#114 Pedro Magalhães - Mitos da política contemporânea: voto económico e eleitores da...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Neste episódio estou a conversa com Pedro Magalhães, doutorado em Ciência Política pela Ohio State University e investigador principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O convidado tem investigação sobretudo na área da opinião pública, atitudes e comportamentos políticos e instituições políticas e judiciais. O Pedro foi um dos primeiros convidados do podcast logo ao episódio nº 7, que saiu há 4 anos. E não há 3, como eu digo na gravação. Desafiei para voltar ao 45° para falar de alguns mitos da política contemporânea. Ou seja, algumas ideias que vemos difundidas nas televisões, na rádio, na opinião publicada, mas que não são verdade Ou são, no mínimo, simplificações de fenómenos mais complexos que a ciência política tem estudado em profundidade. Abordámos dois desses mitos neste episódio. O primeiro tem a ver com as limitações do chamado voto económico. Isto é, a ideia de que o resultado das eleições é ditado sobretudo pelo desempenho da economia e que os eleitores são capazes de fazer bem a avaliação da qualidade da governação no que toca à economia. O Pedro chama a atenção porque, na verdade, há uma série de condicionantes nessa relação. Uma delas é a capacidade dos eleitores em avaliarem adequadamente a qualidade da governação, seja ela na economia ou mesmo noutras áreas. No entanto, apesar das várias limitações que vamos ver na capacidade dos eleitores a envaliar a governação, o convidado acaba por salientar que o eleitor médio lá vai conseguir, na última análise, em retrospectiva, tomar decisões racionais e informadas, tendo em conta os dados disponíveis. Este tema levou-nos também a discutir o modo como a política é hoje, em muitos países, e também em Portugal, mais ideológica e mais polarizada do que foi noutros tempos. No caso de Portugal, o convidado chama a atenção para que, apesar do aumento da abstenção nos últimos anos, a participação política, de uma forma mais geral, tem aumentado. O segundo dos mitos que abordamos neste episódio está relacionado com o crescimento dos partidos da direita radical na Europa nas últimas décadas. A propósito desta tendência, é comum ouvir-se dizer que estes partidos foram roubar eleitorado, sobretudo aos partidos da esquerda tradicional, designadamente o chamado eleitorado operário, ligado à indústria e com baixo nível de educação. No entanto, o convidado salienta que isto é uma simplificação. Não só isso não explica a perda de peso dos partidos da esquerda tradicional nas últimas décadas, como não é deste eleitorado que vem a maioria dos votantes nos partidos da direita radical nos países europeus. Seja como for, a crise da esquerda tradicional, da chamada social-democracia, é uma realidade em vários países europeus. Portugal é, no entanto, uma exceção a esta tendência. Isto acontece por vários motivos, alguns deles não necessariamente bons, porque continuamos a ter uma economia relativamente pobre e um nível de escolarização médio abaixo de outros países europeus. Para inverter esta tendência, seria necessário investir mais no longo prazo, designadamente investir em políticas para a juventude e também na educação e na ciência. No entanto, a verdade é que como faltam recursos ao país, aquilo que nós vemos ainda nesta campanha é que o discurso dos maiores partidos tende a focar-se mais no curto prazo. Isto em grande medida é compreensível porque pensões e gastos em saúde são necessidades mais imediatas que é preciso acautelar, mas a verdade é que só pensando o país a longo prazo podemos prepará-lo para os jovens e para as novas gerações. Por isso, no final do episódio, pedi ao Pedro algumas ideias para tentar inverter esta tendência e conseguir que a política pense mais no longo prazo. Como vão ver, ele tem algumas ideias muito interessantes e que ressoam com aquilo que outros convidados já disseram aqui no 45 Graus. Finalmente, queria agradecer aos que preencheram o inquérito que vos pedi no último episódio, para darem feedback em relação aos episódios mais recentes do podcast. Quem ainda não o fez e quiser colaborar, pode encontrar o link na descrição deste episódio. E ainda, como de costume, queria agradecer aos novos mecenas do 45 Graus. E são muitos. Pedro Lima Ferreira, Mário Teixeira, João Pereira Amorim, M Carvalho, Pedro Ribeiro, Rita Freitas, João Teixeira, António Santos, Helena Monteiro, Emanuel Saramago, Pedro Coelho e Gonçalo Paiva Ipona. Muito obrigado a todos e agora deixo-vos com Pedro Magalhães. Pedro, muito bem-vindo segunda vez ao 45 Graus, três anos depois, acho eu. Acho que sim, obrigado pelo convite. Desta vez vamos gravar sobre um tema diferente, eu desafiei-te para o podcast para voltar com base num mote que me pareceu interessante e como vamos ver vai ser interessante, que é algumas ideias que nós vemos difundidas, quer dizer, que tomaram mais ou menos o domínio público ou pelo menos as pessoas que são interessadas por esta área e que ou são erradas ou no mínimo são um pouco grosseiras, alguma simplificação em relação a alguma complexidade da realidade. E tu enviaste-me algumas sugestões que vamos percorrer aqui nesta conversa. A primeira delas tem a ver com aquilo que se costuma chamar o voto económico, ou seja, é a ideia que provavelmente a maioria das pessoas que nos estão a ouvir já ouviram difundida e, aliás, tenho a impressão que nós falámos disso até na nossa primeira conversa, não consigo jurar, porque já foi há alguns anos, de que o desempenho da economia é a principal variável que determina o comportamento dos eleitores, ou seja, a maneira como os eleitores votam nas eleições, ou por outras palavras, a maneira como tratam o partido que está no governo e que os eleitores fazem isso de uma maneira consistente e que são capazes de avaliar esse desempenho. Em que medida que isto não é completamente certo?
Pedro Magalhães
Sim, bem, em primeiro lugar, Obrigado pelo convite. Eu também queria dizer que estas ideias que circulam, que nós vamos aqui discutir, não são ideias equivalentes a pessoas que acham que a Terra é plana ou que as vacinas introduzem capacidade 5G nas pessoas. Não são propriamente erros ou falsidades, são determinadas maneiras de olhar para a política, algumas delas que circulam muito na comunicação social e outras que circulam até em alguma investigação, e em relação às quais existem nuances que importa trazer ou que no fundo mostram que a realidade política, na base daquilo que nós conseguimos dizer e que muitas vezes não é muito ou não é tanto como gostaríamos, é um pouco mais complicada. E essa primeira ideia que lançaste aqui é a ideia de que, no fundo, o desempenho da economia determina os resultados das eleições, determina se um governante consegue ser ou não reeleito. Ora, sobre isto, há uma quantidade enorme de investigação. Nada daquilo que se sabe sugere que um governante prefira ir a eleições em momentos de crise económica, não é isso? Sim, podemos ter a certeza. Sim, mas que o efeito da economia nos resultados eleitorais é bastante mais pequeno e talvez mais interessante ainda do que isso, é bastante mais contingente do que aquilo que se pensa. Há um capítulo de um livro relativamente recente, tem 5 ou 6 anos, de um investigador que por acaso conheço bem, que é o Mark Kaiser, e que faz o seguinte exercício. Pega nos países da OCDE, ao longo de cerca de, se eu não me engano, 20 anos, 20 ou 30 anos, e vai tentar perceber qual é a relação entre o crescimento económico e o desempenho eleitoral dos partidos de governo. E descobre que por cada ponto percentual de crescimento económico a mais, um partido de governo pode esperar, em média, crescer meio ponto percentual em votos. Ora, isto parece uma relação razoável até nós pensarmos que um ponto percentual de crescimento económico é muito. Sim,
José Maria Pimentel
e meio ponto percentual em votos não
Pedro Magalhães
é assim tanto. É muito pouco. E portanto, isto sugere que a relação entre a economia e o desempenho eleitoral dos governos é, como eu dizia há bocadinho, mais fraca do que aquilo que muitas vezes as pessoas assumem no debate político e no discurso público sobre estas questões.
José Maria Pimentel
Sim, e já agora, Pedro, se calhar vale a pena dar um passo atrás para explicar qual seria a lógica disto. Porquê que as pessoas dariam... Quer dizer, isto de certo ponto de vista parece estar a dedicar tempo a uma questão que não merece, porque é mais ou menos intuitivo que a economia é importante, não é? Mas eu creio que também tem a ver com duas especificidades da economia, não é? Por um lado, de todos os temas importantes, provavelmente é aquele que mais facilmente muda de uma eleição para a outra. E por outro lado, também, do ponto de vista de quer dos eleitores, quer de quem está a investigar, é um tema mais quantificável do que outros que podem preocupar os eleitores, não é?
