#115 Luísa Pereira - O que a Genética tem revelado sobre a evolução humana e a nossa...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. A convidada deste episódio é Luísa Pereira, é doutorada em Genética Populacional Humana pela Faculdade de ciências da Universidade do Porto, onde é também investigador principal e líder de grupo no laboratório I3S Ipatimup. A convidada também é autora do livro O Património Genético Português e recentemente lançou um curso para leigos denominado Odisseia Genética, que permite a realização informada de um teste de ancestralidade. Falamos deste projeto que é muito interessante ao longo do episódio. Nos poucos séculos que na verdade tem a ciência moderna, avançámos imenso no conhecimento que temos do mundo que nos rodeia. Mas este progresso ocorre, por norma, de forma gradual, incremento a incremento. Só que de vez em quando, muito raramente, temos a sorte de ocorrerem em poucos anos uma série de avanços em catadupa. É isso mesmo que tem acontecido na área de investigação da convidada, a genética populacional, onde nos últimos 10 a 15 anos aconteceu uma verdadeira revolução, graças a desenvolvimentos técnicos que permitiram conseguir estudar muito melhor o ADN humano. Esta área da genética populacional dedica-se a estudar em que diferem as populações humanas, comprando o perfil genético dos habitantes de diferentes geografias ou dos membros de diferentes etnias. E esta área estuda tanto o genoma das pessoas atuais, como das populações antigas, que conseguimos ainda encontrar nos fósseis mais ou menos bem conservado. Uma das áreas em que a investigação neste campo tem gerado enormes progressos é no nosso entendimento sobre o modo como evoluiu a espécie humana. Onde até aqui tínhamos que nos guiar quase exclusivamente pela comparação entre a morfologia dos humanos atuais e dos fósseis dos nossos antepassados que íamos encontrando, hoje conseguimos estudar em detalhe o genoma dos humanos atuais para procurar pistas sobre o nosso passado evolutivo. Mas não é tudo. Conseguimos também recolher e analisar o ADN dos próprios fósseis para medir em que medida esse genoma difere do dos humanos atuais. Conjuntamente, estes avanços têm permitido progressos incríveis que discutimos na conversa. Por exemplo, ao estudar o DNA, tem-se descoberto coisas que os fósseis não conseguem contar, como é o caso, por exemplo, de uma espécie ancestral, que foi encontrada no genoma das populações africanas atuais, no fundo uma espécie de um neandertal da África, sendo que não há registros fósseis, pelo menos ainda, desta espécie. Graças a estes estudos, temos também ficado a saber que o surgimento da nossa espécie em África é um fenómeno muito mais complexo do que inicialmente achávamos. Outra área em que a genética populacional tem trazido imensos progressos é no nosso conhecimento sobre a nossa história mais remota. É que se hoje temos uma ideia razoável do passado humano desde a antiguidade, não há registros que relatem a história antes da invenção da escrita, ou seja, anterior à 5.000 anos. Por isso, até aqui sabíamos muito pouco desse período e aquilo que sabíamos estava envolto em dúvidas. Mas ao estudar o DNA das populações atuais das várias geografias e compará-lo com o dos fósseis que foram encontrados nesses mesmos locais, tem-se desvendado factos fascinantes sobre o modo como as diferentes populações atuais estão relacionadas e sobre migrações importantes que ocorreram no nosso passado mais distante. Finalmente, o estudo da genética das populações permite ainda avaliar a diferente suscetibilidade das diferentes populações humanas a doenças complexas e perceber a origem dessa diversidade. Esta é também uma das áreas de investigação a que a convidada se tem dedicado e é uma área muito importante porque de futuro vai permitir desenvolver melhores tratamentos para diferentes doenças. Esta é por isso uma área fascinante que vale a pena acompanhar e a conversa com a Luísa Pereira foi muito interessante. Em todo caso, vale a pena fazer uma ressalva. Se é verdade que estudar o perfil genético tipo das populações atuais nos dá uma série de informação útil, É preciso ter em conta que o grosso da variação genética que existe entre os seres humanos está, ou seja, pode ser encontrado dentro das populações. Na verdade, só 15% da variação genética humana é que existe entre diferentes populações. Por isso, quando falamos de diferenças genéticas entre populações, estamos a falar de diferenças que são mais pequenas do que as diferenças que existem entre dois indivíduos tirados à sorte dentro de qualquer população. Por isso estamos sempre a falar de diferenças tendenciais, ou seja, que acontecem na média. Como de costume queria agradecer aos novos mecenas do 45°, Um grande obrigado ao Tiago Parente, ao José Fangeiro, muito obrigado também ao Miguel Farracho, à Rita Noronha, ao Pedro Romão e finalmente agradeço também à Teresa Pimentel, que me pegou um susto porque achei que a minha filha de 3 anos tinha decidido apoiar o podcast, mas afinal não, é apenas uma mecenas que tem exatamente o mesmo nome. Muito obrigado à Tereza e já agora um último anúncio. A partir de agora também é possível apoiar o 45° através de MBWay. Vejam o site em 45graus.parafuso.net para mais informações. E com isto deixo-vos com Luísa Pereira. Luísa, muito bem-vindo ao podcast. Vamos falar de genética populacional, que é uma área, como se vai ver, incrivelmente interessante, até porque junta de certa forma dois dos temas mais desafiantes que eu tenho coberto aqui no podcast, por um lado evolução, por outro lado genética, e eu diria até que junta outros ainda, porque também junta necessariamente um bocado de história, um bocado de arqueologia, portanto é uma área que até nesse sentido é interdisciplinar. E portanto se calhar começamos por aí, o que é que distingue a genética populacional de outras, para além do óbvio, não é, tratada a genética de populações, o que é que a carateriza, quer dizer, qual é que é o objeto de estudo e o que é que a distingue de outras abordagens à evolução?
Luísa Pereira
Portanto, nós estudamos evolução, não é, muito mais limitados apenas à espécie humana e eu digo mesmo homo sapiens, sapiens, portanto o dito homem moderno. Estamos muito focados desde a origem da espécie e portanto toda a evolução que tem decorrendo nestes 300 mil anos em que a nossa espécie surgiu e foi então evoluindo e ocupando todo o planeta. Portanto, partilhamos certos conceitos básicos e análises, não é? Estatísticas com evolução em geral, não é? Mas estamos altamente focados na nossa espécie e, portanto, temos que conversar muito próximo com outras áreas de saber, como disse, nomeadamente a arqueologia, a antropologia. Portanto, é um desafio, não é? Trazer as... Não deixa de ser genética, não é? É uma ciência da vida, mas tem que estar em contato muito próximo com as ditas ciências sociais.
José Maria Pimentel
E uma coisa interessante desta área é que percebe-se que a evolução é um fenómeno aparentemente relativamente simples de descrever, mas depois com uma série de complexidades que ficaram até visíveis em algumas dessas conversas que eu gravei, por exemplo com o Paulo Gamamota, mas no caso da genética entrou aqui uma série de outras variáveis e interações que tornam o fenómeno muito mais complexo. Eu acho que vamos ver isso ao longo da conversa. Talvez começamos precisamente por isso que a Luísa falava, do surgimento dos humanos anatomicamente modernos, comparáveis connosco, não é? E esta área, precisamente por conseguir estudar a genética, tem conseguido por um lado comprovar determinadas coisas, como o facto da nossa espécie ter surgido em África, hoje em dia acho que não há nenhuma dúvida em relação a isso, enquanto até aqui podia ser no limite, só uma certa sorte ou azar nos fósseis tinham sido descobertos, mas por outro lado tem mostrado uma série de coisas novas, e uma delas, e essa eu achei muito intrigante, é o facto de, aparentemente, a nossa espécie ter surgido em África, ou o surgimento da nossa espécie em África, ter-se baseado, como é que eu ia dizer, é o chamado modelo pan-africano, houve uma conjugação entre a evolução de populações diferentes, em várias zonas geográficas diferentes da África, que depois tinham alguma troca genética entre si, ou seja, que interagiam e se reproduziam e foi dessa interligação que surgiu os seres humanos modernos. Portanto, o fenómeno acho eu mais complexo do que se achava até aqui, não é?
Luísa Pereira
Sim, portanto, um dos dogmas da evolução é que quando uma nova espécie surge, aparece, Ela aparece necessariamente a partir de um pequeno grupo de indivíduos que se isola reprodutivamente da espécie da qual deriva, isola-se geograficamente e depois necessariamente reprodutivamente de modo a que acumule diversidade com o tempo que o leva a ser muito distinta e que depois impeça o cruzamento com outras espécies relacionadas, não é? Portanto, nós também no início estávamos à procura de uma... Ou as nossas hipóteses eram que a espécie humana teria surgido, alguns no continente africano, e então andamos à procura de medir ou de ver o sítio mais provável para essa origem. Havia apostas e grandes discussões se seria no leste da África ou se tinham aparecido durante muito tempo as ossadas mais antigas do homem moderno, nomeadamente no Quênia e Etiópia. Exato, exato. Pois havia outra fação que achava que a África do Sul seria muito importante. Mais recentemente começam a aparecer já espécimes mais antigos com características muito semelhantes ao homem moderno e, portanto, talvez um protoespécime em Marrocos. Portanto, começamos a ver o surgimento de muitos espécimes com datações próximas, antigas, entre os 300 mil e 200 mil anos, em várias partes do continente africano. O que levou a este, surgir desta hipótese, desta panorígia dentro do continente africano. Isto implica que a nossa espécie teria sido mais diversa na origem do que aquilo que estávamos à espera, não é? Se tivesse uma origem mais restrita a uma região do continente africano e que, provavelmente, teria que haver bastante mobilidade destes grupos para que eles não ficassem isolados reprodutivamente e não dessem origem a espécies diferentes. Sim,
José Maria Pimentel
ou seja, havia ali uma... Por um lado, eles eram diferentes populações, tinham uma certa estrutura populacional, havia populações com características diferentes mas que trocavam genes, porque se reproduziam entre si e que faziam parte da mesma espécie. Sim,
Luísa Pereira
não deixaram de ser capazes de ter descendentes, de se reproduzirem entre si e ter descendentes vertes.
José Maria Pimentel
Mas isso desde logo é uma coisa que é curiosa, porque parece que, no fundo, de certa forma, o salto para os seres humanos anatomicamente modernos ocorreu várias vezes naquele período, ocorreu em várias geografias, o que é estranho, quer dizer, se o resto é um mistério que continua a existir, mas qual foi, o que é que favoreceu essa seleção de modo a que ela tenha acontecido em tantos sítios ao mesmo tempo?
Luísa Pereira
Bem, nós descendemos do Homo Eretus e o Homo Eretus tinha tido uma capacidade enorme de dispersão. Ele habitava toda a África e conseguiu ir para a Europa e para a Ásia. Foi uma espécie já muito bem sucedida e que estava com esta distribuição enorme. Depois houve evolução e estes grupos não deixaram de comunicar entre si. Mas eles
José Maria Pimentel
partiram todos do homo erectus.
Luísa Pereira
Quer dizer, até agora, ou melhor, vamos pôr a coisa de outra maneira, não é? Até agora, dos espécimes disponíveis, o nosso ancestral conhecido, mais próximo, é o homo erectus.
