#117 Fernando Alexandre - “Do made in ao created in: um novo paradigma para a economia...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. A economia portuguesa leva já mais de duas décadas a crescer de forma fraca, algo que já não se verificava desde meados do século XIX, que é basicamente desde quando existem os primeiros dados do PIB minimamente fiáveis. Em consequência disto, o nosso PIB per capita caiu em 20 anos, da 16 posição entre os países da União Europeia, para o 11º lugar, que corresponde a 77% do valor médio da União. Por outras palavras, neste século, o caminho de convergência com o PIB da média da União Europeia, que vinha acontecendo até aí, não só não tem continuado, como se tem mesmo revertido. Este abrandamento tem, obviamente, vários efeitos negativos no nível de vida da população e na preparação do país para lidar com desafios futuros como o envelhecimento da população ou as alterações climáticas, só para citar dois. Depois de algum tempo em que este assunto foi mais ou menos ignorado, nos últimos anos ele tem finalmente ganho peso no debate do espaço público, tal como foi visível na campanha das últimas eleições legislativas. E a verdade é que, independentemente da opinião que cada um tem em relação às culpas e causas deste estado de coisas, existe hoje um relativo consenso, quer no espectro político, quer entre quem pensa o país, que este é um problema que temos que resolver urgentemente. Claro que refletir, desenhar e implementar políticas públicas com o intuito de pôr o país a crescer não nos garante que consigamos fazê-lo, mas se não planearmos, aí é que é quase certo que a situação não vai mudar. A reboque da maior visibilidade que este tema ganhou recentemente, Saíram também nos últimos tempos vários estudos vindos de instituições da sociedade civil com propostas para pôr a economia a crescer. Assim de repente lembro-me de um documento discutido no último congresso da SEDES, em outubro, do relatório publicado há poucas semanas pela Fundação Gulbenkian com cenários para o futuro do país e do estudo de que falamos neste episódio, publicado pela Fundação Francisco Manoel dos Santos e coordenado pelo convidado Fernando Alexandre, chamado Do Made In ao Created In, um novo paradigma para a economia portuguesa. Fernando Alexandre é doutorado em Economia pelo Birkbeck College, da Universidade de Londres. Curiosamente, tal como o Pedro Gomes do outro episódio, juro que é uma coincidência, é atualmente professor com agregação na Universidade do Minho, vice-presidente do Conselho Económico e Social e ainda consultor na Fundação Francisco Manolto Santos. E é alguém que pensa a economia portuguesa já há muitos anos, sendo autor e coordenador de nada mais nada menos do que 7 livros sobre a economia nacional. O estudo que o Fernando coordenou tem por base um trabalho de investigação feito por uma equipa larga de economistas nacionais, cujo trabalho foi acompanhado por um comitê de especialistas nacionais e internacionais de diferentes áreas. É por isso mais do que um simples levantamento de dados, um estudo abrangente baseado em análises sólidas de vertente académica. Só para terem uma ideia, cada uma das 7 áreas analisadas tem um policy paper correspondente em que é feita a análise que depois resulta nas conclusões e recomendações para aquele aspecto. O relatório propõe, como o nome indica, um novo paradigma de crescimento para a economia portuguesa menos baseado em oferecer mão de obra barata e mais baseado na inovação, da EU Created In. As propostas que faz, ao nível das políticas públicas, dividem-se em três pilares, instituições e ambiente económico, investigação, ensino superior e qualificações e infraestruturas. Durante a nossa conversa discutimos algumas destas propostas, em profundidade, e falámos de alguns problemas de fundo que o país deve corrigir se quer implementá-las. Claro que tanto o estudo como, sobretudo, esta conversa, são apenas um contributo para uma discussão que deve decorrer ao nível da sociedade civil e do espaço público e que deve ser o mais ampla possível mas que, necessariamente, vai demorar tempo. Da minha parte, já não é a primeira vez que abordo este tema no podcast, por isso espero que gostem e que vos coloque, como aconteceu comigo, a pensar mais sobre o assunto. Finalmente, o agradecimento do costume aos novos mecenas do 45°, obrigado ao João Belo e ao Bernardo Cortês, também à Helena Sousa, ao Gabriel Candal, Igualmente ao Gonçalo Batista e, finalmente, last but not least, à Joana Pereirinha. Muito obrigado a todos. O apoio crescente dos mecenos ao 45° é uma das coisas que me fazem continuar a fazer este podcast. Até à próxima. Fernando, muito Bem-vindo ao 45°. Obrigado por teres aceitado este convite, que foi um convite para poucos dias depois e estamos a gravar remotamente. Obrigado pela tua disponibilidade.
Fernando Alexandre
Obrigado pelo convite. Eu gosto de 45°, por isso estou aqui como te gosto.
José Maria Pimentel
Obrigado. Olha, este estudo que tu coordenaste é não só bastante interessante como bastante oportuno. Eu já o tinha lido e estive até no evento da apresentação. Já estamos a falar alguns meses depois porque entretanto na altura tinha outras coisas na pipeline, digamos assim, portanto fui deixando de passar o tema. Mas não queria deixar de voltar a abordá-lo e estou a fazê-lo agora. Este é um tema que quem ouve o podcast já não é a primeira vez que o ouve aqui abordado, porque é um tema importante, é um tema que nos últimos anos ganhou, eu diria, finalmente preponderância a sério na agenda e sobretudo acho eu desde as últimas eleições em que finalmente se tornou um tema discutido a sério, ao contrário do que acontecia até aqui, ainda assim é um tema que tem já vários diagnósticos nos últimos anos, porque quando nós falamos de crescimento da economia portuguesa, tratando-se de uma pequena economia aberta, estamos a falar quase por definição da competitividade da economia portuguesa e sobre isso há uma série até de indicadores internacionais e de pessoas a debruçar sobre o assunto e portanto todos nós já conhecemos alguns diagnósticos com muitas parecenças e algumas diferenças entre si. Neste caso, o que é que é especial na abordagem que vocês fizeram, no fundo no trabalho que está por trás deste estudo e nas conclusões a que chegam face aos diagnósticos já eram conhecidos?
Fernando Alexandre
Eu penso que aquilo que nós fazemos de diferente, o ponto de partida é que nós de facto estamos naquela, ou seja, este longo período de estagnação e de baixo crescimento, que de facto hoje concordo que se tornou praticamente consensual. Acho que a discussão nas últimas eleições legislativas ajudou, teve um contributo, Foi um contributo da última campanha eleitoral, pensei. Acho que foi dos poucos temas verdadeiramente importantes que ganhou alguma importância na discussão política e depois na discussão pública entre as pessoas e nos mídias e tudo isso. De facto, nós estamos há muitos anos numa fase de baixo crescimento e a divergir da União Europeia. E são factos, são dados e por isso é um ponto de partida para este estudo. Nós andamos durante muitos anos a discutir se o abrandamento no crescimento da economia portuguesa e a quebra no processo de convergência, que foi longo, ou seja, nós tivemos um processo de convergência de mais de quatro décadas, se não seria passageiro, transitório. Ou porque o euro gerou dificuldades e alguma perda de competitividade e era preciso um período de ajustamento, ou porque a China aderiu à Organização Mundial de Comércio, ou porque houve o alargamento aos países leste-europeu, ou porque houve uma crise financeira, ou porque houve uma crise da dívida, depois temos o Covid, agora temos uma guerra na Ucrânia e no fundo os fatores externos são fundamentais, mas o mundo é sempre difícil, é sempre complicado ou seja, se nós olharmos para trás
José Maria Pimentel
foram períodos sem perturbações propriamente
Fernando Alexandre
foram sempre, não é? Ou seja, é assim de facto, há períodos mais difíceis mas há sempre dificuldades aquilo que este estudo faz é partindo do princípio de facto desse dado que é o baixo crescimento, o fraco crescimento e a divergência. E a divergência é que é importante por várias razões. Primeiro porque é um comportamento económico desapontante também quando nos comparamos com os outros, que estão no mesmo mundo, no mesmo espaço económico e por isso de certa forma expostos aos mesmos choques. Obviamente de forma diferente, porque os choques não afetam todos os países da mesma maneira, mas todos os países são afetados por esse contexto externo e por isso temos esse contexto como ponto de partida, mas depois o que nós fazemos é, dado o contexto, aquilo que acaba por determinar o desempenho dos países são as políticas que os países adotam. E confesso que a mim me surpreende sempre que alguns economistas analisem o desempenho da economia portuguesa explicando-a sempre porque o mundo tem um comportamento que não encaixa na nossa estrutura produtiva ou vai numa direção que não nos favorece. É
José Maria Pimentel
como aquele aluno que sempre tem as águas com os professores, não é?
Fernando Alexandre
Saem sempre as perguntas erradas. As perguntas que eu não estou. Ora, nós sabemos em todos os processos de desenvolvimento, uma dimensão que é decisiva é precisamente a dimensão institucional e a dimensão da definição de políticas. E aquilo que quando nós chegamos neste estudo a um conjunto de propostas que visam alterar este estado da economia portuguesa desapontante e tentar levá-la para um patamar diferente e que possa de facto corresponder às ansiedades e às expectativas dos portugueses, em particular das gerações mais jovens. Quando nós fazemos essa análise o que nós estamos a pensar é precisamente que medidas de política é que podem ser adotadas precisamente para remover obstáculos a essa transformação ou medidas de política que são necessárias para acelerar essa transformação. E por isso um dos pontos de partida deste estudo, quer dizer que é também o ponto de chegada mas foi o ponto de partida, é o que é que nós temos que fazer para que tenhamos outro modelo de desenvolvimento que corresponde às expectativas dos portugueses. Porque hoje de facto aceitamos e termos esse consenso nacional, eu acho que é uma condição necessária para mudarmos a situação, que a nossa economia tem uma série de problemas que se não forem resolvidos rapidamente, face aos desafios que nós temos da transição climática, da demografia, da dívida elevadíssima, aquilo que aconteceu nas últimas décadas com a imigração, em particular dos mais jovens e de uma geração muito qualificada, que agora fica com o risco dessa imigração é maior com o teletrabalho, que as pessoas não têm até que sair do país, nós temos mesmo que alterar esse estado. E por isso esse é o ponto de partida, que é precisamente pensar o que é que temos que fazer. E nessa dimensão, este estudo da Fundação é um pouco diferente daquele que tem sido o posicionamento da Fundação, que é muito o de diagnóstico e de apresentar dados e factos para termos uma discussão mais informada sobre os nossos problemas. Este estudo vai um pouco mais longe em que dá sugestões de alterações que têm a ser feitas. A forma como nós o fazemos é partindo, ou seja, fazemos-lo não olhando para a fiscalidade só, olhando para as qualificações ou para o funcionamento dos mercados ou para a questão do investimento direto estrangeiro, fazemo-lo de uma forma, não queria usar a palavra holístico, mas é um pouco
José Maria Pimentel
esse. Estava pensando isso.
