#112 Alexandre Afonso - Imigração, populismo e Portugal visto de fora

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e isto é o 45°. Neste episódio estou à conversa com a Alexandra Fonso, que é professora de políticas públicas na Universidade de Leiden, na Holanda. A investigação do convidado debruça-se sobretudo no estudo de políticas de mercado de trabalho, imigração e Estado Social nos países europeus. Atualmente está a escrever um livro para a Oxford University Press sobre o modo como as políticas de imigração e de Estado Social em cada país interagem. Foi precisamente sobre este assunto que começámos a nossa conversa. O estudo do Alexandre começa ainda no século XIX e este é um assunto que tem por isso interesse para compreender a história de cada país, mas é também um assunto que ajuda a explicar a própria política atual, visto que a coexistência entre o aumento da imigração nas últimas décadas e a existência de Estados sociais generosos nos países europeus é provavelmente um dos motivos que ajudam a explicar a ascensão do populismo na última década. Esta questão do populismo levou-nos a discutir um pouco os partidos da direita radical na Europa atual, a sua agenda, bem como alguns desafios menos óbvios que enfrentam para o seu crescimento, e falámos inevitavelmente do caso particular do Chega, sobre o qual o convidado tem também um paper. De seguida abordámos outra área de investigação do convidado, a análise comparada das instituições do mercado de trabalho entre países europeus. As regras e as instituições do mercado de trabalho são sempre um tema quente em Portugal, com uns a dizerem que é demasiado liberalizado e outros a dizerem que é demasiado rígido. O convidado tem sobre este tema uma perspectiva original que me ajudou a perceber um aspecto que há muito me intrigava sobre o mercado de trabalho em Portugal. O Alexandre é filho de portugueses, mas nasceu e viveu sempre fora do país. Por isso vão notar que o português não é a sua língua mãe, aliás, nem é a mesma sua segunda língua, e por isso eu diria que se safa muito bem a falar português. E aproveitando esta peculiaridade do Alexandre, ser um português que vê e viu sempre o país a partir de fora, aproveitei também, mesmo no final da conversa, para lhe perguntar como é que um cientista político com essas características vê a sociedade e a política do país? A resposta, como vão ver, foi muito interessante. Como de costume, queria agradecer aos novos mecenas do 45 Graus, David Gil, Rui Cunha, Miguel Bastos, Daniel Paes, Telmo Gomes e Sérgio Nunes. E com isto deixo-vos com Alexandre Afonso. Alexandre Afonso, bem-vindo ao 45 Graus. Muito obrigado pelo convite. Olha, vamos começar por um projeto de investigação que tu estás envolvido, que é interessante por si só e acho que também é interessante para os tempos em que vivemos, porque é um projeto com uma lógica temporal muito mais alargada, começa desde a década de 70 do século XIX, se houve um erro, e a ideia, pelo que eu entendo, é tentar entender de que forma é que as políticas de imigração dos Estados e o desenvolvimento do Estado social, ou seja, o incremento da construção do edifício do Estado Comercial ao longo dos tempos, estão relacionados. Como é que uma política e a outra interagem dentro dos Estados? Consegues me explicar isto melhor e as precadas proto-conclusões que já tens em relação a isto?
Alexandre Afonso
Sim, o ponto de partida deste projeto era tentar ver se há uma relação entre o desenvolvimento do Estado Social e o desenvolvimento das políticas para limitar a imigração. E o ponto de partida do projeto, a ideia é que no século XIX e antes, mais ou menos até à primeira guerra mundial, havia muito poucas limitações para mover entre as fronteiras da Europa. Era muito fácil ir da França até à Suíça e havia de facto grandes movimentos de migração, pelo menos até os Estados Unidos. E a ideia é dizer que num mundo onde ser residente de um país, ou ser cidadão de um país, não dá direitos que têm implicações em termos financeiros do Estado, é possível ter um sistema onde é possível ir de um país para outro sem grandes limitações. Agora, com o desenvolvimento do Estado Social, onde ser residente em Portugal, ser residente na França, dá alguns direitos ligados ao emprego, a pensões, quer dizer que existir como cidadão ou como residente de um país implica um custo possível para o Estado e para outros cidadãos. Nesse sistema é mais difícil ter um sistema de circulação completamente livre da mão de obra ou dos trabalhadores. E a ideia mais ou menos do projeto de ver de maneira empírica com dados sobre regulações do mercado de trabalho, de regulações em termos de migração e direitos sociais, se o desenvolvimento do Estado Social é acompanhado com limitações da circulação em termos de migração. Sim, quando
José Maria Pimentel
tu dizes isso, tu estás a pensar em parte, mas não sei se só nisto, no facto de a existência de um Estado Social pressupõe uma lógica redistributiva, não é? E para as pessoas aceitarem participar nessa lógica redistributiva, ou seja, aceitarem pagar impostos e subsidiar, seja saúde, seja educação, seja subsídios de desemprego, outros tipos de subsídios, outras pessoas, tem que sentir como fazendo parte da mesma comunidade. A imigração, pela natureza humana, põe em causa isso e, portanto, tenderá a gerar uma maior antipatia das pessoas em relação a esses esquemas. Esta será a parte da explicação. É só isto ou há uma lógica mais automática, se quiseres, e não cultural nessa relação entre estas duas variáveis, política de imigração e extensão do Estado Social.
Alexandre Afonso
Acho que há dois mecanismos. O primeiro é aquele que mencionaste agora e a ideia é que para ter um sistema de redistribuição onde os cidadãos que pagam impostos aceitam pagar esses impostos para beneficiar outros cidadãos, tens que ter um sentido de destino comum, um sentimento de identidade comum que torna-se mais difícil com pessoas que vêm de países diferentes, com culturas diferentes, religiões diferentes. De facto, é esse mecanismo que autores mencionam muita vez para explicar as diferenças entre o desenvolvimento do Estado Social na Europa E nos Estados Unidos.
José Maria Pimentel
Acho que também falaste disso. O Alésino, não é? Sim.
Alexandre Afonso
Exatamente. E falaste disso acho que no episódio
José Maria Pimentel
que o Alva fala da Prada de Fernandes. Exatamente. Isso mesmo.
Alexandre Afonso
E essa ideia de um país como os Estados Unidos, construído sobre grandes vagas de imigração, com um passado de escravatura, de divisões raciais e étnicas, as maiorias brancas não queriam contribuir impostos que podiam beneficiar às minorias mais pobres negras ou vindas de outros países. Essa é a ideia do Alessina, esse economista italiano, segundo a qual a fragmentação étnica e a imigração prende mais difícil sistemas de distribuição nos Estados Unidos comparado com a Europa que tradicionalmente era mais homogénea em termos étnicos. Isso é um mecanismo político, por isso quero dizer também que a Leusina diz que o aumento da imigração também na Europa pode conduzir à americanização do Estado Social Europeu, com cidadãos menos prontos a pagar impostos que podem beneficiar a imigrantes. O outro mecanismo é o que disseste também, é mais funcional e é o medo que se tens um estado social mundo generoso, especialmente em certos programas sociais como benefícios de família ou coisas que chamamos de não contributórias, onde os cidadãos não precisam de contribuir
José Maria Pimentel
para beneficiar delas e
Alexandre Afonso
podem beneficiar
José Maria Pimentel
delas. Não é como uma pensão, Não fizeste descontos ao longo da vida.
Alexandre Afonso
Exatamente. E isso pode criar outro economista que se chama Borjas, que é um norte-americano de origem cubana, acho eu, chama-se os welfare magnets, irmãs do Estado Social, onde sistemas generosos criam um efeito de atração para imigrantes inicialmente de poucas qualificações, que vão receber mais subsidios sociais, que o que vão contribuir é impostos a esse mesmo Estado Social. Por
José Maria Pimentel
isso, são mesmo essas duas mecânicas,
Alexandre Afonso
uma política e uma mais funcional ou económica que podem ser um risco da imigração para o Estado Social. Agora, a nível empírico, o que me interessa é de ver se esses mecanismos são de facto uma realidade, com o que podemos observar. Por exemplo, a nível europeu há, pelo menos, poucas provas que esse efeito de Iman é uma realidade. Que, por exemplo, vagas de migração dentro da União Europeia foram dirigidas essencialmente, por exemplo, ao Reino Unido, depois do alargamento da União Europeia e a abertura de mercado de trabalho aos países de leste, foram dirigidos muito mais para países como a Irlanda, o Reino Unido, onde o estado social não é muito generoso, comparado com a Suécia ou a Dinamarca, que não... Pelo menos a Dinamarca teve muito poucos movimentos de imigração dentro da União Europeia, mesmo se o Estado Social dinamarquês é provavelmente um dos mais generosos
José Maria Pimentel
do mundo. Esse é um bom ponto, por acaso. Eu acho que este receio não me parece um receio irrazoável, achar que tu teres um Estado Social mais generoso pode atrair tanta gente que de repente põe em casa a sua sustentabilidade. Mas provavelmente esquece um aspecto que me parece importante que é que os próprios imigrantes pela sua natureza não dominam a lógica do funcionamento do Estado Social no outro país e portanto é difícil fazer essa espécie de arbitragem de Estados Sociais quando o país de destino é um país que tu não dominas, não falas a língua, não conhece a cultura, não conhece os programas e nós vemos isso às vezes até no nosso próprio país, que há uma série de detalhes desses programas que são tão burocráticos que não é fácil a pessoa... É preciso ter uma certa sovestigação para conseguir fazer isso, digamos assim.
