#109 Octávio Mateus - Dinossauros, evolução, História da vida na Terra & mais

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Neste episódio estou à conversa com o Otávio Mateus, paleontólogo e professor na Universidade Nova de Lisboa, onde ensina, entre outras áreas, evolução, paleontologia dos vertebrados e dos répteis e, a principal área de investigação, dinossauros, sobretudo do Jurássico de Portugal. O Otávio é autor e coautor de mais de 200 publicações nesta área e já há três décadas que participa e organiza escavações de dinossauros em Portugal, sobretudo em colaboração com o Museu da Lourinhã, que é conhecido, como provavelmente sabem, pela sua importante coleção de dinossauros. Otávio Matheus é conhecido o grande público, sobretudo enquanto especialista de dinossauros, porque essa é, de facto, a principal área de investigação dele, mas também porque o imaginário destes répteis que dominaram a Terra até há 66 milhões de anos é, por vários motivos, aquele que mais atenção atrai das pessoas. Mas a área de estudo do convidado, a paleontologia, é muito mais do que simplesmente dinossauros. É uma área da ciência que vai beber simultaneamente à biologia e à geologia para tentar explicar a história da vida na Terra nas suas mais variadas formas desde que ela começou há pelo menos 3.5 mil milhões de anos. Como vão perceber, esta foi uma conversa cheia, o Otávio é um excelente conversador, na qual abordámos imensos temas. Falámos sobre a história da vida na Terra, desde os primeiros organismos unissolares até aos dinossauros, aos mamíferos e ao Homo Sapiens. Falámos do processo da evolução por seleção natural e do modo como ele é muitas vezes contraintuitivo, um tema que eu já tinha abordado nos dois episódios que gravei com o Paulo Gama Mota. Falámos também de fósseis, que são a matéria-prima principal de um paleontólogo. E claro, falámos e muito sobre dinossauros. Quantos eram, o que sabemos sobre eles, o que não sabemos sobre eles e mesmo o que é que os pássaros vos podem ensinar sobre eles. Porque a verdade é que os pássaros descendem diretamente dos dinossauros. Aliás, formalmente, os pássaros são um tipo de dinossauro, porque descendem, são aliás, os únicos descendentes, do grupo ao qual pertencia nada mais nada menos do que o famoso tiranossauros rex. Antes de avançarmos para o episódio em si, queria deixar aqui uma espécie de anúncio de classificados. Aqui há uns meses fiz um anúncio semelhante à procura de um editor de som para o 45° e aproveito para agradecer ao Hugo o ótimo trabalho que tem feito desde então, agora estamos à procura de um ou de uma designer para o podcast. O objetivo é ajudar sobretudo com conteúdos para as redes sociais. Por isso, se conhecerem alguém que possa ter interesse neste projeto e que encaixe neste perfil, enviem por favor um e-mail para 45graus arroba gmx.com Obrigado. Finalmente, como de costume, queria agradecer aos novos mecenas do 45 Graus. São eles, Juli Piccini, espero estar a dizer bem, Beatriz Bagulho, espero sinceramente não ter estropeado nenhum dos vossos dois nomes, Miguel Torres Patrício, Pedro Ribeiro e Pedro Brabo. E pronto, vamos à conversa com o Otávio Mateus. Otávio Mateus, muito bem-vindo. Obrigado. Olha, tu és paleontologista, és conhecido sobretudo pela investigação na área dos dinossauros, já vamos falar sobre isso, mas calhar vale a pena começar por perceber o que é que é paleontologia e o que é que faz um paleontologista. Um paleontólogo. Um paleontólogo? Um paleontologista? Não
Octávio Mateus
sei onde é que tira esta agora. Porque em inglês diz-se paleontologist. Ah,
José Maria Pimentel
pronto. Então foi daí.
Octávio Mateus
E realmente a literatura inglesa relativamente à paleontologia é gigantesca. E um paleontólogo estuda fósseis e animais extintos. Incluímos os dinossauros, claro. Podemos incluir humanos, se tiverem fossilizados ou se forem espécies distintas de humanos, ou o efeito das bactérias nas rochas, fungos, plantas, etc. Todos os seres vivos
José Maria Pimentel
ainda temos pretérios. O
Octávio Mateus
que é espetacular porque os biólogos estudam o dia de hoje e nós estudamos os milhões e milhões de anos que estão por trás e que têm vida. Temos muito mais para preencher, muito mais lacunas, obviamente, mas aconteceu muito mais nos últimos 4.600 milhões de anos do que está a acontecer neste momento.
José Maria Pimentel
E, por acaso, é engraçado eu gravar agora contigo porque eu, de certa forma, fui enquadrando esta conversa em vários episódios, porque gravei, por exemplo, com as Itamar Tins sobre astrobiologia, portanto, no fundo, falámos muito como é que terá começado a vida na Terra, mas isso precede a paleontologia, e depois gravei com o Paulo Gamamotti não só sobre a biologia evolutiva, que começa aí, no fundo, mas, como tu dizias, o objeto estudo da biologia são espécies vivas, maioritariamente, e também, por exemplo, com a Jânia Cunha, sobre a antropologia biológica, mas aí também mais focada no homem. A ideia que eu tenho é que a paleontologia tende a... Não sei se se calhar estou enganado, mas a ideia que eu tenho é que tende a focar-se menos no homem, ou seja, tende a... Correto,
Octávio Mateus
até porque há aí uma sobreposição com a arqueologia, portanto o estudo dos artefatos e das coisas antigas ligadas ao humano é domínio da arqueologia. O estudo de espécies antigas é domínio da paleontologia. Obviamente há aqui uma grande superposição se estamos a falar de restos humanos, são sempre paleontologia. Às vezes usa-se o termo arcozoologia, portanto quando outras espécies não sejam humanos mas em contexto arqueológico.
José Maria Pimentel
Arco significa o quê? Arqueo, arqueo, desculpa, desculpa.
Octávio Mateus
Ou usamos paleontologia humana se estamos a falar de coisas que têm a ver com humanos mais primitivos. E a questão dos
José Maria Pimentel
fósseis, no fundo é a vossa matéria-prima principal, não é? É, praticamente a única, não é verdade? Praticamente a única, sim, exatamente. Sim, nesse sentido é uma... Pois é, é um desafio grande, não é? Porque não conseguem, não tem hipótese de estudar, quer dizer, tem hipótese com as espécies que existem atualmente, maioritariamente, ou aquelas que ainda se conseguem encontrar restos de DNA, mas a biologia molecular não vos pode ajudar tanto como na biologia em geral.
Octávio Mateus
Se a pergunta é conseguimos ressuscitar um dinossauro ou algo desse género a partir de DNA que conseguimos tirar de fósseis é não, absolutamente não. Podemos ter um exemplo muito mais próximo a nós, o tigre da Tanzânia, o Tilacino, que distinguiu-se nos anos 40, creio eu. Ainda há filmes desse Tilacino, é um marsupial e está conservado em álcool, temos as células e isso tudo. Mesmo com esse animal, não conseguimos ainda extrair DNA de modo a poder clonar. Não conseguimos. Ainda por cima, é um marsupial, nem sequer é um placentário, portanto não precisava de um hospedeiro como um placentário. Seria muito mais simples e mesmo assim não conseguimos. No caso de um dinossauro com o DNA seria quase impossível, mesmo se conseguíssemos tirar algum material genético, apenas conseguiríamos dizer que... Seriam fragmentos... Sim, nunca seria a
José Maria Pimentel
sugestão completa. Diríamos
Octávio Mateus
que ele tem o mesmo sistema que todos os répteis ou que todos os vertebrados e pouco mais.
José Maria Pimentel
Então, mas espera, agora duas coisas. Tu antecipaste uma pergunta que eu ia fazer lá mais à frente. Sobre o leão da Tasmânia e a mesma coisa que poderes ir a dizer sobre os mamutos, por exemplo, tu não consegues ressuscitá-lo tendo a sequência completa do DNA?
Octávio Mateus
Não temos a sequência completa porque o DNA é relativamente frágil. É que é uma molécula muito frágil. É extremamente longa. Eu acho que uma boa analogia será o DNA é como se tivéssemos uma biblioteca com instruções E ardemos a biblioteca, a biblioteca pega fogo porque tem a ver com a sua fossilização, portanto, a destruição das células e depois conseguimos recuperar, apagar parte do fogo e conseguimos recuperar essa biblioteca. Vamos recuperar alguns livros queimados, percebemos a língua, percebemos o tipo de letras, percebemos porventura do que é que estão a falar, mas nunca conseguimos reconstruir toda a história daqueles livros. E o DNA é um pouco semelhante assim. A visualização vai destruir parte daquelas moléculas, aquela informação vai ser destruída. Eu acho muito, muito difícil em espécies petrificadas, espécies fósseis petrificadas, que é uma vez que consigamos recuperar. Em espécies que ficaram congeladas, como os mamutes, ou como o tilicino em álcool, eu acho que mais cedo ou mais tarde poderemos lá chegar, mas até agora ainda não conseguimos,
José Maria Pimentel
curiosamente. Pois, é um desafio grande. Ou seja, o DNA pode-te ajudar a estabelecer, por exemplo, a arvore filogenética, ou, no fundo, a relação entre espécies, porque tu tens sequências que te permitem estabelecer graus de parentesco, mas para tu ressuscitar daquela espécie precisaria...
Octávio Mateus
Mesmo assim, o grau de parentesco entre aquele alfabeto, aquela cadeia DNA está tão fragmentada que é muito difícil comparar os certos do DNA com as várias espécies. Não temos material suficiente para isso. O que vamos conseguir dizer é, por exemplo, os dinossauros são répteis, mas bolas, isso já nos reconhecemos pela morfologia. Só uma vez que conseguimos ter o DNA vai ser algo deste género.
José Maria Pimentel
Então já voltamos ao DNA dos, ou à possibilidade de obter algum DNA dos dinossauros. Mas antes disso vamos falar dos fósseis. Há uma pergunta um bocado básica em relação aos fósseis, mas não tenho certeza que toda a gente saiba. O que é exatamente um fóssil?
Octávio Mateus
Muito bem, um fóssil é um resto de um animal, de um ser vivo, um animal, uma planta, ou outro ser vivo, que foi alterado por processos diagnéticos, por processos geológicos. A maioria dos fósseis são petrificação, portanto, ficou enterrado em lodos e areias, houve uma série de trocas de moléculas e a própria rocha acaba por petrificar o objeto, portanto, aquele ser vivo, perdendo ele os tecidos moles, portanto, fica normalmente registado, são ossos, troncos, dentes. É o que é mineralizado. É o que é mineralizado. Há uma troca dos elementos. Ou seja, a pedra substitui... Uma substituição que chega a ser completa, portanto com fósseis muito, muito antigos não temos uma única molécula, se seja ainda original. Mas até mesmo em casos de dinossauros, às vezes temos as células originais com todos os aspetos como se fosse uma célula óssea. Sim, menos o DNA. Nós fazemos secções finas aos ossos, portanto, às vezes cortamos os ossos, fica uma secção tão fina, podemos olhar no microscópio e assim ver as células e às vezes são indistinguíveis de um osso moderno, o que é incrível. O que nos permite ter um conhecimento sobre a biologia, o próprio crescimento dessas espécies, sabemos, por exemplo, que os vertebrados que crescem de forma mais rápida são os dinossauros. Não há nada que cresça tão rápido quanto um dinossauro. Ok, essa era uma das perguntas que eu tinha para te fazer. As aves crescem também muito rápido, mas as aves são dinossauros.
José Maria Pimentel
Pois é, isso. E nós
Octávio Mateus
conhecemos o caso das galinhas de aviário, que em três semanas ou 15 dias já tem o tamanho adulto, não tem ainda o peso adulto, mas já tem o tamanho adulto, e elas têm o crescimento igual à maioria dos dinossauros, portanto, muito, muito rápido. A grande diferença é que os dinossauros continuam a crescer e as galinhas param àquele tamanho que bem conhecemos.
