentas o tal tempo que eu estava a falar que era
importante para as relações de fusão e, em princípio, vais ter mais
hipóteses de sucesso. Curioso, sim. Mais relações de
Nuno Loureiro
Capital de risco, obrigado, exato, obrigado. Capital de risco. Portanto, não sei
se existe apenas uma explicação para isso, mas acho que existe uma
percepção de que a fusão nuclear tem um papel fundamental a desempenhar
na transição energética e na transição para um cenário energético que é
livre de fontes poluentes, livre de carbono. Portanto, eu acho que há
muitos investidores privados que estão motivados a investir nesta área porque querem
combater as alterações climáticas causadas pelo homem, não é? Portanto é esse
o tipo de motivação. Mas também há muitas empresas que simplesmente acham
que isto é de facto a próxima oportunidade e que querem entrar
no jogo o tão cedo quanto possível para poderem lucrar com isso,
não é? E portanto, de facto, ao longo dos últimos dois ou
três anos acho que houve uma ressonância entre o dinheiro privado que
está disponível e o número de pessoas que criaram empresas privadas para
tentar explorar conceitos diferentes de fusão nuclear. Existe uma corrida neste momento
para saber quem é que vai conseguir primeiro demonstrar produção de energia,
né? Através da fusão nuclear, qual é que vai ser o conceito,
se vai ser uma empresa ou um laboratório nacional a demonstrá-lo e
toda a gente está a tentar fazer essa demonstração
muito
antes daquilo que o ITER vai demonstrar a execuibilidade da função. O
ITER só vai ter experiências com deutério e trítio em 2035, portanto
neste momento
José Maria Pimentel
é? Sim, sim, sim. Mas o que é que tu... A entrada
do capital de risco e até a própria preocupação com as alterações
climáticas acabam por surgir de certa forma a posteriori, porque estes progressos
são inevitavelmente resultado de trabalho que foi feito nos últimos anos e
não só nos últimos 1, 2 anos. Mas a verdade é que
são progressos muito grandes comparativamente com o que tinha acontecido antes. O
caso do JET, por exemplo, bateu o recorde anterior que tinha sido
estabelecido por eles próprios em 97, por já uma série de anos.
Na tua opinião, o que é que explica este súbito... Antes de
haver o súbito interesse, porque é o próprio resultado disso, esta súbita
aceleração? Tem a ver com os avanços na supercomputação, que falavas há
bocadinho, e na inteligência artificial. Ou é simplesmente uma espécie... Aquela, pode-se...
Estas coisas às vezes acontecem assim, não? Há uma acumulação de conhecimento
que de repente se traduz em progressos sem que isso signifique que
houve necessariamente uma aceleração do investimento naquele período. Sim, portanto,
José Maria Pimentel
É interessante porque tu vejo, enfim, eu vejo isto fora, mas eu
vejo um entusiasmo recentemente, e quando digo recentemente é no último ano,
se quiseres, em torno da fusão nuclear, que contrasta com um certo
ceticismo, até algum cinismo que tu vies há uns anos, em que,
enfim, achava-se que era obviamente, o potencial era tão grande, justificava continuar
sem investir, mas as razões para o otimismo não eram especialmente grandes
e hoje em dia houve as pessoas, aliás houve até há umas
semanas uma cimeira na Casa Branca em torno disto em que a
secretária da Energia, Sábuo Heir, falava em ter fuso nuclear na próxima
década, não é? Provavelmente é um, enfim, é bastante ambicioso, mas era
algo que se alguém dissesse isso há 10 anos achavam que era
maluco, basicamente. Se calhar há muita gente, muita gente também terá achado
que ela era maluca, mas ainda assim...