Fernando Alexandre
Mas é um pouco holístico porque, ou seja, esta mudança de paradigma, que é necessária, ou seja, o que é que é essa mudança de paradigma, se calhar também vale a pena falar um pouco sobre isso. É no fundo, nós temos uma economia que tem uma determinada estrutura produtiva e que ainda é muito baseada em vantagens competitivas que estão ligadas ao baixo custo salarial e os baixos salários estão normalmente associados a baixas qualificações e ainda não temos uma economia em que nos setores onde as qualificações, a inovação e o conhecimento são mais importantes tenha ainda o peso primeiro que permita precisamente absorver o trabalho qualificado que estamos a gerar, a tal geração mais qualificada e que por outro lado consiga arrastar o crescimento da economia como um todo. Nós temos setores, temos empresas, setores que têm um comportamento, ou seja, que se posicionam bem em termos internacionais. Nós fazemos comparações naquilo a que chamamos as empresas fronteira, ou seja, como é que as nossas melhores empresas em alguns setores se posicionam relativamente às empresas de topo a nível europeu.
José Maria Pimentel
Sim, sim, vocês vão para lá de comparar a média e comparam, não sei se era o percentilo. O último quartil, não é? O último quartil. Ou
Fernando Alexandre
seja, olhamos para as 25% mais produtivas. Quando se analisa as causas da divergência que existe neste momento de produtividade entre os países mais avançados e países de rendimento intermédio ou mais baixo há uma dimensão que tem a ver precisamente com o comportamento daquilo a que se chama as empresas fronteira, isto é, Cada vez mais a inovação tem estado concentrada num grupo relativamente restrito de empresas, que são precisamente as empresas, aquilo que se chama as empresas fronteira, e que têm uma grande escala, têm uma grande capacidade de atração de talento e têm um grande poder de mercado também. E essas empresas estão localizadas num conjunto de regiões que também agregam muito capital, muito talento e infraestruturas cientifico-tecnológicas e de outros tipos também excepcionais. E isso faz com que haja de facto um afastamento entre as empresas que atuam nesses espaços, que são muitas vezes referidos como as regiões superestrela, ou regiões estrela, e onde estão depois as empresas superstar. Ou seja, há muita essa discussão, e de facto nós estamos, na maior parte dos setores, estamos muito longe dessas empresas, e isso acaba por ter um efeito no desempenho da economia como um todo.
José Maria Pimentel
Nós estamos mais longe dos outros países no percentil 50, não é? Ou, por dizer de outra forma, na média ou nas empresas fronteiras? Depende do setor,
Fernando Alexandre
provavelmente. Depende do setor, Ou seja, é importante também dizer que há alguns setores onde nós temos um excelente posicionamento, sei lá, no texto, no vestuário, no equipamento de transporte, ou seja, a indústria automóvel em Portugal é altamente competitiva. Ou seja, há alguns setores onde, aliás, é a única forma de sobreviver, ou seja, estamos num mercado aberto extremamente competitivo e por isso as empresas que conseguem competir nesses mercados têm que estar entre as mais produtivas, mas depois na maior parte dos setores nós temos o... Ou seja, quando comparamos as empresas de topo em Portugal com as empresas de topo a nível europeu, a produtividade delas é 40 a 50% inferior. O que quer dizer que estão muito longe, ou seja, estão, digamos, a competir noutra divisão se quisermos. E esta ideia deste estudo, que é como é que nós podemos acelerar a transição para um tal novo paradigma da economia portuguesa, que chamamos o created in, que é a tal estrutura produtiva assente no conhecimento, ou seja, não é exclusivamente isso, mas em que essa é a estrutura predominante, ou a mais relevante, assente no conhecimento, nas qualificações, na inovação, ou seja, que medidas é que nós precisamos precisamente para acelerar essa transformação. E quando nós pensamos a economia dessa forma, de facto aqui não há uma medida, ou seja, não há a questão de vamos olhar para a Irlanda, a Irlanda tem o IRC mais baixo da União Europeia e então se tivermos o IRC da Irlanda talvez... Exato, sim, sim. Ou seja, Isto não funciona assim, não é? Ou seja, se fosse fácil copiar a estratégia de um país, aliás eu costumo dizer que estas comparações são os preguiçosos da teoria do desenvolvimento. Ou seja, o pessoal vai dizer que uma Irlanda, e depois olha para lá, esta é um IRC muito baixo, então se nós tivéssemos um IRC muito baixo para crescermos como a Irlanda. Isso obviamente não funciona, mas qual é que é o nosso ponto de partida? Também não é fazer um mix de políticas que funcionam em vários países, não é isso, mas é olharmos para o nosso país, para aquilo que são as condições que são necessárias para que esse novo paradigma assente no conhecimento, assente no trabalho qualificado, na inovação, ou seja, condições é que são necessárias e a partir daí, obviamente pensando o nosso lugar no mundo, que condições é que é preciso reunir. E aí obviamente vamos à fiscalidade, nós falamos disso, mas vamos às infraestruturas, vamos às qualificações, vamos ao sistema científico e tecnológico, mas pensando sempre em cada uma dessas áreas o que é que precisamos para fazermos a tal transição. E
José Maria Pimentel
na realidade concreta do país, não é? Em vez de pensar numa coisa que funciona naquele país mas que não é indistrinçável de uma série de outras características desse país, não é?
Fernando Alexandre
Exatamente, ou seja, pensando do nosso lugar geográfico na Europa, no mundo, não é? Naquilo que são as infraestruturas que existem, os nossos portos, as nossas linhas ferroviárias, as nossas universidades, será que elas produzem o conhecimento e produzem as qualificações que são necessárias para esse novo paradigma? Ou seja, esse é o ponto de partida e por isso, obviamente nós não somos exaustivos, como é óbvio, isto é um trabalho coletivo, é um trabalho com mais de 20 investigadores, de 13 instituições nacionais e estrangeiras, que engloba as principais universidades portuguesas, alguns dos melhores investigadores na economia do país e acompanhados por um steering committee internacional e por isso isto é um trabalho conjunto que foi bastante discutido nesse grupo e que a própria discussão deste possível paradigma, isto é interessante, eu gostava de enfatizar um pouco isso, não é assim tão claro, quando se começa a discutir, uma coisa é aquilo que o ex-primeiro-ministro Cavaco Silva queria colocar Portugal no poltão da frente. É interessante que o primeiro-ministro António Costa recuperou essa expressão na primeira legislatura de colocar Portugal no pelotão da frente, ou seja, seria na 4 Revolução Industrial que nós iríamos estar entre os líderes. Mas às vezes estas coisas são ditas sem ter consciência do lugar onde nós estamos e onde estão os outros. São aquelas frases que se dizem, depois fazem uma primeira página, um título, ou seja o que for. Mas quando nós olhamos para as condições, e este grupo que fez este estudo é constituído por pessoas que conhecem não só bem a economia nacional como a economia internacional. E de início quando nós começamos a discutir este conceito não foi nada consensual no grupo que isto fosse possível. Ou seja, não estamos a falar de pessoas, não é os pessimistas ou os otimistas, são pessoas que têm conhecimento, que sabem as dificuldades, a exigência que é estar nesse novo paradigma onde se compete com base no conhecimento, nas qualificações e na inovação e se compete com as empresas fronteira a nível europeu, ou seja, é disso que estamos a falar, e isso é de uma exigência que quem tem conhecimento daquilo que é necessário para poder estar nesse patamar tem dúvidas, ou pelo menos no início do estudo havia muitos dos meus colegas que nós tivemos nas primeiras duas reuniões em particular houve várias pessoas na primeira então que disseram Fran, isso não é possível não é hipótese Mas são pessoas que não são pessimistas, não tem nada a ver com isso.