José Maria Pimentel
Também havia dinossauros muito pequenos também. Claro, com certeza, com
Octávio Mateus
certeza, mas esse tipo de conhecimento biológico é também resultante do conhecimento que fazemos ao tecido dos ossos, uma ciência que se chama histologia, no estudo
José Maria Pimentel
dos tecidos. E do que eu sei, embora seja muito raro, há casos, nomeadamente nos dinossauros, em que tecidos moles ficaram conservados. Como? Tecidos moles, ou seja, estamos a falar de... Não sei se é músculo
Octávio Mateus
naquele caso. Às vezes há casos de mumificação, tal como existem casos de mumificação relativamente recentes, até com pessoas, se as condições forem ideais, ou seja, imaginemos que o animal ou a planta ficam num sítio sem oxigênio, portanto não há bactérias que façam nenhuma decomposição. Esse é o caso dos poços de Alcatrão. Em Labreia, em Los Angeles, há um poço de Alcatrão muito conhecido porque apresionam muitos animais, portanto, vários lobos, leopardes, leões, camelos, elefantes, etc. Ficaram presos naquele alcatrão e o alcatrão não tendo, sendo completamente não só inerte, mas criá-lo uma capa que não permite as bactérias sobreviverem naquele sítio e então não temos de composição. Mumificam. Essa mumificação é o primeiro passo para depois haver uma fossilização desse gênero e em casos extremos temos às vezes fósseis espetaculares com intestinos, com pele, com músculo, com as garras, com o bico, com as penas é relativamente frequente, ou seja, continuam a ser raros mas já se conhecem uns quantos casos. Portanto, em situações extremas, às vezes também temos fósseis extremos como esses. Requerem quase sempre um ambiente anaeróbico,
José Maria Pimentel
sem oxigênio, de enterramento muito rápido. O que é incrível nesse caso, para quem está a ouvir ter uma ideia, que esses casos já são extraordinários, quando nós encontramos, por exemplo, múmias do Antigo Egito, provavelmente 4 ou 5 mil anos, e neste caso temos falado de coisas com centenas de milhões de anos, algumas
Octávio Mateus
delas. Exato, exato. O que é incrível. Pois é, nós temos... Não
José Maria Pimentel
sei qual será o mais antigo, não sei se sabes de cor, o fóssil mais antigo com tecidos molos conservados.
Octávio Mateus
Não me recordo de dinossauros, existe no Jurássico, por exemplo, nós temos uns fragmentos de pele de embrião de dinossauro carnívoro na Lourinha. Ah, sim? Sim. Incrível. São 2 milímetros quadrados apenas. Mas é pele de embrião.
José Maria Pimentel
Sim, é incrível. O que é
Octávio Mateus
fantástico com as escamas, mostra que é um, tinha o corpo coberto de escamas, pelo menos aquela parte, e de um embrião que é relativamente raro.
José Maria Pimentel
E ele tem o quê? 150, 200 milhões de anos? 152 milhões de anos. Não estava à espera que soubesse o acerto.
Octávio Mateus
Exato, exato. Não, este 100 em particular é a idade com que nós trabalhamos todos os dias na Lourinhã, a altura mais produtiva. Isto é mais milhão menos milhão. Claro. Parece ridículo para os ouvintes, porventura, que um milhão de anos é a nossa unidade de escala, mas está dentro do nosso erro, 152, mais ou menos. Sim, Claro, claro, claro. Mas
José Maria Pimentel
é incrível, eu não sabia disso, a coisa é muito curiosa. Bem, não sabia de duas coisas, já me disseste duas coisas que eu não sabia. Primeiro, que a fossilização, em muitos casos, não era completa e, portanto, se preservavam células ósseas. E, em segundo lugar, que a preservação de sítios mols tinha essa escala. Eu achava que não, achava que era
Octávio Mateus
um... A substituição, voltando atrás, a substituição das moléculas é gradual. É muito difícil dizer. Aliás, nós não temos uma definição muito boa do que é um fóssil. É como há espécie e como há vida. Nós sabemos perfeitamente o que é vida. Mas Ali há aquelas fronteiras em que não sabemos muito bem. É a mesma coisa com as espécies. Sabemos o que é uma espécie, mas ali na zona fronteira há uma nebulosa difícil e no fóssil é a mesma coisa. Se alguém deixar o resto do animal dentro de um cimento fresco e ele ficar lá morto, até que ponto é que aquele cimento fresco vai penetrando dentro do resto daquele animal e vai se tornando um fóssil. Ou mesmo, seja, não seja cimento, seja uma argila, seja o que for, a partir de quantos anos é que é um fóssil, a partir de quanta substituição é que é
José Maria Pimentel
um fóssil. Torna-se
Octávio Mateus
difícil. Na arqueologia, nós chamamos às vezes, a vestígios humanos ou associados a humanos, que são subfósseis. Portanto, já tem ali uma certa alteração diagenética, mas ainda tem tem muita matéria orgânica, consegue-se tirar DNA, por exemplo, mas consegue-se tirar, não DNA, mas conseguiu-se retirar colagênio de ossos de tiranossauro rex com 66 milhões de anos e é o colagênio dessa idade, o que é impressionante, colagênio também é uma molécula muito mais resistente. Aliás, tem essa função também para dar resistência
José Maria Pimentel
ao nosso corpo.
Octávio Mateus
O facto de ser mais resistente facilita, mas mostra bem que a fossilização não é completa, ou melhor, a substituição pelos minerais por pedra não é completa e continua sempre a decorrer. Isso é incrível. Do vosso ponto de
José Maria Pimentel
vista, quanto menos completa, foi melhor. Claro, obviamente. Você quer os fósseis, mas idealmente com miolo por dentro.
Octávio Mateus
Exato. Mas ainda voltando aqui à parte da fossilização, é curioso é pensarmos, se nós quiséssemos, e agora pergunto-te, se quisessemos fossilizar um animal, imagina que temos um animal morto e queremos ir buscar aquele animal daqui a um milhão de anos, onde é que o punhas? Tendo em consideração que daqui a um milhão de anos, a arca congeladora que poderíamos pensar já não existe, podem não haver humanos, mas daqui a um milhão
José Maria Pimentel
de anos queremos recuperar esse vestígio. Onde é que o poríamos? Peraí, mas há uma variável nessa equação a facilidade de recuperação ou só a preservação? Não, não, não. Só a preservação. Num sítio... Quer dizer, já deste um bocado a resposta, não é? No sítio
Octávio Mateus
sem oxigênio. Quando lhe é isso, alguma coisa em cima... Claro, tem de ser enterrado. O que pedisse o oxigênio de... Tem de ser enterrado, tem de ser um sítio que esteja a afundar em subsidência. Exato, exato. Um pouco como a cidade do México está a afundar, e a uma velocidade incrível, e Jakarta também, ao retirar-se a água dos lençóis friados e com o peso da cidade, está a afundar a vários centímetros por ano. Isso faz com que qualquer animal que fique num riacho, por exemplo, e que morra aí, seja coberto por argilas e arnitos. Esses terrenos vão afundando e resistem pelo menos um milhão de anos, pois podem voltar outra vez à superfície e então estariam disponíveis a paleontólogos do futuro. Seria essa, cobertos rapidamente, não serem comidos por compositores ou necrófagos e ficarem em subsidência, ficarem a serem enterrados cada vez mais fundo. Se ficarem lá embaixo durante aquele tempo todo, não é? O que também é outro. Por exemplo, no topo de uma montanha nunca seria um bom sítio. Exato. Pode ser assim remoto. E Está muito exposto também. Está muito exposto e as montanhas estão sempre a erudir. Exato. Quase por definição. Tu
José Maria Pimentel
queres o contrário, tu queres que seja acumular.
Octávio Mateus
Exatamente. Na base de um valo é melhor que no topo de uma montanha. Porque no valo é mais provável que seja enterrado. No topo de uma montanha não, ao contrário, vai ser erudido.
José Maria Pimentel
E no fundo do mar, como é que é? A mesma lógica?
Octávio Mateus
O fundo do mar também é um bom sítio. Se o mar tiver... Mas tens água, tens oxigênio. Mas se for coberto rapidamente por sedimentos e por calcários, é perfeito.
José Maria Pimentel
Eu agora estava a ouvir-te a pensar numa coisa. Vocês, no fundo, vocês isto é, quem procura fósseis, vocês no fundo estão à procura na sequência deste processo que o senhor está a descrever, não é de subsidência e depois de, no fundo, regresso à superfície. Aquilo que vocês podem aceder são aqueles que estão no final desse processo, não é? Que estão a voltar à superfície porque são acessíveis, porque há
Octávio Mateus
de haver... Exatamente, exatamente, é isso mesmo. A quantidade de fósseis que nós temos depende de uma série de fatores, mas basicamente são quatro. Se é um sítio bom para os animais ou para aquele organismo viver, por exemplo, imaginemos que queremos dinossauros. Queremos um sítio bom onde eles tenham vivido. Portanto, tem que ter água doce, tem que ser continental, então não pode ser o mar, água doce, vegetação, um ecossistema saudável. Tem que ser um sítio bom para eles fossilizarem, ou seja, o esqueleto tem de ser enterrado e tem de haver uma geoquímica à volta da rocha, à volta daqueles ossos, nem muito básica, nem muito ácida para os ossos ficarem preservados. Portanto, tem que ter condições ideais para conservar. Todas essas rochas vão mergulhar por causa da questão da tectónica e, mais cedo ou mais tarde, estar à superfície. E isso também é essencial, porque se estiver a mil metros de profundidade, não serve nada. E, por fim, tem que estar acessíveis a paleontólogos. Se houver uma floresta, campos agrícolas, uma cidade ou um deserto em cima, nós não vamos aceder àquelas rochas. Portanto, tem de ser um sítio bom para viverem, para fossilizarem, para essas rochas estarem à superfície e para serem acessíveis. E só assim é que temos acesso àquele dinossauro que queremos. E, na verdade, não há assim tantos sítios no mundo com estas condições. Cá em Portugal o melhor sítio é sem sombra dúvida a zona da Lourinha e Conselhos Limítrofos, mas não quer dizer que têm estas condições, porque as rochas são da idade certa, ambientes continentais, perfeitos para viverem, para fostilizarem e por isso tudo que disse. Mas não quer dizer que no Minho não fosse ainda melhor para eles viverem. Houve-se ainda mais dinossauros no Minho. Acontece que não temos uma única rocha da idade certa e dessas condições. Portanto, é impossível descobrirmos dinossauros no Minho e enquanto na Lourinha temos quase pedra sim, pedra não.
José Maria Pimentel
Mas é engraçado, isso tem a ver com movimentos tectónicos? Tem a ver com
Octávio Mateus
a tectónica. A tectónica está sempre a baixar e a levantar determinadas camadas. Portanto, cada vez que há uma formação de uma montanha, os Alpes ou os Pirineus ou os Himalaias são precisamente o movimento das placas ou microplacas que levantam aquela rocha, mas muitas outras mergulham debaixo delas e, portanto, algumas estão acessíveis, outras não. E neste movimento, algumas têm que estar, se se levantam demasiado, acabam por ser erudidas e depois ao nosso nível temos rochas mais antigas. Se não levantam o suficiente, temos rochas mais recentes. Ou seja, ali um sweet spot. Exato, exato. Que vai nos dar a idade certa que nós queremos.
José Maria Pimentel
É engraçado isso. E depende também do tipo de rocha,
Octávio Mateus
ou não? Com certeza, com certeza. Como estava a dizer, se queremos animais continentais, queremos rochas que sejam produzidas em ambiente continental, obviamente. Não queremos mar, não queremos granito, de certeza, não queremos uma lava porque é impossível encontrar um fóssil. Temos rochas sedimentares e dentro das rochas sedimentares, ambientes continentais, por o caso de dinossauros. Granito não, porquê? Desculpe, deve ser uma pergunta básica. O granito é uma rocha de profundidade, o granito é produzido no interior do manto, portanto, não é uma rocha sedimentar, é milhões de anos mais antiga que qualquer dinossauro, normalmente, portanto, é impossível encontrar um fóssil no granito, absolutamente impossível. E aquele exemplo que eu dei de Minho, Minho tem muito granito, portanto, também podemos procurar.
José Maria Pimentel
Eu lembrei do granito quando falaste do Minho, exatamente.