Alexandre Afonso
E é verdade que mesmo os cidadãos de um país, que seja Portugal ou a Holanda, onde vive o Reino Unido, não conhecem muito bem as subtilidades do estado social do seu próprio país. Por isso, assumir que imigrantes de outros países podem fazer escolhas racionais e escolher os países onde podem receber mais subsidios sociais também é um bocado irrazoável em termos empíricos. De facto, houve pesquisa sobre isso, onde fizeram uma sondagem sobre imigrantes potenciais no norte da África, onde pediam aos imigrantes se tinham uma ideia onde é que os subsociais são mais generosos. E de facto um dos países onde pensava que o Estado Social era o mais generoso para eles era os Estados Unidos, que quando sabemos a realidade do Estado Social americano tem pouco a ver com a realidade. Por isso, assumir...
José Maria Pimentel
Estavam a pensar na projeção da economia, provavelmente, não é muito mais do que no... Exatamente. Eu
Alexandre Afonso
sou cientista e político, por isso posso ter algumas críticas sobre os economistas, mas os economistas gostam de pensar nessa ideia da informação, não a informação perfeita, mas que as escolhas racionais São mesmo feitas na realidade e é mesmo assumir um nível de informação que na maioria das pessoas não existe.
José Maria Pimentel
Aliás, numa apresentação tua que eu vi a propósito desta investigação, tu falavas, talvez, no Milton Friedman, que tinha uma tese precisamente em torno disso. Claro está, em teoria faz sentido, mas depois na prática os dados não parecem corroborar isso, parecem corroborar muito mais as pessoas irem em busca de países onde existem oportunidades, ou seja, onde existe uma economia dinâmica, do que em países com estados sociais generosos, que é interessante. Sim,
Alexandre Afonso
agora o Milton Friedman também tinha ideias especiais em termos de estado social, que para ele o estado social e imigração eram coisas incompatíveis e para ele de facto a imigração devia ser promovida e o Estado Social era uma coisa que devia ser destruída
José Maria Pimentel
ou limitada. Mas por este motivo, não era? Por
Alexandre Afonso
este motivo, mas também tem uma ideia que acho que não é completamente errada e é a ideia que o estado social que tens também estrutura as oportunidades possíveis para os imigrantes. Quer dizer que se tens um estado social muito desenvolvido, como a Dinamarca, também quer dizer que tens impostos muito altos, quer dizer que tens um nível de impostos sobre o trabalho bastante elevados, o que quer dizer que o custo do trabalho abaixo do mercado de trabalho, trabalhos poucos qualificados, são poucos rentáveis, são poucos viáveis nesse tipo de economia como o Dinamarca. Quer dizer que também há menos procura para esse tipo de trabalhos. Eu lembro que quando fui à Inglaterra pela primeira vez, deve ter sido em 2004, acho eu, e via esses gajos nas esquinas em Londres que tinham um cartaz a indicar onde estava o próximo McDonald's. Next McDonald's, 150 metros. E eu pensei, num sistema, não sei se pensei nisso mesmo na altura,
José Maria Pimentel
É retrospectiva. Num
Alexandre Afonso
sistema onde tem impostos muito altos, esse tipo de trabalho com pouco valor adicionado, mesmo provavelmente muito pouco pago, não são viáveis numa economia como a Dinamarca. Quero dizer também, e é o argumento do Milton Friedman, e eu acho que de certa maneira para mim também faz sentido, O argumento dele é dizer que se os Estados Unidos no século XIX tinham tido um Estado Social desenvolvido, e um salário mínimo, e legislação laboral que limitava a habilidade dos empregadores de pagar muito pouco os seus trabalhadores, também teria sido um sistema com menos procura para os montes de imigrantes que foram para lá no século XIX. E esse mesmo, depois de não ser de acordo com a humildade de firma em intervos políticos, essa análise para mim faz de certa maneira sentido.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Também tens outro, isso é tudo muito complexo, mas também há o outro lado disso que não deixa de ser interessante que é países com o custo do trabalho mais elevado também têm mais incentivos para a inovação, por exemplo, para investir mais no capital enquanto fator de produção, não é? E tu... Por exemplo, Portugal é um exemplo contrário disso, não é? É um país onde o custo do trabalho é relativamente baixo e portanto há uma série de tarefas que podiam ser feitas por máquinas, historicamente, quer dizer, agora também, mas ao longo dos últimos, pá, aí dois séculos e não havia esse incentivo porque não havia essa necessidade. Tu tinhas pessoas com salários baixos, podias pô-los a fazer aquilo, enquanto noutros países, lá está na Dinamarca, eles não tinham hipótese.
Alexandre Afonso
Exatamente. Quero dizer também que um estado social grande e generoso também quer dizer custo de trabalho mais alto e mais incentivos para as empresas para tentar substituir o trabalho porque se o trabalho é mais caro as empresas tentam minimizar as horas feitas por seres humanos, não é? Também quero dizer essa dinâmica. Acho que a França tem muito má reputação em termos da economia política, o tamanho do Estado, mas a França é um país com uma produtividade do trabalho por hora que é extremamente alta. Isso tem a ver também com um dos salários mínimos mais altos dos países europeus porque e muitos direitos, talvez direitos sociais para os trabalhadores, quer dizer que se tens... O custo de trabalho é muito alto, tens um incentivo bastante grande para as empresas para tirar o máximo dos trabalhadores que têm, porque são assim tão caros. E como dizes, em Portugal e no país sul da Europa em geral, é a situação oposta, não é? O trabalho é bastante barato, quer dizer que há poucos incentivos para inovar. Mas é difícil sair, também não se pode dizer que a resposta a todos os problemas de produtividade, como temos em Portugal, como há na Espanha ou mesmo na Grécia, que se podem resolver em aumentar o custo do trabalho, não é?
José Maria Pimentel
Claro, claro. Também há
Alexandre Afonso
outros, há muitas outras dinâmicas, educação também foi um problema.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Sim, é a causa mais perene. Muito importante em Portugal. Não, é, é evidente, mas essa é, eu achei esta interessante por ser menos intuitiva e por ser o efeito indireto. Então, mas tentando organizar aquilo que já explicaste, daqueles dois efeitos que estávamos a falar há bocadinho, o efeito mais cultural e o efeito mais financeiro sobre a sustentabilidade do Estado Social, dizes que o segundo é mais uma questão de percepção, ou seja, na prática não acontece, o primeiro é mais real, como vemos nos dias de hoje, já lá vamos, e depois há estes efeitos mais indiretos de um estado social maior gerar uma menor abertura daquela economia, uma menor capacidade daquela economia para absorver imigrantes com poucas qualificadoras e, portanto, com salários baixos. Aliás, tu até tinhas um texto que tu partilhaste comigo, que eu acho que era a propósito deste projeto, tu até dizias uma coisa engraçada por causa da tua família que, de certa forma, se houvesse um Estado Social na Suíça com a dimensão atual, se calhar os teus pais não tinham podido emigrar. O que é engraçado. O
Alexandre Afonso
que é interessante é que esse projeto que têm, tem assim uma ligação mais ou menos pessoal à minha história e é o facto de que a Suíça tornou-se um dos maiores países de imigração para a mão de obra portuguesa. Acho que a Suíça agora é o país onde as remessas de imigrantes que vão para Portugal são as maiores do mundo. Mais que os Estados Unidos, Canadá, Brasil, mesmo assim é um país bastante
José Maria Pimentel
pequeno. O princípio da migração
Alexandre Afonso
portuguesa para Portugal tem muito a ver com um acordo que o governo suíço passou com a Itália em 1964, onde o governo italiano pediu condições muito melhores em termos de estado social e ideias sociais para os seus trabalhadores onde ganharam acesso a pensões, subsídio de desemprego e isso aumentou bastante o custo dos trabalhadores italianos na Suíça e também uma certa resistência a nível político onde, especialmente os partidos de direita, disseram que os italianos são um bocado, tornaram-se um bocado muito arrogantes com esses direitos todos. Por isso temos de criar um bocado mais de competição no mercado de trabalho e foram buscar em outros países, foram a Jugoslávia e Portugal. E com Portugal não quiseram passar esse tipo de acordo com direitos sociais E um dos primeiros, pronto, houve acordos para trabalhadores que podiam vir para a Suíça e ficar só nove meses. E um desses primeiros trabalhadores foi o meu pai, em 1973, onde tinha... Eu até vi o seu primeiro contrato, que eram dias de 11 horas por dia, podia ficar 9 meses por ano e sem direito a subsídio de desemprego. E quer dizer também que porque as condições eram tão más, tão más ou tão
José Maria Pimentel
duras, pronto,
Alexandre Afonso
também tornava-se possível a imigração portuguesa vir para a Suíça. Enquanto se os imigrantes portugueses ou imigrantes de geral na Suíça tivessem muito mais direitos, talvez tinham tido incentivos mais para mecanizar mais. O meu pai foi trabalhar nas vinhas, na viticultura, para fazer vinho perto de Lausanne. Quero dizer que se o custo de trabalho tivesse sido mais alto, talvez o empregador do meu pai tivesse optado por comprar mais máquinas e não ter mão da obra portuguesa e a minha família nunca tinha vindo para a Suíça. Por isso, é assim uma coisa, essa relação é muito mais complexa e estive a pensar mesmo se a minha história pessoal, mais ou menos, não tinha a ver com essas teorias que tento explorar.
