#116 Pedro Gomes - “Sexta-Feira é o Novo Sábado”

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Atualmente a maioria de nós, sobretudo aqueles que não caem na maluquice de ter um podcast, tem um emprego de segunda a sexta-feira e descansa ao fim de semana dois dias. Mas não foi sempre assim. Ainda há menos de 100 anos, na maioria dos países, a semana de trabalho era de segunda a sábado, só com um dia de descanso. E nos últimos anos tem havido cada vez mais pessoas a sugerir que se dê ainda mais um passo em frente e se passe para uma semana de trabalho de apenas quatro dias. Há mesmo várias empresas que já testaram este modelo e reclamam resultados muito positivos mesmo ao nível da produtividade. A pandemia, com a modificação de hábitos de trabalho que provocou, acabou por dar um novo vigor a esta discussão. É por isso muito oportuno o livro do convidado, Pedro Gomes, que acaba de ser publicado em português. O convidado é professor associado de economia em Birkbeck, Universidade de Londres, doutorou-se pela London School of Economics e antes disso fez a licenciatura em Economia no ISEG. No livro, chamado Sexta-feira é o novo sábado, defende que uma semana de quatro dias, para além de ser benéfica para as pessoas, daria também um impulso à economia a vários níveis, estimulando a procura, a produtividade, a inovação e os salários e contribuindo mesmo para reduzir o desemprego e o apelo de movimentos populistas. O livro do Pedro foi originalmente publicado em inglês e nota-se que é mais vocacionado para as economias ricas, como as dos Estados Unidos e dos países do centro e norte da Europa, mais do que propriamente Portugal, onde ainda estamos a pensar como rentabilizar melhor os dias que trabalhamos do que propriamente ter mais um dia de descanso. Ainda assim, tem muito de relevante se queremos entender o que pode ser o mundo do futuro, inclusive no nosso país. O livro é, além disso, escrito por um economista, mas direcionado a um público alargado, adotando muitas vezes uma análise social e até psicológica dos efeitos destas medidas. Na nossa conversa, discutimos as especificidades do modelo que o convidado propõe, os benefícios que, segundo ele, traria à economia e à vida das pessoas e o modo como seria implementado, bem como os obstáculos práticos que pode enfrentar. E falando de livros, os ouvintes mais atentos devem lembrar-se que anunciei, há cerca de um ano, que estava a escrever um livro a partir do 45°. Posso finalmente anunciar que o livro está prestes a ser publicado. A obra é uma reflexão minha, a partir de algumas das melhores conversas do podcast sobre dois temas da área da política, um mais estrutural e outro mais específico dos tempos que vivemos. O livro é composto por isso por duas partes que podem ser lidas de maneira quase independente. Na primeira parte regresso a algumas das conversas da série Orientações Políticas que gravei em 2019 com convidados como Daniel Oliveira, Rui Tavares e Isabel Moreira, Adolfo Mesquita Nunes e Francisco Mendes da Silva. A ideia aqui é retomar e aprofundar o mote dessas conversas, perceber as principais visões políticas que existem nas democracias ocidentais. No livro, comparo e contrasto as opiniões dos convidados e junto-lhes o que a história nos ensina sobre a evolução das ideias e o que a psicologia nos mostra sobre de onde vêm as nossas preferências políticas e, com isso, tendo perceber o que explica estas clivagens e as verdades parciais que cada visão política transporta. Na segunda parte do livro, abordo dois tópicos mais contemporâneos, a ascensão do populismo, em particular, de direita radical, e a crescente polarização que se observa em muitas sociedades. Aqui revisito conversas com convidados como Pedro Magalhães, Susana Peralta, Desidério Murcho e Mafalda Pratas. Nesta segunda parte, os convidados têm um papel de maior responsabilidade, porque são eles que me ajudam, através do seu conhecimento, a explicar e refletir sobre os aspectos mais relevantes destes fenómenos. Ao utilizar os episódios como ponto de partida para uma reflexão profunda e extensa sobre cada tema, o livro é escrito a pensar tanto em quem não ouviu as conversas originais, como nos ouvintes de sempre do podcast, que aqui vão encontrar mais informação, contexto e ideias sobre os temas que ali foram discutidos. E quando sai o livro, pergunto a vocês? Segundo a editora, está planeado que vá para as livrarias em finais de Abril, sendo que vai haver também uma versão digital. Por isso, até lá, ainda vai haver novidades. Finalmente, queria como de costume agradecer aos novos mecenas do 45°, E são muitos. Um grande obrigado ao Nuno Lopes Guerra, ao Fernando Nunes, ao Luís Fernambuco, à André Esteves, também ao João Pedro Lopes, ao Bruno Pinto Vitorino, à Sofia Roma, ao Pedro Gaspar, muito obrigado ao Cesar Carpinteiro, à Helena Sousa, ao Diogo Costa, ao Fernando Oliveira e, last but not least, ao Simão João. Até à próxima! Pedro, muito bem-vindo a esta humilde casa.
Pedro Gomes
Obrigado pelo convite.
José Maria Pimentel
Olha, nós vamos falar a partir do teu livro, portanto, mais fácil eu passo-te já a bola para tu fazeres um bocadinho o elevator pitch do teu livro e explicar quais são as ideias principais e porque é que defendes o que defendes, não é? Porque é que defendes uma semana de
Pedro Gomes
quatro dias? Bem, eu acho que primeiro é preciso explicar o livro eu escrevi em 2019 e ele foi publicado em inglês, eu escrevi-o em inglês e saiu em agosto do ano passado. E chama-se Friday is the new Saturday, how a four-day working week is going to save the economy. Portanto, eu argumento que a semana de trabalho de quatro dias vai salvar a economia. Quando eu falo salvar a economia estou a falar... Não estava a pensar em Portugal quando escrevi, estou a pensar mesmo nas economias ocidentais, Estados Unidos, Europa. E então eu defendo uma semana de trabalho de 4 dias que quando se fala pela primeira vez ou todas as conversas é que que boa ideia que seria tão bom termos trabalhar só quatro dias mas temos de sacrificar a economia. Exato. E então é esta a narrativa que existe e eu quero exatamente quebrar esta narrativa. Portanto o que eu...
José Maria Pimentel
Tu queres dizer é por causa da economia?
Pedro Gomes
Devemos fazer por causa da economia, portanto, não é uma política partidária, não é uma vitória do movimento sindical, é uma inovação social, uma melhor forma de organizar a economia no século XXI. Agora, a questão é, exatamente em termos concretos, o que eu defendo é que a sexta-feira se torne um novo sábado. Portanto, é coordenar toda a atividade econômica que normalmente ocorre durante a semana nos escritórios, nos bancos, nas universidades, coordenar a quatro dias, segunda a quinta-feira e coordenar todas as atividades económicas que ocorrem no fim de semana, nos três dias, sexta a domingo. Existem muitas atividades económicas que ocorrem continuamente ao longo dos sete dias, nos hotéis, nos hospitais, jornalistas e vai continuar a ser durante 7 dias, mas a semana típica de trabalho de cada trabalhador seria 4. E não se pode fazer de um dia para o outro. A mudança de 5 para 4 é um processo e vai demorar... Eu falo em 4 a 6 anos, era o tempo que eu acho mínimo para fazer essa passagem para a maioria das pessoas, mas seguramente para chegar a todos, depois ainda demorar mais tempo. Sim,
José Maria Pimentel
pois isso tem a ver com a implementação, já lá vamos. Eu antes queria perceber ou discutir melhor alguns pontos da lógica por trás disso. Sabes que eu quando, não sei se foi quando me falaram do livro ou quando li a primeira vez qualquer coisa do livro, lembrei-me logo de uma coisa que depois tu referes no livro, que é uma frase muito conhecida do Keynes, é referida em montes de sítios, o Salvoeiro 1930, que ele previa que 100 anos depois, como a economia e o nível de vida ia continuar a melhorar as pessoas iam trabalhar muito menos. Ele dizia 15 horas por semana. E eu lembrei-me logo disso quando li a primeira coisa sobre o livro e é interessante porque tu falas disso porque de facto é um paradoxo. Ele dizia é um paradoxo sobretudo porque normalmente quando as provisões falham é porque a premissa falha mas a premissa não falhou. A premissa estava correta. Ou uma delas.
Pedro Gomes
Tínhamos a produtividade a aumentar tanto, eu falava de 4 a 6 vezes, e nós íamos querer partilhar esses ganhos de produtividade em consumir mais e trabalhar menos, as duas coisas. Mas a verdade é que continuámos a consumir, consumimos mais, mas o tempo de trabalho nos Estados Unidos a partir da década de 40 caiu muito pouco, quase nada. Portanto, não, a primeira parte estava correta, a segunda parte... E porquê? Qual é a tua tese? Bem, é uma escolha de quanto trabalhamos e o tempo de lazer, é uma escolha da sociedade, não é uma lei de economia, é uma escolha e como sociedade optámos por continuar a trabalhar mas é... Mas isso é uma
José Maria Pimentel
descrição, não é uma explicação, não é?
