#114 Pedro Magalhães - Mitos da política contemporânea: voto económico e eleitores da...
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45 Graus. Neste episódio estou a conversa com Pedro Magalhães, doutorado em
Ciência Política pela Ohio State University e investigador principal no Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O convidado tem investigação sobretudo na
área da opinião pública, atitudes e comportamentos políticos e instituições políticas e
judiciais. O Pedro foi um dos primeiros convidados do podcast logo ao
episódio nº 7, que saiu há 4 anos. E não há 3,
como eu digo na gravação. Desafiei para voltar ao 45° para falar
de alguns mitos da política contemporânea. Ou seja, algumas ideias que vemos
difundidas nas televisões, na rádio, na opinião publicada, mas que não são
verdade Ou são, no mínimo, simplificações de fenómenos mais complexos que a
ciência política tem estudado em profundidade. Abordámos dois desses mitos neste episódio.
O primeiro tem a ver com as limitações do chamado voto económico.
Isto é, a ideia de que o resultado das eleições é ditado
sobretudo pelo desempenho da economia e que os eleitores são capazes de
fazer bem a avaliação da qualidade da governação no que toca à
economia. O Pedro chama a atenção porque, na verdade, há uma série
de condicionantes nessa relação. Uma delas é a capacidade dos eleitores em
avaliarem adequadamente a qualidade da governação, seja ela na economia ou mesmo
noutras áreas. No entanto, apesar das várias limitações que vamos ver na
capacidade dos eleitores a envaliar a governação, o convidado acaba por salientar
que o eleitor médio lá vai conseguir, na última análise, em retrospectiva,
tomar decisões racionais e informadas, tendo em conta os dados disponíveis. Este
tema levou-nos também a discutir o modo como a política é hoje,
em muitos países, e também em Portugal, mais ideológica e mais polarizada
do que foi noutros tempos. No caso de Portugal, o convidado chama
a atenção para que, apesar do aumento da abstenção nos últimos anos,
a participação política, de uma forma mais geral, tem aumentado. O segundo
dos mitos que abordamos neste episódio está relacionado com o crescimento dos
partidos da direita radical na Europa nas últimas décadas. A propósito desta
tendência, é comum ouvir-se dizer que estes partidos foram roubar eleitorado, sobretudo
aos partidos da esquerda tradicional, designadamente o chamado eleitorado operário, ligado à
indústria e com baixo nível de educação. No entanto, o convidado salienta
que isto é uma simplificação. Não só isso não explica a perda
de peso dos partidos da esquerda tradicional nas últimas décadas, como não
é deste eleitorado que vem a maioria dos votantes nos partidos da
direita radical nos países europeus. Seja como for, a crise da esquerda
tradicional, da chamada social-democracia, é uma realidade em vários países europeus. Portugal
é, no entanto, uma exceção a esta tendência. Isto acontece por vários
motivos, alguns deles não necessariamente bons, porque continuamos a ter uma economia
relativamente pobre e um nível de escolarização médio abaixo de outros países
europeus. Para inverter esta tendência, seria necessário investir mais no longo prazo,
designadamente investir em políticas para a juventude e também na educação e
na ciência. No entanto, a verdade é que como faltam recursos ao
país, aquilo que nós vemos ainda nesta campanha é que o discurso
dos maiores partidos tende a focar-se mais no curto prazo. Isto em
grande medida é compreensível porque pensões e gastos em saúde são necessidades
mais imediatas que é preciso acautelar, mas a verdade é que só
pensando o país a longo prazo podemos prepará-lo para os jovens e
para as novas gerações. Por isso, no final do episódio, pedi ao
Pedro algumas ideias para tentar inverter esta tendência e conseguir que a
política pense mais no longo prazo. Como vão ver, ele tem algumas
ideias muito interessantes e que ressoam com aquilo que outros convidados já
disseram aqui no 45 Graus. Finalmente, queria agradecer aos que preencheram o
inquérito que vos pedi no último episódio, para darem feedback em relação
aos episódios mais recentes do podcast. Quem ainda não o fez e
quiser colaborar, pode encontrar o link na descrição deste episódio. E ainda,
como de costume, queria agradecer aos novos mecenas do 45 Graus. E
são muitos. Pedro Lima Ferreira, Mário Teixeira, João Pereira Amorim, M Carvalho,
Pedro Ribeiro, Rita Freitas, João Teixeira, António Santos, Helena Monteiro, Emanuel Saramago,
Pedro Coelho e Gonçalo Paiva Ipona. Muito obrigado a todos e agora
deixo-vos com Pedro Magalhães. Pedro, muito bem-vindo segunda vez ao 45 Graus,
três anos depois, acho eu. Acho que sim, obrigado pelo convite. Desta
vez vamos gravar sobre um tema diferente, eu desafiei-te para o podcast
para voltar com base num mote que me pareceu interessante e como
vamos ver vai ser interessante, que é algumas ideias que nós vemos
difundidas, quer dizer, que tomaram mais ou menos o domínio público ou
pelo menos as pessoas que são interessadas por esta área e que
ou são erradas ou no mínimo são um pouco grosseiras, alguma simplificação
em relação a alguma complexidade da realidade. E tu enviaste-me algumas sugestões
que vamos percorrer aqui nesta conversa. A primeira delas tem a ver
com aquilo que se costuma chamar o voto económico, ou seja, é
a ideia que provavelmente a maioria das pessoas que nos estão a
ouvir já ouviram difundida e, aliás, tenho a impressão que nós falámos
disso até na nossa primeira conversa, não consigo jurar, porque já foi
há alguns anos, de que o desempenho da economia é a principal
variável que determina o comportamento dos eleitores, ou seja, a maneira como
os eleitores votam nas eleições, ou por outras palavras, a maneira como
tratam o partido que está no governo e que os eleitores fazem
isso de uma maneira consistente e que são capazes de avaliar esse
desempenho. Em que medida que isto não é completamente certo?
Pedro Magalhães
Sim, bem, em primeiro lugar, Obrigado pelo convite. Eu também queria dizer
que estas ideias que circulam, que nós vamos aqui discutir, não são
ideias equivalentes a pessoas que acham que a Terra é plana ou
que as vacinas introduzem capacidade 5G nas pessoas.
Não
são propriamente erros ou falsidades, são determinadas maneiras de olhar para a
política, algumas delas que circulam muito na comunicação social e outras que
circulam até em alguma investigação, e em relação às quais existem nuances
que importa trazer ou que no fundo mostram que a realidade política,
na base daquilo que nós conseguimos dizer e que muitas vezes não
é muito ou não é tanto como gostaríamos, é um pouco mais
complicada. E essa primeira ideia que lançaste aqui é a ideia de
que, no fundo, o desempenho da economia determina os resultados das eleições,
determina se um governante consegue ser ou não reeleito. Ora, sobre isto,
há uma quantidade enorme de investigação. Nada daquilo que se sabe sugere
que um governante prefira ir a eleições em momentos de crise económica,
não é isso? Sim, podemos ter a certeza. Sim, mas que o
efeito da economia nos resultados eleitorais é bastante mais pequeno e talvez
mais interessante ainda do que isso, é bastante mais contingente do que
aquilo que se pensa. Há um capítulo de um livro relativamente recente,
tem 5 ou 6 anos, de um investigador que por acaso conheço
bem, que é o Mark Kaiser, e que faz o seguinte exercício.
Pega nos países da OCDE, ao longo de cerca de, se eu
não me engano, 20 anos, 20 ou 30 anos, e vai tentar
perceber qual é a relação entre o crescimento económico e o desempenho
eleitoral dos partidos de governo. E descobre que por cada ponto percentual
de crescimento económico a mais, um partido de governo pode esperar, em
média, crescer meio ponto percentual em votos. Ora, isto parece uma relação
razoável até nós pensarmos que um ponto percentual de crescimento económico é
muito. Sim,
José Maria Pimentel
Sim, e já agora, Pedro, se calhar vale a pena dar um
passo atrás para explicar qual seria a lógica disto. Porquê que as
pessoas dariam... Quer dizer, isto de certo ponto de vista parece estar
a dedicar tempo a uma questão que não merece, porque é mais
ou menos intuitivo que a economia é importante, não é? Mas eu
creio que também tem a ver com duas especificidades da economia, não
é? Por um lado, de todos os temas importantes, provavelmente é aquele
que mais facilmente muda de uma eleição para a outra. E por
outro lado, também, do ponto de vista de quer dos eleitores, quer
de quem está a investigar, é um tema mais quantificável do que
outros que podem preocupar os eleitores, não é?
