#117 Fernando Alexandre - “Do made in ao created in: um novo paradigma para a economia...
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45°. A economia portuguesa leva já mais de duas décadas a crescer
de forma fraca, algo que já não se verificava desde meados do
século XIX, que é basicamente desde quando existem os primeiros dados do
PIB minimamente fiáveis. Em consequência disto, o nosso PIB per capita caiu
em 20 anos, da 16 posição entre os países da União Europeia,
para o 11º lugar, que corresponde a 77% do valor médio da
União. Por outras palavras, neste século, o caminho de convergência com o
PIB da média da União Europeia, que vinha acontecendo até aí, não
só não tem continuado, como se tem mesmo revertido. Este abrandamento tem,
obviamente, vários efeitos negativos no nível de vida da população e na
preparação do país para lidar com desafios futuros como o envelhecimento da
população ou as alterações climáticas, só para citar dois. Depois de algum
tempo em que este assunto foi mais ou menos ignorado, nos últimos
anos ele tem finalmente ganho peso no debate do espaço público, tal
como foi visível na campanha das últimas eleições legislativas. E a verdade
é que, independentemente da opinião que cada um tem em relação às
culpas e causas deste estado de coisas, existe hoje um relativo consenso,
quer no espectro político, quer entre quem pensa o país, que este
é um problema que temos que resolver urgentemente. Claro que refletir, desenhar
e implementar políticas públicas com o intuito de pôr o país a
crescer não nos garante que consigamos fazê-lo, mas se não planearmos, aí
é que é quase certo que a situação não vai mudar. A
reboque da maior visibilidade que este tema ganhou recentemente, Saíram também nos
últimos tempos vários estudos vindos de instituições da sociedade civil com propostas
para pôr a economia a crescer. Assim de repente lembro-me de um
documento discutido no último congresso da SEDES, em outubro, do relatório publicado
há poucas semanas pela Fundação Gulbenkian com cenários para o futuro do
país e do estudo de que falamos neste episódio, publicado pela Fundação
Francisco Manoel dos Santos e coordenado pelo convidado Fernando Alexandre, chamado Do
Made In ao Created In, um novo paradigma para a economia portuguesa.
Fernando Alexandre é doutorado em Economia pelo Birkbeck College, da Universidade de
Londres. Curiosamente, tal como o Pedro Gomes do outro episódio, juro que
é uma coincidência, é atualmente professor com agregação na Universidade do Minho,
vice-presidente do Conselho Económico e Social e ainda consultor na Fundação Francisco
Manolto Santos. E é alguém que pensa a economia portuguesa já há
muitos anos, sendo autor e coordenador de nada mais nada menos do
que 7 livros sobre a economia nacional. O estudo que o Fernando
coordenou tem por base um trabalho de investigação feito por uma equipa
larga de economistas nacionais, cujo trabalho foi acompanhado por um comitê de
especialistas nacionais e internacionais de diferentes áreas. É por isso mais do
que um simples levantamento de dados, um estudo abrangente baseado em análises
sólidas de vertente académica. Só para terem uma ideia, cada uma das
7 áreas analisadas tem um policy paper correspondente em que é feita
a análise que depois resulta nas conclusões e recomendações para aquele aspecto.
O relatório propõe, como o nome indica, um novo paradigma de crescimento
para a economia portuguesa menos baseado em oferecer mão de obra barata
e mais baseado na inovação, da EU Created In. As propostas que
faz, ao nível das políticas públicas, dividem-se em três pilares, instituições e
ambiente económico, investigação, ensino superior e qualificações e infraestruturas. Durante a nossa
conversa discutimos algumas destas propostas, em profundidade, e falámos de alguns problemas
de fundo que o país deve corrigir se quer implementá-las. Claro que
tanto o estudo como, sobretudo, esta conversa, são apenas um contributo para
uma discussão que deve decorrer ao nível da sociedade civil e do
espaço público e que deve ser o mais ampla possível mas que,
necessariamente, vai demorar tempo. Da minha parte, já não é a primeira
vez que abordo este tema no podcast, por isso espero que gostem
e que vos coloque, como aconteceu comigo, a pensar mais sobre o
assunto. Finalmente, o agradecimento do costume aos novos mecenas do 45°, obrigado
ao João Belo e ao Bernardo Cortês, também à Helena Sousa, ao
Gabriel Candal, Igualmente ao Gonçalo Batista e, finalmente, last but not least,
à Joana Pereirinha. Muito obrigado a todos. O apoio crescente dos mecenos
ao 45° é uma das coisas que me fazem continuar a fazer
este podcast. Até à próxima. Fernando, muito Bem-vindo ao 45°. Obrigado por
teres aceitado este convite, que foi um convite para poucos dias depois
e estamos a gravar remotamente. Obrigado pela tua disponibilidade.
José Maria Pimentel
Obrigado. Olha, este estudo que tu coordenaste é não só bastante interessante
como bastante oportuno. Eu já o tinha lido e estive até no
evento da apresentação. Já estamos a falar alguns meses depois porque entretanto
na altura tinha outras coisas na pipeline, digamos assim, portanto fui deixando
de passar o tema. Mas não queria deixar de voltar a abordá-lo
e estou a fazê-lo agora. Este é um tema que quem ouve
o podcast já não é a primeira vez que o ouve aqui
abordado, porque é um tema importante, é um tema que nos últimos
anos ganhou, eu diria, finalmente preponderância a sério na agenda e sobretudo
acho eu desde as últimas eleições em que finalmente se tornou um
tema discutido a sério, ao contrário do que acontecia até aqui, ainda
assim é um tema que tem já vários diagnósticos nos últimos anos,
porque quando nós falamos de crescimento da economia portuguesa, tratando-se de uma
pequena economia aberta, estamos a falar quase por definição da competitividade da
economia portuguesa e sobre isso há uma série até de indicadores internacionais
e de pessoas a debruçar sobre o assunto e portanto todos nós
já conhecemos alguns diagnósticos com muitas parecenças e algumas diferenças entre si.
Neste caso, o que é que é especial na abordagem que vocês
fizeram, no fundo no trabalho que está por trás deste estudo e
nas conclusões a que chegam face aos diagnósticos já eram conhecidos?
