#113 Magda Nico - Mitos e simplificações no modo como olhamos para os jovens

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. A convidada deste episódio é Magda Nico, socióloga, atualmente investigadora e docente no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa. A investigação da convidada segue uma perspectiva crítica ao longo do tempo e das gerações e dedica-se sobretudo a estudar as transições para a vida adulta dos jovens. Conheci a Magda recentemente no Encontro Juventudes que foi organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde eu estive a moderar um painel de debate. O encontro serviu, como o nome indica, para debater os jovens e a juventude, e a convidada foi consultora do evento. Aproveitando a oportunidade, e uma vez que a Magda é uma das principais investigadoras nesta área em Portugal, convidei-a para o 45 Graus para conversarmos um pouco sobre estes temas. Na nossa conversa, discutimos vários aspectos do modo como a sociologia olha e estuda os jovens e a juventude. Falámos sobre como têm evoluído as trajetórias de transição para a vida adulta e os desafios associados ao emprego, por exemplo, ou à saída de casa, discutimos também o que é diferente na condição dos jovens atuais, mas também a nossa tendência para exagerar um pouco este aspecto e desvalorizar aqueles aspectos, muitas vezes mais relevantes, que são comuns aos jovens desde sempre. Mesmo com este advertenciamento, não deixámos claro de falar de algumas características distintivas das gerações atuais, como por exemplo a maior sensibilização para causas globais, como as alterações climáticas ou os efeitos do uso das redes sociais. E falámos também, claro, da realidade portuguesa, em particular, de porquê é que os jovens portugueses são entre os países europeus daqueles que saem mais tarde de casa dos pais. A convidada tem em relação a este tópico, como vão ver, uma opinião original. Como de costume queria agradecer aos novos mecenas do 45 Graus, Cristina Flores, Diogo Sampaio Viana, Gonçalo Castro e Tiago Pedroso e queria também, aproveitando esta altura mais calma das festas, pedir-vos para gastarem 2 minutos a preencher um inquérito rápido de feedback em relação ao 45 Coraos. Neste inquérito, o que vos peço é que avalie numa escala de 1 a 5 os episódios que publiquei desde o verão até aqui. Tenho também uma caixa de comentários onde podem deixar feedback mais qualitativo, sugestões de temas, sugestões de convidados, enfim, tudo aquilo que quiserem. Como disse, prometo que não demora mais dois minutos, deixo-vos o link para o inquérito na descrição deste episódio. E com isto, desejo-vos boas festas e deixo-vos com Magda Nico. Magda, bem-vinda ao 45°. Olha, estava a pensar há bocadinho e embora já tenha, não seja a primeira vez que falo com alguém de Sociologia no podcast, acho que nunca fiz isto de tentar perceber o que é característico da abordagem da filosofia, da filosofia, nós estávamos a falar de filosofia em off, mas é que eu disse isto, da sociologia, sobretudo face às outras ciências sociais. O que é que é característico da sociologia, do olhar da sociologia? Se é que há alguma coisa.
Magda Nico
É uma grande responsabilidade começar esta conversa logo a falar. Representante oficial. Representante oficial da sociologia e peço já desculpa antecipadamente por não conseguir resumir o papel desta disciplina tão nobre. Mas eu acho que aquilo que começou por diferenciar a Sociologia de outras ciências sociais, e nomeadamente nos primórdios da própria filosofia e de outras ciências ou de outras abordagens mais humanistas à sociedade e ao comportamento humano foi sobretudo o método científico. Portanto, foi a ideia de que para estudar a sociedade, o comportamento humano em coletivo, portanto as dinâmicas interpessoais, era também necessário, não só por uma questão de legitimidade da própria disciplina, mas também realmente para chegar a conhecimento dito científico, seguir um método científico que pudesse ser posta à prova por pares, que seguisse uma terminada lógica, fosse ela quantitativa ou qualitativa, inicialmente mais quantitativa do que qualitativa, mas é a ideia de seguir as regras do método científico para chegar ao entendimento, a uma compreensão. Os primeiros fisiólogos mais importantes eram mais na ótica da compreensão, não tanto na ótica da explicação, ou da aplicabilidade desse conhecimento, como se calhar hoje é o caso. Essa ideia do método científico, enquanto missão é de facto compreender como é que As sociedades evoluem, parte do princípio básico que nem sequer o planeta se desenvolve de forma natural, que a intervenção humana e interpessoal é muito forte e que isso determina a forma como as sociedades diferem umas das outras, criam desigualdades, criam tensões e vão crescendo e vão se complexificando.
José Maria Pimentel
Mas há um lado engraçado da psicologia que é que embora estejas a tratar da sociedade, muitas vezes o enfoque é no indivíduo, ou seja, tu partes do indivíduo para perceber a sociedade.
Magda Nico
Nem toda a psicologia faz
José Maria Pimentel
isso. Ah, sim. Por exemplo, pelo menos um lado da psicologia.
Magda Nico
Sim, mas há um lado muito qualitativo da sociologia, que se pode quase resumir no biografia e sociedade, e que tem essa dialética sempre muito presente, que é a ideia de que o indivíduo é uma espécie de microcosmos da sociedade, não é? Nós ao compreendermos as ações do indivíduo no seu contexto, vamos conseguir perceber como é que o contexto implicou determinadas ações, determinados sentimentos até, posicionamentos políticos, cívicos, familiares e vamos conseguir a partir do indivíduo perceber o contexto que o rodeia melhor do que se analisarmos o contexto como se ele existisse em vácuo. O contexto existe porque existem pessoas, porque senão não existia.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E muitas vezes não consegues. Os indicadores quantitativos têm limitações, porque só te levam até certo ponto. Depois há outra informação que para tu obter tens que perceber o que vai dentro da cabeça das pessoas, como é que elas olham para a vida delas, que decisões é que tomaram, que valores é que têm. Por exemplo, uma das limitações daqueles inquéritos aos valores das pessoas ou às opiniões é que dependem da resposta que a pessoa deu de milhares de pessoas, não é? Portanto, só com esse inquérito não tens a possibilidade de perceber porque é que a pessoa respondeu aquilo ou se ela de facto acredita naquilo, como é que aquilo se enquadra na vida dela, não é? Ter uma visão, ter no fundo mais certezas em relação ao que está, àquilo que a pessoa respondeu, não é? Eu
Magda Nico
tenho uma visão bastante conciliadora entre os métodos quantitativos e os métodos qualitativos. Ah
José Maria Pimentel
não, mas eu não estava a dizer que era melhor, estava a dizer
Magda Nico
exatamente que não acho que é complementar. Sim, sim, complementar, exato. E eu acho mesmo, eu estava aí precisamente nessa linha, que é, de facto, eles dão-nos coisas diferentes, os inquéritos multipessoais, digamos assim, grandes, com grandes amostras, permitem-nos compreender de forma muito mais panorâmica as grandes diferenças e desigualdades a variedíssimos níveis, depois varia consoante as temáticas abordadas no próprio inquérito e dar-nos uma visão panorâmica que muitas vezes é necessária, é urgente, de facto, para detectar bolsas de desigualdades muito fortes ou novas áreas que devem ser exploradas e devem ser entendidas, mesmo que subsequentemente de forma mais qualitativa. Portanto, vejo isso como muito importante. Agora, há de facto cruzinhas e números que não nos conseguem dar a entender qual é que foi o sentido que as pessoas às vezes deram à própria pergunta, quanto mais à própria cruz que é a resposta que deram. Portanto, quando nós resumimos a informação perdemos sempre grande parte da compreensão dos fenómenos, mas ganhamos também bastante em resumir essa informação quando trabalhamos com populações muito grandes ou com universos comparativos. Quando temos mais do que uma população e queremos comparar, às vezes tem mesmo que ser dessa forma e acho bem que assim seja também.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Olha, uma área sobre a qual tu tens trabalhado muito e pensado muito, e aliás a tua tese doutoramente é sobre isso, é a chamada transição para a vida adulta, não é? Portanto, no fundo, a ponta entre a juventude e a vida adulta. E ao mesmo tempo é um tema que está muito na cabeça das pessoas, não é? Toda a gente... Ou porque passou recentemente por essa fase, como é o nosso caso, ou porque tem filhos... E
Magda Nico
ser simpático da tua parte de dizer, não sei
José Maria Pimentel
se no meu caso é assim... Acho que é simpático para os dois. É uma coisa em que a pessoa pensa e nós até estávamos a falar um bocado em off disso. Se calhar há aqui um desfazamento entre aquilo que é o senso comum, sobre a visão do senso comum em relação à realidade. Nós tendemos a achar que as coisas hoje são, Se calhar é um viés quase universal, sobretudo da modernidade. Nós achamos sempre que as coisas são diferentes agora do que eram antes. Isto é mesmo assim, o que é especial, o que é diferente dos processos de transição para a vida adulta hoje, faz ou quer algumas décadas, e o que é que se mantém, o que é que na verdade não mudou assim tanto e nós tendemos a achar que são especificidades de agora?
Magda Nico
Eu se calhar, pegando na primeira parte da tua pergunta, eu se calhar até vou descrever um bocadinho o campo da Sociologia da Juventude em Portugal, mas que até é bastante exemplificativo de outros países, para abordar esse primeiro tema. A sociologia da juventude em Portugal é um tema daqueles clássicos e duradores, não só se por estudar os movimentos estudantis, a população estudantil e depois, claro, cresceu para a cultura juvenil, com o pessoal machado de pais, com outro tipo de estudos mais quase de inspiração demográfica, esta ideia da transição para a vida adulta, quando é que as pessoas casam, quando é que as pessoas têm filhos, quando é que as pessoas começam a trabalhar, uma coisa quase de contabilização da sequência da trajetória das pessoas, que é muito útil também, mas que de facto lá está naquela ótica da conciliação entre métodos mais quantitativos e panorâmicos e mais qualitativos e compreensivos, as coisas aconteciam muito em paralelo. Mas a questão é que quando há uns tempos já, também se calhar valentes, fiz uma análise de quem eram os sociólogos da juventude e as teses que estavam a ser feitas e os doutoramentos que estavam a ser feitos, uma coisa muito interessante é que é daquelas áreas em que há mais teses de mestrado sobre elas. Isto quero muito dizer, isto é muito aquela ideia de que, dentro da psicologia, de que é um tema que desperta a curiosidade dos psicólogos enquanto eles próprios ainda são jovens e devo dizer que esse também foi o meu caso, não é? Eu quando comecei a ser socióloga da juventude, se é que sou socióloga da juventude, mas quando comecei a interessar-me por estes temas, eu próprio também era jovem e foi de inspiração até bastante biográfica. São os problemas que a pessoa sente, não é? Não poder ajudar. Sim, Foi sair do meu próprio senso comum, o senso comum que me era dado pela minha própria biografia e tentar ir um bocadinho mais além, ou seja, ir vá da minha posicionalidade juvenil e ir abordar este tema mais enquanto socióloga, lá está, com o método
José Maria Pimentel
científico e demais. Sim, é que faz sentido realmente. Ou seja, é mais provável do que a pessoa ter uma poluição pela sociologia geriátrica ou assim. Não sei se existe essa área com
Magda Nico
esse nome. Sim, mas isto para dizer que os sociólogos cada hora que começam nessa área e que mantêm esse interesse acabam por realmente sair desse casulo da excepcionalidade da sua própria geração, da sua própria trajetória, etc. E começam a perceber que influências mais estruturais é que, de facto, influenciaram a sua própria trajetória de vida e como é que a sua trajetória de vida se aproxima ou se afasta daqueles que são encarados como fazendo parte do mesmo grupo juracional. No meu caso seria a geração Rasca. Estive na manifestação que foi amplamente fotografada e continua a ser
José Maria Pimentel
reproduzida.
Magda Nico
E, portanto, literalmente faço parte daquele grupo de pessoas que esteve naquela manifestação e que foi rotulada de uma determinada palavra com determinado conteúdo
José Maria Pimentel
jurativo. Era um artigo do Vicente Jorge
Magda Nico
Silva, não era? Sim, sim, que depois rapidamente foi o contra-rótulo que foi o Arrasca, mas a verdade é que o Arrasca ou Arrasca andam sempre bastante juntos e acompanham.