José Maria Pimentel
Sim, sim, eu
Fernando Alexandre
entendo. Não é disso que estamos a falar, estamos a falar de pessoas com conhecimento e que sabem a dificuldade de pôr as coisas a funcionar nesse patamar. Mas depois, porque muitas vezes as pessoas também não têm, e isso era, penso que era o que estavas a dizer, esta proposta não é feita no vazio, isto não é um documento feito no abstrato para um país que é uma folha em branco. Não, aliás, é uma proposta do novo paradigma que é inspirada em muitos casos que felizmente já existem na economia portuguesa mas que ainda não têm a dimensão, a escala, ou seja, não são predominantes na economia portuguesa e não têm a dimensão, a escala que permite arrastar a economia portuguesa como um todo e fixar cá toda essa geração mais qualificada em Portugal e até atrair muitas pessoas de fora, não tem ainda essa dimensão. Esse
José Maria Pimentel
é um bom ponto, ou seja, não é inventar a roda, é escalar, não é fazer aumentar de escala aquilo
Fernando Alexandre
que já existe. Exatamente, porque nós já temos E é isso muitas vezes que permite de facto alguns líderes políticos entusiasmarem-se e pegarem nesses bons exemplos para dizer não porque nós somos dos melhores do mundo nesta área ou naquela. Os melhores do mundo, isso é se calhar um bocadinho exagerado, quando estamos a falar em termos económicos, não há assim muitos exemplos. Mas de facto esses são exemplos que não têm escala nem têm depois um impacto, ou seja, são singulares, são quase ilhas de excelência que nós temos. Mas nós temos que usar essas ilhas de excelência e muitas das medidas que estão propostas aqui resultam obviamente de uma reflexão académica, porque este estudo é muito académico, mas resultam também do contacto que muitas das pessoas desta equipa têm com a realidade e que conhecem aquilo que é preciso, por exemplo, na área do sistema científico e tecnológico, ou seja, que sistema científico e tecnológico é que nós precisamos e que ligação é que esse sistema científico e tecnológico tem que ter com as empresas portuguesas para que consigamos ter uma capacidade de gerar valor completamente diferente daquela que temos e que é essencial para ultrapassar, para fazermos face aos tais desafios da transição climática, da demografia e da dívida, e da dívida que eu acho que vai ser nos próximos tempos, acho que vamos sentir outra vez o fardo da dívida com mais intensidade.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, exatamente. Este interregno destes anos provavelmente está a acabar. É interessante justamente porque o estudo tem essa abordagem holística, que tu falavas, vocês acabam por dividir as recomendações em três eixos. Um, eu diria que é o mais clássico, que é o que vocês chamam de instituições e ambiente económico. Acho que este é aquele mais clássico, que tem a ver com melhorias institucionais, melhorar aquilo que se chama ambiente económico, ou seja, diminuir os custos de contexto, ou seja, barreiras ao investimento e à atividade económica, aumentar a concorrência, aumentar a qualidade da regulação, por exemplo.
Fernando Alexandre
Mas é clássico, mas em Portugal infelizmente é das dimensões... É
José Maria Pimentel
clássico nestes diagnósticos.
Fernando Alexandre
Pois, mas lá está. É tão comum e continua a surpreender uma pouca importância isso viu-se aliás no desenho do PRR e vê-se na forma como é tratado o Plano Nacional de reformas e todo o processo do tratado orçamental, que tem uma dimensão de reformas sempre associada e que é tratado de uma forma que eu acho que não é séria, ou seja, não é levado verdadeiramente a sério, precisamente porque se descura a dimensão institucional, ou seja, não se percebe, acho que continuamos sem perceber em Portugal, a importância que tem o bom desenho das políticas e a boa governação das instituições para que depois as políticas tenham resultados efetivos. E isso continua a ser descurado, ou seja, eu posso dar muitos exemplos de como, seja na forma como o próprio governo funciona, a própria administração pública funciona, as direções gerais, a orgânica do governo, a questão das entidades reguladoras. Tem aqui várias dimensões. Tem desde a orgânica, a própria organização, a estrutura do Estado, se quisermos, à própria governação depois dessas instituições. E em todas elas, ou seja, em todas essas dimensões, nós temos falhas que são gritantes e continuam a ser ignoradas e não são sequer discutidas. Por exemplo, um dos exemplos que nós damos das entidades reguladoras, eu acho que é um dos exemplos que permite ilustrar isto. As entidades reguladoras que são independentes, devem ser independentes por várias razões, obviamente com mandato político, se pensarmos por exemplo nas entidades reguladoras que têm responsabilidades no bom funcionamento dos mercados. Podemos pensar na Autoridade da Concorrência, podemos pensar na CMVM, podemos pensar na Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões, na ANACOM, das Comunicações. Nós raramente, agora por acaso com a ANACOM quando tivemos um leilão e ele se atrasou muito passámos a discutir no fundo os resultados. Mas nas entidades reguladoras em Portugal nós discutimos no fundo os empregos ou seja, como é que se nomeiam, quem é que nomeia as pessoas que vão para essas entidades e nunca discutimos os resultados dessas entidades, isto é, os administradores dessas entidades obviamente o processo de nomeação é muito importante e acho que em Portugal também pode ser claramente
José Maria Pimentel
melhorado. Mas depois tem que prestar contas. Claro, exatamente. Ou seja... Tem que prestar contas no Parlamento? Qual era o modelo que propunhas?
Fernando Alexandre
Vamos lá, uma coisa, cada uma delas tem uma especificidade e deve ser trabalhada, e eu aí não sou especialista, há alguma outra onde eu posso dizer mais alguma coisa mas não sou especialista e cada uma delas há know-how internacional sobre como é que estas coisas se fazem. Mas aquilo que nós não nos podemos esquecer é que a entidade reguladora, qual é que é a função dela? É garantir o bom funcionamento, é garantir a concorrência nos mercados. E esse é o mandato que eles têm, ou seja, eles não são independentes para definir o objetivo, eles são independentes para usar os instrumentos que têm legalmente ao seu dispor para alcançar aquele objetivo. A independência deles é no uso do instrumento e na definição do objetivo. O objetivo é definido politicamente. Mas no final, no final do mandato, no final do ano, é preciso saber, do ponto de vista da concorrência, por exemplo, em cada sector, o que é que aconteceu. Ou seja, qual é que era o objetivo que estava fixado e qual foi o resultado que foi alcançado? E estes resultados deviam ser prestado na Assembleia como eu acho que devia ser na Assembleia, que devia ser feita a nomeação e não, se calhar, como nós temos em muitos casos, do Governo, onde continuamos a ter membros do Governo e diretamente de entidades reguladoras, o que do ponto de vista da independência é muito discutível mesmo.
José Maria Pimentel
Sim, eu acho que o nosso modelo também faz com que o poder legislativo e o poder executivo se confundam bastante, não é? Porque um emana do outro quase diretamente, não é? Tu eleges do Parlamento e do Parlamento emana o Governo e, portanto, se o partido tiver maioria absoluta, o cabeça de lista será o primeiro-ministro, não é como aconteceu agora. E até em termos de recursos, por exemplo, a Assembleia tem muito poucos recursos comparado com os governos, ou seja, os partidos que estão na Assembleia e que têm que fazer oposição ao governo têm poucos recursos dados pelo sistema para isso. E depois temos o... Até é quase uma tradição que as coisas sejam muito centralizadas no governo tem a ver também com o nosso centralismo, mas por exemplo... Mas vamos lá para uma coisa, um dos
Fernando Alexandre
objetivos, uma das ideias das entidades reguladoras é precisamente que o objetivo e a prosseguição desse objetivo não é necessariamente coincidente com o ciclo político. Não, justamente.
José Maria Pimentel
Não, mas eu estava aí, ao encontro do que estavas a dizer. O poder legislativo, ou seja, a Assembleia devia ter um papel mais ativo, tal como devia ter, por exemplo, isto é outra história, mas quer dizer, tudo isto tem que ver com a qualidade institucional e com a capacidade de colocar a governação ao serviço dos cidadãos, digamos assim. Mas o outro aspecto diferente deste, mas que agora ao ouvir-te me lembrei, é a questão dos ministros, por exemplo, não terem audições no Parlamento antes de serem nomeados como ministros, que é uma coisa que até no Parlamento Europeu acontece. Nos comissários, exatamente. Com os comissários, com as enormes falhas que tem o modelo europeu, não é, de
Fernando Alexandre
integração. Exatamente, mas, por exemplo, uma coisa, um aspecto logo que eu acho que eu tenho criticado, tenho sugerido e já houve várias pessoas que sugeriram isso, incluindo no primeiro programa do PS em 2015, isso era sugerido, começa logo com a... Ou seja, como é que se prepara um ministro? Um ministro devia se preparar para uma pasta, mas era bom que essa pasta tivesse minimamente definida e a área de atuação fosse conhecida. Ora, nós estamos sempre a mudar a geometria dos ministérios. Como é que alguém se prepara para um ministério? Depois o que tem que fazer são equipas secretárias de estados variáveis, não é? E se houvesse uma estrutura, não tinha que ser totalmente fixa, mas bastante fixa, porque estas coisas não mudam assim tanto, isto ajudava imenso à eficiência do governo. Imenso. Porque as mudanças que nós temos sempre nos ministérios, ou seja, não há sequer aquela preparação de alguém para ser ministro de materiais, quer dizer, pode haver para as finanças, mas nós estamos sempre para alterar, não é? Ou seja, o primeiro-ministro António Costa mudou radicalmente a estrutura de um governo para o outro e pelos vistos agora vai mudar radicalmente no sentido de reduzir. Pedro Passos Coelho também fez isso. Sim, teve um governo ministro. Pedro Passos Coelho teve um governo ministro que depois fez um governo maior dentro da mesma legislatura e isto causa enormes perturbações na gestão. Imenso, isto é uma fonte de ineficiência brutal. E começa logo aí, ou seja, do ponto de vista orgânico, nós temos problemas de organização sérios, não é? E por isso a dimensão institucional é muito desvalorizada, ou seja, esta dimensão em que eu gostaria que a governação fosse mais eficaz, isso implicava que fosse dado muito mais importância a essa dimensão. E não é. E por isso a dimensão institucional e eu volto às entidades reguladoras. Nós temos muitas discussões sobre entidades reguladoras, mas tirando o caso da ANACOM, que teve um leilão que se atrasou muito no 5G, que até teve um resultado interessante no final, nós só discutimos como é que se nomeia quem é que é o dirigente, quem são os administradores da entidade reguladora, porque, pronto, são cargos bem pagos, de facto.
José Maria Pimentel
Isso provavelmente também tem alguma coisa a ver com a sociedade civil, não é? Como estas coisas têm sempre, não é? Porque... Têm sempre. A nomeação é mais visível e depois esse acompanhamento independeria de alguma transparência de informação, mas também de quem é discutir-se, não é?
Fernando Alexandre
Sem dúvida, sim. Quer dizer, isso... Claro, isso... No final vamos sempre dar aí, não é? E têm sido feitos alguns progressos, e em particular no Parlamento, não é? As comissões de inquérito, em particular, têm estado bastante mais eficazes e conseguem, acho que conseguem marcar a agenda, que acho que é uma mudança muito importante nos últimos anos em Portugal.