Nuno Loureiro
Sem dúvida houve. O Avessa Cimeira na Casa Branca, não é? Cujo
tópico era o estabelecimento de uma visão para a comercialização da energia
de fusão para a próxima década. E eu acho que há muitas
pessoas que consideram que isto é otimista, se calhar demasiado otimista. Eu
acho que há razões para estarmos entusiasmados. Os progressos que têm sido
feitos e o momento que está por trás da fusão nuclear neste
momento é muito forte e acho que há ideias em jogo que
são muito interessantes e que parecem muito promissoras. Contudo, eu acho que
a história da fusão nuclear aconselha prudência e, Por um lado, existe
esta percepção de que algo como a fusão nuclear é necessário para
fazermos esta transição energética e, portanto, acho que isso motiva muito do
otimismo e do momento que se tem criado por trás disto. Por
outro lado, acho que é importante perceber que a fusão nuclear ainda
é uma área de investigação, o problema não está resolvido e quem
sabe que o problema está resolvido não está ao ser honesto. Nós
achamos que os estudos que temos feito sugerem que a fusão nuclear
é possível, mas até fazemos a experiência e nós não sabemos a
resposta.
Nuno Loureiro
para além disso, não é? Certo. Tu tens toda a razão. Isto
é, não basta apenas... Não basta. Não basta apenas ter a reação
de fusão a funcionar, não é? Existem todas as questões que estão
associadas com pegar nisto e fazer disto um reator de energia, não
é? Uma coisa que produz de facto energia para a rede de
uma maneira contínua. E aí existem várias questões que têm que ser
trabalhadas ainda, que podem ir de partes sociológicas da questão, como por
exemplo, será que as populações estão disponíveis para ter reatores de fusão
nuclear nos seus quintais, não é? Ou seja, na sua terra. Até
questões altamente técnicas, como por exemplo, como é que vamos continuar a
gerar trítio suficiente
Para
termos o trítio que é necessário. Porque
Nuno Loureiro
O trítio não existe na natureza porque tem um tempo de decaimento
radioativo médio de 12 anos. Portanto, o trítio tem que ser gerado,
e nós sabemos gerá-lo, é gerado através de lítio. Portanto, bombardeia-se de
lítio com neutrões e isso gera trítio. Portanto, estamos a falar de
um processo que é inerente a um design normal daquilo que se
concebe que poderia ser um reator de fusão nuclear. Mas pronto, isto
é, não é a coisa mais óbvia do mundo, ao contrário do
deutério que se vai buscar a água do mar. O trítio tem
questões associadas, é um elemento radioativo, contrasta com a fissão nuclear porque
na fissão nuclear o tempo de caimento radioativo é da ordem dos
100 anos, enquanto que o trítio é de 12 anos. E as
quantidades de trítio que são necessárias são diminutas, mas em todo caso.
Existem estas questões que estão subjacentes à fossão nuclear como uma fonte
de energia e que têm que ser bem trabalhadas e resolvidas em
alguns casos.
José Maria Pimentel
Menos ainda do que um micro segundo. E ainda por cima o
denominador não é fiel, como tu estavas a dizer há bocadinho, porque
não está a contabilizar, só está a contabilizar a energia que acertou,
digamos assim, não a energia toda. Para caso não sabia disso. E
no caso do JET, no caso do laboratório no Reino Unido, o
saldo de arroz foi 0.3, portanto é um valor abaixo, embora tenha
sido por mais tempo. Mas o que nós precisaríamos para gerar energia
sustentável, lia ou algures, não é sequer 1.1, o que nós precisaríamos
era algo na ordem dos 100, por exemplo, não é?
Nuno Loureiro
uma vez, existem algumas questões do discurso que eu acho que é
importante sermos muito claros. Existe uma diferença enorme entre demonstrar que é
possível fazer fusão nuclear de uma forma controlada, não é? Aí era
ter uma rentabilidade de 1, não é? Portanto é simplesmente dizer, ok,
estas reações estão a produzir tanta energia quanto aquela que eu já
tenho no sistema, mas isto não é suficiente para isto ser economicamente
viável, ok? Portanto, para tu teres uma situação em que vão haver
operadores ou empresas que vão fazer dinheiro com a fusão nuclear, que
basicamente é uma condição essencial para a comercialização da energia nuclear, tu
tens que ter rentabilidades que são muito superiores a isso. Portanto, vamos
dizer, esse reacto em vez de ser um tem que ser cinco,
ou seis, ou sete. Isso agora vai depender dos detalhes em si,
de como é que é construído este reator, os seus custos em
si, se já estamos a falar numa situação em que estamos a
construir reactores em série, portanto, em que os custos baixam, etc.