Pedro Gomes
Mas porquê? Em grande parte porque a semana de trabalho é uma instituição, ou seja, seguramente vamos falar muito nisto a questão de se há liberdade de escolha do tempo de trabalho ou não e mesmo que haja liberdade às vezes a economia funciona de uma forma que bloqueia esta decisão. Nós vamos falar, se calhar, de problemas de coordenação. Estamos coordenados numa semana de cinco dias e é muito difícil uma pessoa trabalhar menos, desviar-se individualmente, ou uma empresa passar uma semana de quatro dias e então acho que é por isso. E é por isso que este movimento, esta passagem, como as passagens anteriores de seis dias para cinco ou a redução de 12 horas de trabalho para oito horas, teve de sempre partir com um papel ativo do Estado.
José Maria Pimentel
Tem que vir de cima, sim. Já lá vamos que esse é um dos pontos interessantes e tu dás o exemplo, dás vários, mas, se calhar, o mais relevante é quando se passou dos seis dias para os cinco dias. Portanto, ou seja, os cinco dias que nós temos agora não foram a norma mesmo já numa época industrial, mesmo no início do século XX. Mas já lá vamos a essa parte em relação a isto. Parece-me ter um bocadinho lateral, no fundo, à tua tese, mas é interessante para perceber, no fundo, como é que essas coisas funcionam, não é? E aqui, porque aquilo que nós estamos a discutir não é só se as pessoas gostariam de trabalhar menos dias, mas como é que isso se relaciona com o nível de vida. E o que me dá a ideia, o que aconteceu é que aquilo que quem nos não estava a prever é que as necessidades fossem aumentando também com a riqueza. Portanto, à medida que o PIB dos países foi aumentando, mas com ele também foi aumentando o conjunto de bens e serviços disponíveis e foi sobretudo aumentando o conjunto de bens e serviços que as pessoas passaram a tomar por essenciais. E, portanto, nós temos uma série de coisas que para nós são essenciais e nas
Pedro Gomes
quais gastamos dinheiro que no início do século XX não existiam. Sim, é uma das razões, mas Ele também aumentávamos o tempo de lazer, mas também aumentávamos o
José Maria Pimentel
consumo. O consumo de bens de lazer, não é?
Pedro Gomes
Não, o consumo genérico, se nós numa economia estática, digamos, que não cresce, Se queremos ter mais lazer temos de consumir menos bens, se queremos consumir mais bens temos de trabalhar mais, portanto. Mas numa economia em crescimento isso não acontece. Ou seja, quando a economia está a crescer podemos usufruir... Imagina que a produtividade duplica, podemos consumir duas vezes mais bens, podemos trabalhar metade do tempo ou podemos ter as duas coisas. Por isso, mesmo tendo mais necessidades, não implica necessariamente que temos de trabalhar, podemos na mesma partilhar os ganhos de produtividade nestas duas vertentes.
José Maria Pimentel
Mas tu achas, agora já tem a ver mais com a tua proposta, tu achas que nós teríamos o mesmo nível de vida, ou seja, o PIB mundial, ou das economias ocidentais, seria igual ou idêntico se nós trabalhássemos 15 horas? Bem, eu não chego até às 15 horas, eu passo para...
Pedro Gomes
Isso já tem alguma coisa a ver com a tua tese, não é? Não aos 15 horas, mas é possível. Há aqui uma diferença que eu acho que é muito importante e é preciso dissociar. É preciso dissociar as horas de trabalho da questão da coordenação em 4 mais 3. Estão as duas relacionadas, mas eu acho que essencialmente o que está a falhar na análise é mesmo pensarmos nesta coordenação. O que é que vai implicar? Como eu vejo é que muito do que nós fazemos na semana de trabalho cinco dias conseguiríamos fazer tão bem da mesma maneira numa semana de quatro e que aquele tempo de lazer ia trazer mais à economia em várias dimensões possíveis. E eu sou um economista, um economista mainstream, mas é essa a visão que dissocia o salto que eu faço relativamente aos economistas. Normalmente, quando pensam no assunto, pensam quando estamos a trabalhar, estamos a contribuir para a economia, quando estamos em tempo de lazer é como uma câmara onde entramos, estamos felizes mas nada do que nós fazemos acrescenta ou afeta a economia. E então os economistas percebem esse valor do bem-estar, mas que é muito difícil de quantificar e percebem o facto de trabalhar menos horas reduz a produção de bens e serviços. E então toda a discussão que existe à volta da semana de trabalho de quatro dias parte desta análise, que é vamos ser muito felizes e vale a pena. Algumas pessoas dizem é importante, mas outras pessoas dizem, e com todo o direito, dizer eu não valorizo tanto o tempo livre, eu gosto daquilo que faço. Então a discussão fica muito vazia porque é quanto é que valorizamos este tempo, esta felicidade e depois parece que é inevitável este custo para a economia. Mas o que eu digo é vamos ver o que é que fazemos no tempo de lazer e vamos ver que, na verdade, James Tobin, num prémio Nobel de Economia, dizia todo o ato de lazer traz um benefício econômico a alguém. Então muitos do livro, muitos dos argumentos é exatamente o que é que fazemos no tempo de lazer e como é que melhora a economia. Sim, sim.
José Maria Pimentel
E vamos aí porque eu acho que tem alguma maneira de dividir a conversa, que é primeiro perceber os argumentos que tu dás, porque é que tu defendes que esta é uma solução boa, e depois discutir porque é que tu defendes especificamente este modelo rígido, digamos, rígido não, mas standardizado, de segunda à quinta-feira, não é? No fundo, alterares aquilo que é o modelo padrão da economia e não simplesmente estás a dar liberdade às pessoas para trabalhar menos, não é? E depois perceber porque é que o governo tem um papel aí e uma série de coisas. Já agora, tu és agnóstico
Pedro Gomes
em relação às horas totais ou tu prescreves também uma diminuição do número de horas? Não, eu falo em oito formas de ajustamento. A questão do aumento das horas de trabalho nos outros dias é uma forma de compensar, mas é uma em oito. E acho que por exemplo
José Maria Pimentel
compensar... Então O teu modelo dá para teres quatro dias a trabalhar o mesmo número de horas que agora as pessoas trabalham em
Pedro Gomes
cinco ou teres quatro dias a trabalhar menos oito horas, por exemplo? Sim, isso lá está. É questão da implementação E aí o que eu digo é preciso ser muito flexível porque a implementação pode ser diferente, por exemplo, nos Estados Unidos ou em Portugal, em diferentes setores de atividade para os restaurantes ou para os professores universitários e mesmo dentro de vários setores, empresas diferentes podem implementar de formas diferentes. A implementação é uma parte importante mas é a parte central na discussão. É sempre a primeira pergunta que eu tenho é é preciso corte 20% do salário ou é preciso trabalhar mais duas horas nos outros dias? Mas na verdade não é por uma coisa ser fácil de implementar que deve ser implementado, não é por uma coisa ser difícil de implementar que não deva ser implementado. Portanto, eu acho que é muito importante separar estas duas perguntas. Primeiro é porquê é que é uma melhor maneira de organizar a economia no século 21? E então aí eu dou os argumentos económicos. Porquê é que é um bom ideal? E depois é, ok, vai haver os custos para a economia de transição, que é mais a questão da disrupção, de termos de mudar como fazemos as coisas e isso é sempre difícil. Eu acho que vai ser, é mais fácil do que as pessoas pensam à partida e é esse o meu argumento. Mas então primeiro separar estas duas questões, primeiro tentar justificar porque é que é um bom modelo e depois pensarmos quais são os ajustamentos para chegarmos lá. Sim, mas aqui a implementação afeta o
José Maria Pimentel
modelo, Ou seja, uma coisa é discutir se é implementado de forma gradual, de forma abrupta, se se implementa em todos os setores, se é standardizado ou se permite que algumas pessoas tenham um horário flexível, enfim, o que quer que seja. Outra é discutir se se mantém ou não se mantém o número de horas, porque se tu mantens o número de horas, o argumento da utilização daquele tempo para outros fins, não acho que se perca totalmente. Por causa da coordenação no dia. Exatamente, e do commuting, que é uma das coisas que tu falas, do tempo que as pessoas perdem para o trabalho, mas pelo menos dilui-se bastante.
Pedro Gomes
Sim, os oito argumentos que eu dou, depois da forma como implementar, pode potenciar alguns e minimizar outros, mas aí já depende muito do contexto e falarmos da economia portuguesa seria diferente, certamente, da americana, mas da questão das horas propriamente ditas já são muito diferentes. Na economia, As pessoas não trabalham só todas 40 horas. É diferente para os médicos e, portanto, já é diferente à partida para os vários setores. E, portanto, dizer que tem de ser de uma forma quando já na economia todos os setores trabalham de forma diferente. Então... Não, mas a questão
José Maria Pimentel
é se vai aumentar ou não vai aumentar. Desculpa, se vai diminuir ou não vai diminuir? As horas de trabalho, eu acho que para potenciar todos os benefícios deve
Pedro Gomes
diminuir. Ok, era aí que eu cresci assim.