Pedro Magalhães
Sim, sim. São dois bons pontos. Eu penso que, no fundo, a
teoria que está por detrás disto tem dois lados, não é? Um
é dizer-se, o desempenho económico, tal como observável pelas pessoas, e no
fundo ele é observável de duas maneiras, é observável quando se recebe
informação de uma estimulação social, quando saem resultados ou projeções sobre crescimento
económico, e também é observável nas suas vidas, na sua situação económica,
seria um indicador de competência dos governos. Claro que as pessoas não
votam apenas na base de competência, também votam na base de posições
sobre questões que não têm a ver, não são propriamente estes temas,
são aqueles temas que na ciência política se chamam de temas de
valência, quer dizer, ninguém quer viver em crise económica, ninguém quer alto
desemprego, ou ninguém quer estar desempregado, ou ninguém quer que os salários
não aumentem, muitas pessoas querem bom desempenho, mas isso não é o
único fator, como eu dizia há pouco, há uma série de posições
políticas ou políticas públicas que não são de valência, em relação às
quais as pessoas são a favor ou são contra esta ou aquela
posição, mas a lógica seria que os eleitores podem recompensar ou punir
na base do desempenho, ou, o que vai dar mais ou menos
ao mesmo, não exatamente, mas parecido, podem Escolher, podem pensar no futuro
e escolher um partido, neste caso quem está no governo é quem
é responsabilizável mais pelos resultados da governação, que demonstre maior competência. No
fundo isso seria a lógica do voto económico. Mas na prática isto
é complicado por várias coisas que limitam o peso que o desempenho
económico tem no comportamento eleitoral. Mas
Pedro Magalhães
acho que em primeiro lugar nós temos que... Há bocadinho eu dizia
o desempenho observável. Em primeiro lugar nós temos que pensar que para
fazerem estas escolhas, para recompensarem ou punirem, as pessoas baseiam-se nas suas
percepções. Ninguém tem, digamos, uma experiência real, direta, do desempenho económico de
um país, ou do desempenho económico que um governo consegue imprimir a
esse país. Isso baseia-se em perceções. Isto mostra desde logo que a
informação a que as pessoas têm acesso, a informação que consomem e
a que tipo de informação é que estão expostas, tem importância. Eu
aqui há uns anos escrevi um pequeno artigo em que comparava as
eleições de 2011 e as eleições de 2015. As eleições de 2011,
obviamente, ocorreram durante e no princípio do que veio a ser uma
das mais longas recessões que Portugal teve, e em que o partido
de governo foi claramente punido eleitoralmente, mas depois em 2015 as eleições
tiveram lugar num contexto de recuperação económica e em que a coligação
de governo foi punida mais ou menos na mesma escala. E portanto,
isto mostra desde logo que a relação entre a economia e o
voto não é direta. Desculpa, Intúbir, eu acho que nós temos quase
certeza que falámos desse artigo no primeiro episódio. Até pelo timing. Creio
que sim, creio que sim. E uma das coisas que o artigo
mostra é que a relação entre o desempenho da economia e as
percepções das pessoas não era direta. Ou seja, em 2015, quando se
perguntava às pessoas o que é que tinha acontecido, na sua opinião,
no último ano com a economia, um grande número de pessoas não
detectava evolução positiva na economia, apesar de nós sabermos. E isto decorre
de quê? Eu acho que decorre de várias coisas que ajudam a
perceber porque é que esta relação entre o desempenho da economia e
o desempenho eleitoral é complicada. Em primeiro lugar, uma das coisas que
nós sabemos, e eu tenho outro artigo recente com o Luís Aguiar
Corrari e o Bruno Fernandes que mostra isto para Portugal, e Portugal
é apenas um caso em que isto sucede, é que a relação
entre o desempenho da economia e a recompensa ou punição dos governos
é assimétrica. Ou seja, quando os desenvolvimentos são negativos, as pessoas punem
muito, castigam muito, mas quando são positivos não recompensam na mesma proporção.
Dito de outras maneiras, As recessões têm efeitos negativos maiores no desempenho
da economia do que os efeitos positivos que o crescimento tem. E
eu penso que isto sucede, ou melhor, não sou eu que penso,
muita gente pensa, que isto sucede por duas razões. Em primeiro lugar
porque quando a economia está a correr bem ela deixa de ser
tema político, ela deixa de presidir as preocupações das pessoas, deixa de
ser comentada na comunicação social e passa a competir muito mais com
outros temas que numa crise económica são apagados pela saliência da economia.
Isto ajuda a explicar parte da assimetria. Outra razão para a assimetria,
é mais psicológica se quisermos, é o resultado de muitos estudos sobre
estas matérias e outras, é que em geral as pessoas têm uma
predisposição para dar mais importância, para dar mais atenção a coisas negativas
que lhes acontecem do que coisas positivas. Retém-nas mais na memória, usam-nas
mais para fazer avaliações, seja do que for. Portanto, este enviesamento, por
um lado, e por outro lado, o enviesamento a uma escala que
tem a ver com a informação que circula sobre estas questões, ajuda
a complicar a relação entre o voto e a economia desta forma
assimétrica. Quando as coisas correm mal, isso é muito mal. Quando as
coisas correm bem, isso não é tão bom para quem governa.
Pedro Magalhães
ajuda a explicar este contraste que estávamos aqui a falar entre, por
exemplo, os casos de 2011 e os casos de 2015. Mas é
verdade que também se fala muito de uma certa miopia dos eleitores,
ou seja, a sua tendência para dar mais importância ao que aconteceu
recentemente do que ao mais longo prazo. É isso também que, por
exemplo, na literatura, na economia política, ajuda a explicar aquilo a que
se chama os ciclos económico-eleitorais que os governos imprimem a economia. Ou
seja, os governos nestas circunstâncias, e que querem
ser
reeleitos, e o que pensa ser universal para todos, têm incentivos para
estimular a economia perto da eleição, porque isso aumenta, neste eleitorado que
se presume ser mais miúdo, aumenta a probabilidade de que sejam recompensados.
E é por isso também que nós observamos muitas vezes na economia
estes ciclos, não é? Por isso é que muitas vezes se diz,
e creio que com razão, que o meio do ciclo eleitoral é
provavelmente o momento até ao qual os governos concentram as medidas mais
difíceis e que podem gerar mais insatisfação e concentram as medidas positivas
perto da eleição, isso é outro aspecto.
José Maria Pimentel
Há duas maneiras de olhar para isto, parece-me. Para isto, Ou seja,
para as limitações da economia explicar o voto. Por um, o um
é pensar que os eleitores têm interesse, não é interesse, dão importância
ao decidir o seu voto. E aqui quando falamos de eleitores, os
eleitores que interessam são os eleitores de fronteira, não é? Porque são
os eleitores que decidem as eleições, não são aqueles que votam sempre
no mesmo porque esses por definição não estão sujeitos a estas, não
votam de acordo com estas condicionantes, pelo menos à partida, a não
ser em eventos extremos. Mas dizia, por um lado, nós podemos pensar
em que medida é que os eleitores são influenciados pela economia, estão
atentos à economia versus outros fatores, versus, por exemplo, a segurança ou
versus outro tipo de questões a que dão mais importância. E aqui
tem a ver com prioritização de preocupações ou, por outro lado, a
capacidade dos eleitores para avaliar mesmo aquilo que é importante para eles.
Ou seja, mesmo admitindo que a economia é importante, e isso tem
a ver com as limitações que falávamos agora, há limitações da parte
dos eleitores que têm a ver com valorizarem mais o negativo do
que o positivo, têm a ver com isto que o Pedro falava
agora e até têm a ver com alguns casos mais extremos de,
por exemplo, a investigação dos cientistas políticos, não sei como é que
se pronuncia o nome do primeiro, não sei se é Achen ou
Achen e do Bartels, que até tem um livro interessante que é
o Democracy for Realists, em que eles têm uma perspectiva bastante pessimista
da capacidade dos eleitores de avaliar uma série de coisas, entre as
quais a economia, porque tendem a atribuir, não só têm esses viéses
todos, como por exemplo, tendem a atribuir erradamente os efeitos negativos e
os efeitos positivos. Por exemplo, sob esta lente, uma recessão causada pela
pandemia podia não ser interpretada pelos eleitores como causada por um evento
externo, mas como culpa do governo e portanto levando-nos a culpabilizar o
governo da mesma maneira que no sentido contrário, um crescimento provocado pelo
PRR, por exemplo, seria benéfico para o governo, independentemente do governo não
ter este ou outro qualquer futuro, não ter grande mão no assunto,
não é? Eu penso que o nome do primeiro
Pedro Magalhães
Isto tem a ver um bocadinho com aquilo que eu dizia no
princípio. Não Estamos a falar de saber se a Terra é plana
ou se o Sol anda à volta da Terra, estamos a falar
de coisas que obviamente onde há muito mais espaço para contestação, para
dúvida e muito mais incerteza. Mas estas ideias deles não são muito
consistentes com outras coisas que nós sabemos sobre o comportamento eleitoral e,
em particular, sobre esta questão de que estamos a falar sobre a
relação entre a economia e o voto. Por exemplo, nós sabemos que
os eleitores tendem a responsabilizar mais governos maioritários do que governos de
coligação pela economia. E ao fazerem isso, parece-me que os eleitores estão
a agir de forma completamente racional. Ou seja, quando o poder está
concentrado no partido, É perfeitamente lógico que eu converta as minhas percepções
sobre o estado da economia em avaliações de quem está a governar.