Pedro Magalhães
Sim, sim. São dois bons pontos. Eu penso que, no fundo, a teoria que está por detrás disto tem dois lados, não é? Um é dizer-se, o desempenho económico, tal como observável pelas pessoas, e no fundo ele é observável de duas maneiras, é observável quando se recebe informação de uma estimulação social, quando saem resultados ou projeções sobre crescimento económico, e também é observável nas suas vidas, na sua situação económica, seria um indicador de competência dos governos. Claro que as pessoas não votam apenas na base de competência, também votam na base de posições sobre questões que não têm a ver, não são propriamente estes temas, são aqueles temas que na ciência política se chamam de temas de valência, quer dizer, ninguém quer viver em crise económica, ninguém quer alto desemprego, ou ninguém quer estar desempregado, ou ninguém quer que os salários não aumentem, muitas pessoas querem bom desempenho, mas isso não é o único fator, como eu dizia há pouco, há uma série de posições políticas ou políticas públicas que não são de valência, em relação às quais as pessoas são a favor ou são contra esta ou aquela posição, mas a lógica seria que os eleitores podem recompensar ou punir na base do desempenho, ou, o que vai dar mais ou menos ao mesmo, não exatamente, mas parecido, podem Escolher, podem pensar no futuro e escolher um partido, neste caso quem está no governo é quem é responsabilizável mais pelos resultados da governação, que demonstre maior competência. No fundo isso seria a lógica do voto económico. Mas na prática isto é complicado por várias coisas que limitam o peso que o desempenho económico tem no comportamento eleitoral. Mas
José Maria Pimentel
que têm a ver, essas coisas têm a ver com a dificuldade dos eleitores de avaliar ou com outras preocupações que existem para os eleitores e que sobreponham ao voto económico, não é? Ou que sobreponham à economia, não é? Eu
Pedro Magalhães
acho que em primeiro lugar nós temos que... Há bocadinho eu dizia o desempenho observável. Em primeiro lugar nós temos que pensar que para fazerem estas escolhas, para recompensarem ou punirem, as pessoas baseiam-se nas suas percepções. Ninguém tem, digamos, uma experiência real, direta, do desempenho económico de um país, ou do desempenho económico que um governo consegue imprimir a esse país. Isso baseia-se em perceções. Isto mostra desde logo que a informação a que as pessoas têm acesso, a informação que consomem e a que tipo de informação é que estão expostas, tem importância. Eu aqui há uns anos escrevi um pequeno artigo em que comparava as eleições de 2011 e as eleições de 2015. As eleições de 2011, obviamente, ocorreram durante e no princípio do que veio a ser uma das mais longas recessões que Portugal teve, e em que o partido de governo foi claramente punido eleitoralmente, mas depois em 2015 as eleições tiveram lugar num contexto de recuperação económica e em que a coligação de governo foi punida mais ou menos na mesma escala. E portanto, isto mostra desde logo que a relação entre a economia e o voto não é direta. Desculpa, Intúbir, eu acho que nós temos quase certeza que falámos desse artigo no primeiro episódio. Até pelo timing. Creio que sim, creio que sim. E uma das coisas que o artigo mostra é que a relação entre o desempenho da economia e as percepções das pessoas não era direta. Ou seja, em 2015, quando se perguntava às pessoas o que é que tinha acontecido, na sua opinião, no último ano com a economia, um grande número de pessoas não detectava evolução positiva na economia, apesar de nós sabermos. E isto decorre de quê? Eu acho que decorre de várias coisas que ajudam a perceber porque é que esta relação entre o desempenho da economia e o desempenho eleitoral é complicada. Em primeiro lugar, uma das coisas que nós sabemos, e eu tenho outro artigo recente com o Luís Aguiar Corrari e o Bruno Fernandes que mostra isto para Portugal, e Portugal é apenas um caso em que isto sucede, é que a relação entre o desempenho da economia e a recompensa ou punição dos governos é assimétrica. Ou seja, quando os desenvolvimentos são negativos, as pessoas punem muito, castigam muito, mas quando são positivos não recompensam na mesma proporção. Dito de outras maneiras, As recessões têm efeitos negativos maiores no desempenho da economia do que os efeitos positivos que o crescimento tem. E eu penso que isto sucede, ou melhor, não sou eu que penso, muita gente pensa, que isto sucede por duas razões. Em primeiro lugar porque quando a economia está a correr bem ela deixa de ser tema político, ela deixa de presidir as preocupações das pessoas, deixa de ser comentada na comunicação social e passa a competir muito mais com outros temas que numa crise económica são apagados pela saliência da economia. Isto ajuda a explicar parte da assimetria. Outra razão para a assimetria, é mais psicológica se quisermos, é o resultado de muitos estudos sobre estas matérias e outras, é que em geral as pessoas têm uma predisposição para dar mais importância, para dar mais atenção a coisas negativas que lhes acontecem do que coisas positivas. Retém-nas mais na memória, usam-nas mais para fazer avaliações, seja do que for. Portanto, este enviesamento, por um lado, e por outro lado, o enviesamento a uma escala que tem a ver com a informação que circula sobre estas questões, ajuda a complicar a relação entre o voto e a economia desta forma assimétrica. Quando as coisas correm mal, isso é muito mal. Quando as coisas correm bem, isso não é tão bom para quem governa.
José Maria Pimentel
E também há uma tendência, acho que comprovada pela literatura, de dar uma ênfase muito grande ao passado recente, ou seja, aos meses ou ao ano antes da pessoa ir votar, em detrimento do que aconteceu anos antes e de perspectivas futuras, por exemplo. É verdade. Isso não
Pedro Magalhães
ajuda a explicar este contraste que estávamos aqui a falar entre, por exemplo, os casos de 2011 e os casos de 2015. Mas é verdade que também se fala muito de uma certa miopia dos eleitores, ou seja, a sua tendência para dar mais importância ao que aconteceu recentemente do que ao mais longo prazo. É isso também que, por exemplo, na literatura, na economia política, ajuda a explicar aquilo a que se chama os ciclos económico-eleitorais que os governos imprimem a economia. Ou seja, os governos nestas circunstâncias, e que querem ser reeleitos, e o que pensa ser universal para todos, têm incentivos para estimular a economia perto da eleição, porque isso aumenta, neste eleitorado que se presume ser mais miúdo, aumenta a probabilidade de que sejam recompensados. E é por isso também que nós observamos muitas vezes na economia estes ciclos, não é? Por isso é que muitas vezes se diz, e creio que com razão, que o meio do ciclo eleitoral é provavelmente o momento até ao qual os governos concentram as medidas mais difíceis e que podem gerar mais insatisfação e concentram as medidas positivas perto da eleição, isso é outro aspecto.
José Maria Pimentel
Há duas maneiras de olhar para isto, parece-me. Para isto, Ou seja, para as limitações da economia explicar o voto. Por um, o um é pensar que os eleitores têm interesse, não é interesse, dão importância ao decidir o seu voto. E aqui quando falamos de eleitores, os eleitores que interessam são os eleitores de fronteira, não é? Porque são os eleitores que decidem as eleições, não são aqueles que votam sempre no mesmo porque esses por definição não estão sujeitos a estas, não votam de acordo com estas condicionantes, pelo menos à partida, a não ser em eventos extremos. Mas dizia, por um lado, nós podemos pensar em que medida é que os eleitores são influenciados pela economia, estão atentos à economia versus outros fatores, versus, por exemplo, a segurança ou versus outro tipo de questões a que dão mais importância. E aqui tem a ver com prioritização de preocupações ou, por outro lado, a capacidade dos eleitores para avaliar mesmo aquilo que é importante para eles. Ou seja, mesmo admitindo que a economia é importante, e isso tem a ver com as limitações que falávamos agora, há limitações da parte dos eleitores que têm a ver com valorizarem mais o negativo do que o positivo, têm a ver com isto que o Pedro falava agora e até têm a ver com alguns casos mais extremos de, por exemplo, a investigação dos cientistas políticos, não sei como é que se pronuncia o nome do primeiro, não sei se é Achen ou Achen e do Bartels, que até tem um livro interessante que é o Democracy for Realists, em que eles têm uma perspectiva bastante pessimista da capacidade dos eleitores de avaliar uma série de coisas, entre as quais a economia, porque tendem a atribuir, não só têm esses viéses todos, como por exemplo, tendem a atribuir erradamente os efeitos negativos e os efeitos positivos. Por exemplo, sob esta lente, uma recessão causada pela pandemia podia não ser interpretada pelos eleitores como causada por um evento externo, mas como culpa do governo e portanto levando-nos a culpabilizar o governo da mesma maneira que no sentido contrário, um crescimento provocado pelo PRR, por exemplo, seria benéfico para o governo, independentemente do governo não ter este ou outro qualquer futuro, não ter grande mão no assunto, não é? Eu penso que o nome do primeiro
Pedro Magalhães
a se pronunciar é Aiken de Bartels.
José Maria Pimentel
Aiken, sim, faz sentido, sim.
Pedro Magalhães
Portanto, eles são muito pessimistas sobre uma das implicações daquilo que tu estavas a falar da questão da miopia dos eleitores. Eles dizem que os eleitores prestam muito pouca atenção à política, do qual terão provavelmente muita razão. Concentram-se nesta questão de quem recompensar e quem punir muito próximo das eleições, são portanto relativamente miopes, o que os leva a recompensar desenvolvimentos e mudanças de muito curto prazo e a ignorar muitos aspectos da governação ao longo de um mandato, o que pode levar a erros de determinação de competência. Eu posso recompensar um governo que esteve nos últimos meses ou nos últimos trimestres a estimular a economia artificialmente e posso punir um governo que teve uma atuação mais responsável. E ainda por cima, uma das coisas que aliás são mais citados é o famoso paper dos ataques de tubarões, não é? Sim, exato. Que é aquela ideia de que as pessoas chegam a punir os governos por coisas sobre as quais os governos não têm qualquer responsabilidade. Desastres naturais, o caso deles é ataques de tubarões na costa norte-americana e muitas
José Maria Pimentel
outras coisas. Sim, esse caso é ultra bizarro.
Pedro Magalhães
Isto tem a ver um bocadinho com aquilo que eu dizia no princípio. Não Estamos a falar de saber se a Terra é plana ou se o Sol anda à volta da Terra, estamos a falar de coisas que obviamente onde há muito mais espaço para contestação, para dúvida e muito mais incerteza. Mas estas ideias deles não são muito consistentes com outras coisas que nós sabemos sobre o comportamento eleitoral e, em particular, sobre esta questão de que estamos a falar sobre a relação entre a economia e o voto. Por exemplo, nós sabemos que os eleitores tendem a responsabilizar mais governos maioritários do que governos de coligação pela economia. E ao fazerem isso, parece-me que os eleitores estão a agir de forma completamente racional. Ou seja, quando o poder está concentrado no partido, É perfeitamente lógico que eu converta as minhas percepções sobre o estado da economia em avaliações de quem está a governar. Quando um governo é de coligação ou quando um governo é minoritário, obviamente que a sua capacidade de influenciar a economia ou de determinar o estado da economia é menor. E correspondentemente, aparentemente, na base da investigação que existe, apesar de haver muita discussão sobre isto, mas esta, como dizem os economistas, é um dos factos estilizados sobre esta questão, de facto quando o poder está mais disperso a relação entre a economia e o voto nos governantes é mais fraca. Digo isto. Isto parece corresponder a uma avaliação das coisas que não é tão, vou usar este termo, enfim, não de uma maneira técnica, mas de uma maneira comum, que não é tão irracional como aquilo que o Eike Neuberger se propõe. Outra coisa, e até podemos dar um exemplo recente, atual, sobre a situação portuguesa. A avaliação que os portugueses fazem hoje em dia da evolução da economia é esmagadoramente negativa. Noutras circunstâncias, em circunstâncias vamos dizer normais, isso teria de se repercutir, seja numa avaliação do governo, seja em intenções de voto, catastróficas para o partido de governo. E no entanto isso não sucede. Portanto, as pessoas parecem... Ainda não chegamos às eleições, mas aparentemente é o
José Maria Pimentel
que as sondagens indicam.
Pedro Magalhães
Daquilo que temos, obviamente que não vamos discutir o que pode acontecer nas próximas eleições. O Partido Socialista poderá ter um pouco menos, ou poderá ter mais,
José Maria Pimentel
não interessa. Acho que podemos dizer seguramente que, pelo menos, não é proporcional.