Fernando Alexandre
Eu penso que aquilo que nós fazemos de diferente, o ponto de
partida é que nós de facto estamos naquela, ou seja, este longo
período de estagnação e de baixo crescimento, que de facto hoje concordo
que se tornou praticamente consensual. Acho
que
a discussão nas últimas eleições legislativas ajudou, teve um contributo, Foi um
contributo da última campanha eleitoral, pensei. Acho que foi dos poucos temas
verdadeiramente importantes que ganhou alguma importância na discussão política e depois na
discussão pública entre as pessoas e nos mídias e tudo isso. De
facto, nós estamos há muitos anos numa fase de baixo crescimento e
a divergir da União Europeia. E são factos, são dados e por
isso é um ponto de partida para este estudo. Nós andamos durante
muitos anos a discutir se o abrandamento no crescimento da economia portuguesa
e a quebra no processo de convergência, que foi longo, ou seja,
nós tivemos um processo de convergência de mais de quatro décadas, se
não seria passageiro, transitório. Ou porque o euro gerou dificuldades e alguma
perda de competitividade e era preciso um período de ajustamento, ou porque
a China aderiu à Organização Mundial de Comércio, ou porque houve o
alargamento aos países leste-europeu, ou porque houve uma crise financeira, ou porque
houve uma crise da dívida, depois temos o Covid, agora temos uma
guerra na Ucrânia e no fundo os fatores externos são fundamentais, mas
o mundo é sempre difícil, é sempre complicado ou seja, se nós
olharmos para trás
Fernando Alexandre
foram sempre, não é? Ou seja, é assim de facto, há períodos
mais difíceis mas há sempre dificuldades aquilo que este estudo faz é
partindo do princípio de facto desse dado que é o baixo crescimento,
o fraco crescimento e a divergência. E a divergência é que é
importante por várias razões. Primeiro porque é um comportamento económico desapontante também
quando nos comparamos com os outros, que estão no mesmo mundo, no
mesmo espaço económico e por isso de certa forma expostos aos mesmos
choques. Obviamente de forma diferente, porque os choques não afetam todos os
países da mesma maneira, mas todos os países são afetados por esse
contexto externo e por isso temos esse contexto como ponto de partida,
mas depois o que nós fazemos é, dado o contexto, aquilo que
acaba por determinar o desempenho dos países são as políticas que os
países adotam. E confesso que a mim me surpreende sempre que alguns
economistas analisem o desempenho da economia portuguesa explicando-a sempre porque o mundo
tem um comportamento que não encaixa na nossa estrutura produtiva ou vai
numa direção que não nos favorece. É
Fernando Alexandre
Saem sempre as perguntas erradas. As perguntas que eu não estou. Ora,
nós sabemos em todos os processos de desenvolvimento, uma dimensão que é
decisiva é precisamente a dimensão institucional e a dimensão da definição de
políticas. E aquilo que quando nós chegamos neste estudo a um conjunto
de propostas que visam alterar este estado da economia portuguesa desapontante e
tentar levá-la para um patamar diferente e que possa de facto corresponder
às ansiedades e às expectativas dos portugueses, em particular das gerações mais
jovens. Quando nós fazemos essa análise o que nós estamos a pensar
é precisamente que medidas de política é que podem ser adotadas precisamente
para remover obstáculos a essa transformação ou medidas de política que são
necessárias para acelerar essa transformação. E por isso um dos pontos de
partida deste estudo, quer dizer que é também o ponto de chegada
mas foi o ponto de partida, é o que é que nós
temos que fazer para que tenhamos outro modelo de desenvolvimento que corresponde
às expectativas dos portugueses. Porque hoje de facto aceitamos e termos esse
consenso nacional, eu acho que é uma condição necessária para mudarmos a
situação, que a nossa economia tem uma série de problemas que se
não forem resolvidos rapidamente, face aos desafios que nós temos da transição
climática, da demografia, da dívida elevadíssima, aquilo que aconteceu nas últimas décadas
com a imigração, em particular dos mais jovens e de uma geração
muito qualificada, que agora fica com o risco dessa imigração é maior
com o teletrabalho, que as pessoas não têm até que sair do
país, nós temos mesmo que alterar esse estado. E por isso esse
é o ponto de partida, que é precisamente pensar o que é
que temos que fazer. E nessa dimensão, este estudo da Fundação é
um pouco diferente daquele que tem sido o posicionamento da Fundação, que
é muito o de diagnóstico e de apresentar dados e factos para
termos uma discussão mais informada sobre os nossos problemas. Este estudo vai
um pouco mais longe em que dá sugestões de alterações que têm
a ser feitas. A forma como nós o fazemos é partindo, ou
seja, fazemos-lo não olhando para a fiscalidade só, olhando para as qualificações
ou para o funcionamento dos mercados ou para a questão do investimento
direto estrangeiro, fazemo-lo de uma forma, não queria usar a palavra holístico,
mas é um pouco
Fernando Alexandre
Mas é um pouco holístico porque, ou seja, esta mudança de paradigma,
que é necessária, ou seja, o que é que é essa mudança
de paradigma, se calhar também vale a pena falar um pouco sobre
isso. É no fundo, nós temos uma economia que tem uma determinada
estrutura produtiva e que ainda é muito baseada em vantagens competitivas que
estão ligadas ao baixo custo salarial e os baixos salários estão normalmente
associados a baixas qualificações e ainda não temos uma economia em que
nos setores onde as qualificações, a inovação e o conhecimento são mais
importantes tenha ainda o peso primeiro que permita precisamente absorver o trabalho
qualificado que estamos a gerar, a tal geração mais qualificada e que
por outro lado consiga arrastar o crescimento da economia como um todo.
Nós temos setores, temos empresas, setores que têm um comportamento, ou seja,
que se posicionam bem em termos internacionais. Nós fazemos comparações naquilo a
que chamamos as empresas fronteira,
ou seja,
como é que as nossas melhores empresas em alguns setores se posicionam
relativamente às empresas de topo a nível europeu.
Fernando Alexandre
seja, olhamos para as 25% mais produtivas. Quando se analisa as causas
da divergência que existe neste momento de produtividade entre os países mais
avançados e países de rendimento intermédio ou mais baixo há uma dimensão
que tem a ver precisamente com o comportamento daquilo a que se
chama as empresas fronteira, isto é, Cada vez mais a inovação tem
estado concentrada num grupo relativamente restrito de empresas, que são precisamente as
empresas, aquilo que se chama as empresas fronteira, e que têm uma
grande escala, têm uma grande capacidade de atração de talento e têm
um grande poder de mercado também. E essas empresas estão localizadas num
conjunto de regiões que também agregam muito capital, muito talento e infraestruturas
cientifico-tecnológicas e de outros tipos também excepcionais. E isso faz com que
haja de facto um afastamento entre as empresas que atuam nesses espaços,
que são muitas vezes referidos como as regiões superestrela, ou regiões estrela,
e
onde estão depois as empresas superstar. Ou seja, há muita essa discussão,
e de facto nós estamos, na maior parte dos setores, estamos muito
longe dessas empresas, e isso acaba por ter um efeito no desempenho
da economia como um todo.
Fernando Alexandre
provavelmente. Depende do setor, Ou seja, é importante também dizer que há
alguns setores onde nós temos um excelente posicionamento, sei lá, no texto,
no vestuário, no equipamento de transporte, ou seja, a indústria automóvel em
Portugal é altamente competitiva. Ou seja, há alguns setores onde, aliás, é
a única forma de sobreviver, ou seja, estamos num mercado aberto extremamente
competitivo e por isso as empresas que conseguem competir nesses mercados têm
que estar entre as mais produtivas, mas depois na maior parte dos
setores nós temos o... Ou seja, quando comparamos as empresas de topo
em Portugal com as empresas de topo a nível europeu, a produtividade
delas é 40 a 50% inferior. O que quer dizer que estão
muito longe, ou seja, estão, digamos, a competir noutra divisão se quisermos.
E esta ideia deste estudo, que é como é que nós podemos
acelerar a transição para um tal novo paradigma da economia portuguesa, que
chamamos o created in, que é a tal estrutura produtiva assente no
conhecimento, ou seja, não é exclusivamente
isso,
mas em que essa é a estrutura predominante, ou a mais relevante,
assente no conhecimento, nas qualificações, na inovação, ou seja, que medidas é
que nós precisamos precisamente para acelerar essa transformação. E quando nós pensamos
a economia dessa forma, de facto aqui não há uma medida, ou
seja, não há a questão de vamos olhar para a Irlanda, a
Irlanda tem o IRC mais baixo da União Europeia e então se
tivermos o IRC da Irlanda talvez... Exato, sim, sim. Ou seja, Isto
não funciona assim, não é? Ou seja, se fosse fácil copiar a
estratégia de um país, aliás eu costumo dizer que estas comparações são
os preguiçosos da teoria do desenvolvimento. Ou seja, o pessoal vai dizer
que uma Irlanda, e depois olha para lá, esta é um IRC
muito baixo, então se nós tivéssemos um IRC muito baixo para crescermos
como a Irlanda. Isso obviamente não funciona, mas qual é que é
o nosso ponto de partida? Também não é fazer um mix de
políticas que funcionam em vários países, não é isso, mas é olharmos
para o nosso país, para aquilo que são as condições que são
necessárias para que esse novo paradigma assente no conhecimento, assente no trabalho
qualificado, na inovação, ou seja, condições é que são necessárias e a
partir daí, obviamente pensando o nosso lugar no mundo, que condições é
que é preciso reunir. E aí obviamente vamos à fiscalidade, nós falamos
disso, mas vamos às infraestruturas, vamos às qualificações, vamos ao sistema científico
e tecnológico, mas pensando sempre em cada uma dessas áreas o que
é que precisamos para fazermos a tal transição. E
Fernando Alexandre
Exatamente, ou seja, pensando do nosso lugar geográfico na Europa, no mundo,
não é? Naquilo que são as infraestruturas que existem, os nossos portos,
as nossas linhas ferroviárias, as nossas universidades, será que elas produzem o
conhecimento e produzem as qualificações que são necessárias para esse novo paradigma?