José Maria Pimentel
Sim, sim, dar mais peso ao Parlamento, é verdade. Mas
Fernando Alexandre
essa dimensão institucional é, de facto, muito importante. Aliás, para esta questão do novo paradigma, nós precisamos de ter empresas maiores, por exemplo. Ou seja, a produtividade que acaba por determinar os salários no longo prazo. Se não tivermos um crescimento de oportunidade não vamos ter salários mais altos, é uma condição necessária e por isso precisamos ter empresas maiores e por isso precisamos ter um ambiente económico que favoreça o crescimento das empresas e nós damos alguns exemplos de áreas onde as condições do ambiente económico podem ser mais ou menos propícias ao crescimento das empresas. Por exemplo, nós mostramos que as empresas que entram em setores mais competitivos, ou seja, que têm uma menor concentração, a probabilidade de uma empresa que entra num desses setores chegar à fronteira é mais elevada. Também se uma empresa entrar num setor onde a flexibilidade do mercado de trabalho é maior, a probabilidade de ela chegar à fronteira também é mais elevada. E a mesma coisa para os mercados de crédito, isto é, de facto o funcionamento dos mercados nas suas várias dimensões é relevante, por exemplo, para o crescimento das empresas e nós não vamos ter o aumento da produtividade se não tivermos empresas que ambicionam crescer e que conseguem crescer e para isso o contexto económico em que elas atuam é importante. Mas não é só o IRC, ou seja, o IRC é uma dimensão relevante. Claro, claro. Mas se calhar estas dimensões do funcionamento dos mercados são ainda mais importantes, não é? A
José Maria Pimentel
questão da necessidade de nós termos empresas maiores é um diagnóstico e é partilhado por diversos estudos deste tipo e até com pendor ideológico até distinto, portanto é claramente uma questão objetiva que a dimensão das nossas empresas é um obstáculo à nossa competitividade, não temos suficientes empresas grandes porque as empresas maiores tendem a ser as mais produtivas e para Além disso ser influenciado pelo ambiente económico, não há também outras questões como por exemplo a falta de acesso a capital, que é necessário para as empresas expandirem, e até no limite alguns mercados onde vão persistindo empresas zombie, digamos assim, ou seja, empresas que não são particularmente lucrativas mas que vão ocupando o seu espaço no mercado.
Fernando Alexandre
Sem dúvida, não é? Ou seja, a questão do capital, nós tivemos imenso capital no início, ou seja, até à crise financeira internacional, não é? Ou seja, basicamente as empresas portuguesas foram inundadas de crédito e nós sabemos, até pelo estado em que ainda está a banca, embora tenha feito uma boa recuperação nos últimos anos, que esse crédito foi mal utilizado. Por isso nós tivemos uma enorme oportunidade de saciar necessidades de capital, não soubemos aproveitá-las. Por isso, mais uma vez, um erro interno, de má gestão, também com incentivos políticos errados. Agora, de facto, para as empresas crescerem, nós precisamos desses mercados de capitais, precisamos deles no início, ou seja, quando as empresas nascem, ou seja, as novas empresas, em particular muitas empresas que nascem à volta das universidades associadas muitas vezes a investigadores, ou seja, startups de jovens investigadores que têm ideias inovadoras e temos alguns casos de sucesso, ou seja, nós de facto temos alguns, vários até, não só unicórnios que são fantásticos, mas também outras mais pequenas e ainda menos conhecidas e que são empresas muito promissoras e que precisam de um acesso ao capital que é fundamental para poderem crescer e fazer esse desenvolvimento. E aí a banca tem um papel mas não será o mais importante porque no empreendedorismo, nas startups, normalmente essa não é a zona de atuação dos bancos, mas precisamos de mais capital de risco. Temos alguns casos que têm feito um bom trabalho e têm estado associadas até a alguns dos unicórnios que começaram por ser financiados por empresas portuguesas e hoje temos também, e isso devemos aproveitar, grandes empresas de capital de risco internacionais que estão atentas a determinadas áreas, seja na área de software, seja na área das ciências da vida também, da biotecnologia também, que sabem que em Portugal há uma grande capacidade nas universidades e de investigadores que têm ideias que são promissoras e temos vários casos, nós elencamos muitos deles no estudo, de empresas que conseguiram precisamente atrair capital de grandes empresas, de grandes fundos internacionais e essa é uma das vias também de conseguirmos financiar. Outra é o investimento direto estrangeiro, também é fundamental, podemos falar um pouco mais sobre isso. Mas depois há um outro tipo de capital que é importante e penso que era esse também que estavas a referir que é, por exemplo, uma PME que está a crescer precisa de ter acesso a capital ou seja, aí já não é um capital diferente ou seja, já não é o capital, aquilo que nós chamamos de capital semente ou seja, naquelas fases mais embarulhárias das startups, mas uma empresa que já está estabelecida e que está, no fundo, a aumentar a sua capacidade de produção, como é que ela vai fazê-lo? E aí, muitas vezes, ou seja, os capitais próprios continuam a ser fundamentais, se a empresa for lucrativa pode financiar o investimento por essa via. A IABanca também já tem um papel muito importante. E há em Portugal alguns programas muito bem sucedidos de financiamento de PMEs. E depois temos outras formas também que são relevantes que são os fundos europeus. Ou seja, os fundos europeus tiveram algum papel nisso, nem sempre foram bem utilizados, mas as indicações que nós temos neste momento é que se está a fazer uma mudança, embora a Comissão Europeia nem sempre veja isso com bons olhos também e tem riscos também essa estratégia, que é no lugar de distribuir os fundos por muitas pequenas empresas, se calhar concentrar os fundos europeus para empresas em empresas com maior capacidade, ou seja, no fundo, concentrar os fundos em menos empresas e em projetos mais estruturantes. Com mais potencial. Exatamente, e com maior capacidade.
José Maria Pimentel
Como é que é feita a sua escolha? Essa escolha... E esses fundos agora, desculpa, esses fundos são... Qual é o veículo para esses fundos? É o Banco de Fomento ou é
Fernando Alexandre
diretamente através do... Não, nós temos o Portugal 2020, que está agora a terminar, vamos ter o Portugal 2030. Estamos no PRR uma parte importante de financiamento para este fim. E basicamente o que os quadros comunitários fazem, para termos uma ideia, no PT 2020 foram mais de 5 mil milhões de euros foram para micro e pequenas empresas. E, por exemplo, eu tenho um estudo sobre isso e concluo que os fundos aplicados em micro e pequenas empresas não são muito eficazes. Ou seja, não têm um efeito, por exemplo, na produtividade visível, pelo menos nas estimações que
José Maria Pimentel
eu fiz na altura. E a média, sim.
Fernando Alexandre
Mas nas grandes empresas, nas médias e nas grandes empresas, e em particular nos projetos em copromoção, isto é, projetos que envolvem várias entidades e em particular entidades do sistema científico e tecnológico, os efeitos são muito mais relevantes e essa parece estar a ser agora também a aposta do governo, é precisamente ir nesse sentido. Há projetos de grande sucesso, como a parceria da Bosch com a Universidade do Minho, que aliás é um dos projetos que eu conheço bem porque estava na reitoria na altura em que o projeto estava a decorrer e tenho acompanhado esse projeto de perto e é de facto um projeto muito transformador e é um exemplo de como é que nós podemos, com multinacionais, com empresas nacionais, com uma ligação ao sistema científico e tecnológico, alterar Todo o processo de criação de valor, por exemplo, a Bosch antes de ter esta parceria o que fazia era produzir peças de baixo valor que ganhava no contexto do grupo multinacional Bosch com base no preço mais baixo que conseguia produzir. Hoje o que a Bosch faz são produtos completamente diferentes e 30% das receitas da Bosch resultam da produção de tecnologia que foi totalmente desenvolvida a partir da sua fábrica em Brega. Isto é uma mudança muito significativa na forma como a própria Bosch cria valor e como todo o ecossistema que vive à volta da Bosch, porque uma multinacional que vende mais de mil milhões de euros, que é o que a Bosch neste momento vende, emprega mais de 4 mil pessoas, tem obviamente um ecossistema e muitas ligações em fornecedores. Neste momento a ligação não é só com a Universidade do Minho, é com a Universidade do Porto, é com a Universidade de Aveiro, porque depois isto gera, obviamente, a partir do momento em que há bons resultados, não só as entidades que gerem os fundos passam a estar... E há riscos também nestas estratégias, ou seja, os decisores normalmente, obviamente, procuram reduzir o risco de falhão e repetem fórmulas de sucesso. Mas uma fórmula de sucesso repetida muitas vezes pode tornar-se, pode no fundo vir a resultar em pouco benefício.
José Maria Pimentel
Sim. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Mas há aqui uma característica institucional e eu acho que também é um bocado cultural como acontece sempre nestas coisas, é sempre difícil estabelecer o que é que é uma ou outra e que se aplica neste caso do financiamento mas também nas instituições de ensino superior que é outro tópico que vocês tocam no estudo, que é a dificuldade em fazer escolhas. Ou seja, nós temos uma cultura de quando existem fundos eles são dados para toda a gente de maneira igual, que é para não haver chatice. Mas a questão é que dificilmente isso gerará os resultados pretendidos, Porque necessariamente esses investimentos não vão ter todos o mesmo retorno, não é? Exatamente. Pronto, agora como há uma série de casos bem sucedidos
Fernando Alexandre
e que se tornaram paradigmáticos referidos em toda a Europa, ou seja, o exemplo da Bosch-Minho é um dos maiores casos de sucesso em toda a Europa de uma parceria entre uma universidade e uma grande multinacional.
José Maria Pimentel
Sim, é muito interessante esse caso.