Pedro Magalhães
Mas não é de todo proporcional à avaliação que as pessoas fazem da economia. E a única explicação para isto é que os eleitores, ou a esmagadora maioria dos eleitores, reconhece que a responsabilidade direta do governo pela instituição da economia é muito menos clara, mesmo que possa existir, e que possam existir algumas dessas opiniões, mas é muito menos clara, muito mais difusa do que em circunstâncias onde não estamos perante o choque, vamos dizer assim, exógeno, criado pela pandemia. Outra coisa, aliás, há bocado falei de um trabalho com o Luís Aguiar Corrari, com o Bruno Fernandes, e nesse trabalho também, uma das coisas curiosas que aparece, para além daquela assimetria na relação entre a economia e o voto, portanto, recorda a ideia de que recessões são muito mais castigadoras do que períodos de crescimento são recompensadores para os governos. Outra coisa que aparece é que em momentos de conflito entre o presidente e o primeiro ministro, historicamente, a economia deixa de ter importância. O que no fundo sinaliza, mais uma vez, que quando há conflitos institucionais, até se pode pôr as coisas nestes termos, quando os governos podem pôr a culpa e nunca perdem a oportunidade de fazer, se podem fazer. Das crises económicas, dos problemas económicos em atores que são externos, a sua própria responsabilidade, quando fazem, os eleitores reagem e reagem responsabilizando menos os governos. Portanto, isto para dizer assim... Mas
José Maria Pimentel
isso não é uma limitação dos eleitores, porque permite que os governos façam isso para o seu benefício, ou estou a ver mal?
Pedro Magalhães
Eu diria que neste caso é uma reação política normal, compreensível, da mesma maneira que a oposição os responsabiliza muitas vezes por coisas, ou tenta responsabilizar os governos por coisas que objetivamente eles podem não controlar, mas na verdade reflete que é uma situação objetiva, neste caso, de conflitos institucionais, que têm repercussões nas políticas públicas e na capacidade de afetar, neste caso, o desempenho da economia, os eleitores deixam de responsabilizar diretamente os governos. Bem, em parte também porque acontece outra coisa. É porque nessas situações de conflito as predisposições políticas das pessoas, as suas simpatias por este ou por aquele, são mais ativadas e, portanto, acabam por contaminar a percepção da economia. Mas da mesma maneira como maiorias versus coligações afetam a capacidade de responsabilizar e afetam objetivamente a capacidade de um ator político concreto, primeiro-ministro ou um partido, controlar a economia, é que isto, deste caso, também sucede que as pessoas não são cegas à realidade política, não são cegas à capacidade autónoma e logo à responsabilidade que deve ser atribuída a um governo pelo desempenho da economia. Portanto, para além daquela questão da assimetria de que nós falávamos, para além da questão das perceções serem condicionadas pela informação política de que se dispõe, temos também esta ideia bastante consensual, e da qual há bocadinho falávamos do exemplo da avaliação atual que as pessoas fazem do desempenho da economia, mas como não o convertem diretamente, ou tanto, numa punição de governo do que circunstâncias normais, eu acho que isto contraria um pouco a ideia de que os eleitores são miúpes em relação a tudo o que se está a passar e simplesmente de forma quase como um reflexo condicionado castigam e recompensam governos
José Maria Pimentel
pelo desempenho da economia independentemente de tudo o que está à volta? Eu estava a pensar aqui, agora a ouvir-te, na maneira como isto poderá estar a evoluir nos tempos atuais. Quem diz os tempos atuais não é hoje, obviamente, é nas últimas décadas. Porque uma característica da governação atual, e que aliás é uma das várias razões apontadas para depois o sucesso da mensagem de movimentos populistas é que a sociedade e portanto a governação tornou-se muito mais complexa e nós hoje em dia o que temos são, só para citar duas coisas mais ou menos evidentes, nós temos governos governos não é bem governos, nós temos órgãos políticos não eleitos com um peso grande e a própria política tornou-se muito mais complexa e portanto há bancos centrais, há reguladores, há tribunais muitas vezes com ONU, não é tanto o caso de Portugal, é mais o caso por exemplo dos Estados Unidos com um peso muito visível, há uma burocracia estatal que as pessoas têm dificuldade em compreender e depois há a globalização que levou a uma diminuição de poder dos governos, seja na arena económica, seja na arena política também, porque depois também temos uma série de instituições multinacionais, desde o FMI ou da Organização Mundial do Comércio, passando, no nosso caso específico, pela União Europeia, que também tem aumentado de poder, pelo menos até à crise do Euro. E isto torna, ou pode tornar, ainda mais difícil para as pessoas ter uma noção da governação, não é? E é fazer essa atribuição de culpas ao governo, seja de resultados económicos, seja de resultados noutras áreas, porque de repente aquilo que é a governação tornou-se algo muito mais complexo, porque há diversas áreas que estão fora das mãos do governo e isto tanto fora significa que eles não conseguem agir, mas também significa que podem vir daí efeitos que não são atribuíveis ao governo e portanto pode, mesmo não tendo o Accan e o Bartels, mesmo não tendo razão absoluta no diagnóstico inicial que eles fazem, pode haver aqui uma tendência, pelo menos sob um olhar
Pedro Magalhães
pessimista, não sei o que achas sobre isto. Este é um caso em que eu acho que há muito mais incerteza na investigação porque é um tema que está a ser discutido agora E não é só isso, é que a nossa capacidade, de fundo aquilo que tu estás a pedir ou a sugerir é uma mudança histórica. Na importância, vamos chamar-lhe assim, deste voto económico. O problema em estudar estas
José Maria Pimentel
mudanças... Desculpe interromper-te, aqui não estou só a falar do voto económico, estou a falar do escrotínio, se quisermos, ou da capacidade de avaliar a governação e votar em consonância com essa avaliação.
Pedro Magalhães
Falavas, portanto, de uma mudança. Estas mudanças históricas são difíceis de avaliar porque para isso nós precisamos de dados. E a verdade é que há países sobre os quais, enfim, os Estados Unidos é talvez o exemplo principal, mas o Reino Unido também de certa forma e outros, mas só agora, com a existência de projetos académicos que de facto têm procurado reunir longas séries históricas de dados sobre opinião pública, sobre avaliação do governo, sobre comportamento eleitoral, por aí fora, é que começa a ser possível avaliar algo como aquilo que estás a sugerir, que é a dificuldade de escrutinar, responsabilizar governos, aumenta à medida que a complexidade da governação também aumenta. Falavas há bocadinho de bancos centrais, podemos falar também de europeização das políticas económicas, por aí fora. E portanto, não é muito fácil ter uma resposta para essa questão. Aquilo que eu queria resgatar aqui um bocadinho é que, mesmo assim, Uma das coisas mais interessantes também que esta investigação tem mostrado é que mesmo nós sabendo que o estado da economia, por exemplo, no país é determinado por uma série de fatores que não estão sob o controle dos governos. A situação económica internacional, as decisões políticas da Comissão Europeia, os mercados, toda uma miria de fatores que não estão ao alcance do controle direto de um governo nacional. Mesmo assim, as pessoas parecem ser capazes de fazer aquilo que a literatura chama de benchmarking. E o que é que isso quer dizer? Uma das coisas que a investigação também mostra é que as pessoas comparam, isto é um bocado estranho de dizer porque é muito difícil imaginar pessoas concretas a fazer este cálculo, portanto não é bem isso que acontece. O que acontece é que esta informação, de alguma forma, faz parte da informação que as pessoas acabam por dispor. E que informação é essa? É que os países que têm melhor desempenho em comparação com uma média, seja por exemplo no caso da Europa, e há muita investigação sobre isto, independentemente de fatores exógenos que de alguma forma são captados pelo desempenho médio de uma determinada região, os países que desempenham acima da média, as economias que desempanham acima dessa média geram recompensas eleitorais para os governos e as que desempanham abaixo dessa média geram punições eleitorais para os governos. Portanto, mesmo com toda esta dificuldade em determinar quem é que é responsável pelo quê, parece haver algum processo que de facto é misterioso porque ninguém consegue imaginar uma parte minimamente significativa da população a fazer este tipo de comparações, o que é certo é que elas se refletem a nível agregado nos comportamentos. E, portanto, como eu digo, não deixa
José Maria Pimentel
de ser misterioso. Uma espécie de wisdom of the crowds, não é? Sabedoria das…
Pedro Magalhães
É, no fundo, muito disto passa pelo quê? Passa pela ideia de que mesmo que as pessoas não estejam a fazer estas comparações, os partidos políticos, os órgãos de comunicação social acabam por transmitir esta mensagem e conseguem transmitir esta mensagem. E mesmo que muitos estejam a transmitir mensagens contraditórias, há uma média, digamos, de credibilidade que a mensagem real acaba por ter e a mensagem, digamos, falsa acaba por perder. Mas não deixo de dizer que esta é talvez uma das questões que mais ocupa esta literatura gigante, há centenas de pessoas a escrever sobre isto, de muitas maneiras, usando muitos tipos de dados, mas É de facto uma coisa misteriosa, mas que sucede, que é esta aparente capacidade em média dos eleitores serem capazes de fazer isto. Com todos os condicionalismos de que eu falei há pouco, ou seja, volto a dizer, a aparente assimetria deste processo, recessões, grande punição, crescimento, pouca punição, e a maneira como tudo isto é condicional ou moldado por esse fator de que também falávamos há pouco, que é a real ou a percebida responsabilidade que se pode atribuir a um governo e que é mitigada quando ele partilha poder, que é mitigada quando há choques externos que manifestamente seria insensato atribuir à responsabilidade de um partido concreto ou de um líder político concreto, tudo isto parece emergir dos dados. Há
José Maria Pimentel
um paradoxo engraçado neste tema. Neste tema não é o tema do voto económico só, é o tema do voto de acordo com a capacidade do governo, é o voto em resposta à qualidade da governação, se nós quisermos, que é as pessoas mais atentas aos temas, portanto as pessoas que de facto podem ter acesso a essa informação mais exata, tendem a ser também pessoas mais ideológicas e sendo mais ideológicas não estão depois sujeitas ao voto económico ou ao voto de outro tipo qualquer porque o voto dela já está definido. Ou é um voto no partido A, no partido B ou no partido C. Portanto, isso era um paradoxo engraçado em que quem na verdade vai determinar o funcionamento do sistema são as pessoas menos informadas ou pelo menos, tendencialmente, as pessoas menos informadas, não é? Sim. Estou a dizer, está bom. Sim, sim, sim. É
Pedro Magalhães