Quando um governo é de coligação ou quando um governo é minoritário,
obviamente que a sua capacidade de influenciar a economia ou de determinar
o estado da economia é menor. E correspondentemente, aparentemente, na base da
investigação que existe, apesar de haver muita discussão sobre isto, mas esta,
como dizem os economistas, é um dos factos estilizados sobre esta questão,
de facto quando o poder está mais disperso a relação entre a
economia e o voto nos governantes é mais fraca. Digo isto. Isto
parece corresponder a uma avaliação das coisas que não é tão, vou
usar este termo, enfim, não de uma maneira técnica, mas de uma
maneira comum, que não é tão irracional como aquilo que o Eike
Neuberger se propõe. Outra coisa, e até podemos dar um exemplo recente,
atual, sobre a situação portuguesa. A avaliação que os portugueses fazem hoje
em dia da evolução da economia é esmagadoramente negativa. Noutras circunstâncias, em
circunstâncias vamos dizer normais, isso teria de se repercutir, seja numa avaliação
do governo, seja em intenções de voto, catastróficas para o partido de
governo. E no entanto isso não sucede. Portanto, as pessoas parecem... Ainda
não chegamos às eleições, mas aparentemente é o
Pedro Magalhães
Mas não é de todo proporcional à avaliação que as pessoas fazem
da economia. E a única explicação para isto é que os eleitores,
ou a esmagadora maioria dos eleitores, reconhece que a responsabilidade direta do
governo pela instituição da economia é muito menos clara, mesmo que possa
existir, e que possam existir algumas dessas opiniões, mas é muito menos
clara, muito mais difusa do que em circunstâncias onde não estamos perante
o choque, vamos dizer assim, exógeno, criado pela pandemia. Outra coisa, aliás,
há bocado falei de um trabalho com o Luís Aguiar Corrari, com
o Bruno Fernandes, e nesse trabalho também, uma das coisas curiosas que
aparece, para além daquela assimetria na relação entre a economia e o
voto, portanto, recorda a ideia de que recessões são muito mais castigadoras
do que períodos de crescimento são recompensadores para os governos. Outra coisa
que aparece é que em momentos de conflito entre o presidente e
o primeiro ministro, historicamente, a economia deixa de ter importância. O que
no fundo sinaliza, mais uma vez, que quando há conflitos institucionais, até
se pode pôr as coisas nestes termos, quando os governos podem pôr
a culpa e nunca perdem a oportunidade de fazer, se podem fazer.
Das crises económicas, dos problemas económicos em atores que são externos, a
sua própria responsabilidade, quando fazem, os eleitores reagem e reagem responsabilizando menos
os governos. Portanto, isto para dizer assim... Mas
Pedro Magalhães
Eu diria que neste caso é uma reação política normal, compreensível, da
mesma maneira que a oposição os responsabiliza muitas vezes por coisas, ou
tenta responsabilizar os governos por coisas que objetivamente eles podem não controlar,
mas na verdade reflete que é uma situação objetiva, neste caso, de
conflitos institucionais, que têm repercussões nas políticas públicas e na capacidade de
afetar, neste caso, o desempenho da economia, os eleitores deixam de responsabilizar
diretamente os governos. Bem, em parte também porque acontece outra coisa. É
porque nessas situações de conflito as predisposições políticas das pessoas, as suas
simpatias por este ou por aquele, são mais ativadas e, portanto, acabam
por contaminar a percepção da economia. Mas da mesma maneira como maiorias
versus coligações afetam a capacidade de responsabilizar e afetam objetivamente a capacidade
de um ator político concreto, primeiro-ministro ou um partido, controlar a economia,
é que isto, deste caso, também sucede que as pessoas não são
cegas à realidade política, não são cegas à capacidade autónoma e logo
à responsabilidade que deve ser atribuída a um governo pelo desempenho da
economia. Portanto, para além daquela questão da assimetria de que nós falávamos,
para além da questão das perceções serem condicionadas pela informação política de
que se dispõe, temos também esta ideia bastante consensual, e da qual
há bocadinho falávamos do exemplo da avaliação atual que as pessoas fazem
do desempenho da economia, mas como não o convertem diretamente, ou tanto,
numa punição de governo do que circunstâncias normais, eu acho que isto
contraria um pouco a ideia de que os eleitores são miúpes em
relação a tudo o que se está a passar e simplesmente de
forma quase como um reflexo condicionado castigam e recompensam governos
José Maria Pimentel
pelo desempenho da economia independentemente de tudo o que está à volta?
Eu estava a pensar aqui, agora a ouvir-te, na maneira como isto
poderá estar a evoluir nos tempos atuais. Quem diz os tempos atuais
não é hoje, obviamente, é nas últimas décadas. Porque uma característica da
governação atual, e que aliás é uma das várias razões apontadas para
depois o sucesso da mensagem de movimentos populistas é que a sociedade
e portanto a governação tornou-se muito mais complexa e nós hoje em
dia o que temos são, só para citar duas coisas mais ou
menos evidentes, nós temos governos governos não é bem governos, nós temos
órgãos políticos não eleitos com um peso grande e a própria política
tornou-se muito mais complexa e portanto há bancos centrais, há reguladores, há
tribunais muitas vezes com ONU, não é tanto o caso de Portugal,
é mais o caso por exemplo dos Estados Unidos com um peso
muito visível, há uma burocracia estatal que as pessoas têm dificuldade em
compreender e depois há a globalização que levou a uma diminuição de
poder dos governos, seja na arena económica, seja na arena política também,
porque depois também temos uma série de instituições multinacionais, desde o FMI
ou da Organização Mundial do Comércio, passando, no nosso caso específico, pela
União Europeia, que também tem aumentado de poder, pelo menos até à
crise do Euro. E isto torna, ou pode tornar, ainda mais difícil
para as pessoas ter uma noção da governação, não é? E é
fazer essa atribuição de culpas ao governo, seja de resultados económicos, seja
de resultados noutras áreas, porque de repente aquilo que é a governação
tornou-se algo muito mais complexo, porque há diversas áreas que estão fora
das mãos do governo e isto tanto fora significa que eles não
conseguem agir, mas também significa que podem vir daí efeitos que não
são atribuíveis ao governo e portanto pode, mesmo não tendo o Accan
e o Bartels, mesmo não tendo razão absoluta no diagnóstico inicial que
eles fazem, pode haver aqui uma tendência, pelo menos sob um olhar
Pedro Magalhães
Falavas, portanto, de uma mudança. Estas mudanças históricas são difíceis de avaliar
porque para isso nós precisamos de dados. E a verdade é que
há países sobre os quais, enfim, os Estados Unidos é talvez o
exemplo principal, mas o Reino Unido também de certa forma e outros,
mas só agora, com a existência de projetos académicos que de facto
têm procurado reunir longas séries históricas de dados sobre opinião pública, sobre
avaliação do governo, sobre comportamento eleitoral, por aí fora, é que começa
a ser possível avaliar algo como aquilo que estás a sugerir, que
é a dificuldade de escrutinar, responsabilizar governos, aumenta à medida que a
complexidade da governação também aumenta. Falavas há bocadinho de bancos centrais, podemos
falar também de europeização das políticas económicas,
por aí fora.
E portanto, não é muito fácil ter uma resposta para essa questão.
Aquilo que eu queria resgatar aqui um bocadinho é que, mesmo assim,
Uma das coisas mais interessantes também que esta investigação tem mostrado é
que mesmo nós sabendo que o estado da economia, por exemplo, no
país é determinado por uma série de fatores que não estão sob
o controle dos governos. A situação económica internacional, as decisões políticas da
Comissão Europeia, os mercados, toda uma miria de fatores que não estão
ao alcance do controle direto de um governo nacional. Mesmo assim, as
pessoas parecem ser capazes de fazer aquilo que a literatura chama de
benchmarking. E o que é que isso quer dizer? Uma das coisas
que a investigação também mostra é que as pessoas comparam, isto é
um bocado estranho de dizer porque é muito difícil imaginar pessoas concretas
a fazer este cálculo, portanto não é bem isso que acontece. O
que acontece é que esta informação, de alguma forma, faz parte da
informação que as pessoas acabam por dispor. E que informação é essa?