Fernando Alexandre
É um caso de sucesso não só em Portugal, como é um caso de sucesso a nível europeu. E o risco, ou seja, como aquilo correu bem, mas de início foi muito criticado, ou seja, de início aprovar aquele projeto não foi nada fácil. Porquê? Porque o risco era muito grande. E por isso se calhar, como estavas a dizer, a estratégia, que foi a estratégia seguida durante vários quadros comunitários, era distribuir por todos pequenos montantes, mesmo que houvesse alguns falhantes, não tinham um impacto muito significativo. Depois havia um conjunto de empresas de melhor qualidade que eram, digamos, que garantiam o sucesso do programa e de facto não se arriscava. E isso eu concordo com isso, acho que esse é um dos problemas e se vissem muitas dimensões em Portugal e vessem nas escolhas dos fundos, pronto E agora eu acho que há aqui uma mudança, e acho que pode ser positiva, porque acho que de facto quer o sistema científico e tecnológico, quer as empresas hoje tenham uma capacidade de gerir projetos com esta dimensão, que não teriam também há 10, 20 anos. Também é preciso dizer isso, ou seja, há coisas que estão a ser feitas agora que há 20 anos seriam difíceis de fazer vamos lá ver uma coisa, só para percebermos isto há 20 anos eu diria que era impossível convencer a Bosch a desenvolver tecnologia em Portugal porque na cabeça da Bosch quer dizer, eu dou muitas vezes o exemplo da OutSystems, não é? Que a OutSystems teve muita dificuldade em entrar em França porque na cabeça dos franceses, os portugueses não faziam software faziam coisas muito bem feitas, mas eram nas obras, no restaurante e as tipos de coisas. Há 20 anos isso não existia de facto nós não tínhamos um sistema científico e tecnológico que pudesse convencer uma multinacional como a Bosch a criar dois centros, neste momento, de desenvolvimento em Braga e um em Aveiro. Ou seja, a Bosch tem neste momento, penso que três centros de desenvolvimento de Engenharia em Portugal, um em Aveiro e dois em Braga. Isto só foi possível porque de facto nós temos uma ciência que ainda não nos poderá dar um Nobel, eu diria que nem no médio prazo, mas que de facto faz ciência de acordo com os melhores padrões europeus, com as melhores referências europeias, está inserida em redes internacionais, tem investigadores com uma grande experiência internacional e que de facto conseguem desenvolver a investigação no contexto de uma multinacional como a Bosch, que produz dezenas de patentes por dia, e fazer isso de uma forma, ou seja, em que a Bosch percebe que há uma vantagem em não apenas aproveitar os baixos salários em Portugal, mas aproveitar também a engenharia e a capacidade de desenvolvimento de tecnologia. E isso é uma mudança completa da própria imagem do país. Mas
José Maria Pimentel
que leva tempo, claro. Nós há 20 anos não
Fernando Alexandre
conseguiríamos isso. Como por exemplo a própria Critical Software também, que é outro exemplo que nós damos. O ser hoje um parceiro fundamental da BMW no desenvolvimento do carro autónomo, isso também não... Quer dizer, há 20 anos não era possível, quer dizer. Por isso também há aqui uma parte, esta parte do nosso atraso da mudança de paradigma, isto é relevante, ou seja, nós sermos vistos como um país produtor de conhecimento, produtor de tecnologia, com engenharia de qualidade e hoje isso existe, ou seja, os nossos, por exemplo, os nossos engenheiros de software são vistos como dos melhores
José Maria Pimentel
do mundo. Sim, sim, sim, absolutamente.
Fernando Alexandre
E isso foi obviamente um processo, ou seja, levou décadas a ser afirmado, não é? Sim.
José Maria Pimentel
E eu queria falar precisamente disso também das universidades, mas agora antes de irmos lá, como é que nós garantimos que, este exemplo da Bost, não é o melhor nesse sentido porque é uma parceria, muito a cor, digamos assim, com a multinacional. Mas no caso dos fundos, e no caso da PRR e dos fundos europeus em geral, como é que nós, ou dos fundos do Estado, se nós quisermos, que regras é que nós podemos criar ou mecanismos para que eles sejam bem aplicados, para assegurar que eles sejam bem aplicados. Por exemplo, há quem defenda, eu tenho um amigo que defende isso, que podia haver, por exemplo, e aliás acho que o Banco do Fomento tem algumas coisas nesse sentido, de haver um cofinanciamento e portanto os fundos serem aplicados, por exemplo, por fundos de investimento privados, mas cofinanciados e portanto eles têm, o fundo de investimento privado tem parte dos ganhos e parte das perdas, portanto tem os investimentos alinhados e deixa de haver o risco de eles serem ou mal selecionados porque não têm essa experiência ou no limite pior ainda afetados de maneira com critérios políticos ou pessoais e não com critérios económicos. Mas isto é só uma ideia, não é? Não sei se vocês abordam isto em específico no estudo, mas tinha curiosidade em saber o que tu achas.
Fernando Alexandre
Eu tenho uma avaliação dos fundos europeus que fiz para a Comissão Europeia, o ano passado, precisamente, e abordo essas questões. Se nós estivermos a falar, por exemplo, do financiamento de novos projetos, de startups. Claramente o capital público aqui pode ser importante, ou seja, a Portugal Ventures e o Banco de Fomento podem ser relevantes e há veículos que são financiados com fundos europeus com esse fim, mas temos de facto que tem sempre os privados, porque não vamos pensar agora que temos no setor público especialistas em novas técnicas. Por mais que haja pessoas que estudam isso, sem termos as pessoas que estão mesmo no mercado e que acompanham isso, é fundamental ter essas parcerias com o privado. Não há dúvidas sobre isso. É a forma de ser mais eficaz. Aliás, a estrutura que nós temos, e que eu acho que é bastante eficaz, é com veículos que são financiados pelo Banco de Fermento com fundos europeus e depois uma série de business angels que basicamente entram com metade do dinheiro. Aliás, eu cheguei a estar à frente de um desses fundos em Braga, na Startup Braga. E por isso é essa, ou seja, basicamente os privados também entram e o público só entra quando o privado, no fundo, assumiu também esse compromisso. E essa é a forma de garantir que há uma repartição do risco. Exato, exato. E O privado, ou seja, os privados, os business angels, são pessoas do setor, ou seja, são pessoas mas que têm empresas em áreas tecnológicas e que basicamente avaliam projetos de áreas que eles conhecem e que podem vir a ter um interesse económico neles no futuro, que é participar na administração dessas empresas e tudo isso. E é assim que funciona e nós já temos este sistema a funcionar em Portugal há alguns anos já, ou seja, com o Portugal 2020 isso passou a funcionar. Nas grandes empresas é um bocadinho diferente, ou seja, no caso das multinacionais, se nós pensarmos em projetos que associam grandes multinacionais com empresas portuguesas e com universidades ou politécnicos ou centros de investigação, o capital público serve para quê? O caso da Bosch foi muito bem-sucedido, mas se tivesse corrido mal, podia correr mal, ou seja, foi que foi desenvolvida nova tecnologia que não existia, pois nós nunca sabemos se a tecnologia vai surgir e se vai ser bem-sucedida no mercado, há um risco, no fundo, de disrupção do processo produtivo. Vai afastar recursos, vai... Ou seja, o que é que os fundos públicos estão aí a fazer? Estão basicamente a mitigar o risco de falhança desse projeto. Ou seja, nós podemos criticar, se não tivermos a atenção, esta dimensão de incentivo, porque é que estamos a financiar uma multinacional milionária como a Bosch, com fundos públicos? Isto faz algum sentido? Ou seja, a Comissão Europeia não gosta nada disso, porque sabe que isto não é popular. A verdade é que a Bosch dificilmente teria entrado num projeto deste se não tivesse esses fundos públicos, no fundo, a reduzir o risco às potenciais perdas. E é isto que, nós sabemos isso, da economia do crescimento, que são esses subsídios públicos que no fundo vão gerar o nível de investimento ótimo, porque dado que há sempre esse risco de falhança na inovação, o investimento privado seria sempre subótimo. Por isso nós nunca teríamos as inovações e as transformações
José Maria Pimentel
que temos.
Fernando Alexandre
Nunca teríamos, ou seja, porque o investimento privado será sempre subóptimo se não for financiado desse ponto de vista, não é? E por isso, nas multinacionais, essa é a razão para termos, mas como eu estava a dizer, e este é um risco...
José Maria Pimentel
Agora fazer sempre igual.
Fernando Alexandre
É sempre igual, quer dizer, já se... Aliás, o caso da Bosch serviu para isto, que foi mostrar que vale a pena uma multinacional fazer uma parceria com as entidades do sistema científico e tecnológico português. Isso já ficou evidente, ou seja, só isso valeu o dinheiro. Mas agora não precisamos estar a gastar dinheiro para isso outra vez porque, sei lá, a Mercedes se calhar já percebeu e outras empresas que vale a pena fazer parcerias em Portugal. Ou seja, podemos continuar a financiar projetos com multinacionais mas se calhar com outro objetivo. Depois há outra dimensão, que é para onde vai uma grande parte do dinheiro e que tem sido bem gasto, mas que nós temos que ter muito mais cuidado, acho eu, que são empresas de média dimensão, que no fundo quando nós colocamos lá o dinheiro a probabilidade de sucesso é quase 100% e a questão é, será que as empresas fariam o investimento ou não sem esse subsídio? E aí é que eu tenho muitas dúvidas. Eu acho que se calhar na maior parte ou em muitos casos fariam o mesmo e por isso aquilo que os fundos públicos estão a fazer é acelerar o investimento, se calhar fariam de uma forma mais lenta.