José Maria Pimentel
É muito engraçado isso. Olha, e portanto, tu propôs-te a traçar esta correlação entre políticas de imigração e desenvolvimento do Estado Social, líderes do último quartel do século XIX até agora. E de facto, há duas maneiras de olhar para esta relação que não dão necessariamente resultados iguais. E isto acontece neste caso, como em muitos outros casos de questões destas macro. Tu podes olhar para isto de uma maneira histórica e ver se, ao longo da história, o desenvolvimento do Estado Social tendeu a levar a políticas de imigração mais restritivas ou podes olhar para o estado atual, para o mundo atual e ver se países com o estado social mais desenvolvido têm políticas de imigração mais restritivas ou não. Para já, eu sei que isto ainda não está... Quer dizer, sei, acho eu que a investigação ainda não está terminada, mas para já qual é a resposta à pergunta 1 e à pergunta 2? Elas coincidem ou são diferentes?
Alexandre Afonso
Acho que são diferentes e acho que há continuidade, mas acho que também o que é importante de dizer é que as políticas de migração não são a única maneira de limitar os custos potenciais da migração para o Estado Social. Se quiseres limitar os custos da migração para o Estado Social, podes fazer duas coisas. Ou podes ter políticas de migração muito restritivas. Ou
José Maria Pimentel
podes limitar os direitos dos imigrantes, por exemplo.
Alexandre Afonso
Exatamente. E podemos pensar, por exemplo, no caso da Dinamarca, com os... Agora os sociais-democratas têm essa reputação da... Para preservar o Estado Social dinamarquês muito generoso, também têm políticas de imigração mais relativas, onde um dos objetivos é reduzir, por exemplo, a imigração de refugiados a zero. A outra maneira, como dizes, é deixar entrar os imigrantes, mas limitar os seus direitos e acesso ao Estado Social. Um extremo dessa relação entre abertura para a imigração e direitos são os países do Golfo, por exemplo o Qatar, a Arábia Saudita, onde os Emiratos Árabes Unidos têm quase 60 ou 70% de imigrantes, com muito poucos direitos. Muito poucos direitos. Quer dizer que é por isso que a pesquisa torna-se mais difícil, é que ver só as políticas de migração, se são restritivas ou não, não diz de facto tudo o que os países fazem para limitar os custos da migração. É por isso que eu gosto de combinar uma análise de longo prazo, com os indicadores que consigo achar, com análises muito mais qualitativas e ver as legislações dos diferentes programas sociais, Por exemplo, ver o sistema de pensões francês de 1928 e ver como é que os direitos dos trabalhadores italianos que eles podiam ter para aceder ao Estado Social. Nesse facto, eram muito limitados. Há muito essa ideia que te falei antes que a imigração pode ser um custo potencial para o Estado Social, onde os imigrantes talvez recebem mais do que pagam. De facto há muitos países, e era o mesmo caso na França no princípio do século XX, onde os imigrantes subsidiavam o Estado Social. Quer dizer que contribuíam impostos e impostos sobre o seu trabalho para contribuir ao Estado Social, mas não tinham direito a receber de volta as suas contribuições.
José Maria Pimentel
Eu creio que isso acontece hoje em dia até em muitos países, porque são normalmente pessoas mais novas também, não tens reformados propriamente.
Alexandre Afonso
Exatamente. A longo prazo isso normalmente, pelo menos em teoria, deve igualizar-se.
José Maria Pimentel
A longo prazo sim, claro.
Alexandre Afonso
Mas há muitas regras, por exemplo, que para ter acesso ao Estado Social é preciso contribuir por 10 anos, 15 anos, 5 anos. Quero dizer que se vais para um país e pagas impostos, contribuís para a tua pensão, e isso foi o caso, por exemplo, se vens de um país de fora da União Europeia, pagas dinheiro mas não tens a garantia que vais receber em retorno o que pagaste. Também há países como a Holanda, que com países como os Marrocos, há muitos imigrantes marroquinos aqui na Holanda, que quando voltam aos Marrocos a Holanda não lhe paga as mesmas pensões que se tivessem ficado aqui na Holanda mas pagam menos e ajustam os custos da vida
José Maria Pimentel
nos Marrocos. Quer
Alexandre Afonso
dizer que é também uma maneira de fazer algumas economias para o orçamento.
José Maria Pimentel
Então, olha, seja como for, independentemente das nuances desta questão, o que é facto é que, seja porque existe muitas vezes esta percepção de que os imigrantes tenderão a viver às custas do Estado Social, seja de uma maneira mais abrangente porque o Estado Social pressupõe... Tu sentis que fazes parte de uma comunidade e, portanto, estás disposto a subsidiar ou a ajudar, no fundo, outras pessoas que... Ou a ajudar potencialmente outras pessoas que fazem parte da mesma comunidade, a verdade é que há aqui uma tensão, não é? Há aqui uma tensão entre o desenvolvimento do Estado Social e a predisposição das populações locais para a imigração. E isso é interessante porque não só lá está um tema que... Uma questão histórica, mas é uma questão também muito atual, não é? E há muita gente que fala, por exemplo, o Yash Amonk, que é um cientista político, que chama a atenção para... É possível contestar isto de alguma forma, mas eu creio que se pode dizer, de uma maneira geral, que ele tem razão. Que nunca houve na história nenhum Estado multicultural ou multietnico, paritário, esta não é se é importante, que fosse democrático. Que fosse democrático e eu podia acrescentar que tivesse um Estado Social, ou seja, que no fundo o que ele quer dizer é, ele diz isto para explicar a vaga atual de nativismo, não é? De populismo, de direito a radical em muitos países europeus e não só, mas sobretudo na Europa, ele explica isso cometendo na sua origem o facto de estes países, pela imigração que se deu a seguir à Segunda Guerra Mundial, se terem tornado muito menos homogéneos do que eles eram até ali, do que eram até ali, sobretudo por causa do século XIX e da construção do Estado-nação que gerou ali uma homogeneidade muito grande dentro dos países e que depois foi revertendo a seguir à Segunda Guerra Mundial. E depois tem nuances noutros países, nos Estados Unidos, há uma coisa idêntica, mas aí é imigração, mas é também... Já havia imigração, mas agora há muitas minorias que começam a reclamar direitos, não é? E portanto, não é que o país não fosse diverso já, ele já era diverso, mas não era paritário, não é? Não havia, na prática, uma paridade entre as diferentes etnias, quisermos, ou entre as diferentes culturas. Tu achas que esta tese faz sentido? Ou seja, achas que esta tensão ajuda, em parte, a explicar os tempos que vivemos?
Alexandre Afonso
Acho que faz sentido e acho que é ligada a um certo mecanismo psicológico, que foi também provado mais ou menos e a ideia de base é que eu aceito de partilhar e contribuir e ajudar outras pessoas se tenho uma ideia que essas pessoas fazem parte do mesmo grupo que eu. E isso é o mecanismo de base que implica do que falaste agora. De facto, há pesquisa que mostra mesmo isso a nível empírico, há pesquisa que mostra, por exemplo, que na Alemanha, as regiões onde há níveis de imigração mais alto, as pessoas são menos predispostas, menos positivas em relação ao Estado Social. Isso é a nível empírico. Mas Também há pesquisa bastante deprimente, de certa maneira, a nível experimental. Tenho colegas que tentaram ver o impacto de mencionar a imigração, ou o papel da imigração no Estado Social, sobre o entusiasmo para o Estado Social. E o que eles acham é que o simples facto de mencionar a imigração, mesmo mencionar o facto de imigração pode ter um impacto positivo para o Estado Social a contribuir mais e renovar a população de maneira...
José Maria Pimentel
Mas mencionar onde? Desculpa, mas... Demograficamente... Em conversa com as pessoas ou mencionar-se lá nas notícias?
Alexandre Afonso
Eles fizeram um experimento onde há um grupo onde pedem-lhe o que acham do estado social positivo, negativo, do zero a dez. Há outro grupo onde mostram um artigo de jornal onde mostram os efeitos negativos de imigração. Por exemplo, alguém a abusar de subídios sociais, um imigrante a abusar de subídios sociais. E o terceiro grupo onde mencionam os efeitos positivos da imigração para o Estado Social. E o que eles acham é que os grupos onde mencionam os efeitos positivos e negativos são menos positivos sobre o Estado Social, são menos dispostos a pagar imposto para o Estado Social que no grupo onde não menciona a imigração. Quer dizer que o mérito facto de mencionar a imigração, mesmo a mencionar que pode ter um impacto positivo, tem de facto um impacto negativo sobre o cidadão. É como se ativasse uma predisposição. Exatamente, e isso é uma prova que o mero facto de mencionar a imigração tem um efeito quase de Pavlov, sabes? O Pavlov, sabes? Uma reação automática no cérebro que ativa esse sentimento de medo e de defiança em relação à imigração.