Octávio Mateus
Exato, precisamente, aí vai ser impossível encontrarmos fósseis. Nós precisamos de rochas da idade certa, do ambiente certo, até do próprio ambiente à volta do próprio osso. Se a rocha for muito alcalina ou muito ácida, simplesmente vai destruir o osso completamente. Portanto, as condições ideais não são assim tão vulgares quanto isso. Pois, faz todo sentido. Ou seja, é preciso haver
José Maria Pimentel
uma série de... Há uma checklist de características que têm que estar preservadas. Tu à bocado falaste a propósito da idade daquele fóssil de tecidos moles que tinha, se não me erro, 152 milhões de anos. Como é que vocês fazem a datação? Carbono 14? Não,
Octávio Mateus
o carbono 14 tem uma longevidade muito curta, vai aos 60 mil anos. Ou
José Maria Pimentel
seja, dá para os fósseis humanos, mas não
Octávio Mateus
para os humanos. Exato, é excelente para fósseis humanos. Usamos outros isótopos de estroncio, é a mesma lógica, são isótopos radioativos, portanto, têm um decaimento de meia vida e, portanto, se medirmos esse decaimento conseguimos, tendo a premissa que esse decaimento não altera ao longo dos milhões de anos, conseguimos medir esse decaimento e pronto, é tão simples quanto isso. Contudo, esses isótopos aparecem só em alguns sítios, nem sempre temos, não é pegar numa rocha, dar-lhe um martelado e o martelo diz-lhe o valor, porque isso não acontece. Às vezes só conseguimos em certas conchas ou em alguns elementos que se têm basaltos, por exemplo. Portanto, o que fazemos é uma biostratigrafia. Isto é, nós olhamos para o tipo de rochas que existem, o tipo de fósseis que existem nas rochas e comparando o tipo de fauna que nos vai dar uma idade relativa. Quando dizemos que as rochas são do Jurássico, isto foi porque rochas tinham fauna do Jura nos Alpes. A fauna semelhante ao Jura acabou por dar o nome Jurássico. Os geólogos viram que essas rochas estavam abaixo de uma rocha que formava um giz, um querré, que deu o critássico e fizeram esse empilhamento dos estratos, percebendo que havia uma relação entre estas rochas todas. Isto foi muito antes de saber uma idade. Já Darwin, e na altura não tínhamos datas nenhumas, Darwin já conhecia bem os estratos que o Devon e que estava ainda antes do Mesozoico, no Mesozoico e o Triásico antes do Jurássico e este antes do Cretáceo, etc, etc. Nós já sabíamos esta idade relativa só vendo as camadas e correlacionando as camadas. Esta ciência chama-se estratigrafia e isso permite-nos uma idade relativa. Nós não precisamos de olhar para um edifício para conseguirmos saber a idade aproximada daquele edifício. Aquele estilo arquitetónico, nós conseguimos ver se tem 50 anos ou se tem 100 anos, não é? Ou se tem 300. Aquele estilo arquitetónico pode ser comparado àquele tipo de fauna. Daquele tipo de fauna já nos dá uma pista da idade mesmo que não tenhamos. A idade ao certo. A idade ao certo ao milhão de anos, calibrada com os isótopos. E qual é o fóssil mais antigo que existe? Os fósseis mais antigos conhecidos são vestígios de bactérias em superfícies de rochas, muito semelhantes
José Maria Pimentel
àqueles... A quê? 3 mil milhões de
Octávio Mateus
anos? 3.600 milhões de anos, são as mais antigas conhecidas. Então
José Maria Pimentel
é mesmo quase do início da... Quer dizer, não sabem quando é que
Octávio Mateus
começou a vida, não é? Sim, sim, sim, Sim, mas esse é o registro mais antigo que temos, a vida de certeza que apareceu antes. Nós vamos sempre... Claro, pode ter sido... Nós temos sempre o registro fóssil, é diferente da biodiversidade real. O registro fóssil é sempre mais incompleto, a biodiversidade é outra história, claro está. O mais antigo que temos é de 3.600 milhões de anos e sabemos por algumas rochas que alguns isótopos têm a espécie de seres biogénicos, já existiram muito antes disso. Mas isso não é realmente um vestígio de um animal, é apenas um indício de vida na Terra. E continua assim durante 2.000 milhões de anos. É uma vida muito pouco ambiciosa em termos estilo de bactérias ou equivalentes ou arqueas e assim foi, mas esse tipo de registro é muito comum, continua hoje esse tipo de vida, aliás, quando nós temos nas nossas cozinhas ou casas de banho ou nas paredes uma película meio de algas, lodos e isso tudo, é esse tipo de película de bactérias que já existiam há 3 mil milhões de
José Maria Pimentel
anos. Os seres unicelulares mais simples. Eu confundei por dois, os procariotas. Isso é até um ponto para falarmos das várias etapas na evolução da vida, assim, um nível macro, porque começou com os seres unicelulares, com os procariotas, depois desenvolveram-se os eucariotas, que são aquelas que nós temos, que são mais complexas.
Octávio Mateus
Sim, são aquelas que têm, basicamente, acho que a ver se consigo pôr 3.600 milhões de anos em poucos minutos. Começam pequenas células, na verdade, começam primeiro moléculas que se replicavam e tinham algum poder de hereditariedade. Portanto, manter alguma informação e replicar essa informação. Antes ou depois, criaram uma membrana e fizeram uma célula, basicamente. Essas células não tinham núcleo. Quando ganharam o núcleo, são os eucariotas. As nossas. Que são as nossas, somos eucariotas. Essas células, passados milhares de milhões de anos, começaram-se a aglutinar e formar pequenas colónias e são o início de seres multicelulares. Portanto, É um pouco mais desenvolvido. Esses seres unicelulares, a partir do momento que começaram a organizar em tecidos, com diferenciação de funções daquelas células, deixaram de ser apenas uma colónia. No caso das esponjas, por exemplo, ainda não temos isso. As esponjas são dos mais antigos animais que existem há cerca de 630 milhões de anos. Desculpa interromper, eu vi um link que
José Maria Pimentel
tu partilhaste no teu Twitter, salvo eu, que achei interessante, de uma investigação recente que chutava esse início, ou seja, o primeiro animal, no fundo, a esponja, para 890 milhões de
Octávio Mateus
anos. Exatamente, o que é fantástico. A confirmar essa investigação que esses colegas fizeram, põe muito para trás o início da vida, ou melhor, o animal mais antigo, melhor dizendo, há muitos anos, e até antes do criogénico, o que é interessante, porque numa altura que a terra teve completamente congelada e esses animais já existiam, essas esponjas já existiam e sobreviveram esse período. Portanto, essas colónias começaram a criar as tantas tecidos, tecidos mais diferenciados, então temos, por exemplo, os corais, ganharam um sistema bilateral, portanto, começamos a ter animais com o lado esquerdo e lado direito, parte de cima e parte de baixo. Repara que os pões não têm parte de cima e parte de baixo, os corais já têm, É uma novidade curiosa. Os corais mais ou menos organizam-se e sabem o que é. No seu desenvolvimento ontogenético, sabem o que é que é a parte de cima e organizam-se dessa forma, parte de cima e parte de baixo. A parte de cima normalmente tem os tentáculos, a parte de baixo são césseis. A parte de baixo está presa ao coral ou as alforrecas que fazem exatamente o oposto. Ah,
José Maria Pimentel
sim, há uma diferença entre o que é a parte de cima do animal e a parte de baixo do animal.
Octávio Mateus
Algumas ponjas não fazem, mas ainda não tinham simetria bilateral, ainda não têm diferenciação entre o que é o lado esquerdo e o lado direito, nem sequer o que é a parte da frente e a parte de trás. Isso aparece mais tarde, se repararmos. Isso parece muito óbvio, mas num inseto nós sabemos exatamente o que é a esquerda e a direita do animal, o que é a frente e a trás do animal, o que é a parte dorsal e a parte ventral. Num coral não sabemos. É indiferenciado.
José Maria Pimentel
Quando dizes não sabemos é que é indiferenciado. Ou seja, é diferente a parte de cima e a parte de baixo, mas tudo o resto
Octávio Mateus
é uma massa. Exatamente. Este é o passo seguinte da evolução, que foi a invenção da simetria bilateral. Depois, aí, há a explosão de vida no Câmbrico. E então começamos a ter a linhagem que dá origem aos vertebrados e a nós mesmos. A linhagem que dá origem aos protostómios, que são a maioria dos invertebrados que conhecemos. Já deixando para trás a linhagem que deu origem às plantas e aquela que dá origem aos fungos, que curiosamente são mais próximos dos animais do que são das plantas. Portanto, nós partilhamos mais tempo
José Maria Pimentel
de evolução em conjunto
Octávio Mateus
com um cogumelo do que o cogumelo partilha
José Maria Pimentel
com uma sequoia, por exemplo. As plantas separaram-se primeiro, não é? Da árvore. Exato. Nessa árvore evolutiva. Mas desculpa, as plantas foi antes da explosão câmbrica?
Octávio Mateus
As plantas são antes da explosão
José Maria Pimentel
câmbrica, sim. Ok, eu tinha ideia, tinha sido nessa altura. Isso foi, desculpa, agora já me perdi nas datas, a explosão do câmbrico foi quando? A explosão do Câmbrico foi aos 600 mil anos. Juro que há uma discussão ainda a decorrer sobre isso, sobre quão explosiva foi essa explosão, digamos assim, porque no fundo a tese é que, e é o que mostra o histórico de fósseis, é que de repente surge uma diversidade enorme e não só uma diversidade enorme, mas a maioria das... Não é das espécies, é uns degraus acima das...
Octávio Mateus
A maioria das formas já existiam no
José Maria Pimentel
câmbrico. Das formas de vida, exatamente, que existem atualmente. Mas a questão é, foi tão rápido? Quando falamos de rápido, estamos a falar de...
Octávio Mateus
Milhões de anos. Milhões de anos, não é? Mas poucos, neste caso. Exato, são dezenas de milhões ou muitas dezenas de milhões, mas não chega a centenas de milhões.
José Maria Pimentel
Ou seja, terá sido assim tão rápido ou pode ser um viés no nosso fóssil?
Octávio Mateus
Nós temos um viés sempre, em tudo, e então na paleontologia o registro fóssil é muito incompleto. E quanto mais conhecemos do nosso registro fóssil, de sítios diferentes, que não sejam a América do Norte e a Europa, que são sobremostrados. Então às vezes encontramos cada vez registros mais antigos ou mais completos desse registro. E a explosão, seja como for, foi incrível. Em poucas dezenas de milhões de anos tivemos uma radiação evolutiva, o nome é esse, de animais relativamente simples. Temos as principais linhagens que sejam as esponjas, os corais, os protostómios que dão origem aos insetos, aos anelídeos, etc. Os deutrostómios que dão origem a nós e aos equinodermos. Portanto, toda essa radiação, o Maurício do Mar, toda essa radiação foi muito, muito rápida e talvez tenha sido o resultado de uma corrida ao armamento evolutivo. Os seres começaram a sofisticar-se cada vez
José Maria Pimentel
mais. Predadores e presas. Exato,
Octávio Mateus
portanto, a presa teve que sofisticar para escapar o predador e o predador sofisticar-se para apanhar mais presas. E tal como na economia, quando mais variedade e mais rico seja o ecossistema, mais possibilidade existe de aparecer novas espécies ou novos negócios se for o caso da economia. É
José Maria Pimentel
um excelente exemplo.