José Maria Pimentel
Pois, exato, exato. Isso é uma ressalva importante. Exato, exato. Não, mas o que eu queria chegar é que, acho eu, pelo menos que a ideia que se tem, é que o surgimento de seres humanos com estas características, nomeadamente com o nosso tipo de cérebro, que é uma coisa que nós tendemos a valorizar, não surgiu obviamente para nós andarmos a gravar podcasts, não é? Surgiu porque houve um determinado ambiente em que essas características foram favorecidas e de resto até l há uma série de puzzles sobre isso porque o cérebro consome imensa energia, não é? Portanto até lá é um custo grande. E portanto o que a pessoa esperaria é que tivesse tido que haver características muito específicas, um clima muito específico, um ambiente muito específico para fazer desenvolver essas características. Mas o que parece resultado desta hipótese, eu não sei já agora, não sei se ela é só da África subsaariana ou se inclui, por exemplo, Marrocos, que a Luiza falava há pouco, mas o que parece resultado aqui é que houve em várias geografias dentro da África condições que favoreceram esse tipo de evolução, nomeadamente do nosso cérebro.
Luísa Pereira
Portanto, inclui também Marrocos, nomeadamente estão-se a fazer descobertas mais recentes, bastante importantes e, portanto, o norte da África também ficou um local importante para procurar estas ossadas até há 300 mil anos atrás, não é? Sim, mas se um determinado ambiente favorece o desenvolvimento daquela característica e este grupo é muito bem sucedido relativamente a outros e consegue ter uma vantagem reprodutiva, não é? Também consegue rapidamente distribuir-se para outros locais e se continuar com uma vantagem em relação a outros grupos. Ok,
José Maria Pimentel
ou seja, o que pode ter acontecido é, por exemplo, determinadas características que distinguem o homem anatomicamente moderno do homo erectus, por exemplo, o cérebro, mas não só terem surgido em várias geografias e depois a troca genética tê-las difundido? Como é que
Luísa Pereira
é dizer, nós hoje já estamos a descobrir também espécimes do que chamamos por exemplo, não homo sapiens sapiens, homo sapiens qualquer coisa, não é? Portanto, subespécies que pareciam estar no caminho da nossa evolução e que têm características para a nossa evolução mas que provavelmente foram veículos sem saída e que acabaram por se extinguir. Portanto, a evolução é algo experimental, é desenvolvida ao longo de muito tempo, não é? E algumas das características vão se desenvolver em diferentes linhagens. E é mais um conjunto de características favoráveis que leva realmente ao sucesso maior daquela linhagem, não é? Mas a evolução faz-se muito também por paralelismo, não é? Uma característica surge naquela linhagem, pode surgir em outra, porque realmente é muito favorável para um ambiente partilhado, não é? Portanto, é mais um conjunto de várias características que colaboram realmente ao sucesso da nossa espécie, mas ela pode ter sido testada e foi testada ao longo de muitos anos em diferentes linhagens da nossa árvore evolutiva, não é?
José Maria Pimentel
Essa questão das outras espécies, até, um bom ponto para outra coisa que eu queria falar que é o facto de, não tem certeza se o que vou dizer está completamente correto, mas da mesma forma que depois os seres humanos anatomicamente modernos terem saído da África e se terem expandido para a Europa encontraram os Neandertais e hoje em dia até se sabe que se reproduziram com eles e portanto nós temos uma pequena mas relevante dose de DNA neandertal, aconteceu algo do género também em África, não é? Que a genética tem mostrado, que houve reprodução com uma espécie ancestral, não é? Que... E aí eu não tenho certeza se existem sequer fósseis dessa espécie, ou se é só uma espécie teórica, digamos assim, mas que a genética tem mostrado.
Luísa Pereira
Sim, até agora é uma evidência genética, não é? Fragmentos que foram descobertos nos nossos genomas ou em genomas de há 4 ou 6 mil anos, ossos recolhidos datados de há 4 ou 6 mil anos da África Central, têm no seu genoma esses vestígios de um grupo relacionado do qual não se sabe qual é... Não se encontrou até hoje nenhumas ossadas. Portanto, no fundo são tipo fantasmas.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Que
Luísa Pereira
permanecem, que sobreviveram no genoma dos homens modernos, nomeadamente naquelas populações então que habitaram pelo menos há 6 mil anos naquela região de África e que não temos nenhumas alçadas ainda descobertas para aquela possível espécie.
José Maria Pimentel
Isso é interessante, mas isso só é... Aqui estamos a entrar na genética, provavelmente, dita, não é? Mas isso não é detectável no genoma atual das populações africanas? Como é que funciona essa detecção? Sim, Este estudo
Luísa Pereira
foi feito nestas alçadas mais antigas, não tenho de memória, mas penso que eles se limitaram a essas alçadas e que o estudo só referia a esse. Depois tem que se procurar nos genóbios de outras populações daquelas regiões, se realmente estes fantasmas também existem. De
José Maria Pimentel
outras populações atuais? Nas
Luísa Pereira
populações atuais, portanto, pessoas vivas naquelas regiões e África. Penso que isto tudo era só baseado nas alçadas, não tinha dados de populações atuais. É uma pergunta relevante para procurar, sem dúvida.
José Maria Pimentel
Mas como é que funciona, como é que se detecta no nosso genoma, no genoma dos seres humanos, essas populações fantasma? Que sinais é que existem, no fundo?
Luísa Pereira
Portanto, o que se faz é obter o genoma completo dos indivíduos e identificar regiões que são distintas ou que são mais distantes do que a média da distância com todas as populações humanas vivas atualmente e por exemplo quando se deteta os fragmentos de Neandertal no nosso genoma...
José Maria Pimentel
Pois, é um bom exemplo, exato.
Luísa Pereira
É mais fácil, porque nós temos genomas completos de Neandertal. Temos a comparação, não é? Exato, exato. E, portanto, é fácil, é tipo um puzzle, não é? Usa-se uma referência humana e compara-se com uma referência neandertal e vê-se dos indivíduos que porção pode vir do neandertal ou então é tipicamente homem moderno, não é? Neste caso, eles correram o algoritmo e viram que havia zonas em que as diferenças eram demasiado grandes para a diferença média que existem entre todos os humanos, não é? E era mais do nível de uma diferença, por exemplo, entre humano e neandertal.
José Maria Pimentel
Então vou fazer a pergunta ao contrário, se calhar é uma boa maneira de olhar para isto. Luísa já aludiu a isso há bocadinho e aliás foi uma das descobertas interessantes que eu fiz a preparar esta conversa, que as populações africanas, e isto tem que ver com a origem da espécie em África a partir de várias populações diferentes, as populações africanas são ainda hoje as que têm mais diversidade genética e maior distância, digamos assim, quer dizer, não todas, mas maior, se eu tiver a dizer alguma coisa errada, corrija, distância das populações europeias, asiáticas, por aí em diante.
Luísa Pereira
Não só por essa maior diversidade original na nossa origem da espécie, mas também porque dois terços da nossa existência como espécie foi restrita ao continente africano. Nós só saímos da África com sucesso há 70 mil anos atrás. E quando saímos da África... E
José Maria Pimentel
só foi uma parte. Sim.
Luísa Pereira
Essa autobáfrica, essa migração autobáfrica fora da África, foi feita por um grupo muito pequeno de indivíduos. E aqui é provável que tenha sido do leste da África. Exato. Através da diversidade que se observa hoje em dia nas populações europeias e nas populações asiáticas, calculou-se que um número tão pequeno quanto mil indivíduos foi suficiente para fazer essa migração bem-sucedida.
José Maria Pimentel
E depois ainda por cima dividiram-se, não é?
Luísa Pereira
E depois ainda eram, no início era uma única população que depois divergeu e entrava na população que constituiu maioritariamente os europeus e a outra que constituiu depois, teve na origem dos asiáticos, não é? Portanto, foi o que nós chamamos bottleneck ou em português efeito de gargal, não é? Tremendo. Portanto, estamos a partir de uma população muito diversa e só um pequeno grupo de indivíduos acceiou e, portanto, houve uma perda tremenda da diversidade. E isso é outro motivo pelo qual ainda hoje em dia todas as populações africanas são muito mais diversas em relação quando comparadas às populações europeias e asiáticas.
José Maria Pimentel
Esse aspecto é muito interessante, não é? Porque se a pessoa vir a olhar para isto como uma árvore é como se nós descendêssemos só de um ramo. É, um ramo muito pequeno. Isso obviamente simplificando para depois outras trocas. Enquanto
Luísa Pereira
que o que é africano são muitos outros ramos da árvore. Enquanto que todos os europeus e asiáticos vêm apenas de um ramo pequeno.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Então, vamos aí, eu já vou àquilo que ia perguntar há bocadinho. O que isso mostra que é interessante é que há ramos mais distantes, se quisermos, como acho eu, aqueles ligados, por exemplo, àquelas tribos de caçadores-recoletores do San, que quer dizer, que hoje em dia já são relativamente poucas, mas que ainda mantém hábitos caçadores-releitores e que estão muito distantes dos europeus e são muito distantes dentro da distância que existe na espécie humana, que tem menos diversidade do que os chimpanzés, por exemplo, não é? Mas pronto, dentro dessa diversidade mais baixa do que outras espécies é um fenómeno interessante, não é? Porque nós de facto, nós isto é, nós quando eu digo nós europeus tem sempre simplificações, mas descendemos de um ramo, desse pequeno ramo que saiu, nós e os asiáticos, não é? Desse pequeno ramo que era só de uma parte da África, não é? Que é interessante.
Luísa Pereira
E aqui há que ressalvar que agora já estamos a falar da África subsaariana, porque se o Norte da África teve, parece ter tido um papel na origem ou no início não é, não ter sido despovoado pelo homem moderno, deve ter acontecido um fenômeno qualquer que levou ao despovoamento do Norte de África. Pois
José Maria Pimentel
claro, senão tinha o idaí para a Europa, claro.
Luísa Pereira
E portanto, todas as populações que hoje em dia habitam o norte da África tiveram a sua principal origem numa migração back to África, não é? De volta à África a partir do próximo oriente. Ok. É Por isso que na sua origem as populações norte-africanas são muito, são euro-asiáticas, não são o típico da África subsaariana. Claro que como habitam no mesmo continente, não é, tiveram depois muito mais influência da África subsaariana, não é? Tiveram muita mais mistura do que as populações europeias.
José Maria Pimentel
Mas isso é interessante de facto e aliás estava aí uma coisa que eu tinha deixado escapar há bocado porque de facto se a espécie tivesse surgido também no norte da África estava muito mais próxima da Europa, mas enfim havia todo o deserto do Saara a separar, portanto mesmo essa troca genética não seria tão fácil como entre o resto do África. Mesmo sendo África um continente gigante, não é? Mas ainda assim...
Luísa Pereira
Temos que ressalvar, não é, que o clima mudou muito também, não é? E portanto, o deserto do Sara não foi sempre um deserto.
José Maria Pimentel
Ah, isso é um bom tempo para estar.
Luísa Pereira
Ele sofreu vários diferentes períodos, não é? Mas nomeadamente há 8 mil anos, teve no máximo do oásis do verde. Era verde. Era pouca extensão de deserto.