José Maria Pimentel
Mas o Arrasca foi da crise de 2009, não
Magda Nico
é? Logo na altura falou-se de não esto a... Ah é? Ah, ok, ok. Mas depois, realmente, muitos anos depois, a grande manifestação da geração Arrasca, que não era geração coisa nenhuma, era no fundo toda a gente que tinha, que estava... Era uma experiência já multigeracional. Mas isto para dizer que quem passa um bocadinho por esse processo, no meu caso foi científico, mas imagino que existam outros por esse processo de reflexão e de tentar posicionar a sua própria vida por oposição ou por proximidade aos rótulos que nos colocam, abre-nos muito os olhos para essa homogeneização um bocadinho forçada que se faz de determinadas gerações e que é muito comum cada geração encarar a sua própria vivência, os seus obstáculos específicos como únicos e são. Ninguém nos retira. Não posso dizer que enquanto cresci na adolescência fui submetida aos desafios de ter ou não redes sociais. Não fui, quer dizer, são desafios de facto novos. Agora, a novidade traz muitas vezes para setores não científicos uma equivalência de excecionalidade, de especificidade extrema, de mais complexidade, que é uma coisa um bocadinho até condescendente com a complexidade de sociedades e de vivências anteriores, que passaram por períodos de guerra, só para simplificar. E aí eu acho que é onde nós temos que nos tornar um bocadinho mais críticos, não é? No fundo, muito bem, comparar as gerações de uma forma mais grosseira, nós vamos encontrar estas especificidades decorrentes da própria mudança social. Há uns tempos falava-se da globalização, agora já é da digitalização, mais tarde outros fenómenos do contexto histórico marca certamente a experiência daquela geração, mas há algo que os sociólogos mesmo do curso de vida nunca conseguiram resolver, que é destrinçar aquilo que é o efeito da idade, daquilo que é o efeito da geração ou da coorte, daquilo que é o efeito do período histórico. Nós não conseguimos nunca destrinçar, é uma discussão muito interessante, mas é a discussão que se tem que continuar a ter, não se pode decidir que o efeito idade é mais forte que o efeito geração ou vice-versa, ou do período, porque de facto eles confluem muito e o interesse de facto é perceber o que há de comum num determinado período para as várias gerações, numa determinada idade ao longo de vários períodos e, portanto, fazer sempre este zig-zag entre estas três linhas de análise, digamos assim. Desculpa,
José Maria Pimentel
tu falaste em três fatores, um é, se quisermos, o biológico, que tem a ver com a idade que a pessoa tem, determinadas coisas que são mais características.
Magda Nico
O tempo individual a passar, não é? Exatamente,
José Maria Pimentel
e a própria maneira como a pessoa olha para a sua vida, que também muda ao longo da nossa vida, à medida que vamos acumulando anos de experiências. O outro tem a ver com o período histórico em que calhamos nós viver. E qual era o terceiro? O
Magda Nico
terceiro é da geração, que na verdade também é um bocadinho o cruzamento
José Maria Pimentel
dos dois.
Magda Nico
É um pouco o cruzamento dos dois porque é a ideia de ter passado por um determinado período histórico, com uma determinada idade. E discute-se muito agora a pandemia, eu acho que abriu bastante a discussão para este tipo de debate que é como é que um único fenómeno global, ainda para mais, o fenómeno pandémico, afeta as diferentes pessoas consoante o grupo etário onde elas se encontram, não é? E de que forma é que isso as afeta desigualmente?
José Maria Pimentel
Sim, a pandemia é um bom pretexto para... É um bom ângulo para analisar uma série de desefeitos. Eu estava a ouvir-te e estava a pensar, de facto, acho que nós também temos um viés, que não se sente só aqui, sente-se numa série de coisas, nós temos um viés de atenção para reparar naquilo que muda e que muitas vezes está ligado por exemplo a um certo pessimismo que é mais ou menos universal, pelo menos é universal na modernidade em relação à... Não, aliás, desculpa, corrijo, é mesmo universal, há relatos disso na Grécia Antiga, sobre as gerações novas, porque nós reparamos naquilo que muda e por repararmos naquilo que muda, isso salta mais à vista, portanto parece que as novas gerações são diferentes das anteriores e normalmente para pior. Normalmente tem qualquer coisa que é... No caso é para agarrares ao telemóvel ou uma coisa de qualquer género. Mas antes de ter esse efeito de conduzir a esse juízo negativo, conduzem uma atenção, esse viés de atenção sobre aquilo que mudou. Então parece que são muito diferentes daquilo que veio antes, se calhar não são assim tão diferentes. Se calhar há muitas coisas que são comuns. Sim.
Magda Nico
Eu uso esta frase na minha tese, que não tem muito académico, mas acho que e depois acabo por usá-la várias vezes quando converso sobre estas coisas, que é uma frase do Charlie Chaplin, que ele diz, a vida vista de perto é uma tragédia e vista de longe é uma comédia. E isto de facto também se aplica às escalas da observação da própria psicologia. Quando nos sentamos com alguém e falamos sobre a sua biografia e percebemos todos os detalhes da história que essa pessoa viveu, é muito diferente de olhar simplesmente para a sequência dos acontecimentos. E essa frase do Chaplin é muito interessante porque também nos lembra que nós podemos, talvez e devemos, ter esse duplo olhar. Quando estamos interessados em diagnosticar problemas sociais, desigualdades sociais, devemos ter essa urgência, não é? Não vale a pena estarmos aqui só para ver o que é que acontece com toda a lentidão dos fenómenos. A PCP parece muito rápida, mas não é. Com toda a lentidão dos fenómenos, a ver o que é que acontece quando precisarmos de produzir políticas públicas já não vão a tempo. Portanto, essa urgência é necessária. Também é normal que essa urgência exista do próprio discurso geracional dos próprios jovens, por exemplo. Esta ideia de pertença, de fazer parte de algo diferente, de estar a marcar a diferença do dia da geração deles serem falada nos livros. É uma maneira também de deixar rastro, digamos assim, da sua própria história de vida. Pessoas sentem-se confortáveis de alguma maneira que a sua vida anónima possa ser contada a partir da história de uma geração. Há um certo conforto, tal como eu há uns minutos atrás disse, que fazia parte do grupo de pessoas que se manifestou naquele dia contra as provas globais e, portanto, há um certo conforto em sabermos que a nossa vida individual, anónima, minúscula, pode ser contada a partir de uma história criativa. Tem um
José Maria Pimentel
lado identitário também, não é? Um lado
Magda Nico
identitário forte. Isso é tudo muito compreensível. O que não é tão compreensível, eu acho que explica essa ideia de nos focarmos demasiado naquilo que é diferente, é esquecermos aquilo que é contínuo. Porque... E o que
José Maria Pimentel
é que é contínuo? Por exemplo, olhando para os jovens atuais, o que é que é contínuo faz só os... Vamos falar dos anos 60, para não falar antes disso, porque aí de facto houve mudanças grandes. O que é que é contínuo e nós podemos tender a subvalorizar?
Magda Nico
Relativamente aos anos 60...
José Maria Pimentel
Se quiseres, usa outro período. Eu falei dos
Magda Nico
anos 60 para ter ideia... Eu já agora aproveito os anos 60 para falar um pouco sobre isso. Eu acho que não é de facto aleatório o facto de se ter escolhido os anos 60 ou o facto de se escolher os anos 50, 60, porque de facto continua a ser a referência para se estar sempre a dizer, quando se diz que os jovens não são como os jovens do passado, geralmente é isso que está mais ou menos na nossa cabeça. Só que o problema é que essa é que foi uma geração muito excepcional, a todos os níveis. Por se encontrar num determinado período histórico de recuperação, mais nos anos 50, mas que se arrastou até os 60, de recuperação do pós-guerra e de se encontrarem ali nessa fase e de poderem usufruir de todo esse crescimento, de facto a transição para a vida de todas essas pessoas foi radicalmente diferente do que era antes e do que veio a ser depois. Se nós virmos um pouco gráficos sobre a idade média, por exemplo, a que as pessoas saíam de casa e que cumpriam todas
José Maria Pimentel
aquelas... Eu tinha essa ideia também, sim. Ou seja, houve depois um realinhamento, eu tenho um bocado essa ideia. Pronto,
Magda Nico
se nós olharmos mais para trás, nós percebemos que essa geração é que é a exceção. Se nós olharmos só a partir daí, parece que foi sempre a piorar. Mas não foi sempre a piorar, está a recuperar um pouco o trajeto que tinha antes, por motivos radicalmente diferentes, mas que tinha antes... Desculpa,
José Maria Pimentel
desculpa, então, a ver, houve ali um período em que as pessoas saíram mais cedo de casa e depois voltaram a sair mais tarde,
Magda Nico
é isso? Exatamente, exatamente. A pergunta do A Conquidada é que as pessoas saíam de casa dos pais. Nós pensarmos nos anos 20 ou 30 é um bocado absurdo, não é? Porque as famílias eram multigeracionais, as pessoas não necessariamente saiam do caso dos pais, simplesmente as gerações acumulavam-se em casas. Sim, havia ali uma... As coisas fundiam-se. E depois houve ali aquele período de facto mais central do século em que se reificou um bocado a ideia da família nuclear mais tradicional, em que de facto as transições eram muito mais lineares, portanto com o crescimento económico as pessoas realmente avançaram um bocadinho mais nos estudos, mas não muito. Saíam de casa depois disso, havia diferenças de género ainda muito acentuadas, mas os josuícios de facto cumpriam uma determinada sequência. Saíam de casa para começar a trabalhar, conjugalidade, geralmente através do casamento, depois filho 1, filho 2, filho 3, aqueles que fossem e, portanto, depois mais tarde entrava-se na reforma. Nessa altura até nem se usava tanta expressão do curso de vida, usava-se mais do ciclo de vida, porque era uma coisa tão biologicamente marcada, até aquela idade, era a infância, depois quase que não havia juventude, passava-se para a idade adulta com estas transições todas muito certinhas e depois, mais tarde, a velhice, que geralmente era bastante curta, não é? Com a esperança média de vida mais curta do que é hoje. E portanto, essa é que foi realmente a exceção. Se nós olharmos para aí, de facto as diferenças são muito grandes. Mas podemos olhar para o copo meio cheio ou para o copo meio vazio. O copo meio cheio é... São muito grandes porque as pessoas prolongaram e muito, e ainda bem, os seus percursos educativos. Primeiro até a 4 classe, depois até ao 9º, depois até a 12. Pensarmos em Portugal e hoje em dia já há uma grande camada de pessoas que de facto inicie e conclui o ensino superior. Também se pensarmos em Portugal temos que falar da transição democrática, não é? E, portanto, também isso... Sim,
José Maria Pimentel
nós não apanhámos bem esse ciclo
Magda Nico
porque... Não foi bem aí, mas, na verdade, se nós compararmos, bem com 60, mas se compararmos com gerações, se calhar, falo dos meus pais, talvez, que passaram a sua juventude nessa transição democrática, obviamente que, ainda que tenha sido de uma forma lenta, se foram sentindo mais soltos das amarras que um sistema mais normativo e autoritário lhes impunha relativamente àquilo que eram as suas biografias. Vou pôr aqui entre aspas, vou ter que dizer entre aspas, biografias normais, que é mesmo um termo que nós utilizamos em psicologia, que era essa ideia da biografia previsível, normativa, bem aceite, mas que escondia muitas contrariedades identitárias, muitos segredos e muitas... De estandardização do curso de vida, envergonhada, não é? Porque simplesmente numa altura em que os grandes inquéritos tentavam marcar como é que as pessoas transitavam para a vida adulta, de facto as cruzinhas iam para os sítios em que era suposto irem e essas histórias depois não se contavam tanto. Eu acho que é essa conjugação entre uma sociologia, não só em Portugal, mas noutros países, que se centrava muito em inquéritos e que escondeu, muitíssimo, toda a angústia, a ansiedade, a incerteza, a precariedade. Que
José Maria Pimentel
era diferente da norma.