Octávio Mateus
Claro que uma economia que seja apenas sustentada num tipo de atividade tem menos capacidade de criar novos empregos e a mesma coisa com as espécies. Se for só uma dúzia de espécies, se houver um ecossistema, não vamos ter muitas espécies. Portanto, quando isso começou a acontecer, criou uma bola de neve de competição entre as espécies que
José Maria Pimentel
criou esta explosão. Mas porque é que foi naquele momento? Houve ali um ponto de inflação? Ou seja, atingiu-se uma escala que depois permitiu que
Octávio Mateus
isso fosse exponencial? Logo a seguir ao criogénico, foi importantíssimo. Houve aquele momento de efeito bola de neve em que toda a terra, mesmo no Equador, estava gelada e aí não havia muitos ecossistemas. Foi logo a seguir a isso, demorou a acelerar, a diacara logo a seguir. A diacara já é muito, muito diversa, mas é muito pouco abundante. No câmbrico, o que nós vimos é uma explosão da diversidade que já existia e da abundância que foi, entretanto, adquirida no Câmara. Agora, ao ouvir, estou com uma pergunta que é interessante na sequência disto, que é nós
José Maria Pimentel
sabemos que a evolução não é teleológica, ou seja, que a evolução não tem realmente um objetivo, não é? Mas, por motivos lógicos, entre os quais essa questão dessa espécie de corrida hormonamente entre as espécies e eu diria, não só a própria passagem do tempo e o efeito incremental, a verdade é que a vida se foi tornando mais complexa, digamos assim, ou seja, tu passaste do... Ainda não acabamos essa cronologia, mas começaste com os prokaryotes, eukaryotes, multicelulares, depois fostes desenvolvendo aquilo que tu falavas há bocadinho, baixo e cima, esquerda e direita, foste envolvendo diferentes órgãos, diferentes tecidos, uma sofisticação... Tirando desta equação o cérebro humano, e nesse caso estaríamos a falar de um evento muito mais recente, cento ou cem mil anos, no caso do Homo Sapiens. Portanto, tirando o cérebro humano da equação, quando é que a vida, nos outros aspectos, atingiu o grau de complexidade equivalente ao das espécies
Octávio Mateus
atuais? Nós estamos sempre a sofisticar cada vez mais. Portanto, nunca vai atingir tão sofisticado, excepto se distinguirmos espécies, do que no dia de hoje. Ou seja, quando for o hoje. Portanto, estamos sempre a sofisticar. É um pouco uma economia, uma vez mais. Todos os dias há um negócio que tem uma ideia um pouco diferente de sobreviver. E nas espécies é a mesma coisa. Todos os dias há ali uma pequena estratégia, uma nova enzima que faz algo diferente. E isso vai acumulando. E é gradual. É muito difícil dizer quando é que chegamos à sofisticação do que hoje. Então, mas deixa-me pôr isto de outra forma. Daqui a um milhão de anos, se não extinguirmos demasiadas espécies, daqui a um milhão de anos
José Maria Pimentel
a vida estará mais sofisticada do que está hoje. É verdade, é verdade. Apanhaste-me aí, mas ainda assim deixa-me tentar fazer a pergunta de outra forma. Quando nós olhamos para uma esponja, é evidente que uma esponja é uma forma de vida muito menos complexa do que a nossa ou de vários outros animais. Mas quando olhamos para um dinossauro, isso já não é assim tão evidente, porque o dinossauro tinha uma série de... Quer dizer, era um animal que se locomovia, que
Octávio Mateus
tinha músculos, que tinha... Super sofisticado. É muito sofisticado. Sim. O meu ponto é esse, não é? É difícil executar um dinossauro tirando a parte cognitiva. Mas, claro, nós estamos aqui a confundir tempo com sofisticação. A sofisticação tem a ver com a posição na árvore da vida e a acumulação de características novas. Essa é a subesticação. Portanto, nós e um dinossauro, eu diria que estamos de igual forma... Exécutivos. Exécutivos. Estamos em uma subesticação diferente, claro que está, mas os dinossauros fazem coisas atualmente que nós não fazíamos. Portanto, nomeadamente voar. As 10 mil espécies de dinossauros que temos atualmente fazem coisas que nós não conseguimos, nós mamíferos não conseguimos. E os dinossauros do mesozoico, que não voavam, pelo menos não todos, não faziam o mesmo que as aves atualmente, mas faziam coisas... Quantas vezes os grãos-taros atuais são as aves? São as aves, claro que está. Em termos de metabólicos são muito semelhantes às aves. Mas atualmente continuam a existir bactérias e esponjas e corais, que são menos sofisticados. Não é por ser hoje que são mais sofisticados. É por ser a posição da árvore de vida, claro que está. Claro,
José Maria Pimentel
o que eu queria dizer é, quando é que surgiram os primeiros animais com um grau de complexidade que nós hoje em dia tomamos pelo grau máximo, digamos assim? Não sei
Octávio Mateus
o que é isso, o grau máximo. Não saberia responder. É um gradual em uma acumulação de características que vão acumulando e continuam a acumular e se nós tivéssemos as espécies, assim continuará. Sim,
José Maria Pimentel
sim. Nós há bocadinho não tínhamos acabado de fazer aquela cronologia que é importante para quem está a ouvir. Tu tinhas terminado na explosão do Câmbrico. Exato, E
Octávio Mateus
aqui já temos que tomar algumas decisões para que linhagem é que vamos. Se vamos para aquela que dá origem aos insetos, ou por exemplo, ou se vamos àquela que dá origem a nós mesmos. Vamos por essa. Os animais começaram a ter o que é uma parte da frente, uma parte de trás, a parte de cima e a parte de baixo. A parte da frente e a parte de trás é importante porque finalmente ficou decidido onde é que é a boca e onde é que é o ânus. E isso é importante até no desenvolvimento corporal. Porque animais mais primitivos estavam no mesmo sítio, basicamente. Essa parte da frente desenvolve-se mais como uma cabeça, como é lógico, e começaram a segmentar o corpo, tal como o anelídeo e tal como a minhoca é segmentada. Nós evoluímos deste tipo de animais, simplificamos a segmentação, praticamente agora já não se vê no nosso corpo, mas ainda temos. Só um parênteses relativamente à segmentação, vemos nas nossas vértebras, que são uma série de segmentos iguais, nas costelas ou no famoso músculo six-pack que os atletas têm no abdômen. Isso são os somentes dos músculos e são as tais segmentações equivalentes ao que uma minhoca tem. Este tipo de desenvolvimento foi acompanhado por uma notocorda, que é um desenvolvimento ótimo que permitiu uma série de nervos irem da zona da cabeça até à ponta da cauda e uma estrutura mais ou menos flexível que permitiu esses organismos começarem a locomover-se de forma ondulada, um pouco como ao peixe. Então já tínhamos, além de começar a parte da frente do animal a desenvolver tudo que se fosse partes sensoriais. Portanto, os olhos desenvolveram-se na parte da frente do corpo, o olfato, o sabor, etc. Portanto, temos ali uma sala de controlo do próprio organismo e a começar a desenvolver-se alguns glândios que deram origem ao cérebro. Portanto, aqui já temos algo muito semelhante a um peixe. Essa nota acórdica e esses segmentos se substicaram, se ganharam ossos e vértebras e temos os vertebrados e temos um peixe. Portanto, um animal com segmentação, claramente com uma zona central no corpo, com tudo que seja aquisição de informação, nomeadamente a visão. É concentrado. Temos um peixe pouco sofisticado, mas temos um peixe. Esse tipo de sofisticação vai melhorando cada vez mais. A linhagem que dá origem a nós desenvolve barbatanas, barbatanas lubadas que, em parte, de forma um pouco complicada, mas não vale a pena estar aqui a promenorizar, mas dá origem aos nossos membros e aparecem animais semelhantes a anfíbios que ainda estão dependentes de pôr os ovos na água. Mas temos um animal semelhante a uma salamandra, por exemplo. Os tetrapodes, não é? Os tetrápodes. São os com quatro patas. Tetra de quatro podes de patas. Sempre dependentes da água. Aparecem duas invenções evolutivas, entre aspas, que permitiram conseguirem libertar-se da água, foi o ovo amniótico, portanto, a partir do momento que começaram a ter um ovo com uma casca, é como se tivessem parte do oceano portátil e, portanto, permitiu-lhes conquistar desertos. Os cetrópitos aí já estavam a caminhar em terra, o que também foi essencial. Aquelas patas e o desenvolvimento de um pescoço já lhes permitia caminhar em terra. Até
José Maria Pimentel
porque eles aí tinham um desafio adicional, que era a gravidade. Também tinham gravidade na água, mas menor.
Octávio Mateus
Parte da conquista da terra, que foi um evento extraordinário, tinha toda a lógica, porque os mares eram populados por predadores de todo o tipo e pouca comida, ou pelo menos muita competição pela comida, e em terra já estavam os insetos e os artrópodes todos, que eram comida e ninguém lhes acedia.
José Maria Pimentel
Portanto, ir para
Octávio Mateus
a terra era um duplo ganho, escapar dos predadores e ganhar acesso à comida, portanto, fazia todo o sentido. Isso acontece, os répteis aparecem no sentido de ter umas escamas que permitem evitar a dissecação, os ovos que permitem também estar num deserto e não secarem-se, não estão dependentes da água em termos reprodutivos.
José Maria Pimentel
As camas permitem evitar o quê?
Octávio Mateus
A dissecação, secarem. Portanto, a pele não seca. Os mamíferos fizeram uma coisa diferente que os répteis. Perderam as escamas, mas criaram um conjunto de glândulas que tornaram a pele relativamente mais oleosa ou cerosa, se quisermos, com uma série de cera, e por isso nós suamos e por isso nós temos cera na nossa pele. Isso é algo que foi adquirido desde os
José Maria Pimentel
mamíferos. Ou então arranjaram pelo, os cães, por exemplo, não suam da
Octávio Mateus
pele. Correto, suam, mas suam menos. Ao mesmo tempo, criaram precisamente o pelo para termorregulação, para controlar a temperatura. Os ovos, que é uma invenção fabulosa, às tantas era uma complicação e o melhor era que eles eclodissem dentro do próprio organismo. E, portanto, temos animais que eclodem, que os ovos eclodem dentro do próprio organismo, como os cangrusos, os marsupiais.
José Maria Pimentel
Onde há água também.
Octávio Mateus
Onde há água também, claro. Estes, e quase a terminar, a última das grandes invenções foi criar uma placenta em que o desenvolvimento do embrião pudesse ser dentro do interior da mãe sem que a mãe reconhecesse aquele embrião como um objeto estranho e o explice pelas suas próprias defesas do corpo. Então teve que desligar uma série de defesas do
José Maria Pimentel
próprio corpo. Engraçado isso, não tinha pensado dessa forma.
Octávio Mateus
Para poder desenvolver aquele embrião. Reparem, o tipo de sangue da mãe e da criança pode ser diferente. Portanto, numa situação qualquer, a outra era explícita como se fosse uma agressão. Mas ali não. O corpo da mãe trata da cria como sua, mas precisa de um tradutor daquele tipo de sangue e isso é a placenta. Isso permitiu os mamíferos placentários também no fundo terem esta radiação evolutiva, semelhante àquela que tivemos no câmbrico, naquelas formas todas que hoje conhecemos como mamíferos. Dentro disto, um grupo muito semelhante a ratinhos, mas que estava um pouco mais especializado num ambiente arbóreo, desenvolve-se cada vez mais com uma caça, porventura, uma caça noturna, precisava de olhos grandes, sociais, portanto precisavam de um cérebro um pouco maior, estamos a falar claramente de primatas, quer eu dizer. Dentre desses, há uma espécie que tem uma sofisticação em termos de cérebro, em termos de inovação, torna-se bípede e a parte bípede é essencial, ao mesmo nível que o nosso cérebro, é essencial para o nosso sucesso, tornam-se especializados em caça de megafauna, em caça de grandes animais e para isso precisavam do cérebro para sofisticar a sua caça, porque até um leão é fácil de caçar para quem não tenha um cérebro. Basta um pouco de veneno e está feito. Um elefante basta um arame agarrado a uma árvore e faz-se uma armadilha. É fácil matar, ou seja, matar um animal a grande porte se tivermos um cérebro sofisticado. Esse cérebro sofisticado, ajudado obviamente por um aspecto social e da transmissão de conhecimento, faz o que somos hoje. Pronto, aí está a história
José Maria Pimentel
da vida muito resumida.
Octávio Mateus
E perdoem-me todos os meus colegas que vão dizer ah, espalhámos esta parte, só aquele importante
José Maria Pimentel
episódio da vida, mas pronto. Olha, vamos recuar um pouco nesse caminho e apanhar uma saída diferente, julgo eu, na altura precisamente, é que os mamíferos se separaram dos répteis, para ir dar aos répteis e não para os mamíferos para ir dar aos dinossauros, que é no fundo a tua área principal de investigação. O gajo que nos está a ouvir já deve estar a achar estranho, este gajo está a entrevistar o Matheus e não
Octávio Mateus
fala de dinossauros. Já vai com não sei quantos minutos. Quando é que surgem os dinossauros? Os dinossauros aparecem a meio do triásico, estamos a falar há 230 milhões de anos. Ok, e quantas espécies é que nós sabemos que existem? Atualmente 10 mil. 10 mil? Atualmente. Sim, claro. São as aves atuais. Ah! Mas isto é, relembro sempre porque não devemos esquecer, as aves descendem de dinossauros. Sim, sim, eu queria falar disso. As aves são mesmo dinossauros. Mas pronto, obviamente quando se faz essa pergunta estamos a falar do registro fóssil de dinossauros do Mesozoico. E temos umas 1.200 espécies conhecidas, talvez 1.500, não sei. Todos os dias aparecem novas espécies de dinossauros, todos os dias. Portanto, não sei a última contagem. E obviamente isto é uma ínfima parte do que existiu da biodiversidade de dinossauros e o mais grave é que nós nem sequer sabemos se isto representa 1%, 5%, 10%, 50%, 90% ou 99%. É curioso que é uma pergunta tão simples que é o nosso registro fóssil quanto é que representa na biodiversidade real? Não fazemos a mais para a lei de ideia. É uma pergunta tão básica e nós não sabemos. Eu tenho um palpite e o palpite vai para baixo, quer dizer, não consigo dizer
José Maria Pimentel
nulo, mas
Octávio Mateus
acho que será menos de 10%, quase certeza, e eu acho que é 1%.
José Maria Pimentel
Alguma proxy que se possa usar, alguma maneira de tentar estimar? Há, e é uma das perguntas que nós estamos assim a tentar
Octávio Mateus
responder neste momento. Temos um estudante de doutoramento, o Dario Straviz, que está a tentar resolver isso, mas não sei se vai dar, portanto nem vou por aí. A pista é, usamos os fósseis recentes, os subfósseis, tentar... Comparar com a diversidade que existe. Exatamente. Eu estava a pensar uma coisa diferente. Os fósseis muito recentes, vemos qual é a qualidade desse registro fóssil e o quanto mais antigos menos existem e, portanto, isso dá-nos uma pista de, pelo menos, qual é que é a qualidade desse registro. Sabemos que em espécies em Portugal o nosso registro fóssil não é mais que 10%, é cerca de 11% de mamíferos relativamente aos que existem atualmente.