José Maria Pimentel
Há 8 mil, curioso. Só a
Luísa Pereira
partir de 8 mil anos para cá começou a adquirir a estrutura que tem hoje em dia. Portanto, claro que houve outros momentos em que o deserto de Sara foi deserto e dificultou a travessia, mas houve períodos em que ele foi muito verde e que facilitou algum fluxo genético.
José Maria Pimentel
Pois é, 8 mil anos é muito mais próximo. 8 mil anos já é depois da revolução agrícola. Sim, sim,
Luísa Pereira
sim. Deve ter facilitado também, por exemplo, a introdução da agricultura, nomeadamente.
José Maria Pimentel
A introdução da agricultura onde? A
Luísa Pereira
partir do Próximo Oriente
José Maria Pimentel
para a África Sub-Sahariana. Aliás, até ali há outra questão que é o que se passa dentro da África é extremamente interessante não só por essa diversidade de origem mas que depois as coisas também não pararam, não é? Por isso é que há tão poucos caçadores-recoletores que tenham sobrevivido, não é? E Depois houve os Bantu, não sei como é que se diz em português, que basicamente fizeram uma espécie de colonização, não é? Não querendo abusar do termo. Eles vieram do sul, se alvo erro? Não, do sul, não, da costa oeste, não é? Não, não, eram daquela
Luísa Pereira
zona dos camarões, Nigéria, e só há cerca de 5 mil anos, portanto foi uma migração muito recente, começaram-se a deslocar em direção ao sul e seguiram principalmente em duas ondas, uma ao longo da costa oeste e passaram através da Angola e atingiram o sul do continente africano. A outra onda seguiu primeiro em direção, atravessou o continente, foi em direção à zona dos lagos, naquela região ali do Uganda, e só aí começou a descer também em direção a sul, seguindo a costa leste. Portanto, houve duas ondas Bantu e que alteraram em muito a diversidade que existia até há 5 mil anos, não é? Nessas diferentes regiões. Portanto, devia haver muitos outros grupos populacionais no continente africano.
José Maria Pimentel
Portanto, até a expansão dos Bantu, basicamente, África continuava a ter uma configuração parecida com aquilo que existia antes do Out of Africa, antes dos seres humanos terem expandido para a Europa, que era ter populações diferentes ao longo do continente, não é? E com heterogeneidade.
Luísa Pereira
Sim, provavelmente com maior heterogeneidade do que as populações correntes, não é? Porque realmente esta migração Bantu veio homogeneizar bastante muitas das populações, na maior parte da África Sulçareana.
José Maria Pimentel
O que resta é um processo idêntico a outros processos que se passaram na Europa e na Ásia, que é uma coisa que nós hoje em dia também sabemos através da genética populacional, que é determinadas populações terem-se expandido por muitas vezes distâncias muito grandes e terem depois deixado a sua marca genética e suplantadas que existiam antes, não é? Ou no mínimo misturado, no máximo suplantado, não é?
Luísa Pereira
Esta migração Bantu deve ter sido massiva comparada com as outras, foi, teve mesmo imenso impacto. Por exemplo, na Ásia, em grande parte do continente asiático, uma expansão tremenda foi a do Gengis Khan.
José Maria Pimentel
E a dos seus descendentes. Muito
Luísa Pereira
mais tarde. Foi principalmente na parte masculina, portanto essa só deixou mais impacto a nível das linhagens masculinas, a nível do impacto é substancial no cromossomo Y. Portanto há uma linhagem que o Janjiska possuía e todos os seus filhos, não é? Ele tinha centenas. E eles conseguiram, não é? Porque tinham concubinas e tinham imensos filhos, conseguiram fazer com que a sua linhagem fosse dominante numa porcentagem tremenda em muitas das populações asiáticas, o que é
José Maria Pimentel
o único. Ah, mas isso é uma coisa que nós conseguimos comprovar hoje, é? Sim. Porque eu ouço dizer isso já há muito tempo, mas não sabia se era uma comprovada. Não sei, nós temos, não temos provavelmente, não existem os restos mortais dos angiscã, provavelmente, mas existem se calhar de descendentes.
Luísa Pereira
Mas apesar de tudo é, sei lá, é uma influência historicamente bem documentada, não é? E a hipótese mais provável é esta, não é?
José Maria Pimentel
Não, e isso até me leva a outra questão, que é um dos aspectos mais interessantes desta área é que tem mostrado nos... Eu acho que já este século, nos últimos 10, 20 anos, tem demonstrado uma série de coisas que não se conhecia. Nós já conhecemos aqui algumas, não é? O facto da origem da espécie humana ser muito mais complexa, ter origem em populações diversas e não numa só, ao contrário do que se pensava, tem também mostrado a diversidade que existe em África, mostrou esta questão da, no fundo, a história genética, a história das migrações dentro do continente e tem também mostrado o mesmo em relação a outras partes do mundo. E por exemplo, no caso da Europa e do Médio Oriente, é interessante porque mostra uma série de movimentações que existiram na pré-história, ou seja, que nós não sabíamos porque não há registros dessas migrações, ao contrário do que acontece com eventos mais recentes, como o Jejiscã, ou até mesmo mais para trás, do Império Romano, ou sei lá, dos Fenícios e dos Cartagineses, não sei o que, para falar, dizemos aqui na Europa. E nós ficámos a saber que houve muito mais movimentações do que se pensava, acho eu, acho que era mais ou menos seguro dizer isto, não é? E que muitas delas foram mesmo maciças. Alastraram a Europa toda, nomeadamente quando, eu acho que em muitos casos teve a ver com a invenção da agricultura, quando de repente se descobria a agricultura num determinado local e isso depois dava uma... Permitia essas populações expandirem-se e levarem a agricultura para outras partes. E onde eu quero chegar com isto é que hoje em dia se sabe muitas vezes que as populações que existem... Como é que eu devo dizer? A configuração genética das populações de determinados sítios, não é a mesma que era há 10 mil anos ou há 20 mil anos porque entretanto houve movimentações e podem estar relativamente próximas de populações que estão bastante mais distantes. Por exemplo, no caso da Península Ibérica houve várias movimentações desse género e que muitas vezes até implicavam a própria... Por exemplo há um desses movimentações, eu agora não me acorre exatamente quando é que ocorreu, que basicamente iluminou a população masculina toda ou praticamente toda. Portanto,
Luísa Pereira
essa migração foi uma migração que ocorreu na Idade Bronze, portanto há seis mil, quatro mil anos atrás, E é muito curiosa e só foi levantada essa hipótese ou mais confirmada a nível genético com estudos de DNA antigo, ou seja, DNA que é recuperado de ossadas. E para o estudo DNA antigo, sim, a última década foi essencial, só para haver este tipo de informação e eu já explico porque é que é tão recente. Mas então foi o DNA antigo que provou que, nomeadamente um estudo feito na Ibéria, já sabia que tinha havido esta migração com origem nas estepes. Pensa-se que estas populações eram muito guerreiras e ao domesticarem o cavalo conseguiram um domínio tremendo, não é? E foram conquistando
José Maria Pimentel
vários povos e foram se
Luísa Pereira
expandindo. E daí isso era uma expansão principalmente masculina, eram os homens que vinham na guerra e se misturavam e conquistavam, não é? Pensava-se que ela tinha tido impacto em certas regiões da Europa, mas não se dava à espera que o seu impacto fosse muito grande ou tivesse sido muito grande na Ibéria. E foi este estudo então feito em ossadas antigas, portanto da Ibéria. As ossadas antes dos 6 mil anos apresentavam linhagens masculinas muito diversas, diferentes das que estão atualmente visíveis e que existem hoje em dia nas populações ibéricas. Portanto, há cerca de 4 mil anos as linhagens tinham sido masculinas, tinham sido substituídas por esta linhagem única, que tem um nome super esquisito que chama R1B. Para nós faz sentido, mas pronto. E, portanto, todas as linhagens paternas que eles conseguiram recuperar, doçadas, à volta de 4 mil anos, 3 mil anos, pertenciam unicamente a esta linhagem. E depois, em períodos mais recentes, houve entrada novamente de outras linhagens, nomeadamente então com a chegada dos Fenícios, dos José, isso tudo, não é? Que trouxeram linhagens que são então mais prevalentes no Mediterrâneo Oriental.
José Maria Pimentel
Mas aí essa parte nós já esperávamos, essa não é a suprema, agora a outra é que não havia registro nenhum.
Luísa Pereira
Agora aquela substituição maciça, total, quase, na parte masculina por esta linhagem que vinha das estepes, que ainda hoje em dia é muito frequente nas STEPs, foi uma revelação muito surpreendente. E que ainda é difícil de explicar, não é? Como é que há esta substituição quase completa da parte masculina. Só queria esclarecer então porque é que isto é tudo muito recente. Porque isto veio muito dos desenvolvimentos técnicos que nos permitiram então a nível de laboratório obter resultados genéticos. E só para ter uma ideia, os desenvolvimentos laboratoriais e nós conseguimos estudar o DNA, é tudo muito recente. As primeiras técnicas começam, a primeira técnica de sequenciação, que é saber as bases que constituem aquelas quatro letras, que constitui o genoma, só foi introduzida na década de 70, 1970 e tal. Uma sequência que hoje em dia já não é eficiente, que foi substituída, mas já evoluiu. Só na década de 80 é que foi iniciada uma técnica que foi muito revolucionária, que nos permite a partir de uma quantidade muito pequena de amostra biológica, multiplicar em muitas cópias o fragmento de DNA, o que nos permite estudá-lo depois. Portanto, no fundo, aquilo é uma fotocopiadora de opressões do genoma, que nos permite, a partir de uma quantidade muito pequenina de amostra, nomeadamente um cabelo, conseguir estudá-lo. Enquanto que antes dessa técnica precisávamos de muitos mililitros de sangue, não é? Para conseguir obter dados. Por
José Maria Pimentel
isso é que só se estudava o ADN mitocondrial, não é? Sim, sim. Desse é que havia muito, não é? Era mais fácil que houvesse muito. Era
Luísa Pereira
mais fácil. E, portanto, isto só foi em 1980, está a ver? Depois com a introdução das técnicas começamos a melhorar os aparelhos, começaram a ficar cada vez mais autónomos, não é? Menos manipulação. E o grande salto foi mesmo já no século XXI, com então a descoberta de químicas novas que permitiram um novo tipo de sequenciação, que é a sequenciação de nova geração. E esta tem uma particularidade excelente para o DNA antigo, porque esta nova técnica nós estudamos bocadinhos muito pequenos de DNA, do genoma. São mesmo conjuntos de 200 letras, portanto São fragmentos muito, muito pequeninos, mas estudámos-lhe milhões e milhões de vezes. Depois perdemos-a cada vez mais tempo a fazer uma análise bioinformática para reconstituir o puzzle. Isto é bom para o DNA antigo porquê? Porque o DNA que se recupera de ossadas está degradado. Incompleto. Incompleto. Portanto, tem pedaços que falham. Se nós tivéssemos um método de sequenciação que era baseado em pedaços muito grandes, não conseguíamos fazê-lo. Como temos o novo método de sequenciação que é feito em pedacinhos muito pequeninos que se vão sobrepondo, ok? E temos milhões e milhões destes pedacinhos.