José Maria Pimentel
Não necessariamente
Pedro Gomes
diminuir outras. Para alguns setores, por exemplo, trabalhar mais meia hora ou uma hora nos outros dias compensa já um quarto ou metade do ajustamento. Portanto, não tem de ser... Acho que implementar toda a economia com mais duas horas é exagerado e é de evitar. Mas, pontualmente, em alguns setores, aumentar de meia hora de trabalho nos outros dias ou uma hora, se as pessoas quiserem, e eu acho que muitos trabalhadores querem, eu acho que é melhor aumentar duas horas de forma generalizada para a economia, aí os benefícios vão ser muito mais pequenos.
José Maria Pimentel
Desculpa estar insistindo neste ponto, é só porque para mim são... E depois já vamos aos seus argumentos, que é no fundo o maior sumo disto, mas para mim são duas coisas diferentes. Uma é tu discutires qual é a estrutura da semana padrão de trabalho e aí pode ser cinco dias, oito horas por dia, quatro dias, dez horas por dia, podes ter mais do que uma versão e a outra é o total das horas de trabalho. Sendo certo que tu podes argumentar que... No primeiro tu podes argumentar, por exemplo, que tens ganhos por ter menos commuting, não é? Perdes um dia de ligação. No segundo, até é interessante porque, por exemplo, nós... Tu dizias em maior bocadinho, não é que de facto naquela altura em que a Cairns fez a previsão o número de horas de trabalho por dia das pessoas continua a diminuir, mas depois estabilizou ali num platô. Mas para profissões mais bem remuneradas há uma espécie de paradoxo que tem acontecido, para aí na última década, que tem aumentado.
Pedro Gomes
Aumenta as horas de trabalho, sim. Que é curioso. Eu acho que quando vamos falar dos argumentos económicos vamos ver que há alguns que dependem do número de horas, outros que são mais da estrutura, que é mais a questão da coordenação da atividade,
José Maria Pimentel
portanto mesmo o facto de ter mais um dia livre. Sim, e tu tens um argumento muito interessante nesse aspecto que é, enfim, provavelmente Já tinha feito algumas reflexões nesse sentido, mas não completamente, que é esse aspecto da coordenação e de horários flexíveis não serem necessariamente tão bons como se possa pensar, porque nós tiramos muito benefício também de estarmos coordenados no nosso lazer. Ou seja, eu ter uma tarde livre de segunda-feira pode me dar jeito, se eu tiver que tratar de coisas para mim, mas como lazer, a não ser que eu seja uma pessoa muito solitária, não vai acrescentar muito, porque as pessoas que eu conheço estão todas a trabalhar. Enquanto se houver uma estrutura em que de repente passe a haver quatro dias mais três dias livres, ou seja, ali um dia livre extra que todos temos, não é todos, como tu dizias, há heterogeneidade e há pessoas que estão a trabalhar ao fim de semana, mas a maior parte das pessoas têm e isso cria uma espécie de jogo de soma positiva e esse eu acho um argumento muito interessante.
Pedro Gomes
A economia é sobre a criação de valor e a criação de valor pode ser de várias formas E uma que eu falo é a questão dessa... O valor do lazer depende de quantas pessoas na tua rede que estão disponíveis de estar, de facto, sem trabalhar uma quarta, quando todos os teus amigos estão a trabalhar e a tua mulher tem menos valor. Portanto, cria-se valor ao coordenar o lazer. Essa é a razão porque normalmente os casais coordenam o timing da reforma. Há muitos estudos sobre isso que tentam coordenar exatamente porque quando está um reformado e o outro a trabalhar a vida pode estar reformada. O primeiro em geral. Não tem tanto valor aquele tempo. Mas há a coordenação do lazer e a coordenação do trabalho. Mas o mais importante eu acho que é a questão da coordenação do trabalho e é muito importante porque há sempre aquela visão. Por que é que tem que ser o Estado a implementar? Porquê é que tem que partir de cima? E o essencial é o chamado problemas de coordenação. E então, para perceber, numa empresa, vamos ver que era a semana de trabalho de quatro dias, mas cada um escolheu o dia que quisesse. Então, eu não estava lá a segunda-feira, o patrão não estava à terça, o meu colega não estava à quarta, o cliente à quinta, o funcionário à sexta. Cria problemas na comunicação e na decisão dentro da empresa. E isto é mais importante agora porque a economia tornou-se muito mais especializada e, portanto, já nem é um funcionário de IT, agora é o especialista nos e-mails, é o especialista no outro software, etc. E se as pessoas não estão a trabalhar, cria esses problemas E esses problemas que estão por trás da questão do right to disconnect, o direito a desconectar. Quando nós queremos descansar, mas se o mundo continua, se a empresa continua e precisam de ti, podes estar de férias no Algarve, mas vão te ligar se um projeto de 10 milhões de euros está dependendo de uma assinatura tua ou de um fecheiro teu vão te ligar. E é exatamente é um daqueles problemas em economia que é típico, os coordination failures, os problemas de coordenação em que é preciso uma entidade superior vir
José Maria Pimentel
e coordenar o problema. Aliás, eu digo-te até que quando eu li esta parte do livro, primeiro torci um bocadinho a ouir isso, porque pensei, bom, estamos a pôr o... A coisa que é um bocadinho autoritária, ainda por cima de uma altura em que o raio de ação do Estado está claramente numa tendência de expansão e foi uma coisa que a pandemia acelerou. Trouxe um bocadinho de ionismo, mas depois pensei exatamente isto. É um problema de coordenação clássico, na verdade. É como muitos outros. É como, sei lá, se tu queres que de repente se passe a usar o sistema métrico em vez do sistema das polegadas, tem que ser o estado implementado, porque senão é que acontece como no Reino Unido e nos Estados Unidos, que eles continuam a usar aquilo. E há outro caso engraçado que eu me lembrei logo, que é do calendário. O nosso calendário é bastante tosco, porque nós temos 365.25. Os meses não batem certo. Há meses com 30, há meses com 31, há meses com 28 ou 29. E há um sistema que, já não sei quem aqui vetou, mas que casa absolutamente certo. As semanas têm, não sei se tinham todos 5 dias ou 10, casava tudo absolutamente certo. Não havia desvios anuais. Só que nunca foi implementado porque nenhum
Pedro Gomes
Estado nunca pegou naquilo. Tem de ser todos.
José Maria Pimentel
E nem uma empresa, desculpa, já não sei qual era, acho que era a Kodá, que basicamente o presidente era maluquinho por isso e portanto tentou implementar aquilo, mas depois é outro aspecto que tu referes no livro, como aquilo estava completamente descoordenado, o resto da economia, eles tiveram que deixar cair, porque não iam usar um calendário que os outros
Pedro Gomes
não usavam. Portanto, a semana de trabalho de 4 dias tem sido implementada por várias empresas como prática de gestão e a decisão que os gestores têm de fazer é vamos dar um dia de folga diferente a cada um dos trabalhadores, segunda, terça, quarta, quinta e sexta, que piora a coordenação dentro da empresa ou damos todos a sexta-feira, que cria o problema da coordenação com os clientes e com os fornecedores. E esta é a única razão mais apontada para as empresas que depois não mantém a semana de trabalho de quatro dias, é exatamente este o problema de coordenação de vendas. E é por isso que cada empresa a desviar-se tem um custo adicional. E mesmo assim, os ganhos de produtividade são tantos nas empresas que têm experimentado que compensa estes problemas de coordenação. Mas o que significa que se o Estado viesse... Não tem de ser o Estado. O Estado é a forçar um bocadinho, mas depois são as práticas, as normas na economia, toda a gente coordenar nessa sexta-feira e iam haver estes ganhos.
José Maria Pimentel
Claro. E agora, vou trazer uma equação com uma variável positiva e uma negativa. E tu dizias, algumas empresas compensam. O neto é positivo, mas noutras é negativo e elas não
Pedro Gomes
chegam a implementar, não é? Exato, e daí se conseguimos juntos fazer essa mudança. A questão da coordenação também tem uma dimensão internacional que é interessante. Sim, exatamente. Porque agora em janeiro houve a mudança dos Emirados Árabes Unidos para o fim de semana. Eles tinham um fim de semana islâmico, que era sexta e sábado, porque o dia para rezar era sexta-feira, e foi só aplicado ao setor público, que tem muitos riscos, que eu sou muito... Mas nos Emirados Árabes Unidos pode... É capaz de funcionar de forma diferente e passaram a partir do 1 de janeiro a ser o fim de semana de sábado, domingo e para os funcionários públicos que tinham a sexta-feira para trás ao fim da tarde para poderem rezar. Mas foi porque o domingo, para todas as empresas que tinham os contactos internacionais, o domingo não se fazia nada porque estava tudo fechado no ocidente. Então, eles privilegiaram a coordenação com o ocidente contra a coordenação com os seus parceiros, os outros países da região. E lá está, se fosse a semana de trabalho de quatro dias, com sexta, sábado e domingo, para além dos benefícios da coronação, até em termos religiosos, porque os muçulmanos podiam rezar à sexta, os deus ao sábado e os cristãos
José Maria Pimentel
ao domingo. Sim, sim, sim. Não é engraçado esse caso? E os Emirados têm precisamente um Estado muito forte que pode implementar esse tipo de coisas sem grandes
Pedro Gomes
protestos. Exatamente.