um tópico de escolha aqui. Em parte isso é verdade, ou seja, as pessoas... Em primeiro lugar, nova informação é uma informação que obviamente é mais consumida e à qual têm acesso pessoas que consomem mais informação. Pessoas que seguem as notícias na televisão e nos jornais, que se interessam por elas, que as consomem. Mas o que sucede, como dizias, é que esse efeito tem que ser destrinçado de outro e é muito difícil destrinçá-lo por isto, é porque essas pessoas são também as pessoas que com mais frequência têm predisposições políticas mais enraizadas. Simpatizam mais com determinado partido. Nós em Portugal temos metade dos portugueses que não declaram simpatia com partido nenhum. Temos um grande número de portugueses, quando lhes perguntamos onde é que eles se posicionam numa escala, aquelas perguntas dos inquéritos, numa escala de 0 a 10, em que 0 é a posição mais à esquerda e 10 mais à direita, temos uma quantidade enorme de pessoas que dizem 5. Dizem 5. Algumas delas porque são de facto pessoas centristas, algumas delas porque têm enorme dificuldade em posicionar-se numa coisa como estas e para as quais o SIM, que é uma espécie de opção de refúgio, muitas dessas pessoas são de facto pessoas menos envolvidas, menos interessadas, mais desligadas da política. Para os outros, por um lado, o consumo de informação tende a ser maior e portanto, em princípio, nós esperaríamos que eles fossem as pessoas que usassem essa informação, mas, por outro lado, elas olham para essa informação com olhos moldados pelas suas preferências. Os Estados Unidos são talvez o caso mais extremo disto, porque ao contrário de Portugal é um país onde mais de 80% das pessoas simpatizam de facto com um determinado partido, sejam republicanos, sejam democratas. Uma das coisas mais incríveis, bem, há muitas deste género, mas uma das coisas mais incríveis que vi foi mesmo depois dos primeiros quatro anos da governação Obama, em que o país tinha saído de uma crise, o país e não só o país, muitos outros países, de uma crise económica enorme, a maior parte dos republicanos continuava a dizer que o desemprego tinha aumentado e, portanto, isso não era uma questão sequer de avaliação subjetiva. Era uma pergunta, o desemprego aumentou ou diminuiu? A maioria dos republicanos dizia que aumentou. E não estou a dizer que isso seja um problema dos republicanos, porque o inverso, talvez não de forma tão acentuada, mas o inverso com os democratas também acontece. E depois há outra coisa que é esta conjunção entre preferências e vamos chamar-lhe assim sofisticação política, tem depois uma outra consequência que um politólogo muito conhecido chamado John Zeller mostrou já há muitos anos, só foi 30 anos, que é quanto mais sofisticadas as pessoas são, sofisticadas aqui no sentido de expor muita informação, mais capazes são de lutar contra os factos. Exatamente. Ou seja, se eu for uma pessoa muito interessada na política, muito informada, mas tiver ao mesmo tempo uma simpatia política forte, quando me apresentam um determinado argumento eu consigo imaginar 50 considerações contra esse argumento. E, portanto, isto para ir ao princípio da tua pergunta, de facto, por um lado as pessoas mais... Consomem menos informação económica, política, outra, precisamente por terem menos informação, são menos suscetíveis de mudar de opinião, mas quando a recebem é mais fácil persuadí-los do que todas aquelas pessoas que consomem muita informação mas tenham ao mesmo tempo predisposições políticas fortes, porque essas lutam contra a informação. E aliás, quando falamos de informação, também temos de nos lembrar que os factos, o mesmo facto, pode ser enquadrado de muitas maneiras diferentes. Portanto, uma coisa é eu dizer, Portugal cresceu, a economia cresceu 2% o ano passado. O mesmo facto pode ser dito de outra maneira. Eu, por acaso, nem me recordo. Certamente não cresceu 2% o ano passado. Mas estou a dar um exemplo bem abstrato. A economia cresceu 2% o ano passado. Isso pode ser um facto. Outro facto é que Portugal cresceu menos que a média europeia. E as duas coisas são factos, mas são dois factos enquadrados de forma completamente diferente. E na comunicação social e no discurso político e no discurso dos comentadores, estes factos, mas enquadrados de forma completamente diferente e com consequências diferentes, circulam. Circulam igualmente e depois, junto de algumas pessoas, há uns que prevalecem, junto de outras pessoas, há outros que prevalecem e geralmente prevalecem aqueles que vão de encontro àquilo que as
José Maria Pimentel
pessoas já pensam. Sim, eu acho este facto interessante porque o que significa é que isto não quer dizer que as pessoas mais ideológicas não façam um trabalho interessante, porque nessa luta da argumentação há uma espécie de combate entre argumentos e entre factos e vem à tona aquelas que são mais fortes de ambos os lados, que depois permitem que as pessoas que são menos ideológicas decidam. Mas é interessante que deixem na mão das pessoas menos ideológicas o funcionamento da democracia, porque essas é que alternam o seu voto, consoante, são mais persuadidas por um argumento ou por outro. Em parte, sendo também verdade que
Pedro Magalhães
depois há outra implicação que é as pessoas que se informam menos, que estão menos interessadas, que estão menos envolvidas, poderiam decidir mais se todas votassem. Pois,
José Maria Pimentel
se calhar, eu estava a pensar em se calhar, é alguras no meio, não é? Porque depois no outro extremo estão as que não votam, não é? Claro, claro. E elas também fazem parte desproporcionalmente
Pedro Magalhães
desse conjunto que em Portugal cresceu historicamente de pessoas que, pura e simplesmente, estão de fora, saíram da área de
José Maria Pimentel
eleitoral. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Eu evito falar muito da atualidade aqui num podcast mas não resisto porque nós estamos a gravar isto numa altura que estão a decorrer os debates para as eleições e eu tenho notado os nossos debates, pode ser uma impressão minha, não sei o que é que achas sobre isto, mas tenho notado, tal como se tem passado em outros países, os nossos debates muito ideológicos, muito identitários, se quisermos. Obviamente que isto tem que ver com o surgimento de novos partidos, que são pequenos e que se estão a tentar afirmar, não é? Claro que tem a ver com isso. Mas poderá haver aqui uma tendência pequena de inversão dessa tendência que estávamos a aludir mais a longo prazo? Portanto, tu aludias a uma tendência de, pareceu-me, se entendi bem, de diminuição da identificação ideológica das pessoas, ou da atenção das pessoas à política e, portanto, com uma menor... Desculpa, ias interromper. Não, eu
Pedro Magalhães
não acho que haja... Eu não creio que isso esteja a acontecer em Portugal. Eu estava a dizer que de facto o contingente de pessoas que se interessa pela política é pequeno e que o contingente de pessoas que está aliada é grande ou tem sido grande. Mas o facto da abstinção eleitoral ter aumentado não significa necessariamente que tenha aumentado o desinteresse pela política porque ao mesmo tempo as pessoas têm outras formas de participar, têm outras formas de intervir que vão para além deste ato, enfim, para mim fundamental, extremamente importante, decisivo, mas não único, de votar numa eleição. E portanto eu não estou convencido que... Não é questão de estar ou não convencido. Os dados mostram que, sim senhor, isso é incontestável, tem havido um aumento da abstenção, mas ao mesmo tempo que esse aumento da abstenção ocorreu, vamos dizer assim, ao longo dos últimos 20 anos, que é quando nós temos dados para comparar com outras formas de participação, tem havido outras formas de participação política que aumentaram muito. Aumentaram muito em parte porque aumentou o nível de instrução da população em geral e nós sabemos como os recursos educacionais estão muito correlacionados com a predisposição, com a disponibilidade e com a vontade de participar. Também aumentaram, certamente, porque há até mudanças tecnológicas que facilitam muito outras formas de participação, talvez o caso mais estorondoso seja o caso das petições. Nós, do princípio do século, tínhamos, agora não me recordo do valor exatamente, mas penso que não é raro muito se dissermos que há 4% das pessoas que diziam... O ano passado eu assinei uma petição no último European Social Survey, eram 20%, é uma aumento enorme. Claro, porque as petições é uma coisa relativamente fácil de fazer hoje em dia. Até contactar com políticos através de e-mail, através das redes sociais e até o protesto, a participação em manifestações, tudo isso aumentou ao longo das últimas duas décadas. Portanto, desculpa ter-te interrompido, estavas a dizer que havia um aumento, se eu percebi bem, um aumento do desinteresse, da desafeição política, eu penso que isso já não é um bom retrato. Não, mas eu ia dizer o contrário. Ah,
José Maria Pimentel
ok. Na verdade, eu ia dizer o contrário. Eu ia dizer que poderia haver essa tendência de fundo, mas parece-me que há outra tendência mais recente, que se verifica em vários países e Portugal também, de um aumento de... Talvez, quer dizer, eu não tenho números para isto, mas dá ideia pelo comportamento dos partidos que a ideologia tomou um papel na política que não tinha até aqui, não é? E nós nos debates vemos essa preocupação de clarificação ideológica e moral e um lado até identitário forte dos partidos. E isto tem-se visto noutros países, eu tenho reparado nisso nos nossos debates. E pergunto-me se isso será verdade, quer dizer, se haverá... A parte que poderá estar relacionado com... Ou estará relacionado com as redes sociais, mas também está relacionado com outros desafios, também possivelmente com o aumento da instrução, como dizias há bocadinho, com o aumento da saliência também do processo político, que vai mais atrás das redes sociais, tem a ver com a própria internet, e pergunto-me se isso será verdade ou será só um fenómeno de elites, se nós quisermos dizer, não gosto muito deste termo, mas será um fenómeno de, por exemplo, nós... Eu estava-me a lembrar disto há bocadinho quando tu falavas das pessoas mais interessadas, tendem a ter poucas dúvidas, nós ambos habitamos o Twitter, que é um espaço onde se discute muita política, e ali as pessoas não têm dúvidas, poucas pessoas têm dúvidas. É um espaço bastante ideológico de uma maneira que eu não me lembro de ver antigamente, mas também poderá haver aqui um exagero, não é? Porventura as cúpulas dos partidos estão a achar que o eleitorado está mais interessado nessa clarificação e
Pedro Magalhães
nessa pureza ideológica do que o eleitorado está na verdade. Eu acho que é sempre muito fácil sobrestimar a importância que a população em geral atribui a estas coisas. Precisamente porque, como dizia, as pessoas como eu e como tu, e as pessoas que provavelmente não ouviram o podcast, são pessoas muito pouco representativas das preocupações normais, das pessoas normais, vamos dizer assim, que não seguem a política dia-a-dia, que tem muitas outras coisas para fazer, que consomem muito outro tipo de informação e preocupam-se com muitas outras coisas. Dito isto, ao mesmo tempo, há coisas que não se podem negar. Em primeiro lugar, dizia há pouco, reforçando, a participação política em Portugal aumentou durante muitos anos e estou a excluir aqui, obviamente, a participação eleitoral. Não estou a excluir a sua enorme importância, não estou a excluir a importância que para mim tem o aumento da abstenção, mas também não se pode ignorar que aquilo que em Portugal era há 20 anos um bom retrato, digamos, da população em geral, politicamente apática, desinteressada, com níveis de participação, digamos, não convencional, falámos há pouco das petições, dos protestos, por aí fora, baixíssimos e isso hoje em dia já não é um bom retrato de Portugal até em termos comparativos. E a outra coisa que está a acontecer em Portugal mais recentemente e que no fundo é uma manifestação tardia de mudanças que já aconteceram na maior parte dos outros países europeus e, vamos dizer assim, ocidentais, das democracias ocidentais, é um aumento da polarização ideológica, ou seja, um aumento de, seja na oferta, seja na procura, que é o que eu quero dizer com isto. Do lado da oferta, nós temos hoje partidos novos, partidos que ocupam posições, seja no eixo dos conflitos económicos ou dos debates económicos, como por exemplo a iniciativa liberal, mais extremas, com extremismo não estou aqui a fazer nenhuma qualificação normativa, mais afastadas do centro. Sim, e mais puros, não é? Bem, enfim, pureza não sei bem se é o termo. Mais afastadas do centro do que era a oferta política tradicional, seja nesse eixo econômico, seja no eixo, vamos dizer assim, sociocultural. Toda a gente se Lembra daquela coisa da bússola política, há um eixo económico, há um eixo sociocultural que opõe posições mais libertárias ou progressistas versus posições mais tradicionais, autoritárias, conservadoras. Também aí há partidos que têm posições, como por exemplo o Chega, que em Portugal não faziam parte da oferta política. Portanto, isto aumenta a polarização ideológica e naturalmente. Também se tivermos em conta que, bem ou mal, a questão tradicional dos conflitos económicos ocupa para grandes partidos uma posição hoje mais centrista, mais moderada, com menos diversidade e polarização do que tinha no passado. O aparecimento destes novos temas, deste novo eixo de conflito, não é? O tema do ambiente, o tema, enfim, que em Portugal nem sequer é dos temas que a direita radical mais usa, mas que não deixa de ter alguma presença da imigração, o tema da lei e da ordem, tudo isso gera um debate que nos parece e que é um debate mais ideológico, para dizer assim. Sim. Olha, ainda bem que
José Maria Pimentel
falaste disso porque é uma boa deixa para passar para o segundo tema que tu tinhas sugerido e que tem precisamente a ver com esse aumento da saliência nos últimos anos, nas últimas décadas, nas democracias ocidentais, desse segundo eixo, desses temas culturais que têm a ver com, colocam em tensão, perspectivas mais conservadoras e mais progressistas, se quisermos, de um lado, essas preocupações da imigração, da segurança, da lei e ordem, um certo regresso do conservadorismo moral e do outro lado uma moral mais progressista e também a entrada de uma nova agenda de justiça social focada nas chamadas políticas identitárias e em dar direitos ou mais direitos a minorias, igualdade de género, enfim, uma série de coisas que vieram tornar esses temas mais salientes do que antes. E uma das ideias que têm sido muito divulgadas a propósito disto e que nós falámos, essa sim, seguramente, tenha certeza, na nossa primeira conversa, foi a ideia de que os partidos da direita radical têm crescido na Europa, sobretudo na Europa, à custa dos anteriores eleitores à esquerda, dos partidos sociais-democráticos ou partidos socialistas, se quisermos do eleitorado operário. Tu tens uma visão relativamente cética sobre isto, não é? Tenho uma visão… Pelo menos de que não é a história toda.