José Maria Pimentel
Mas são pedacinhos... A ideia é que eles podem ser recolhidos a indivíduos diferentes e há uma combinação? Não, não, não. Tudo a partir do mesmo
Luísa Pereira
indivíduo. Nós fazemos é... Mas aqui estamos a falar de alçadas, não é? Estamos a falar de
José Maria Pimentel
DNA antigo, não é? Sim, DNA antigo. Daí estar incompleto, exatamente. Sim, e também
Luísa Pereira
a partir de uma amostra de sangue de uma pessoa viva, assim que também hoje em dia nós obtemos o seu genoma. Fazemos este método de sequenciação de nova geração em que estudamos e reconstituímos o genoma todo, mas porque nós temos que copiar o genoma. O processo consiste num tubo copiar o genoma daquela pessoa montes de vezes para o conseguir ler.
José Maria Pimentel
Não, isso eu compreendo, mas no caso do ADN antigo só existir uma parte da sequência?
Luísa Pereira
Não é uma parte, ela vai estar interrompida.
José Maria Pimentel
Sim, exato. Não é um bocadinho, são fragmentos.
Luísa Pereira
São fragmentos. A melhor analogia é melhor. Mas
José Maria Pimentel
já, fragmentos é porque faltam lá bases no meio, não
Luísa Pereira
é? Sim, e apesar de nós podermos dizer que temos o genoma completo do Neandertal, provavelmente há porções que nós não temos, entende? Ele vai estar... Conseguimos já recuperar uma grande parte do seu genoma, mas vai faltar bocadinhos lá no meio. Agora, esta sequenciação de nova geração, como nós Vamos estudando pedacinhos tão pequeninos e depois é que reconstituímos o puzzle. Isto permitiu-nos dar um salto tremendo na quantidade de ossadas a partir das quais conseguimos obter DNA ou conseguimos recuperar a informação da leitura do seu DNA. Foi por isso que desde há 10 anos para cá, com estas novas técnicas, então a quantidade de informação que nós temos de DNA antigo subiu, sei lá, de 20 indivíduos para centenas. Foi esse o verdadeiro salto, não é?
José Maria Pimentel
Claro. Então, mas, Luísa, agora para eu tentar perceber isso bem, eu não tenho a certeza se percebi. O que essa técnica permite fazer, ela analisa pequenos pedaços e copia-os várias vezes, não é? Sim. Mas em que medida é que isso contorna o facto do DNA só ter... De nós só termos um DNA fragmentado, não é?
Luísa Pereira
Sim, porque a outra técnica de Sanger, nós também copiávamos o fragmento, mas eles tinham que ser necessariamente maiores. Então imagina, estamos a tentar copiar um fragmento de 600 letras e ele está interrompido a meio. Então aquilo falha.
José Maria Pimentel
Ok, já percebi. Ok.
Luísa Pereira
Enquanto que se copiamos fragmentos de 100 letras ou de 200... Esta
José Maria Pimentel
baixou o limiar de fragmentos elegíveis, digamos assim, aceitáveis para serem mapeados. Ok, faz sentido. Então, é um bom pretexto para voltarmos atrás a uma questão que deixámos lá há 10 ou 20 minutos, que era aquela questão do facto das populações africanas aparentemente terem no seu DNA uma espécie, essa chamada espécie fantasma, no fundo que é uma espécie humana mas não homo sapiens, que existe no DNA, tal como existem os neandertais na maioria dos europeus e creio que asiáticos também, não é? Sim. E acho que hoje em dia até se sabe que um bocadinho também em populações africanas mas menos.
Luísa Pereira
Já agora só para confirmar, os neandertais nunca estiveram em África, ok?
José Maria Pimentel
Foram populações que voltaram, não é? Pois, os pequenos
Luísa Pereira
fragmentos de neandertal, que são muito menores, dos africanos, foram-lhes introduzidos por misturas muito recentes com europeus. Exato. Ou seja, não foi por... Não foi direto. Foi
José Maria Pimentel
por uma insignação
Luísa Pereira
depois com europeus.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Mas dizia, e a Luísa estava a explicar como é que se percebia que estava lá esse fantasma, como é que se percebia que aquilo era uma espécie de aderno que vem de uma espécie diferente e não simplesmente diversidade genética normal, não é? Isso é interessante porque leva-nos à questão da diversidade genética porque existe, embora estes fenómenos sejam complexos no sentido em que há poucas variantes genéticas que existam só em determinadas populações, ou seja, que só existam, sei lá, em África ou só existam na Europa e não existem mesmo em mais sítios nenhum do mundo, o que há, a ideia que eu tenho é o facto de algumas serem mais prevalentes num sítio do que noutros, também... Há gradientes de frequência. Há gradientes de frequência, exatamente. Mas também existem algumas coisas que de facto são específicas de algumas geografias, não é? Como é que é possível distinguir aquilo que é simplesmente características que são específicas das populações de determinado continente, de facto haver ali a presença de uma espécie fantasma que se cruzou com aquelas populações? Tem a ver com a dimensão? Com a dimensão do, quer dizer, com o peso que tem no DNA, se quisermos, no genoma?
Luísa Pereira
A genética populacional tem uma componente estatística muito forte, não é? Portanto, nós simplificamos e nunca falamos em desvios padrões e isso tudo, erros, mas eles estão sempre atrás dos nossos cálculos.
José Maria Pimentel
Claro, pois, pois, porque é informação limitada, não é? Portanto é preciso inferir. E, portanto... E não é só isso, e a própria genética também tem... Tudo é uma questão de contagem,
Luísa Pereira
tudo é uma questão de quão diferente, quantas diferenças temos, não é? Dois seres humanos têm um X número de diferenças e esse é o máximo que é possível, Ok? De ter. Se há uma região que pertencia a outra espécie relacionada a connosco, essa região vai ter muitas mais diferenças do que se aquilo fosse homem moderno. É tudo uma questão de contagens de diversidade, de quantas bases são diferentes. E
José Maria Pimentel
tem a ver também com o sítio do genoma onde estão essas diferenças?
Luísa Pereira
Isso depois é muito variável. Há certas regiões do genoma que são, digamos, mais permissíveis a estes fenómenos. Por exemplo, já vimos que a maior parte dos fragmentos de Neandertal que se observa nos genomas europeus e asiáticos, estão em locais do genoma onde não há impacto funcional. Ou seja, nós temos ali aquele fragmento, mas aquilo não tinha impacto no fanótipo do indivíduo. No
José Maria Pimentel
indivíduo, provavelmente, dito.
Luísa Pereira
Então, regiões do genoma.
José Maria Pimentel
Nosso organismo.
Luísa Pereira
Regiões do genoma que não têm importância, então, comparada com outras dentro dos genes, não têm impacto funcional, claro que estes fragmentos neonatais eram mais, digamos, tolerados.
José Maria Pimentel
Sim, Isso é interessante, porque no fundo eles depois permitem-nos contar a história, mas eles não estão a ser alvo de seleção natural, porque estão em zonas que não... Quer dizer, se fosse um programa de computador eram zonas do código que não eram lidas, no fundo, não é? Sim, e no fundo nem. Ok, isso é interessante.
Luísa Pereira
Pelo contrário, há algumas características de Neandertals que estão em sítios muito importantes, são menos, e estas devem ter conferido vantagem ao humano moderno. E portanto acumularam-se. Os indivíduos que as tinham tiveram mais sucesso reprodutivo e portanto permaneceram. E são em algumas zonas importantes para o nosso sistema imune. Portanto, devem ter conferido alguma vantagem seletiva.
José Maria Pimentel
Sim, isso é muito interessante. Uma pergunta que está relacionada com isto, nós já falámos algumas vezes de diversidade genética e já percebemos que as populações africanas, por exemplo, têm maior diversidade genética, em grande medida porque... Ou por outra, África tem mais diversidade genética porque teve, durante muito tempo, populações diferentes, enquanto as populações europeias e asiáticas resultam só ali de um dos ramos da árvore, não é? E portanto, teve que ver com o facto de haver populações diversas, teve a ver com o facto de nós termos passado lá uma grande parte do nosso tempo evolutivo. Existem outros fatores que confiram diversidade das populações, não é? Porque quando nós estamos a falar de diversidade genética tem a ver com o número de variantes do mesmo gene que existem naquela população, não é? E portanto a diversidade entre indivíduos, quanto maior é a variação de... Eu não queria usar a palavra técnica mas outros são os aleles, não é? Não sei se se diz assim em português, acho que é, não é? Os aleles são os...
Luísa Pereira
As formas alternativas... De
José Maria Pimentel
um determinado gene, não é? Sim,
Luísa Pereira
de uma determinada posição do genoma.
José Maria Pimentel
Exatamente. E até
Luísa Pereira
vou complicar mais, porque nós os humanos somos diploides. Isto quer dizer que temos duas cópias, portanto para uma determinada posição do genoma nós só vamos ter duas formas alternativas, só podemos ter dois alelos que podem ser iguais e chamamos homozigóticos ou podem ser diferentes e somos heterozigóticos. Ok? Portanto, cada indivíduo só pode ter no máximo duas formas alternativas, dois alelos. Mas aquela posição, numa população, pode haver vários alelos. Ok? E então, quantos mais alelos existirem para uma determinada posição, mais polimórfica ela é. E se não houver um alelo dominante, mais variável
José Maria Pimentel
ela é. Mais diversa geneticamente a população, não é? Sim. E o que é que para além da passagem do tempo e de haver populações... É mesmo isso,
Luísa Pereira
é a passagem do tempo. O tempo é essencial para se acumular diversidade, ok? Porque o surgimento destas novas variáveis, para fazermos isso, é necessário ou temos mais indivíduos a reproduzir-se ou passar mais tempo.
José Maria Pimentel
Pois, mas é que a minha pergunta é exatamente para isso. Porque se é verdade que as populações não africanas, digamos assim, têm menos tempo evolutivo depois da saída da África, porque estamos a falar de 70 mil anos, não é? Por outro lado, nós no último século, século e meio, testemunhámos um crescimento brutal da população. Sim.
Luísa Pereira
Foi toda a população mundial, não é?
José Maria Pimentel
Sim, mas... Sim, é verdade.
Luísa Pereira
A população e mesmo a árvore evolutiva da nossa espécie mostra isso. Há uma grande expansão no período antes da migração para fora da África, ok? Deve ter havido ali um sucesso, alguma mudança climática que proporcionou haver mais indivíduos e talvez isso tenha levado mesmo aquele grupo de pessoas de ter saído
José Maria Pimentel
da África para ir procurar novos recursos.
Luísa Pereira
Mas sem dúvida que depois com a passagem para a agricultura, para o neolítico, que foi há cerca de 10 mil anos atrás. Aí a população também cresceu, começou a crescer muito, mas sem dúvida que nos tempos mais recentes tem vindo um crescimento cada vez mais exponencial.
José Maria Pimentel
E esse crescimento, sobretudo pela rapidez, gera também diversidade genética, até no mau sentido, no sentido em que a seleção natural deixa de atuar, de maneira a deixar para trás, digamos assim, mutações que possam não ser benéficas, associadas a doenças, por exemplo. Ou não?