José Maria Pimentel
Estava a pensar noutra coisa, mas é que tem o problema da extinção, não é? Porque também poderias fazer uma espécie de retroação a partir dos pássaros e depois comparar com aquilo que tu... Vamos imaginar que tu conseguias fazer uma retroação da evolução da diversidade nos pássaros e depois comparavas com o peso que os pássaros, os antecessores, os antepassados dos pássaros têm no
Octávio Mateus
registro fóssil. Mas não conseguimos controlar a extinção e há momentos em que grupos se tornam muito abundantes e depois entram em declínio ou o contrário e isso nós não conseguimos controlar. Por isso é que é importante olharmos para os dias de hoje, ou seja, os últimos um milhão de anos, que é praticamente hoje, e com isso ser o próximo para o passado. Mas se recuamos mais que um milhão de anos, o próprio planeta também mudou. É curioso, outra coisa que nós não sabemos é a curva da biodiversidade ao longo do tempo. Ou seja, se fizermos um gráfico onde temos o número de espécies conhecidas nesta ordenada e nas abecilhas, cá em baixo, o tempo, sabemos no Câmara que havia menos espécies e hoje já há mais espécies, portanto, de alguma forma houve um crescimento. Mas não sabemos se houve um crescimento muito acelerado no início e depois estamos estáveis, estabilizou e praticamente não há novas adições de número de espécies, se foi relativamente constante, portanto é uma reta e não uma curva, no fundo, ou se o gráfico manteve-se cá embaixo e depois subiu de repente um pouco como os números do crescimento humano. Nem isto nós sabemos com toda a segurança. Sabemos a curva do registro fóssil, não a curva da biodiversidade. Claro, que pode ser bastante diferente. Que pode ser diferente, claro. Eu acho que foi muito próxima a uma reta, mas muito perturbada pelas extensões. Portanto, torna-se quase aqueles gráficos da bolsa, por exemplo, altos e baixos, mas com uma tendência claramente subida. Acho que foi mais ou menos desse género, mas na verdade não sabemos.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. E as extinções é interessante porque a extinção que nós conhecemos melhor, que está mais no domínio público, acho eu, é a extinção. É o evento que extinguiu os dinossauros, mas o maior evento de extinção não foi esse. Foi o do Permacotriássico, há 250 milhes de
Octávio Mateus
anos, que matou muito mais, mas teve uma enorme influência em nós, vertebrados, claro que está, mas não teve a espectacularidade dos dinossauros. Portanto, matou... O que é que queres dizer com a espectacularidade? Não, quando nós temos aqueles vertebrados todos que têm uma afinidade
José Maria Pimentel
com os moscos humanos... Não tinham espécies tão familiares. Exatamente. Foram
Octávio Mateus
espécies primitivas, sobretudo. Exato. Foram os trilobites, por exemplo, que foram nicaladas completamente. E uma série de grupos que nós hoje nem ouvimos falar e portanto passaram à história e não nos são tão familiares. A extinção do KPG, o Cretáceo Paleogénico, que extinguiu os dinossauros há 76 milhões de anos. Essa sim, foi isso que permitiu os nichos abrirem e os mamíferos proliferarem no que são hoje. Isso teve um impacto brutal na nossa existência. O Cermotriássico também, obviamente, mas esta é mais recente, há um impacto mais direto. Sim, mais direto e mais identificável. Ou seja, se os dinossauros não estivessem... Nós não estávamos cá. Curiosamente, E essa é uma história que eu acho absolutamente fantástica e Portugal é importante para dar essa nota. A diversidade de mamíferos no Jurássico era maior que a de dinossauros e isso é fantástico. Pois não fazia diferença. Ou seja, é pouco conhecido. Nós vemos que o Mesozoico era dos répteis e dos dinossauros em particular. Os dinossauros dominavam, de facto, os ecossistemas. Mas, entre os pés dos dinossauros, estavam pequenos mamíferos, não maiores que ratos e ratazanas, e mais ou menos com o mesmo aspecto corporal, mas com uma diversidade biológica interna muito grande. Na verdade, já existiam, além de uma série de grupos já extintos, como os docodontos e os multituberculares, já existiam os monotermados, que são o ornitorrinco, ou melhor, não o ornitorrinco propriamente dito, mas equivalente a esse grupo, os marsupiais e os placentários. Todos mais ou menos com a mesma forma de ratos e ratinhos. Já existia uma série de estratégias de reprodutivas, estratégias alimentares, estratégias da bioquímica do próprio corpo, muito diferentes. Essa biodiversidade escondida explodiu em diversidade real e em tamanhos e ecossistemas com a ascensão dos dinossauros. Aqueles nichos ficaram todos abertos e essa diversidade que já existia ocupou rapidamente todos os nichos. E por isso é que em cerca de 10 milhões de anos, o que é relativamente pouco em termos da história da vida, após a ascensão dos dinossauros, em 10 milhões de anos, já temos mamíferos tão diferentes como baleias, morcegos, cavalos ou primatas em menos de 10 milhões de anos. Quer dizer que, antes disso, todos estes grandes grupos já estavam quase lá e depois foi sobretudo a parte externa que evoluiu e não tanto a parte da biologia interna.
José Maria Pimentel
E eles estavam quase lá? Quase
Octávio Mateus
lá em termos desta morfologia interna.
José Maria Pimentel
Sim, sim, Ou seja, do fundo as principais mutações já tinham ocorrido, não é? A principal evolução já tinha ocorrido. Não, eu estava a tentar encontrar uma causalidade última por trás disso, ou seja, porque é que havia maior diversidade nos mamíferos? Era porque, precisamente porque eles tinham que, de certa forma, contentar com as sobras? É uma simplificação, não é? É uma excelente pergunta, não sei a resposta. Porque é que tínhamos maior diversidade
Octávio Mateus
de mamíferos do que dinossauros? Eu sei que em Portugal, que temos um ótimo registro jurássico, temos mais espécies de mamíferos do que temos de dinossauros. Eu não sei sequer se nós conhecemos o suficiente para dizer que realmente havia muitos mais mamíferos do que dinossauros, porque o registro é sempre muito incompleto. Eu sei que há mais espécies conhecidas, mas isso também lá está o tal viés do registro fóssil. Tudo o que nos leva a entender que já existia realmente essa grande diversidade de mamíferos, mas não sei responder realmente porquê essa diversidade, mas a variação foi existente.
José Maria Pimentel
Eu estava a falar aqui um raciocínio, provavelmente muito primário, mas poderia ter a ver com, ficando o low hanging fruit, o mais apetecível para os dinossauros, depois o que sobra, provavelmente exige um desenvolvimento de características muito especializadas, mas muito diferentes umas das outras.
Octávio Mateus
Exato. Não sei se isto faz sentido. Pode ser. O facto de serem também tamanhos pequenos abre-lhes mais nichos. Exato. Há mais nichos para animais pequenos do que para animais grandes, obviamente. E essa pluralidade de nichos talvez tenha a ver com a pluralidade de espécies, sim. Parece-me um raciocínio completamente plausível e lógico e uma boa linha de investigação. Tanto que, para dar agora uma chega, nós precisamos de mais paleontólogos. Há tantas perguntas para responder e perguntas fabulosas, tantos fósseis para serem estudados em museus e muitos mais ainda no terreno. Nós precisamos de mais paleontólogos. Nós, na Universidade Nova, temos o mestrado em paleontologia, que é o único no país. E quase todos os nossos alunos ou estão empregados ou estão a desenvolver o doutoramento e às vezes precisamos de contratar mais palentólogos e não temos palentólogos para contratar. Pode parecer que dá desemprego, mas os dados mostram exatamente o oposto. Praticamente não temos desemprego na paleontologia. Claro que os valores é que são muito pequenos, quer dizer, vai para a paleontologia uma fração do que vai para a economia ou para a biologia até.
José Maria Pimentel
Sim, mesmo dentro da...
Octávio Mateus
São sempre valores muito baixos, mas a verdade é que com o advento de museus, geoparques, dinoparques, de ciências vivas e esse tipo de iniciativas, a paleontologia tem crescido muitíssimo e por isso este ano, te respondo um bocadinho, a conversa mais para esta parte
José Maria Pimentel
da sociedade,
Octávio Mateus
este ano criamos a Sociedade Portuguesa
José Maria Pimentel
de Paleontologia, da
Octávio Mateus
qual foi, pronto, partecido de uma iniciativa minha, e em menos de dois meses partimos de zero para 130 associados. 130 pessoas no país, que não têm de ser palentólogos, têm de ser interessados em palentologia, 130 pessoas decidiram inscrever-se numa sociedade que queremos que seja vibrante e que, em globo, todos aqueles estejam interessados em palentologia. Não é a sociedade portuguesa de palentólogos, é a sociedade portuguesa de palentologia. Portanto, os ouvintes estão mais que convidados a participar e podem fazê-lo Conseguimos um endereço de uma página que é tão simples quanto palaintologia.pt. E
José Maria Pimentel
o domínio não estava registrado ainda. O domínio não estava
Octávio Mateus
registrado. Www.palaintologia.pt, estava livre, portanto há três meses atrás fiz essa pesquisa naquela de... Não, vai estar ocupado. Não vai dar. Estava livre e reservámos isso para a
José Maria Pimentel
sociedade. Este episódio, levar uma pessoa a escolher paleontologia já cumpriu a sua finalidade. Exatamente, exatamente, perfeito. Acho que me parece ótimo. Olha, voltemos aos dinossauros. Yes, please. Yes, please. Eu apanhei um artigo interessante sobre um paper saído em 2017 que sugeria uma mudança na taxonomia dos dinossauros, que é uma boa maneira se calhar para discutirmos isso. É o paper de
Octávio Mateus
Baron L de Ornitaschielida, seria?
José Maria Pimentel
Deve ser, eu não retivo os nomes, mas é provável. O modelo tradicional que existe, no fundo, tem dois ramos em que tu tens, eu vou tentar explicar isto de maneira que as pessoas que estão a ouvir entendam, mas acho que não é muito difícil. Todos nós conhecemos mais ou menos três tipos de dinossauros, são o Tyrannosaurus Rex, os Percranivus. Os Sauropteropteros. Exatamente, Tu depois vais complementando com os termos técnicos. Os herbívoros grandes de pescoço alto. São os sauróptes. Exatamente. E os ceratópos, dos quais é mais conhecido como triceratópos, que são aqueles que têm um ar mais ou menos de... São os ornitíscos. Ornitíscos, sim. Que parece vagamente um rinoceronte. E normalmente, ao contrário do que seria de esperar, o que eu acharia é que os dois herbívoros estavam juntos, ou seja, os de pescoço alto e os tricerótopos estavam no mesmo lado e depois os trinoceros rex e família estavam do outro lado. Mas o modelo tradicional não era esse, é que tu tinhas os rinocerontes sozinhos e depois mais à frente, ou seja, num ramo separados, mas cuja separação tinha ocorrido mais tarde, entre os saurópses, os de pescoço comprido e os... E os tiróptes, os carnívoros. E os carnívoros, exatamente. Mas este paper depois punha
Octávio Mateus
isso em causa, que eu achei interessante. Exato, e a verdade é que ainda não está bem resolvido, mas vamos lá, aquilo que nós sabemos, há três grandes grupos de dinossauros, os carnívoros, os pteróptes, os sauroptes, um grupo mais amplo, os sauropodomorphos, mas é tudo, herbívoros pescoço e comprido, como o brontossauro, e uma série de outros herbívoros, bípedes e quadrúpedes, que inclui o iguanodon, o stegossauro e o triceratops. Os dois primeiros pensavam-se ter uma série de características em comum, por exemplo, sacos de ar dentro do corpo, que se tornam mais leves e ajudam na respiração, por exemplo.
José Maria Pimentel
Isso entre os carnívoros e os saurópticos.
Octávio Mateus
E isso parecia haver mais características juntavam estes dois grupos. O que este artigo veio dizer é que, afinal, não, há mais características que juntam os ornitíscos e os sauróptos.
José Maria Pimentel
Ou seja, os dois herbívoros. Os dois herbívoros, no novo grupo. Entre os quais provavelmente serem herbívoros, mas isso não chegava até aqui.
Octávio Mateus
Curiosamente o ano passado devia ser carnívoro ou pelo menos hominívoro, curiosamente. Os dentes assim sugerem. A verdade é que nós não sabemos ainda a solução, mas às tantas isso não tem grande influência na forma como fazemos paleontologia, porque uma coisa não mudou. Existem três grandes linhagens de dinossauros, os carnívoros, os herbívoros pescoço-comprido e os outros herbívoros bipes e quadruptes, os
José Maria Pimentel
ornitísquios. Tu falaste deles tinham sacos de ar. Isso é uma evolução espetacular. Nós também temos, não é? Não, não temos, não temos, não.
Octávio Mateus
Não, é uma coisa que... Repara, Se nós temos um ganso ou um cão do mesmo tamanho, qual é que pesa mais? Do mesmo tamanho, do mesmo volume. Um ganso pesa muito menos. Uma ave é muito, muito leve. Ah, curioso. Porque a ave tem enormes sacos de ara. Não são enormes, são numerosos sacos de ar que penetram dentro dos ossos, estão ao lado dos músculos, ficam nos interstícios das vértebras, o que fazem relativamente mais leve em comparação ao seu volume, função número um, está ligado com a respiração e isso é absolutamente essencial. Os nossos pulmões funcionam como um reservatório de ar que inspiramos, enchemos este reservatório, o e-expiramos, expelimos esse ar. Portanto, o fluxo de trocas gasosas é bidirecional. Portanto, as nossas células têm que fazer esse fluxo dos dois lados, o que não é tão eficiente. O que os dinossauros descobriram, inventaram do ponto de vista evolutivo, claro que eles não inventam nada e nem descobrem nada, mas a evolução evolui nesse sentido, é que com esses sacos de ar eles inspiram para dentro de sacos de ar e depois passa pelos pulmões de forma unidirecional e isso faz um sistema circular de fluxo do ar em vez de encher um reservatório e esvaziar um reservatório, que é o nosso sistema de mamíferos. Essa forma circular faz com que a respiração do dinossauro seja muito mais eficiente que a nossa de mamíferos. Quando diz eficiente é com só menos energia. Consegue extrair mais energia com menos oxigênio.