José Maria Pimentel
Ou a torná-lo mais
Fernando Alexandre
barato. Exatamente. Mas ele se calhar seria feito na mesma, se atomar a aumentar a rendibilidade desse investimento. Mas aquilo que eu acho que é fundamental garantir é que há uma externalidade para o setor ou para outras empresas da mesma fileira. E por isso eu volto a falar dos projetos em que há promoção, Ou seja, se eu financiar uma empresa micro ou pequena, a maior parte das vezes o resultado, pelo menos nas estimações que eu fiz e que estou a aprofundar também agora com outros projetos, como o Miguel Portela e com o Estante Estruturamento, que estamos a trabalhar sobre isso, não são muito visíveis, mas se for em parceria, ou seja, se nós tivermos pequenas empresas a trabalhar em conglomerados, em projetos de copromoção com empresas de média e grande dimensão, se calhar há a possibilidade de termos externalidades para essas empresas de menor dimensão. E as externalidades é aquilo que, isso é um bocado técnico, mas é aquilo que fundamenta, ou seja, que justifica...
José Maria Pimentel
É aquilo que nós estamos a procurar. Exatamente. Isso não é dar um benefício à empresa, é dar um benefício... Ou
Fernando Alexandre
seja, é fundamental, é fundamental garantir isso porque os fundos públicos para empresas têm esta dimensão, ou seja, se for só para benefício da empresa não se justifica. E por isso é que a Comissão Europeia também é tão crítica dos fundos para grandes empresas, porque quem tem maiores dificuldades de acesso ao capital são as micro e as pequenas empresas. Na questão do financiamento, A dimensão do crédito que é dado a empresas, ou que foi dado a empresas com modelos de negócio, no fundo não são viáveis. Em Portugal houve muitos falhanços nessa área e é uma das áreas que nós detetamos onde ainda existem problemas e que agora com a questão da pandemia e de outras crises se podem agravar. E que é o facto de nós termos empresas que de facto não são viáveis economicamente e que persistem no mercado durante muito tempo. E persistem porque o sistema financeiro durante muito tempo não foi rápido, no fundo, a cortar, porque tinha incentivos para isso, a cortar o crédito dessas empresas e por outro lado porque os procedimentos de insolvência também não são muito eficientes.
José Maria Pimentel
Exato. Eu estava a lhe dizer isso há bocadinho.
Fernando Alexandre
Nós temos empresas que se arrastam muito tempo e que distorcem a concorrência. Não só absorvem recursos que têm um baixo retorno, todos os recursos que estão nessas empresas são recursos que não estão a ser devidamente aproveitados e que estão a ser retirados a empresas melhores e por outro lado essas empresas que estão a atuar em condições de mercado ou porque não estão a pagar impostos ou porque não estão a cumprir todas as suas obrigações estão a distorcer a concorrência e estão a ter um posicionamento no mercado que acaba por ser desleal e que prejudica as empresas
José Maria Pimentel
melhores. Sim, sim, sim. Porque
Fernando Alexandre
não são... Ou seja, este é mais um daqueles exemplos onde de facto nós temos que ser mais rápidos a decidir o que é que vale a pena e o que é que não vale a pena. Ou seja, porque mais uma vez é que ele sei agora, vamos, estas empresas, mas afinal dão emprego a muitas pessoas, mas é o emprego em que as pessoas têm a sua vida empatada, porque a sua vida vai estar amarrada a uma empresa que mais tarde ou mais cedo vai ao fundo e essas pessoas vão estar a perder anos de carreira e oportunidades noutras empresas melhores e atrasar no fundo a sua carreira profissional.
José Maria Pimentel
Sim, tu achas que isso é um problema unicamente institucional? Ou seja, que nós poderíamos corrigir apenas mudando regras? Ou achas que tem um lado cultural também de... Há
Fernando Alexandre
um lado cultural, não é? Que é, eu também percebo, quer dizer, nós olhamos para estas empresas e pensamos estes tipos não se aqui a aproveitar e não pagam impostos mas muitas vezes são pessoas que dedicaram a vida toda a uma empresa e aquilo é como um filho, que eles obviamente não querem deixar e é preciso perceber isso, ou seja, há ali um lado sentimental e depois há até o lado, e se calhar talvez estejas a referir a isso, que é o lado do falhanço, o medo de perante a vizinhança
José Maria Pimentel
também, por acaso não estava,
Fernando Alexandre
mas é sempre outro perante a vizinhança, o ir à falência, surgir como um falhanço e Portugal de facto tem este problema de não saber lidar para só queremos heróis. Quando as falhas, as derrotas fazem parte de qualquer progresso bem-sucedido. Não,
José Maria Pimentel
absolutamente. E tem o outro lado da moeda que tu aludiste a isso no início que é quando as coisas correm bem essas empresas, ou seja, os setores, tornam-se uma espécie de campeões
Fernando Alexandre
nacionais. Ou pessoas, ou pessoas. Em Portugal nós temos sempre, pois aparecem sempre os mesmos exemplos. Há uma dificuldade. Eu como em várias funções tenho que participar na definição de painéis disto e daquilo. Estou sempre a ver se encontro pessoas novas por cá. Há muita gente interessante, mas há uma tendência, mesmo entre jornalistas e tudo, a ir sempre aos mesmos e que é confortável. Dá menos trabalho. Exato, é isso.
José Maria Pimentel
Olha, outro aspecto que vocês focam no estudo é a questão das qualificações e das universidades em particular. E nós aqui temos, de certa forma, um puzzle, porque nós temos... As qualificações progrediram bastante, sobretudo nos últimos 20 anos. Nós temos universidades, bem, depende das áreas, mas com uma qualidade de ensino que eu diria que é razoável e temos uma boa rede de universidades. Temos até um número de investigadores razoável, mesmo em áreas de STEM, e no entanto continua a haver aqui algumas lacunas, como tu próprio dizias, continuamos a não ter universidades excelentes, portanto temos universidades boas mas não temos universidades excelentes, mesmo nesta área da STEM, portanto da ciência, tecnologia, no fundo áreas que estão ligadas às áreas da economia com maior crescimento. Temos números razoáveis, mas também não são extraordinários, não é? Portanto, aqui parece que estamos aqui no meio, não é? Aqui temos algumas coisas boas. Tu falavas, por exemplo, das pessoas com formação em programação e em informática, claramente temos, quer dizer, tenho várias pessoas da minha geração que trabalham para empresas estrangeiras ou trabalham mesmo nos estrangeiros, são muito bem pagos e portanto são altamente reconhecidos mas ao mesmo tempo ainda não conseguimos por um lado ter universidades de excelência e por outro transformar isto em crescimento económico e em projetos salvo algumas boas exceções em Portugal, não é? Para já,
Fernando Alexandre
se calhar eu ia retomando aquilo que dissemos há pouco, se aplicar muitas dimensões como os fundos europeus, também nas instituições de ensino superior, os nossos políticos não gostam de fazer distinções, ou seja, gostam de tratar tudo... Fazer escolhas, eu estava a falar disso. Se calhar fazem, mas fazem-nas de uma forma pouco transparente,
José Maria Pimentel
o que ainda é pior.
Fernando Alexandre
Basta dizer que nós temos uma lei de financiamento do ensino superior que é discutível, ou seja, é antiga e que se calhar não dá os incentivos corretos para aquilo que deviam ser os incentivos que as instituições de ensino superior em Portugal precisam mas é uma lei, como muitas em Portugal, que não é respeitada. Ou seja, não é seguida. Até vai no sentido de dar alguns incentivos, mas não são muitos, e depois não é aplicada. Isto não faz sentido nenhum. O sistema de ensino superior em Portugal é financiado numa lógica em que o número de alunos, se bem me lembro, a referência é o número de alunos que as universidades e os politécnicos tinham tipo em 2007. Praticamente não houve atualização nenhuma, houve imensas mudanças e por isso há universidades que estão beneficiadas, há outras, para termos uma ideia, as universidades que cresceram mais na última década são as mais prejudicadas ou seja, aquelas que tiveram mais procura e que formaram mais pessoas são as mais prejudicadas isto não faz sentido nenhum, em geral, mas depois se quisermos de facto para o tal paradigma nós precisamos ter áreas que lá está a questão na fronteira. E nós andamos para o ranking de Xangai e, por exemplo, achamos que seria interessante... Que é
José Maria Pimentel
o ranking das melhores universidades?
Fernando Alexandre
É considerado normalmente o melhor ranking ou aquele mais... Há muitos rankings, mas este talvez seja o mais reputado a nível internacional, que faz uma classificação das universidades. A melhor portuguesa, que é a Universidade de Lisboa, que é muito grande.
José Maria Pimentel
É muito grande, sim. Esse ranking beneficia as universidades maiores, não é?
Fernando Alexandre
Beneficia as universidades maiores, mas a Universidade de Lisboa, que é a que está em melhor posição, está entre a posição 150 e 200. E, por exemplo, uma das medidas que nós recomendamos era uma estratégia para colocar uma universidade portuguesa nas 100 primeiras. Ou seja, se nós quisermos ser um país em que o paradigma é o creative in, isto é, que temos uma economia baseada no conhecimento, nas qualificações e no talento. Nós temos que atrair talento, temos que atrair investidores, capital e essas pessoas, esses investidores vão olhar para as universidades portuguesas, onde é que elas estão. E se elas não aparecem nas 100 primeiras, ou pelo menos algumas áreas, é difícil dizer que somos uma economia do conhecimento inovadora baseada nas qualificações, quando depois não temos universidades no topo das classificações a nível mundial. Claro que isto é, como muitas medidas, nós temos que ser minimamente objetivos e temos que pôr aqui um número, não é? Mas depois a qualidade pode ser definida de várias maneiras, os rankings são muito úteis, é meio óbvio, mas não são todos.
José Maria Pimentel
Sim, mas também tem limitações. Mas pelo menos se não tivermos
Fernando Alexandre
nesse ranking temos que ter linhas de investigação que, ou seja, temos que dar os incentivos e a possibilidade de algumas universidades, algumas áreas dentro de algumas universidades, estarem a competir para resolver problemas a nível internacional e para aparecerem na linha da frente com soluções para esses problemas. E isso precisa de um modelo de financiamento que tem que ser de média e longo prazo e que obrigue a fazer escolhas. Mas têm que ser escolhas transparentes, até para responsabilizar depois essas instituições. Porque quando os incentivos ou os incentivos ou se o financiamento até favorece algumas universidades, mas não é de uma forma transparente, elas nunca serão, nunca haverá prestação de contas. Elas têm mais recursos, mas não são obrigadas a prestar contas, porque, digamos que formalmente, elas não foram beneficiadas. E por isso eu preferia que se dissesse assim, nestas áreas, ou seja, haveria um concurso internacional, por exemplo, com júris internacionais para definir financiamentos por 5, 10 anos e depois no final destes períodos haveria avaliações.