É que os países que têm melhor desempenho em comparação com uma
média, seja por exemplo no caso da Europa, e há muita investigação
sobre isto, independentemente de fatores exógenos que de alguma forma são captados
pelo desempenho médio de uma determinada região, os países que desempenham acima
da média, as economias que desempanham acima dessa média geram recompensas eleitorais
para os governos e as que desempanham abaixo dessa média geram punições
eleitorais para os governos. Portanto, mesmo com toda esta dificuldade em determinar
quem é que é responsável pelo quê, parece haver algum processo que
de facto é misterioso porque ninguém consegue imaginar uma parte minimamente significativa
da população a fazer este tipo de comparações, o que é certo
é que elas se refletem a nível agregado nos comportamentos. E, portanto,
como eu digo, não deixa
Pedro Magalhães
É, no fundo, muito disto passa pelo quê? Passa pela ideia de
que mesmo que as pessoas não estejam a fazer estas comparações, os
partidos políticos, os órgãos de comunicação social acabam por transmitir esta mensagem
e conseguem transmitir esta mensagem. E mesmo que muitos estejam a transmitir
mensagens contraditórias, há uma média, digamos, de credibilidade que a mensagem real
acaba por ter e a mensagem, digamos, falsa acaba por perder. Mas
não deixo de dizer que esta é talvez uma das questões que
mais ocupa esta literatura gigante, há centenas de pessoas a escrever sobre
isto, de muitas maneiras, usando muitos tipos de dados, mas É de
facto uma coisa misteriosa, mas que sucede, que é esta aparente capacidade
em média dos eleitores serem capazes de fazer isto. Com todos os
condicionalismos de que eu falei há pouco, ou seja, volto a dizer,
a aparente assimetria deste processo, recessões, grande punição, crescimento, pouca punição, e
a maneira como tudo isto é condicional ou moldado por esse fator
de que também falávamos há pouco, que é a real ou a
percebida responsabilidade que se pode atribuir a um governo e que é
mitigada quando ele partilha poder, que é mitigada quando há choques externos
que manifestamente seria insensato atribuir à responsabilidade de um partido concreto ou
de um líder político concreto, tudo isto parece emergir dos dados. Há
José Maria Pimentel
um paradoxo engraçado neste tema. Neste tema não é o tema do
voto económico só, é o tema do voto de acordo com a
capacidade do governo, é o voto em resposta à qualidade da governação,
se nós quisermos, que é as pessoas mais atentas aos temas, portanto
as pessoas que de facto podem ter acesso a essa informação mais
exata, tendem a ser também pessoas mais ideológicas e sendo mais ideológicas
não estão depois sujeitas ao voto económico ou ao voto de outro
tipo qualquer porque o voto dela já está definido. Ou é um
voto no partido A, no partido B ou no partido C. Portanto,
isso era um paradoxo engraçado em que quem na verdade vai determinar
o funcionamento do sistema são as pessoas menos informadas ou pelo menos,
tendencialmente, as pessoas menos informadas, não é? Sim. Estou a dizer, está
bom. Sim, sim, sim. É
Pedro Magalhães
um tópico de escolha aqui. Em parte isso é verdade, ou seja,
as pessoas... Em primeiro lugar, nova informação é uma informação que obviamente
é mais consumida e à qual têm acesso pessoas que consomem mais
informação. Pessoas que seguem as notícias na televisão e nos jornais, que
se interessam por elas, que as consomem. Mas o que sucede, como
dizias, é que esse efeito tem que ser destrinçado de outro e
é muito difícil destrinçá-lo por isto, é porque essas pessoas são também
as pessoas que com mais frequência têm predisposições políticas mais enraizadas. Simpatizam
mais com determinado partido. Nós em Portugal temos metade dos portugueses que
não declaram simpatia com partido nenhum. Temos um grande número de portugueses,
quando lhes perguntamos onde é que eles se posicionam numa escala, aquelas
perguntas dos inquéritos, numa escala de 0 a 10, em que 0
é a posição mais à esquerda e 10 mais à direita, temos
uma quantidade enorme de pessoas que dizem 5. Dizem 5. Algumas delas
porque são de facto pessoas centristas, algumas delas porque têm enorme dificuldade
em posicionar-se numa coisa como estas e para as quais o SIM,
que é uma espécie de opção de refúgio, muitas dessas pessoas são
de facto pessoas menos envolvidas, menos interessadas, mais desligadas da política. Para
os outros, por um lado, o consumo de informação tende a ser
maior e portanto, em princípio, nós esperaríamos que eles fossem as pessoas
que usassem essa informação, mas, por outro lado, elas olham para essa
informação com olhos moldados pelas suas preferências. Os Estados Unidos são talvez
o caso mais extremo disto, porque ao contrário de Portugal é um
país onde mais de 80% das pessoas simpatizam de facto com um
determinado partido, sejam republicanos, sejam democratas. Uma das coisas mais incríveis, bem,
há muitas deste género, mas uma das coisas mais incríveis que vi
foi mesmo depois dos primeiros quatro anos da governação Obama, em que
o país tinha saído de uma crise, o país e não só
o país, muitos outros países, de uma crise económica enorme, a maior
parte dos republicanos continuava a dizer que o desemprego tinha aumentado e,
portanto, isso não era uma questão sequer de avaliação subjetiva. Era uma
pergunta, o desemprego aumentou ou diminuiu? A maioria dos republicanos dizia que
aumentou. E não estou a dizer que isso seja um problema dos
republicanos, porque o inverso, talvez não de forma tão acentuada, mas o
inverso com os democratas também acontece.
E
depois há outra coisa que é esta conjunção entre preferências e vamos
chamar-lhe assim sofisticação política, tem depois uma outra consequência que um politólogo
muito conhecido chamado John Zeller mostrou já há muitos anos, só foi
30 anos, que é quanto mais sofisticadas as pessoas são, sofisticadas aqui
no sentido de expor muita informação, mais capazes são de lutar contra
os factos. Exatamente. Ou seja, se eu for uma pessoa muito interessada
na política, muito informada, mas tiver ao mesmo tempo uma simpatia política
forte, quando me apresentam um determinado argumento eu consigo imaginar 50 considerações
contra esse argumento. E, portanto, isto para ir ao princípio da tua
pergunta, de facto, por um lado as pessoas mais... Consomem menos informação
económica, política, outra, precisamente por terem menos informação, são menos suscetíveis de
mudar de opinião, mas quando a recebem é mais fácil persuadí-los do
que todas aquelas pessoas que consomem muita informação mas tenham ao mesmo
tempo predisposições políticas fortes, porque essas lutam contra a informação. E aliás,
quando falamos de informação, também temos de nos lembrar que os factos,
o mesmo facto, pode ser enquadrado de muitas maneiras diferentes. Portanto, uma
coisa é eu dizer, Portugal cresceu, a economia cresceu 2% o ano
passado. O mesmo facto pode ser dito de outra maneira. Eu, por
acaso, nem me recordo. Certamente não cresceu 2% o ano passado. Mas
estou a dar um exemplo bem abstrato. A economia cresceu 2% o
ano passado. Isso pode ser um facto. Outro facto é que Portugal
cresceu menos que a média europeia. E as duas coisas são factos,
mas são dois factos enquadrados de forma completamente diferente. E na comunicação
social e no discurso político e no discurso dos comentadores, estes factos,
mas enquadrados de forma completamente diferente e com consequências diferentes, circulam. Circulam
igualmente e depois, junto de algumas pessoas, há uns que prevalecem, junto
de outras pessoas, há outros que prevalecem e geralmente prevalecem aqueles que
vão de encontro àquilo que as
José Maria Pimentel
eleitoral. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net
barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode
contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Eu evito falar muito da
atualidade aqui num podcast mas não resisto porque nós estamos a gravar
isto numa altura que estão a decorrer os debates para as eleições
e eu tenho notado os nossos debates, pode ser uma impressão minha,
não sei o que é que achas sobre isto, mas tenho notado,
tal como se tem passado em outros países, os nossos debates muito
ideológicos, muito identitários, se quisermos. Obviamente que isto tem que ver com
o surgimento de novos partidos, que são pequenos e que se estão
a tentar afirmar, não é? Claro que tem a ver com isso.
Mas poderá haver aqui uma tendência pequena de inversão dessa tendência que
estávamos a aludir mais a longo prazo? Portanto, tu aludias a uma
tendência de, pareceu-me, se entendi bem, de diminuição da identificação ideológica das
pessoas, ou da atenção das pessoas à política e, portanto, com uma
menor... Desculpa, ias interromper. Não, eu
Pedro Magalhães
não acho que haja... Eu não creio que isso esteja a acontecer
em Portugal. Eu estava a dizer que de facto o contingente de
pessoas que se interessa pela política é pequeno e que o contingente
de pessoas que está aliada é grande ou tem sido grande. Mas
o facto da abstinção eleitoral ter aumentado não significa necessariamente que tenha
aumentado o desinteresse pela política porque ao mesmo tempo as pessoas têm
outras formas de participar, têm outras formas de intervir que vão para
além deste ato, enfim, para mim fundamental, extremamente importante, decisivo, mas não
único, de votar numa eleição. E portanto eu não estou convencido que...