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante, sim. Tem a ver com a nossa natureza tribal, não é?
Alexandre Afonso
Isso também é construído historicamente. Também quer dizer que nos Estados Unidos há pesquisa interessante, mas por exemplo os italianos no princípio do século XIX não eram considerados brancos. A integração progressiva de grupos étnicos também é uma construção histórica e social onde grupos que primeiro são considerados estranhos, estrangeiros e diferentes são progressivamente incorporados na identidade nacional e agora não são considerados como um grupo étnico diferente.
José Maria Pimentel
Sim, nos Estados Unidos tens vários exemplos disso, dos italianos, dos irlandeses também, dos próprios alemães, tens uma série de...
Alexandre Afonso
O estereótipo sobre os irlandeses no século XIX também não eram mesmo extremamente racistas.
José Maria Pimentel
Eu acho esta explicação interessante porque ela, de certa forma, complementa outra explicação para o surgimento da direita radical e, sobretudo, para a atração que esses partidos começaram a exercer em muitos países, sobretudo europeus, sobre o eleitorado que até aí fazia parte da esquerda, que era o eleitorado operário, não é? E normalmente avanças a explicação, pelo menos que em parte isso tem a ver com a globalização e com o facto de ter havido uma espécie de desfazamento, de separação entre um eleitorado urbano mais educado, progressista, digamos assim, para o qual a globalização económica tende a ser boa e que no fundo continua a votar em partidos de esquerda mas quer ver uma agenda mais cosmopolita, digamos assim, e esse eleitorado mais operário cujos empéregos foram ou substituídos pela globalização ou cujos salários baixaram e portanto ficaram para trás, digamos assim, e começaram a olhar com melhores olhos para estes partidos, mas isso só explica a questão econômica, não é? Isto aqui ajuda a explicar um pouco também a questão cultural, não é? Que provavelmente sempre existiu, não é? Provavelmente as duas... Essa predisposição sempre existiu, não é? Mas ficava, de certa forma, camuflada por outras preocupações económicas, de salários e de desenvolvimento do Estado Social que até aí conseguiram ser respondidas pelos partidos da esquerda e de repente eles perderam essa capacidade. E sobretudo passaram a ter dentro do seu eleitorado dois subeleitorados completamente diferentes, este mais educado, quer dizer, com empregos aos quais a globalização fez tendencialmente bem e outros aos quais a globalização fez tendencialmente mal.
Alexandre Afonso
Exatamente. Acho que é importante dizer duas coisas. A primeira é que acho que é verdade que agora os partidos da direita radical têm muito melhor atração em relação ao eleitorado operário. Agora a transição do eleitorado operário da esquerda para a direita radical também não foi... Há muito poucas provas que essa transição foi direta. Foi mais passar para a fase da prestenção e depois para a direita radical. As pesquisas que eu conheço em vários países europeus não vêem essa transição de maneira direta. Quer dizer, o eleitorado comunista a fazer a transição diretamente em pouco tempo para a direita radical. É mais
José Maria Pimentel
desenvolvimento
Alexandre Afonso
Sobre várias décadas. Mas é verdade que, tipicamente, em países como a França, as áreas que agora são mesmo onde o rassemblemento nacional é o mais forte, da Marine Le Pen, são também onde havia antes um eleitorado operário importante, onde as fábricas fecharam, no nordeste da França, por exemplo. Mas isso foi um desenvolvimento que aconteceu sobre várias décadas. Agora, a relação entre as clivagens económicas e culturais é exatamente isso. Se há um desenvolvimento que se pode analisar como um dos mais importantes na esfera política nos últimos 30 anos, essa transição de um combate político entre esquerda e direita sobre tópicos económicos, onde muito mais ou menos impostos, menos ou mais estados. Há um combate político que se estrutura mais sobre temas da imigração, identidade. Agora temos esse debate sobre a Critical Race Theory nos Estados Unidos, são coisas que têm pouco a ver com a realidade material, salários e impostos, mas que são mais estruturados sobre esses temas, onde a direita radical também é mais forte e ganha mais, porque a direita radical também tem um interesse no combate político a ser estruturado sobre essas áreas onde podem apresentar-se como mais ou menos competentes sobre imigração, enquanto estes partidos não são considerados muito competentes no que toca a impostos ou política monetária, coisas assim. Eu fiz várias entrevistas com políticos da direita radical e eles são bastante claros, têm uma estratégia de tentar tematizar temas onde eles são fortes, que beneficiam a esses tipos de partidos, muito mais que temas que podem ser mais importantes como, não sei, políticas de saúde, políticas de desemprego, mas são esses temas de que as pessoas falam, ou esses temas que eles pensam, não são a esses partidos que eles vão pensar como escolhas eleitorais potenciais, não é? Sim,
José Maria Pimentel
mas eles complementam, ou têm complementado em muitos países, a agenda mais nativista com uma política económica, ou pelo menos com uma política focada num Estado social ou num Estado de Providência, se nós quisermos chamar, com a diferença de que é só para os nativos, não é? Mas tem de facto essa diferença face à direita radical há umas décadas atrás, não é?
Alexandre Afonso
Pois é, é verdade. Se pensarmos nessas duas dimensões, a dimensão económica, menos ou mais Estado, e a dimensão mais cultural, onde mais imigração, menos imigração, mais tolerância sobre direitos LGBT e gays e do outro lado uma postura mais tradicional em termos de valores, esses partidos tentaram posicionar-se nesse canto onde mais Estado e mais valores mais conservadores, isso é mesmo a esquina onde o potencial de votos era o melhor. Exato. Era o maior.
José Maria Pimentel
Provavelmente sempre foi, a tensão provavelmente sempre foi. Não era tão saliente a questão da... O que
Alexandre Afonso
é interessante é que nos anos 90 havia essa teoria de um politólogo alemão chamado Herbert Kitschel, que se chamava nessa winning formula, a fórmula de sucesso para ele dos partidos de direita radical era ser contra a imigração, mas ser neoliberal em termos económicos. E que correspondia também, de certa maneira, às políticas e às posições desses partidos nos anos... No fim dos anos 80, nos anos 90, alguém como Jean-Marie Le Pen, nessa altura, não era para mais Estado Social, não era para mais benefícios sociais para os trabalhadores franceses, era mais para menos impostos porque eles chamavam os impostos como a Gestapo. E a ideia era que tudo o que era controlado pelo Estado e pelos partidos tradicionais devia ser limitado, devia ser diminuído, porque atacar o Estado era uma maneira de atacar o cartel, por exemplo, o partido holandês de extrema-direita chama sempre o cartel dos partidos adicionais. Por isso, acho que potencialmente, em teoria, podia ter sido sempre esse mix entre Estado Social e ser anti-imigração. Podia ter sido em teoria sempre onde os votos estavam, agora não foi sempre as posições que esses partidos adotaram. Mas
José Maria Pimentel
não era isso que eu estava a dizer. Não era isso que eu estava a dizer. Eu estava a dizer que esse campo sempre foi o campo vencedor ou tende a ser o campo vencedor em qualquer país, precisamente pela dificuldade, é que o Iacho é bom que chama a atenção, de construir uma democracia num país multiétnico, digamos assim. O que acontecia até há umas décadas é que os países não eram multiétnicos, e portanto esse tema não era saliente e de repente tornou-se saliente e portanto no fundo essa agenda mais de Estado Social, da Social Democracia não precisava de lidar com esse problema, pelo menos de uma forma tão notória e podia ter uma proposta muito mais centrada nas questões económicas.
Alexandre Afonso
E acho que é precisamente o desenvolvimento que estamos a assistir agora em Portugal, onde acho que Portugal por muito tempo ainda estava nesse espaço político.
José Maria Pimentel
Era uma exceção.
Alexandre Afonso
Assumos económicos eram os mais importantes, onde o PSD e o PS, um queria mais imposto, um queria menos, estavam mais ou menos todos no centro-direita ou no centro-esquerda. Agora, o que estamos a assistir em Portugal com chega é a transformação do sistema político mais num sistema político que tem mais as características dos outros países da Europa do Oeste desde os anos 90. Eu não vou dizer que Portugal tem sempre 20 ou 30 anos de atraso, mas nesse caso, a nível político, há uma transformação que assistimos agora. Gostamos de ver o que aconteceu na França na segunda metade dos anos 80, ou na Alemanha, talvez de maneira mais recente, e na Holanda no princípio dos anos 2000. E como é que tu olhas para as
José Maria Pimentel
especificidades de Portugal nesse aspecto? Porque Portugal é um país com muito menos imigração do que outros países europeus, não é? E o Chega nesse aspecto, até que ponto é que se compara, de facto, com esses outros partidos?