Magda Nico
Que era diferente da norma, que não foi recolhida, que não foi sujeita à mesma massificação de recolha de dados do que aquela que foi recolhida a partir de inquéritos e que hoje em dia são pequenos Tesouros que se encontram, e que o Jó de Gonduíne falava no outro dia, pequenos tesouros que se encontram às vezes em arquivos de entrevistas que foram transcritas e que nós conseguimos perceber que o discurso que pauta a condição juvenil é muito, muito idêntico ao longo dos tempos. Porque qualquer que sejam os desafios que a sociedade, que o contexto e que a estrutura de então lhes esteja a impor, a forma como as pessoas olham para esses desafios é muito idêntica e essa é capaz de ser a única continuidade que realmente nós conseguimos dizer tem a ver com o efeito de idade, tem a ver com o efeito das pessoas se confrontarem com uma motoridade diferente daquela que tinham na infância, sobre as suas possibilidades de vida, sobre os seus obstáculos e isso causa uma grande tensão ao nível da tomada de decisão, o que é que eu faço, continuo a estudar, não continuo, vou trabalhar, não vou, e também ao nível da pessoa perceber ou tentar diagnosticar qual é que é o limite da sua ação, até onde é que ela vai conseguir ir e identificar os obstáculos que estão à sua frente. E isso é um processo identitário muito forte e os jovens do passado não lidavam com ele com facilidade, lidavam com a mesma dificuldade, angústia e às vezes tristeza e outras vezes euforia que lidam os dois. O contexto é que era diferente e os obstáculos é que eram diferentes.
José Maria Pimentel
E hoje há uma latitude maior para as pessoas terem esses percursos heterogéneos de vida, para o bem e para o mal, porque também pode criar angústias adicionais, mas esta destandardização que se fala tem a ver com isso, de antigamente tu tinhas um molde mais rígido e sentias as dores de divergir desse molde. Hoje em dia tens um... Não diria que o molde se quebrou, mas pelo menos tornou-se mais flexível, ao mesmo tempo pode criar angústias também por aí. Mas também não sei se não se exagera essa quebra ou essa flexibilidade do molde. Não sei se mudou assim tanto, se calhar há mais homogeneidade do que nós tendemos a achar. Achamos que as pessoas, cada uma tem o seu percurso de vida e se calhar há mais tendências do que parece-me.
Magda Nico
Sim, lá está. Eu acho que há uma certa analogia que é, se calhar no passado, a transição para a vida adulta era como entrar num comboio e decidir em que estações é que se saía. E hoje em dia é como entrar num carro e decidir por onde é que eu vou, por onde é que eu vou. Tem que se decidir tudo. Eu acho que é essa a sensação. Sim, pronto, estou aqui, estou
José Maria Pimentel
num carro, por onde é que eu vou? Ou seja, não tens liberdade total, não
Magda Nico
é? Tem que seguir a estrada, não é? Sim, tens que seguir alguma estrada, mas também decides onde é que viras, onde é que fazes uma inversão de marcha, onde é que voltas para trás, onde é que… e há muito essa ideia e é de certa forma correta. Digo correta seguindo um bocadinho uma lógica de uma famosa frase também de um sociólogo que diz, que é o termo de Thomas, que diz que as consequências são reais se forem reais para o indivíduo. Por isso é que eu estou a dizer que é verdade. É verdade que assim é porque eu acho que os jovens de hoje de facto sentem a sua vida como, a certa altura, como uma tela em branco e sentem mais dificuldade de perceber por onde começar. Agora, quando analisamos mesmo os dados, isso não é tão verdade como à partida parece, porque mesmo em países ditos mais desestandardizados e com estados de previdência mais atentos e mais robustos, com mais apoio à transição para a vida adulta, etc. Mesmo nesses, apesar de muitas das transições acontecerem mais cedo e portanto também comprovarem que muitas delas ocorrem mais tarde por falta de possibilidade de acontecerem mais cedo e não necessariamente por uma escolha, mas apesar de elas acontecerem mais cedo, elas acabam por ocorrer muito dessa forma muito linear. Quando eu usei dados do European Social Survey, eram dados que não eram longitudinais, mas perguntavam às pessoas com que idade é que elas tinham feito várias transições para a vida adulta e podíamos comparar entre gerações e entre países, Notava-se claramente que a diferença ao longo dos tempos, se nós pegássemos naqueles países europeus todos e comparássemos simplesmente gerações, a diferença, mesmo da idade média e por exemplo de saída de casa dos pais, ao longo dos tempos, era menor e menos significativa do que as diferenças entre os países. Isso é muito interessante. As diferenças sociais são maiores do que as diferenças geracionais. Ou
José Maria Pimentel
culturais, ou históricas, ou whatever. Entre países,
Magda Nico
ok. Entre países.
José Maria Pimentel
São mais fatores do que simplesmente...
Magda Nico
Quando nós olhamos para as diferenças entre os países, nós estamos a falar para as diferenças entre estruturas sociais. Quando nós comparávamos, eu pegava muito só para simplificar na Suécia e Portugal, só para fazer assim uma comparação rápida. E o que é que nós tínhamos? Tínhamos jovens a sair muito mais cedo de casa dos pais, a entrar mais cedo no mercado de trabalho, a fazer todas essas transições mais cedo do que, por exemplo, os portugueses, mas quando nós olhávamos para as diferenças na Suécia ao longo das gerações e nas diferenças em Portugal ao longo das gerações, elas quase não existiam. Portanto, a diferença realmente tem a ver muito com o contexto, o tal contexto, neste caso do welfare states e tudo mais, que realmente providenciavam e providenciam ou não apoios à autonomia dos jovens, muito diferenciados entre estes dois países, como podia pegar, noutros também. Portugal também não tem que ser sempre visto como extremo e a Suécia como outro, mas foi um pouco para
José Maria Pimentel
simplificar. Não, mas são dois bons exemplos. Isso é um bom ponto para outra coisa que eu queria falar, que tem a ver com um artigo que tu até publicaste no público e que fala precisamente da idade de saída de casa e do facto que Portugal saiu dos países onde as pessoas saem de casa mais tarde da Europa e de muitas vezes isso ser apontado como um fator cultural e tu tinhas uma perspectiva interessante porque dizias que não era cultural, era económico entre outros fatores, no fundo, ou seja, não era porque as pessoas não quisessem à partida sair de casa, não é porque tivessem um apego à família ou ficassem confortáveis por não terem que pagar a renda de casa, era porque no fundo não tinham, Por exemplo, esse Estado Social Nórdico que lhes dava essa autonomia. Sei lá, eu estudei na Holanda, por exemplo, e lembro que os meus colegas lá tinham um estipéndio mensal qualquer e todos eles viviam. Depois arrendavam um quarto ou uma coisa de qualquer género e viviam lá impecavelmente porque eles não tinham nenhuma necessidade de ficar em casa dos pais. E comigo não seria o mesmo. Eu, por acaso, como mudei de cidade, nem tive escolha, mas se tivesse ficado na cidade em que nasci, tinha tido uma decisão difícil a tomar. Sim, e
Magda Nico
quando nós olhamos para essas mesmas sequências de que eu estava a falar, quando nós olhamos para as trajetórias, para as transições, para a vida adulta na Suécia, uma grande parcela dos jovens, a saída de casa dos pais é a sua primeira transição. E nós ficamos logo a pensar, como? Alguém está a pagar isto, não é? Não é possível sair
José Maria Pimentel
sem ter
Magda Nico
trabalho ou sem ter um Estado a subsidiar a sua saída de casa dos pais. E nós olhamos para Portugal e a primeira transição para a idade adulta, na grande maioria, é a entrada para o mercado de trabalho. E só por esta primeira transição nós percebemos logo radicalmente do que é que os portugueses estão à espera, os jovens portugueses, do que é que eles estão à espera, porque é que esperam tanto tempo a ter filhos, esperam aqui entre aspas, porque é que acontece tão tarde, comparativamente, ter filhos, porque é que acontece tão tarde sair de casa dos pais, porque é que acontece tão tarde a conjugalidade? Porque para eles a primeira e mais importante transição, a pré-condição, é terem rendimento próprio. E por aí se percebe logo que é uma questão de ter condições para, não é necessariamente... Cultural. Cultural. E também a minha crítica a essa questão cultural é porque quando fiz o doutoramento queria de facto tentar encontrar dados que me permitissem concordar com essa conclusão de que era cultural. Lá está. Eu também tinha uma determinada idade quando comecei a estudar estas coisas ainda no mestrado e, portanto, eu própria também me queria desafiar, porque eu não olhava para a minha vida e achava que eles não tinham razão, mas queria encontrar dados científicos então que me pudessem convencer que de facto era cultural e que eu é que não me tinha percebido da minha própria, no fundo, identidade cultural portuguesa ou de sul. E a verdade é que por muitos artigos que eu tenha lido e livros que eu tenha lido, de facto a explicação cultural é de longe a mais apontada quando se quer explicar porque é que nos países do sul as pessoas saem tarde de casa dos pais, entre outras coisas, mas eu não encontrei dados empíricos que provassem essa explicação cultural. Que provassem em que sentido? Que provassem a origem dela? Como é que se mede a cultura? Para já. Como é que se mede a questão cultural, não é?
José Maria Pimentel
Tens o Ofsted, que deves conhecer. Sim, mas... Mas não é fácil. Sim, mas ligado... Não, mas na verdade estás a medir o efeito, não é? Estou a
Magda Nico
medir o efeito da identidade cultural e das preferências culturais. O efeito, desculpa, o resultado
José Maria Pimentel
final é o que eu quero dizer. Estás a medir a... Por existirem diferenças culturais, não quer dizer que elas não tenham outra causa mais profunda.
Magda Nico
Exatamente. É isso que eu quero dizer. Exatamente isso. Quando nós dizemos que é cultural, eu posso ser levada a concordar que é cultural porque eu acho que as condições de vida em que as pessoas vivem e o estado de direito em que se habitam a viver cristaliza...
José Maria Pimentel
Uma determinada resposta.
Magda Nico
Cristaliza um determinado leque de possibilidades e é como se normalizasse que de facto eu para sair de casa dos pais vou ter que ter um pé de meio, vou ter que ter um trabalho mais ou menos estável, eu não me vou meter num compromisso, ainda para mais Portugal, que é muito mais virado do que uma Suécia ou outros países, muito mais virado para o mercado da propriedade habitacional e não para o mercado de arrendamento e, portanto, ficamos logo mais limitados, os jovens ficam logo mais limitados no formato da sua saída de casa. Quem é que consegue obter empréstimos bancários para comprar casa se não tiver um trabalho estável bem remunerado ou então mal remunerado, mas juntar-se com uma outra pessoa, geralmente em casal, para poderem unir esforços e obter esse... Não se consegue. E, portanto, se essa normalização funciona numa espécie de cultura, aí posso ser levada a concordar, ok, é cultural. Mas é cultural porque se tornou cultural. Não é cultural no sentido que falavas há pouco de, nos países do Sul, as redes familiares serem mais fortes e de as pessoas serem, noutros países nórdicos, serem mais individualistas e mais autónomas. Isso a cultura pratica-se, não é? E portanto não existe em vácuo. Nesse sentido eu posso ser levada a concordar que é cultural. Em qualquer outro sentido, não. Porque eu acho que aquilo que impede, quando eu falei mesmo e entrevistei jovens, porque é que saís de casa desta idade, etc, devo dizer que nenhum dos, e eu ainda falei com 52, entrevistas aprofundadas, e nenhum deles me referia às tarefas domésticas ou à proteção dos pais, etc. Como se deve imaginar, a maior parte dos jovens quer viver a sua vida, a sua noite, a sua sexualidade com muito menos amarras do que estar agora a viver em casa dos pais. A preferência é sempre essa. Ainda agora, num inquérito que foi feito a propósito do Plano Nacional de Juventude, que está a ser desenhado no final deste ano, a maior parte dos jovens que ainda vivem em casa dos pais, não vivem em casa dos pais por opção. Não quer dizer que viva mal e que as dinâmicas sejam desfuncionais e que estejam mal com a família, mas não vive por opção. Vive porque ainda não tem os rendimentos necessários para sair ou porque tem mas acha que seriam todos desviados para pagar essa renda ou essa habitação e, portanto, optam, não é de opções que eles consideram limitado, ficar em casa dos pais, mas não é a sua preferência, digamos assim. Mas
José Maria Pimentel
tu não achas que as duas explicações não só podem ser verdade, como se podem alimentar mutuamente? Porque, neste caso, é fácil perceber porque é que esses constrangimentos económicos alimentam a cultura, porque a cultura no fundo é uma resposta, e isso era o meu ponto há bocadinho, a cultura não nasce do vácuo, a cultura é uma espécie do equilíbrio que se gera numa determinada comunidade, comunidade aqui no sentido lato, em resposta às condições do meio ambiente, que podem ser econômicas mas também podem ser do clima, por exemplo, pode ser do sítio mais quente ou mais frio, ou com o... Até historicamente, talvez está relacionado com o tipo de agricultura que existia e uma série de coisas. As duas coisas podem se alimentar mutuamente. Esses constrangimentos económicos alimentarem uma resposta cultural, mas também a cultura implicar que não haja uma pressão, por exemplo, para ter um tipo de Estado Social com essas características. Que não existe, porque essa maneira de ser mais nórdica também não se calhar não seria muito bem aceita e portanto não existe uma pressão para, por exemplo, ter uma espécie de rendimento dado pelo Estado aos 18 anos. E tu, diria-me, às vezes podes dizer, ah mas o Estado não tem dinheiro para isso. Pá, talvez não tenha para dar uma
Magda Nico
coisa à holandesa ou à sueco, mas daria para... É uma questão de configuração, não é? Sim, e certamente é um discurso diferente dizer que o Estado não tem dinheiro para isso, mas que gostaria de o fazer e que acredita que isso deve ser feito. E portanto começa um processo... É um discurso completamente diferente e acho que também legitima a própria juventude de uma maneira diferente. Mas eu acho que é o ponto, é que é o perigo, e que eu senti na altura, o perigo de alimentar e mesmo na academia, esta ideia do cultural, sempre que se quer explicar porque é que os países de sul têm uma média diferente, é cultural. E isso é muito perigoso porque se é cultural facilmente resvala para a ideia de...