José Maria Pimentel
Enfim, eu acho que mostra algumas vantagens desse tipo de esquema, quer dizer, que aos olhos de um ocidental não superam as vantagens, mas claramente é um país onde isso pode ser implementado. Como eu te disse, para mim este é o ponto mais forte do teu argumento, no sentido em que a pessoa percebe que de facto há um grande mérito em isto de ser implementado top down e não apenas em algumas empresas fazerem isso da mesma forma que criam horários flexíveis às pessoas ou permitem trabalhar part time porque de facto existe aqui este problema de coordenação e ele tem que ser... Esses ganhos de coordenação são... Lá está um jogo de soma positiva, portanto são coisas de networking, se tiveres mais pessoas a reger-se por aquele tipo de lógica, crias valor e pelo contrário, se tiveres a criar heterogeneidade, estás a destruir valor porque estás a ter as pessoas a avançar em cada sentido. Mas enfim, agora que já estabelecemos aqui vários aspectos essenciais da tua tese, se calhar Vamos avançar para os argumentos propriamente ditos ao nível do impacto, que eu acho que é onde está aqui mais sumo. Tu divides em oito, se eu não me erro, oito argumentos. E, se calhar, vamos percorrer um por um. Um deles é porque é possível, isso já argumentaste. O segundo é que tu argumentas que esta medida vai aumentar o consumo. No fundo vai impulsionar a economia através do consumo. De indústrias de lazer, turismo,
Pedro Gomes
entretenimento. Porque no fundo é com o tempo livre que as pessoas têm. Sim, porque para consumirmos nós precisamos de dinheiro, mas precisamos mais do que dinheiro, precisamos de tempo e é no tempo livre que viajamos, que vamos aos restaurantes, ao cinema, ao teatro e, portanto, há muitas indústrias associadas que iam ter um estímulo direto à procura. Eu gosto muito de pensar no caso europeu, imaginar o que seria um fim de semana de três dias para os holandeses e os alemães, onde é que eles iam passar o fim de semana? Três dias que não ao sul da Europa. Portanto, ia estimular o turismo. Por exemplo, Inglaterra consome-se mais vinho. Três vezes mais pessoas bebem vinho ao fim de semana.
José Maria Pimentel
Felizmente, ainda bem que não é o contrário. Exatamente.
Pedro Gomes
É ao fim de semana. O que é que podia representar para a indústria de vinhos portuguesa? Sim. Por isso é mais em termos de procura. E nós podemos fazer exatamente o mesmo raciocínio dentro do país. Se calhar um fim de semana de três dias, se calhar mais pessoas em Lisboa com três dias iam para o interior, passar o fim de semana, que ia estimular. Os restaurantes iam ter mais pessoas, se calhar iam abrir outro tipo de salas de cinema ou teatro que fecharam por todo o interior, se calhar iam voltar a abrir e aí se calhar mais pessoas iam se voltar para o interior. Esse é uma forma também da regionalização, de tentar promover a economia nestas regiões, mas em geral sim, vai estimular. É um argumento de procura, portanto nem todos os economistas concordam. Há economistas que não concordam com esta visão da economia mais keynesiana da procura, mas esta visão da economia é a visão, por exemplo, da administração Biden quando faz o pacote de medidas de gastos públicos exatamente para estimular a procura agregada E eu acho que é uma outra forma de pensarmos nesse estímulo partindo das pessoas dando tempo.
José Maria Pimentel
E é uma ideia interessante. Eu gostei particularmente desse aspecto da... Confesso não tinha pensado nisso, de tu ao alargares do fim de semana, permites que as pessoas façam com o fim de semana coisas que não conseguem fazer agora, ou que mais dificilmente conseguem fazer, não é? Porque tu com dois dias não podes inventar muito e com três já conseguias fazer. Obviamente que isso tinha alguns impactos climáticos, mas...
Pedro Gomes
Ah, Depois podemos falar no
José Maria Pimentel
final sobre... Ou seja, como é que eu ia dizer? Isso é bastante importante, mas acho que ia poluir agora aqui a nossa... Despoluir? Parecia um trocadilho.
Pedro Gomes
Este argumento foi utilizado quando se passou de 6 dias para 5 dias, por exemplo, por Henry Ford, que foi o pioneiro da semana de trabalho de cinco dias como prática de gestão, ele dizia qual dos meus trabalhadores há de querer comprar um carro se ele passa seis dias na minha fábrica? E, por exemplo, na China, a China implementou a semana de trabalho de cinco dias muito mais tarde, foi em 1995 e não foi, não prejudicou em nada a economia chinesa. E até lá era o quê? 6 dias? Eram 6 dias, sim. Curioso. E não prejudicou em nada a economia chinesa, antes pelo contrário, só fortaleceu a economia da China, o poder econômico aumentou muito mais nos anos 2000. E porquê? Porque a economia foi muito mais sustentada, não pelas exportações, mas pelo mercado interno. O mercado turismo interno chinês agora vale 10% do seu PIB porque eles começaram a viajar exatamente porque tinham esses dois dias. Agora nós... Eu sei que eles começaram a viver mais recentemente, não é? Sim, mas internamente. E depois construíram os centros de desporto e salas de espetáculos, parques temáticos que são gigantescos, tudo para satisfazer essa necessidade que vinha desse tempo livre. Agora, nós, o que acontece muitas vezes, nós também temos o fim de semana de dois dias, mas como trabalhamos intensamente segunda à sexta-feira, sobretudo porque a mulher agora tem outro papel na sociedade que não tinha há 50 anos, estava em casa e agora trabalha, e então muitas vezes a organização da vida de casa tem de ser feita naquele primeiro dia no sábado e na verdade o único dia que temos de descanso é o domingo.
José Maria Pimentel
Sim, sim. E para pais como nós, por exemplo, tínhamos esquema em que as escolas continuavam a funcionar a sexta-feira, mas para ter era fim de semana. Parece-me um ótimo... No início, mas
Pedro Gomes
também implica as escolas passarem a quatro dias.
José Maria Pimentel
Eu sei que sim, eu sei que sim. Eu sei que sim.
Pedro Gomes
Isso é uma desilusão para os pais que estão a ouvir, mas...
José Maria Pimentel
Não, e também parece-me que as escolas podiam ter mais desvantagens do que o resto da economia, porque precisamente é esse papel mais... Ou por outra, pode-se perder mais do que se perde na economia, mas provavelmente ainda voltamos lá. Em relação ao consumo, o teu argumento parece-me interessante, mas tu... Parece mais ou menos incontestável, que se as pessoas tivessem mais um dia, iam gastar mais em bens e serviços relacionados com lazer, mas ias ter uma diminuição, provavelmente, do consumo, ou quase certa, de bens de não lazer, sobretudo aqueles que eram adquiridos por empresas. Tu achas que... E aqui eu diria, neste segundo grupo, é possível que haja muitos que tu argumentas que são supérfluos, que são no fundo coisas que só existem porque, sei lá, a gasolina gasta nos autocarros, por exemplo, para as pessoas fazerem o commuting. Só existe porque as pessoas têm que ir para o trabalho, que ele não está... Provavelmente acrescentaram o valor. Mas há outros que estão mais ligados à competitividade da economia e à capacidade exportadora, não é? Sim, sem dúvida. Algumas coisas... E com mais valor acrescentado, sobretudo, desculpa.
Pedro Gomes
Algumas coisas íamos consumir menos, mas íamos consumir mais daquilo que importa verdadeiramente às pessoas. Há de facto, já não íamos aos restaurantes a almoçar ao pé do trabalho, mas íamos ao restaurante mais perto de casa. Há mudanças, mas no cúmplito geral, acho que sem dúvida, íamos consumir mais. Agora, eu acho que o argumento que podes fazer, fazendo o contraditório, é algumas pessoas que teriam mais tempo, mas não teriam dinheiro para gastar mais. Então, aqui voltamos à questão da desigualdade e ver que a desigualdade tem dois lados e tem o lado baixo e o lado de cima. Mas quando vemos as economias mundiais, o que por exemplo diz o Economy, é que há um excesso de poupança nas economias mundiais e é isso que está a gerar as bolhas especulativas no imobiliário, no mercado bolsista, nas criptomoedas, exatamente por haver esse excesso de poupança que vem sobretudo do lado da desigualdade do lado
José Maria Pimentel
de cima.
Pedro Gomes
E é exatamente para essa camada as pessoas iam gastar mais, iam viajar mais e
José Maria Pimentel
isso ia compensar muito mais do que o fato a menos que iam comprar por terem de ir menos vezes ao emprego. E esse é até um aspecto interessante, porque normalmente quando tu falas em reduzir desigualdade pensas sempre na taxação, o que faz sentido, mas o consumo também é uma maneira de distribuir esse dinheiro, porque quando tu estás a consumir, se tu for rico e fores almoçar fora, para todos os efeitos tu libertaste aquele dinheiro, Recebeste alguma coisa em troca.
Pedro Gomes
Uma economia só com tio patinhas, que poupam tudo e não gastam nada, como quem nos dizia, não funciona. Porque ninguém consegue vender nada porque ninguém compra...