Luísa Pereira
Estávamos lá a tentar complicar isto. Ainda mais. Sim, muitas vezes nós temos tendência a pôr uma... Achamos que evolução é seguir para o bom, não é? Para coisas mais competentes, mais eficientes. Mas não necessariamente, não é? A evolução não tem direção. Podemos ir até à extinção, não é? Ou algo que era favorável no ambiente, o ambiente muda e vai ser completamente desfavorável logo a seguir, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim. Mas quer dizer, a evolução seleciona o que é adaptado àquele ambiente, mas o ambiente é que pode mudar, não é? Por
Luísa Pereira
isso é que se diz que em biologia, não é? Que o melhor é a espécie ser muito diversa. Porque assim alguns dos indivíduos vão sobreviver. Portanto, é por isso que é muito perigoso quando uma espécie tem um pequeno número de indivíduos. Portanto, ela corre sérios riscos de sextiquê. Portanto, sempre que aparece uma nova variante, muitas vezes usávamos o termo mutação, não é? Mas mutação está muito associada a uma coisa má, não é? Que causa doença.
José Maria Pimentel
Pois, eu disse mutação. Que causa doença.
Luísa Pereira
Então agora temos tendência a chamar variante. Quando surge um novo variante, ele pode conferir vantagem, desvantagem ao indivíduo ao ser neutro. Se a desvantagem for muito, muito acentuada, portanto matar o indivíduo numa idade muito jovem, ele não se conseguir reproduzir, ele não a vai transmitir. Então, geralmente, mutações associadas a doenças que são muito deletérias, elas estão sempre a aparecer, Mas o indivíduo morre cedo, não se reproduz, não vai ser transmitido. Depois há as outras variantes que conferem uma vantagem muito boa e aqueles indivíduos conseguem ter, reproduzir-se muito e elevam a frequência destes variantes. Depois há outras que são completamente neutras, que não têm impacto funcional e portanto vão existindo no genoma e vão sendo transmitidas aleatoriamente. Portanto, o que se viu é que a nossa espécie, tal como as outras espécies, O efeito de seleção negativo, portanto a seleção que leva ao desaparecimento das mutações deletérias, é muito forte. Portanto nós estamos sempre sobre o efeito de seleção negativa que nos vai eliminando estas mutações más. Então isto faz, como eu disse, estão sempre a aparecer variantes e algumas podem ser mais, mas elas não vão permanecer muito tempo. Então, por exemplo, já se estimou que as variantes associadas a doenças são bastante recentes na nossa escala evolutiva, têm média ou não têm mais do que 5 mil anos porque a seleção metadeletária vai desaparecendo.
José Maria Pimentel
Sim, isso é interessante, ou seja, não é que nós hoje em dia tenhamos mais variantes negativas, digamos assim, variantes mais do que noutros tempos, é porque elas estão sempre a renovar-se, não é? Sim. Por um lado surgem muitas, mas por outro também são
Luísa Pereira
várias. Elas podem ser eliminadas, não é? Mas...
José Maria Pimentel
Rapidamente eliminadas, sim.
Luísa Pereira
Com o surgimento de novos indivíduos vão aparecer mais. Então, por exemplo... É muito dinâmico, não é? Isto tem que se pensar em características muito, muito dinâmicas. Mas vou complicar ainda mais.
José Maria Pimentel
Força, força. Desculpe.
Luísa Pereira
Então, aquele efeito de gargalo que eu falei ao originar as populações europeias e asiáticas.
José Maria Pimentel
Gostais, cerca de mil indivíduos. Que
Luísa Pereira
eram um número de indivíduos a sair, ainda por cima se dividiram para dar estas dois grandes grupos populacionais, isto levou a quê? Levou a indivíduos mais aparentados a cruzarem-se entre si. Exato. Ok? Isso em termos genéticos confere mais risco, porque por exemplo, muitas dos variantes associados a doenças são recessivas. Ou seja, precisamos de ter dois alelos iguais para manifestarmos a doença. Os indivíduos que são aterozigóticos portadores deste alelo recessivo não manifestam a doença, mas podem transmiti-la aos seus descendentes. Então um grupo mais pequeno, que foi o que originou os europeus e os asiáticos, leva necessariamente a reprodução entre mais indivíduos aparentados, aumentou a proporção da homozygotia destes variantes. Então, os europeus e os asiáticos têm um burden genético, de doenças genéticas, superior aos africanos, por este efeito acentuado da perda da diversidade. Isso,
José Maria Pimentel
aliás, acho eu particularmente extremo, por exemplo, nos judeus.
Luísa Pereira
Isso, nos finlandeses, nos judeus.
José Maria Pimentel
Nos judeus que não são todos, não é?
Luísa Pereira
Principalmente os judeus askenazes.
José Maria Pimentel
Isso, nos askenazes, exatamente. Os
Luísa Pereira
judeus que foram para o centro e leste da Europa não se misturaram tanto. Misturaram-se, mas depois, quando já tinham número suficiente, cruzavam-se entre si, isto aumentou imensa com sanguinidade e há doenças genéticas hoje que são típicas desse grupo de indivíduos e que quase não existe no resto das populações europeias, não é? Os judeus que vieram para a Ibéria já se misturaram mais com as populações locais e portanto não houve este efeito tão acentuado.
José Maria Pimentel
E os finlandeses é que não sabia. Os
Luísa Pereira
finlandeses também, sim. Mas porquê? Têm muita pouca diversidade comparada com as outras populações europeias. Estão ali naquele cantinho, ficaram muito isolados durante... Tem
José Maria Pimentel
uma língua diferente. Por guerras,
Luísa Pereira
pelo clima. Também têm uma diversidade muito mais baixa. Isto
José Maria Pimentel
é interessante. Ou seja, se uma população que se isole tenderá a perder a diversidade genética. Porque no fundo esse efeito de homozygotismo, ou seja, de passar a ver duas cópias da mesma variante, ou seja, uma cópia do alelo não teria problema, mas duas já têm problemas, é muito mais forte do que o ritmo de acumulação de mutações, não é? Também vai acontecer, mas é muito mais lento.
Luísa Pereira
Sim, não há tanta diversidade, claro.
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante. E
Luísa Pereira
depois há outros grupos populacionais, não é? Que por tradições culturais ou tradições religiosas, não é? Também aumentam esses cruzamentos com sanguíneos. Por exemplo, os muçulmanos, muito mais na Península Arábica, não é? Há muitos casamentos entre primos diretos. As famílias são muito grandes e que mantém-se a tradição de casamentos entre primos diretos. Nandia, certas castas, é tradição o tio casar com a sobrinha.
José Maria Pimentel
E as castas dandia é extraordinária porque em muitos casos têm já milénios a prática das pessoas só se reproduzirem, digamos assim, dentro da própria casta. Portanto,
Luísa Pereira
no fundo, mantinha os bens, não é? Dentro da família era um sistema de deportação.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Mas é extraordinário. Extraordinário isto é péssimo neste sentido, mas é incrível uma coisa, uma prática dessas, completamente cultural, assente apenas em questões culturais e não em questões geográficas ou de separação geográfica ou de clima, suster-se durante centenas ou até mesmo milhares de anos. É incrível.
Luísa Pereira
E hoje em dia a Arábia Saudita está a investir imenso em obter os genomas da sua população e a fazer aconselhamento genético já antes dos casamentos. Portanto, para ver se dois primos que estão a pensar casar têm a probabilidade dos seus descendentes terem certas doenças genéticas. Portanto, aconselhamento genético antes do casamento.
José Maria Pimentel
Eu por acaso tenho uma história engraçada. Engraçada? A esta distância. Não sei o que é que teria feito nessa situação, para ser franco, na minha família, porque os meus avós eram primos direitos. E eles na altura fizeram não sei o quê, francamente, porque eu acho que quando eles se casaram, deve ter sido... Vou arriscar, mas foi para aí no início dos anos 40, não estou em erro. Não, não, no final dos anos 40, provavelmente. Eles fizeram uns exames quaisquer, acho que até mandaram aquilo para a Inglaterra, mas no final dos anos 40 eu acho que ainda não tinha sido descoberto o DNA, certo?
Luísa Pereira
Não sabíamos a estrutura... Não,
José Maria Pimentel
quer dizer, o DNA já se sabia há muito tempo, mas não se conhecia a forma do DNA e o papel que ele tinha na nossa biologia, E portanto, francamente, eu não sei o que é que eles fizeram. É coisa que felizmente corra bem, mas foi um exercício um bocado arriscado.
Luísa Pereira
Até eu conto outra história engraçada na minha família. O meu pai era primo direito da minha avó materna. Portanto, eu sou um caso único em que vou partilhar. O meu pai tinha a mesma linhagem materna que eu. Exato. Porque esse lado, essa comunicação era através de mulheres. Portanto, eu sou o caso único em que o meu pai partilhava a minha linhagem materna.
José Maria Pimentel
Pois é, para caso é boa. Isto é o problema de, enfim, de afunilar o genoma, não é? Mas, por exemplo, no meu caso, eu creio que já não há problema, não é? Porque o problema seria na geração, neste caso, da minha mãe.
Luísa Pereira
Assim, quanto mais próximo é a consanguinidade ao indivíduo, sim, não é? Mais perigoso é, não é? Maior é o risco.
José Maria Pimentel
E sobretudo o risco de…
Luísa Pereira
Desta homozigotia de algum de nós das
José Maria Pimentel
varantes. Exatamente, exatamente. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Bom, mas pronto, foi saindo agora do coração familiar, da história familiar. Eu queria voltar àquilo que estávamos a falar há bocadinho, para até para depois voltarmos a falarmos do caso de Portugal e da Ibérica, é interessante, aquela expansão de que a Luísa falava há bocado, que tinha decorrido sobretudo pela via masculina daquela população das Tepos, eu creio que aquilo está associado à expansão do do indo-europeu, não é? Ou seja, da língua que depois serviu de base tanto às línguas do continente indiano como a maioria das línguas da Europa, entre as quais a nossa, não é? Que é que foi uma coisa que durante muito tempo parecia bastante estranho, não é? E hoje em dia sabe-se que partiu de uma população que expandiu precisamente daquela zona tanto para este como para o oeste. É a mesma que estamos a falar
Luísa Pereira
aqui? Sim, portanto essa é a hipótese mais plausível, não é? Que esta migração também foi responsável pela introdução do índio ao europeu. Curiosamente, a linhagem que foi para o continente indiano é relacionada, mas não é exatamente a mesma. São muito próximas. Ah, ok. São relacionadas, muito próximas, mas por acaso foram diferentes. Para a Europa veio o R1b, para andia foi o R1a.
José Maria Pimentel
Isso diz-me imenso.
Luísa Pereira
É curioso, não é? Mas sim, é a hipótese mais plausível hoje em dia, que foi responsável pela transmissão também das línguas indoeuropeias. Pois,
José Maria Pimentel
bom, isso é um bom texto para falarmos de Portugal, porque a Luísa já há bocado aludiu ao nosso passado genético e a Luísa tem estado envolvida também num projeto interessante que é o Workshop Odisseia Genética, não é? Que parece uma coisa muito gira, aliás eu não conhecia, aproveito para divulgar entre quem nos está a ouvir, que é no fundo um teste de ancestralidade, como aqueles que a pessoa hoje em dia já pode fazer numa série de sites, mas digamos interpretado por quem sabe. É acompanhado. Acompanhado, exatamente, acompanhado. E, portanto, permite a pessoa perceber a sua própria ancestralidade e ao mesmo tempo permite-lhe a si e outros investigadores ir acumulando dados sobre a ancestralidade da população portuguesa, não é? Da população que vive aqui. E isso é interessante. O que é que isso tem mostrado? Quer dizer, o que é que a Luísa aprendeu nos últimos anos, tanto com base na investigação como com base nesse projeto, sobre a ancestralidade portuguesa, não é? Ou há, quer dizer, isto é sempre uma simplificação, não é? Mas a ancestralidade típica das populações que vivem em Portugal. Em Portugal e na Ibéria, porque eu tenho a ideia que é parecida com a espanhola.