Ou seja, esse é o ponto de partida e por isso, obviamente
nós não somos exaustivos, como é óbvio, isto é um trabalho coletivo,
é um trabalho com mais de 20 investigadores, de 13 instituições nacionais
e estrangeiras, que engloba as principais universidades portuguesas, alguns dos melhores investigadores
na economia do país e acompanhados por um steering committee internacional e
por isso isto é um trabalho conjunto que foi bastante discutido nesse
grupo e que a própria discussão deste possível paradigma, isto é interessante,
eu gostava de enfatizar um pouco isso, não é assim tão claro,
quando se começa a discutir, uma coisa é aquilo que o ex-primeiro-ministro
Cavaco Silva queria colocar Portugal no poltão da frente. É interessante que
o primeiro-ministro António Costa recuperou essa expressão na primeira legislatura de colocar
Portugal no pelotão da frente, ou seja, seria na 4 Revolução Industrial
que nós iríamos estar entre os líderes. Mas às vezes estas coisas
são ditas sem ter consciência do lugar onde nós estamos e onde
estão os outros. São aquelas frases que se dizem, depois fazem uma
primeira página, um título, ou seja o que for. Mas quando nós
olhamos para as condições, e este grupo que fez este estudo é
constituído por pessoas que conhecem não só bem a economia nacional como
a economia
internacional.
E de início quando nós começamos a discutir este conceito não foi
nada consensual no grupo que isto fosse possível. Ou seja, não estamos
a falar de pessoas, não é os pessimistas ou os otimistas, são
pessoas que têm conhecimento, que sabem as dificuldades, a exigência que é
estar nesse novo paradigma onde se compete com base no conhecimento, nas
qualificações e na inovação e se compete com as empresas fronteira a
nível europeu, ou seja, é disso que estamos a falar, e isso
é de uma exigência que quem tem conhecimento daquilo que é necessário
para poder estar nesse patamar tem dúvidas, ou pelo menos no início
do estudo havia muitos dos meus colegas que nós tivemos nas primeiras
duas reuniões em particular houve várias pessoas na primeira então que disseram
Fran, isso não é possível não é hipótese Mas são pessoas que
não são pessimistas, não tem nada a ver com isso.
Fernando Alexandre
entendo. Não é disso que estamos a falar, estamos a falar de
pessoas com conhecimento e que sabem a dificuldade de pôr as coisas
a funcionar nesse patamar. Mas depois, porque muitas vezes as pessoas também
não têm, e isso era, penso que era o que estavas a
dizer, esta proposta não é feita no vazio, isto não é um
documento feito no abstrato para um país que é uma folha em
branco. Não, aliás, é uma proposta do novo paradigma que é inspirada
em muitos casos que felizmente já existem na economia portuguesa mas que
ainda não têm a dimensão, a escala, ou seja, não são predominantes
na economia portuguesa e não têm a dimensão, a escala que permite
arrastar a economia portuguesa como um todo e fixar cá toda essa
geração mais qualificada em Portugal e até atrair muitas pessoas de fora,
não tem ainda essa dimensão. Esse
Fernando Alexandre
que já existe. Exatamente, porque nós já temos E é isso muitas
vezes que permite de facto alguns líderes políticos entusiasmarem-se e pegarem nesses
bons exemplos para dizer não porque nós somos dos melhores do mundo
nesta área ou naquela. Os melhores do mundo, isso é se calhar
um bocadinho exagerado, quando estamos a falar em termos económicos, não há
assim muitos exemplos. Mas de facto esses são exemplos que não têm
escala nem têm depois um impacto, ou seja, são singulares, são quase
ilhas de excelência que nós temos. Mas nós temos que usar essas
ilhas de excelência e muitas das medidas que estão propostas aqui resultam
obviamente de uma reflexão académica, porque este estudo é muito académico, mas
resultam também do contacto que muitas das pessoas desta equipa têm com
a realidade e que conhecem aquilo que é preciso, por exemplo, na
área do sistema científico e tecnológico, ou seja, que sistema científico e
tecnológico é que nós precisamos e que ligação é que esse sistema
científico e tecnológico tem que ter com as empresas portuguesas para que
consigamos ter uma capacidade de gerar valor completamente diferente daquela que temos
e que é essencial para ultrapassar, para fazermos face aos tais desafios
da transição climática, da demografia e da dívida, e da dívida que
eu acho que vai ser nos próximos tempos, acho que vamos sentir
outra vez o fardo da dívida com mais intensidade.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, exatamente. Este interregno destes anos provavelmente está a acabar.
É interessante justamente porque o estudo tem essa abordagem holística, que tu
falavas, vocês acabam por dividir as recomendações em três eixos. Um, eu
diria que é o mais clássico, que é o que vocês chamam
de instituições e ambiente económico. Acho que este é aquele mais clássico,
que tem a ver com melhorias institucionais, melhorar aquilo que se chama
ambiente económico, ou seja, diminuir os custos de contexto, ou seja, barreiras
ao investimento e à atividade económica, aumentar a concorrência, aumentar a qualidade
da regulação, por exemplo.
Fernando Alexandre
Pois, mas lá está. É tão comum e continua a surpreender uma
pouca importância isso viu-se aliás no desenho do PRR e vê-se na
forma como é tratado o Plano Nacional de reformas e todo o
processo do tratado orçamental, que tem uma dimensão de reformas sempre associada
e que é tratado de uma forma que eu acho que não
é séria, ou seja, não é levado verdadeiramente a sério, precisamente porque
se descura a dimensão institucional, ou seja, não se percebe, acho que
continuamos sem perceber em Portugal, a importância que tem o bom desenho
das políticas e a boa governação das instituições para que depois as
políticas tenham resultados efetivos. E isso continua a ser descurado, ou seja,
eu posso dar muitos exemplos de como, seja na forma como o
próprio governo funciona, a própria administração pública funciona, as direções gerais, a
orgânica do governo, a questão das entidades reguladoras. Tem aqui várias dimensões.
Tem desde a orgânica, a própria organização, a estrutura do Estado, se
quisermos, à própria governação depois dessas instituições. E em todas elas, ou
seja, em todas essas dimensões, nós temos falhas que são gritantes e
continuam a ser ignoradas e não são sequer discutidas. Por exemplo, um
dos exemplos que nós damos das entidades reguladoras, eu acho que é
um dos exemplos que permite ilustrar isto. As entidades reguladoras que são
independentes, devem ser independentes por várias razões, obviamente com mandato político, se
pensarmos por exemplo nas entidades reguladoras que têm responsabilidades no bom funcionamento
dos mercados. Podemos pensar na Autoridade da Concorrência, podemos pensar na CMVM,
podemos pensar na Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões, na ANACOM,
das Comunicações. Nós raramente, agora por acaso com a ANACOM quando tivemos
um leilão e ele se atrasou muito passámos a discutir no fundo
os resultados. Mas nas entidades reguladoras em Portugal nós discutimos no fundo
os empregos ou seja, como é que se nomeiam, quem é que
nomeia as pessoas que vão para essas entidades e nunca discutimos os
resultados dessas entidades, isto é, os administradores dessas entidades obviamente o processo
de nomeação é muito importante e acho que em Portugal também pode
ser claramente
Fernando Alexandre
Vamos lá, uma coisa, cada uma delas tem uma especificidade e deve
ser trabalhada, e eu aí não sou especialista, há alguma outra onde
eu posso dizer mais alguma coisa mas não sou especialista e cada
uma delas há know-how internacional sobre como é que estas coisas se
fazem. Mas aquilo que nós não nos podemos esquecer é que a
entidade reguladora, qual é que é a função dela? É garantir o
bom funcionamento, é garantir a concorrência nos mercados. E esse é o
mandato que eles têm, ou seja, eles não são independentes para definir
o objetivo, eles são independentes para usar os instrumentos que têm legalmente
ao seu dispor para alcançar aquele objetivo. A independência deles é no
uso do instrumento e na definição do objetivo. O objetivo é definido
politicamente. Mas no final, no final do mandato, no final do ano,
é preciso saber, do ponto de vista da concorrência, por exemplo, em
cada sector, o que é que aconteceu. Ou seja, qual é que
era o objetivo que estava fixado e qual foi o resultado que
foi alcançado? E estes resultados deviam ser prestado na Assembleia como eu
acho que devia ser na Assembleia, que devia ser feita a nomeação
e não, se calhar, como nós temos em muitos casos, do Governo,
onde continuamos a ter membros do Governo e diretamente de entidades reguladoras,
o que do ponto de vista da independência é muito discutível mesmo.
José Maria Pimentel
Sim, eu acho que o nosso modelo também faz com que o
poder legislativo e o poder executivo se confundam bastante, não é? Porque
um emana do outro quase diretamente, não é? Tu eleges do Parlamento
e do Parlamento emana o Governo e, portanto, se o partido tiver
maioria absoluta, o cabeça de lista será o primeiro-ministro, não é como
aconteceu agora. E até em termos de recursos, por exemplo, a Assembleia
tem muito poucos recursos comparado com os governos, ou seja, os partidos
que estão na Assembleia e que têm que fazer oposição ao governo
têm poucos recursos dados pelo sistema para isso. E depois temos o...