José Maria Pimentel
Exato, sim, sim, agora nem é para comprar. E tu tens, este argumento é do lado da procura, e tu tens um argumento do lado da oferta, chamemos-lhe assim, que me parece até daqueles que têm mais para descascar, que é de que a produtividade ia aumentar. O que é que tu
Pedro Gomes
queres dizer exatamente com isto? A produtividade, ouvindo-se que não sou de economia, podemos falar da produtividade por hora e a produtividade total. Foi
José Maria Pimentel
justamente a dúvida que eu tive. O
Pedro Gomes
que as empresas que têm experimentado a semana de trabalho de quatro dias verificam é que a produtividade por hora aumenta, não há dúvida, e em muitos casos aumenta tanto que compensa a redução. Ou
José Maria Pimentel
seja, aumenta o produto, não só a produtividade,
Pedro Gomes
mas o produto. O produto mantém-se ou aumenta ligeiramente. Em muitas destas empresas deste movimento For the Week Global, que tem o... Fala na regra dos 100, 80, 100. As pessoas recebem 100% do salário, trabalham 80% do tempo, desde que consigam entregar 100% do
José Maria Pimentel
output. Aquele tipo neo-ozelandês. Exatamente,
Pedro Gomes
o Andrew Barnes. E isto, à primeira vista, parece... Como é que isto pode acontecer? E a verdade é que acontece por razões diferentes em diferentes empresas. Uma é a questão de que há uma parte que afeta o trabalhador. O trabalhador ao descansar mais, com três dias de descanso, vem mais descansado e consegue trabalhar mais intensivamente
José Maria Pimentel
nos outros
Pedro Gomes
quatro dias. Portanto, trabalha mais intensivamente e consegue produzir mais nesses dias. Reduz a questão do burnout e o stress, torna mais eficiente. Depois há uma questão, nós pensamos sempre, se trabalharmos mais um bocadinho, eu sei, trabalhamos mais, não produzimos tanto, estamos cansados, mas fazemos sempre qualquer coisa. É essa a ideia. Fazemos sempre qualquer coisa. É melhor do que não ter feito,
José Maria Pimentel
do que não ter trabalhado.
Pedro Gomes
Mas depois há uma questão, que é a questão dos erros, que nunca se fala, mas nós podemos fazer mais. Para o desfazer, não é? Mas os erros no processo de produção têm muitos custos. Às vezes passamos mais horas a reparar um erro e isto é transversal em fábricas, por exemplo uma fábrica de têxtil ou uma fábrica de calçado, um erro é a diferença entre uma camisa ser exportada para Paris por 200 euros com bons materiais e ser vendida a 5 euros no mercado de rua. Portanto, há a questão dos erros que até podem ser ainda mais profundos. Por exemplo, a Boeing, quando teve de recolher os Boeing por causa dos problemas do controle, são uma sequência de erros que tiveram um custo enorme para a empresa. Muitos desastres, o Chernobyl, o Exxon Valdez, o derrame de petróleo, estavam associados a problemas de distúrbios de sono. Isso tem imensos custos em termos de seguros. Podem ser as lemas em tribunal, por exemplo, nos hospitais em Londres, em Inglaterra, as estatísticas, 12% do que se gasta na massa salarial dos médicos é em problemas de negligência, custos de tribunal e depois compensações. Porque as pessoas, quando estão mais cansadas, é quando cometem mais erros e isso... A literatura científica é enorme, Por exemplo, com médicos, com polícias, acidentes de trabalho, condutores. Quando têm, de facto, muitas horas e estão cansados. A
José Maria Pimentel
produtividade pode ser negativa, no fundo, é o que
Pedro Gomes
estás a dizer. Pode ser muito negativa. Portanto, esta é a outra dimensão. A questão do absentismo, se calhar nos nossos trabalhos não aparecer um dia não é muito importante. É um efeito de segunda ordem. Mas, por exemplo, em lares de terceira idade ou para médicos, quando o médico está doente e não vem, tem de se encontrar alguém para substituir, para cobrir o túnel. E normalmente é um tarefeiro ou trabalhador temporário que é pago a 2, 3, 4 vezes a taxa horária. Então o absentismo tem uns custos muito elevados para algumas empresas. E há um exemplo de uma empresa nos Estados Unidos que implementou um lar terceira idade que implementou semana de trabalho de quatro dias e no lar trabalha-se por túneis, portanto tiveram de contratar mais pessoas e gastaram mais em contratar mais pessoas. É impossível ganharem produtividade. O que eles verificaram é que o que eles gastavam com os trabalhadores temporários reduziu tanto que compensou porque eles descansavam mais. Portanto, quando estavam com uma dor de cabeça, vou ou não vou, mas o fim de semana já está aí ou tenho três dias, já não preciso, vou e depois descanso. É
José Maria Pimentel
muito curioso isso.
Pedro Gomes
Mais curioso ainda é que também verificaram uma redução dos gastos com os medicamentos de Alzheimer. E porquê? A justificação é que os idosos no lar tinham, quando havia terefeios ou estes estabelecedores temporários, porque eles não os viam regularmente, era muito estabilizador e então precisavam de mais, de uma maior dosagem e então até não será grandes poupanças nos medicamentos, mas mostra que muitas vezes os ganhos vêm em outras áreas
José Maria Pimentel
do negócio. São efeitos de segunda ordem.
Pedro Gomes
Sim, mas dentro do negócio. E o que isto significa é que é preciso ter uma visão muito global da empresa para ver os benefícios que traz. Porque, às vezes, estamos focados numa grande empresa num departamento, pode aumentar os custos desse departamento, mas, por exemplo, reduz os custos no departamento de recursos humanos porque as pessoas não se despedem, porque gostam de trabalhar quatro dias e, portanto, não é preciso recortar tanto, não é preciso treinar tantos trabalhadores, dar formação porque eles se mantêm na empresa. Os ganhos vêm de outras áreas de negócio e é por isso que as empresas que têm implementado são normalmente empresas mais pequenas em que o CEO tem uma muito boa visão de toda a produção, de como funciona a empresa e o que se diz, não é tanto que aumenta a produtividade, é que melhora o negócio. Porque lá está, a produtividade não é necessariamente a produtividade individual do trabalhador, mas depois é como funciona.
José Maria Pimentel
Esse é um dos mitos em torno da produtividade, não é? Que tu pensas... Produtividade é o tipo que está ali a pôr pregos no sapato, não é? E quanto é que ele põe por hora, não é? Mas a produtividade é o valor, é a medida... Quer dizer, o que está no numerador não é aquilo. O que está no numerador da fração é o valor, porque aquilo depois é vendido, não é? E já depende de uma série de outras coisas. E
Pedro Gomes
duas falácias nessa visão muito individualista da produção. Primeiro é uma equipa e tu podes ter uma equipa de oito pessoas e sete funciona muito bem mas não funciona bem com a oitava e o que se produz está necessariamente associado à produtividade da pessoa. Portanto, às vezes, não é a produtividade de um trabalhador porque é uma equipa. E a segunda, por exemplo, num restaurante. Qual é a produtividade de um restaurante que tem um excelente chefe, uma excelente canção à altura, um empregado de mesa, mas não tem clientes. É zero. Eles estão lá, se vêm poucos, não se vendeu, a produtividade abaixa. Se aumenta, se têm mais clientes, então a produtividade vai ser alta. Aumentos da procura traduzem-se em aumentos de produtividade. Isto funciona nos restaurantes, nos hotéis, nos cinemas, nos teatros. Portanto, aquele aumento da procura...
José Maria Pimentel
Sim, sim, absolutamente. O
Pedro Gomes
marketing eficaz faz aumentar a produtividade. Exatamente, porque traz mais clientes. Então, isto é curioso, porque muitas vezes um restaurante não tem clientes, tem pouco. Então, o que é que vamos fazer? Trabalhar mais horas não vai trazer mais clientes. Vamos pagar menos para os poucos clientes que temos. Parece que é mais produtivo, também não é a melhor solução. A solução passa por toda a economia melhorar e então aí as pessoas saírem e fazerem... Portanto, lá está a maneira como medimos a produtividade e o que é que é produtividade. Não podemos pensar naquilo padeiro produz 10 pães e com uma máquina
José Maria Pimentel
nova produz 20. Exato. É bom nos
Pedro Gomes
manuais, mas depois é limitado.
José Maria Pimentel
Interessante, por acaso, esta tua resposta fez-me olhar para isto de forma diferente, porque eu inicialmente, quando vi o teu argumento, a minha reação foi, ok, isto é evidente, não é? Porque o que tu tens na prática, olhando para a produtividade individual, se tivesse um gráfico, quer dizer, agora Nós não temos imagem aqui, mas tens ali no oeste do X, tens o número de horas.
Pedro Gomes
Estou a falar com um economista. És o primeiro economista que me entrevistou e fez com um gráfico.