Alexandre Afonso
Acho que o Chega tem muitas características comuns a outros partidos de direita radical na Europa, mas tentou adaptar o seu discurso ao contexto português e às clivagens que são estabelecidas nessa dimensão cultural, mas adotando como alvo as minorias que são mais relevantes, relevantes, talvez mais pertinentes no contexto português, que são os ciganos. E acho que isso foi uma estratégia bastante efetiva no contexto português, onde o chega conseguiu capitalizar nesse sentimento, parece bastante comum na população, desses prejudícios sobre os ciganos.
José Maria Pimentel
Isso é verdade, mas a escala é completamente diferente, ou seja, toda a população cigana em Portugal é relativamente pequena para todos os efeitos, não é? Portanto, isso poderá ter um efeito grande E tu tens até um paper sobre isso, que mostra precisamente esse efeito, mas é um efeito, eu creio que é um efeito localizado, ou seja, não é... Pode explicar um grande resultado numa determinada zona, mas dificilmente explica um bom resultado a nível nacional.
Alexandre Afonso
Sim, sim, exatamente. Pronto, acho que há as duas grandes teorias para explicar o aumento da direita radical. As primeiras teorias são fatores económicos. Do que falei antes, desemprego, globalização, talvez automação. Todos esses desenvolvimentos económicos onde, se isso é o mecanismo principal, podes esperar que esses partidos vão ter mais sucesso em áreas com mais desemprego, com salários mais baixos, onde há um certo declínio a nível económico. Do outro lado tens teses mais culturais que são mais focalizadas sobre esses fatores culturais como a presença de grupos de imigrantes, a presença de grupos ciganos. E tu tens razão que em Portugal esses são grupos extremamente pequenos, mas o que sabemos é que não precisas muito da... Não precisas mesmo de uma base material muito grande para criar um pânico a nível político. Sim,
José Maria Pimentel
e aí entra aquilo que tu falavas há bocadinho, não é? Basta acionar o tema para tu não poder...
Alexandre Afonso
Exatamente, basta acionar o tema para criar uma reação quase epidérmica entre os eleitores nessa área. Agora, nesse paper o que achei é que fatores económicos têm muito pouco impacto, mais desemprego, salas mais baixas, rendas, não têm um efeito importante sobre a percentagem do chega e eu usei dados das eleições presidenciais de janeiro deste ano. Sim,
José Maria Pimentel
no fundo era o André Ventura, não era o Chega, mas é como se fosse, por acaso.
Alexandre Afonso
E agora, fatores culturais e pelo menos a percentagem de indivíduos de étnia cigana em conselhos tem um impacto extremamente importante e isso também em conjunção com a porcentagem de pessoas que recebem o RSI. É o RSI que se chama ainda? É,
José Maria Pimentel
exatamente. Arredomento Social e Insurração. É o Estado Social de novo, que falávamos há bocadinhos.
Alexandre Afonso
Não precisas de uma base material muito importante para criar um pânico, mas o facto dessas diferenças entre conselhos ter o impacto importante sobre a força eleitoral do chego de André Veitura também quer dizer que há uma certa
José Maria Pimentel
base material a nível local. O que é interessante aqui, e isto liga ao que falámos no início, é pensar qual é que seria a votação, qual é que seria o efeito se houvesse a mesma população etnicamente minoritária mas não houvesse RSI, por exemplo. Ou seja, não houvesse Estado Social nesse aspecto. É interessante essa questão, perceber até em que medida é que isso influencia ou não, ou se é uma reação mais primitiva e que se não fosse a propósito do RSI seria a propósito de outra coisa qualquer, seria por estar a ocupar terrenos comuns ou quer que fosse, no fundo o RSI é só o pretexto. E a tua investigação mais alargada, ou seja, para a questão do Chega, tens de se debruçar sobre uma questão interessante que é, no fundo, uma fraqueza ou um desafio destes, ou uma ameaça a estes partidos da direita radical que a pessoa tende a pensar menos, porque a pessoa tende a pensar na ameaça que eles representam para o sistema político, mas pensa menos nas ameaças que eles próprios enfrentam para o seu crescimento e para a sua sustentação. E uma delas, que é muito interessante, é precisamente o facto de eles terem esta agenda dupla de nativista, por um lado, e assistencialista, digamos assim, pelo outro, porque também tentarem atrair esse eleitorado cujos rendimentos diminuíram e que têm qualificações mais baixas e, portanto, precisam de alguma... Que o Estado intervenha para garantir esses rendimentos. E isso cria-lhes um desafio, cria-lhes um desafio por um lado porque vão estar a habitar o espaço da direita com partidos, pelo menos enquanto estiverem coligados, vão ter uma agenda economicamente bastante diferente, e sobretudo é mais relevante se os outros partidos tiverem mais votos, portanto vai criar-lhes ali um problema, é que eles uma vez no governo vão ter que escolher o que é que vão fazer e tu estudaste isso. E de uma maneira mais profunda, do ponto de vista do apoio eleitoral é interessante também porque o core histórico destes partidos antigamente tendia a ser, creio eu, mais, o que poderíamos dizer, por exemplo, pequenos empresários, digamos assim, ou seja, pessoas que tenderão a ser mais conservadoras culturalmente e tenderão ao mesmo tempo a querer que o Estado intervenha pouco na economia, porque isso é do interesse deles direto, não é? Mas depois acrescentaram a esse eleitorado core este eleitorado mais abrangente de... Ligado a trabalhos manuais, ligado até... Creio que é algum eleitorado até dos serviços, ligado a pequenos serviços, mas eles têm de facto vontades diferentes, que não são fáceis de compatibilizar e isso cria um desafio. Uma vez cria um desafio não só a sustentar esse apoio, porque no fundo tens que agradar a dois eleitorados muito diferentes, e depois cria um desafio a entrar no governo e a conseguirem, uma vez no governo, manter o apoio do eleitorado ou até aumentá-lo. O que é que a tua investigação mostra sobre isto? Sobre o que é que tem acontecido?
Alexandre Afonso
Pois o que a minha investigação mostra é que é extremamente difícil para esses partidos manter o equilíbrio entre o que o seu eleitorado quer e o que os seus potenciais parceiros políticos para governar são capazes de aceitar. Quero dizer que de uma parte são, pronto, anti-imigração, que não é um grande problema para outros partidos da direita, pelo menos o que aconteceu aqui na Holanda ou na Suíça ou noutros países, e ao mesmo tempo tem uma agenda, como disseste, bastante favorável ao Estado Social, à proteção social, para o seu eleitorado mais operário. Isso é difícil de vender aos seus parceiros políticos quando tentam entrar num governo. Por exemplo, o que aconteceu com o Heald Builders em 2010, quando foi ao governo, o que ele disse ao seu eleitorado o dia antes das eleições é que nunca vamos aceitar aumentar a idade da reforma. Depois tiveram muitos votos e conseguir uma aliança mais ou menos informal com o partido da direita, o VVD, que é mais ou menos o equivalente do PSD em Portugal e o que eles fizeram um dia a seguir, o que dizia a seguir as eleições, conseguir arranjar-se com o VVD, afinal não é assim muito importante. Porque o VVD o que eles queriam como partido direita era aumentar a idade da reforma. Quero dizer que Essa aliança não durou muito tempo, durou pouco menos de dois anos, afinal o Real Builders deixou e o governo caiu. Quero dizer que é extremamente difícil para esses partidos manter esse equilíbrio entre manter a sua base eleitoral e obter votos e ao mesmo tempo manter influência a nível político num contexto onde têm de colaborar com outros partidos. Por exemplo, a única coisa que podia acontecer em Portugal era uma aliança entre o Chega e o PSD, por exemplo. Não se pode imaginar o Chega poder governar a si próprio sem aliança.
José Maria Pimentel
Sim, pelo menos no curto prazo. Pelo
Alexandre Afonso
menos no curto prazo. Esse tipo de colaboração é que torna-se bastante difícil e, por exemplo, no contexto holandês e noutros países, depois das experiências bastante negativas, os partidos de direita decidiram que esses partidos da direita radical não são parceiros fiáveis para governar. E
José Maria Pimentel
o que é que lhes aconteceu? O que é que aconteceu a esses partidos, os da direita radical eleitoralmente? Normalmente, depois do governo cair, eles perdem votos e
Alexandre Afonso
depois voltam. São partidos que profilam sobre uma lógica de posição. Quero dizer também que não são punidos de maneira muito grave quando não são competentes no governo, não é? Os critérios que os eleitores aplicam a esses partidos também não são os mesmos que aos partidos do mainstream.