Até é quase uma tradição que as coisas sejam muito centralizadas no
governo tem a ver também com o nosso centralismo, mas por exemplo...
Mas vamos lá para uma coisa, um dos
José Maria Pimentel
Não, mas eu estava aí, ao encontro do que estavas a dizer.
O poder legislativo, ou seja, a Assembleia devia ter um papel mais
ativo, tal como devia ter, por exemplo, isto é outra história, mas
quer dizer, tudo isto tem que ver com a qualidade institucional e
com a capacidade de colocar a governação ao serviço dos cidadãos, digamos
assim. Mas o outro aspecto diferente deste, mas que agora ao ouvir-te
me lembrei, é a questão dos ministros, por exemplo, não terem audições
no Parlamento antes de serem nomeados como ministros, que é uma coisa
que até no Parlamento Europeu acontece. Nos comissários, exatamente. Com os comissários,
com as enormes falhas que tem o modelo europeu, não é, de
Fernando Alexandre
integração. Exatamente, mas, por exemplo, uma coisa, um aspecto logo que eu
acho que eu tenho criticado, tenho sugerido e já houve várias pessoas
que sugeriram isso, incluindo no primeiro programa do PS em 2015, isso
era sugerido, começa logo com a... Ou seja, como é que se
prepara um ministro? Um ministro devia se preparar para uma pasta, mas
era bom que essa pasta tivesse minimamente definida e a área de
atuação fosse conhecida. Ora, nós estamos sempre a mudar a geometria dos
ministérios. Como é que alguém se prepara para um ministério? Depois o
que tem que fazer são equipas secretárias de estados variáveis, não é?
E se houvesse uma estrutura, não tinha que ser totalmente fixa, mas
bastante fixa, porque estas coisas não mudam assim tanto, isto ajudava imenso
à eficiência do governo. Imenso. Porque as mudanças que nós temos sempre
nos ministérios, ou seja, não há sequer aquela preparação de alguém para
ser ministro de materiais, quer dizer, pode haver para as finanças, mas
nós estamos sempre para alterar, não é? Ou seja, o primeiro-ministro António
Costa mudou radicalmente a estrutura de um governo para o outro e
pelos vistos agora vai mudar radicalmente no sentido de reduzir. Pedro Passos
Coelho também fez isso. Sim, teve um governo ministro. Pedro Passos Coelho
teve um governo ministro que depois fez um governo maior dentro da
mesma legislatura e isto causa enormes perturbações na gestão. Imenso, isto é
uma fonte de ineficiência brutal. E começa logo aí, ou seja, do
ponto de vista orgânico, nós temos problemas de organização sérios, não é?
E por isso a dimensão institucional é muito desvalorizada, ou seja, esta
dimensão em que eu gostaria que a governação fosse mais eficaz, isso
implicava que fosse dado muito mais importância a essa dimensão. E não
é. E por isso a dimensão institucional e eu volto às entidades
reguladoras. Nós temos muitas discussões sobre entidades reguladoras, mas tirando o caso
da ANACOM, que teve um leilão que se atrasou muito no 5G,
que até teve um resultado interessante no final, nós só discutimos como
é que se nomeia quem é que é o dirigente, quem são
os administradores da entidade reguladora, porque, pronto, são cargos bem pagos, de
facto.
Fernando Alexandre
Sem dúvida, sim. Quer dizer, isso... Claro, isso... No final vamos sempre
dar aí, não é? E têm sido feitos alguns progressos, e em
particular no Parlamento, não é? As comissões de inquérito, em
particular, têm
estado bastante mais eficazes e conseguem, acho que conseguem marcar a agenda,
que acho que é uma mudança muito importante nos últimos anos em
Portugal.
Fernando Alexandre
essa dimensão institucional é, de facto, muito importante. Aliás, para esta questão
do novo paradigma, nós precisamos de ter empresas maiores, por exemplo. Ou
seja, a produtividade que acaba por determinar os salários no longo prazo.
Se não tivermos um crescimento de oportunidade não vamos ter salários mais
altos, é uma condição necessária
e por
isso precisamos ter empresas maiores e por isso precisamos ter um ambiente
económico que favoreça o crescimento das empresas e nós damos alguns exemplos
de áreas onde as condições do ambiente económico podem ser mais ou
menos propícias ao crescimento das empresas. Por exemplo, nós mostramos que as
empresas que entram em setores mais competitivos, ou seja, que têm uma
menor concentração, a probabilidade de uma empresa que entra num desses setores
chegar à fronteira é mais elevada. Também se uma empresa entrar num
setor onde a flexibilidade do mercado de trabalho é maior, a probabilidade
de ela chegar à fronteira também é mais elevada. E a mesma
coisa para os mercados de crédito, isto é, de facto o funcionamento
dos mercados nas suas várias dimensões é relevante, por exemplo, para o
crescimento das empresas e nós não vamos ter o aumento da produtividade
se não tivermos empresas que ambicionam crescer e que conseguem crescer e
para isso o contexto económico em que elas atuam é importante. Mas
não é só o IRC, ou seja, o IRC é uma dimensão
relevante. Claro, claro. Mas se calhar estas dimensões do funcionamento dos mercados
são ainda mais importantes, não é? A
Fernando Alexandre
Sem dúvida, não é? Ou seja, a questão do capital, nós tivemos
imenso capital no início, ou seja, até à crise financeira internacional, não
é? Ou seja, basicamente as empresas portuguesas foram inundadas de crédito e
nós sabemos, até pelo estado em que ainda está a banca, embora
tenha feito uma boa recuperação nos últimos anos, que esse crédito foi
mal utilizado.
Por isso
nós tivemos uma enorme oportunidade de saciar necessidades de capital, não soubemos
aproveitá-las. Por isso, mais
uma vez, um erro interno, de
má gestão, também com incentivos políticos errados. Agora, de facto, para as
empresas crescerem, nós precisamos desses mercados de capitais, precisamos deles no início,
ou seja, quando as empresas nascem, ou seja, as novas empresas, em
particular muitas empresas que nascem à volta das universidades associadas muitas vezes
a investigadores, ou seja, startups de jovens investigadores que têm ideias inovadoras
e temos alguns casos de sucesso, ou seja, nós de facto temos
alguns, vários até, não só unicórnios que são fantásticos, mas também outras
mais pequenas e ainda menos conhecidas e que são empresas muito promissoras
e que precisam de um acesso ao capital que é fundamental para
poderem crescer e fazer esse desenvolvimento. E aí a banca tem um
papel mas não será o mais importante porque no empreendedorismo, nas startups,
normalmente essa não é a zona de atuação dos bancos, mas precisamos
de mais capital de risco. Temos alguns casos que têm feito um
bom trabalho e têm estado associadas até a alguns dos unicórnios que
começaram por ser financiados por empresas portuguesas e hoje temos também, e
isso devemos aproveitar, grandes empresas de capital de risco internacionais que estão
atentas a determinadas áreas, seja na área de software, seja na área
das ciências da vida também, da biotecnologia também, que sabem que em
Portugal há uma grande capacidade nas universidades e de investigadores que têm
ideias que são promissoras e temos vários casos, nós elencamos muitos deles
no estudo, de empresas que conseguiram precisamente atrair capital de grandes empresas,
de grandes fundos internacionais e essa é uma das vias também de
conseguirmos financiar. Outra é o investimento direto estrangeiro, também é fundamental, podemos
falar um pouco mais sobre isso. Mas depois há um outro tipo
de capital que é importante e penso que era esse também que
estavas a referir que é, por exemplo, uma PME que está a
crescer precisa de ter acesso a capital ou seja, aí já não
é um capital diferente ou seja, já não é o capital, aquilo
que nós chamamos de capital semente ou seja, naquelas fases mais embarulhárias
das startups, mas uma empresa que já está estabelecida e que está,
no fundo, a aumentar a sua capacidade de produção, como é que
ela vai fazê-lo? E aí, muitas vezes, ou seja, os capitais próprios
continuam a ser fundamentais, se a empresa for lucrativa pode financiar o
investimento por essa via. A IABanca também já tem um papel muito
importante. E há em Portugal alguns programas muito bem sucedidos de financiamento
de PMEs. E depois temos outras formas também que são relevantes que
são os fundos europeus. Ou seja, os fundos europeus tiveram algum papel
nisso, nem sempre foram bem utilizados, mas as indicações que nós temos
neste momento é que se está a fazer uma mudança, embora a
Comissão Europeia nem sempre veja isso com bons olhos também e tem
riscos também essa estratégia, que é no lugar de distribuir os fundos
por muitas pequenas empresas, se calhar concentrar os fundos europeus para empresas
em empresas com maior capacidade, ou seja, no fundo, concentrar os fundos
em menos empresas e em projetos
mais estruturantes.