Luísa Pereira
Somos muito semelhantes, portugueses e espanhóis, e formamos um grupinho dentro da diversidade europeia. Portanto, não deixamos de ser populações europeias, não é? Descendemos e temos um grande sinal desse... Da primeira colonização, não é? Que foi feita do continente europeu, há cerca de 45 mil anos, a partir do Próximo Oriente. Portanto, temos esse fundo comum a todo o continente europeu, não é? Mas depois, no nosso caso, enriquecido, claro que depois já introduziu aqui o conceito da importância da agricultura do período neolítico.
José Maria Pimentel
Pois, porque essa primeira expansão eram caçadores-recoletores na mesma, não é? Eram caçadores-recoletores. Sim, há 45 mil anos, claro, exato.
Luísa Pereira
E depois, hoje em dia já aceitamos e sabemos que O conhecimento da agricultura desenvolveu-se em diferentes partes do mundo, mas claro que um dos mais importantes para nós foi no Próximo Oriente, a zona de Israel, Líbano, crescente fértil, o que nós conhecemos como crescente fértil, não é? Portanto, durante muito tempo na genética andámos a discutir se o conhecimento da agricultura tinha vindo com migração de pessoas ou se tinha sido apenas a migração do conhecimento. Hoje em dia vimos que, já sabemos por dados genéticos e arqueológicos, não é? Que foi complexo, não há um modelo único, tem que ser um modelo necessariamente complexo. E o caso da Ibéria até é muito interessante e isto o João Zilhão levantou logo, levantou este modelo e nós depois trabalhamos em conjunto com ele e alguns dados genéticos também apoiam. No caso da Ibéria, o mar Mediterrâneo teve um papel muito importante para a vinda de pessoas e de conhecimento da agricultura. Portanto, eles nessa altura já faziam navegação, não se atreviam a entrar no mar aberto, no Mediterrâneo, mas vinham muito próximo da costa, então iam parando, iam colonizando à medida que iam parando e continuavam a viagem e assim civamente.
José Maria Pimentel
Mas Vindos do meio do oriente, é isso?
Luísa Pereira
Vindos do meio do oriente. Traziam os animais, traziam as espécies e vinham pessoas, não é? Faziam pequenas colónias perto da costa, ok? E depois expandiam-se ao conhecimento, não é? E essas pessoas que tinham vindo do Próximo Oriente ficavam ali, naquelas colónias, mas depois transmitiam o conhecimento às populações locais. Mas
José Maria Pimentel
aqui estamos a falar há quantos anos?
Luísa Pereira
Estamos a falar do Neolítico. Portanto, o Neolítico começa mais ou menos há 11 mil anos, 10 mil anos no Próximo Oriente, mas as primeiras datas do Neolítico em Portugal são há cerca de 7 mil anos atrás. Portanto, foi muito rápido, não é? 10 mil anos, há 7 mil anos para chegar aqui à Ibéria, foi uma migração muito, muito rápida e foi tão rápida por causa desta migração feita através do mar. Exato. Sempre vindo pela costa, formando pequenas colónias. Algumas pessoas tinham vindo do Médio Oriente, mas depois transmitiram muito o seu conhecimento às populações locais que se foram readaptando, deixando de ser pessoas arrecoladoras e passando até a ser agricultoras, não é? Portanto, temos algumas linhagens também datadas desta época, não é? Do Neolítico. Mas claro que todas as migrações posteriores e mais uma vez o Mediterrâneo foi essencial, não é? Tiveram um impacto bastante forte na Ibéria.
José Maria Pimentel
E onde é que entrou aqui aquelas populações que vieram das Tepes, que falámos há bocadinho?
Luísa Pereira
Portanto, isso é há cerca de 4 mil anos. E aí é por via continental, não é? Depois. Por via continental, sem dúvida.
José Maria Pimentel
Portanto, no fundo nós tivemos, primeiro, a expansão inicial, que ainda de caçadores-recoletores, depois estas populações já depois da inversão da agricultura vindas do Médio Oriente e depois tivemos essa expansão
Luísa Pereira
e esse impacto pelos vistos masculino.
José Maria Pimentel
Exatamente, essa razia. E depois várias migrações posteriores. Aí já entramos na história de certa forma. Já temos os fenícios, depois o Império Romano e depois as populações vindas do Norte de África. Fenícios
Luísa Pereira
também, os judeus, não é? A
José Maria Pimentel
expansão judaica
Luísa Pereira
também foi muito importante, não é? Cada vez estamos a ver que foi mais antiga do que aquilo que pensábamos. Portanto, foram todos movimentos que fizeram com que aquele fundo inicial que nós tínhamos europeu
José Maria Pimentel
fosse muito
Luísa Pereira
mais enriquecido com todas estas migrações à volta da Bacia do Mediterrâneo.
José Maria Pimentel
Mas nós começamos, porque aqui depende sempre de qual é o nosso referencial, não é? Mas depois já começa a haver movimentos que já são mais específicos, não é? Quando nós falamos de movimentos ocorridos no Mediterrâneo, provavelmente afetaram mais Itália, Sul de França, Ibéria e movimentos com o Norte de África, provavelmente mais Portugal e Espanha.
Luísa Pereira
Não só, mas não podemos esquecer os celtas, não é? E quem eram
José Maria Pimentel
os celtas? Pois, claro, exatamente.
Luísa Pereira
Quem eram os celtas, onde é que eles vieram originalmente, mas sem dúvida que foi algo cultural ou que afetou mais a França, ilhas britânicas, Irlanda e a Ibéria, não é? O norte da Ibéria.
José Maria Pimentel
O norte, sim.
Luísa Pereira
Tivemos todos aqueles povos, na altura chamados bárbaros, não é? Os godos. Que atacaram os romanos e que lutaram com os romanos e que eram mais germânicos e dessa zona, portanto, não é? Claro. Houve muito povo a migrar.
José Maria Pimentel
Mas o que é que diz?
Luísa Pereira
Com diferentes origens, não é? Ou diferentes distribuições. Para
José Maria Pimentel
ti isso é a história, não é? Agora, olhando para o genoma
Luísa Pereira
atual... E depois, vamos complicar mais então. Nós depois, quando estamos a fazer um teste de ancestralidade, olhamos para diferentes porções do genoma, que nos dão diferentes informações. Então, há aquela porção dos cromossomas que são transmitidos, uma cópia pela mãe, uma cópia pelo pai, que se diz que ambos os progenitores tiveram uma contribuição semelhante, nós chamamos autossomas. Temos essa, temos o DNA mitocondrial, que é apenas transmitida pelas mulheres e, portanto, existe nos homens e nas mulheres, isto é importante saber, mas os homens não transmitem. Temos a cromossoma Y que só existe nos homens, mulheres não têm cromossoma Y. Então isto às vezes é difícil de compreender pelas pessoas. Não é possível estudar a linhagem paterna numa mulher, porque as mulheres não têm cromossoma Y. É possível estudar a linhagem materna e paterna nos homens, apesar deles não transmitirem a linhagem materna. E
José Maria Pimentel
nas mulheres não é sequer possível, estatisticamente, com base em alguns padrões,
Luísa Pereira
por exemplo? As mulheres estuda-se a linhagem materna, a paterna é impossível porque não tem cromossoma Y. Não
José Maria Pimentel
tem um cromossoma específico. Mas
Luísa Pereira
os autossomas, claro que metade lhes foi transmitido pelo pai. Pois,
José Maria Pimentel
era isso que eu queria dizer. E é possível, existem padrões aí na trama.
Luísa Pereira
Claro que o pai contribuiu para o seu genoma e
José Maria Pimentel
muito, não é? Não, eu sei isso. Claro. E metade. Mas o que
Luísa Pereira
nós chamamos nos testes de ancestralidade de linhagem paterna é restrito ao Y, ao cromossomo Y, ok? Porque tanto o cromossomo Y como o DNA mitocondrial, como só são transmitidos por um sexo, ok? Não se misturam, é tão fórmula uma linhagem que é transmitida ao longo de gerações sem haver mistura nenhuma.
José Maria Pimentel
Já agora, nós já falamos aqui do adeno mitocôndrio várias vezes, vale a pena explicar? Os mitocôndrios são um órgão à parte, não é? Nós chamamos um órgão. Nossos genoma esto nossos. Portanto,
Luísa Pereira
quase todo o genoma é dito nuclear, porque está dentro de uma estrutura das células que é o núcleo, muito protegido e separado, está ali muito bem protegido. Fora do núcleo, no resto da célula, existem diferentes organelas que têm diferentes funções. E então um desses são as mitocôndrias. As mitocôndrias têm a função essencial de produzir energia para a vida das células. As mitocôndrias têm o seu próprio DNA, que é uma molécula muito pequenina, redonda. E Existem muitas cópias, ao contrário do núcleo. Existem muitas cópias, enquanto que no núcleo só temos duas cópias. As mitocôndrias, cada uma da mitocôndria tem várias cópias de DNA mitocondrial e existem muitas mitocôndrias na célula. Claro que há células que têm muitas mais do que outras. E por que é que a transmissão é unicamente materna? Porque o oócito, que é a célula sexual feminina, é gigante, tem imensas mitocôndrias, tem imensas cópias de DNA mitocondrial e quando é fecundado pelo espermatozoide, o espermatozoide é uma célula muito pequenina que tem pouquíssimas mitocôndrias comparadas com as melhores que existem no oócito. É por isso que a transmissão é feminina do DNA mitocondrial.
José Maria Pimentel
Exclusivamente? Ou seja, nenhuma das mitocôndrias masculinas passa, digamos assim?
Luísa Pereira
Só em casos muito raros, há sempre exceções e só se tem tratado em casos de doenças e muito limitado a um tecido do indíviduo. Ok. Portanto, tirando estas raras, raríssimas exceções, a transmissão de DNA mitocondrial é exclusivamente feminina. Sim,
José Maria Pimentel
eu tenho a ideia que até já falei dessas exceções há alguns no podcast, confesso não sei com quem.
Luísa Pereira
Então vamos lá, para aquilo que eu estava a tentar explicar. Certo. Então, como o DNA mitocondrial não se mistura, sempre transmitido pela linha materna, só vai explicar um dos lados da família. Por exemplo, ao nível dos avós, só a avó materna que transmite o seu DNA mitocondrial. A avó paterna não transmite, porque ela teve um filho e ele não transmitiu. Claro. Então, só representa, ao nível dos avós, só representa um quarto da família, ok? Portanto, a DNA mitochondrial não conta a história toda daquela família, com o petróleo à parte, mas ela não se misturou. Portanto, até é bom para inferir como é que cá chegou. Exato,
José Maria Pimentel
tal como o cromossoma Y.