José Maria Pimentel
Parece mais ou menos evidente pela nossa experiência que a produtividade começa a ir elevada nas primeiras horas, é possível até que cresça um bocadinho no início, mas rapidamente começa a descer, ali à segunda ou terceira hora provavelmente a produtividade começa a descer e a curva vai para aí abaixo, o que significa que se nós retirarmos a última hora a produtividade média provavelmente aumenta. Mas a questão é compensar. Agora o produto é que podia não aumentar necessariamente. Mas esta foi a parte que eu achei muito interessante a tua explicação porque de facto eu não tinha pensado dessa forma. Primeiro eu não tinha pensado no outro lado, na contribuição negativa, não é? Que tu por trabalhar mais uma hora não é só a tua produtividade já estar muito abaixo do que esteve, é que pode já estar negativa. E nós dois passámos recentemente pela experiência de escrever um livro e há vários perodos em que a minha produtividade teve negativa porque eu estava cansado e portanto basicamente estava a destruir, estava a destruir, quer dizer, estava a reescrever coisas que já estavam bem escritas. Isso é evidente. Mas se calhar mais interessante ainda do que isso, é esse o aspecto de... Mais interessante do que isso, porque esta aqui, parece-me que será a verdade, em atividades muito intensivas como é por exemplo a escrita, aliás os escritores profissionais normalmente têm hábitos de escrita. Não sei se já apanhaste de... Muito regulares. Muito regulares e normalmente são tipo cinco horas. Não fazem mais do que isso, porque sabem que a partir dali já não estão a fazer. Mas o segundo aspecto, se calhar, ainda é mais interessante, porque este não se aplica a todas as profissões. Quer dizer, para quem está a trabalhar numa fábrica pode já não ser bem verdade e mesmo nós todos no nosso dia a dia. Mas o aspecto da coordenação, esse aspecto é interessante, não tinha pensado nisso.
Pedro Gomes
Isso passa porque as economias estão cada vez mais especializadas, os nossos trabalhos e uma empresa é uma equipa e todos precisam de funcionar. É como uma máquina tem de estar bem aliada e quando uma peça não está a funcionar, então não funciona. O argumento da produtividade, nós, como se discute tanto futebol aqui em Portugal, toda a gente percebe quando os jogadores jogam três dias, três em três dias, os comentadores todos à terça, quarta e quinta a dizer há duas semanas a jogar três em três dias, estão muito cansados, há mais lesões, cometem mais erros e toda a gente acha, percebe, consegue perceber, mas não conseguimos pensar que em todos os trabalhos é assim. Agora, outro ponto que eu acho muito importante é porquê a semana de trabalho de 4 dias agora? O que é que está... Então é preciso ver, as economias mudaram muito nos últimos 50 anos e os trabalhos que nós temos agora mudaram. Agora são... Os economistas falam em trabalhos não rotineiros, abstratos. Antigamente era o trabalho de fábrica que era rotineiro, agora é não rotineiro e abstrato, que é muito mais mentalmente intensivo. E se há 80 anos os problemas eram na fábrica o síndrome de moção repetitiva... Sim, do Chaplin. Do Chaplin. E foi por isso que quando se passava para cinco dias para eles descansarem mais dos problemas físicos agora é os problemas mentais. É o aumento do burnout, o aumento do stress e com os custos enormes para a economia. E para além desta questão dos trabalhos que nós fazemos na economia mudaram, A estrutura demográfica também. Há 50 anos a mulher lá está, não trabalhava, estava em casa, agora trabalham os dois. Trabalham os dois trabalhos intensivos, com ambição, têm filhos, têm de voltar, buscar a escola, cozinhar, arrumar a casa e o tempo em casa não é tempo de descanso. A pressão ainda parece que aumenta mais quando o homem e mulher vêm os dois com os problemas do trabalho e depois têm de tratar de casa. Portanto, isto são mudanças estruturais que acontecerão ao longo de 50 anos, que tornam a semana de trabalho de 4 dias mais importante agora, mais virada para o século XXI e não se calhar há 50 anos. O teu argumento não é que
José Maria Pimentel
ela devia ter sido sempre assim, é que agora está na altura de ser assim. Exatamente. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Mas há aqui um facto inconveniente neste argumento, que é aquilo que eu falei no início da conversa, que é o facto de em muitos dos trabalhos mais bem remunerados as pessoas estarem a trabalhar mais. E esse é um paradoxo. E tu dizes, estão a trabalhar mais mas não deviam. Mas em muitos casos falamos de empresas particularmente bem geridas, ou pelo menos à partida bem geridas. E no entanto nós vimos isso. E por exemplo, isso é uma das coisas muito comuns, por exemplo, em áreas de consultoria, por exemplo, que as pessoas trabalham muitas, muitas horas. E eu sempre assumi, lembro-me de pensar, porque é que isso aconteceria? Provavelmente há ali algum certo lado de competição, mas há outro lado em que, claramente, as pessoas, a maior parte daquelas pessoas, gostariam de trabalhar menos e se calhar nem se importavam de lhe cortarem uma fatia do ordenado, mas trabalham de menos horas. Mas dá a ideia de que aquela atividade funciona melhor com equipas pequenas a trabalhar muitas horas do que com equipas maiores a trabalhar metade das horas.
Pedro Gomes
Isso é um bom argumento. E são trabalhos altamente especializados e exigentes. Nalguns setores, é possível que seja verdade a questão de Qual é a melhor maneira de organizar a produção em todos os setores? É diferente em algum. Mas eu acho que um dos elementos importantes que tu falaste, a questão da competição entre os pares, a questão... Os economistas falam em externalidades. Quem é que tem a promoção? É a pessoa que põe mais horas de trabalho, é que tem mais probabilidade de ser promovido, mas se mudar para outra empresa o número de horas de trabalho não afeta. Portanto, é só mesmo dentro da empresa aquela questão de mostrar ao chefe. E isso cria um problema de esterilidade em que toda a gente tenta trabalhar mais e acabam por trabalhar mais horas do que é necessário exatamente por essa forma de competição.
José Maria Pimentel
Mas tu achas que... Ou seja, eu inicialmente achava isso, mas na verdade nós falamos de... Neste exemplo que eu dei são empresas que têm um contacto muito próximo com o cliente e portanto o cliente não é um cliente difuso, é um cliente muito concreto que está a pagar para os serviços. São empresas com uma atividade relativamente contida e portanto é relativamente fácil ter essa visão do todo. Também, para o bem e para o mal, com um enfoque muito grande no lucro, digamos assim, no bottom line, no resultado. E portanto, dir sim a que havendo um problema aí, ele já tinha sido resolvido. E são, ao mesmo tempo, desculpa, eu estou aqui a fazer fazer outro challenge ao teu argumento. Mas são ainda, podia dires isso, bom, não, mas são atividades em que não são particularmente cansativas e não são particularmente exigentes ou não são particularmente variadas. Pelo contrário, não só são bastante abstradas, como são bastante variadas do ponto de vista dos desafios. Eu
Pedro Gomes
posso dizer... Eu tenho um grande amigo da universidade, trabalha numa daquelas grandes consultoras, e agora eu já acabei a licenciatura, já foram 20 e tal, um bocadinho menos de 20 anos, portanto ele já está numa posição mais sênior e eles gostavam de contatar muito mais pessoas e não conseguem. E muitas vezes muitas pessoas saem. E então eu acho que aí os ganhos de produtividade se calhar pode ser naquele trabalho, naquela área, pode ficar... Pode ser mais difícil a gestão, mas os ganhos viriam de outras áreas, por exemplo, a questão dos recursos humanos. Ele diz que passa muito tempo a fazer entrevistas porque as pessoas de facto têm um trabalho intensivo e depois saem. E então os ganhos viriam na questão do...
José Maria Pimentel
E da retenção, da estabilidade. Da
Pedro Gomes
retenção. Porque uma pessoa que entra não entra logo a funcionar a 100% porque não conhece a empresa e essa é uma das razões por essas empresas que implementam a semana quatro dias dizem a retenção passou a ser 100% ninguém sai. Claro, para algumas empresas tu queres que as pessoas saiam, mas nestas empresas de topo que são muito, precisam de uma obra qualificada, tu queres manter o mais possível e então os ganhos vêm nessa área específica. Então, pode haver, se calhar, os ganhos de produtividade dentro da área de negócio, se calhar podem não ser tão grandes, mas virão então de outras áreas do negócio. Sim, sim. E na verdade eleventa a área
José Maria Pimentel
do negócio e não é mesmo, só que é a prazo, não é imediato. Esse era um momento interessante e atenção, eu estava a estremar um bocadinho aquilo que eu disse, porque a ideia que eu tenho é que também tem havido alguma tendência, mesmo nesse tipo de setores, de redução de horas de trabalho. Esse problema foi identificado e está a
Pedro Gomes
ser... Agora, durante a pandemia, os estagiários da Goldman Stacks queixaram-se e quase que criaram um sindicato. Porque tinham as 90 horas de trabalho por semana e quando estão fechados no quarto pequeno o glamour não é tão grande.