José Maria Pimentel
É inato, não é? É inalterável.
Magda Nico
Então, se é cultural, faz parte da minha cultura sair tarde de casa e manter-me com os meus pais até aos 30. Então, se foi a minha opção, eu estou bem com essa realidade e não é necessário discutir isso.
José Maria Pimentel
Não há nada a fazer, não é? Discutir as
Magda Nico
condições que eu tive para fazer ou não, discutir a existência de políticas, e no caso da habitação já houve políticas de incentivo ao arrendamento jovem, por exemplo, não é preciso discuti-las, não é preciso melhorá-las porque os jovens não saem de casa porque não querem. É um bocadinho como aquele discurso da pobreza, não é? Se vincularmos aos indivíduos que vivem nessas condições a responsabilidade dessas mesmas condições, é como se nos estivéssemos todos enquanto contribuintes, enquanto comunidade, lá está também mais vasta, a desresponsabilidade dessas mesmas condições de vida. E, portanto, é tal falácia de atribuir ao indivíduo a responsabilidade de um desfecho da sua vida, é verdade, mas que não depende só da sua ação e da sua resiliência e da
José Maria Pimentel
sua cultura. Depende das condições à sua volta. Mas tu não achas, por exemplo, que o facto de não ser discutida essa possibilidade a outros do género que minurassem esse problema, não achas que isso é em certo sentido a prova de que isto também é cultural? Percebes o que eu quero dizer? Ou seja, porque isso não é discutido, vou dar um exemplo. Eu ainda recentemente estava a falar com o meu irmão e ele tirou arquitetura e não sei que propósito é que isto veio, mas eu de repente estava a pensar, e Imagino que saibas que a arquitetura é uma daquelas profissões que têm salários muito baixos no início. Eles estão a trabalhar, a receber muito pouco em ateliês, é estrutural, quer dizer, meio conjuntural, meio estrutural do mercado. Talvez seja das áreas de licenciatura em que isto acontece mais. O que é que isso significa? Significa que para tu te iniciares em arquitetura, com a perspetiva de depois vires a ter um rendimento decente, tu tens de ter um background familiar, senão não tens hipótese. Porque tens de conseguir passar aqueles anos a ser subsidiado por alguém, não é? Como não é o Estado, são os teus pais ou a tua família, não sei. E isto aqui provoca, mas este tipo de coisas não são discutidas, e por isso é que eu digo que isto é um bocadinho cultural. Isto cria uma injustiça social gigante, não é? Porque ao contrário de outras áreas, se tu não tiveres este background familiar, não tens hipótese, vais para um atelier, pagam-te 500 euros, 700
Magda Nico
euros. E ainda compras o autocado, não é?
José Maria Pimentel
E ainda compras o autocado. Passado um mês tu dizes, Ah, vou trabalhar para uma fábrica. Que era curiosamente o que tinha acontecido com um colega dele. Curioso, não é?
Magda Nico
Pois. Não, a reprodução social em determinados cursos é conhecida, não é? Há determinados cursos que são vistos como tendo uma transição mais rápida e mais assegurada, sobretudo, para o mercado de trabalho e é por isso que ainda existe muito aquele discurso de classes médias, médias baixas, que quando os seus filhos de facto conseguem ingressar no ensino superior se tem a preocupação de eles não irem para cursos em que depois as saídas profissionais não estão tão garantidas. Há arquitetura, direito também e há outras profissões que acabam, continuam a reproduzir um bocadinho socialmente, porque só mesmo quem tem essa vontade, mas também essa possibilidade, é que acaba por ir para determinados cursos. Portanto, é uma dupla reprodução. Para já, A próprio interesse por áreas como direito ou arquitetura já reflete em si mesmo um determinado contexto, talvez familiar, no sentido em que são áreas criativas e de uma determinada seriedade. Mas isso é mais ou menos incontornável. Isso já existe à partida. E Depois a própria transição para o mercado de trabalho ser muito menos rápida e assegurada afasta completamente as pessoas que gostam de tirar um curso, precisamente para garantirem o mais rapidamente possível a reposição do investimento que foi feito, a partir das propinas e a partir muitas vezes da deslocação de casa. A maior parte dos jovens que andam nas universidades vêm de outros sítios do país e, portanto, o esforço para frequentar universidades é muito grande, não tão grande como noutros países em que as universidades estão, de facto, muito mais concentradas em determinados sítios, como, por exemplo, na Finlândia, ou mesmo, a Suécia é mais pequenina, mas mesmo na Filândia tem mesmo que mudar de casa. É uma condição obrigatória.
José Maria Pimentel
Depois também gera uma resposta habitacional que não existe.
Magda Nico
Exatamente, mas depois perguntamos porquê é que eles saem de casa aos 17 anos. Eles saem de casa aos 17 anos porque naqueles sítios recondidos da Filândia não há universidades e, portanto, se eles querem ir para a universidade, e podem, evidentemente vão ter que sair de casa nessa altura, aos 17. E por isso que a média, por exemplo, na Filândia e na Suécia é tão baixa.
José Maria Pimentel
Sim, exato, tem a ver com isso também. E a causalidade vai nos dois sentidos, porque Esta questão da rede familiar também explica isso, como de facto existe essa rede familiar que ampara muitos choques, viu-se até agora na pandemia, depois isso não cria a percepção de uma necessidade que existe, que é estrutural e existe a longo prazo, e, determinante para muitos casos individuais, mas que não são a maioria, ou pelo menos não são vistos como a maioria, não gera a percepção dessa necessidade de intervir para resolver a coisa, porque a rede familiar vai amparando em muitos casos, não é? Então tu não chegas a ter a necessidade de corrigir este tipo de problemas e muitas injustiças dessas que se vão prolongando ao longo do tempo mas não dão tanto nas vistas, não
Magda Nico
é? Exatamente. Eu acho que tu casta um ponto importante que é a invisibilidade da maioria. Geralmente a maioria é mais audível, mais visível. Falamos sempre de, noutros casos com muita razão, de como as minorias são mais silenciosas e não têm voz. Mas muitas vezes na área da juventude o que se fala é que é precisamente a maioria que acaba por ser mais invisível e mais silenciosa. Porquê? Porque de facto são problemas que acabam por ser colmatados a nível familiar. Lhes é retirado muitas vezes a legitimidade de falarem sobre essas dificuldades de forma digna e séria, não é? De lembrar de há uns anos atrás da ideia da piaguice, não é? Da piaguice, parem lá de se queixar, pronto, tudo bem, têm que sair da zona de conforto. Lembro-me muito dessa frase, é uma frase que ficou e que é muito forte, mas há muitas outras, não é? Frases ditas no nosso seio familiar, nos cafés, em todo o lado, nos jornais, às vezes, pequenos comentários, que é muito essa ideia do... São problemas de classe média, não é? Como às vezes a citismo. Não é problema de classe média, mas são problemas de classe média, são problemas reais na mesma, não é? E a ideia de que muitos destes jovens que só conseguem frequentar, Por exemplo, o ensino superior, e já estou a falar daqueles que conseguem frequentar o ensino superior, já estou a falar daqueles que, faça outro, já estão numa posição mais privilegiada. Aqueles que conseguem, à custa de serem trabalhadores, estudantes, com grandes dificuldades para frequentar as aulas, à custa de grande investimento financeiro por parte dos pais, muitas vezes com grande sacrifício e isso tudo desaparece quando sai um relatório que compara a idade média de saída de casos dos pais na Europa e a notícia é que os jovens portugueses são aqueles que saem mais tarde de casa os pais. E coloca mais uma camada a ofuscar o verdadeiro problema. E era nesse sentido que eu também escrevia esse artigo e outros um bocadinho para tirar essas camadas que no fundo continuam a desfocar aquilo que são os verdadeiros problemas que são muito mais estruturais, como estavas a dizer, são socioeconómicos e são continuados no tempo. Mas como às vezes estamos a olhar muito para os problemas mais presentes e estamos a tentar arranjar essas explicações mais rápidas, é cultural, é isto, Os jovens de hoje em dia não querem ser de casa, os pais... E pronto, está resolvido o problema, está explicado. Vamos a outro, partimos para o próximo. Vamos
José Maria Pimentel
olhar para a fotografia e não para o filme, ou seja, não haver a tendência que vem de trás.
Magda Nico
Sim, não vemos o processo e o processo é o que nos permite perceber, não é? Como já estavas a pouco a dizer, a média.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Isso é um bom ponto para outra questão que tu tens falado e que é um debate na sociologia entre agência e estrutura que no fundo é contexto e que tem que ver com na vida das pessoas e por exemplo na vida dos jovens quanto é que é agência no sentido das escolhas que eles fazem, versus estrutura, ou seja, versus aquilo que é imposto pelo meio ambiente. Eu, por acaso, confesso que isto me surpreendeu, porque eu pensei até que a sociologia tivesse uma tendência mais para olhar para a estrutura e menos para a agência. Precisamente por esse enfoque na sociedade.