Com mais potencial. Exatamente, e com maior capacidade.
Fernando Alexandre
diretamente através do... Não, nós temos o Portugal 2020, que está
agora a
terminar, vamos ter o Portugal 2030. Estamos no PRR uma parte importante
de financiamento para este fim. E basicamente o que os quadros comunitários
fazem, para termos uma ideia, no PT 2020 foram mais de 5
mil milhões de euros foram para micro e pequenas empresas. E, por
exemplo, eu tenho um estudo sobre isso e concluo que os fundos
aplicados em micro e pequenas empresas não são muito eficazes. Ou seja,
não têm um efeito, por exemplo, na produtividade visível, pelo menos nas
estimações que
Fernando Alexandre
Mas nas grandes empresas, nas médias e nas grandes empresas, e em
particular nos projetos em copromoção, isto é, projetos que envolvem várias entidades
e em particular entidades do sistema científico e tecnológico, os efeitos são
muito mais relevantes e essa parece estar a ser agora também a
aposta do governo, é precisamente ir nesse sentido. Há projetos de grande
sucesso, como a parceria da Bosch com a Universidade do Minho, que
aliás é um dos
projetos que eu conheço bem porque estava na reitoria na altura em
que o projeto estava a decorrer e tenho acompanhado esse projeto de
perto e é de facto um projeto muito transformador e é um
exemplo de como é que nós podemos, com multinacionais, com empresas nacionais,
com uma ligação ao sistema científico e tecnológico, alterar Todo o processo
de criação de valor, por exemplo, a Bosch antes de ter esta
parceria o que fazia era produzir peças de baixo valor que ganhava
no contexto do grupo multinacional Bosch com base no preço mais baixo
que conseguia produzir. Hoje o que a Bosch faz são produtos completamente
diferentes e 30% das receitas da Bosch resultam da produção de tecnologia
que foi totalmente desenvolvida a partir da sua fábrica em Brega. Isto
é uma mudança muito significativa na forma como a própria Bosch cria
valor e como todo o ecossistema que vive à volta da Bosch,
porque uma multinacional que vende mais de mil milhões de euros, que
é o que a Bosch neste momento vende, emprega mais de 4
mil pessoas, tem obviamente um ecossistema e muitas ligações em fornecedores. Neste
momento a ligação não é só com a Universidade do Minho, é
com a Universidade do Porto, é com a Universidade de Aveiro, porque
depois isto gera, obviamente, a partir do momento em que há bons
resultados, não só as entidades que gerem os fundos passam a estar...
E há riscos também nestas estratégias, ou seja, os decisores normalmente, obviamente,
procuram reduzir o risco de falhão e repetem fórmulas de sucesso. Mas
uma fórmula
de
sucesso repetida muitas vezes pode tornar-se, pode no fundo vir a resultar
em pouco benefício.
Fernando Alexandre
É um caso de sucesso não só em Portugal, como é um
caso de sucesso a nível europeu. E o risco, ou seja, como
aquilo correu bem, mas de início foi muito criticado, ou seja, de
início aprovar aquele projeto não foi nada fácil. Porquê? Porque o risco
era muito grande. E por isso se calhar, como estavas a dizer,
a estratégia, que foi a estratégia seguida durante vários quadros comunitários, era
distribuir por todos pequenos montantes, mesmo que houvesse alguns falhantes, não tinham
um impacto muito significativo. Depois havia um conjunto de empresas de melhor
qualidade que eram, digamos, que garantiam o sucesso do programa e de
facto não se arriscava. E isso eu concordo com isso, acho que
esse é um dos problemas e se vissem muitas dimensões em Portugal
e vessem nas escolhas dos fundos, pronto E agora eu acho que
há aqui uma mudança, e acho que pode ser positiva, porque acho
que de facto quer o sistema científico e tecnológico, quer as empresas
hoje tenham uma capacidade de gerir projetos com esta dimensão, que não
teriam também há 10, 20 anos. Também é preciso dizer isso, ou
seja, há coisas que estão a ser feitas agora que há 20
anos seriam difíceis de fazer vamos lá ver uma coisa, só para
percebermos isto há 20 anos eu diria que era impossível convencer a
Bosch a desenvolver tecnologia em Portugal porque na cabeça da Bosch quer
dizer, eu dou muitas vezes o exemplo da OutSystems, não é? Que
a OutSystems teve muita dificuldade em entrar em França porque na cabeça
dos franceses, os portugueses não faziam software faziam coisas muito bem feitas,
mas eram nas obras, no restaurante e as tipos de coisas. Há
20 anos isso não existia de facto nós não tínhamos um sistema
científico e tecnológico que pudesse convencer uma multinacional como a Bosch a
criar dois centros, neste momento, de desenvolvimento em Braga e um em
Aveiro. Ou seja, a Bosch tem neste momento, penso que três centros
de desenvolvimento de Engenharia em Portugal, um em Aveiro e dois em
Braga. Isto só foi possível porque de facto nós temos uma ciência
que ainda não nos poderá dar um Nobel, eu diria que nem
no médio prazo, mas que de facto faz ciência de acordo com
os melhores padrões europeus, com as melhores referências europeias, está inserida em
redes internacionais, tem investigadores com uma grande experiência internacional e que de
facto conseguem desenvolver a investigação no contexto de uma multinacional como a
Bosch, que produz dezenas de patentes por dia, e fazer isso de
uma forma, ou seja, em que a Bosch percebe que há uma
vantagem em não apenas aproveitar os baixos salários em Portugal, mas aproveitar
também a engenharia e a capacidade de desenvolvimento de tecnologia. E isso
é uma mudança completa da própria imagem do país. Mas
Fernando Alexandre
conseguiríamos isso. Como por exemplo a própria Critical Software também, que é
outro exemplo que nós damos. O ser hoje um parceiro fundamental da
BMW no desenvolvimento do carro autónomo, isso também não... Quer dizer, há
20 anos não era possível, quer dizer. Por isso também há aqui
uma parte, esta parte do nosso atraso da mudança de paradigma, isto
é relevante, ou seja, nós sermos vistos como um país produtor de
conhecimento, produtor de tecnologia, com engenharia de qualidade e hoje isso existe,
ou seja, os nossos, por exemplo, os nossos engenheiros de software são
vistos como dos melhores
José Maria Pimentel
E eu queria falar precisamente disso também das universidades, mas agora antes
de irmos lá, como é que nós garantimos que, este exemplo da
Bost, não é o melhor nesse sentido porque é uma parceria, muito
a cor, digamos assim, com a multinacional. Mas no caso dos fundos,
e no caso da PRR e dos fundos europeus em geral, como
é que nós, ou dos fundos do Estado, se nós quisermos, que
regras é que nós podemos criar ou mecanismos para que eles sejam
bem aplicados, para assegurar que eles sejam bem aplicados. Por exemplo, há
quem defenda, eu tenho um amigo que defende isso, que podia haver,
por exemplo, e aliás acho que o Banco do Fomento tem algumas
coisas nesse sentido, de haver um cofinanciamento e portanto os fundos serem
aplicados, por exemplo, por fundos de investimento privados, mas cofinanciados e portanto
eles têm, o fundo de investimento privado tem parte dos ganhos e
parte das perdas, portanto tem os investimentos alinhados e deixa de haver
o risco de eles serem ou mal selecionados porque não têm essa
experiência ou no limite pior ainda afetados de maneira com critérios políticos
ou pessoais e não com critérios económicos. Mas isto é só uma
ideia, não é? Não sei se vocês abordam isto em específico no
estudo, mas tinha curiosidade em saber o que tu achas.
Fernando Alexandre
Eu tenho uma avaliação dos fundos europeus que fiz para a Comissão
Europeia, o ano passado, precisamente, e abordo essas questões. Se nós estivermos
a falar, por exemplo, do financiamento de novos projetos, de startups. Claramente
o capital público aqui pode ser importante, ou seja, a Portugal Ventures
e o Banco de Fomento podem ser relevantes e há veículos que
são financiados com fundos europeus com esse fim, mas temos de facto
que tem sempre os privados, porque não vamos pensar agora que temos
no setor público especialistas em novas técnicas. Por mais que haja pessoas
que estudam isso, sem termos as pessoas que estão mesmo no mercado
e que acompanham isso, é fundamental ter essas parcerias com o privado.