José Maria Pimentel
Eu falei de consultoria, mas podia ser banca de investimento, se calhar até é pior. Ora bem, outro argumento que tu tens, também que eu acho muito interessante, nós já falámos do argumento do lado da procura, digamos assim, de aumentar o consumo daquilo que interessa, não é, dirias? E, sobretudo, libertar algum excesso de poupança, não tanto em Portugal, infelizmente, mas nas economias ocidentais. Falámos do lado da oferta, digamos assim, ou seja, do lado do trabalho da produtividade. Há outro argumento do lado da oferta, mas não é diferente do texto, que eu acho muito interessante e, na verdade, para mim seria dos argumentos mais naturais que é aumentar a inovação, ou seja, ao dares às pessoas mais tempo livre elas não só vão ser, discutivelmente, mais felizes porque vão fazer mais coisas de que gostam, mas também vão no fundo é o argumento do Tobin, ao seguir os seus interesses vão acabar por inovar e por contribuir a prazo elas próprias para a economia, que é um ponto interessante, até lembrou-me de resto de um episódio que eu gravei com o Pedro Oliveira, que era exatamente sobre o user innovation, portanto, inovação pelo utilizador, que no fundo é isto que estamos a falar. Pelo consumidor. Sim, enfim, Não sei se queres devolver o argumento, mas é.
Pedro Gomes
Para mim é o argumento mais forte para a semana de trabalho de 4 dias porque quando falamos da economia o crescimento das economias partem pela inovação. É a inovação o motor do capitalismo, não é o capital
José Maria Pimentel
não é a exploração,
Pedro Gomes
é a inovação. É o criar novos produtos, é o criar novos processos, novas formas de fazer o mesmo e novos produtos, novas ideias. E o motor da inovação na economia americana, nas economias europeias, está a falhar. Fala-se da morte do crescimento, da morte porque as ideias estão cada vez mais difíceis de encontrar. E isto é uma visão, que é a visão dos economistas, que vêem a inovação como o número de investigadores, portanto é tudo nos departamentos de investigação e desenvolvimento das empresas ou nas universidades, que desenvolve novos produtos e portanto parte de tudo dessa temos de investir na ciência, na tecnologia e, basicamente, essa visão. A inovação vem das grandes empresas de investigação e desenvolvimento da Apple. Há depois uma outra que eu acho muito interessante, nova da Mariana Matsukato, que diz que há muita inovação que vem do Estado, mas eu acho que há uma parte que vem, uma grande parte da inovação que vem das pessoas e eu encontrei, eu tinha a ideia, comecei a ver muitos casos de estudo e depois encontrei a fundamentação teórica por um prémio Nobel de Economia, Edmund Phelps, que já depois de ter ganho o prémio Nobel, os economistas escrevem livros depois de ganharem o prémio Nobel.
José Maria Pimentel
Quase todos, quase
Pedro Gomes
todos. E ele fala no grassroots innovation, ou seja, a inovação vinda da base, que são pessoas normais como eu e tu, que têm um problema e que pensam nessa numa solução e que resolvem os problemas concretos e pode ser dentro do emprego, com a satisfação do trabalho, estão contentes e depois resolvem os problemas que fica dentro da empresa, mas o que eu acho é que muita desta grassroots innovation, inovação de base, vem do tempo de lazer, que dá tempo de explorar a tua paixão, como tu fazes com este podcast e não há nada em economia que estude. Isto então eu fui mais à parte das tão acasos de estudo e o melhor exemplo, porque eu falo muitas vezes no Henry Ford no livro, era o Henry Ford vinha de uma família de agricultores, portanto relativamente pobre, era muito inteligente e apaixonou-se por carros. Então, trabalhava numa fábrica de eletricidade do Thomas Edison seis dias por semana e construiu o primeiro carro com motor de combustão interna a trabalhar todas as noites e todo o sábado à noite durante três anos. Portanto, Ele tornou-se o melhor empresário, no Henry Ford, o melhor empresário do século XX e possivelmente sempre, não pelo que fazia no seu trabalho, mas pelo que fazia no tempo de lazer. Ele era também um trabalhador anónimo, com milhões de trabalhadores americanos e foi no tempo de lazer que inovou. E só tinha um dia e ele trabalhava o sábado à noite, presumo, para descansar no domingo. Mas a Apple também começou assim, o Steve Jobs não tinha um emprego, mas o colega de invenção Steve Wozniak trabalhava na HP um ano até terem construído o primeiro Macintosh. E o último exemplo que eu tenho, não tenho no livro, é o Wordle, que é este jogo que está a fascinar todo mundo, a pôr nas redes sociais, que é esta variante entre o Mastermind e o Scrabble, que era um trabalhador do Reddit que pensou no jogo para a sua namorada e depois durante a pandemia fez e agora o jogo foi vendido por um milhão ou mais de um milhão de dólares ao New York Times, que é muito mais do que ele ia ganhar provavelmente em 10 anos de salário. Portanto, a sua contribuição para a economia foi do tempo de lazer. Então, se depois vamos a escritores, portanto, Pessoas, Zé Regis, o Seramagos, vamos a músicos, aqui em Portugal, o Carlos Paredes, o António Variações. Pedro lá do Einstein também. O Einstein que trabalhava nas patentes. O Pedro Almodóvar que trabalhou 12 anos na telefónica enquanto estava a escrever guiões. Então há um sem número de exemplos. E esta concepção, ou esta visão, parece-nos muito estranha porque de uma perspectiva moral, filosófica, vemos sempre o trabalhar como contributo para a sociedade. Mas há uma visão mais antiga, da Grécia antiga, que via o lazer como o tempo nobre. Aristóteles falava nós havia muitos cravos, portanto nem todos as pessoas eram cidadãos, mas todos os cidadãos eram investigadores e trabalhavam o que tinham de trabalhar para serem independentes, não para acumular riqueza, mas para depois terem esse tempo livre e qual é que foi a sociedade, a civilização mais inovadora que contribui mais para os fundamentos de nossa sociedade ocidental atual foram os gregos. Portanto, há uma concepção filosófica
José Maria Pimentel
por trás que depois traduz-se na própria economia. Eu acho este argumento muito interessante. Também tu dizias que o teu principal argumento era o meu argumento natural também E acho que ele até pode ser descascado de várias formas, porque há um lado de... Tu dizes, as pessoas têm mais tempo, têm mais tempo para inovar, isso é quase aritmético, quase direto. E pode até ser no trabalho, pode até ser terem mais tempo livre no próprio trabalho, ou pode ser alguma coisa do... Ligada a um hobby do dia a dia, quer dizer, são coisas que requerem tempo e as pessoas passam a ter tempo para se aplicar e resolver esse problema. Depois também podes ter até questões relacionadas com a própria saúde mental e o estado de espírito, e portanto, se as pessoas estiverem mais descansadas e melhor com a vida, têm mais disponibilidade para isso. E depois há o outro lado, que é... Enfim, parece um bocadinho cor-de-rosa, mas eu acho um lado interessante que, e eu lembro até, já não é a primeira vez que eu falo disto no podcast, lembro-me de falar disto logo num dos primeiros episódios com o Arlindo Oliveira, que era sobre inteligência artificial, e tu hoje em dia, de facto, tens muitos investigadores a investigar sobre esse tipo de áreas e, portanto, à procura da inovação. Mas aquela é uma procura ortogonal, não é? Ou seja, eles têm um problema e estão a tentar aplicar o máximo de horas possível e de atenção possível e de recursos cognitivos possível para resolver. Mas a criatividade, aliás, há um livro até do John Cleese que fala um bocadinho disso, a criatividade normalmente vem quando tu não estás à procura,
Pedro Gomes
é ao contrário. É fora da caixa. É fora da caixa. As grandes, grandes ideias vêm... Exatamente.
José Maria Pimentel
E tu se pensares, isto é um bocadinho romântico, mas tu pensares, há uma série de autores, de cientistas até que fizeram grandes contribuições na era pré-moderna, no sentido pré-contemporânea, que tinha muito mais liberdade de tempo. O Darwin, por exemplo, ele trabalhava, até há um livro sobre isso, ele trabalhava três ou quatro horas por dia, quer dizer, e o resto do tempo ele não estava propriamente, não estava a jogar snooker provavelmente no café, não estava, e se estivesse, se calhar, não havia problema, não é?
Pedro Gomes
Há o Bertrand Russell, tem um ensaio em Praise of Idleness a favor da ociosidade, não sei como será a tradução em português. E ele fez este argumento, Era também na linha do Keynes que devemos trabalhar menos e ele fazia este argumento muito bem. E ele dizia que toda a civilização evoluiu da classe do ócio. Portanto, o Darwin apareceu assim, mas ao lado do Darwin estavam, Ele falava em 10 mil fidalgos que não pensavam em mais nada do que caçar ou punir os caçadores furtivos. E o que ele diz é exatamente... O argumento está lá no Bertrand Russell, eu pensei, mas depois está mais bonito como ele escreveu, mas é exatamente isto de dar a todas as pessoas essa hipótese, dar aos professores a possibilidade de lerem outras coisas para poderem ensinar com outros métodos, é dar a possibilidade às pessoas de se calhar investirem na política ou estudarem mais, é um dos outros argumentos, a questão de fazer mais voluntariado ou fazer ter mais tempo e eu acho que é, de facto, o mais forte. Porquê? Porque a economia, o capitalismo, avança ou só funciona quando há inovação. Sim, essa é uma espécie
José Maria Pimentel
de paradoxo do capitalismo, é que o capitalismo precisa de pessoas, aquilo que no fundo alimenta a expansão da economia, que é essa inovação, precisa de pessoas que não estejam simplesmente a produzir e portanto precisas ter esse lado, esse é um argumento interessante. E eu acho que há outro, há um argumento que está relacionado com este, que não tem tanto a ver com a inovação per se, mas tem a ver com a... É outro dos argumentos que usaste, tem a ver com a liberdade. Este é um bocadinho mais moral, mais ético, mais filosófico. E aqui a pessoa podia dizer... E leves, podemos pegar nesse exemplo do Darwin. Tu dizias e bem, a pessoa pensava, ah o Darwin que bonito, tinha tempo, fez aquelas contribuições todas. Sim, mas para cada Darwin havia 99 tipos que não estavam a fazer nada de jeito. Estavam a caçar como tu dizias. Portanto, é um bocadinho romântico achar que a contribuição seria necessariamente positiva das pessoas passarem a ter mais tempo livre. Mas, por outro lado, eu tive essa reação inicialmente quando estava...