Pedro Magalhães
De que não é a história toda e que essa maneira de olhar para as coisas passa ao lado de outras coisas igualmente importantes. Nós, aliás, vemos muito essa discussão de cada vez que se fala do Chega, alguém diz, bem, vamos ver onde é que eles cresceram, estão a crescer à custa do eleitorado comunista, não é? Isto é muito… E essa discussão tem havido aqui em Portugal e noutros contextos tem havido uma discussão ainda maior que é até a ideia de que os partidos de direito radical têm crescido à custa dos anteriores eleitores dos partidos sociais-democratas, dos partidos de sede esquerda, daquilo que em Portugal é o Partido Socialista. E há uma discussão interessante porque há aqui alguns sinais que parecem reforçar isto, que parecem sugerir que isto está mesmo a acontecer. Uma das coisas que nós sabemos é que os partidos de esquerda tradicional estão em erosão eleitoral nas últimas décadas, especialmente desde os anos 80, e quando falo em esquerda tradicional falo dos partidos comunistas que praticamente desapareceram na Europa. Portugal é relativamente excepcional desse ponto de vista, mas também da socialdemocracia europeia que está manifestamente em crise.
José Maria Pimentel
Isto é uma primeira peça do puzzle. E Portugal, desculpem, desculpem, Portugal nesse aspecto também é excepcional, nesta crise da socialdemocracia.
Pedro Magalhães
Portugal nesse aspecto também tem sido excepcional.
José Maria Pimentel
Socialdemocracia, desculpem, socialdemocracia, estamos a falar do PS, só para não ter confusões, Ou estaríamos, no caso
Pedro Magalhães
português, mais provavelmente a falar do PS. Sim, sim, enfim, dos partidos da Internacional Socialista, para simplificar. Isto tem acontecido. A outra coisa que também tem acontecido é que o eleitorado destes partidos sociais-democráticos, partidos da Internacional socialista, é hoje bastante diferente do que era no passado. É hoje um eleitorado que tem um peso muito maior, digamos de uma classe média instruída, do que tinha, enfim, desde logo na origem destes partidos na Europa, mas também do que se passou até os anos 80, do que em trabalhadores com baixas qualificações. E depois, a terceira peça deste puzzle é, estas duas coisas estão a acontecer, e a terceira coisa que está a acontecer é que nós também sabemos que, não sendo isto universal, no sentido de não ser verdade para todos os países, em todos os partidos da direita radical, é verdade que, na maior parte dos casos, o eleitorado mais importante nestes partidos é precisamente o eleitorado composto por trabalhadores com baixas qualificações. E, portanto, qual é a conclusão que se tira quando se vê estas três peças? A perda dos partidos de esquerda é o ganho dos partidos da direita radical. E essa perda e esse ganho deram-se através do, digamos, do operariado industrial, dos trabalhadores com baixas qualificações. E, portanto, isto é uma tese que circula muito E à qual também se junta uma ideia muito antiga de um sociólogo e politólogo muito importante chamado Seymour Lipset, de uma espécie de aquilo que ele chamava de autoritarismo da classe operária. A ideia de que as classes trabalhadoras eram, do ponto de vista da sua cultura, das suas atitudes, mais conservadoras, mais tradicionalistas, mais até autoritárias do que o resto da população. Portanto, juntando estas peças todas, o que é que parece que está a acontecer. É aquilo que eu dizia há pouco. Portanto, há uma ilusão dos partidos chiasnocratas, ou dos partidos da esquerda tradicional, para ser mais preciso, porque se estão a passar para a direita radical. Ora, enfim, há muita discussão sobre isto. Há inclusivamente um capítulo do último livro do Piketty, em um artigo mais recente, onde no fundo se diz, digamos, os partidos de esquerda se tornaram partidos das elites intelectuais, os partidos de direita são partidos das elites económicas e não há ninguém que represente os interesses dos mais pobres e dos menos instruídos. E, portanto, o passo seguinte é, obviamente, que são os partidos de direita radical que estão a absorver esse eleitorado.
José Maria Pimentel
Sim, e o Piketty usa isso para a tese dele de que é por isso que a questão do aumento da desigualdade não tem maior saliência do que... Não tem a saliência que ele achava que devia ter no processo político. Exatamente.
Pedro Magalhães
Ora, há aqui algumas peças deste puzzle que eu me dizia que são obviamente verdade, mas quando olhamos para as coisas com maior detalhe o quadro é um bocadinho mais complicado. Primeiro ponto, o eleitorado dos partidos sociais-democratas hoje é muito mais composto por classes médias instruídas e qualificadas do que por trabalhadores menos qualificados. Bem, mas isso é verdade com todos os partidos. Por uma razão simples é porque... Porque
José Maria Pimentel
aumentou a escolarização. É porque esse
Pedro Magalhães
eleitorado hoje em dia tem um peso muito menor do que tinha... Sim.
José Maria Pimentel
Esse eleitorado, operários, chamamos assim, não é? Sim.
Pedro Magalhães
Aliás, uma das coisas que aponta para a nossa singularidade é que essa mudança no sentido de uma maior escolarização dos trabalhadores e do desaparecimento ou de uma diminuição muito grande do operariado industrial, em Portugal nós estamos atrasados em relação a esse processo, para dizer as coisas nesses termos. Mas é perfeitamente natural que o eleitorado dos partidos sociais-democratas no resto da Europa seja diferente do que era no passado, Porque este eleitorado hoje é muito menos importante do que era no passado. Uma outra coisa que também se passou é que obviamente nós continuamos a ter uma espécie de outro proletariado, para usar este termo, que é o proletariado dos serviços. Trabalhadores não qualificados, mas que em vez de trabalhar em setor industrial trabalha no setor de serviços.
José Maria Pimentel
Mas o que se passou? E esses tendem a votar à esquerda, não é?
Pedro Magalhães
Esses eleitores são muito mais heterogêneos do ponto de vista do seu comportamento político do que era a operariedade industrial. A primeira razão, relativamente simples, é que a operariedade industrial estava enquadrada por sindicatos e o mesmo não sucede com os trabalhadores com baixas qualificações dos serviços. São muito mais heterogêneos no seu comportamento eleitoral. Sim,
José Maria Pimentel
agora estou a conjeturar, mas também eu imagino que o eleitorado industrial também tem a tendência a trabalhar em empresas, elas próprias, muito maiores, enquanto que o estratógico de serviço é mais polvorizado nesse sentido, não é? Ou tende a ser. Não sei se tu
Pedro Magalhães
acertas nisto. Isso depende dos países. Em Portugal nós temos uma estrutura empresarial com empresas muito, muito, muito, muito pequenas e, portanto, isso... Em Portugal, obviamente, que havia, digamos, uma importante parte da importância industrial que trabalhava em empresas grandes, mas também sempre houve uma pulverização grande. Mas o que estás a dizer é verdade em geral, ou seja...
José Maria Pimentel
Há mais economias de escala na indústria, não é? Portanto, tens que ter... Uma fábrica tem que ser grande, não é? Na maioria das vezes, e portanto, trabalha lá muita gente, enquanto num café podem trabalhar duas ou três pessoas.