Não há dúvidas sobre isso. É a forma de ser mais eficaz.
Aliás, a estrutura que nós temos, e que eu acho que é
bastante eficaz, é com veículos que são financiados pelo Banco de Fermento
com fundos europeus e depois uma série de business angels que basicamente
entram com metade do dinheiro. Aliás, eu cheguei a estar à frente
de um desses fundos em Braga, na Startup Braga. E por isso
é essa, ou seja, basicamente os privados também entram e o público
só entra quando o privado, no fundo, assumiu também esse compromisso. E
essa é a forma de garantir que há uma repartição do risco.
Exato, exato. E O privado, ou seja, os privados, os business angels,
são pessoas do setor, ou seja, são pessoas mas que têm empresas
em áreas tecnológicas e que basicamente avaliam projetos de áreas que eles
conhecem e que podem vir a ter um interesse económico neles no
futuro, que é participar na administração dessas empresas e tudo isso. E
é assim que funciona e nós já temos este sistema a funcionar
em Portugal há alguns anos já, ou seja, com o Portugal 2020
isso passou a funcionar. Nas grandes empresas é um bocadinho diferente, ou
seja, no caso das multinacionais, se nós pensarmos em projetos que associam
grandes multinacionais com empresas portuguesas e com universidades ou politécnicos ou centros
de investigação, o capital público serve para quê? O caso da Bosch
foi muito bem-sucedido, mas se tivesse corrido mal, podia correr mal, ou
seja, foi que foi desenvolvida nova tecnologia que não existia, pois nós
nunca sabemos se a tecnologia vai surgir e se vai ser bem-sucedida
no mercado, há um risco, no fundo, de disrupção do processo produtivo.
Vai afastar recursos, vai... Ou seja, o que é que os fundos
públicos estão aí a fazer? Estão basicamente a mitigar o risco de
falhança desse projeto. Ou seja, nós podemos criticar, se não tivermos a
atenção, esta dimensão de incentivo, porque é que estamos a financiar uma
multinacional milionária como a Bosch, com fundos públicos? Isto faz algum sentido?
Ou seja, a Comissão Europeia não gosta nada disso, porque sabe que
isto não é popular. A verdade é que a Bosch dificilmente teria
entrado num projeto deste se não tivesse esses fundos públicos, no fundo,
a reduzir o risco às potenciais perdas. E é isto que, nós
sabemos isso, da economia do crescimento, que são esses subsídios públicos que
no fundo vão gerar o nível de investimento ótimo, porque dado que
há sempre esse risco de falhança na inovação, o investimento privado seria
sempre subótimo. Por isso nós nunca teríamos as inovações e as transformações
Fernando Alexandre
É sempre igual, quer dizer, já se... Aliás, o caso da Bosch
serviu para isto, que foi mostrar que vale a pena uma multinacional
fazer uma parceria com as entidades do sistema científico e tecnológico português.
Isso já ficou evidente, ou seja, só isso valeu o dinheiro. Mas
agora não precisamos estar a gastar dinheiro para isso outra vez porque,
sei lá, a Mercedes se calhar já percebeu e outras empresas que
vale a pena fazer parcerias em Portugal. Ou seja, podemos continuar a
financiar projetos com multinacionais mas se calhar com outro objetivo. Depois há
outra dimensão, que é para onde vai uma grande parte do dinheiro
e que tem sido bem gasto, mas que nós temos que ter
muito mais cuidado, acho eu, que são empresas de média dimensão, que
no fundo quando nós colocamos lá o dinheiro a probabilidade de sucesso
é quase 100% e a questão é, será que as empresas fariam
o investimento ou não sem esse subsídio? E aí é que eu
tenho muitas dúvidas.
Eu
acho que se calhar na maior parte ou em muitos casos fariam
o mesmo e por isso aquilo que os fundos públicos estão a
fazer é acelerar o investimento, se calhar fariam de uma forma mais
lenta.
Fernando Alexandre
barato. Exatamente. Mas ele se calhar seria feito na mesma, se atomar
a aumentar a rendibilidade desse investimento. Mas aquilo que eu acho que
é fundamental garantir é que há uma externalidade para o setor ou
para outras empresas da mesma fileira. E por isso eu volto a
falar dos projetos em que há promoção, Ou seja, se eu financiar
uma empresa micro ou pequena, a maior parte das vezes o resultado,
pelo menos nas estimações que eu fiz e que estou a aprofundar
também agora com outros projetos, como o Miguel Portela e com o
Estante Estruturamento, que estamos a trabalhar sobre isso, não são muito visíveis,
mas se for em parceria, ou seja, se nós tivermos pequenas empresas
a trabalhar em conglomerados, em projetos de copromoção com empresas de média
e grande dimensão, se calhar há a possibilidade de termos externalidades para
essas empresas de menor dimensão. E as externalidades é aquilo que, isso
é um bocado técnico, mas é aquilo que fundamenta, ou seja, que
justifica...
Fernando Alexandre
seja, é fundamental, é fundamental garantir isso porque os fundos públicos para
empresas têm esta dimensão, ou seja, se for só para benefício da
empresa não se justifica. E por isso é que a Comissão Europeia
também é tão crítica dos fundos para grandes empresas, porque quem tem
maiores dificuldades de acesso ao capital são as micro e as pequenas
empresas. Na questão do financiamento, A dimensão do crédito que é dado
a empresas, ou que foi dado a empresas com modelos de negócio,
no fundo não são viáveis. Em Portugal houve muitos falhanços nessa área
e é uma das áreas que nós detetamos onde ainda existem problemas
e que agora com a questão da pandemia e de outras crises
se podem agravar. E que é o facto de nós termos empresas
que de facto não são viáveis economicamente e que persistem no mercado
durante muito tempo. E persistem porque o sistema financeiro durante muito tempo
não foi rápido, no fundo, a cortar, porque tinha incentivos para isso,
a cortar o crédito dessas empresas e por outro lado porque os
procedimentos de insolvência também não são muito eficientes.
Fernando Alexandre
um lado cultural, não é? Que é, eu também percebo, quer dizer,
nós olhamos para estas empresas e pensamos estes tipos não se aqui
a aproveitar e não pagam impostos mas muitas vezes são pessoas que
dedicaram a vida toda a uma empresa e aquilo é como um
filho, que eles obviamente não querem deixar e é preciso perceber isso,
ou seja, há ali um lado sentimental e depois há até o
lado, e se calhar talvez estejas a referir a isso, que é
o lado do falhanço, o medo de perante a vizinhança
José Maria Pimentel
Olha, outro aspecto que vocês focam no estudo é a questão das
qualificações e das universidades em particular. E nós aqui temos, de certa
forma, um puzzle, porque nós temos... As qualificações progrediram bastante, sobretudo nos
últimos 20 anos. Nós temos universidades, bem, depende das áreas, mas com
uma qualidade de ensino que eu diria que é razoável e temos
uma boa rede de universidades. Temos até um número de investigadores razoável,
mesmo em áreas de STEM, e no entanto continua a haver aqui
algumas lacunas, como tu próprio dizias, continuamos a não ter universidades excelentes,
portanto temos universidades boas mas não temos universidades excelentes, mesmo nesta área
da STEM, portanto da ciência, tecnologia, no fundo áreas que estão ligadas
às áreas da economia com maior crescimento. Temos números razoáveis, mas também
não são extraordinários, não é? Portanto, aqui parece que estamos aqui no
meio, não é? Aqui temos algumas coisas boas. Tu falavas, por exemplo,
das pessoas com formação em programação e em informática, claramente temos, quer
dizer, tenho várias pessoas da minha geração que trabalham para empresas estrangeiras
ou trabalham mesmo nos estrangeiros, são muito bem pagos e portanto são
altamente reconhecidos mas ao mesmo tempo ainda não conseguimos por um lado
ter universidades de excelência e por outro transformar isto em crescimento económico
e em projetos salvo algumas boas exceções em Portugal, não é? Para
já,
Fernando Alexandre
Basta dizer que nós temos uma lei de financiamento do ensino superior
que é discutível, ou seja, é antiga e que se calhar não
dá os incentivos corretos para aquilo que deviam ser os incentivos que
as instituições de ensino superior em Portugal precisam mas é uma lei,
como muitas em Portugal, que não é respeitada. Ou seja, não é
seguida. Até vai no sentido de dar alguns incentivos, mas não são
muitos, e depois não é aplicada. Isto não faz sentido nenhum. O
sistema de ensino superior em Portugal é financiado numa lógica em que
o número de alunos, se bem me lembro, a referência é o
número de alunos que as universidades e os politécnicos tinham tipo em
2007. Praticamente não houve atualização nenhuma, houve imensas mudanças e por isso
há universidades que estão beneficiadas, há outras, para termos uma ideia, as
universidades que cresceram mais na última década são as mais prejudicadas ou
seja, aquelas que tiveram mais procura e que formaram mais pessoas são
as mais prejudicadas isto não faz sentido nenhum, em geral, mas depois
se quisermos de facto para o tal paradigma nós precisamos ter áreas
que lá está a questão na fronteira. E nós andamos para o
ranking de Xangai e, por exemplo, achamos que seria interessante... Que é
Fernando Alexandre
Beneficia as universidades maiores, mas a Universidade de Lisboa, que é a
que está em melhor posição, está entre a posição 150 e 200.