José Maria Pimentel
Consegue consumir,
Octávio Mateus
queimar mais calorias, precisa de menos oxigênio para isso. As trocas gasosas são mais fáceis num pulmão dinossauriano do que num pulmão mamífero. Esta sofisticação de respiração faz com que eles sejam muito mais eficientes em termos respiratórios e permite as aves voarem, o que requer um metabolismo super acelerado que nós não conseguimos fazer. Nós tentamos dar aos braços a velocidade que uma ave o faz e ficamos completamente cansados porque o nosso metabolismo não consegue queimar aquele oxigênio e toda aquela velocidade e um dinossauro
José Maria Pimentel
faz isso. Mas não surgiu para isso, ou seja, depois permitiu voar, mas não surgiu... Não, nós não sabemos para que é que
Octávio Mateus
surgiu. Sabemos que isto aconteceu e tinha essa vantagem, reduzir o peso relativamente ao tamanho, facilitar a respiração, e tinha ainda outra vantagem. Os grandes dinossauros, ou melhor, qualquer volume grande, inclusive um animal grande, tem menos área para o volume, proporcionalmente para aquele volume. Portanto, um animal, um elefante, tem menos superfície corporal relativa do que um ratinho, exatamente mesmo que fosse a mesma forma de um elefante.
José Maria Pimentel
Claro, todo ele é superfície, sabe-se a ver?
Octávio Mateus
Porque o volume cresce de forma geométrica e a área de forma aritmética. Ou seja, tem menos superfície para perder calor. Um animal grande, ao mover-se, cria muito calor e não tem tanta superfície para o perder. Por isso é que nos polos, em ambientes frios, é mais eficiente ser-se grande. Exato. Precisamente por causa disso, porque conserva-se mais calor. Ora, um dinossauro gigantesco não tinha problema em ganhar calor, tinha problema em perder calor e sacos de ar aumentava-lhe também a superfície para perder esse calor. Portanto, este saco de ar é uma inovação evolutiva extraordinária que permitiu perder peso relativamente ao seu volume, facilitar a respiração e facilitar a termorregulação. E voar. E voar. Tornou-se tão eficiente que agora as aves têm uma sofisticação em termos metabólicos que nos dão 10 a 1 nesse
José Maria Pimentel
caso. E o curso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. É engraçado falar disso até por outro motivo, que tem que ver com uma coisa que na altura eu falei com o Paulo Gamamoto num episódio que gravamos e que é um dos aspectos mais interessantes da evolução porque, lá está, a pessoa tende a achar que a evolução é uma espécie de aperfeiçoamento contínuo, mas essa adaptação, não sei como é que se diz em português, a path dependency, ou seja, depende do que aconteceu antes e portanto
Octávio Mateus
se aquela... E do contexto do momento. E do contexto do momento, claro, claro.
José Maria Pimentel
Mas o que eu quero dizer aqui é que nós mamíferos, como nos desviámos do caminho antes disso ter acontecido, já não adquiremos isso. Já não vamos adquirir.
Octávio Mateus
Só se fosse uma convergência muito
José Maria Pimentel
elaborada. Sim, mas já era preciso uma curva muito pronunciada para isso
Octávio Mateus
acontecer. Exatamente, exatamente. Há sofisticações que nós já não conseguimos adquirir. Não é que
José Maria Pimentel
não nos dê esse jeito, não é?
Octávio Mateus
Exato, há, davam um jeitão de arqueálogo.
José Maria Pimentel
Há muitas mutações de distância, não é? Portanto, era muito difícil isso e se calhar já nem dava. Exatamente,
Octávio Mateus
do ponto de vista histórico, eu às vezes comparo como um arquiteto que está a desenhar uma cidade. Depois da cidade já está feita com as ruas e as casas, já é muito difícil voltar a retraçar o caminho das ruas porque era preciso deitar abaixo de casa.
José Maria Pimentel
Ou como restaurar uma casa, não é? Como restaurar, vezes construir... Exato, portanto, uma
Octávio Mateus
vez construído uma cidade, é mais difícil reelaborar o trajeto das ruas ou para uma casa, porque já tem aquela construção histórica em cima. O nosso corpo já tem uma construção histórica em cima, em um legado que às vezes não é possível recuperar. Por isso é que os nossos olhos não são tão eficientes como deviam ser. Exato, sim. Por isso, o nosso nervago, que o Paulo Gama Motta falou sobre isso, vai do nosso cérebro, dá uma volta na aorta e depois vai até a laringe. Então é uma volta desnecessária, sobretudo para quem tem um pescoço gigantesco, como uma girafa ou um saurópodo, que são vários metros de cabo de nervo absolutamente desnecessários. E o sauropodo também tinha isso? Todos os tetrápodos, porque descendem de peixes que tinham o coração encostado aos pulmões e muito próximo do cérebro. Portanto, quando o pescoço aparece naquela história dos tetrápodos, o nervago fica, entre aspas, aprisionado atrás da aorta e portanto tem que dar a volta pela aorta, portanto o cérebro vai ao coração e depois vai à laringe. E isto é válido para todos os tetrápodos porque descendemos de peixes onde isso não acontecia, onde o coração iria alimentar as guelras, o arco branquial que deu origem, o quinto arco branquial, creio eu, que dá origem à nossa laranja.
José Maria Pimentel
Ainda mais incrível, António, do que eu achava, porque significa que está mesmo muito lá para trás e portanto não foi por falta de passagem de tempo, pelo contrário. Não, não, mas vai passar. Precisavas de ir às fundações da casa para usar outra vez a analogia da casa.
Octávio Mateus
Exatamente, era preciso ir às fundações da casa com a
José Maria Pimentel
casa no sítio. Exato, sem deixar a casa cair abaixo. Isso é muito apiado. Há um
Octávio Mateus
legado histórico. Então, o nosso corpo, por exemplo, por causa do facto de sermos bípedes, dificultou o parto.
José Maria Pimentel
Também falei isso com o Paulo, mas foi no primeiro
Octávio Mateus
episódio. E isso é também o nosso legado, porque evoluímos de quadrúpedes, não é? Sim, sim, sim. É esse o problema. Portanto, vamos carregar, pelo menos durante uns quantos milhões de anos, o peso de... O custo de termos se tornados bípedes, enquanto tivemos centenas de milhões de anos que éramos quadrúpedes. Para que nós somos a primeira espécie, desde sempre, de todos os nossos antepassados que evoluíram ser bípedes. E isto em pouquíssimo tempo. Obviamente tem um preço. Tem o preço dos nossos problemas de coluna, dos nossos problemas na própria construção do parto, do ânus, do crânio, etc. As hemorroidas, por exemplo, são problemas associados a uma mudança de posição e a ter muito peso também sobre a parte traseira do nosso corpo. Tudo isso tem implicações gigantescas. Tudo o que nós fazemos, tudo o que acontece na evolução tem um pequeno preço. Sobrevivem aqueles que, apesar disso, conseguem e, apesar disso, têm vantagens. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente. Esse é outro insight interessante disto, é que a evolução subsiste com custos, desde que os custos sejam comportáveis. Mesmo que no limite, Como é o caso do parto.
Octávio Mateus
Exato. E às vezes não é espécie perfeita, é espécie que funciona em 90% dos casos. Se funcionar em 90% dos casos, é ótimo, funciona para a natureza, é bom o suficiente. E por isso dá problemas, por isso nós temos as doenças todas que temos e
José Maria Pimentel
não somos o corpo feito que muito se apregoa. Sim, sim. E há aqui até duas coisas diferentes, porque uma coisa é, por exemplo, uma espécie que tu percebes que por ser recente ainda não se acabou de adaptar àquele ambiente. Outra coisa é isso que nós estamos a falar que é pela lógica incremental das coisas há opções que já não consegues reverter não é sequer possível porque está lá para trás e depende de géneros reguladores provavelmente que não são reversíveis tem muita piada isto a outra pergunta outra dúvida que eu tenho sobre os dinossauros e também tem a ver com várias coisas que tivemos a falar agora provavelmente é a ver com isto com esta questão dos sacos de arca. Como é que os dinossauros, nomeadamente os saurópodos, conseguiam ser tão grandes? Porque eles eram mesmo enormes. Porque tu tens o problema da gravidade, que nós falávamos há bocadinho. Não por acaso a baleia é muito maior do que os animais terrestres,
Octávio Mateus
porque está na água e consegue... Mas eles desenvolveram uma série de... Primeiro, há uma resposta muito simples, porque podiam. Parece ridículo, mas o nível de oxigênio e de oxicarbono e de gravidade e isso tudo podia não permitir. E parece óbvio, mas esta é uma premissa grande. E depois eles desenvolveram, por exemplo, só para dar aqui uma analogia, no carbonifero havia libelas com um metro e meio de envergadura, gigantescas, dos maiores insetos que uma vez existiram. Hoje isso já não era possível. Mas tem a ver com o oxigênio, não é? Exatamente, porque o nível de oxigênio da altura era maior e como os insetos não têm um sistema de respiração centralizado, têm um sistema distribuído por espiráculos ao longo do corpo, ter mais oxigênio permitia entrar mais oxigênio naquelas células todas e permitia que eles terem aquele tamanho gigantesco. Hoje a libela nunca poderia ter... Os insetos, na verdade, não atingem dimensões daquele tamanho. Na altura os dinossauros puderam chegar a esses níveis e a prova que puderam é que chegaram. E com um desenvolvimento de estratégias evolutivas muito curiosas e deixe-me só dizer meia dúzia delas, nem tanto. Primeiro, simplificaram as mãos e os pés numa forma muito semelhante à
José Maria Pimentel
dos cavalos. Os elefantes também,
Octávio Mateus
Mas o cavalo, ou melhor, o cavalo não é tão semelhante à dos elefantes nesse caso, mas comparável. Os cavalos evoluíram para correr, basicamente, um animal todo desenvolvido para correr. Aquela corrida, facilmente, podem partir um dedo, que é morte certa, porque tornam-se presas fáceis. Portanto, durante o decorso evolutivo, o que lhes aconteceu é que simplificaram a mão para correrem diretamente num só dedo. Tem o mesmo número de falange naquele dedo, mas perderam os outros dedos todos. Portanto, eles andam na ponta do dedo médio. Acho que
José Maria Pimentel
há algumas mutações, às vezes, em cavalos que aparecem com 3 dedos.
Octávio Mateus
E Darwin fala sobre isso. Mas, no fundo, eles simplificaram as mãos para conseguirem controlar aquele peso todo e aquele stress físico sobre as mãos e os pés. Os dinossauros saurópticos fizeram o mesmo. Reduziram, neste caso, o número de falanjas e andam diretamente sobre a palma da mão, sobre os metacarpos, que são estes ossos que nós temos alongados na palma da nossa mão, perdendo as falanjas quase todas. Foi uma simplificação diferente dos cavalos, o cavalo reduz os dedos, os dinossaurópticos reduzem as falanjas. A outra estratégia é os sacos de ara gigantescos. A outra é, curiosamente, um cérebro pequeno. Um cérebro grande, à proporção do nosso, tinha de ter um coração gigantesco para conseguir bombear o sangue todo, com oxigênio e tudo que era necessário. Um dinossauro sauropod com 30 metros tinha um crânio com cerca de 40 centímetros e um cérebro mais pequeno que um punho fechado, muito mais pequeno que o nosso, enquanto que o tamanho dele, o tamanho do corpo era várias vezes o nosso, centenas de vezes o nosso, mas isso era uma estratégia evolutiva muito inteligente, porque permitia comer no docelo das árvores, levantando a cabeça sem simplesmente desmaiarem com falta de oxigênio, algo que nós temos esse custo. Nós, às vezes, só por atarmos o sapato e levantarmos demasiado rápido, sentimos um pouco tontos, porque numa fração de segundo, tivemos um pouco menos de oxigênio no nosso cérebro. Aí está também aquilo que falávamos há pouco dos custos dos trade-offs da evolução. Esse tipo de estratégias permitiram os dinossauros saurópticos, e entre outros, atingirem dimensões absolutamente gigantescas, as maiores que alguma vez existiram em animais terrestres.
José Maria Pimentel
Incrível, mas portanto, no caso dos dinossauros não tem a ver com o oxigênio, isso aplica só aos insetos. Isso aplica só aos insetos.
Octávio Mateus
Os níveis eram diferentes, os níveis de oxigênio. Mas a questão, talvez interessante, e não foi referida aqui, é porquê é que eles atingiram estes tamanhos? Qual é que foi
José Maria Pimentel
o motor... Sim, correto.