José Maria Pimentel
Pois, esse aspecto é interessante, por acaso. Mudando agora de tema, já entrámos um bocadinho em Portugal a propósito do Chega e eu queria voltar a Portugal a propósito de outro tema e ao mesmo tempo também aproveitando aqui a tua perspectiva enquanto um português que nasceu fora de Portugal e viveu a vida toda fora de Portugal e portanto tem uma perspectiva diferente sobre o país também. E tu tens o teu trabalho de Brussas também sobre o mercado de trabalho, sobre as instituições do mercado de trabalho e tu tens uma análise muito interessante, interessante porque sobretudo tem conclusões bastante diferentes em alguns aspectos daquilo que a pessoa costuma ver sobre o mercado de trabalho em Portugal do ponto de vista institucional e do ponto de vista histórico. Há vários aspectos interessantes que tu realças, por exemplo, na maneira como ele evoluiu e se calhar o mais interessante de todos tem que ver com a rigidez do nosso mercado de trabalho. E aquilo que a pessoa costuma ver e eu próprio, era a opinião que eu tinha até então, é que o nosso mercado de trabalho continua a ser mais rígido do que não rígido, digamos assim. E há um indicador conhecido, a OCDE, que é, evidentemente como todos os indicadores questionavam, mas sólido, ou não viesse da OCDE, que continua, apesar das reformas que houve na altura da Troika, continua a colocar Portugal como um país onde o mercado de trabalho está ainda entre os mais rígidos da OCDE. Claro que, e depois provavelmente já vamos a ir, a maior parte das pessoas concordam que o principal problema do mercado de trabalho não é ser rígido, é ser um mercado dual, ou seja, ter uma parte da população que está muito protegida e outra que está bastante desprotegida. Mas ainda assim, traçando esta média, continua a apresentar uma imagem de maior rigidez. Tu colocas uma nuances interessantes sobre isto e dizes, por exemplo, que o mercado de trabalho português é menos... Eu creio que o que tu diz não é que ele não é rígido a nível europeu, por exemplo, mas é que, por exemplo, se for comparado com países do sul da Europa, por exemplo, com Espanha, é menos rígido, ao contrário do que possa parecer, por exemplo, neste indicador. Porque o que tu diz é que uma coisa é aquilo que acontece na teoria, e isto, aliás, tem alguns paralelos com aquilo que tu dizias há bocadinho a propósito da relação entre o Estado Social e a imigração, não é? Para lá da política geral interessa a maneira como ela acontece na prática. O que tu diz é que a lei prevê algumas indenizações ou que a pessoa possa, por exemplo, que alguém que seja despedido possa reclamar dessa decisão, mas a verdade é que depois na prática, isso em Portugal acontece menos do que acontece em Espanha e, portanto, no fundo, o grau efetivo de rigidez, já te vou dar a palavra para detalhar isto e corrigir se eu tiver dito alguma coisa errada, o grau efetivo de rigidez é mais baixo do que transparece no indicador deste género. É mais ou menos isto, não é?
Alexandre Afonso
Sim, acho que a explicação em termos de registros do mercado de trabalho, em termos de despedimentos, torna-se bastante técnica, que é difícil um bocado de explicar assim. Mas o que eu achei interessante nesse assunto é que quando a troika veio, tinha-se esse, como é que era? Esse delegado, acho que era provavelmente dinamarquês, que se chamava Paulson. E vivendo na Holanda, posso imaginar que alguém da Holanda ou da Dinamarca vê as leis, vê as regras e pensa que a implementação dessas regras é quase conforme ao que consta nos livros. Agora, como sabemos, no sul da Europa há uma diferença bastante importante, é onde o que é escrito e A implementação das coisas. Agora, há um sistema onde em Portugal, em teoria, de facto, se vemos esse indicador da OECD sobre a proteção laboral é extremamente alto, mas de facto, se vemos como o sistema funcionava e funcionou de maneira empírica, os incentivos para os trabalhadores, para usar esse sistema para, por exemplo, contestar o seu despedimento, era muito mais baixo que na Espanha. O que é interessante no contexto português é que Na transição para a democracia, em teoria, tínhamos um partido comunista muito forte, pelo menos em comparação com a Espanha, o que, outra vez, em teoria, devia resultar em mais protecções para os trabalhadores, mais procurem por trabalho. Se tens uma esquerda muito forte, devia resultar em mais protecções, mais direitos sociais. Agora, porque tínhamos também uma esquerda bastante fragmentada, onde o Partido Comunista tinha um controle importante sobre os sindicatos, mas era excluído do poder... E
José Maria Pimentel
auto-excluía-se de certa forma, não é? Ou seja, não podendo ficar com todos.
Alexandre Afonso
Exatamente, auto excluía-se também, mas tínhamos aqui uma divisão entre as forças políticas dominantes do mercado de trabalho e as forças dominantes no governo, o que rendia quase impossível formas de colaboração e acordos e compromissos que no norte da Europa, por exemplo, resultaram em um estado social importante, em proteções laborais também importantes. No contexto português, porque havia essa divisão, isso resultou num mercado de trabalho de facto bastante liberal. Tu
José Maria Pimentel
dizes bastante liberal em termos do sul da Europa ou dizes isso em termos
Alexandre Afonso
europeus? Sim, em termos sul da Europa. Pelo menos se compararmos com a Espanha, por exemplo, não tínhamos essas divisões dentro da esquerda ou outras proteções laborais. De facto, se vemos a implementação, os direitos laborais dos anos 80, as coisas se tornaram um bocado diferentes nas últimas décadas, mas os trabalhadores espanhóis também eram mais protegidos que os trabalhadores portugueses, havia também menos desigualdade de salários e isso resultou também em níveis de desemprego muito mais altos na Espanha em comparação com Portugal, onde o compromisso em Portugal era mais flexibilidade, uma taxa de participação laboral também maior, mas o outro lado da medalha era mais desigualdade e mais flexibilidade, mais pobreza. Por isso temos um modelo mais protetor no caso espanhol e mais liberal no caso português. O que é contra-intuitivo, de certa maneira, se devemos mesmo à distribuição das forças políticas na transição para a democracia.
José Maria Pimentel
Sim, sim, a transição espanhola não teve nada a ver com a nossa, na verdade é um resultado interessante. O que eu achei muito interessante na tua análise é que, de certa forma, ela ajuda a quadrar um círculo que eu já abordei até por mais do que uma vez aqui no podcast, lembro de falar disso até com o Alexandre Relvas, que é empresário, que tem a ver com o facto de, por um lado, indicadores como este da OCDE apontarem, mesmo depois das reformas da Troika, como o mercado de trabalho português sendo rígido, e isso a partida sendo um obstáculo à competitividade do país, mas, por outro lado, se tu fores olhar para aquele tipo de indicadores que tentam sondar, por exemplo, empresários ou investidores estrangeiros e para tentar perceber quais são as limitações da economia portuguesa, o mercado de trabalho aparece lá de facto, mas não aparece como o principal problema e aparece até, se tu fores comparar com a maneira como eles avaliam depois outros países, aparece numa posição idêntica e portanto era uma aparente contradição entre uma coisa e outra e este teu ângulo de certa forma ajuda a quadrar esse círculo que é interessante. Para mim foi uma boa surpresa porque era uma questão que eu tinha na cabeça já há muito tempo.
Alexandre Afonso
O que acho também importante de mencionar no caso português, é verdade que disseste como português de fora, houve-se muitos portugueses a dizer que está tudo mal em Portugal, mas há alguns aspectos bastante positivos do mercado laboral português em relação, se compararmos com outros países do sul da Europa, é por exemplo o emprego feminino, que é mesmo, o Portugal é mesmo um caso bastante excepcional em termos de uma taxa de emprego feminino muito mais alto que em todos os outros países do sul da Europa. E
José Maria Pimentel
mais, aliás, tu dizes, e isso também era uma questão que eu já tinha pensado várias vezes nisso, e tu chamas a atenção de que se tu fizeres uma espécie de taxa efetiva descontando o facto de muitos países do centro da Europa haver muito emprego part-time entre as mulheres, aí nós estamos de facto muito lá em cima. Exatamente. Ou seja, aí estamos mesmo ao mesmo nível de uma Holanda ou de uma Dinamarca onde...
Alexandre Afonso
Até acima, acho que é mesmo acima da Holanda. De facto, 75% das mulheres holandeses trabalham em part-time. Quer dizer que é mesmo...
José Maria Pimentel
É bastante diferente. Enquanto
Alexandre Afonso
em Portugal temos uma taxa de participação feminina no mercado de trabalho muito alta e muitas mulheres trabalham em full-time, em tempo inteiro. Isso tem a ver também com, simplesmente, níveis de salário onde é necessário os dois membros, os dois pais, o pai e a mãe de uma família, por exemplo, precisarem de trabalhar full time para generar um salário suficiente para viver, não é? Eu lembro-me de estar num curso para sindicalistas que dei no ISCTE há alguns anos atrás e eu falei desses modelos de emprego e do modelo holandês que é o one and a half household, a sociedade onde os homens trabalham full time e a maioria das mulheres trabalha mas em part time e os sindicalistas portugueses disseram, sim, mas aqui em Portugal não é possível trabalhar em part time porque quanto é ganhos? Com níveis de produtividade e salários tão baixos que são também um caso bastante excepcional no Oeste da Europa, que trabalhar full-time é uma coisa necessária. O que é interessante, o que me interessa também como economista político interessado na história, é as origens históricas Desse nível de participação mutual das mulheres e isso tinha a ver, isso começou mesmo nos anos 60, tinha a ver com a guerra colonial que mobilizou uma grande parte da força laboral masculina para as guerras coloniais E isso é um fenómeno que conhecemos também noutros países durante guerras, onde a taxa de emprego feminino aumenta durante as guerras. Por isso havia muitos trabalhos que deviam ser feitos e foram feitos por mulheres. E depois também a imigração. A imigração que no princípio, nos anos 60, a imigração para a França era essencialmente masculina, o criou também mais procura para emprego feminino e essas dinâmicas que começaram nos anos 60 continuaram e até aumentaram até agora e vemos mesmo que Portugal é mesmo um caso mesmo diferente da Itália ou da Espanha, da Espanha é um bocado menos, mas da Itália ou da Grécia, onde um desses problemas estruturais de que a Troika falava no caso do Sul da Europa é esse mercado de trabalho dual e um dos aspectos desse mercado dual é também em termos de género, é homens a trabalhar e é mulheres dependentes a ficar em casa, a cuidar dos filhos também, pela ausência de sistemas para ajudar a tomar conta das crianças.