E, por exemplo, uma das medidas que nós recomendamos era uma estratégia
para colocar uma universidade portuguesa nas 100 primeiras. Ou seja, se nós
quisermos ser um país em que o paradigma é o creative in,
isto é, que temos uma economia baseada no conhecimento, nas qualificações e
no talento. Nós temos que atrair talento, temos que atrair investidores, capital
e essas pessoas, esses investidores vão olhar para as universidades portuguesas, onde
é que elas estão. E se elas não aparecem nas 100 primeiras,
ou pelo menos algumas áreas, é difícil dizer que somos uma economia
do conhecimento inovadora baseada nas qualificações, quando depois não temos universidades no
topo das classificações a nível mundial. Claro que isto é, como muitas
medidas, nós temos que ser minimamente objetivos e temos que pôr aqui
um número, não é? Mas depois a qualidade pode ser definida de
várias maneiras, os rankings são muito úteis, é meio óbvio, mas não
são todos.
Fernando Alexandre
nesse ranking temos que ter linhas de investigação que, ou seja, temos
que dar os incentivos e a possibilidade de algumas universidades, algumas áreas
dentro de algumas universidades, estarem a competir para resolver problemas a nível
internacional e para aparecerem na linha da frente com soluções para esses
problemas. E isso precisa de um modelo de financiamento que tem que
ser de média e longo prazo e que obrigue a fazer escolhas.
Mas têm que ser escolhas transparentes, até para responsabilizar depois essas instituições.
Porque quando os incentivos ou os incentivos ou se o financiamento até
favorece algumas universidades, mas não é de uma forma transparente, elas nunca
serão, nunca haverá prestação de contas. Elas têm mais recursos, mas não
são obrigadas a prestar contas, porque, digamos que formalmente, elas não foram
beneficiadas. E por isso eu preferia que se dissesse assim, nestas áreas,
ou seja, haveria um concurso internacional, por exemplo, com júris internacionais para
definir financiamentos por 5, 10 anos e depois no final destes períodos
haveria avaliações.
Fernando Alexandre
é... O ERCIS é o mais famoso, que são as bolsas individuais
para investigadores, que são entre 1 milhão e 2 milhões de euros.
Portugal vai conseguindo algumas, meio a 12 por ano, 10 por ano,
o que é interessante. Nós não estamos muito mal posicionados nesse patamar.
Ou seja, o financiamento europeu é uma opção, mas nós também temos
de ter uma estratégia nacional e essa estratégia de facto não temos.
Como eu costumo dizer, quando chega ali a primeira semana de outubro,
quer dizer, na Universidade Portuguesa ninguém está nervoso, quer dizer, o Estocolmo
não vai ligar, não vai perguntar para Portugal e eu acho que
isso podia ser lá está, voltamos a esta discussão, ou seja, quando
eu falo com os meus colegas eles dizem, oh, não, esquece, isso
não é possível em Portugal. Ainda agora estive em Singapura, ou estive
não sei onde e aí assim eles têm um programa e sabes
quanto é que eles estão a investir nisso e pronto, e a
conversa acaba ali.
Fernando Alexandre
Eu tenho dito ao meu reitor que acho que ele fazia melhor
em dizer que o que tinha chega e que ele vai trabalhar
para conseguir mais dinheiro porque o tempo que ele perde não justifica
o dinheiro. Pois, pois. Ou seja, é ridículo, atenção, isto é mesmo
ridículo, isto devia ser discutido por humoristas, isto é ridículo porque eles
andam meses a discutir trocos e as instituições em vez de estarem
focadas na estratégia andam focadas em ter mais 300 ou 400 mil
euros. Quando se estivessem a pensar de facto, ou seja, é preferível
dizer opá, o governo não vai dar, não vai, acabou. E passavam
anos até para o governo. Eu acho que era preferível, porque é
tudo tão ridículo que não... Eu nem consigo perceber como é que,
mesmo do ponto de vista dos decisores políticos, não tem mais nada
que fazer. É que andam a discutir coisas sem interesse nenhum. Isto
quando chega ali à altura do verão, as pessoas só falam disto
e eu digo para amor de Deus, eu tenho mais em que
pensar, isto não tem interesse nenhum. E andam com folhas para trás
e para a frente e reuniões em Lisboa e para trás e
para a frente não consigo perceber. E não tem que ser tudo
por fórmula, mas tem que ser claro, tem que ser transparente. Claro.
Não,
Fernando Alexandre
investigação. Claro, ou seja, isso não seria definido pelo ministro, isso seria
definido por concursos internacionais. Nós teríamos que ter uma avaliação e dizer,
ou seja, nós sabemos, não vou estar agora aqui a dizer nomes
que não é a parte interessante, mas é sabido mais ou menos
quais são, qual é a maior, é Lisboa, o Porto é a
segunda, e depois temos Coimbra, a Nova, Aveiro, Minho, Aveiro é mais
pequeno que as outras três, mas este é o grupo das universidades
que tem mais massa crítica. Não quero dizer que os politécnicos, a
rede universitária não possa ser importante e que não tenha também que
ser reformulada, mas se nós quisermos pôr universidades a competir a nível
internacional, obviamente não podem ser todas. Atenção a história, isso pode ser
por áreas, ou seja, na Universidade de Lisboa pode ser uma área,
Sim,
Fernando Alexandre
dizer, não tem que ser para a Universidade, porque as universidades também
são obrigadas a... Também têm muitas fontes de ineficiência e podiam fazer
muito melhor do que fazem em muitas áreas. Agora, há áreas que
trabalham muito bem, há outras áreas que trabalham, mas quase todos os
países, o que Orlando Oliveira, por exemplo, e Alvira Fortunato disseram no
encontro, foi precisamente que na Holanda e na Alemanha, nós falamos disso
no estudo, há um conjunto de universidades, três universidades, cinco universidades, que
têm um financiamento diferente, precisamente porque têm objetivos diferentes. Ou seja, estão
a competir noutras dimensões que não está o sistema como um todo.
E por isso, voltamos ao mesmo, fazer essa diferenciação. É a questão
da escolha. É a questão da escolha. E nós falamos também disso,
na questão da região estrela. Houve algumas críticas. Nós falamos muito da
coesão em Portugal, a questão das assimetrias regionais. Eu sou muito sensível
a isso. Mas a verdade é que se nós andarmos a distribuir
os fundos e recursos pelo país como um todo, sem percebermos que
temos de ter áreas, regiões, como eu costumo dizer, que têm que
ter algum brilho, ou seja, quando se olha para o mapa há
aqui uma estrelazinha, um brilhozinho neste extremo ocidental da Europa que é
Portugal e que as pessoas sabem que há ali uma região onde
há universidades, talento, pessoas qualificadas, boas infraestruturas e que é um sítio
bom para viver e para investir e para trabalhar e para desenvolver
projetos e para criar empresas e é preciso fazer isto.
Fernando Alexandre
As pessoas têm que falar e têm que circular rapidamente. Não podem
estar dispersas pelo país, quero dizer. E aqui voltamos um bocadinho à
mesma conversa da época, e também a ver com escolhas e com
instituições, que é a ligação Porto-Lisboa-Ferroviária. A ligação Ferroviária-Porto-Lisboa. Se as pessoas
não percebem que entre as duas principais cidades do país, onde vive
uma parte significativa da população portuguesa, onde temos objetivos de descarbonização que
passam para as pessoas andarem menos de carro e mais de comboio
que não temos que ter um comboio rápido entre estas duas cidades
e andamos há, sei lá, quantos anos a discutir isto quer dizer,
eu acho que se percebe muito pouco do que é que é
é ir aos outros países e ver como é que são as
ligações ferroviárias entre as principais cidades. Isto é inacreditável, não é? O
país de Braga a Lisboa demora 4 horas. É inacreditável, não é?