Octávio Mateus
Não, mas qual é que é o motor evolutivo que fez atingir estes tamanhos gigantescos? Foi a corrida ao armamento, portanto, uma vez mais, os carnívoros cresceram cada vez mais para apanhar mais presas, um moleque maior de presas, as presas tornaram-se cada vez maiores para escapar aos carnívoros e uma corrida armamento que deu estes tamanhos. E aliás,
José Maria Pimentel
com duas, desculpa interromper-te, mas com duas respostas diferentes, porque os saurópticos desenvolveram tamanho e os outros, cujo nome agora me escapa, mas o Triceratops desenvolveram uma espécie de armadura. Não,
Octávio Mateus
mas também desenvolveram tamanhos gigantescos. Mas tens razão no sentido que uns desenvolveram armadura e outros não. Mas o terceiro autópodo também era gigantesco, não tão grande como o sauropodo, mas também gigantesco. A este crescimento, este gigantismo, chama-se a lei de Cope e acontece com muita frequência. Durante períodos estáveis, as linhagens tendem a aumentar, o seu tamanho máximo tende a aumentar, portanto, vimos isso nos cavalos. Os cavalos de há 50 milhões de anos eram o tamanho de gatos e agora têm o tamanho que têm. As baleias estão a aumentar de tamanho, aliás, nunca houve baleias tão grandes como existem atualmente. As espécies, durante ambientes estáveis, tendem a aumentar de tamanho. É mais eficiente do ponto de vista energético. Conseguem escapar aos predadores, requer mais comida, curiosamente, como é óbvio. Pois é que tem que ser um ambiente estável. Em épocas de crise ecológica, os grandes são os primeiros a extinguir isso. E esse é o preço a pagar. Essa é, no fundo, a resposta do sucesso dos dinossauros e do fracasso dos dinossauros, porque atingiram tamanhos tais que, numa crise que foi muito grave, que requeriam tanta comida, tinham um metabolismo tão acelerado, o que lhes dava vantagem relativamente aos outros, por isso foram tão bem sucedidos, mas como não havia comida suficiente, extinguiram-se. Sobreviveram todas as espécies que podiam hibernar ou, pelo menos, ligar o botão standby, entre aspas, não é? Portanto, ficar em isolamento e ficar assim durante meses sem se alimentar, o que muitos lagartos e crocodilos conseguem fazer,
José Maria Pimentel
ou aqueles que... São primos dos dinossauros.
Octávio Mateus
Sim, ou aqueles que apesar de ter um metabolismo acelerado, com pouca comida conseguiam sobreviver, como uma ave pequena, um bassariforme também de um pardal com uma maçã que se mantém, alimenta durante meses. Para um dinossauro grande, uma maçã já ia. Portanto, essa necessidade imensa de comida foi a causa da extinção dos dinossauros em eventos de crise. Uma vez mais, uma comparação que eu gosto de fazer, a economia, que devia ser assim também, portanto, na economia ser pequeno permite respostas muito mais ágeis e menos necessidade na vida alimentares ou na economia de dinheiro, mas como as leis são sempre feitas para os mais poderosos,
José Maria Pimentel
os grandes não... Subverte essa lei.
Octávio Mateus
Subverte, mas as leis de economia e de biologia, nesse caso, deviam se aplicar muito facilmente. Os mais pequenos têm mais facilidade de
José Maria Pimentel
sobrevivência. Isso sim, são mais adaptáveis, de facto.
Octávio Mateus
E não requerem tanta comida, não requerem tanto dinheiro, portanto conseguem sobreviver com menos. E havendo falta de comida no ecossistema, havendo falta de dinheiro no sistema ou de comida no ecossistema, os pequenos conseguem, apesar de tudo, com dificuldades, sobreviver mais do que os grandes. Isto numa economia que fosse diferente.
José Maria Pimentel
Claro que está. Isto provavelmente é uma pergunta estúpida, mas porque é que isso não implicaria antes não um desaparecimento das espécies cujos indivíduos são grandes, mas uma diminuição do número deles? O que também pode
Octávio Mateus
acontecer. O que também pode acontecer, sim. Nós vemos isso em casos, em nanismo insular, isso acontece, ou seja, nas ilhas as espécies tornam-se anãs e já lá vamos a isso. As
José Maria Pimentel
ilhas têm os dois extremos, aliás, não é? Muito grandes e muito
Octávio Mateus
pequenos. Mas, no final do Cretáceco, a crise alimentar foi tão grande que eles não tiveram tempo de se adaptar, portanto, de evoluir, e, portanto, extinguiram-se. Nesse caso do nanismo insular é muito curioso. O que acontece é que os animais de muito grande porte tendem a ficar muito mais pequenos, anões. E os animais pequenos tendem a ficar grandes. Ou seja, dando exemplos concretos, até há 8 milhões de anos, 8 mil anos, quero dizer, existiam nas ilhas mediterrânicas, Sicília, Malta, Creta, etc, elefantes tamanho de São Bernardo. Um pouco maiores que São Bernardo, um metro de altura, o que é fantástico. Adultos, se for falar de adultos. Isso porque aquelas ilhas não tinham comida suficiente para alimentar manadas de grande porte de herbívoros. E muitas manadas, portanto, das duas uma ou se extinguiam ou reduziram o tamanho, o que fizeram. Do outro lado da escala temos uma série de lagartos pequeninos como os lagartos-galeotas nas Canárias, que são aparentados às nossas lagartixas, mas têm 10 vezes o peso de uma lagartixa. São animais que podem ter quase meio metro de comprimento total. Isso Porque o facto de não terem predadores, que as ilhas têm sempre menos predadores, e de tentarem ocupar mais nicho por aquele tamanho, tendem gradualmente a aumentar de tamanho. Portanto, as ilhas têm esse...
José Maria Pimentel
Assim como as tartarugas das Galápagos. As tartarugas
Octávio Mateus
das Galápagos é um excelente exemplo, sim. O
José Maria Pimentel
exemplo do aumento de crescimento é fácil de entender, mas o exemplo da redução do crescimento podia, como estávamos a dizer há bocadinho, ter redundado noutra coisa, que é elas terem desaparecido. Os elefantes, não?
Octávio Mateus
E se calhar alguns desapareceram.
José Maria Pimentel
Para eles não desaparecerem tem que ser, que é relativamente um processo lento?
Octávio Mateus
Ou o input de outras ilhas. Ou seja, possivelmente, em algumas ilhas eles desapareceram, mas como havia ali uma série de ilhas no Mediterrâneo, havia, há uma série de ilhas no Mediterrâneo e havia migração, dispersão de ilhas e para o continente, se calhar havia inputs que permitiam repopular quando houvesse uma extinção. Temos que considerar isso, porque quando a ilha está muito, muito remota, muitas vezes extingue-se. Como o caso dos humanos na ilha da Páscoa. Ah, claro,
José Maria Pimentel
Os deixaram as estátuas. Exato. Nós já falámos várias vezes, ou tu já falaste várias vezes, da relação entre as aves e os dinossauros, que é uma coisa que provavelmente também a maior parte das pessoas não sabe ou não se lembra, não é? As aves que existiam na altura, ou seja, os antepassados das aves atuais, eram parecidos com as aves atuais ou tinham mais um aspeto de dinossauros? Já tinham penas, não é?
Octávio Mateus
Tinham penas, depende das espécies que lá está, mas o Archaeopteryx... Em que grupo
José Maria Pimentel
é que estavam, dos três? Nos carnívoros. Ah, são do grupo dos carnívoros. Sim, dos pterópticos. São primos dos tiranossauros?
Octávio Mateus
Sim, em larga medida, sim. Aliás, o próprio tiranossauro provavelmente tinha penas em partes do corpo e, obviamente, as penas não serviam para voar.
José Maria Pimentel
Era para dar isolamento
Octávio Mateus
térmico. É para isolamento térmico. Literalmente, tinha um casaco de
José Maria Pimentel
penas.
Octávio Mateus
As penas são um excelente isolante térmico e, por isso, as usamos para casacos e, por isso, elas evoluíram. Claro que depois foram reaproveitadas para o voo, para display sexual, para chocar os ovos, etc. Com muitas coisas ao longo da evolução, não é que surgiu um determinado fim? Exato, exato. Esse processo é a exaptação. Exato. Quando aparecem para um fim e depois acabam por ser reaproveitadas para outro. O caso das aves do Jurássico, o Archaeopteryx, por exemplo, que atualmente não sabe bem se é uma ave ou se ainda é um réptor muito próximo às aves, mas ele tem dentes, algo que as aves já não têm, portanto tem um focinho ainda muito dinossauriano e não tinha bico e tinha dente, as aves acabam por perder os dentes e formar um bico, mas tinha asas muito semelhantes às as aves atuais, mas com garras nos braços. Nós conhecemos as aves que têm garras nos pés, mas não nas asas. Mas o Archaeopteryx, sim, tinha garras nas asas. Mas que serviam para quê? Serviam para agarrar, tal como os braços do tirano aos Rex.
José Maria Pimentel
Ah, ok, era uma espécie de braços com garras no extremidade.
Octávio Mateus
Que é o normal, não é? Todos os animais têm, todos os vertebrados têm normalmente garras e dedos funcionais, obviamente todos os tetraptos e aqueles também, mas tinham penas associados. Curiosamente, há uma série de avos atualmente que ainda têm garras nas asas. Hoje em dia estamos a falar de todo o grupo das ratites, que inclui os casuais, os nandusas, as avestruzes, etc. Tem uma unha que não se vê, é vestigial.
José Maria Pimentel
Não serve para nada, mas não faz mal. Exato,
Octávio Mateus
exato. E há uma espécie que se chama o Owatsin, da América do Sul, que em embrião ainda tem garras nas asas, o que lhe permite trepar nos ramos e se cair, vivem em zonas de pântanos, podem ser rapidamente comidas por crocodilos, portanto é-lhes útil manter aquelas garras, pelo menos em estado embrionário. Isso é uma característica primitiva que os arqueoptéricos tinham. As aves têm ainda uma característica muito dinossauriana, que são as escamas. As aves têm escamas nas patas. As patas são muito, muito semelhantes às pegadas que encontramos de dinossauros. Algumas no Lourinhé têm escamas. Tem uma impressão digital com 150 milhões de anos, absolutamente extraordinária e vemos cada uma das escamas individuais. Mas há muito tipo de escamas e aquelas são de aspeto dinossauriano, não são imbricadas como as telhas de um telhado que existem nas escamas de um peixe, de um lagarto ou mesmo de um gorgodil. São escamas lado a lado, como as escamas de uma pata de uma galinha. Aliás, nós olharmos para uma pata de uma galinha e ampliarmos, as camas aumentam de tamanho, mas o padrão é tal igual àquele que encontramos em pegadas de dinossauro com 150 milhões de anos. Mais uma evidência da origem dinossauriana das aves. Muito curioso isso. O que nos levanta aqui uma questão da própria taxonomia. Quando Linneu faz aquela classificação das espécies, Ele cria cinco classes de vertebrados. E atenção, Linneu não conhecia a evolução. Foi não, foi antes. Não tinha sido postulada sequer. Portanto, não podemos dizer que ela era fixista, no sentido que não acreditava na evolução. Não, não tinha sido postulada. Sim. Algo menos descoberto o mecanismo certo. E ele classifica as espécies como se fossem em gavetas. As gavetas estão em estantes, estantes que estão no armário, o armário que está no quarto e o quarto está numa casa. As espécies ou estão numa gaveta ou estão na outra. Não podem estar em duas. E esses compartimentos simplificaram e pareciam lógicos, mas a verdade é que a evolução não ocorreu assim. Ocorreu como se fosse numa árvore. E o que nós agora descobrimos é que o ramo das aves está, na verdade, naquele ramo ainda maior dos répteis. Portanto, a classe das aves é, na verdade, a que está dentro da classe dos répteis, o que faz com que estes títulos lineanos de filo, classe, ordem, família e isso tudo deixam de fazer sentido se começarmos a olhar para este tipo de... Se tentarmos classificar as aves, por exemplo, uma classe não pode ser. E o mais simples é abolirmos completamente este tipo de categorias lineanas, de filos, classe, etc. E começarmos a olhar para a classificação das espécies como uma árvore. Pode saltar um nível no fundo, não é? Ou seja, não tens que
José Maria Pimentel
ter umas dentro das
Octávio Mateus
outras. Exato, exato. E ainda usando a analogia da árvore, a espécie sendo uma folha, pode estar na base do tronco e portanto não tem divisão nenhuma.