Pedro Magalhães
Ora, para não nos perdermos. Sim. Para eu próprio não perder. A ideia de que o eleitorado dos partidos sociais-democratas mudou, e que já não é um eleitorado fundamentalmente composto por trabalhadores com baixas qualificações, é em grande medida fruto de uma transformação das economias. E não significa necessariamente que o que se tenha passado é que os trabalhadores menos qualificados da indústria se tenham movido de armas e bagagens para outros partidos. Simplesmente eles diminuíram de importância enquanto componente, digamos, enquanto grupo social, enquanto componente dos eleitorados. A outra coisa que também sucede é que a perda real de eleitores por parte dos partidos sociais democratas dá-se fundamentalmente, ou dá-se em grande medida, ou vamos dizer assim, para isto ser válido para a diversidade de situações que existe, não se dá apenas para partidos de direita radical, dá-se até fundamentalmente para novos partidos de esquerda, mas que não são os novos partidos da esquerda tradicional, são os partidos da esquerda libertária e são os partidos verdes. E por isso, seja porque numericamente o eleitorado de trabalhadores industriais menos qualificados seja menor e isto obviamente perderam, do ponto de vista em termos absolutos, perderam apoio, não desse grupo, mas perderam apoio eleitoral. Seja porque também perderam apoio e eleitores e têm de competir com os partidos da nova esquerda para captar os eleitores mais instruídos, isso são as principais explicações para a erosão dos partidos sociais-democratas, não necessariamente que tenham perdido eleitores para a direita radical. Isto não significa que na esquerda tradicional não haja casos, Há sempre casos, mesmo que seja uma única pessoa, até há casos do outro ponto de vista, por exemplo, nós sabemos que na Europa de Leste houve de facto uma mudança dos antigos partidos comunistas, dos eleitorados dos antigos partidos comunistas, diretamente para a direita radical, isso aconteceu.
José Maria Pimentel
Sim, mas é uma realidade muito específica.
Pedro Magalhães
É uma realidade muito específica e também não estou a dizer que no resto da Europa, talvez França seja outro caso, não tenha havido também uma passagem importante de eleitores do antigo Partido Comunista para a Frente Nacional. Se bem que isto é muito difícil de medir, porque uma coisa é nós dizermos que, quando olhamos, por exemplo, em termos agregados para regiões onde o Partido Comunista era forte e onde a Frente Nacional se tornou forte, isso não quer dizer que os eleitores todos tenham passado de um partido para o outro. O que quer dizer é que, pode querer dizer que eleitores que anteriormente tinham tendência para se abster tenham passado para a direita radical. Portanto, a coincidência no mesmo espaço geográfico não significa que as pessoas em si mesmas sejam passadas de um sítio para o outro. Mas o ponto que eu queria deixar sobre isto é que a crise da esquerda tradicional não é apenas ou não será tanto uma crise indicada pela transferência de trabalhadores menos qualificados deste eleitorado para os partidos de direita radical, tem a ver com a diminuição da importância absoluta desse segmento do eleitorado e tem a ver com a dificuldade que os partidos sociais democratas têm em, por um lado, atrair os eleitores menos qualificados do setor dos serviços e atrair, competir com os novos partidos de esquerda, da nova esquerda, para atrair os eleitores mais instruídos, de uma classe média instruída, mais qualificada.
José Maria Pimentel
Então, mas espera, essa tese faz muito sentido, mas continua a sobrar a pergunta que é, olhando para o eleitorado dos partidos da direita radical, nós vimos lá de facto o eleitorado operário, não é? De onde é que ele veio? Era eleitorado que tendia a abster só ao votar, por exemplo, nos partidos conservadores e, portanto, era uma parte do eleitorado operário que já não estava na esquerda e que se transferiu para ali.
Pedro Magalhães
A maior fonte de eleitores dos partidos da direita radical são anteriores eleitores de partidos da direita tradicional.
José Maria Pimentel
Então, mas espera, é que eu simplifiquei a minha pergunta porque nós sabemos que os eleitores da direita radical não são só operários como é evidente, não é? Claro. Temos primeiro este eleitorado do serviço, que tu aludias, não é? E que até pela tua descrição parece estar mais repartido por diferentes partidos, não é? Sim. É um eleitorado que tem, também pela sua heterogeneidade, quase que percorre o espectro todo, não é? E pronto, lá temos os pequenos empresários que tradicionalmente estiveram sempre ligados à direita radical, ou por outra. Não quero exagerar, mas eu diria, do que eu tenho visto nos anos... Bom, eles
Pedro Magalhães
estavam, digamos, os pequenos proprietários tendencialmente são mais conservadores. Era
José Maria Pimentel
isso que eu queria dizer, são mais conservadores. Podiam não votar
Pedro Magalhães
radical, mas votavam na direita. Votavam na direita tradicional e a França é talvez o primeiro grande exemplo disso, passaram sem grande medida para a direita radical.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Agora, se nós descontarmos pequenos empresários, se descontarmos empregados dos serviços e portanto ficarmos apenas com aquilo que podemos qualificar como um eleitorado operário, ele tende a ter vindo de onde? O que é que nós sabemos sobre isso? Porque o que estás a dizer é que a partida não veio dos partidos sociais-democratas, ao contrário do que se tende mais ou menos a mitificar. Portanto, ele veio de partidos conservadores ou era eleitorado que sabes tinha, ou até pode ter vindo da esquerda, mas fez um caminho longo até chegar
Pedro Magalhães
à direita radical? Não, eu não estou a dizer que uma parte do eleitorado de direita radical não tenha vindo da esquerda, mas não é a principal fonte da direita radical, nem é a principal razão pela qual a esquerda tradicional está a perder eleitores. Esse é o ponto.
José Maria Pimentel
Ok. Ou seja, para o crescimento da direita radical a principal causa é eleitorado que se transferiu ou de partidos conservadores ou de abstenção e do lado da esquerda o que tu propões é que a grande dificuldade é, no fundo, a concorrência que estão a sofrer desses novos partidos libertários, chamemos-nos assim, partidos verdes ou partidos de outro tipo, e por outro lado a perda desse novo proletariado dos serviços nós quisermos que... Não é perda, é não ter conseguido capturar, não ter conseguido fidelizar esse voto se nós quisermos. Sendo também que há uma
Pedro Magalhães
outra coisa, um artigo do ano passado do Simon Hicks também mostra claramente que é outro bastião importante dos partidos sociais-democratas eram, vamos dizer assim, os funcionários
José Maria Pimentel
públicos. E já não são?
Pedro Magalhães
Continuam a ser um bastião importante, mas o seu crescimento, ou melhor, o seu não crescimento dificulta a capacidade dos partidos sociais-democratas para compensarem as perdas que têm noutros
José Maria Pimentel
setores. Ok. Então, assim, de um certo ponto de vista, para os partidos sociais-democratas o passado provavelmente não é recuperável, não é? E isso não tem necessariamente a ver com erros políticos, tem que ver com mudanças de fundo que ocorreram e aquela grande coligação que chegou a existir na verdade hoje em dia provavelmente já não é possível, porque o eleitorado é muito mais diverso do que era antes, não é?
Pedro Magalhães
Sim, e eu penso que isso em grande medida é verdade, ou seja, claro que quando se discute hoje o futuro dos partidos sociais-democratas continua a haver opções. Uma das coisas que tem acontecido, talvez a Suécia seja o melhor exemplo, mas não é o único, é a tentação para se dizer que o caminho para os partidos sociais democratas é recuperar aquilo que perderam. Mas a única maneira de recuperar aquilo que perderam é tentarem competir em temas como a imigração, como a lei e a ordem. No fundo é tornarem-se mais parecidos, é não deixarem cair, não continuarem a perder supostamente esta grande tendência. Mais eleitores para a direita radical tomando posições mais duras nestes temas. Isso é uma resposta. E é a resposta, é de fundo a consequência prática de quem acredita que a principal razão para a erosão da socialdemocracia tradicional é a perda do eleitorado operário para os partidos de direita radical. Obviamente que quem não acredita nisto ou quem desvaloriza isto propõe um caminho completamente diferente. Propõe que a esquerda tradicional se alie ou compita com os partidos da nova esquerda atraindo os eleitores mais instruídos e em particular os eleitores mais jovens. São duas implicações diferentes daquilo que se considerem ser as principais razões para a erosão dos partidos chesnes-democratas. Qual é a resposta certa? Eu penso que não há ainda um juízo definitivo sobre isso.
José Maria Pimentel
E provavelmente o passado já não é recuperável, a questão é essa. É difícil
Pedro Magalhães
imaginar, é difícil. Quando acontecem umas eleições de vez em quando em que, por exemplo, como aconteceu na Alemanha, olha, a SPD recuperou alguma coisa, ou na Noruega, olha, o Partido Trabalhista recuperou alguma coisa. As pessoas olham para estes casos e procuram tirar lições. Mas em grande medida, eu estou contigo, quer dizer, eu acho que a complexificação da estrutura social e a dificuldade que temos em olhar para um mundo atual e em ver uma coisa parecida com aquilo que existia quando nasceram os partidos sociais-democratas para representar um vasto eleitorado de operariado industrial. O mundo já não é assim. E, portanto, vai ser... De todo acordo que vai ser difícil recuperar essa divisão entre partidos trabalhistas, sociais democráticas e partidos conservadores porque o espaço de competição política e sociedade complexificaram-se e aquilo que nós estamos a assistir quase inevitavelmente é uma maior fragmentação do espaço político com partidos da nova direita e com partidos da nova esquerda que procuram refletir essa complexidade.
José Maria Pimentel
E é interessante porque há aqui uma divisão dentro da própria esquerda. Há esta nova esquerda que traz outros temas para a agenda e, portanto, que não só partilha da versão da velha esquerda, se nós quisermos, à direita radical, como tem uma visão que quer trazer novos temas para a agenda política, temas de igualdade, igualdade de género, igualdade em relação a minorias, até outros tipos de questões mais culturais. E depois há uma velha esquerda que tem uma visão, que é em parte um desejo, de que os temas económicos são verdadeiramente os temas importantes no longo prazo, se nós quisermos. São verdadeiramente o que define, ou seja, por outras palavras, isto é uma visão muito comum de que aquilo que verdadeiramente origina todas estas clivagens são diferenças de poder económico, se nós quisermos. São diferenças de classe social ou de classe económica. E, portanto, a política devia centrar-se aí e, como a resposta para a política é centrar-se aí, é por definição possível reconstituir uma coligação de esquerda com base em questões económicas. É, mas um exemplo de como é difícil... Só que esta resistirá um bocadinho no circular, não
Pedro Magalhães
é? Um exemplo de Como é difícil fazer isso, mesmo que nós olhemos fundamentalmente para questões de natureza económica? É porque há clivagens importantes, que não são só clivagens entre, vamos simplificar muito, entre ricos e pobres, entre aqueles que são supostamente beneficiários da redistribuição e aqueles que devem, nesse discurso, contribuir para essa redistribuição. Hoje em dia há clivagens entre jovens e mais velhos, entre insiders no mercado de trabalho e outsiders no mercado de trabalho, em relação aos quais a esquerda tradicional vai ter de encontrar um discurso. Não é possível, para dar o exemplo do que se passou em Portugal nos últimos anos. Sim senhor, temos um governo, tivemos um governo de esquerda preocupado em desfazer de alguma forma a austeridade, em ter políticas mais igualitárias, em devolver salários. Mas a verdade também é que esse governo de esquerda esqueceu completamente o investimento na educação, o investimento na ciência, ou seja, o investimento naquilo que mais interessa e naquilo que mais beneficiaria os mais jovens. Não aqueles que já estão estabelecidos no mercado de trabalho, mesmo que tenham, obviamente, rendimentos, em muitos casos, muito mais baixos do que aquilo que, vamos dizer assim, do que seria justo, mesmo que o país não consiga responder a essa justiça, mas isso significou sacrificar investimento no futuro e, portanto, a esquerda vai ter que resolver isto de alguma maneira.