José Maria Pimentel
Haveria prestações contas. Como se faz com a FCT?
Fernando Alexandre
FCT são períodos muito curtos e são projetos pequenos. Com a Comissão Europeia, com o Horizon, o programa Horizon, por exemplo, aí já funciona mais nessa linha. Eu não
José Maria Pimentel
sei o que é o programa Horizon.
Fernando Alexandre
É o programa que financia a ciência a nível europeu, é que as universidades portuguesas também concorrem. Podem ser investigadores individuais, podem ser projetos em parceria com outras universidades europeias e estamos a falar de projetos de milhões de euros, não é? Há projetos que são flagships, que são projetos mais de 100 milhões de euros.
José Maria Pimentel
Ah, ok, ok, já sei, já sei. São projetos muito... Sim, sim, o financiamento
Fernando Alexandre
é... O ERCIS é o mais famoso, que são as bolsas individuais para investigadores, que são entre 1 milhão e 2 milhões de euros. Portugal vai conseguindo algumas, meio a 12 por ano, 10 por ano, o que é interessante. Nós não estamos muito mal posicionados nesse patamar. Ou seja, o financiamento europeu é uma opção, mas nós também temos de ter uma estratégia nacional e essa estratégia de facto não temos. Como eu costumo dizer, quando chega ali a primeira semana de outubro, quer dizer, na Universidade Portuguesa ninguém está nervoso, quer dizer, o Estocolmo não vai ligar, não vai perguntar para Portugal e eu acho que isso podia ser lá está, voltamos a esta discussão, ou seja, quando eu falo com os meus colegas eles dizem, oh, não, esquece, isso não é possível em Portugal. Ainda agora estive em Singapura, ou estive não sei onde e aí assim eles têm um programa e sabes quanto é que eles estão a investir nisso e pronto, e a conversa acaba ali.
José Maria Pimentel
Mas como é que é agora? Tu dizias que agora existe uma lei, mas que não é aplicada. Como é que funciona?
Fernando Alexandre
Ou seja, é uma lei de 2003 e que se baseia no número de alunos, baseia-se também na qualidade da investigação, mas não é seguida. Ou seja, aquilo no fundo é uma fórmula que de acordo com os parâmetros que lá estão determinaria o financiamento para cada instituição só que não é aplicada mas não é aplicada por nenhum governo nos últimos 10 anos ou mais
José Maria Pimentel
então o que é que dita o financiamento? Dizes há pouco que era o
Fernando Alexandre
número de alunos em 2007, né? É o passado mais umas migalhas que são discutidas todos os anos absurdamente pelo reitor
José Maria Pimentel
espanholista. Pois, pois, é o normal.
Fernando Alexandre
Eu tenho dito ao meu reitor que acho que ele fazia melhor em dizer que o que tinha chega e que ele vai trabalhar para conseguir mais dinheiro porque o tempo que ele perde não justifica o dinheiro. Pois, pois. Ou seja, é ridículo, atenção, isto é mesmo ridículo, isto devia ser discutido por humoristas, isto é ridículo porque eles andam meses a discutir trocos e as instituições em vez de estarem focadas na estratégia andam focadas em ter mais 300 ou 400 mil euros. Quando se estivessem a pensar de facto, ou seja, é preferível dizer opá, o governo não vai dar, não vai, acabou. E passavam anos até para o governo. Eu acho que era preferível, porque é tudo tão ridículo que não... Eu nem consigo perceber como é que, mesmo do ponto de vista dos decisores políticos, não tem mais nada que fazer. É que andam a discutir coisas sem interesse nenhum. Isto quando chega ali à altura do verão, as pessoas só falam disto e eu digo para amor de Deus, eu tenho mais em que pensar, isto não tem interesse nenhum. E andam com folhas para trás e para a frente e reuniões em Lisboa e para trás e para a frente não consigo perceber. E não tem que ser tudo por fórmula, mas tem que ser claro, tem que ser transparente. Claro. Não,
José Maria Pimentel
mas isso era o que eu tinha a perguntar. É evidente que imagina que não tenhas uma prescrição já completamente definida, mas que modelo concreto é que te pareceria melhor para esse tipo de financiamento e sobretudo nessa lógica de apostar em determinados cavalos, não é? Ou seja, de selecionar determinadas universidades em que se vai apostar em tenimento de outras que obviamente também teriam que ter financiamento para assegurar o ensino mas não tanto para a parte da
Fernando Alexandre
investigação. Claro, ou seja, isso não seria definido pelo ministro, isso seria definido por concursos internacionais. Nós teríamos que ter uma avaliação e dizer, ou seja, nós sabemos, não vou estar agora aqui a dizer nomes que não é a parte interessante, mas é sabido mais ou menos quais são, qual é a maior, é Lisboa, o Porto é a segunda, e depois temos Coimbra, a Nova, Aveiro, Minho, Aveiro é mais pequeno que as outras três, mas este é o grupo das universidades que tem mais massa crítica. Não quero dizer que os politécnicos, a rede universitária não possa ser importante e que não tenha também que ser reformulada, mas se nós quisermos pôr universidades a competir a nível internacional, obviamente não podem ser todas. Atenção a história, isso pode ser por áreas, ou seja, na Universidade de Lisboa pode ser uma área, Sim,
José Maria Pimentel
sim, não tem que ser tudo das mesmas. No Libra pode ser outra, quer
Fernando Alexandre
dizer, não tem que ser para a Universidade, porque as universidades também são obrigadas a... Também têm muitas fontes de ineficiência e podiam fazer muito melhor do que fazem em muitas áreas. Agora, há áreas que trabalham muito bem, há outras áreas que trabalham, mas quase todos os países, o que Orlando Oliveira, por exemplo, e Alvira Fortunato disseram no encontro, foi precisamente que na Holanda e na Alemanha, nós falamos disso no estudo, há um conjunto de universidades, três universidades, cinco universidades, que têm um financiamento diferente, precisamente porque têm objetivos diferentes. Ou seja, estão a competir noutras dimensões que não está o sistema como um todo. E por isso, voltamos ao mesmo, fazer essa diferenciação. É a questão da escolha. É a questão da escolha. E nós falamos também disso, na questão da região estrela. Houve algumas críticas. Nós falamos muito da coesão em Portugal, a questão das assimetrias regionais. Eu sou muito sensível a isso. Mas a verdade é que se nós andarmos a distribuir os fundos e recursos pelo país como um todo, sem percebermos que temos de ter áreas, regiões, como eu costumo dizer, que têm que ter algum brilho, ou seja, quando se olha para o mapa há aqui uma estrelazinha, um brilhozinho neste extremo ocidental da Europa que é Portugal e que as pessoas sabem que há ali uma região onde há universidades, talento, pessoas qualificadas, boas infraestruturas e que é um sítio bom para viver e para investir e para trabalhar e para desenvolver projetos e para criar empresas e é preciso fazer isto.
José Maria Pimentel
E é onde surgiram essas redes, não é? Porque estas coisas não vêm de indivíduos, ou de empresas individuais, vêm de redes, não é? Exatamente. E essas redes têm que estar concentradas geograficamente, mesmo com a internet, as pessoas têm que estar no mesmo sítio.