Magda Nico
Sim, eu acho que há uma determinada linha mais conservadora talvez de sociólogos, talvez eu me inclua aí na maior parte das vezes que de facto segue uma corrente muito mais estruturalista, não é? Muito mais não determinística, não é? Não no sentido de, pronto, nasce-se num treinado o seio familiar e o destino social daquela pessoa está traçado. Não, há sempre um leque e uma abertura, não é? Mas há sempre uma tendência para um treinado, rumo para uma treinada de mobilidade social, ela tem limites. Geralmente é aquela ideia de que a maçã nunca cai muito, muito longe da árvore. Pode cair um bocadinho mais longe do que aquilo que caía no passado, não é? Os futuros estão mais em aberto, mas não vai cair ao pé de uma outra árvore, digamos assim. Nunca vai muito longe, nesse sentido. Mas esse determinismo não é total. O peso das estruturas é importante. O que é preciso ter em conta é que as estruturas também podem mudar e, portanto, se nós nos apercebermos que as estruturas estão a puxar as pessoas para baixo, também podemos criar novas estruturas, novas estruturas políticas, sociais, que tentem atenuar isso. Agora, na Sociologia da Juventude, como em muitas outras áreas, esta ideia da agência, do dar a voz, do é importante perceber o que é que as próprias pessoas sentem e como é que elas vêem a sua própria vida, na Sociologia da Juventude é muito importante. E portanto há uma divisão, também com as teorias mais pós-modernas e tudo, há uma divisão muito, muito clara, que eu acho que nos últimos tempos já se começa a esbater, felizmente, mas há uma divisão muito clara entre aqueles que puxam a corda para o lado de não, são as estruturas e o outro que puxam não, não, os jovens têm resiliência, os jovens têm vontades, têm agência, têm possibilidades de com a sua ação mudar as suas condições de vida. E eu acho que o discurso muitas vezes polariza e se perde, mais uma vez, porque no meio está a vir tudo do debate. Porque a ideia é perceber até que ponto é que é estrutura, até que ponto é que é agência e perceber se as duas coisas estão, de facto, equilibradas, digamos assim. Digamos que só quando a agência do indivíduo e a estrutura ou o contexto em que o indivíduo vive se conseguem realmente tocar é que o indivíduo vai conseguir alterá-los ou a estrutura vai poder fazer o seu efeito. Quando nós temos um entendimento de alguém que está a tentar mudar a sua vida com expectativas completamente erradas sobre o contexto que a rodeia, cai numa certa falácia, que alguns autores chamam de falácia epistemológica da modernidade tardia, um nome muito longo, mas que se entende muito bem, que é aquela ideia de se uma pessoa acreditar, vou dizer totalmente, obviamente nunca é totalmente, mas uma pessoa acreditar quase totalmente que tudo aquilo que lhe acontece na vida e tudo aquilo que ela passa na vida é única e exclusivamente sua responsabilidade, aconteceu porque ela fez ou não fez uma tonada coisa. Aconteceu porque ela teve força de vontade ou porque não teve. Portanto, se ela atribuir a ela própria a responsabilidade de todos os desfechos da sua trajetória de vida, será uma pessoa, agora não me ocorre a palavra em português, mas delusional, não é? E isso tem dois efeitos que eu considero igualmente perigosos. Um é a pessoa ter uma trajetória de vida bem sucedida e viver na ilusão de que isso foi inteiramente do seu mérito e que não teve as condições à partida, durante, à chegada, seja como for, que permitiram que a pessoa tivesse esse determinado percurso. Ter uma ideia egocentrada da sua própria trajetória de vida. E isso contribui muito para um discurso de que não é preciso políticas públicas, não é preciso identificar as desigualdades, as desigualdades pertencem aos indivíduos, a eles que resolvam. E quando são as próprias pessoas a ter este tipo de discurso é muito perigoso porque legitima um pouco essa ideia. Por outro lado, e bastante mais trágico, o outro lado dessa falácia é que as pessoas cuja trajetória de vida passa por imensos obstáculos que elas não conseguem ultrapassar. Não conseguem porque muitas vezes não têm os recursos sociais, educativos, culturais, lá está, cognitivos, seja o que for, muitas vezes também estão encerrados em determinadas categorias de género ou de étnico-raciais ou outras que de facto as empurram para determinadas oportunidades de vida e ficarem convencidas que isso foi por sua culpa, por sua responsabilidade. E isso é um peso muito grande para se carregar durante uma vida e quando os jovens começam a carregar esse peso quando têm 20, 21, 22 anos, é um peso muito grande para se livrarem mais tarde. Nós falamos muito, por exemplo, das pessoas que sofrem do desemprego e sobretudo do desemprego de longa duração, da forma como se começam a responsabilizar elas próprias pela sua condição e começam a ficar cada vez mais desmotivados e do efeito longitudinal que tem o facto da pessoa estar desempregada. A pessoa começa a se aculpar ela própria, sou eu que não tenho um bom currículo, fui eu que não fiz nada com a minha vida, por isso é que eu não estou conseguindo encontrar trabalho. É um ciclo vicioso. É um ciclo vicioso, por isso é que o desemprego de longa duração se tornou um indicador diferente do desemprego por omissão de curta duração. Porque, de facto, o emprego de longa duração encerra as pessoas neste ciclo vicioso e as pessoas começam a responsabilizar elas próprias pela condição em que se encontram. Se nós pensarmos que a precariedade de longa duração também, ou a incapacidade de entrar no mercado de trabalho, ou a incapacidade de conseguir um bom emprego e com isso um bom rendimento ou de fazer frente ao seu patrão, seja o que for. Se as pessoas começam a atribuir única e exclusivamente a elas próprias a responsabilidade dessa condição é realmente um cancro para as suas trajetórias de vida, para as suas expectativas, para a sua resiliência. E, portanto, eu acho que a ciência deve ajudar a combater esta falácia em que as pessoas muitas vezes se encerram, porque aí sim elas estarão a contribuir involuntariamente para o fracasso, é uma palavra forte, mas assim que as pessoas sentem muitas vezes que é, para o fracasso da sua própria trajetória de vida, que não vai tão além como elas gostariam
José Maria Pimentel
que fosse. Mas isso é um tema engraçado, isso não é uma consequência inevitável da modernidade, precisamente Porque a modernidade trouxe-nos uma individualização que não existia antes, ou pelo menos não existia desta forma. Era nós olharmos para nós enquanto agentes da nossa própria vida e pensarmos em desenhar a nossa vida de uma maneira que existia muito menos antigamente. A tua vida estava mais ou menos pré-programada, depois também se cria às vezes uma caricatura sobre isso. Mas é verdade que era bastante mais do que agora, que tu tinhas uma vida pré-programada, muito mais encaixada no modo social e a partir do momento em que tu queres pensar a tua vida, depois é impossível fugires à noção de que tu és agente dessa vida e facilmente cais nessa ilusão de que és um agente total dessa vida, não é? Mas por outro lado, se tu não pensares assim, é difícil teres duas coisas ao mesmo tempo. É difícil tu quereres tomar ações para levar a tua vida num sentido que tu entendes e não é só profissional, é em todos os sentidos, de intimidade, de tudo o que for, e ao mesmo tempo achares que estás presa pelo sistema. Porque se achares que estás presa pelo sistema, então também não fazes nada, não é? Entras numa espécie de... Sim,
Magda Nico
e é por isso que o debate polarizado é desinteressante. Porque aquilo que interessa é de facto as próprias pessoas, mas depois também estudos empíricos, sociológicos e outros validarem isso, que o interessante é as pessoas perceberem como é que as duas coisas se tocam. Porque, de facto, as pessoas acharem que, pronto, nasci nesta família, nasci neste contexto, nasci neste bairro, não há nada que eu possa fazer. É uma tragédia e está errada porque hoje em dia, de facto, Existem, através da escola, através do efeito escola, através do efeito políticas públicas, através do efeito da própria família e da resiliência, muitas vezes a família com parques de recursos educacionais ou financeiros consegue, a partir de uma ética de trabalho, a partir de outros instrumentos, de facto alavancar a vida de uma pessoa. Portanto, é errado a pessoa pensar que o seu destino social está completamente marcado pela estrutura e que não há nada a fazer, mas também é errado, a meu ver, e na sociologia da juventude, eu acho que é mais necessário lembrar que é errado esta segunda parte pelos vícios da tal falácia de que falei, também é errado convencer, digamos assim, os próprios jovens de que a única e total responsabilidade dos fechos das suas vidas é a sua. Dão o exemplo do trabalho feito pelos chamados youth workers e pelas políticas de juventude europeias. Ao longo dos últimos anos tem contactado um pouco com o universo mais do Conselho da Europa sobre esse assunto e eles de facto têm estruturas muito completas de debate e nos seus eventos científicos porque eles têm sempre muitos youth workers, aqueles chamamos técnicos de juventude, não é uma tradução muito feliz, mas é trabalhadores para a juventude, digamos assim, pessoas que trabalham para os jovens. O Youth Workers, não consigo arranjar uma tradução melhor. Tem esses, tem as pessoas que decidem politicamente, portanto, decisores políticos e pessoas que de facto têm essa capacidade, incluem também os próprios jovens e incluem investigadores. Portanto, é uma coisa bastante completa e de facto há ali um crash de visões às vezes porque já tive discussões, isto é só um micro exemplo, mas já tive discussões sobre alguém considerar que havia uma atividade que poderia ser considerada um programa para os jovens, pronto, desenvolvido pelos youth workers, que era ensiná-los a fazer os seus currículos bem, motivá-los a fazer currículos por vídeo, portanto mais criativos, portanto muito à volta do como construir um currículo, como convencer o empregador, como chamar a atenção do empregador, assim uma coisa muito performativa, era mesmo a partir dos vídeos. Lá está a agência. Lá está, tu és capaz, portanto tu tens de produzir uma treinada performance, um treinado CV, tens de convencer as pessoas que és um espetáculo, se não convenceres, pronto, falhaste. E eu perguntei, eu na altura perguntei a esse rapaz, eu disse mas como é que é a estrutura do mercado de trabalho nesse país, no país de onde ele vinha, já não me recordo qual era, mas penso que até era um país de leste. Qual é que é a estrutura do mercado de trabalho? Qual é que é a procura por trabalhos desqualificados, por trabalhos mais técnicos e como é que é, por outro lado, a estrutura educativa desse país. Se não interessa, o que interessa é empoderar os jovens e ajudá-los a construir o seu currículo. E eu pensava, interessa não é porque podemos estar a empurrá-los para um beco sem fundo em que, para além de todo o esforço que farão, e que obviamente o saber não ocupa lugar e obviamente que a própria aprendizagem de construir um currículo pode ser bastante empoderadora, digamos assim, e para eles se autovalorizarem mais, mas estamos a convencê-los que o obter ou não emprego é fruto do currículo TARGIR ou não, estamos a enganá-los. E, portanto, eu acho que não devemos desviar nos discursos sobre os planos nacionais de juventude ou outras coisas, desviar demasiado a ideia para que estar nas mãos deles, também está, mas não está só nas mãos deles fazer isso. Porque muito facilmente essas pessoas vão sentir que falharam nessa missão, vão ter esse sentimento muito injustamente e muito erradamente e ele provavelmente vai acompanhá-los durante os anos que se seguem. Portanto, é perigoso.
José Maria Pimentel
Esse é um bocadinho o defeito, ou o reverso da medalha, do liberalismo. Liberalismo aqui no sentido lato, no sentido da tradição europeia de pôr o indivíduo em primeiro lugar e te dar agência e dizer que tu tens a autonomia para escolher a tua vida. Mas isso depois implica que... Que também tenham os recursos para o fazerem. Exato, e ignora todo o contexto. Antigamente antes disso estava lá, era o contexto que determinava, a tua vida seguia o sítio onde tu encaixavas naquele contexto, de repente é-te dada uma oportunidade, mas depois não dá para toda a gente ser tudo, ou não dá para toda a gente ser... Se tiver muita gente a querer ser o mesmo, por definição não vai dar.
Magda Nico
Para já não foi de repente. A ideia de que é um processo e ainda continua. A maior parte dos jovens continua a não ir para o ensino superior, continua a sentir que ou que não... E agora vou voltar a referir, porque são dados que são bastante recentes e que estou a trabalhar, do Inquérito Feito para o Plano Nacional da Juventude, a maior parte dos jovens que não seguiu para os graus académicos ou graus de qualificação que gostaria de ter seguido. A justificação que dá, os conjuntos de razões que são dadas, são dois. Um é financeira, não posso agora continuar a estudar, Tive que ir trabalhar, tenho contas para pagar, não tinha possibilidade para pagar as propinas, precisava do dinheiro. Falámos há bocadinho, não é? Preciso do dinheiro.
José Maria Pimentel
No curto prazo não tem
Magda Nico
outra opção. Não consigo prolongar o meu trajeto educativo, preciso ir trabalhar. E o outro era muito, lá está, não tenho capacidades para isso, não gosto de estudar, não sou boa, não tenho boas notas, não sou capaz. E, portanto, era a necessidade e a crença de que não se está à altura. Eu acho que se tem que trabalhar esta ideia de não estar à altura, todos estão à altura, tem que se criar, de facto, essa linha, o denominador comum, uma igualdade de oportunidades para que todos possam chegar a esse patamar, mas não nos convencermos, ou nós próprios, e sobretudo não convencermos os jovens, de que o esforço para chegar a esse patamar é igual para todos, porque uns vão ter que se esforçar mais que outros, infelizmente. Mas, pelo menos, se tiverem consciência disso, eu acho que não se sentirão tão enganados e aí se enteram a motivos muito válidos para se sentir orgulhosos do seu percurso.