José Maria Pimentel
Isto não tem a ver com aquilo que falávamos há bocadinho, da política se ter tornado mais complexa. Uma coisa é definir conceptualmente os problemas mas na prática não é fácil, por exemplo, pegando na tese do Piketty, que tem muito a ver, do Piketty e de outros, que tem a ver com no fundo o inexplicável, de acordo com essa posição, baixo peso que a questão do aumento da desigualdade tem nas políticas dos partidos de esquerda, tendo em conta ser um fenómeno tão visível. Isso não terá também que ver com a própria gestão política se ter tornado muito mais complexa. Portanto, há muitas variáveis, há como tu dizias, uma heterogeneidade maior da população que significa que não é possível agradar a todos, há políticas que têm um efeito esfazado no tempo, há capacidade de desaplicar, há meios para desaplicar perdão que estão fora do alcance dos governos, não é? Tudo isso, se calhar, explica parte deste aparente puzzle. E disso que tu falavas, no caso português. Penso que as situações concretas em que as pessoas vivem ajudam
Pedro Magalhães
a gerar essas contradições. E essa dificuldade em lidar com esses interesses contraditórios. E depois não é só isso, é que também o nível de desenvolvimento e a prosperidade e a capacidade fiscal dos países também determina isso. Vamos dar este exemplo falando um bocadinho do que estávamos a falar há pouco. Os países nórdicos conseguem, ao mesmo tempo, porque têm altos níveis de produtividade, o que gera uma grande capacidade de arrecadar impostos, o que gera uma grande capacidade fiscal, conseguem ao mesmo tempo continuar a redistribuir, mesmo que não o façam tanto como fizeram no passado, mas continuam a poder fazê-lo, e ao mesmo tempo investir em cuidados infantis, em ciência, em educação, portanto, conseguem ter ao mesmo tempo políticas que continuam a assegurar a capacidade de consumo e de algum bem-estar para os mais pobres e ao mesmo tempo investir no futuro. Investir no futuro é dar qualificações, é dar a capacidade em particular das mulheres a entrarem no mercado de trabalho, apostar naquilo que vai gerar produtividade e mais crescimento no futuro. Um país como Portugal tem que fazer escolhas e tem que fazer escolhas muito mais dramáticas. Sim, e nessa escolha a longo prazo perde. E
José Maria Pimentel
sistematicamente essa escolha de longo prazo perde.
Pedro Magalhães
E sistematicamente essa escolha de longo prazo perde. E perde porquê? Bem, em primeiro lugar porque temos muitas pessoas mais velhas e que votam mais do que os mais novos. Os mais novos, e nós até vimos isso no inquérito há uns tempos que fizemos, perguntámos às pessoas, para o futuro do país, qual é que acha que deve ser a prioridade? Apoios sociais, investir em educação, investir em ciência e reformas e pensões. E, obviamente, as respostas são completamente previsíveis. Os mais velhos querem apoios sociais e reformas e pensões, os mais novos querem investir em ciência e investir em educação. Agora, infelizmente, porquê que isto é um dilema? Isto é um dilema porque, obviamente, que preservar reformas e pensões e preservar apoios sociais é absolutamente fundamental num país com o nosso nível de desigualdade. Mas é também absolutamente fundamental, com o nosso baixíssimo nível de produtividade, investir em educação e investir em ciência, mas a escolha impõe-se pela nossa baixa capacidade fiscal e a escolha é sempre a mesma, determinada pelos interesses e pelas coligações que permitem a reeleição dos partidos. E A escolha é sempre, quando há o dilema, a educação, a ciência fica para trás e o que fica à frente é apoios sociais, mesmo sabendo nós como escassos eles são, e preservar reformas e pensões. Isso não é uma receita para o futuro, mas é a receita que sai daqui.
José Maria Pimentel
Sim, acabaste de resumir em poucas palavras a armadilha mais ou menos em que nos encontramos. Ainda assim, acho que alguém que veja isto do ponto de vista da esquerda mais pura, se nós quisermos, ou seja, pura, tu não gostaste à bocado deste adjetivo, não é? Menos dada a compromissos, se quiseres. Provavelmente não vê este dilema de uma maneira tão explícita, porque o que dirá é é possível reconciliar isso se nós tomarmos políticas que permitam financiar as duas coisas, nomeadamente aumentando impostos, aumentando a intervenção do Estado, uma série de coisas. E aí parece-me que se calhar o problema para a esquerda pode ser que chegou a um ponto em que para encontrar uma solução, ou para chegar à solução que permitiria reconciliar este dilema e portanto trazer para uma coligação todo o eleitorado, todo o eleitorado que possa votar nessa grande coligação de esquerda, vai assustar muita gente, porque implica ter uma agenda muito radical e, portanto, compreensivelmente, que as pessoas vão ter algum receio de que possa colher mal e que possa fazer algumas vítimas pelo caminho ou não possa ser bem implementada. Eu tenho a impressão que parte do problema estará aí e isso... Não sei, eu estou de novo a conjeturar muito e eu presumo que isto é tipo, como cientista político, adepto do rigor, se calhar essas conjeturas de alguma impressão, mas parece-me que isso, por exemplo, explica o relativo insucesso nos últimos anos do populismo de esquerda, por exemplo. É aquilo que se chama populismo de esquerda, normalmente.
Pedro Magalhães
Eu não tenho dúvidas que A nossa política fiscal podia ser mais justa do que aquilo que é, ou até poderia ser mais progressiva e podia impedir mais que pessoas que têm muita propriedade e muitos recursos, podia fazer com que elas contribuíssem mais. Mas uma coisa é qual é a parte do bolo, outra coisa é qual é o tamanho do bolo. O bolo tem de crescer. Não se pode continuar a pensar que o bolo é infinito ou que o bolo é muito grande. O bolo é pequeno. Qual é que eu quero dizer com o bolo? É a riqueza que nós produzimos. Nós podemos, obviamente, como disse há pouco, podemos redistribuí-la melhor, mas os problemas que nós temos que resolver não se resolvem apenas assim. Tem que-se aumentar o tamanho do bolo. E também temos que pensar em que medida ou a partir de que ponto é que cortar o bolo fazendo crescer impostos não é ele próprio um impedimento ao crescimento do bolo. Eu sei que isto É um argumento que é muito fácil de apresentar para quem defende políticas mais liberais, mas não há dúvida que há um momento a partir do qual repartir o bolo e políticas mais redistributivas vai haver um momento em que elas vão impedir o crescimento do bolo.
José Maria Pimentel
Sim, O debate pode ser qual é o momento e em que medida, mas é evidente que isso está lá.
Pedro Magalhães
Eu não sou economista e não quero entrar demasiado, já entrei um bocadinho em matérias que não são a minha especialidade. Mas Uma coisa que eu noto muito sempre nos debates políticos é que as pessoas parecem não ter uma ideia clara sobre a noção de escassez de recursos. Quer dizer, parecem discutir as coisas como se os recursos fossem infinitos, como se tudo tratasse da maneira como os recursos são repartidos e não sobre a sua dimensão. E eu vou-te dizer há pouco o seguinte, é que para um país como os países nórdicos, altamente produtivos, com altas taxas de crescimento, o bolo é de facto muito grande e a capacidade fiscal é muito grande. Em Portugal o bolo é muito pequeno. E a nossa capacidade fiscal é pequena. E a nossa dívida pública é enorme. E, portanto, não podemos pensar só em como redistribuímos. Temos que pensar em o que redistribuímos. Mas, infelizmente, como eu digo, e volto a insistir nisto, e sou uma pessoa mais que suspeita, porque obviamente trabalho numa universidade, portanto vou dizer, claro, que é preciso investir mais em ciência, mas o que se passou nos últimos 25 anos é catastrófico desde o ponto de vista. Como é que um país como o nosso, com os nossos níveis de produtividade, pode conformar-se em estar nos últimos lugares do investimento público em ciência, não aceder e não sair daí e achar que isto é sustentável, achar que isto nos pode levar a alguma espécie de crescimento no futuro. Como é que nós podemos ser dos poucos países que diminuiu em número de estudantes no ensino, no sistema educativo, e conseguir não aumentar aquilo que investimos por cabeça. Com o déficit educativo que temos em comparação com a esmagadora maioria dos países da Europa, da Europa Ocidental e Oriental, Como é que nós podemos imaginar que o país vai sustentar boas políticas sociais, boas reformas no futuro, se continuarmos assim? É impossível.
José Maria Pimentel
É evidente que os temas de curto prazo têm mais saliência do que os de longo prazo em qualquer país, não é? Tal como na nossa vida, não é? A nossa vida, o nosso dia a dia... Como os
Pedro Magalhães
beneficiários disto só vão beneficiar disto no futuro e portanto estas coisas desaparecem.
José Maria Pimentel
Pois, mas é que o meu ponto é esse, é que eu acho que essa tendência existe em qualquer país, como dizia no nosso dia a dia, nós estamos mais preocupados com o que vamos fazer amanhã do que em planear os nossos próximos anos, faz parte. Agora, em Portugal ainda assim parece-me que há um viés exagerado nesse sentido, porque nós vemos, de novo para puxar a atualidade, nós vemos com o quão pouco estas questões são discutidas. O longo prazo é como se não existisse. E isso parece-me que é um... Há um exemplo que eu já dei um monte de vezes, eu lembro de ouvir uma entrevista ao Ministro da Ações Social em que, eu creio que já era do governo atual, portanto não era provavelmente do governo da PAF, e ele falava da questão da sustentabilidade, da sustentabilidade social e da prazo a ver problemas e a jornalista estava permanentemente a ignorar isso e a puxar a discussão para o curto prazo, a puxar a discussão para o presente, não é? Quando, independentemente de uma solução que nós considerarmos melhor para resolver esse problema, é evidente que existe aí um problema a prazo, não é? Essa pessoa não é o discutor, como é que eu posso vir a resolver? Pois, isto... Mas isto tem tudo muito pouca saliência, não é? Isto depois também
Pedro Magalhães
implica com outras coisas que é... Que ninguém sabe muito bem como resolver, que é... Se alguém aparecer a dizer o seguinte Olhem, nós vamos, para poder ter capacidade porque não temos outra escolha eu não estou a dizer que isto fosse uma coisa que eu defendesse nestes termos, mas vamos simplificar. Porque não teremos capacidade de o fazer de outra maneira, nós vamos congelar pensões, ou não vamos aumentar tanto o salário mínimo, ou vamos impor seja que custo de curto prazo que queremos imaginar, para poder investir em coisas que só daqui a 10 anos ou a 20 anos vamos ter retorno. Para se aceitar esta ideia era preciso que as pessoas tivessem confiança em quem está a transmitir esta ideia. E pronto, e não temos. Poxa,
José Maria Pimentel
mas isso liga à pergunta que eu tive de fazer agora. E não temos.