Luísa Pereira
Sim, tal como o cromossoma Y pelo lado oposto, pelo lado masculino. Sim, sim,
José Maria Pimentel
assim é um lado interessante, ou seja, o meu cromossoma Y é igual ao do meu progenitor mais antigo, tirando, que não é uma coisa pequena, as mutações que houve ao longo do tempo.
Luísa Pereira
Sim, mas pronto, a linhagem vai conseguir construí-la e é aquela. Portanto, é por isso que estudando as linhagens materna e paterna consegue ir muito atrás na história. Então, se nós estudarmos as linhagens maternas e paternas dos portugueses, a maior parte delas, 80%, vão ser linhagens muito antigas do primeiro povoamento da Europa e que são muito partilhadas com outras populações europeias. Exato. Só para aí 10% vão ser mais parecidas com as linhagens dos agricultores que vieram do Próximo Oriente mais recentemente no Neolítico. E as outras linhagens representam então as outras misturas que tivemos mais históricas.
José Maria Pimentel
E quais é que predominam aí?
Luísa Pereira
Outra coisa engraçada e diferente, por exemplo, as linhagens subsaarianas. Nós temos linhagens subsaarianas em portugueses no lado materno e é muito mais frequente no sul de Portugal do que no norte. Chega a ser 12% dos portugueses do Sul de Portugal têm linhagem materna subsaariana e vai decrescendo para 3% no Norte. Curioso. Não há nenhuma no lado masculino. Não há nenhuma linhagem subsaariana observada em portugueses, exceto, claro, em portugueses com misturas muito mais recentes, não é? Sim,
José Maria Pimentel
sim, aqui estamos a falar da norma, não é? Estamos a falar de portugueses
Luísa Pereira
que têm os pais, os avós, bisavós, nascidos em Portugal e saem assim. Mas o
José Maria Pimentel
que é que isso quer dizer? Isso tem a ver com o que está relacionado com a escravatura? Tem a
Luísa Pereira
ver muito com a vinda de pessoas da África, não é? E em que o cruzamento foi mais frequente entre mulher africana e portugueses. Enquanto que o cruzamento homem africano e portugueses não foi tão frequente e, portanto, não deixou nenhuma linhagem masculina subsaariana em Portugal. Enquanto que, por exemplo, se formos ver o impacto da ancestralidade subsaariana na parte do genoma que é transmitido é igual pelos homens e pelas mulheres, claro que ele é reduzido a metade, não é? Exato. Sob o contributo feminino. É média. Claro, está a ver? Isto é uma das mensagens importantes que eu transmito, por exemplo, neste workshop, pode ser a genética, não é? É muito difícil para uma pessoa laiga interpretar o resultado que recebe dessas empresas, maioritariamente americanas, não é? Eles têm lá muitos textos a tentar explicar, mas a pessoa perde muito tempo a conseguir interpretar o que recebe, não é? E Foi isto que me levou a fazer o workshop e tem sido uma experiência bastante interessante, não é? Para além de me permitir, como disse, obter estes dados, esta informação, porque a pessoa que faz o workshop, depois assina um consentimento informado em que me dá ou não autorização de eu usar os dados em termos científicos, as pessoas são livres de recusarem, de não querer, é claro, e tenho que respeitar, mas a maior parte compreende, claro, que é importante e é importante ter mais informação para conseguimos saber mais.
José Maria Pimentel
Não é isso, eu acho um projeto ótimo. E o que é que... Que diferenças principais é que resultam desses dados na população ibérica face ao resto da população europeia? Nós já falámos dessa influência do norte de África e que trata... Do norte de África... Não, perdão, há bocado era África Subsaariana, não é? Mas também tem um lado...
Luísa Pereira
África Subsaariana, norte de África também, claro. Norte de
José Maria Pimentel
África terá tido que ver com as invasões árabes, provavelmente, não é? Com aquilo que nós chamamos de invasões
Luísa Pereira
árabes. E de todo, daquela parte do Mediterrâneo Oriental, não é? Líbano, de onde vieram os
José Maria Pimentel
fenícios. Ah, Norte África se tem de sair, muito bem. Israel. Portanto, antes, aí estamos a falar antes, antes até dos romanos. Mas, por exemplo, nós, como a Luísa dizia há bocadinho, tivemos também as chamadas invasões bárbaras, não é? Portanto, tivemos a entrada de povos germânicos que tiveram aqui no Portugal e Espanha atuais, não é? Mas essa herança é menos marcada, não é? A ideia que eu tenho.
Luísa Pereira
Há outro ponto que é importante perceber. É mais fácil conseguir detetar o impacto de uma migração quando a origem dessa população veio de longe porque as linhagens vão ser mais distintas, Ok? Claro, claro, claro. Do que quando há misturas entre populações que já são semelhantes. Então, quando estamos a misturar populações germânicas com populações ibéricas, apesar de tudo o fundo genético era muito semelhante, não é? Então estamos a remisturar coisas que são muito semelhantes, a remisturar linhagens muito semelhantes e é difícil detatar o impacto. É muito mais fácil detatar o impacto da introdução de uma linhagem subsaariana, porque ela vai ser muito particular.
José Maria Pimentel
É tão distinta que se destaca. Sim, sim. Pois, esse é um ponto
Luísa Pereira
importante. É por isso também é muito difícil detatar a influência celta, não é? É mais difícil, não é? O fundo era o mesmo, eram populações europeias. Mas
José Maria Pimentel
a Luísa há bocadinho dizia que a Ibéria, de facto, tem uma configuração diferente do resto da Europa, não é? Está enriquecida. Para além desta ligação à África. Não é ser
Luísa Pereira
diferente. Está enriquecida com linhagens que vieram de migrações recentes que as outras populações europeias não tiveram, não é? Não tiveram tanto. Os romanos não, claro. Mas as invasões islâmicas, não é? Por exemplo, tiveram um impacto muito maior na Ibéria, quando muito em Itália e também na zona dos Balcãs, não é? Mas no centro e norte da Europa não teve.
José Maria Pimentel
Aquilo que eu vos dizia há bocado é que é muito engraçado sobre o peso que tinha essas linhagens da África subsaariana, o lado materno, na população portuguesa, típica, digamos assim, o facto disso ir diminuindo quando se vai caminhando para o norte mostra também um certo imobilismo das populações, que é incrível, não é?
Luísa Pereira
A nível da Península Ibérica, as principais diferenças genéticas são entre Sul e Norte, ok? Muito mais do que Oeste e Leste. É por isso que não conseguimos distinguir portugueses e espanhóis. É mais fácil distinguir sul do norte, tanto em Portugal como em Espanha, porque realmente como as maiores influências foram mediterrânicas, estas tinham maior impacto no sul da Ibéria, não é?
José Maria Pimentel
Sim, sim. E a própria...
Luísa Pereira
E a própria fundação do Portugal, não é?
José Maria Pimentel
E a Espanha sobretudo, o Reino Islâmico durante ainda muito
Luísa Pereira
tempo. Demorou mais, não é?
José Maria Pimentel
Demorou muito mais. Isso é interessante, ou seja, no fundo, um português do Algarve é mais próximo de um espanhol de Cádiz, por exemplo, do que de um português de Braga. Que pessoa está mais próximo, se calhar, de um espanhol de... Quer dizer, não digo de Barcelona, mas há alguns daquele lado. Da Galiza? Da Galiza, certamente. Da Galiza é igual, não é? Sim, da Galiza é fácil. Mas é interessante, não é? Porque há uma divergência entre a configuração política ou cultural e a configuração genética, o que é uma história interessante. E eu creio que a Luísa também descobriu que nós temos ancestralidade ameríndia, não é? Portanto, das populações nativas do Brasil.
Luísa Pereira
Sim, é claro. Portanto, com estas novas tecnologias, a resolução que nós temos a identificar está muito superior, não é? E esta foi uma surpresa, até foi uma coisa que eu já verifiquei mais com o workshop e com o teste que eu faço neste workshop, não é? Há muitos indivíduos portugueses que têm 2, 3% de ancestralidade ameríndia, não é? Do
José Maria Pimentel
lado da mãe ou do pai?
Luísa Pereira
Aqui é detectada na componente que é transmitida tanto pelo pai como pela mãe. Ou seja, não se detectam linhagens maternas nem paternas ameríndias. Muito provavelmente, eu acho que vieram mulheres. Vieram mulheres casadas com portugueses que tinham vivido no Brasil e que regressaram a Portugal. Sim, aquela migração do século XIX. Aquela migração do século XIX, iam lá, enriqueciam, constituíam família e regressaram, devem trazer principalmente mulheres, mas esta migração não teve muito impacto nas linhagens e hoje em dia é muito difícil apanhar uma linhagem ameríndia em Portugal, mas foi suficientemente importante para deixar 2 a 3% de vestígio na outra componente, que é a mais homogénea, digamos assim, que é transmitida igualmente por ambos os sexos. Ok, interessante. É muito difícil apanhar. Isso foi uma surpresa, não é? Sim, sim. Não estava à espera que fosse detatado tanto.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Luísa, estamos a aproximar do final da conversa, mas eu não queria deixar de falar rapidamente de uma das suas áreas de investigação principal que tem que ver com o estudo da genética populacional para tentar perceber as diferenças na suscetibilidade de diferentes populações a doenças, que é uma área com imenso potencial porque pode depois, no futuro, permitir ter tratamentos muito mais específicos para os indivíduos, até mais do que as próprias populações, porque no fundo os estudos das populações permitem perceber melhor quais são os genes que geram predisposições a determinadas doenças e portanto ter tratamentos específicos não sequer para populações mas para indivíduos em particular. Não vamos ter tempo para ver a fundo aquilo que há de fazer sobre isto que é muito, não é? Mas se calhar fazer uma pergunta geral, o que é que esta investigação tem mostrado sobre as diferenças nas várias populações, nós já falámos entre as gerais populações africanas, europeias, asiáticas, na predisposição para diferentes doenças e sobretudo na origem dessas predisposições o nosso passado
Luísa Pereira
evolutivo. Portanto, a medida que vamos conseguir ter tantos genomas disponíveis, não é? E claro que há ainda um enviesamento grande porque a maior parte dos genomas disponíveis hoje em dia ainda são de indivíduos de origem europeia.
José Maria Pimentel
Pois, nós há bocado não falarmos disso, mas esse é um ponto importante, não é? Ou seja, ainda há muito por descobrir em África, digamos assim, não é?
Luísa Pereira
É, é um ponto muito importante. Ainda há muito, muito por descobrir no continente africano, sem dúvida. E, portanto, temos que sequenciar muitos mais indivíduos de origem africana para enriquecermos o catálogo da diversidade humana e isto é importante por causa disso. À medida que também melhoramos a nossa capacidade de sequenciar, de saber as bases, de identificar as variantes, estamos também a melhorar, saber o seu possível impacto funcional. Porque antes só conseguíamos estudar uma porção do genoma, então focávamos num gene que já achávamos que era importante, ou seja, estávamos a enviesar o nosso estudo, só olhávamos para aquele e não olhávamos para os outros estudos. Hoje em dia, como estamos a estudar o genoma todo, fazemos o estudo mais geral não enviesado. Então, vamos descobrir às tantas que o gene Y é muito mais importante do que aquilo que estávamos a estudar originalmente. E
José Maria Pimentel
que muitas vezes são combinações de genes, não é?