José Maria Pimentel
E a igualdade de oportunidades, mesmo essa não bastaria, não é? Porque, primeiro, terias sempre diferenças genéticas, portanto, tens sempre diferenças de mais ou menos jeito para terminar das coisas que a pessoa não tem culpa e depois tens a sorte. Mesmo por cima disso tens a sorte. Portanto, podes simplesmente ter azar. Mas eu acho este tema giro porque é um tema que toca na questão da meritocracia, por exemplo, que é um tema difícil de gerir socialmente, porque por um lado é evidente que é completamente miúdo tu achares que a meritocracia determina as coisas a 100%, eu não acho que determine sequer perto 100%, mas por outro lado, se tu passas a ter uma explicação completamente estrutural, não é, completamente de contexto, depois
Magda Nico
tiras a agência toda... Tiras a agência e perdes a ética de trabalho e a ética relacional, não é? Se achares que tens que apostar noutros cavalos, que na meritocracia não vão ser cavalos muito corretos, de certeza, não é? É isso, é isso. Mas é esse equilíbrio que eu acho que muitas vezes não é mantido e aqui eu acho que distribuo, faço a maior culpa da academia, porque acho que continua, eu acho que menos nos tempos que correm, mas acho que ainda não suficientemente esta ponta entre agência e estrutura, dizer e concordar sempre que é uma questão de grau e não uma questão de dicotomia. Mas também depois, lá está. Estes discursos depois aparecem com outra linguagem, mas aparecem muito escondidos por trás dos discursos políticos e das direções políticas que vão sendo tomadas, não apenas para a juventude, mas
José Maria Pimentel
para a sociedade como um todo. E em certo sentido, há aqui um jogo de soma positiva, porque o conjunto da agência também influencia a estrutura, ou seja, a sociedade também não evoluiu por acaso, é porque há movimentos de... Por exemplo, se os jovens se posicionarem num determinado sentido, por exemplo, alterações climáticas, por exemplo, essa agência individual toda somada produz alterações na estrutura, ou várias questões relacionadas com o estado social, aquilo que falávamos há bocadinho de criar mecanismos que permitam que os jovens tenham autonomia mais cedo. Para isso acontecer também é preciso que exista essa agência a nível individual no sentido de alterar essa estrutura. Ou seja, a prazo há um jogo de soma positiva.
Magda Nico
Sim, evidente. É evidente que essa ideia da agência individual poder ser, no fundo, o melhor que o somatório de agências individuais promovem não só ação coletiva e movimentos sociais, como outras coisas um bocadinho mais invisíveis, não é? No fundo um microativismo que não é tão visível, não é tão performativo, não é tão mediático, mas que existe, não é? E
José Maria Pimentel
mesmo dessas culturais mais orgânicas, não é? Não tem que ter nenhum tipo de ativismo por trás.
Magda Nico
Exatamente, exatamente. Obviamente que essas vão alterar a estrutura, mas essa é a premissa também da sociologia, não é? É que há aqui uma dinâmica, nós por motivos um bocadinho analíticos separamos a agência de estrutura, mas elas fazem parte do mesmo mundo
José Maria Pimentel
social, não é? E são distinções, é um bocado como o nature versus nurture, não é? Completamente. Só que conceptualmente é que tu consegues distinguir, porque na prática elas interagem, não é?
Magda Nico
Exatamente. E eu acho que é essa interação e essa proximidade e essa coexistência das duas coisas e essa até interdependência, não é, de uma coisa influenciar a outra. Tendemos sempre para falar da estrutura que influencia a agência, mas obviamente que a agência também influencia a estrutura, não só se falarmos dos movimentos sociais como em geral, não é? O comportamento das pessoas é isso que faz. No fundo é o somatório das agências individuais que faz com que exista mudança social.
José Maria Pimentel
Exato, é isso, era uma ponta a esse. Nem tudo
Magda Nico
acontece por decreto, lei, nem tudo acontece numa estrutura top-down. Acontece também bottom-up, só que é mais silencioso e temos que estar mais atentos a isso e é um pouco isso que eu também acho que a Surgir da Juventude tem uma missão particular que é tornar isso mais visível, fazer um pouco um zoom nessa coexistência em vez de fazer zoom em nichos identitários ou comportamentais ou... Diga que é identitário do ponto de vista geracional que estávamos a falar há pouco. E portanto, em vez desse zoom, fazer no fundo uma leitura mais panorâmica de como é que esses processos coexistem e qual é que é a dificuldade para os próprios indivíduos em fazer coexistir nas suas vidas essas duas facetas, não é?
José Maria Pimentel
Olha, uma coisa que eu te queria perguntar, voltando até aquilo que falávamos há bocadinho das gerações atuais, até porque acho que para quem nos está a ouvir é um tema interessante, não é? Porque é o mundo que nós vivemos, não é? E eu até estava a pensar nisso e é interessante olhar, até relacionado com aquilo que tu falavas há bocadinho, há aqui uma confluência de tendências porque tu tens, olhando para os jovens de hoje, tu tens aquilo que falavas no início que é o facto de serem jovens ou seja, o facto de terem aquela idade, de estarem naquela fase da vida, que tem essa componente que é universal e tu depois tens, a somar a isto, tens tendências que vêm de bastante mais de trás, que vêm, lá está, vamos colocar a coisa aí desde os anos 60, mas até muito mais de trás e nós já falámos de algumas delas, de individualismo, de individualismo no sentido, sem o lado pejorativo, individualismo No sentido da valorização do indivíduo acima do...
Magda Nico
Do individualização, barra, processo mais baixo. Exatamente, individualismo barra autonomia, se quiser.
José Maria Pimentel
Uma certa laicização, urbanização, sei lá, uma série de coisas que são tendências que vêm muito atrás e que têm continuado, paulatinamente, a fazer o seu efeito ao longo das últimas décadas. E depois tens tendências mais específicas agora, tens a digitalização, tens as redes sociais, tens uma certa... No fundo do corpo em sitter, assumir um papel que não tinha antes, até identitário, não é? Sei lá, da maneira como te vestes, ou se tens piercings ou não tens, ou whatever, tudo o que for. Como é que é a corporalidade, não é?
Magda Nico
Talvez sim, acho que sim.
José Maria Pimentel
Tens também, embora isto esteja relacionado, tens também uma espécie de, eu diria, uma globalização cultural, ou seja, o jovem, até mais do que na minha geração, Os jovens de hoje em dia vivem, sobretudo dos países desenvolvidos, digamos assim, vivem numa espécie de cultura que não deixa obviamente ter as suas especificidades de país, mas é uma espécie de cultura que se globalizou, não é? E por exemplo, no meu tempo, que não foi assim há tanto tempo, não era tanto assim. Obviamente havia vídeos e a pessoa consumia muita música estrangeira, mas não era a mesma coisa, né? E portanto é uma confluência engraçada entre este lado mais estrutural, estas tendências que vinham de trás e continuam e depois tendências que são muito mais específicas de agora, não é? Que não existiam, pelo menos há 10, 15 anos não existiam. Qual é o retrato que tu traças da geração atual, chamemos-lhe assim, com esta simplificação, perante estas tendências todas? Pergunta fácil, não é?
Magda Nico
Foi, agora fiquei sem palavras.
José Maria Pimentel
Se calhar é melhor pôr isso de outra forma. Na conjugação destas tendências todas, o que é que no retrato que está no senso comum, que está na cabeça da pessoa geral, da pessoa média, se nós a perguntarmos na rua, está errado. Eu tenho a ideia que, por exemplo, uma coisa que está muito na cabeça das pessoas é a questão da digitalização e das redes sociais. Tu falas com uma pessoa, é muito comum as pessoas queixarem-se, os miúdos hoje em dia estão sempre ao telemóvel, já nem interagem, já nem socializam, não sei disso. Portanto, há um grande enfoque aí.
Magda Nico
Vimos como foi o desconfinamento, que eles não gostam de interagir.
José Maria Pimentel
Não gostam, é assim? Vimos,
Magda Nico
não vimos. Claro que gostam de interagir, mas sim, desculpa interrompi-te, mas... Mas,
José Maria Pimentel
Pod, eu queria era perceber a tua visão de socióloga sobre isto, sobre o que é que tu achas, no fundo, que se perde na visão do senso comum sobre estas coisas. Eu acho que uma coisa claramente é essa, ou seja, eu já tive essa discussão várias vezes, nós somos animais ultra-sociais, portanto é evidente que as pessoas vão sempre querer socializar, parece-me que há um grande exagero de achar que os miúdos, de repente, não querem, deixaram de socializar.
Magda Nico
Exato. São sempre as visões catastróficas sobre a geração. Sim, mas é
José Maria Pimentel
que nesse sentido faz, não é? Porque, sei lá, de repente, por exemplo, ainda no outro dia falava sobre isso num episódio, estiveste nos anos 80, 90 à crise das drogas porque de facto houve um influxo de drogas para que as pessoas não estavam preparadas. Percebe-se porque é que isso pode causar um problema. Agora, antissocialização é... Tirando alguns nichos, e de facto existem alguns nichos, no Japão, por exemplo, há muito isso, tipo, miúdos que não saem de casa e não sei o quê, mas do ponto de vista da média é evidente que as pessoas continuam a ter uma poluição socializante grande. Mas pronto, este era só um exemplo. Sim,
Magda Nico
mas é um bom exemplo. Podemos pegar por aí, é uma pontinha do iceberg, mas podemos pegar por aí. Não me parece que as pessoas, desde que existem telemóveis e internet, tenham deixado de sair à noite ou tenham deixado... Se pensarmos por aí, às vezes essa equivalência, essa ideia de uma visão sempre de crise catastrófica e muito pessimista do rumo desta geração é sempre um bocadinho exagerada e tal como vem com muita potência desaparece e passamos para o próximo drama. Por exemplo, se estamos realmente preocupados sobre os jovens de hoje em dia passarem demasiado tempo ao telemóvel, então vamos continuar a estudar estes jovens até eles terem 40 ou 50 anos para perceber se isto vai ter influência na rede de amigos e da rede de apoio que eles têm nessa altura. Mas não. Quando eles começam a aproximar-se dos 40, deixam de ter interesse e voltamos a estudar os jovens que têm 25 a 30 anos e arranjamos outro problema novo. Estou a falar na primeira pessoa também enquanto académica. Mas andamos sempre um pouco à procura disso. Estamos sempre a dizer que os efeitos vão ser longos, duradouros, estruturais, que a identidade desta geração vai ser completamente diferente, porque vão ser assim ou assado. Mas depois, quando chegamos à altura de começar a confirmar se temos razão, pronto, já partimos para outro problema e vamos restaurar os jovens outra vez.
José Maria Pimentel
E isso é característico de Portugal ou da sociologia em geral? Eu
Magda Nico
acho que é característico de alguma sociologia, não da maioria e em Portugal não da maioria. Eu Acho que a parte dos sociólogos em Portugal tem uma visão bastante equilibrada, mas também não me cabe a mim agora falar do próprio campo, mas eu acho que de uma maneira geral existe muito isto da academia, sem falar da Sociologia, muito isto da academia, De ir à procura com muita pressa de uma explicação, de um rótulo e dar-se o caso por terminado e arrumar a coisa e vai para o outro. E, portanto, eu acho que esta ideia de uma ciência mais lenta, mais longitudinal, mais – eu ainda não sei qual é o desfecho, vou ter que esperar mais um bocadinho e vou ter que ter paciência e resiliência para esperar mais um bocadinho e ver qual é que é o verdadeiro desfecho ou o desfecho mais tardio que eu acho que às vezes falta na academia de hoje, também falta, lá está, pela estrutura, a estrutura do sistema científico também muitas vezes não colabora para que nós tenhamos tempo para amadurecer as nossas opiniões, os nossos estudos. A ideia do fast science também nos coloca aqui alguma pressão, mas eu acho que devemos ceder à pressão sempre que for possível. Quando nós analisamos dados, por exemplo, que aspetes é que os jovens dão prioridade nas suas vidas, nomeadamente que aspetes é que acham que são mais urgentes para serem trabalhados em políticas públicas, nomeadamente pela Nacional de Juventude ou outros, são sempre os mesmos. Em primeiro, segundo e terceiro lugar, emprego, saúde, habitação e família. É um bocadinho... Parece um bocadinho amassador a dizer isto, mas isto é o que é importante. Agora, os contornos que cada uma destas coisas toma é que é diferente, não é? O emprego de que eles estão a falar
José Maria Pimentel
Não é o mesmo
Magda Nico
emprego que uma pessoa há 30 anos atrás falaria. Mas a ambição é a mesma, é de que aquilo é muito importante para o seu bem-estar, para o seu futuro e no caso de Portugal ainda mais importante é para poderem concretizar todas as outras transições. O que nós vemos hoje, ou eu acho que podemos estar a começar a ver hoje, de uma forma mais marcada e até do ponto de vista da recolha de dados já se começa a ver isso um pouco, mesmo nos dados quantitativos, é de que forma é que a igualdade de oportunidades, problemas mais globais, para tocar também no assunto que estavas a falar, no qual podemos incluir, obviamente, as alterações climáticas, começam a ser também muito importantes, começam a ser uma prioridade para a vida deles e o que é uma coisa muito interessante que é uma ideia muito próxima das suas próprias vidas, não é? Eu tenho que começar a trabalhar, eu quero sair de casa, portanto estas são as minhas prioridades e eu assumo que estas são as prioridades para os jovens, para as outras pessoas que têm a minha idade, mas parece-me, tenho alguns indícios, não posso afirmar com toda a certeza, mas mesmo em Portugal tenho alguns indícios a partir destes dados que estou a trabalhar, que o nível de preocupações e de prioridades dos jovens passou a um nível mais macro. Esta ideia de não estarem só preocupados consigo e com aquilo que consigo e com a sua geração, mas olharem um bocadinho mais além.