Nuno Loureiro
Sim, sem dúvida. A outra diferença fundamental é que se a temperatura
baixar as reações de fusão acabam. Portanto, voltando ao início desta conversa,
conseguir que a fusão nuclear funcione dá imenso trabalho, não é? É
preciso ter aquelas temperaturas enormes, não é? Portanto, qualquer interferência com o
reator, qualquer falha do seu funcionamento causa imediatamente baixa da temperatura, acabam-se
as reaçes de fusão. Portanto, este cenário de desastre nuclear não existe
na fusão nuclear e é uma das coisas, uma entre várias coisas,
que a torna uma alternativa tão interessante à fissão nuclear. Ou
José Maria Pimentel
Sim, sim, esse é um ponto interessante. Enfim, é um ponto interessante
sobretudo por causa deste problema de opinião pública que surge sempre em
torno da da energia nuclear e mesmo quer dizer, eu acho que
parte dele tem que ver com o equívoco entre a energia de
fissão e a energia de fusão, mas há outra parte que persiste
mesmo depois de desclarecer esse equívoco, ou pelo menos parte dele. Tu
há bocadinho falaste do esforço que existe atualmente de um lado de
laboratórios públicos, digamos assim, ou seja, com fundos do Estado e do
outro lado de empresas privadas. O que é que as empresas privadas,
enfim, eu sei que são muitas, portanto não é muito fácil responder
isto assim, mas o que é que elas estão a ser criativas,
não é? Em que é que elas estão a tentar fazer diferente
que os laboratórios com fundos públicos não conseguem fazer ou não querem
fazer, tendo em conta o ambiente na questão?
Nuno Loureiro
isso a decisão é mais lenta, a versão a riscos, etc, etc.
Exato, exato. Portanto, esta importação de uma atitude de Silicon Valley para
o Nublafusão, que é de facto o que nós estamos a ver,
tem vantagens e desvantagens, claro, não é? Contudo, eu acho que algumas
das vantagens são uma eficiência maior e uma menor aversão a correr
riscos, não é? Permite experimentar várias coisas. Agora, aquilo que nós estamos
a ver é de repente todo um mapa de empresas diferentes, nem
todas têm propriamente um conceito que eu diria que está muito bem
pensado. Existe um pouco de tudo, Existem algumas que eu acho que
são muito promissoras ou pelo menos um conceito muito interessante. Outras não
tanto. Quer dizer, o mercado se irá mais
José Maria Pimentel
tarde, não é? Sim. No caso das privadas, a partir de ir-se-ia
que elas estavam numa certa desvantagem por não terem os meios que
tu tens para fazer no ITER um tocamac gigante, eles não conseguem
fazê-lo, não é? Certo. E sendo a dimensão importante, como tu dizias
há bocadinho, isso à partida seria uma desvantagem, por exemplo, pelo menos
neste método de confinamento magnético, não necessariamente no outro, uma desvantagem
José Maria Pimentel
Ok, engraçado. Eu não sei se esta minha impressão está correta, mas
em áreas de ciência de ponta, infelizmente, a Europa tende a estar
atrás dos Estados Unidos. Nesta área a impressão que eu tenho é
que não é esse o caso. Nós falámos do JET no Reino
Unido, o ITER, enfim, o ITER é um projeto mundial, mas por
todos os efeitos vai ser construído em França. Várias destas empresas curiosamente
são, estão instaladas pelo menos no Reino Unido E embora os Estados
Unidos também tenham, nós falamos do NIF a bocadinho e também tenham
várias empresas destas privadas, eu tenho a impressão que no mínimo o
tabuleiro de jogo está equilibrado e até me parece que está mais
a favor da Europa, é verdade?