Não é questão de estar ou não convencido. Os dados mostram que,
sim senhor, isso é incontestável, tem havido um aumento da abstenção, mas
ao mesmo tempo que esse aumento da abstenção ocorreu, vamos dizer assim,
ao longo dos últimos 20 anos, que é quando nós temos dados
para comparar com outras formas de participação, tem havido outras formas de
participação política que aumentaram muito. Aumentaram muito em parte porque aumentou o
nível de instrução da população em geral e nós sabemos como os
recursos educacionais estão muito correlacionados com a predisposição, com a disponibilidade e
com a vontade de participar. Também aumentaram, certamente, porque há até mudanças
tecnológicas que facilitam muito outras formas de participação, talvez o caso mais
estorondoso seja o caso das petições. Nós, do princípio do século, tínhamos,
agora não me recordo do valor exatamente, mas penso que não é
raro muito se dissermos que há 4% das pessoas que diziam... O
ano passado eu assinei uma petição no último European Social Survey, eram
20%, é uma aumento enorme. Claro, porque as petições é uma coisa
relativamente fácil de fazer hoje em dia. Até contactar com políticos através
de e-mail, através das redes sociais e até o protesto, a participação
em manifestações, tudo isso aumentou ao longo das últimas duas décadas. Portanto,
desculpa ter-te interrompido, estavas a dizer que havia um aumento, se eu
percebi bem, um aumento do desinteresse, da desafeição política, eu penso que
isso já não é um bom retrato. Não, mas eu ia dizer
o contrário. Ah,
José Maria Pimentel
ok. Na verdade, eu ia dizer o contrário. Eu ia dizer que
poderia haver essa tendência de fundo, mas parece-me que há outra tendência
mais recente, que se verifica em vários países e Portugal também, de
um aumento de... Talvez, quer dizer, eu não tenho números para isto,
mas dá ideia pelo comportamento dos partidos que a ideologia tomou um
papel na política que não tinha até aqui, não é? E nós
nos debates vemos essa preocupação de clarificação ideológica e moral e um
lado até identitário forte dos partidos. E isto tem-se visto noutros países,
eu tenho reparado nisso nos nossos debates. E pergunto-me se isso será
verdade, quer dizer, se haverá... A parte que poderá estar relacionado com...
Ou estará relacionado com as redes sociais, mas também está relacionado com
outros desafios, também possivelmente com o aumento da instrução, como dizias há
bocadinho, com o aumento da saliência também do processo político, que vai
mais atrás das redes sociais, tem a ver com a própria internet,
e pergunto-me se isso será verdade ou será só um fenómeno de
elites, se nós quisermos dizer, não gosto muito deste termo, mas será
um fenómeno de, por exemplo, nós... Eu estava-me a lembrar disto há
bocadinho quando tu falavas das pessoas mais interessadas, tendem a ter poucas
dúvidas, nós ambos habitamos o Twitter, que é um espaço onde se
discute muita política, e ali as pessoas não têm dúvidas, poucas pessoas
têm dúvidas. É um espaço bastante ideológico de uma maneira que eu
não me lembro de ver antigamente, mas também poderá haver aqui um
exagero, não é? Porventura as cúpulas dos partidos estão a achar que
o eleitorado está mais interessado nessa clarificação e
Pedro Magalhães
nessa pureza ideológica do que o eleitorado está na verdade. Eu acho
que é sempre muito fácil sobrestimar a importância que a população em
geral atribui a estas coisas. Precisamente porque, como dizia, as pessoas como
eu e como tu, e as pessoas que provavelmente não ouviram o
podcast, são pessoas muito pouco representativas das preocupações normais, das pessoas normais,
vamos dizer assim, que não seguem a política dia-a-dia, que tem muitas
outras coisas para fazer, que consomem muito outro tipo de informação e
preocupam-se com muitas outras coisas. Dito isto, ao mesmo tempo, há coisas
que não se podem negar. Em primeiro lugar, dizia há pouco, reforçando,
a participação política em Portugal aumentou durante muitos anos e estou a
excluir aqui, obviamente, a participação eleitoral. Não estou a excluir a sua
enorme importância, não estou a excluir a importância que para mim tem
o aumento da abstenção, mas também não se pode ignorar que aquilo
que em Portugal era há 20 anos um bom retrato, digamos, da
população em geral, politicamente apática, desinteressada, com níveis de participação, digamos, não
convencional, falámos há pouco das petições, dos protestos, por aí fora, baixíssimos
e isso hoje em dia já não é um bom retrato de
Portugal até em termos comparativos. E a outra coisa que está a
acontecer em Portugal mais recentemente e que no fundo é uma manifestação
tardia de mudanças que já aconteceram na maior parte dos outros países
europeus e, vamos dizer assim, ocidentais, das democracias ocidentais, é um aumento
da polarização ideológica, ou seja, um aumento de, seja na oferta, seja
na procura, que é o que eu quero dizer com isto. Do
lado da oferta, nós temos hoje partidos novos, partidos que ocupam posições,
seja no eixo dos conflitos económicos ou dos debates económicos, como por
exemplo a iniciativa liberal, mais extremas, com extremismo não estou aqui a
fazer nenhuma qualificação normativa, mais afastadas do centro. Sim, e mais puros,
não é? Bem, enfim, pureza não sei bem se é o termo.
Mais afastadas do centro do que era a oferta política tradicional, seja
nesse eixo econômico, seja no eixo, vamos dizer assim, sociocultural. Toda a
gente se Lembra daquela coisa da bússola política, há um eixo económico,
há um eixo sociocultural que opõe posições mais libertárias ou progressistas versus
posições mais tradicionais, autoritárias, conservadoras. Também aí há partidos que têm posições,
como por exemplo o Chega, que em Portugal não faziam parte da
oferta política. Portanto, isto aumenta a polarização ideológica e naturalmente. Também se
tivermos em conta que, bem ou mal, a questão tradicional dos conflitos
económicos ocupa para grandes partidos uma posição hoje mais centrista, mais moderada,
com menos diversidade e polarização do que tinha no passado. O aparecimento
destes novos temas, deste novo eixo de conflito, não é? O tema
do ambiente, o tema, enfim, que em Portugal nem sequer é dos
temas que a direita radical mais usa, mas que não deixa de
ter alguma presença da imigração, o tema da lei e da ordem,
tudo isso gera um debate que nos parece e que é um
debate mais ideológico, para dizer assim. Sim. Olha, ainda bem que
José Maria Pimentel
falaste disso porque é uma boa deixa para passar para o segundo
tema que tu tinhas sugerido e que tem precisamente a ver com
esse aumento da saliência nos últimos anos, nas últimas décadas, nas democracias
ocidentais, desse segundo eixo, desses temas culturais que têm a ver com,
colocam em tensão, perspectivas mais conservadoras e mais progressistas, se quisermos, de
um lado, essas preocupações da imigração, da segurança, da lei e ordem,
um certo regresso do conservadorismo moral e do outro lado uma moral
mais progressista e também a entrada de uma nova agenda de justiça
social focada nas chamadas políticas identitárias e em dar direitos ou mais
direitos a minorias, igualdade de género, enfim, uma série de coisas que
vieram tornar esses temas mais salientes do que antes. E uma das
ideias que têm sido muito divulgadas a propósito disto e que nós
falámos, essa sim, seguramente, tenha certeza, na nossa primeira conversa, foi a
ideia de que os partidos da direita radical têm crescido na Europa,
sobretudo na Europa, à custa dos anteriores eleitores à esquerda, dos partidos
sociais-democráticos ou partidos socialistas, se quisermos do eleitorado operário. Tu tens uma
visão relativamente cética sobre isto, não é? Tenho uma visão… Pelo menos
de que não é a história toda.
Pedro Magalhães
De que não é a história toda e que essa maneira de
olhar para as coisas passa ao lado de outras coisas igualmente importantes.
Nós, aliás, vemos muito essa discussão de cada vez que se fala
do Chega, alguém diz, bem, vamos ver onde é que eles cresceram,
estão a crescer à
custa do
eleitorado comunista, não é? Isto é muito… E essa discussão tem havido
aqui em Portugal e noutros contextos tem havido uma discussão ainda maior
que é até a ideia de que os partidos de direito radical
têm crescido à custa dos anteriores eleitores dos partidos sociais-democratas, dos partidos
de sede esquerda, daquilo que em Portugal é o Partido Socialista. E
há uma discussão interessante porque há aqui alguns sinais que parecem reforçar
isto, que parecem sugerir que isto está mesmo a acontecer. Uma das
coisas que nós sabemos é que os partidos de esquerda tradicional estão
em erosão eleitoral nas últimas décadas, especialmente desde os anos 80, e
quando falo em esquerda tradicional falo dos partidos comunistas que praticamente desapareceram
na Europa. Portugal é relativamente excepcional desse ponto de vista, mas também
da socialdemocracia europeia que está manifestamente em crise.
Pedro Magalhães
português, mais provavelmente a falar do PS. Sim, sim, enfim, dos partidos
da Internacional Socialista, para simplificar. Isto tem acontecido. A outra coisa que
também tem acontecido é que o eleitorado destes partidos sociais-democráticos, partidos da
Internacional socialista, é hoje bastante diferente do que era no passado. É
hoje um eleitorado que tem um peso muito maior, digamos de uma
classe média instruída, do que tinha, enfim, desde logo na origem destes
partidos na Europa, mas também do que se passou até os anos
80, do que em trabalhadores com baixas qualificações. E depois, a terceira
peça deste puzzle é, estas duas coisas estão a acontecer, e a
terceira coisa que está a acontecer é que nós também sabemos que,
não sendo isto universal, no sentido de não ser verdade para todos
os países, em todos os partidos da direita radical, é verdade que,
na maior parte dos casos, o eleitorado mais importante nestes partidos é
precisamente o eleitorado composto por trabalhadores com baixas qualificações. E, portanto, qual
é a conclusão que se tira quando se vê estas três peças?