Ou seja, ir e vir no mesmo dia são 8 horas, quer
dizer.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Sim, torna-se bastante difícil. E quem diz isso diz até
os transportes urbanos dentro das cidades. Exatamente, sim. Mas desculpa, só voltar
ao tema das universidades. Que variáveis é que tu vias aqui neste...
Vias uma avaliação internacional que faz sentido para garantir maior imparcialidade e
maior objetividade, mas dentro das variáveis nós teríamos, certamente, produção de investigação,
portanto, papers é que são produzidos, quantidade de situações é que tem,
teríamos também ligação, por exemplo, a empresas, portanto, a conversão desse conhecimento
Fernando Alexandre
em projetos concretos, o que é que me está a faltar aqui?
Temos os diplomados, a integração dos diplomados no mercado de trabalho, são
as variáveis habituais nesse rankings, mas aqui o que eu acho que
nós tínhamos que ter, e pronto, e o estudo parte um pouco
disso, é que nós temos aqui desafios que estamos pela frente, ou
seja, a parte da transição climática, a parte da demografia. E por
isso há áreas onde nós temos que estar na linha da frente,
não é? Na área das ciências da vida, da saúde, claramente, não
é? Ou seja, nós temos... Vamos ter uma necessidade cada vez maior
de terapêuticas, de medicamentos. Ou seja, nós não podemos importar essas coisas
todas, ou seja, nós temos de ter uma área da saúde que
não só pensa em soluções para a nossa população, mas como são
problemas do hemisfério norte, pensa em soluções que vão ser escaláveis e
comercializáveis a nível global. Isto implica ter áreas da ciência da saúde
nas universidades de fronteira, ou seja, nós temos, seja na área das
ciências da saúde, seja na parte dos desafios da transição climática, ligado
por exemplo à área da energia, das áreas do ambiente em geral,
mais uma vez nós vamos precisar de soluções e nós não podemos,
para enfrentar este desafio, simplesmente importar tecnologia e importar conhecimento, ou seja,
nós temos que ser parte e a ideia do paradigma do Create
a Dean também tem a ver com isto, é, nós temos que
ter uma economia e a montante desta economia tem que estar sempre
no sistema científico e tecnológico que participa de forma ativa na resolução
destes problemas que são globais. E
que os antecipa.
Porque se não, ou seja, nós não vamos ter... Por exemplo, a
questão das renováveis, nós falamos um pouco disso. Nós temos neste... Bem,
agora, água não temos nesta fase. Mas temos um conjunto de fontes
de energia que nos pode vir a dar uma vantagem competitiva que
nunca tivemos na área da energia fóssil.
Sim, sim, esse é um bom
ponto. Nunca tivemos. Agora, se nós simplesmente importarmos painéis solares e turbinas
eólicas e a exploração da energia em offshore for feita com conhecimento,
com tecnologia, com equipamentos que vêm de fora, o que é que
vai sustentar essas importações? Nós temos que ser parte não só do
conhecimento que aproveita essas fontes de energia, mas nas baterias. Esta questão
do lítio é uma questão importante, ou seja, a questão do lítio
e da exploração do lítio e qual é que é o papel
que Portugal vai ter na produção de baterias na Europa que praticamente
não existem, ou seja, que é uma área de grande dependência da
Europa. Nós temos que estar quer na produção de conhecimento, quer depois
no desenvolvimento de inovação, quer na produção. Ou seja, nós na produção
estamos um pouco, na parte eólica temos algumas empresas importantes que produzem
e que exportam, mas temos que estar muito mais ativos e temos
que contribuir com soluções inovadoras. E isto implica na ciência, no ensino
superior, quanto é que é que estávamos a falar, e no sistema
científico e tecnológico, termos centros de investigação, termos áreas de investigação que
estão na fronteira, ou seja, que estão na linha da frente. E
é desse ponto de vista que eu penso, ou seja, que nós
temos que ter, não definir até qual é a área especificamente, mas
é qual é que é o problema e no fundo as soluções
têm que aparecer, pondo o dinheiro à frente, não é? Exato. Como
incentivo. Ou seja, não é o ministro que vai dizer, por exemplo,
na área das baterias, Se acharmos que é importante, aí pode haver
financiamentos para essas áreas. Ou seja, se acharmos que temos que ter
equipas, e temos, e há trabalho a ser feito nessa área, em
particular no Instituto de Nanotecnologia em Braga, isso é o ibérico, isso
é feito. Mas essa participação ativa é uma condição para termos o
tal paradigma creativino que vai responder aos desafios sociais porque senão, seja
nos medicamentos, seja nas terapêuticas, seja na tecnologia para aproveitar as renováveis,
vamos ser totalmente dependentes. Isso não é sustentável, isso não vai funcionar.
Sim, sim, absolutamente. Olha, boa maneira de terminarmos. O
Fernando Alexandre
saiu durante o processo em que estava a fazer o estudo, que
é do Philippe Aguillon, que foi o meu professor de crescimento económico
no doutoramento, que é o poder da destruição criadora, e que por
coincidência, porque o título do nosso projeto já estava feito, o primeiro
capítulo dele é precisamente o novo paradigma, mas o nosso título já
estava feito antes disso, e que é precisamente sobre isto. A ideia,
esse livro foi importante mais no sentido da validação porque o estudo
até já estava na fase final, mas no sentido da validação parte
precisamente da ideia que há países que ficam presos naquilo a que
ele chama a armadilha dos países de rendimento intermédio, isto é, há
uma fase da convergência que se baseia muito na imitação e na
replicação daquilo que os outros fazem, mas a partir de determinado patamar
de desenvolvimento, para continuarmos a crescer, nós temos que ser parte do
processo de criação de valor com a inovação, com o conhecimento e
com as qualificações. E por isso, desse ponto de vista, este livro
foi útil. Os trabalhos de crescimento económico do Filipe Aguião foram sempre
muito importantes para mim, precisamente porque ele centra essa... A dimensão da
inovação no crescimento económico e no desenvolvimento. Por isso, este livro foi
traduzido para português há pouco tempo, até tem perfácio do Carlos Moedas
Fernando Alexandre
É, mas como eu costumo dizer, temos poucas observações. O crescimento económico
tem 200 anos. Temos poucas observações e usar o passado para extrapolar
é muito difícil.
Sim, sim. E de
facto a China, o resultado já agora desse paper, já agora também
posso fazer essa sugestão de leitura, que é um paper que
já está
disponível online no European Journal of Political Economy, que basicamente a nossa
conclusão é que o regime político não parece ser relevante para o
crescimento da produtividade, a estabilidade política é, mas a liberdade económica parece
ser muito relevante para o crescimento da produtividade. E depois há uma
dimensão que nos parece que merece ser explorada, é que na liberdade
económica há duas dimensões que parecem ser muito importantes, a independência da
justiça e a concorrência dos mercados. E a dificuldade é, será que
por exemplo a independência da justiça é compatível com um regime que
não seja a democracia? Eu penso que não é. E por isso
se calhar de facto a democracia pode ser mais favorável ao crescimento
económico do que a maior parte dos estudos mostram. Porque a maior
parte dos estudos, de facto, o que mostram é que a democracia
não tem grande vantagem relativamente a regimes não democráticos para o crescimento
económico.
Fernando Alexandre
modelo ocidental. Sim, sim. Quer dizer, de facto nós estamos muito formatados
porque o desenvolvimento nestes últimos 100, 200 anos foi muito do lado
ocidental, mas pode não ser necessariamente assim. Mas as condições institucionais de
facto são relevantes. Agora, o desenvolvimento tecnológico na China, isso é uma
coisa que... Eles são na energia nuclear, na inteligência artificial, nos comboios
rápidos. Por exemplo, tem agora aquele comboio rápido do Tibet para a
China, não é? E quando eles começaram a discutir isto, levaram lá
engenheiros europeus que fizeram os túneis nos Alpes e tudo isso e
disseram que não era possível. Eles fizeram.
José Maria Pimentel
Pois, é verdade. A pessoa está sempre a subestimar a China. Bom,
Fernando, obrigadíssimo. Obrigado, Will. Foi uma ótima conversa. Obrigado, Will. Um abraço.
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