Fernando Alexandre
As pessoas têm que falar e têm que circular rapidamente. Não podem estar dispersas pelo país, quero dizer. E aqui voltamos um bocadinho à mesma conversa da época, e também a ver com escolhas e com instituições, que é a ligação Porto-Lisboa-Ferroviária. A ligação Ferroviária-Porto-Lisboa. Se as pessoas não percebem que entre as duas principais cidades do país, onde vive uma parte significativa da população portuguesa, onde temos objetivos de descarbonização que passam para as pessoas andarem menos de carro e mais de comboio que não temos que ter um comboio rápido entre estas duas cidades e andamos há, sei lá, quantos anos a discutir isto quer dizer, eu acho que se percebe muito pouco do que é que é é ir aos outros países e ver como é que são as ligações ferroviárias entre as principais cidades. Isto é inacreditável, não é? O país de Braga a Lisboa demora 4 horas. É inacreditável, não é? Ou seja, ir e vir no mesmo dia são 8 horas, quer dizer.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Sim, torna-se bastante difícil. E quem diz isso diz até os transportes urbanos dentro das cidades. Exatamente, sim. Mas desculpa, só voltar ao tema das universidades. Que variáveis é que tu vias aqui neste... Vias uma avaliação internacional que faz sentido para garantir maior imparcialidade e maior objetividade, mas dentro das variáveis nós teríamos, certamente, produção de investigação, portanto, papers é que são produzidos, quantidade de situações é que tem, teríamos também ligação, por exemplo, a empresas, portanto, a conversão desse conhecimento
Fernando Alexandre
em projetos concretos, o que é que me está a faltar aqui? Temos os diplomados, a integração dos diplomados no mercado de trabalho, são as variáveis habituais nesse rankings, mas aqui o que eu acho que nós tínhamos que ter, e pronto, e o estudo parte um pouco disso, é que nós temos aqui desafios que estamos pela frente, ou seja, a parte da transição climática, a parte da demografia. E por isso há áreas onde nós temos que estar na linha da frente, não é? Na área das ciências da vida, da saúde, claramente, não é? Ou seja, nós temos... Vamos ter uma necessidade cada vez maior de terapêuticas, de medicamentos. Ou seja, nós não podemos importar essas coisas todas, ou seja, nós temos de ter uma área da saúde que não só pensa em soluções para a nossa população, mas como são problemas do hemisfério norte, pensa em soluções que vão ser escaláveis e comercializáveis a nível global. Isto implica ter áreas da ciência da saúde nas universidades de fronteira, ou seja, nós temos, seja na área das ciências da saúde, seja na parte dos desafios da transição climática, ligado por exemplo à área da energia, das áreas do ambiente em geral, mais uma vez nós vamos precisar de soluções e nós não podemos, para enfrentar este desafio, simplesmente importar tecnologia e importar conhecimento, ou seja, nós temos que ser parte e a ideia do paradigma do Create a Dean também tem a ver com isto, é, nós temos que ter uma economia e a montante desta economia tem que estar sempre no sistema científico e tecnológico que participa de forma ativa na resolução destes problemas que são globais. E que os antecipa. Porque se não, ou seja, nós não vamos ter... Por exemplo, a questão das renováveis, nós falamos um pouco disso. Nós temos neste... Bem, agora, água não temos nesta fase. Mas temos um conjunto de fontes de energia que nos pode vir a dar uma vantagem competitiva que nunca tivemos na área da energia fóssil. Sim, sim, esse é um bom ponto. Nunca tivemos. Agora, se nós simplesmente importarmos painéis solares e turbinas eólicas e a exploração da energia em offshore for feita com conhecimento, com tecnologia, com equipamentos que vêm de fora, o que é que vai sustentar essas importações? Nós temos que ser parte não só do conhecimento que aproveita essas fontes de energia, mas nas baterias. Esta questão do lítio é uma questão importante, ou seja, a questão do lítio e da exploração do lítio e qual é que é o papel que Portugal vai ter na produção de baterias na Europa que praticamente não existem, ou seja, que é uma área de grande dependência da Europa. Nós temos que estar quer na produção de conhecimento, quer depois no desenvolvimento de inovação, quer na produção. Ou seja, nós na produção estamos um pouco, na parte eólica temos algumas empresas importantes que produzem e que exportam, mas temos que estar muito mais ativos e temos que contribuir com soluções inovadoras. E isto implica na ciência, no ensino superior, quanto é que é que estávamos a falar, e no sistema científico e tecnológico, termos centros de investigação, termos áreas de investigação que estão na fronteira, ou seja, que estão na linha da frente. E é desse ponto de vista que eu penso, ou seja, que nós temos que ter, não definir até qual é a área especificamente, mas é qual é que é o problema e no fundo as soluções têm que aparecer, pondo o dinheiro à frente, não é? Exato. Como incentivo. Ou seja, não é o ministro que vai dizer, por exemplo, na área das baterias, Se acharmos que é importante, aí pode haver financiamentos para essas áreas. Ou seja, se acharmos que temos que ter equipas, e temos, e há trabalho a ser feito nessa área, em particular no Instituto de Nanotecnologia em Braga, isso é o ibérico, isso é feito. Mas essa participação ativa é uma condição para termos o tal paradigma creativino que vai responder aos desafios sociais porque senão, seja nos medicamentos, seja nas terapêuticas, seja na tecnologia para aproveitar as renováveis, vamos ser totalmente dependentes. Isso não é sustentável, isso não vai funcionar. Sim, sim, absolutamente. Olha, boa maneira de terminarmos. O
José Maria Pimentel
estudo é muito mais amplo do que nós falámos aqui, mas também pareceu-me que a conversa seria mais interessante se nós explorássemos alguns em profundidade, em vez de estarmos a fazer uma visão geral. Mas, de qualquer forma, os ouvintes ficam convidados a ver, que eu não tenho lido ainda. Passava-te a bola agora para recomendares um livro, não sei se é o livro, se é os livros, se não é sequer um livro. Há um livro que
Fernando Alexandre
saiu durante o processo em que estava a fazer o estudo, que é do Philippe Aguillon, que foi o meu professor de crescimento económico no doutoramento, que é o poder da destruição criadora, e que por coincidência, porque o título do nosso projeto já estava feito, o primeiro capítulo dele é precisamente o novo paradigma, mas o nosso título já estava feito antes disso, e que é precisamente sobre isto. A ideia, esse livro foi importante mais no sentido da validação porque o estudo até já estava na fase final, mas no sentido da validação parte precisamente da ideia que há países que ficam presos naquilo a que ele chama a armadilha dos países de rendimento intermédio, isto é, há uma fase da convergência que se baseia muito na imitação e na replicação daquilo que os outros fazem, mas a partir de determinado patamar de desenvolvimento, para continuarmos a crescer, nós temos que ser parte do processo de criação de valor com a inovação, com o conhecimento e com as qualificações. E por isso, desse ponto de vista, este livro foi útil. Os trabalhos de crescimento económico do Filipe Aguião foram sempre muito importantes para mim, precisamente porque ele centra essa... A dimensão da inovação no crescimento económico e no desenvolvimento. Por isso, este livro foi traduzido para português há pouco tempo, até tem perfácio do Carlos Moedas
José Maria Pimentel
Pois, não sabes o que é curioso? Que eu lembro-me de... Ele, Carlos Moedas, foi convidado aqui do podcast para ir há 2 ou 3 anos Não, não, foi há 2 anos E ele falou na altura desse livro está para sair, se não me
Fernando Alexandre
engano Já saiu, já saiu, pois, pois, já saiu, já saiu Pois,
José Maria Pimentel
entretanto saiu, mas Ele não disse o título na altura, mas falou do Filipe Aguião. Já não sei porquê, mas sei que ele falou. Mas lembro que ele disse que o livro estava para sair.
Fernando Alexandre
Por isso eu sugeri este livro. Acho que se lê muito bem com o estudo, porque tocam muitos dos programas que nós tocamos. E como eu estava a dizer, foi interessante até o primeiro capítulo chamar um novo paradigma teve aquele sentido de validação. Ok, estamos no caminho certo.
José Maria Pimentel
E é interessante esta questão do rendimento médio também não é desinteressante para compreender até outros países, como por exemplo a China. Sim, sim. Eu presumo, eu não li o livro, mas presumo que ele fale da China porque há muito quem diga justamente isso, que eles conseguiram fazer a catching up de imitação, mas depois podem não ter necessariamente, até por condições políticas e institucionais, a capacidade depois de inovar para lá disso, vamos ver. Mas o... A verdade é que já fizeram bastante mais do que se esperava.
Fernando Alexandre
Pois, mas a questão é que a China, essa é uma grande questão, mas é outro tema, não é? Mas a China lidera tecnologicamente uma série de setores neste momento. Isso foi até um ponto de partida por acaso para um paper que publiquei agora com o Francisco Veiga e com o Pedro Bação, que é precisamente sobre isso, ou seja, o qual é o que é o sistema político que é mais favorável ao crescimento da produtividade. Pois,
José Maria Pimentel
justamente, por isso é que eu dizia isto, por causa disso, porque a China, de acordo com aquele modelo institucional, Nós falávamos das instituições, do Assembly e do Robinson, por exemplo, a China. A China é um puzzle no meio para esse modelo, não é? Porque à partida...
Fernando Alexandre
É, mas como eu costumo dizer, temos poucas observações. O crescimento económico tem 200 anos. Temos poucas observações e usar o passado para extrapolar é muito difícil. Sim, sim. E de facto a China, o resultado já agora desse paper, já agora também posso fazer essa sugestão de leitura, que é um paper que já está disponível online no European Journal of Political Economy, que basicamente a nossa conclusão é que o regime político não parece ser relevante para o crescimento da produtividade, a estabilidade política é, mas a liberdade económica parece ser muito relevante para o crescimento da produtividade. E depois há uma dimensão que nos parece que merece ser explorada, é que na liberdade económica há duas dimensões que parecem ser muito importantes, a independência da justiça e a concorrência dos mercados. E a dificuldade é, será que por exemplo a independência da justiça é compatível com um regime que não seja a democracia? Eu penso que não é. E por isso se calhar de facto a democracia pode ser mais favorável ao crescimento económico do que a maior parte dos estudos mostram. Porque a maior parte dos estudos, de facto, o que mostram é que a democracia não tem grande vantagem relativamente a regimes não democráticos para o crescimento económico.
José Maria Pimentel
Interessante isso. Já está publicado o paper?
Fernando Alexandre
Está disponível.
José Maria Pimentel
Então depois envia um link que eu ponho na descrição. E não é só o China, atenção, tem Singapura, é outro exemplo
Fernando Alexandre
parecido. Mesmo a Coreia do Sul durante muito tempo
José Maria Pimentel
foi... A Coreia do Sul cresceu antes de se tornar uma democracia. Não foi ao contrário. Esse é um puzzle para... Sobretudo para o nosso
Fernando Alexandre
modelo ocidental. Sim, sim. Quer dizer, de facto nós estamos muito formatados porque o desenvolvimento nestes últimos 100, 200 anos foi muito do lado ocidental, mas pode não ser necessariamente assim. Mas as condições institucionais de facto são relevantes. Agora, o desenvolvimento tecnológico na China, isso é uma coisa que... Eles são na energia nuclear, na inteligência artificial, nos comboios rápidos. Por exemplo, tem agora aquele comboio rápido do Tibet para a China, não é? E quando eles começaram a discutir isto, levaram lá engenheiros europeus que fizeram os túneis nos Alpes e tudo isso e disseram que não era possível. Eles fizeram.
José Maria Pimentel
Pois, é verdade. A pessoa está sempre a subestimar a China. Bom, Fernando, obrigadíssimo. Obrigado, Will. Foi uma ótima conversa. Obrigado, Will. Um abraço. Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafoods.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Ana Raquel Guimarães, Júlia Pichini, Família Galaró, José Luís Malaquias, Francisco Hermano Gildo, Nuno Costa, Abílio Silva, Salvador Cunha, Bruno Heleno, António Lima, Helena Monteiro, Pedro Lima Ferreira, Miguel Van Uden, João Ribeiro, Nuno Pinheiro, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins e Tiago Oete.