A perda dos partidos de esquerda é o ganho dos partidos da
direita radical. E essa perda e esse ganho deram-se através do, digamos,
do operariado industrial, dos trabalhadores com baixas qualificações. E, portanto, isto é
uma tese que circula muito E à qual também se junta uma
ideia muito antiga de um sociólogo e politólogo muito importante chamado Seymour
Lipset, de uma espécie de aquilo que ele chamava de autoritarismo da
classe operária. A ideia de que as classes trabalhadoras eram, do ponto
de vista da sua cultura, das suas atitudes, mais conservadoras, mais tradicionalistas,
mais até autoritárias do que o resto da população. Portanto, juntando estas
peças todas, o que é que parece que está a acontecer. É
aquilo que eu dizia há pouco. Portanto, há uma ilusão dos partidos
chiasnocratas, ou dos partidos da esquerda tradicional, para ser mais preciso, porque
se estão a passar para a direita radical. Ora, enfim, há muita
discussão sobre isto. Há inclusivamente um capítulo do último livro do Piketty,
em um artigo mais recente, onde no fundo se diz, digamos, os
partidos de esquerda se tornaram partidos das elites intelectuais, os partidos de
direita são partidos das elites económicas e não há ninguém que represente
os interesses dos mais pobres e dos menos instruídos. E, portanto, o
passo seguinte é, obviamente, que são os partidos de direita radical que
estão a absorver esse eleitorado.
Pedro Magalhães
acertas nisto. Isso depende dos países. Em Portugal nós temos uma estrutura
empresarial com empresas muito, muito, muito, muito pequenas e, portanto, isso... Em
Portugal, obviamente, que havia, digamos, uma importante parte da importância industrial que
trabalhava em empresas grandes, mas também sempre houve uma pulverização grande. Mas
o que estás a dizer é verdade em geral, ou seja...
Pedro Magalhães
Ora, para não nos perdermos. Sim. Para eu próprio não perder. A
ideia de que o eleitorado dos partidos sociais-democratas mudou, e que já
não é um eleitorado fundamentalmente composto por trabalhadores com baixas qualificações, é
em grande medida fruto de uma transformação das economias. E não significa
necessariamente que o que se tenha passado é que os trabalhadores menos
qualificados da indústria se tenham movido de armas e bagagens para outros
partidos. Simplesmente eles diminuíram de importância enquanto componente, digamos, enquanto grupo social,
enquanto componente dos eleitorados. A outra coisa que também sucede é que
a perda real de eleitores por parte dos partidos sociais democratas dá-se
fundamentalmente, ou dá-se em grande medida, ou vamos dizer assim, para isto
ser válido para a diversidade de situações que existe, não se dá
apenas para partidos de direita radical, dá-se até fundamentalmente para novos partidos
de esquerda, mas que não são os novos partidos da esquerda tradicional,
são os partidos da esquerda libertária e são os partidos verdes. E
por isso, seja porque numericamente o eleitorado de trabalhadores industriais menos qualificados
seja menor e isto obviamente perderam, do ponto de vista em termos
absolutos, perderam apoio, não desse grupo, mas perderam apoio eleitoral. Seja porque
também perderam apoio e eleitores e têm de competir com os partidos
da nova esquerda para captar os eleitores mais instruídos, isso são as
principais explicações para a erosão dos partidos sociais-democratas, não necessariamente que tenham
perdido eleitores para a direita radical. Isto não significa que na esquerda
tradicional não haja casos, Há sempre casos, mesmo que seja uma única
pessoa, até há casos do outro ponto de vista, por exemplo, nós
sabemos que na Europa de Leste houve de facto uma mudança dos
antigos partidos comunistas, dos eleitorados dos antigos partidos comunistas, diretamente para a
direita radical, isso aconteceu.
Pedro Magalhães
É uma realidade muito específica e também não estou a dizer que
no resto da Europa, talvez França seja outro caso, não tenha havido
também uma passagem importante de eleitores do antigo Partido Comunista para a
Frente Nacional. Se bem que isto é muito difícil de medir, porque
uma coisa é nós dizermos que, quando olhamos, por exemplo, em termos
agregados para regiões onde o Partido Comunista era forte e onde a
Frente Nacional se tornou forte, isso não quer dizer que os eleitores
todos tenham passado de um partido para o outro. O que quer
dizer é que, pode querer dizer que eleitores que anteriormente tinham tendência
para se abster tenham passado para a direita radical. Portanto, a coincidência
no mesmo espaço geográfico não significa que as pessoas em si mesmas
sejam passadas de um sítio para o outro. Mas o ponto que
eu queria deixar sobre isto é que a crise da esquerda tradicional
não é apenas ou não será tanto uma crise indicada pela transferência
de trabalhadores menos qualificados deste eleitorado para os partidos de direita radical,
tem a ver com a diminuição da importância absoluta desse segmento do
eleitorado e tem a ver com a dificuldade que os partidos sociais
democratas têm em, por um lado, atrair os eleitores menos qualificados do
setor dos serviços e atrair, competir com os novos partidos de esquerda,
da nova esquerda, para atrair os eleitores mais instruídos, de uma classe
média instruída, mais qualificada.
José Maria Pimentel
Então, mas espera, essa tese faz muito sentido, mas continua a sobrar
a pergunta que é, olhando para o eleitorado dos partidos da direita
radical, nós vimos lá de facto o eleitorado operário, não é? De
onde é que ele veio? Era eleitorado que tendia a abster só
ao votar, por exemplo, nos partidos conservadores e, portanto, era uma parte
do eleitorado operário que já não estava na esquerda e que se
transferiu para ali.
José Maria Pimentel
Então, mas espera, é que eu simplifiquei a minha pergunta porque nós
sabemos que os eleitores da direita radical não são só operários como
é evidente, não é? Claro. Temos primeiro este eleitorado do serviço, que
tu aludias, não é? E que até pela tua descrição parece estar
mais repartido por diferentes partidos, não é? Sim. É um eleitorado que
tem, também pela sua heterogeneidade, quase que percorre o espectro todo, não
é? E pronto, lá temos os pequenos empresários que tradicionalmente estiveram sempre
ligados à direita radical, ou por outra. Não quero exagerar, mas eu
diria, do que eu tenho visto nos anos... Bom, eles
Pedro Magalhães
Sim, e eu penso que isso em grande medida é verdade, ou
seja, claro que quando se discute hoje o futuro dos partidos sociais-democratas
continua a haver opções. Uma das coisas que tem acontecido, talvez a
Suécia seja o melhor exemplo, mas não é o único, é a
tentação para se dizer que o caminho para os partidos sociais democratas
é recuperar aquilo que perderam. Mas a única maneira de recuperar aquilo
que perderam é tentarem competir em temas como a imigração, como a
lei e a ordem. No fundo é tornarem-se mais parecidos, é não
deixarem cair, não continuarem a perder supostamente esta grande tendência. Mais eleitores
para a direita radical tomando posições mais duras nestes temas. Isso é
uma resposta. E é a resposta, é de fundo a consequência prática
de quem acredita que a principal razão para a erosão da socialdemocracia
tradicional é a perda do eleitorado operário para os partidos de direita
radical. Obviamente que quem não acredita nisto ou quem desvaloriza isto propõe
um caminho completamente diferente. Propõe que a esquerda tradicional se alie ou
compita com os partidos da nova esquerda atraindo os eleitores mais instruídos
e em particular os eleitores mais jovens. São duas implicações diferentes daquilo
que se considerem ser as principais razões para a erosão dos partidos
chesnes-democratas. Qual é a resposta certa? Eu penso que não há ainda
um juízo definitivo sobre isso.
Pedro Magalhães
imaginar, é difícil. Quando acontecem umas eleições de vez em quando em
que, por exemplo, como aconteceu na Alemanha, olha, a SPD recuperou alguma
coisa, ou na Noruega, olha, o Partido Trabalhista recuperou alguma coisa. As
pessoas olham para estes casos e procuram tirar lições. Mas em grande
medida, eu estou contigo, quer dizer, eu acho que a complexificação da
estrutura social e a dificuldade que temos em olhar para um mundo
atual e em ver uma coisa parecida com aquilo que existia quando
nasceram os partidos sociais-democratas para representar um vasto eleitorado de operariado industrial.