José Maria Pimentel
A questão é que se tu comparares com países do Norte da Europa, por exemplo, faz sentido dizer que a razão é porque em Portugal se ganha menos e, portanto, seria difícil ter uma pessoa da família a trabalhar part-time ou a não trabalhar, Mas comparativamente com a Grécia, por exemplo, já é diferente, não é? Porque aí o PIB per capita é idêntico, não é? Portanto, não há... À partida não é essa a causa, não é? Ou seja, como é que... O que acontece na Grécia, por exemplo? Eu não sei, francamente, não... À partida teria o mesmo problema, não é? Na Grécia não tenho os números em mente, mas
Alexandre Afonso
eu sei que no caso da Itália, menos de 50% das mulheres é ativa no mercado de trabalho. O que tem a ver também com o estado social, que é muito pouco desenvolvido em termos de serviços para a pequena infância, por exemplo, onde não há outra alternativa que as mulheres pararem de trabalhar quando têm filhos. E nesse aspecto, e há pesquisa, provavelmente, de Isabel Tavora, que está no Reino Unido, que fez pesquisa sobre isso, onde esse tipo de políticas em Portugal, mesmo se não são ao nível da Suécia ou Dinamarca, são mais desenvolvidas que noutros países do sul da Europa e ajudam mais também as famílias a participar do mercado de trabalho e conciliar ter filhos, essencialmente.
José Maria Pimentel
Sim, isso é interessante porque acho que é um aspecto de... É uma particularidade, neste caso, positiva de Portugal que é pouco referida. E, por exemplo, a primeira vez que eu amanheci para essa questão, foi até de uma maneira um bocado indireta para aquilo que nós estamos a falar, foi através do trabalho de um tipo que eu estou farto de referir aqui no podcast, que é do mesmo país onde tu vives, que é o Hofstede, que é um sociólogo que custodou as diferenças culturais e ele tem vários indicadores, vários eixos de diferenças culturais entre países e um deles tem um nome que hoje em dia provavelmente já não seria exatamente assim, porque era talvez um pouco politicamente incorreto, que ele chama, não sei como é que seria em português, mas seria se uma sociedade é mais feminina ou mais masculina, digamos assim. E o que ele quer dizer com aquilo na verdade não é bem isso. O que ele quer dizer é se, culturalmente, as diferenças entre os sexos são mais ou menos pronunciadas. É isso que ele quer dizer. E, por exemplo, num país nórdico as diferenças são menos pronunciadas. Há uma cultura paritária, digamos assim, portanto as expectativas que existem em relação a homens e a mulheres nunca são as mesmas, mas são idênticas. Enquanto, por exemplo, a Itália, como dizias há bocadinho, ou, sei lá, para dar um exemplo mais extremo no país do Médio Oriente, ou mais extrema ainda, quer dizer, não sei se mais extremo do que no Médio Oriente, mas um exemplo em que isso é muito visível. Por exemplo, no Japão tens expectativas em relação aos sexos bastante diferentes. Portugal, curiosamente, é um país bastante feminino nesse sentido. Ele se chama feminino, mas nós podemos dizer paritário, não é? O que é interessante e foi a partir daí que eu depois comecei a perceber que, de facto, se formos olhar para outros países até do sul da Europa, essas perspectivas são bastante diferentes e a questão da participação das mulheres no mercado de trabalho é uma, se calhar, é uma manifestação disso também, não é? Aqui é sempre difícil perceber o que é a causa e o efeito. Exatamente.
Alexandre Afonso
Eu acho interessante porque eu não sei se Portugal é um país particularmente progressista em termos da paridade de sexo, por exemplo. Em termos, se vemos os partidos políticos, quem está no poder.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Pois isso é outra questão.
Alexandre Afonso
Parece-me sempre homens brancos com 50 anos, mais ou menos, e a representação das mulheres no parlamento, por exemplo, Não parece que Portugal seja assim tão ao nível da Suécia ou da Noruega.
José Maria Pimentel
Não, exatamente. É verdade
Alexandre Afonso
que nessa questão do mercado de trabalho parece ser, de maneira cultural, de facto, é verdade, mais aceito para as mulheres serem ativas no mercado de trabalho e ser por extensão mais independentes, talvez, e ter mais autonomia. Agora, não sei se isso é mesmo uma questão interessante. Não é a minha área, mas não sei se essas duas coisas são ligadas ou não. Sim,
José Maria Pimentel
é interessante. Eu fiquei a pensar nisso depois de ter lido o que tu escreveste. E outra questão que tu falas, tu falaste há bocadinho disso, falaste da questão da desigualdade, não é? E tu dizias que o nosso modelo, por exemplo, em cooperação com o espanhol era mais liberal, dizias, não é? Portanto, era, no fundo, gerava um mercado de trabalho mais fluido, o que tinha a vantagem de gerar uma taxa de desemprego mais baixa, porque no fundo o mercado ajusta mais rapidamente, no fundo é isso, há variações do ciclo, mas gerava também maior desigualdade. Ora, aí eu fiquei com algumas dúvidas, porque eu não vejo necessariamente como é que isso causa mais desigualdade, porque, por exemplo, num mercado mais rígido o que tu tens é, umas pessoas ficam muito protegidas e outras ficam no desemprego.
Alexandre Afonso
Sim. Não sei se tenho uma resposta agora. A comparação entre a Espanha e Portugal tinha essencialmente a ver com depois da transição para a democracia e tínhamos mesmo essas diferenças, um modelo mundo protetor nos anos 80 e anos 90 e mais liberal em Portugal, agora as coisas tornaram-se mais próximas, temos mesmo uma convergência entre Portugal e Espanha também em termos de desigualdade. Agora, se tens um sistema mais liberal, de facto, tomamos o exemplo dos Estados Unidos e da Inglaterra, também dá mais espaço para a dispersão dos salários, não é?
José Maria Pimentel
Ah, isso sim, claro, mas... Ah, Acho que é verdade. Mas isso é um efeito diferente, não é? É importante fazer uma diferença entre... Tem que ver
Alexandre Afonso
com o salário, não é? A dispersão dos salários dentro do mercado de trabalho e quem trabalha e quem não trabalha. Essa dimensão da segmentação e da dualização. Sim,
José Maria Pimentel
ok. Estou a entender o que queres dizer. Alexandra, a conversa já vai relativamente longa. Nós já falamos aqui de uma série de coisas, algumas em relação a Portugal, mas eu, como te dizia há bocadinho, vivendo tu a tua vida inteira fora de Portugal e ao mesmo tempo estudando estes temas de economia política no sentido do lado, quais são as peculiaridades de Portugal com que tu te confrontas mais vezes, vendo de fora, não é? Qual é aquela questão que tu mais vezes pensas para contigo, isto de facto é estranho, é diferente ou é uma peculiaridade face a outros países europeus? Para além daquilo que falámos agora da questão do mercado de trabalho, mas de certeza que tu vendo de fora há várias coisas que te parecem peculiares e que alguém que tenha crescido com elas não tem necessariamente essa visão. Uma delas é esta questão da participação das mulheres no mercado de trabalho que falávamos, não é? Mas em termos de instituições políticas e se calhar até sociais há de certeza outras coisas.
Alexandre Afonso
Como economista política, tenho essa tendência a ver tudo como um problema de ação coletiva. Todos os problemas podem mais ou menos ser resolvidos em juntar-se e analisar um problema e cooperar para resolver esse problema. E o que acho bastante visível em Portugal é uma pouca capacidade em resolver esses problemas de ação coletiva. E posso dar um exemplo. Por exemplo, tivemos um lockdown aqui na Holanda onde tudo estava fechado e os meus vizinhos juntaram-se para organizar um food truck que vinha cá todas as semanas, na sexta-feira, onde uma semana havia um mexicano, outra havia sushi e é isso mesmo. Tens uma sociedade onde as pessoas são capazes de juntar-se e fazem-se confiança para colaborar e talvez cooperar para resolver um problema comum. Isso é um problema que não é extremamente importante, mas acho bastante simpatíco essa capacidade aqui na Holanda, nos países do Norte da Europa, também é o caso, por acaso, na Suíça, onde as pessoas têm suficientemente confiança noutras pessoas, mesmo
José Maria Pimentel
as que não conhecem. Capital social.