José Maria Pimentel
Isso tem a ver com essa globalização cultural, não é?
Magda Nico
Sim, e que eu acho que com a gravidade dos problemas também e com a rapidez com que esses problemas também são muitas vezes denunciados e disseminados pelos mídias que aí fazem o seu trabalho muito bem, não é? Como estavas a dizer há pouco, às vezes há certas organizações mais orgânicas que podem começar um certo trabalho mais do campo, bottom up, e não têm a visibilidade que precisam. Ora, com as redes sociais hoje em dia, com os mídias, poderão ter essa... A Greta não nasceu nesta geração por acaso, não é conhecida nesta geração por acaso. Terão havido outras, mas geralmente eram as celebridades que advogavam, por exemplo, uma Jane Fonda ou assim, celebridades de outras gerações que tinham estas bandeiras que aproveitavam o seu papel de celebridade para dar visibilidade a um problema social. Hoje em dia já pode ser um bocadinho ao contrário e isso também é uma... É um ponto interessante isso.
José Maria Pimentel
É
Magda Nico
um ponto a favor, é um instrumento que esta juventude tem e que pode ser de facto um ponto a favor. Portanto, para pegar no ponto da APCAD ainda bem que existem redes sociais, ainda bem que existe esse processo e essa democratização, democratização ainda por completar, mas mais acesso a essas redes e a esse mundo digital, porque isso dá-lhes um instrumento que de outra forma, não estando, obviamente sem entrar aqui muito nesse debate, mas não estando tão representados noutras estruturas de poder, dá-lhes um outro mecanismo para poderem participar e para poderem ter voz e para poderem lá está, influenciar a tal estrutura. E o que se nota hoje é que, não sei o que foi primeiro, se foi o ovo ou se foi a galinha, mas de facto, a partir desses processos mais digitais de participação, outros jovens começaram a ter essa consciência da importância dos problemas mais globais, não só das alterações climáticas como outros. Nós vimos, entraram-nos imagens adentro, agora durante o primeiro confinamento global, digamos assim, entraram-nos imagens pela televisão que eu acho que foram incontornáveis e que são elas próprias também factos sociais totais, de facto, de George Floyd e de outros que de facto, no fundo, criam um denominador comum para o debate. Nem todos concordarão com os vários lados desse debate, mas criam de facto uma agenda e eu acho que os jovens estão bastante atentos a essa mesma agenda. Criam
José Maria Pimentel
uma agenda global, não é?
Magda Nico
Eu acho que começam a ter, sim. Global,
José Maria Pimentel
pelo menos no mundo ocidental, digamos assim, no sentido latino.
Magda Nico
Sim, esse é um grande enviesamento que existe, não só no...
José Maria Pimentel
Ou se calhar no mundo democrático mais do que no mundo ocidental, que parece ser...
Magda Nico
Essa fronteira começa a ser complicada de...
José Maria Pimentel
Pois, não, estava a pensar se encontrava mais pontos... Quer dizer, para as redes sociais existirem e terem esse papel na sociedade civil, e neste caso nos jovens, tens mais ou menos que viver numa democracia. Sim, claro. Na China isso não existe, mas na Coreia do Sul já existe,
Magda Nico
por exemplo. Sim, sim, claro.
José Maria Pimentel
Quando falei em mundo ocidental comecei a pensar, por exemplo, na Coreia do Sul ou no Japão, que são países que facilmente estão dentro dessa tendência e não são ocidentais, não é? Sim, ou seja, tens que ter... E tens países mais próximos que não estão e estão...
Magda Nico
Sim, ou seja, tens que ter o hardware e o software. Exato. Tens que ter esses recursos digitais e não estamos, portanto, a falar de certos países que não têm esse tipo de recursos e de estrutura digital nas suas sociedades, entre sociedades que vivem outro tipo de dificuldades, infelizmente, e depois temos o recurso mais de utilizar esse instrumento digital como instrumento democrático e de participação. Aí também são precisas outras condições de razão democráticas para que isso aconteça.
José Maria Pimentel
Eu estava a ouvir-te falar e há aqui uma tendência macrointeressante, porque me parece que se tu olhares desde o início que surgiram os meios de massa, começaram a surgir os meios de massa, eles foram trazendo os jovens, ou dando um protagonismo aos jovens que a estrutura social normal não dá por várias razões, não por uma espécie de má vontade, mas porque a estrutura social está feita para os adultos, não é? Tu vais crescendo e, portanto, os órgãos que existiam de representação, de discussão, eram órgãos de adultos, maioritariamente masculinos, não é? Mas mesmo retirando isso, não deixaria de ser de adultos. E com os meios de massa e com a cultura popular isso foi trazendo e até depois com efeitos nos adultos, até vai tornando mais jovem, mais jovem isto é, obtendo algumas características vindas dos jovens nos adultos e hoje em dia até se nota isto. E as redes sociais de certa forma são mais um passo nesse percurso porque ao desintermediarem completamente a circulação de informação, portanto deixa de estar nas mãos dos médias tradicionais e dos jornais e das televisões, de repente podem surgir figuras como a Greta, por exemplo, que tu dizias há bocado, que para as redes sociais seria muito difícil, simplesmente porque ela não teria esse palco.
Magda Nico
Teria visibilidade. Teria
José Maria Pimentel
muito menos, não é? E isso produz essa espécie de globalização cultural, mas também de maior peso. Com o que isso tem de bom e de mau dos jovens no espaço público, não é? Digo bom e mau porque também tem aspectos piores. Inevitavelmente a reflexão não é tão aprofundada como quem tem mais anos de vida, não é? Portanto, está ali um trade-off entre uma coisa e outra, mas ao mesmo tempo, embora nós provavelmente tenhamos tendência para exagerar isso, dá aos jovens de hoje um peso no espaço público que não tinham os jovens de antigamente, não é?
Magda Nico
Sim, dá aos jovens e dá a outras camadas de população a quem se calhar falhavam e faltavam. Ah, claro, sim, sim. É isso mesmo. Eu estou aqui a fazer a média, não é? Sim, sim. Na
José Maria Pimentel
média é que isto que eu estou a dizer faz sentido. Sim, sim. Depois dentro de cada camada isto também gerou efeitos desse tipo de pessoas que não estavam a passar
Magda Nico
a conversar com nós. Sim, estava a concordar precisamente que é de facto naquelas condições em que falámos, em que existe democracia e existem os recursos digitais de uma maneira mais geral nesses países, de facto podem ser usados enquanto instrumento de participação, não só para os jovens como para outras camadas da população que, por outros motivos, acabam por estar um bocadinho mais afastadas desses mecanismos. Relativamente à questão dos jovens também haver um lado menos positivo do facto de os jovens participarem nas redes, etc, eu acho que esse lado menos positivo é transversal, talvez a todas as idades, Porque muitas vezes essa participação por via digital, falávamos há pouco, não é de que uma cruzinha às vezes não nos diz o suficiente, um like também não, uma assinatura numa petição às vezes também não. E Às vezes podemos perder um bocadinho a noção, para quem está a ver de uma forma mais externa, podemos perder um bocadinho a noção do significado, não tanto da quantidade, não tanto da visibilidade, mas do significado mesmo dessas micro participações. Ainda há pouco tempo tivemos ouvir falar sobre esses novos modos de participação dos jovens e há sempre aquela pergunta, não sei se é da última semana, se é do último mês, mas há sempre uma pergunta que diz se no último X tempo assinou alguma petição e é enorme a porcentagem comparada com outros escolões etários, é enorme a porcentagem de pessoas mais jovens e tanto para essas mais jovens como para as outras eu faria uma outra pergunta logo a seguir. Qual foi essa petição? E perceber quantas pessoas se lembravam qual foi a petição que assinaram. Porque às vezes nós temos esta ideia de medir a participação e de medir os valores e de medir, no fundo, quão engajadas as pessoas estão na sociedade por coisas que quantificam próxios disso e não necessariamente aquilo que estamos a querer medir. E, portanto, a mim preocupa-me um bocadinho usar às vezes esses indicadores, seja para os mais jovens, seja para os mais velhos, mas sabemos que são os mais jovens a usar, usar esses indicadores como evidência empírica de que participam, de que se interessam. Para mim participar é interessar-me, não é necessariamente tornar esse meu interesse visível ou de alguma maneira perfumatizar, digamos assim, esse meu interesse. E portanto acho que às vezes confundimos um pouco e acho que as prioridades às vezes não estão inteiramente corretas entre a participação e engajamento, porque uma pessoa para participar deverá de facto ter uma opinião, ter tido tempo para formar essa opinião, ter tido informação para formar essa opinião, acredito que
José Maria Pimentel
sim. E esses dados são limitados nesse sentido, porque só te dão tanto aquele data point da pessoa fez ou não fez, mas não te mostram em que contexto é que aquilo aconteceu. Se aquilo foi resultado de muito tempo a pensar sobre aquele assunto ou foi uma coisa meio por impulso, porque por acaso era só carregar no botão e não reflete propriamente o interesse mais aprofundado sobre isso. Eu estava a falar há bocadinho, até estava a fazer aquela analogia com o problema da droga para dizer que me parece estranho, e nós concordamos nesse aspecto, que a preocupação das pessoas com uma espécie de poluição associal, ou seja, antissocial se quisermos, dos jovens atuais, porque isso claramente contra a natureza humana e portanto nesse aspecto as redes sociais preocupam bastante pouco, salvo alguns casos de franja que aí de facto pode haver problemas. Agora, há outro lado das redes sociais que pode ser mais comparável à questão das drogas, no sentido de nós não estarmos preparados para ele. E aí tem a ver com, precisamente, outros aspectos da natureza humana que são sobreestimulados pelas redes sociais. E há vários efeitos nesse caso e há alguns que têm a ver precisamente com os jovens. Eu lembro, por exemplo, de apanhar um estudo, foi muito recentemente, uma semana, do efeito das redes sociais, sobretudo o Instagram, Snapchat e já não sei quais eram as outras, sobretudo nas raparigas, na saúde mental. Por causa de toda aquela lógica de... Tem um bocadinho a ver com aquilo da agência, até que falávamos há bocadinho, não é? Tu construíres a tua personagem de uma espécie de persona online e, portanto, coloca uma tónica muito grande na questão do aspecto físico e da vida que tu tentas projetar e depois aquilo cria. Isso agora que tu vou falar, tu pensaste que isto tinha muito a ver com aquilo que falávamos há bocadinho da questão da agência, não é? Depois se tu não és bem sucedido aquilo cria uma pressão gigantesca e nos Estados Unidos isto também tem a ver com o outro ponto que levantavas há bocadinho também é provável que precisássemos de mais tempo para perceber exatamente o que isto é, porque podemos estar a sobrevalorizar mas há ali um efeito nos dados que aparentemente é bastante grande, ou seja, de vários indicadores de saúde mental que se medem, com depressões, pensamentos de suicídio, ou eventuais tentativas de suicídio, não sei o quê, tu notas que o gráfico estava ali num determinado nível, que nunca é zero, como é óbvio, e de repente tem ali a partir do surgimento destas redes, que é Salve-Veia-Ralipa, ali em torno de 2013, a coisa começa a ter ali uma subida muito rápida que aparentemente tem alguma coisa a ver com isto. Como é que tu olhas para isto?