O mundo já não é assim. E, portanto, vai ser... De todo
acordo que vai ser difícil recuperar essa divisão entre partidos trabalhistas, sociais
democráticas e partidos conservadores porque o espaço de competição política e sociedade
complexificaram-se e aquilo que nós estamos a assistir quase inevitavelmente é uma
maior fragmentação do espaço político com partidos da nova direita e com
partidos da nova esquerda que procuram refletir essa complexidade.
José Maria Pimentel
E é interessante porque há aqui uma divisão dentro da própria esquerda.
Há esta nova esquerda que traz outros temas para a agenda e,
portanto, que não só partilha da versão da velha esquerda, se nós
quisermos, à direita radical, como tem uma visão que quer trazer novos
temas para a agenda política, temas de igualdade, igualdade de género, igualdade
em relação a minorias, até outros tipos de questões mais culturais. E
depois há uma velha esquerda que tem uma visão, que é em
parte um desejo, de que os temas económicos são verdadeiramente os temas
importantes no longo prazo, se nós quisermos. São verdadeiramente o que define,
ou seja, por outras palavras, isto é uma visão muito comum de
que aquilo que verdadeiramente origina todas estas clivagens são diferenças de poder
económico, se nós quisermos. São diferenças de classe social ou de classe
económica. E, portanto, a política devia centrar-se aí e, como a resposta
para a política é centrar-se aí, é por definição possível reconstituir uma
coligação de esquerda com base em questões económicas. É, mas um exemplo
de como é difícil... Só que esta resistirá um bocadinho no circular,
não
Pedro Magalhães
é? Um exemplo de Como é difícil fazer isso, mesmo que nós
olhemos fundamentalmente para questões de natureza económica? É porque há clivagens importantes,
que não são só clivagens entre, vamos simplificar muito, entre ricos e
pobres, entre aqueles que são supostamente beneficiários da redistribuição e aqueles que
devem, nesse discurso, contribuir para essa redistribuição. Hoje em dia há clivagens
entre jovens e mais velhos, entre insiders no mercado de trabalho e
outsiders no mercado de trabalho, em relação aos quais a esquerda tradicional
vai ter de encontrar um discurso. Não é possível, para dar o
exemplo do que se passou em Portugal nos últimos anos. Sim senhor,
temos um governo, tivemos um governo de esquerda preocupado em desfazer de
alguma forma a austeridade, em ter políticas mais igualitárias, em devolver salários.
Mas a verdade também é que esse governo de esquerda esqueceu completamente
o investimento na educação, o investimento na ciência, ou seja, o investimento
naquilo que mais interessa e naquilo que mais beneficiaria os mais jovens.
Não aqueles que já estão estabelecidos no mercado de trabalho, mesmo que
tenham, obviamente, rendimentos, em muitos casos, muito mais baixos do que aquilo
que, vamos dizer assim, do que seria justo, mesmo que o país
não consiga responder a essa justiça, mas isso significou sacrificar investimento no
futuro e, portanto, a esquerda vai ter que resolver isto de alguma
maneira.
José Maria Pimentel
Isto não tem a ver com aquilo que falávamos há bocadinho, da
política se ter tornado mais complexa. Uma coisa é definir conceptualmente os
problemas mas na prática não é fácil, por exemplo, pegando na tese
do Piketty, que tem muito a ver, do Piketty e de outros,
que tem a ver com no fundo o inexplicável, de acordo com
essa posição, baixo peso que a questão do aumento da desigualdade tem
nas políticas dos partidos de esquerda, tendo em conta ser um fenómeno
tão visível. Isso não terá também que ver com a própria gestão
política se ter tornado muito mais complexa. Portanto, há muitas variáveis, há
como tu dizias, uma heterogeneidade maior da população que significa que não
é possível agradar a todos, há políticas que têm um efeito esfazado
no tempo, há capacidade de desaplicar, há meios para desaplicar perdão que
estão fora do alcance dos governos, não é? Tudo isso, se calhar,
explica parte deste aparente puzzle. E disso que tu falavas, no caso
português. Penso que as situações concretas em que as pessoas vivem ajudam
Pedro Magalhães
a gerar essas contradições. E essa dificuldade em lidar com esses interesses
contraditórios. E depois não é só isso, é que também o nível
de desenvolvimento e a prosperidade e a capacidade fiscal dos países também
determina isso. Vamos dar este exemplo falando um bocadinho do que estávamos
a falar há pouco. Os países nórdicos conseguem, ao mesmo tempo, porque
têm altos níveis de produtividade, o que gera uma grande capacidade de
arrecadar impostos, o que gera uma grande capacidade fiscal, conseguem ao mesmo
tempo continuar a redistribuir, mesmo que não o façam tanto como fizeram
no passado, mas continuam a poder fazê-lo, e ao mesmo tempo investir
em cuidados infantis, em ciência, em educação, portanto, conseguem ter ao mesmo
tempo políticas que continuam a assegurar a capacidade de consumo e de
algum bem-estar para os mais pobres e ao mesmo tempo investir no
futuro. Investir no futuro é dar qualificações, é dar a capacidade em
particular das mulheres a entrarem no mercado de trabalho, apostar naquilo que
vai gerar produtividade e mais crescimento no futuro. Um país como Portugal
tem que fazer escolhas e tem que fazer escolhas muito mais dramáticas.
Sim, e nessa escolha a longo prazo perde. E
Pedro Magalhães
E sistematicamente essa escolha de longo prazo perde. E perde porquê? Bem,
em primeiro lugar porque temos muitas pessoas mais velhas e que votam
mais do que os mais novos. Os mais novos, e nós até
vimos isso no inquérito há uns tempos que fizemos, perguntámos às pessoas,
para o futuro do país, qual é que acha que deve ser
a prioridade? Apoios sociais, investir em educação, investir em ciência e reformas
e pensões. E, obviamente, as respostas são completamente previsíveis. Os mais velhos
querem apoios sociais e reformas e pensões, os mais novos querem investir
em ciência e investir em educação. Agora, infelizmente, porquê que isto é
um dilema? Isto é um dilema porque, obviamente, que preservar reformas e
pensões e preservar apoios sociais é absolutamente fundamental num país com o
nosso nível de desigualdade. Mas é também absolutamente fundamental, com o nosso
baixíssimo nível de produtividade, investir em educação e investir em ciência, mas
a escolha impõe-se pela nossa baixa capacidade fiscal e a escolha é
sempre a mesma, determinada pelos interesses e pelas coligações que permitem a
reeleição dos partidos. E A escolha é sempre, quando há o dilema,
a educação, a ciência fica para trás e o que fica à
frente é apoios sociais, mesmo sabendo nós como escassos eles são, e
preservar reformas e pensões. Isso não é uma receita para o futuro,
mas é a receita que sai daqui.
José Maria Pimentel
Sim, acabaste de resumir em poucas palavras a armadilha mais ou menos
em que nos encontramos. Ainda assim, acho que alguém que veja isto
do ponto de vista da esquerda mais pura, se nós quisermos, ou
seja, pura, tu não gostaste à bocado deste adjetivo, não é? Menos
dada a compromissos, se quiseres. Provavelmente não vê este dilema de uma
maneira tão explícita, porque o que dirá é é possível reconciliar isso
se nós tomarmos políticas que permitam financiar as duas coisas, nomeadamente aumentando
impostos, aumentando a intervenção do Estado, uma série de coisas. E aí
parece-me que se calhar o problema para a esquerda pode ser que
chegou a um ponto em que para encontrar uma solução, ou para
chegar à solução que permitiria reconciliar este dilema e portanto trazer para
uma coligação todo o eleitorado, todo o eleitorado que possa votar nessa
grande coligação de esquerda, vai assustar muita gente, porque implica ter uma
agenda muito radical e, portanto, compreensivelmente, que as pessoas vão ter algum
receio de que possa colher mal e que possa fazer algumas vítimas
pelo caminho ou não possa ser bem implementada. Eu tenho a impressão
que parte do problema estará aí e isso... Não sei, eu estou
de novo a conjeturar muito e eu presumo que isto é tipo,
como cientista político, adepto do rigor, se calhar essas conjeturas de alguma
impressão, mas parece-me que isso, por exemplo, explica o relativo insucesso nos
últimos anos do populismo de esquerda, por exemplo. É aquilo que se
chama populismo de esquerda, normalmente.