Pedro Magalhães
E é compreensível que não tenhamos. E como é que se constrói essa confiança? Como é que se constrói a capacidade de dizer, bem, esta pessoa que nos está a propor estes sacrifícios de curto prazo, está a propor-los porque, de facto, nós vamos, Nós ou os nossos filhos vão receber os retornos disto daqui a 20 anos. Não temos. Não temos essa confiança. E é muito difícil imaginar como é que a podemos construir num contexto em que nós nem sequer confiamos uns nos outros. Quanto mais confiar em governos...
José Maria Pimentel
A questão do capital social...
Pedro Magalhães
É muito difícil pedir às pessoas essa confiança.
José Maria Pimentel
E é evidente que, eu ia te fazer esta pergunta porque eu próprio tenho pensado muito nisto nas últimas semanas, até por causa do período em que vivemos, e é evidente que várias destas mudanças só poderiam acontecer no longo prazo e é evidente também que várias destas mudanças não são acionáveis politicamente, quer dizer, têm que acontecer de forma orgânica. Mas ainda assim, com estas duas advertências, há algumas vias, algumas medidas que tu vejas para aumentar essa nossa capacidade de pensar no longo prazo, sei lá, ter um maior número de instituições
Pedro Magalhães
independentes, por exemplo? Vou tentar responder a isso dando um exemplo de um outro trabalho em que participei, mais uma vez com o Luís Aguiar e com o Francisco Veiga. Nós fomos olhar para o que é que se passa nas eleições locais E uma das coisas que o Francisco e ele ainda têm... Desculpa
José Maria Pimentel
interromper, tu, Luís, falou disso no nosso episódio. Então, pronto. Ou seja, podes passar já para as conclusões. Ou para as implicações. O
Pedro Magalhães
que é que nós mostramos? Mostramos que comparando as câmaras, comparando eleições locais em diferentes câmaras, que aquilo que as pessoas pareciam recompensar era diferente. Consoante o quê? Consoante aquilo que nós, com a ajuda desse trabalho de muitas outras pessoas, mas nós usámos os dados deles, com o nível de transparência de informação que a Câmara dava. Portanto, isto era um índice de transparência municipal, aliás, todos os anos ele é conhecido, basicamente é construído em cima de qual é a quantidade de informação sobre o funcionamento da câmara que as câmaras colocam cá fora. Mais uma vez, nós não estamos a dizer que isto acontece porque as pessoas vão consumir toda esta informação. Isto é mais um sinal da maneira como as câmaras funcionam do que propriamente dizer que a transparência é importante porque as pessoas vão lá, toda a gente vai consumir aquela informação, mas qual é o ponto fundamental? É que nas câmaras mais transparentes as pessoas não recompensavam aumentos de despesa no ano eleitoral. Pelo contrário, recompensavam mudanças de mais curto prazo, em particular no desempenho dos sistemas educativos a nível local. E isto é interessante porque, no fundo, isto sugere...
José Maria Pimentel
E ligou o nosso primeiro tema até.
Pedro Magalhães
Sugere, sugere, não mostra, mas sugere que quando as camas colocam mais informação cá fora, as pessoas fazem alguma coisa com ela. E pelos vistos tornam-se mais exigentes, neste caso, recompensando políticas de curto prazo e não recompensando políticas manipulativas ou oportunistas, quando essa informação é posta cá fora. Qual é a ideia mais geral de todas? É que quando os governos, quando a qualidade da governação, medida nestes termos, transparência, equidade, bons procedimentos, baixa corrupção é grande, as pessoas pelos vistos estão mais disponíveis para não pensar tanto a curto prazo e pensar mais a longo prazo. E tem a ver com aquilo que acabámos de dizer na fase anterior da conversa que é a falta
José Maria Pimentel
de confiança. Sim, O pensar o curto prazo no fundo é uma heurística quando não se confia ou quando há muita incerteza sobre o longo prazo. Agora, como é que isto se resolve? Eu não tenho
Pedro Magalhães
solução nenhuma para o país, nenhuma, mas consigo imaginar Uma coisa que talvez até venha a fazer um pouco diferente, ainda há dias falava sobre isto com um colega, um pouco diferente do tipo de investigação mais académica, ou mais fria, ou mais seca, que temos feito, é de pensar em Intervenções a nível local, não tanto a nível nacional, porque eu acho que trabalhar a nível nacional, promover algum tipo de mudança institucional a nível nacional é muito difícil, é muito mais fácil de experimentar a nível local. Mas, Por exemplo, experiências até mais aprofundadas do que aquelas que têm havido sobre os assentamentos participativos. Que não sejam aquela coisa de, eu tenho aqui uma lista de sítios onde podemos gastar umas migalhas e agora vocês votem. Não isso. Coisas mais deliberativas, que incentivem as pessoas a estarem presentes até face a face, não é? E a discutir se o dinheiro foi para aqui, as consequências são estas, se o dinheiro foi para ali, as consequências são outras. Que estimulem as pessoas a envolverem-se em coisas que lhes dizem diretamente respeito, que promovam esse tipo de transparência. Eu acho que são experiências que vale a pena ter e que obviamente não são novas e que têm ocorrido em muitos países. Em Portugal a experiência do orçamento participativo é muito assimétrica, há bons exemplos, há maus exemplos, mas se há alguma coisa que se possa fazer muito pequenina e muito incremental para que as pessoas percebam os dilemas, percebam que os recursos são escassos, percebam que há opções a fazer, mas também percebam que talvez valha a pena investir em coisas que tragam retorno a longo prazo, mesmo que esse retorno não seja para mim e que pode valer a pena confiar em quem tome esse tipo de decisões é a única saída que eu consigo imaginar para esta prisão do curto prazo em que a política portuguesa e as políticas públicas parecem estar presas com, como dizias há pouco, uma armadilha de que nós não vamos ser capazes de sair se não formos capazes de pensar assim.
José Maria Pimentel
Eu acho essa uma excelente ideia também, aliás, já falei disso no podcast, e acho que seria bom para nós e tem vários méritos até a nível global para contrariar a tendência mais global de diminuição da confiança nas instituições políticas e nas elites, não é? Portanto, eu acho que essa medida tem méritos a nível global e no nosso caso, em particular, que temos esse problema mais estrutural, acho que seria...
Pedro Magalhães
Não, e o poder local, obviamente, das pessoas durante muitos anos tinha uma imagem... Quando digo as pessoas, até mais os comentadores políticos e algum discurso político, tinham uma imagem mais negativa do poder local no passado. E isso mudou e o poder local pode ser um espaço de experimentação deste tipo de coisas e com apresentas e tal câmeras é muito mais provável de encontrar pessoas e líderes políticos locais disponíveis para esta experimentação do que a nível nacional. E são coisas mais executivas porque são em uma escala mais pequena e mais uma vez são processos de decisão e de consequências essas decisões que podem ter um envolvimento direto das pessoas no que se passa nos seus bairros, no que se passa nos sítios onde vivem. A nível nacional é tudo muito mais complicado. Então, apesar disso, apesar de tudo, das poucas coisas em que eu me sinto relativamente otimista sobre a política portuguesa. E
José Maria Pimentel
essa questão da experimentação é interessante também, porque nós temos uma pouca tradição e lidamos mal com experimentar quando, se não criar variedade, é difícil aterrar logo na solução certa. Portanto, eu acho que isso também teria méritos aí. Olha, Pedro, para terminar,
Pedro Magalhães
sei que tens uns artigos para sugerir que estão muito relacionados com aquilo que falámos agora. Portanto, passo-te à bola. São dois artigos que têm a ver com aquela fase da conversa em que estávamos a falar sobre o futuro dos partidos sociais-democratas e os partidos da esquerda tradicional e de centro-esquerda. São dois artigos que têm uma mensagem um bocadinho contraditória, mas que talvez por isso falhe a pena ler. São duas coisas que se encontram na net, fazendo pesquisa.
José Maria Pimentel
Eu depois ponho na descrição o link. Um chama-se Left Behind by
Pedro Magalhães
the Working Class. É um artigo de três pessoas, uma delas muito conhecida, é o Caso Muda, o Caso Muda é muito conhecido porque obviamente tem escrito muito sobre a questão do populismo, mas também é pelo Tariq Abu Saadi e pelo Reto Mitreger. É um relatório escrito para a Fundação Friedrich Ebert, na Alemanha, obviamente a Fundação Social Democrática, e que discute muitas das coisas de que falámos, inclusivamente no fundo estes dilemas ou estas diferentes maneiras de pensar sobre o futuro destes partidos. E obviamente o outro artigo é do, que contraria um pouco o este, ou que está em aparente contraste, não é tão grande como parece, mas está lá, do Thomas Piketty com a Clara Martina Stoledano e a Amory Gething, é um artigo no Quarterly Journal of Economics, mas que está de acesso livre, e que se chama The Brahmin Left vs The Merchant Right, que é uma extensão de um dos capítulos do último livro do Piketty, onde se discute esta ideia de aparentemente a esquerda, os partidos de esquerda serem tornados partidos das elites intelectuais contra as elites econômicas
José Maria Pimentel
da direita. E uma descolagem entre o voto de quem tem mais dinheiro e o voto de quem tem
Pedro Magalhães
mais educação. Pronto, e obviamente a dificuldade que isto cria em que
José Maria Pimentel
o processo político lide com as questões da redistribuição. Sim, foi muito daquilo que falámos há bocadinho. Olha Pedro, foi uma excelente conversa, como sempre, foi incrivelmente desafiante, obrigadíssimo mais uma vez pela tua disponibilidade, ainda por cima a dobrar, é preciso ter paciência e pronto, tenho a certeza que os ouvintes vão gostar imenso e obrigado mais uma vez por teres
Pedro Magalhães
participado. Obrigado pelo convite, foi um gosto.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Miguel Van Uden, José Luís Malaquias, João Ribeiro, Francisco Hermes Gildo, Família Galeró, Nuno e Ana, Nuno Costa, Salvador Cunha, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins, Tiago Leite e Abílio Silva.