Pedro Gomes
Ah, desculpa, eu não queria te confer, mas... Tu é que és o convidado. Porque, na verdade, para a inovação não precisamos de toda a gente. Basta uma margem pequena porque se é uma verdadeira inovação o impacto, por exemplo, da Apple, o Instagram também
José Maria Pimentel
é muito maior. É muito mais do que os 99 que tiveram sem fazer nada. Exatamente. Sim, sim, sim. Absolutamente. Mas eu ia até mais longe do que isso. Já não tem a ver necessariamente com a inovação. É que eu acho que nós também podemos pensar que ao dar mais tempo às pessoas não é só os outros 99 tipos não estarem a fazer nada, nenhum contributo positivo, é que eles podem estar a fazer coisas que nós consideramos negativas. Digamos assim, maus hábitos, seja do ponto de vista moral ou até do ponto de vista social, ou seja, coisas que... Sei lá, vícios ou coisas que tenham externalidades negativas para o resto da sociedade. Mas, na verdade, eu não consigo provar isto, mas eu suspeito que grande parte desses hábitos que nós vemos que são maus para as próprias pessoas e até podem ter externalidades negativas para as sociedades, esses hábitos resultam também em muitos casos das pessoas estarem precisamente pouco motivadas no trabalho, demasiado estressadas e trabalhando mais. Sem
Pedro Gomes
descansar e depois sem ideias, sem muita esperança do que é que vou fazer. Quem
José Maria Pimentel
é que vai para um casino? Ninguém que esteja especialmente feliz com a vida vai para um casino, a não ser que tenha descoberto uma maneira de enganar a máquina e vá ganhar dinheiro. Mas, caso contrário, aquilo é um escape. E quem diz isso diz o álcool, diz o... As raspadinhas. As raspadinhas! Olha, as raspadinhas são um excelente exemplo.
Pedro Gomes
Mas é curioso, esse argumento do... As pessoas vão fazer coisas... Eu li... Li-a-se quando se falava da semana de 12 horas para 10, que diziam que as pessoas estão bem a trabalhar. Se não estiverem a trabalhar vão apenas beber, jogar. E a mesma coisa dos seis para os cinco. Aqueles tinham uma dificuldade adicional, que era o argumento religioso que Deus só descansou ao domingo e, portanto, esse foi mais... Agora esse pelo menos não se pode reciclar. E agora também se vê nas redes sociais. Ah, quatro dias vai tudo ver pornografia em casa. Portanto, eu tenho uma visão mais positiva e menos paternalista do homem e mulher, das pessoas. E então o que eu acho é que vamos dar liberdade e vamos entrar então no outro ponto que faz. Vamos dar liberdade às pessoas, vamos dar tempo e liberdade para as pessoas escolherem. E se as pessoas tiverem dinheiro vão gastar mais. Se as pessoas tiverem uma ideia na cabeça vão tentar fazer acontecer. Se estão numa ocupação que está em declínio se calhar vão tentar estudar para mudar de ocupação. Se têm pouco dinheiro podem trabalhar mais se quiserem. O mundo lá tem ter um segundo emprego, fazer os pescados. Foi muito comum quando se passou da semana de trabalho de seis dias para cinco dias e pode funcionar para uma parte da população que quer continuar a trabalhar para ganhar mais dinheiro e tem essa liberdade. É por isso que o argumento que se diz liberal, porque é que o governo há de dizer às pessoas que devem trabalhar aquilo que quiserem, porque é que o Estado tem de dizer se têm de trabalhar cinco dias ou quatro dias. Eu acho que há muito mais liberdade de trabalhar mais numa semana de quatro dias do que existe agora liberdade para trabalhar menos numa semana de cinco dias. E temos pessoas que podem conduzir o Uber, podem abrir uma empresa em casa e fazer consultoria, um trabalho mais individual e menos coletivo, mas que permite se quiserem fazer mais dinheiro, trabalham e nada impede, ninguém impede de ter um segundo de fazer pescados e, portanto, acho que há uma resistência de uma ala mais liberal à ideia, porque tem uma ideia pré-concebida, mas não há nada de liberal e iliberal na semana de trabalho de 4 dias. Aliás, quando vamos ler o Friedrich Hayek, que é um dos pais do liberalismo clássico. Vamos ao caminho da servidão, ao capítulo 3. E ele dizia que o Estado deve fazer muito pouco, quase nada, mas uma das poucas exceções, das três exceções, era limitar o tempo de trabalho. Porque não limita a competição, porque afeta a todas as empresas da mesma forma. Não afeta a concorrência. Aliás, podemos ver que é uma forma de fomentar a concorrência, de pôr um bocadinho de pressão e as empresas que se adaptarem melhor vão ganhar a cota de mercado. As empresas que não se quiserem adaptar vão simplesmente aumentar o preço, não alteram os processos de gestão, não alteram nada, podem refletir no preço e depois perdem cota de mercado. Portanto, vai fomentar a destruição criadora, que é outra vez uma
José Maria Pimentel
das forças do capitalismo. Sim, é como esse tipo de restrições muitas vezes têm esse efeito de empurrar as empresas para serem mais produtivas e garantir que as que ficam são as mais produtivas porque são aquelas que conseguem suportar esse nível de... Essa restrição ao nível de custos, ao nível dos salários, por exemplo. Só uma empresa produtiva é que consegue suportar pagar X de salários. Aliás, esse é um dos argumentos que também tem um bocadinho de disruptiva de aumentar bastante o salário mínimo em Portugal, que seria também por causa disso.
Pedro Gomes
Força a adopção de novas tecnologias, novos meios de produção e, portanto, nós atualmente temos adotado muito a automatização porque as máquinas são mais baratas. Portanto, a empresa tem a cenoura e o trabalhador tem o pau e o que de certa forma o resultado é deprimir mais os salários. O que acontece ao fazer através de um processo legislativo, portanto, de cima para baixo, o que acontece é ao contrário, vai ainda fomentar mais inovação ou mais automatização, a adoção de mais práticas, mas é porque as empresas têm o pau e os trabalhadores vão ter o benefício de mais tempo de trabalho, mas vai ser nesse sentido, vai também promover essa adoção de novas práticas, de novas máquinas e, portanto, aumentar
José Maria Pimentel
a produtividade. Sim, no nosso caso nós temos um modelo económico em muitos sectores baseado no custo de trabalho baixo e isso leva a que as empresas não tenham necessidade de inovar ou, por exemplo, de adotar tecnologia, não é como falavas neste caso, e isso é um aspecto interessante. Olha, vamos passar à implementação da ideia, nós já falámos disso um bocadinho, no fundo aquilo podia correr mal e é perfeitamente possível que a pessoa acredite na bondade desta ideia e, no entanto, acha que ela é inexequível. Quais é que tu achas que são as principais limitações? Aliás, deixa eu fazer a pergunta ao contrário. Imagina que eu... Fazer aqui uma experiência mental. Imagina que eu era uma pessoa do futuro, vinha do futuro e dizia-te Pedro, tentaram implementar isto a partir do governo. O governo tentou implementar como tu sugerias e não resultou. Mas não dizia mais nada e depois desaparecia. Qual era o teu palpite? Ou seja, o que eu quero saber é o que é que pode falhar e quais são os pontos em que tu tens maiores dúvidas do teu vendedor? Vou dizer, o
Pedro Gomes
método que é muito falado dentro do movimento, uma das abordagens que eu acho destinada a falhar, que é a ideia de vamos começar pelo Estado, vamos aplicar a semana de trabalho de quatro dias aos trabalhadores do setor público e depois esperamos que o setor privado
José Maria Pimentel
copie. É o
Pedro Gomes
modelo Emirati, não é? Exatamente. E eu acho que isto é um erro tremendo. Isto já foi experimentado no estado de Utah, nos Estados Unidos, em 2011, com um governador republicano, John Huntsman Jr. Que implementou da forma como a Bélgica vai tentar agora o Compressed Work Week, portanto 40 horas em 4 dias, reduziu os custos para o Estado, os trabalhadores estavam contentes, as pessoas do Estado estavam satisfeitas, na maior parte 60 contra 20% contra.