Pedro Magalhães
Eu não sou economista e não quero entrar demasiado, já entrei um
bocadinho em matérias que não são a minha especialidade. Mas Uma coisa
que eu noto muito sempre nos debates políticos é que as pessoas
parecem não ter uma ideia clara sobre a noção de escassez de
recursos. Quer dizer, parecem discutir as coisas como se os recursos fossem
infinitos, como se tudo tratasse da maneira como os recursos são repartidos
e não sobre a sua dimensão. E eu vou-te dizer há pouco
o seguinte, é que para um país como os países nórdicos, altamente
produtivos, com altas taxas de crescimento, o bolo é de facto muito
grande e a capacidade fiscal é muito grande. Em Portugal o bolo
é muito pequeno. E a nossa capacidade fiscal é pequena. E a
nossa dívida pública é enorme. E, portanto, não podemos pensar só em
como redistribuímos. Temos que pensar em o que redistribuímos. Mas, infelizmente, como
eu digo, e volto a insistir nisto, e sou uma pessoa mais
que suspeita, porque obviamente trabalho numa universidade, portanto vou dizer, claro, que
é preciso investir mais em ciência, mas o que se passou nos
últimos 25 anos é catastrófico desde o ponto de vista. Como é
que um país como o nosso, com os nossos níveis de produtividade,
pode conformar-se em estar nos últimos lugares do investimento público em ciência,
não aceder e não sair daí e achar que isto é sustentável,
achar que isto nos pode levar a alguma espécie de crescimento no
futuro. Como é que nós podemos ser dos poucos países que diminuiu
em número de estudantes no ensino, no sistema educativo, e conseguir não
aumentar aquilo que investimos por cabeça. Com o déficit educativo que temos
em comparação com a esmagadora maioria dos países da Europa, da Europa
Ocidental e Oriental, Como é que nós podemos imaginar que o país
vai sustentar boas políticas sociais, boas reformas no futuro, se continuarmos assim?
É impossível.
José Maria Pimentel
Pois, mas é que o meu ponto é esse, é que eu
acho que essa tendência existe em qualquer país, como dizia no nosso
dia a dia, nós estamos mais preocupados com o que vamos fazer
amanhã do que em planear os nossos próximos anos, faz parte. Agora,
em Portugal ainda assim parece-me que há um viés exagerado nesse sentido,
porque nós vemos, de novo para puxar a atualidade, nós vemos com
o quão pouco estas questões são discutidas. O longo prazo é como
se não existisse. E isso parece-me que é um... Há um exemplo
que eu já dei um monte de vezes, eu lembro de ouvir
uma entrevista ao Ministro da Ações Social em que, eu creio que
já era do governo atual, portanto não era provavelmente do governo da
PAF, e ele falava da questão da sustentabilidade, da sustentabilidade social e
da prazo a ver problemas e a jornalista estava permanentemente a ignorar
isso e a puxar a discussão para o curto prazo, a puxar
a discussão para o presente, não é? Quando, independentemente de uma solução
que nós considerarmos melhor para resolver esse problema, é evidente que existe
aí um problema a prazo, não é? Essa pessoa não é o
discutor, como é que eu posso vir a resolver?
Pois, isto... Mas isto tem
tudo muito pouca saliência, não é? Isto depois também
Pedro Magalhães
implica com outras coisas que é... Que ninguém sabe muito bem como
resolver, que é... Se alguém aparecer a dizer o seguinte Olhem, nós
vamos, para poder ter capacidade porque não temos outra escolha eu não
estou a dizer que isto fosse uma coisa que eu defendesse nestes
termos, mas vamos simplificar. Porque não teremos capacidade de o fazer de
outra maneira, nós vamos congelar pensões, ou não vamos aumentar tanto o
salário mínimo, ou vamos impor seja que custo de curto prazo que
queremos imaginar, para poder investir em coisas que só daqui a 10
anos ou a 20 anos vamos ter retorno. Para se aceitar esta
ideia era preciso que as pessoas tivessem confiança em quem está a
transmitir esta ideia. E pronto, e não temos. Poxa,
José Maria Pimentel
E é evidente que, eu ia te fazer esta pergunta porque eu
próprio tenho pensado muito nisto nas últimas semanas, até por causa do
período em que vivemos, e é evidente que várias destas mudanças só
poderiam acontecer no longo prazo e é evidente também que várias destas
mudanças não são acionáveis politicamente, quer dizer, têm que acontecer de forma
orgânica. Mas ainda assim, com estas duas advertências, há algumas vias, algumas
medidas que tu vejas para aumentar essa nossa capacidade de pensar no
longo prazo, sei lá, ter um maior número de instituições
Pedro Magalhães
que é que nós mostramos? Mostramos que comparando as câmaras, comparando eleições
locais em diferentes câmaras, que aquilo que as pessoas pareciam recompensar era
diferente. Consoante o quê? Consoante aquilo que nós, com a ajuda desse
trabalho de muitas outras pessoas, mas nós usámos os dados deles, com
o nível de transparência de informação que a Câmara dava. Portanto, isto
era um índice de transparência municipal, aliás, todos os anos ele é
conhecido, basicamente é construído em cima de qual é a quantidade de
informação sobre o funcionamento da câmara que as câmaras colocam cá fora.
Mais uma vez, nós não estamos a dizer que isto acontece porque
as pessoas vão consumir toda esta informação. Isto é mais um sinal
da maneira como as câmaras funcionam do que propriamente dizer que a
transparência é importante porque as pessoas vão lá, toda a gente vai
consumir aquela informação, mas qual é o ponto fundamental? É que nas
câmaras mais transparentes as pessoas não recompensavam aumentos de despesa no ano
eleitoral. Pelo contrário, recompensavam mudanças de mais curto prazo, em particular no
desempenho dos sistemas educativos a nível local. E isto é interessante porque,
no fundo, isto sugere...
Pedro Magalhães
Sugere, sugere, não mostra, mas sugere que quando as camas colocam mais
informação cá fora, as pessoas fazem alguma coisa com ela. E pelos
vistos tornam-se mais exigentes, neste caso, recompensando políticas de curto prazo e
não recompensando políticas manipulativas ou oportunistas, quando essa informação é posta cá
fora. Qual é a ideia mais geral de todas? É que quando
os governos, quando a qualidade da governação, medida nestes termos, transparência, equidade,
bons procedimentos, baixa corrupção é grande, as pessoas pelos vistos estão mais
disponíveis para não pensar tanto a curto prazo e pensar mais a
longo prazo. E tem a ver com aquilo que acabámos de dizer
na fase anterior da conversa que é a falta
Pedro Magalhães
solução nenhuma para o país, nenhuma, mas consigo imaginar Uma coisa que
talvez até venha a fazer um pouco diferente, ainda há dias falava
sobre isto com um colega, um pouco diferente do tipo de investigação
mais académica, ou mais fria, ou mais seca, que temos feito, é
de pensar em Intervenções a nível local, não tanto a nível nacional,
porque eu acho que trabalhar a nível nacional, promover algum tipo de
mudança institucional a nível nacional é muito difícil, é muito mais fácil
de experimentar a nível local. Mas, Por exemplo, experiências até mais aprofundadas
do que aquelas que têm havido sobre os assentamentos participativos. Que não
sejam aquela coisa de, eu tenho aqui uma lista de sítios onde
podemos gastar umas migalhas e agora vocês votem. Não isso. Coisas mais
deliberativas, que incentivem as pessoas a estarem presentes até face a face,
não é? E a discutir se o dinheiro foi para aqui, as
consequências são estas, se o dinheiro foi para ali, as consequências são
outras. Que estimulem as pessoas a envolverem-se em coisas que lhes dizem
diretamente respeito, que promovam esse tipo de transparência. Eu acho que são
experiências que vale a pena ter e que obviamente não são novas
e que têm ocorrido em muitos países. Em Portugal a experiência do
orçamento participativo é muito assimétrica, há bons exemplos, há maus exemplos, mas
se há alguma coisa que se possa fazer muito pequenina e muito
incremental para que as pessoas percebam os dilemas, percebam que os recursos
são escassos, percebam que há opções a fazer, mas também percebam que
talvez valha a pena investir em coisas que tragam retorno a longo
prazo, mesmo que esse retorno não seja para mim e que pode
valer a pena confiar em quem tome esse tipo de decisões é
a única saída que eu consigo imaginar para esta prisão do curto
prazo em que a política portuguesa e as políticas públicas parecem estar
presas com, como dizias há pouco, uma armadilha de que nós não
vamos ser capazes de sair se não formos capazes de pensar assim.
Pedro Magalhães
the Working Class. É um artigo de três pessoas, uma delas muito
conhecida, é o Caso Muda, o Caso Muda é muito conhecido porque
obviamente tem escrito muito sobre a questão do populismo, mas também é
pelo Tariq Abu Saadi e pelo Reto Mitreger. É um relatório escrito
para a Fundação Friedrich Ebert, na Alemanha, obviamente a Fundação Social Democrática,
e que discute muitas das coisas de que falámos, inclusivamente no fundo
estes dilemas ou estas diferentes maneiras de pensar sobre o futuro destes
partidos. E obviamente o outro artigo é do, que contraria um pouco
o este, ou que está em aparente contraste, não é tão grande
como parece, mas está lá, do Thomas Piketty com a Clara Martina
Stoledano e a Amory Gething, é um artigo no Quarterly Journal of
Economics, mas que está de acesso livre, e que se chama The
Brahmin Left vs The Merchant Right, que é uma extensão de um
dos capítulos do último livro do Piketty, onde se discute esta ideia
de aparentemente a esquerda, os partidos de esquerda serem tornados partidos das
elites intelectuais contra as elites econômicas
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra
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descrição deste episódio. Agradeço em particular a Miguel Van Uden, José Luís
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Leite e Abílio Silva.