Luísa Pereira
E então cada vez mais sabemos que os fanótipos resultam da interação entre vários genes que podem ter ações contrárias, ações aditivas e, portanto, estamos a conseguir trazer mais informação para todos estes fenótipos complexos que nos definem, muitos deles associados também a doenças complexas.
José Maria Pimentel
E até pode ser, até pode haver para a mesma doença configurações muito diferentes de genes que criam uma predisposição, não é?
Luísa Pereira
Sim. E então o continente africano é riquíssimo na sua capacidade de nos oferecer informação sobre estas variantes funcionais. Para além de que existem variantes restritas àquele continente, que não vemos nos europeus e nos asiáticos, não é? E portanto é importante catalogar e entendê-las. Para além disso, como tem tanta diversidade de ambientes, a exercer diferentes pressões seletivas.
José Maria Pimentel
Sim, muitos tipos de climas diferentes. Muitos climas
Luísa Pereira
diferentes. Por exemplo, uma coisa gira, aqui a Europa tem um eixo leste-oeste, a temperatura é quase igual em todas. África totalmente oposto. E até isto dá-lhe uma diversidade de climas tremendos e diferentes pressões ambientais. Para além disso, no que diz respeito a doenças infecciosas, sabemos e nos tempos recentes e mais para trás, a pressão de agentes patogénicos em África é muito superior e portanto isto leva uma pressão muito grande em termos de seleção sobre as populações africanas. E está provado que a distribuição dos patogênios acumula-se mais nas regiões tropicais. Então, a África também tem uma pressão de agentes patogênicos muito, muito elevada. Porquê
José Maria Pimentel
é que se acumula mais, já agora?
Luísa Pereira
É uma questão de diversidade das próprias espécies. As zonas tropicais, à volta do Equador, têm muita mais diversidade de espécies. E muitos dos patogênios, como estamos a ver, provém de saltos entre espécies. De um morcego para os humanos, de um macaco para o humano e assim sucessivamente.
José Maria Pimentel
Tem mais abundância de recursos e diversidades de micro-habitats.
Luísa Pereira
De possíveis hospedeiros. E, portanto, tudo isto cria então uma pressão seletiva muito grande em termos de doenças infecciosas em África, em outras regiões tropicais. Portanto é expectável que muitas populações africanas tenham desenvolvido estratégias ou tenham variantes que lhes conferem vantagem que foram selecionados positivamente ao longo do tempo. E portanto eu estive a estudar com os colegas de Cuba, eu já explico porque é em Cuba, uma aparente vantagem adaptativa da ancestralidade africana contra a febre da dengue. Os africanos parecem não ter tanta susceptibilidade à infecção pelos vírus da dengue e não manifestam tanto as formas mais graves da doença, as formas hemorrágicas e que podem conduzir à morte. Então, nós estudamos a população cubana, porquê? Porque a população cubana é altamente misturada, não é? Um fundo, digamos, ibérico misturado com um fundo subsaariano. Exato. Então, e é possível ver indivíduos cubanos com todo o espectro de mistura, não é? Uns quase que 100% africanos, outros quase 100% europeu e todo o espectro possível. E então há uma população, como há uma população altamente misturada dos dois fundos genéticos, era uma população ótima para nós conseguimos identificar isto e realmente vimos que quando se comparava um grupo de doentes da febre da dengue com um grupo de controle, não é? O grupo de doentes de dengue tem um fundo genético europeu muito maior do que o que se observava no controlo. Portanto, parecia mesmo que a ancestralidade africana estava a proteger contra a infecção pela dengue. Isto permitia-nos também mapear regiões do genoma enriquecidas na componente africana, muito mais frequente no controlo do que quando comparado com o grupo de doentes. Portanto, isto permitia-nos identificar dois genes relacionados com o metabolismo do lípidos. As populações sub-sarianas têm um perfil lipídico muito diferente das populações europeias. Aquilo que nós diríamos é ter um perfil lipídico benéfico, bom. E essas
José Maria Pimentel
características... Bom porquê?
Luísa Pereira
E eu já explico porque é que são tão importantes para a febre da dengue e para os vírus em geral. Porque o vírus da dengue entra nas células humanas, infeta as células humanas através de lípidos. Os atores são lipídicos e eles conseguem entrar e alteram todo o metabolismo de lípidos da célula humana para conseguir produzir lípidos para fazer novas cápsulas do vírus. Portanto, ele aproveita a maquinaria lipídica da célula humana para construir mais réplicas de si próprio e invadir, infatar novas células. Então, realmente foi um estudo interessante porque conseguimos mapear essa maior produção da ancestralidade africana e que permitiu-nos de tratar aqueles dois genes com impacto realmente em termos do mecanismo da doença.
José Maria Pimentel
Isso, aí provavelmente usam aqueles métodos estatísticos que falava há bocadinho, não é? Porque é um ser, à grande medida, com relações, não é? Relações deterministas. Ou são, não é? Ou seja, no fundo, perguntando de outra forma, as pessoas que tinham esses genes estavam de facto protegidas e as que não tinham não estavam? Ou havia
Luísa Pereira
uma correlação entre ter... Assim, é tudo probabilístico, não é? É probabilístico, sim. É tudo uma questão de... O que nós chamamos de odds ratio, que é a proporção de risco para ter a doença ou não. Claro. Porque
José Maria Pimentel
depois também interage com o genoma todo da pessoa e com outros fatores.
Luísa Pereira
E também pode haver, por exemplo, para a dengue já se sabe que há estirpes mais graves do que outras e o número de infecções com a dengue também é importante, mas em geral, controlando para todos estes fatores,
José Maria Pimentel
sobressaem
Luísa Pereira
esses dois variantes, esses dois genes.
José Maria Pimentel
Então, eu já agora não resisto, imagino que quem nos está a ouvir esteja a pensar no mesmo, sendo certo obviamente que o SARS-CoV-2, ou seja, o vírus, que depois dá origem ao Covid, não existia antes, não é? Portanto, não pode ter havido seleção para nos proteger daquele vírus, pode ter havido seleção para outras características que tornam determinadas populações mais protegidas e outras mais suscetíveis ao vírus, não é? Não fazemos alguma ideia disso?
Luísa Pereira
Não, tem toda a lógica dessa pergunta, é muito relevante. Por exemplo, nós achamos que esta proteção contra a febre da dengue em populações africanas até pode ter sido selecionada em resposta a outro vírus, porque o dengue não mata muito. Por exemplo, é muito mais provável que o vírus da febre amarela, que tem uma taxa de mortalidade imensa, o vírus da febre amarela, que é relacionado com o vírus da dengue, pode ter sido o principal fator de seleção. Só que claro, os dois vírus usam mecanismos semelhantes para entrar nas salas. Essa pergunta do SARS-CoV-2 é pertinente e já há um estudo sobre isso, porque a maior parte dos coronavírus que têm aparecido e portanto estão relacionados entre si, né? Surgiram na Ásia. E então, se Houver populações que provavelmente já tenha adquirido alguma adaptação que as proteja, até pode ser as populações asiáticas. Isto parece um contra-seu, não é? Pois parece, exato. Porque se ele surgiu na China, não é? Como é mais provável, parece um contra-seu, mas não é. Claro, claro, claro. Porque em todas as regiões, mesmo em regiões onde há mais pessoas protegidas, com adaptação que as protege contra aquele agente patogénico, não deixa de haver indivíduos que são suscetíveis.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Não, é interessante. E os coronavírus são muito mais prevalentes do que se possa pensar, não é? Por exemplo, parte dos vírus da constipação são coronavírus. Sim,
Luísa Pereira
pelo menos três, pelo menos três que são conhecidos. E portanto,
José Maria Pimentel
têm características em comum com o Sars-CoV-2, não é? Sim. Embora depois, claro, não é por acaso que este teve o impacto que teve, porque tem diferenças importantes. Foi interessante. Ainda bem que fizeste a pergunta, então. Luísa, isso foi uma conversa incrivelmente desafiante, como eu já estava à espera. Havia até muito mais a cobrir nesta área, mas acho que fizemos uma boa passagem por uma série de aspectos que têm sido estudados e de coisas que se tem ficado a saber nos últimos anos. Terminamos com a recomendação do livro, ou dos livros, não sei.
Luísa Pereira
Posso recomendar dois. Portanto, eu recomendava um livro que está traduzido para português, que é o Homem de Neandertal, do Svante Páavo. Ele foi traduzido pela Gradiva e está disponível. É um livro muito centrado no investigador e este investigador, Svante Páavo, foi essencial para o lançamento do DNA antigo e ele descreve todo o processo laboratorial e pessoal da produção do primeiro genoma de Neandertal e, portanto, é um livro interessante de acompanhar. Sim,
José Maria Pimentel
eu acho que até é graças a ele que esta investigação está mais avançada na Europa, pelo menos teve durante muito
Luísa Pereira
tempo. Sim, sim, sim. Portanto, ele lançou sem dúvida as raízes da investigação em DNA antigo na Alemanha, que ele está baseado em Leipzig, no Max Planck. É um livro que eu recomendaria para entrar neste novo mundo DNA antigo e então depois para complementar e este que eu saibo ainda não está traduzido para português, trago o livro do David Reich.
José Maria Pimentel
Suspeitei, suspeitei.
Luísa Pereira
Portanto, em que, como estava a dizer, não é aquela iniciativa europeia que foi depois um bocado ultrapassada pelo, chamamos, industrializar americano, que o David Reich conseguiu dar ao DNA Antigo. O livro chama-se Who, We Are and How We Got Here. Acho que não está traduzido, mas é fácil de ler. Muitas vezes está centrado demasiado no investigador e qual a essencial ele é, mas pronto. Um
José Maria Pimentel
pouco de ego à mistura. Há cientistas
Luísa Pereira
com egos fortes e sem dúvida que o David é um deles. Mas tem informação muito relevante e faz um resumo muito bom dos principais descobertas que ele conseguiu realmente fazer. Houve aí uma série de anos em que todos os artigos que ele publicava eram em revistas top, tipo Nature or Science, e eram vários artigos com centenas de novos genomas de DNA antigo, de centenas de espécimes, não é? Isso realmente foi revolucionário e ele conta aqui neste livro.
José Maria Pimentel
Excelente. Luisa, muito obrigado.
Luísa Pereira
Muito obrigada. Espero ter sido esclarecedora um bocadinho. Não, foi ótimo, foi ótimo. E ter lançado o germe de curiosidade.
José Maria Pimentel
E reforço aqui a divulgação do projeto do Estudo à Nacionalidade, que parece uma iniciativa muito interessante.
Luísa Pereira
Muito obrigada.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Ana Raquel Guimarães, Julie Pichini, Família Galaró, José Luís Malaquias, Francisco Hermenegildo, Nuno Costa, Abílio Silva, Salvador Cunha, Bruno Heleno, António Lima, Helena Monteiro, Pedro Lima Ferreira, Miguel Van Uden, João Ribeiro, Nuno Pinheiro, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins e Tiago Leite. Ae Para mais vídeos acesse www.youtube.com.br