Alexandre Afonso
Exatamente, é mesmo isso, em juntarem-se para produzir o que se chama em inglês public goods, coisas que beneficiam a toda a gente. Agora, ia falar com a minha família, mas o que vejo muitas vezes em Portugal é que há muita pouca confiança em outras pessoas e mesmo no governo. Isso é uma característica talvez nos países do sul da Europa e isso é mesmo um problema para resolver problemas mesmo simples. Exatamente. Não vou dar nomes aqui mas temos uma casa em Portugal onde os vizinhos, enquanto a gente não está lá, fizeram uma cozinha mesmo a 10 centímetros dentro do nosso jardim e tem as suas galinhas que vêm entrar sempre no nosso jardim.
José Maria Pimentel
Por acaso isso é o exemplo perfeito.
Alexandre Afonso
É o exemplo onde porquê que os vizinhos não contactaram-nos, não sei, telefonaram, mandaram um e-mail e tentaram, pronto, eu quero construir essa cozinha, isso convém, podemos arranjar, achar um plano comum que nós satisfaz os dois. E sistematicamente, não parece que em Portugal aqui talvez acontece, mas acontece mesmo menos que aqui, onde juntámos-nos com os vizinhos para contratar alguém para consultar a Ximene ou coisa assim. É mesmo esse problema da confiança e de capital social que acho bastante visível em Portugal.
José Maria Pimentel
É engraçado que falares disso porque para mim é uma questão tão importante que eu abordei logo num dos primeiros episódios do 45°, gravei com o Pedro Magalhães e nem a área dele, mas eu estava com tanta vontade de falar sobre isso que acabei por desafiá-lo para falar sobre isso e foi giro. E ele aliás deu um exemplo que eu nunca me teria ocorrido e tem muito a ver com aquele que tu deste que é o do... Há vários relacionados com o trânsito, parar na segunda fila e não sei o quê, mas ele deu o exemplo dos cruzamentos, sobretudo, não sei se isto é só um fenómeno de Lisboa, mas lá uns anos para cá tu tens muitos cruzamentos que têm muitas vezes até estão pintados com uma espécie de grelha laranja para as pessoas não avançarem, não é? Para tu esperares que o teu semáforo fique verde e não parares lá no meio a avançar, sabendo que depois não vais conseguir passar e ficas a empatar o trânsito das outras pessoas. E tu ves montes de vezes as pessoas a avançarem e a empatarem o trânsito porque ficam lá no meio, em vez de esperarem, deixarem os outros passarem. Porquê que elas fazem isso? Porque têm medo que se elas não passarem, os outros vão fazer aquilo e ficam a tapares o trânsito a elas.
Alexandre Afonso
É exatamente o que eu estava a falar. É exatamente isso.
José Maria Pimentel
É um exemplo muito parecido com esse.
Alexandre Afonso
Mas eu devo dizer também que o meu sogro vive em Roma e Itália parece...
José Maria Pimentel
É como se ainda é pior. Em Roma parece muito pior que em Portugal. Pois, pois, pois.
Alexandre Afonso
E estive também na Grécia este ano. Portugal parece extremamente civilizado e bem organizado, comparado com outros países. Por
José Maria Pimentel
isso, é uma característica do sul da Europa, mas também há variações. E como é que tu achas, obviamente que isto é um salto um pouco grande, mas em que é que tu vês esse nosso déficit de capital social, lá está, depende com o que é que se compara, mas pelo menos com os países com os quais gostaríamos de nos comparar, do centro e norte da Europa, em que é que tu vês esse déficit de capital social refletido na política, na atividade política, na postura dos partidos, na maneira como negociam, nos próprios políticos, na própria relação da população com os partidos, na maneira como votam e naquilo que esperam. Onde é que tu vês esse reflexo?
Alexandre Afonso
Acho que os cidadãos em Portugal têm muita pouca confiança no Estado e nos partidos políticos e o Estado também tem muita pouca confiança nos cidadãos. Quero dizer também que adoptam regras muito mais diretivas e rígidas porque o Estado também tem...
José Maria Pimentel
Eu também tenho essa ideia, mas tenho alguma dificuldade de confessem concretizá-la. Por exemplo, coisas que são de determinada forma, por exemplo, aí na Holanda e que em Portugal funcionam de uma forma diferente que reflete essa falta de confiança do Estado nos próprios cidadãos.
Alexandre Afonso
Por exemplo, eu não sei se é o melhor exemplo, mas posso comparar isso que o meu primo tem um filho que está na escola e ainda é menor e vai para a Espanha com a escola. Eles têm que ir ao tribunal assinar uma autorização que autoriza formalmente o filho deles para sair do país. Quer dizer que têm de dar uma garantia, alguma coisa garantida também pelo Estado para isso for possível. Aqui na Holanda há um PDF, algures no site do governo, que podes fazer o download, assinas e dás ao teu
José Maria Pimentel
filho.
Alexandre Afonso
Não sei se é o melhor exemplo, mas aqui na Holanda, e talvez, às vezes é demais, talvez é demais, há muita confiança nos cidadãos em pensar que eles são responsáveis e não vão abusar o sistema, enquanto em Portugal tenho a ideia que muitas regras são feitas para evitar que os cidadãos vão tentar abusar o sistema. O que acontece, às vezes, mas isso também cria uma dinâmica onde os cidadãos não fazem confiança ao governo e o governo não faz confiança aos cidadãos. O que cria um certo número de problemas que talvez aqui não há. Aqui na Holanda também devo dizer que o governo tem a ideia que toda a gente vai ser responsável em termos de tomar distância e não ir em discotecas e tristar-se. Isso também não acontece.
José Maria Pimentel
Sim, essas coisas nunca são para ti, Branco.
Alexandre Afonso
O problema dos países da Europa é que os governos têm confiança a mais dos cidadãos e no Sul é que não têm confiança suficiente. Não sei onde está o equilíbrio, mas para mim parece ser um bocado a diferença.
José Maria Pimentel
Esse ponto de vista é engraçado. Olha, vamos terminar, até porque convém dizer a quem nos está a ouvir que eu e tu estamos a gravar isto tarde, digamos assim, já à noite, quer dizer, não digo noite dentro, mas já depois de jantar e temos ambos filhos pequenos que nos criam um certo déficit de sono, portanto estamos aqui, se calhar não nas melhores condições cognitivas, pelo menos falo do meu lado. Por isso vou te deixar ir descansar. Antes disso, eu te perguntava só o que é que nos vais sugerir, não sei se é um livro ou
Alexandre Afonso
se é outra coisa. Há mesmo um livro que me marcou bastante e que recomendo, não sei se é uma versão portuguesa, devo dizer, e é um livro do Didier Ribon, que se chama Retorno à Reims, que conta... Didier Ribon é um sociólogo francês que conta mais ou menos a sua ascensão social ascensão social de um meio modesto, meio operário, que agora vota para o Le Pen na França e essas tensões entre ele que vem desse meio, que escapou esse meio e agora tornou-se um professor universitário com valores muito diferentes, com amigos muito diferentes e amigo como filho de imigrantes portugueses na Suíça, que tiveram a quarta classe, como muitos imigrantes nessa altura, com pouca bagagem escolar. Nesse livro fala de muitas tensões e problemas que são bastante atuais, da maneira em que encara essa mobilidade ao mesmo tempo geográfica e social, ao mesmo tempo.
José Maria Pimentel
É engraçado isso, por acaso, porque de facto tu... Quer dizer, eu percebo que tu te possas identificar com essa... Com uma história de vida deste tipo, porque é interessante, depois a pessoa acaba por, no caso dele, pelo menos ele devia sentir uma certa tensão entre, por um lado, a proximidade que ele sentia em relação àquelas pessoas e por outro, sentir que habitavam muitos diferentes do ponto de vista cultural e até dos valores, em certo sentido, não é engraçado? E é um tema atual, entre outras coisas é um tema atual. Exatamente,
Alexandre Afonso
e agora há alguns livros que são do mesmo tipo, que é o Eddie Bell Girl, é do Henri Louis, este tenho a certeza que foi traduzido em português, que foi um best-seller internacional e também há outro do JD Vance que se chama Hillbilly Elegy que também conta esse... Eu achei mesmo interessante ver essa trajetória social, bastante similar mas em países
José Maria Pimentel
muito diferentes. Agora esse
Alexandre Afonso
JD Vance tornou-se um trompista porque ele quer entrar na política. Mas eu acho bastante interessante essas histórias de mobilidade social e esses dilemas com que temos de lidar que para mim pareceu bastante interessante e atual e quase a nível pessoal.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Boa, excelente. Alexandre, obrigado.
Alexandre Afonso
Muito obrigado, Sra. Maria, pelo convite.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Miguel Van Uden, José Luís Malaquias, João Ribeiro, Francisco Hermes Gildo, Família Galeró, Nuno e Ana, Nuno Costa, Salvador Cunha, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins, Tiago Leite e Abílio Silva.