Nuno Loureiro
E, portanto, eu acho que há algum tempo que o Departamento de
Energia, que é quem coordena aqui nos Estados Unidos o investimento em
fusão nuclear, decidiu que o grande projeto em que estão envolvidos é
o ITER e portanto a grande parte do orçamento vai para a
colaboração no ITER e que aqui domesticamente infelizmente não tem havido orçamento
suficiente para investir na criação de uma nova máquina, de um novo
tokamak. E portanto, sem dúvida que as máquinas mais importantes da atualidade
estão na Europa. O JET no Reino Unido, o Asdex e o
Endless Flying 7X na Alemanha, portanto são das máquinas mais importantes. A
China também está investindo muito fortemente em fusão nuclear, com certeza porque
eles percebem a dimensão do problema energético que têm para resolver. Portanto,
nós não devemos descontar a China como um dos parceiros com… eles
têm uma máquina que tem avançado bem, tem tido muitos sucessos e
eles estão a pensar construir a sua própria versão do ITER. Então,
estão muito motivados, com muitos recursos, não é? Portanto, eu acho que
a cena da fusão na China é algo que devemos prestar atenção,
acho que podem acontecer coisas muito interessantes lá também. Mas, sem dúvida,
portanto, eu acho que a Europa, neste caso, tem liderado e neste
momento eu acho que não há perspetivas aqui nos Estados Unidos para
a criação de um novo tokamak nacional, não é? Portanto, existem empresas
privadas que estão a propor a criação, mais uma vez como aqui
o CFS, que vai construir o seu próprio tokamak que é suposto
estar online em 2024 ou 2025, mas portanto isso é uma parceria,
talvez uma parceria pública ou privada, ainda não sabem todos os modos
em que isso vai contextualizar.
José Maria Pimentel
E isto, bem, isto não é de toda a tua área, mas
estas coisas também são muito dependentes de um certo equilíbrio geopolítico que,
afim, nos próximos anos pode sofrer algumas perturbações, porque este processo do
ITER, por exemplo, reúne uma série de países, entre os quais, por
exemplo, a Rússia, só para dar um exemplo óbvio. Ou seja, depende
de um grau de cooperação internacional que pode não ser um dado
adquirido no futuro próximo. Sim,
José Maria Pimentel
Pois, exato, exato. É o que sempre acontece. Tu lidas mais com
a fusão através do confinamento magnético, portanto tens um pouco viajado ver
esta pergunta, mas a impressão com que eu fiquei é que não
só existem mais destes projetos com confinamento magnético do que com fusão
por inercial, através de laser, como também é nesse que tu apostas
mais, ou seja, é aquilo que parece ter mais potencial futuro tendo
em conta as condicionantes que existem sobre o outro? Bom, sim, portanto
acho que é importante esclarecer que experiências como
Nuno Loureiro
a missão principal do Lawrence Livermore National Lab é a gestão do
arsenal nuclear dos Estados Unidos. Portanto, eles estão muito interessados em saber
o que é que acontece à matéria em densidades e temperaturas extremas
e portanto estas experiências que eles fazem com o NIF têm como
primeiro objetivo responder a questões que são questões importantes para a manutenção
do arsenal nuclear. E, portanto, os orçamentos que estão disponíveis para aspectos
que têm a ver com a defesa nacional são
muito, muito,
muito superiores aos arrecimentos que estão disponíveis para coisas como a fusão
nuclear. O NIFO é muito bem financiado, não pela sua relevância para
a fusão nuclear, que também a tem, mas pela sua relevância para
a defesa nacional. É perfeitamente possível que experiências tipo NIFO, de fusão
por confinamento inercial, consigam criar um plasma que está a fundir e
que tenha reações de fusão abundantes. Mas isso não quer dizer que
esse seja o melhor sistema para ter uma central de fusão nuclear
a produzir energia. Por exemplo, existe uma dificuldade inerente que é... A
maneira como o NIF funciona é... Existe uma cápsula, como eu expliquei,
que contém o deutério e o trítio. Os lasers irradiam essa cápsula,
direta ou indiretamente, a cápsula explode e acabou, não é? Pois. Isto
não é uma produção de energia contínua. Portanto, para uma central nuclear
o que se deseja é uma situação em que a energia está
a ser produzida de uma maneira contínua. Portanto, qualquer experiência por confinamento
inercial nunca vai operar de uma maneira contínua, vai operar sempre de
uma maneira pulsada. Portanto, teria que ter esse... Uma cápsula de cada
vez.