Magda Nico
Os meus comentários vão ser muito, talvez, superficiais porque de facto não é uma área que eu me tenha debruçado, talvez sobre o bem-estar um pouco, mas não sobre essa perspectiva do género e não necessariamente relativo a essa ideia, no fundo, da identificação com o corpo que se tem e com o impacto da pressão sobre o corpo que se deve ter, etc. A imagem. Agora, as mulheres sempre foram mais sujeitas ao longo do século já a ideais de beleza que deveriam responder de alguma forma. Não me espanta que as redes sociais tenham exacerbado isso, mas aquilo que eu vejo como pessoa que não tem redes sociais, mas aquilo que eu vejo... E
José Maria Pimentel
quem é que eu fui perguntar? Exato,
Magda Nico
não podia estar. Não, mas aquilo que eu, pronto, não tenho redes sociais mas leio jornais e leio estúdios, mas aquilo que eu vejo é que, de facto, se esse efeito aumentou, também aumentou muitíssimo o debate sobre esse mesmo efeito. Quer dizer, nós vemos celebridades a prestarem fotografias e a fazerem questão de mostrar a sua celulite e avisarem que aquela fotografia não foi manipulada e, portanto, se existe esse impacto negativo, também existe já um contra-movimento de pessoas se calhar melhor posicionadas para criarem uma certa influência, de pessoas que podem de facto mostrar que a vida real não é assim e que isso não deve ser um objetivo de vida. Portanto, mais uma vez eu não ficaria com o sentimento de, obviamente, que é uma questão preocupante, as pessoas devem se sentir bem, devem haver altos níveis de bem-estar e não deve ser mais um indicador de desigualdade de género, obviamente, mas, por outro lado, também vejo que existe das próprias mulheres e não só um contra-movimento, não é? Relativamente a isso. Portanto, acho que posso esperar que esses dois movimentos se encontrem e que ganhe o do equilíbrio e do bom senso.
José Maria Pimentel
Eu tenho, estava a ouvir-te falar, eu tenho um lema que é quando um problema é muito discutido socialmente temos meio caminho andado para o resolver, não é?
Magda Nico
Pois, é o caso aí sim.
José Maria Pimentel
Os maiores problemas são aqueles que são discutidos de uma maneira insuficiente, como alguns de nós que falávamos aqui hoje. Porque se tu socialmente já estás a discutir o problema, então é provável que ele seja resolvido até de uma maneira orgânica, porque depois a cultura readapta-se. Eu acho que aqui o desafio das redes sociais é ter introduzido uma mudança muito rápida para que nós culturalmente não estávamos preparados. A vários níveis, não só este nível. O populismo é outro sintoma de um efeito também das redes sociais. Mas o facto de tu discutires, não quer dizer que significa que imediatamente ele vai ser resolvido, mas ajuda a resolvê-lo, porque depois tu vais gerando essa adaptação cultural, social, que é necessária para depois resolver o problema. E aqui eu também tenho muito essa percepção, não querendo desvalorizar. Sim,
Magda Nico
vamos tentar ver o copo meio cheio, não o copo meio vazio. Não, até
José Maria Pimentel
porque quem está a passar por isso agora serve-lhe de pouco isto que nós estamos a dizer, não é? Sim, é verdade. Ou seja, se tiveres uma infecção serve de pouco a penicilina ser alimentada amanhã, não é? Sim, é verdade. Porque
Magda Nico
se tu morres hoje, não
José Maria Pimentel
é? Mas do ponto de vista social mais amplo é...
Magda Nico
Sim, exatamente. Acho que isso é verdade.
José Maria Pimentel
Olha, uma última coisa antes de passarmos ao livro. Tu à bocado estavas a aludir à questão dos estudos longitudinales e eu tenho a ideia que é precisamente aí que está uma grande fonte de conhecimento para perceber várias destas dinâmicas que nós falamos aqui. E tenho a impressão que, sobretudo na Europa, até comparativamente com os Estados Unidos, nós temos uma tradição insuficiente a esse nível, se calhar, ou a incapacidade de fazer estudos desse tipo de longitudinais, ou seja, as mesmas pessoas, no fundo, corrijo-me se eu estiver a explicar isto de maneira errada, são as mesmas pessoas que são seguidas ao longo de, se for preciso, décadas para perceber estes efeitos de uma maneira continuada, em vez de tirar simplesmente uma fotografia com todas as conclusões erradas que podes estar a tirar. E de facto o manancial de informação que pode estar aqui é não só mais vasto como muito mais útil do que simplesmente olhar para uma fotografia de um momento. Falta-nos investir aqui ou eu estou enganado nesta percepção? Falta,
Magda Nico
falta. Falta, mas eu diria que a Europa é muito heterogênea desse ponto de vista, porque não só os Estados Unidos, mas depois também Holanda, Alemanha, Reino Unido. Sim, pois, eu estava a falar da Europa continental, mas sim, tem uns países mais agrários. Sim, tem muita tradição para desenvolver estudos longitudinais, para desenvolver uma sociologia mais histórica, mais de arquivos e, portanto, conseguem ir mais atrás e começar a fazer os inquéritos e ainda ir buscar a informação anterior e, portanto, fazer mesmo uma observação com uma janela de observação bastante aberta. Mas isso requer, para já, um reconhecimento de que isso é necessário e de que isso traz essa utilidade extra àquilo de fazer, no fundo, fotografias a determinados momentos do tempo, que às vezes são momentos do tempo que não têm nada de interesse do ponto de vista histórico. Calhou haver recursos, um projeto que foi ganho naquele ano e de repente vai ser um inquérito naquele ano. É uma escolha de ano completamente aleatório e de repente estamos a tentar destrinçar efeitos idade, período e coorte etária a partir de um ano que não tem nenhuma justificação teórica, digamos assim. Cria essa aleatoriedade que depois é desvantajosa porque não só temos só uma imagem, como temos imagem num ano que até pode não ter sido nada de importante. Mas, de facto, não há ainda essa tradição, não há essa imagem positiva que os estudos longitudinales podem trazer e depois também não há, não sei se é resultado disto ou como causa disto, o investimento necessário para isso acontecer. O nosso sistema científico funciona muito à base de projetos que são completamente interrompidos, ou seja, ideias e entendimentos e compreensões de fenómenos que são interrompidas porque o projeto chega ao fim, o dinheiro chega ao fim. E, portanto, os estudos longitudinales são, no fundo, o melhor símbolo daquilo que é a essência da ciência, que é a acumulação de conhecimento, a continuidade, não necessidade de rotura constante e, portanto, esta ideia de continuar sempre a acumular conhecimento, a unir os pontinhos desse conhecimento. Nem todas as ciências, obviamente, necessitam de estudos longitudinales, mas em ciências sociais e de psicologia em particular, se nós estamos constantemente a interromper esse conhecimento, De facto, a perda de informação é enorme. Agora, para isso é preciso recursos, é preciso um reconhecimento da importância de fazer este tipo de estudos. Nós, por exemplo, só para te dar um exemplo, nós temos um projeto a decorrer que recolhe histórias de família. Recolheu histórias de família em 2011, portanto entrevistámos 15 famílias, vários membros dessas, todos os membros maiores de idade dessas famílias, para saber, no fundo, cada um contou as suas biografias mas também contaram na sua versão a história da sua própria família, com árvores genealógicas, uma coisa mesmo muito completa no fundo, pôr as pessoas a falar sobre elas próprias por relação às pessoas da sua família. E isto foi feito em 2019 e em 2020, dispensa de apresentações, com o projeto a decorrer, aquelas entrevistas para analisar, nós decidimos voltar a entrevistar essas pessoas e não entrevistámos, fizemos questionários qualitativos, ou seja, a resposta era por questionário mas as perguntas eram bastante mais qualitativas do que cruzes, digamos assim, ou do que apenas cruzes, muitas respostas abertas e então inquirimos as pessoas várias vezes, quatro vezes em 2020, abril a julho. E mesmo nesse espaço de tempo, de 4 meses, abril, maio, junho, julho, exato, 4 meses, mesmo nesse espaço de tempo as respostas oscilaram bastante. Portanto, a ideia de nós acompanharmos a evolução também realmente foi um momento muito denso economicamente, emocionalmente, etc. Sim,
José Maria Pimentel
abril foi logo mesmo o início da pandemia.
Magda Nico
Foi, nós ficámos preocupadas com aquelas famílias que já conhecíamos e portanto também decidimos manter o contato numa vertente também mais humanística, se quisermos, não só da parte da recolha de dados, mas o que eu queria dizer é que mesmo durante esses quatro meses em que nós acompanhámos essas pessoas, de forma longitudinal, digamos assim, apesar de ser um período curto de tempo, Nós conseguimos perceber como é que o bem-estar das pessoas, a relação entre as pessoas foi oscilando à medida que as medidas também de confinamento e desconfinamento foram entrando e saindo. Portanto, conseguimos fazer essa relação. Teríamos perdido essa oscilação no bem-estar das pessoas e na forma como viam com bons olhos ou com menos bons olhos algumas das medidas estavam a ser tomadas e o impacto objetivo que as medidas estavam a ter nas suas vidas, se tivéssemos feito um questionário em Abril e outro questionário em Julho e teríamos que tentar unir aqueles dois pontinhos como se tivesse uma reta a se tratar. E não é uma reta. Nós quando não percebemos as oscilações perdemos bastante informação.
José Maria Pimentel
Se estás unindo com uma reta podes ter um ponto no meio que está acima ou abaixo de qualquer um daqueles dois e estás a perdê-lo completamente. Sim,
Magda Nico
eu acho que há muito essa ideia de, mesmo naquilo que falámos no início, de comparar o passado com o presente. O passado é um momento no tempo, supostamente, o presente é outro e vamos unir aqui, vamos ver o que é que... Se a reta subiu ou desceu, não é? O que é que é diferente. Mas é um processo e não uma reta.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Olha, para terminar, trazes dois livros, não é?
Magda Nico
Sim, um deles então...
José Maria Pimentel
Já falámos mais ou menos, não é?
Magda Nico
Já falámos mais ou menos, mas para além desse tinha aqui um que eu acho que fica aqui muito bem na continuidade desta nossa conversa, que é um livro que se chama Children of the Great Depression, que é de Glenn Elder Jr. Que ele é considerado, assim, de forma bastante consensual, o pai da perspectiva do curso de vida. E então foi precisamente, já que estamos a falar de estudos longitudinais, foi precisamente isso que ele fez. Tinha sido feito um estudo, já está nos Estados Unidos, um estudo de recolha por inquérito aos jovens que tinham passado a sua juventude durante os anos 30, portanto daí serem jovens ou crianças da grande depressão, e recolheram de forma longitudinal durante 30 anos, recolheram informação sobre essas mesmas pessoas. São cerca de 170 pré-adolescentes que começaram a ser entrevistados então nos anos 30 e foram entrevistados nos anos 40 e foram entrevistados nos anos 50 e sempre com uma recolha bastante vasta de informação que vai desde indicadores mais psicológicos a coisas mais sociológicas ou sociais, digamos. O manancial de informação é brutal, é preciso uma equipa muito grande para tratar desses dados e ele mais tarde retomou e, portanto, acabou por entrevistar essas pessoas quando elas já tinham uns 50 anos e, portanto, conseguiu, a partir daí, perceber o que é que viver a pré-adolescência, neste caso, num contexto de depressão, lá lá, de um período histórico, que consequências é que isso teve ao longo, quase inteiro, da vida destas pessoas. E é um estudo de referência e que pode ser revisitado muitas vezes, quanto mais não seja para valorizar a importância de esperarmos mais um pouco, perguntarmos outra vez, esperarmos mais um pouco, perguntarmos outra vez e fazer uma ciência mais lenta, mais útil. O outro livro que vou então optar, poderia falar então dos autores também que já falámos, do Andy Furlong e Fred Cartmel, de autores do livro onde a falácia epistemológica da modernidade tardia foi muito discutida, ou discutida pela primeira vez, mas se calhar para chamar a atenção para uma outra forma de olhar sociologicamente para a realidade dos jovens de hoje e de outrora, talvez mais leve do que esta obra de referência que eu acabei de referir, é o livro de ficção de Sally Rooney que se chama Normal People, que também tem adaptação televisiva, de série televisiva, e que eu recomendo que vejam, não como uma ode aos millennials, mas como uma ode aos problemas reais dos jovens de hoje e de outrora. E do impacto das variáveis de género, de classe social e de contexto político que impacto é que têm essas variáveis na vida das pessoas jovens. E da pessoa comum, não é? Em certo sentido. E da pessoa comum. E somos todas pessoas comuns. Acho que é a mensagem do livro, é um pouco essa.
José Maria Pimentel
Olha, Magda, obrigado.
Magda Nico
Obrigada a eu pela conversa interessante.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Miguel Van Uden, José Luís Malaquias, João Ribeiro, Francisco Hermes Gildo, Família Galaró, Nuno e Ana, Nuno Costa, Salvador Cunha, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins, Tiago Leite e Abília Silva.