Nuno Loureiro
Pronto, teria que ter uma grande rentabilidade e, depois, potencialmente, o que
teríamos que ter eram maneiras de armazenar a energia produzida, imagino baterias
gigantes, para que depois essas baterias possam ser usadas de maneira contínua.
Pronto, isto implica avanços na tecnologia de armazenamento de energia que não
existem ainda hoje. A fusão nuclear, na versão do stock a max,
também tem esse problema, mas agora estamos a falar da escala de
possivelmente horas em vez de ser da escala do nanosegundo. Portanto, é
muito
Nuno Loureiro
Não, portanto, houve só um aspecto que podíamos ter falado, mas da
mesma maneira que a dinâmica dos plasmas é importante para a fusão
nuclear, ela também é muito importante para compreender uma série de fenómenos
extraterrestres, não é? Por assim dizer, portanto, fenómenos em astrofísica ou em
física de espaço, explosões solares, etc. Portanto, existe esta sinergia entre as
descobertas que se fazem em fusão nuclear e o que elas possibilitam
que a gente depois compreenda em coisas astrofísicas, que eu acho que
é uma coisa interessante e que eu pessoalmente alicia, portanto eu tenho
de trabalhar nesta... Tu trabalhas nas duas áreas?
Nas
duas áreas, precisamente porque existem relações muito fortes entre a física de
um sistema e a física destes outros sistemas. Portanto, isso às vezes
é interessante. É
Nuno Loureiro
Ah, pois, ok. Portanto... Por exemplo, as ferramentas computacionais que a gente
desenvolve para estudar fusão nuclear, os códigos que a gente usa para
fazer as simulações, são muitas vezes os mesmos códigos ou os mesmos
paradigmas que se podem usar para estudar coisas como explosões no sol,
ou jatos astrofísicos, ou turbulência em galáxias, ou geração de câmaros magnéticos.
Portanto, isso é uma série de pontos comuns, não só a nível
da teoria, portanto das descrições que fazemos do sistema que tentamos estudar,
como também das próprias ferramentas que utilizamos, os códigos e etc. E
depois muitas destas coisas, a observação de certos fenómenos num laboratório, quer
seja as experiências nucleares ou experiências associadas com fusão nuclear, muitas vezes
é uma maneira de tu teres aquilo que a gente chama de
astrofísica do laboratório, é tu metes coisas no laboratório e tentas inferir
dessas medições, compreender o que é que se pode estar a passar
no sol ou noutros ambientes aos quais tu não tens acesso direto.
Portanto, essa dicotomia é muito interessante e eu acho que tem sido
muito muito proveitosa. E
José Maria Pimentel
Exato, exato. É mais concreto. Isto é a arte destas coisas, não
é? Quando contas uma história com pessoas, é muito mais relatable para
quem está a ler do que a teoria, por muito acessível que
ela esteja. Enfim, isso tem a ver também com a nossa própria
evento. Bom, Nuno, olha, obrigadíssimo, foi uma excelente conversa, obrigado pela tua
paciência e, enfim, esforço e disponibilidade em tentar traduzir esta complexidade para
leigos.
José Maria Pimentel
episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar
para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon
ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de
apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade
do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre
amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela
comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição
deste episódio. Agradeço em particular a Ana Raquel Guimarães, Julie Pichini, Família
Galaró, José Luís Malaquias, Francisco Hermano Gildo, Nuno Costa, Abílio Silva, Salvador
Cunha, Bruno Heleno, António Lima, Helena Monteiro, Pedro Lima Ferreira, Miguel Van
Uden, João Ribeiro, Nuno Pinheiro, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos
Martins e Tiago Leite.