José Maria Pimentel
Isso, exatamente. Ou lá depois no topo
Octávio Mateus
do céu da árvore após um milhar de ramificações. E não vamos usar o mesmo número de categorias para uma folha que esteja cá embaixo ou uma folha que esteja lá em cima. Infelizmente ainda se ensina em Portugal uma classificação lineana que não prevê a evolução e não atualiza isto, o que é gravíssimo na minha opinião. Nós temos que alterar o que se ensina nas escolas para não ensinarmos... Podemos ensinar isto do ponto de vista histórico, do ponto de vista da etimologia, da história da ciência, mas não como classificamos as espécies. As espécies já não podem ser classificadas assim. Claro que todos os meus colegas biólogos não tratam de taxonomia de grandes grupos, vão dizer, sim, sim, mas nós usamos... Pois claro, mas quando começamos a pensar nos grandes grupos, onde é que eles se encaixam, estas categorias lineanas deixam de fazer sentido. Ou
José Maria Pimentel
seja, elas funcionam a uma escala mais pequena, não é? Com o zoom, não é? Exato, com o zoom in. Mas depois fazes o zoom out e aquilo já... Já perdemos aquilo. A contradição. Exato. E sim, tem um paralelo interessante disso, que há várias áreas em que tu tens, até na física, não é? A física neotoneana, por exemplo, funciona, mas calma, mas depois a escala do universo já deixa de funcionar. É muito interessante isso. Olha, a conversa já vai longa. Correto. Vou tentar fechar aqui várias coisas que tinha deixado abertas e que fomos discutindo. As aves, pela relação que têm com os dinossauros, permitem ao mesmo tempo também, ou permitem provavelmente, com algum grau de conjetura, complementar o histórico de
Octávio Mateus
fósseis que existem, no fundo, a evidência fóssil que existe. Exato, chama-se isso um parênteses filogenético, um phylogenetical bracket, em que nos permite dizer uma série de coisas sobre dinossauros mesmo sem dinossauros mesozoicos, portanto não as aves, mesmo não tendo essa informação. Ou seja, os primos dos dinossauros, entre aspas, o parênteses próximo atual dos dinossauros são os crocodilos e os descendentes são as aves. Tudo o que for válido para um crocodilo e uma ave é quase certeza válido para um dinossauro. Porque eles evoluíram neste parênteses filogenético, neste parênteses evolutivo, em que um dos parênteses é o crocodilo, o outro parênteses é a ave. Isto não prova, mas dá-nos uma série de premissas que nos permitem pelo menos especular algumas situações. Com um grau de confiança grande. Isso porque, dentro daquele parênteses, não vai haver tantas transformações assim que tem que ocorrer uma só vez, que é dentro daquele parênteses evolutivo, que transformem os dinossauros completamente. Para onde é que podemos utilizar este tipo de analogias? Os dinossauros tinham o coração de quatro câmaras ou de duas, como a maioria dos répteis? As aves e os crocodilos têm de quatro. Portanto, mais provável é que os dinossauros também tivessem de quatro câmaras. Como é que eram os rugidos dos dinossauros? Uma pergunta muito badalada, não é? Porque o cinema quer ter o rugido de um dinossauro, não é? Os crocodilos fazem rugidos? Não. As aves fazem rugidos? Também não. Os dinossauros com a certeza não fazem rugidos. Na verdade, os crocodilos silvam, as crias às vezes fazem uma espécie de um piar para chamar a mãe e as aves piam, sabemos isso. É mais provável que um dinossauro como o Tyrannosaurus rex
José Maria Pimentel
piasse, rugisse no filme do
Octávio Mateus
Jurassic Park. O que eles fizeram foi misturar três sons. A ver se me lembro. Acho que era o rugido de um leão, o barir de um elefante e o motor de um Ferrari. Sou capaz de estar errado, mas acho que foi mais ou menos isto. E misturaram, numa mesma mistura, misturaram esses sons e fizeram aqueles rugidos do filme, que quase certeza que estão errados. E nós sabemos isso por este parênteses filogenético e comparando sempre os crocodilos e as aves. Portanto, sim, as aves dão-nos uma janela para compreender como é que eram os dinossauros 9 anos, os dinossauros do Mesozoico. Sim, porque a evidência fóssil... Para o regido é nula, é quase nula. Para o regido,
José Maria Pimentel
evidentemente, é nula e mesmo para muitas outras coisas é limitado, porque tu tens o exterior do animal. Exato, deixa-me dizer sobre isso, como é que nós conseguimos extrair a informação? 99, 9%
Octávio Mateus
da informação, diz-se por alto, obviamente não me diga, mas é extraída a partir dos ossos. Começa logo por onde é que aparece aquele dinossauro, dá a geografia e o ambiente onde eles aparecem, não é? Mas, pois, os ossos dão-nos a forma, o aspecto geral do corpo, o peso, a altura, o comprimento, etc. Serão carnívoros, serão herbívoros, também pelo tipo de dentes, que isso torna-se relativamente fácil de identificar. Depois, quando temos partes moles, então já temos o aspecto externo do animal ou podemos ter parte do intestino, que eu saiba existe um dinossauro bem preservado com parte do intestino, que é o Shipionyx, Podemos já dizer um pouco mais sobre o tipo de alimentação, por exemplo. Se temos pegadas, podemos ver como é que é o aspecto do pé, algo que não conseguimos ver a partir dos ossos apenas porque há muito tecido mol, há muitas almofadas do pé, um pouco semelhante às almofadas de um pé de um cão, que só conseguimos perceber quando temos uma pegada. Se temos duas pegadas, podemos ver o tamanho da passada e podemos ver, por exemplo, que eles não saltavam como um canguru, davam passos como nós fazemos, não é? Se temos um trilho em contínuo, podemos medir essas distâncias e o tamanho do pé e podemos saber a velocidade de um dinossauro. O que é espetacular, passado milhões e milhões de anos, sabemos que aquele dinossauro andou precisamente àquela velocidade, ou pelo menos muito aproximada à velocidade que se estima pelos cálculos que se pode fazer com aquele trilho. E se temos vários trilhos a interagir, podemos perceber como é que era o tipo de interação entre animais, se eles fugiam, se eles lutavam, etc. Outro tipo de evidências são os ovos, porque permite perceber como é que eles cresciam, como é que eles se reproduziam, tudo que seja ligado à reprodução, tudo, se ao seja, mas muito ligado à reprodução e depois os exótipos conseguimos ver por onde é que eles andaram, porque às vezes temos exótipos de traço que nos dizem se estavam mais próximos do mar ou mais próximos de uma montanha, se tinham uma temperatura mais alta ou uma temperatura mais baixa, portanto, dão uma série de outras coisas biológicas, portanto, vamos buscar esta informação toda, ossos, dentes, ovos, pegadas e isótopos. Eu acho que uma interrogação que subsiste é se eles eram de sangue quente ou sangue
José Maria Pimentel
frio, não é? Sim, sim, e a resposta é... O que é que o bracketing diz? A comparação com os répteis é contraditória.
Octávio Mateus
Tu és um aluno espetacular. Mas, exatamente, pelo bracketing, pelo parênteses filogenético, os crocodilos são de sangue frio e as aves são sanguentas. E realmente os dinossauros se calhar também tinham esta variedade. Os dinossauros mais primitivos do Triásico, pelo menos alguns com a certeza que eram de sangue frio, mas os Teroptes, os carnívoros, já tinham uma série de acumulações filogenéticas, de adaptações, que já estavam a aproximar-se o metabolismo acelerado, portanto, de sangue quente. Qual é a vantagem do sangue quente? O sangue quente é uma vantagem fenomenal, é que nós não estamos dependente do ambiente externo para a nossa atividade. Um lagarto fica absolutamente inerte e letárgico com temperaturas muito baixas, por isso não existem lagartos nos polos ou ambientes árticos. E enquanto um mamífero, como consegue fazer a sua própria temperatura, consegue estar ativo mesmo quando está frio. Isso permite a um animal de metabolismo mais acelerado, leia-se sanguiente, estar ativo durante a noite, estar ativo nos polos, estar ativo quando os outros não estão. Mas tem um preço. É a comida. Nós transformamos comida em calor. A maioria da nossa comida é transformada em calor. Um crocodilo não tem que fazer isso. Um crocodilo, um dragão de komodo, que são répteis enormes, se comerem um veado, só precisam de se alimentar meio ano depois. Nós, se conseguíssemos comer um veado, não conseguimos, não é? Se conseguíssemos comer um veado, ficávamos empanturrados, mas passado dois dias já dizíamos, já comi qualquer coisa. Não era? Portanto... Tem muita piada isso. Porque nós gastamos muita da nossa energia nesta temperatura.
José Maria Pimentel
Por isso é que esses animais ficam tanto tempo sem comer, muitas
Octávio Mateus
vezes. Exato, exato. Eu tenho uma tartaruga que às vezes só precisa alimentar uma vez por semana. Ela também tem muito espaço para se alimentar, mas se eu não alimentar durante um mês, eu deduzo que ela sobreviveria sem grandes problemas. Se eu deixar de alimentar um hamster durante três dias, ele morre, como é óbvio, porque tem um metabolismo muito mais acelerado. É o preço desta vantagem e, uma vez mais, o metabolismo acelerado, leia-se uma vez mais, sanguente, deu essa vantagem aos dinossauros, fez com que em competição eles suplantavam qualquer outro porque eram super ativos, eles eram animais que cresciam rápido, morriam rápido, mas viviam rápido, nasciam mais rápido que os outros, com mais ovos, portanto eles suplantaram os répteis com quem competiam, claramente, mas precisavam tanto de alimento que se distinguiram. Mas há um aspecto curioso na questão dessa pergunta qual é que é a utilidade do sangue quente. É que, porventura, não evoluiu como sendo uma vantagem, ou necessariamente como uma finalidade. Foi um subproduto do grande crescimento. Foi por arrasto. Foi um subproduto. Naquela corrida, normalmente, que já falámos, em que eles cresciam tanto, tanto, tanto, para crescer é preciso muitas trocas gasosas, muito a acontecer nas próprias células, muitas células a dividirem-se e isso cria calor. Inevitavelmente, é isso que cria calor, na verdade. Portanto, esse calor foi um subproduto, porventura, desse crescimento rápido, que lhes também trouxe vantagem porque permitiram utilizar esse calor para essas vantagens todas de estar mais ativos nos polos ou à noite ou em qualquer outra situação fria. É curioso também pensarmos que a função principal pode não ter sido o metabolismo, pode ter sido o arraste por um crescimento mais acelerado. Sim, é muito engraçado isso.
José Maria Pimentel
Qual é a principal interrogação que tu tens? Se pudesse usar a lâmpada mágica para esclarecer um mistério que não consegues, nem com fósseis, nem com os parênteses. Porventura, o registro
Octávio Mateus
fóssil, a especiação e a curva da biodiversidade. Então está tudo mais ou menos relacionado. Nós não sabemos quanto tempo vive uma espécie, não sabemos quantas espécies existiram. Quanto tempo dura. Quanto tempo dura cada espécie, não é cada indivíduo, mas quanto tempo é que vive em média cada espécie, até se poder considerar outra? O que entra logo por outra questão, o que é uma espécie? Mas quanto é que vive em média um género? E isso mudou ao longo do tempo? Muda de espécie, ou de grupo para grupo? E se sabemos que sim, o que muda? E se têm implicações, quantas espécies existiam a cada momento? Qual é que é a curva da biodiversidade? Qual é que é a qualidade do nosso registro fóssil? Tudo isto são perguntas a qual ainda não temos resposta. Temos assim uns lameires, ou seja,
José Maria Pimentel
com algumas pistas. Desculpa, quando tu dizes quanto tempo dura cada espécie ou cada género, isso também é uma convenção, não é? Porque a transição de um para o outro depende de critérios. Correto,
Octávio Mateus
Mas a espécie, se usarmos o critério, uma definição, quero dizer, de uma espécie de um grupo de indivíduos que se reproduzem entre si e pode ter descendentes férteis, aí já temos alguma definição um pouco melhor. Claro que nós não conseguimos reproduzir com uma pessoa que viveu há mil anos atrás, pela própria questão da física do tempo, não é? Mas éramos claramente a espécie dessa pessoa de há mil anos atrás. E há 5 mil anos. Seríamos a mesma espécie, nós humanos, da mesma espécie de há 5 mil anos? Em princípio, sim. E dá 10 mil. Ou dá 20 mil. Há de haver um momento em que a espécie já não se consegue reproduzir uma com a outra. Eu acho que, usando uma vez mais as analogias, um bom exemplo é capaz de ser as línguas. Nós entendemos muito bem com os galegos. Ou se quisermos ainda melhor, eu compreendo 99.9% do que os meus irmãos dizem porque vivemos em conjunto, portanto, excepto se ele tiver uma palavra que eu não conheça. Mas se calhar um pouco menos do que alguém que seja um vizinho que conhece uma série de palavras ou uma série de conceitos que eu não conheço e já tem menos afinidade. Com alguém que vive nos Açores, porventura, eles ainda têm, ou no Brasil, ainda têm menos palavras ou mais palavras que não são comuns, ou uma gramática ligeiramente diferente, ou expressões diferentes. E assim, a mesma coisa para os nossos colegas gregos, espanhóis, etc. As espécies e as línguas vão se afastando e enquanto que há pessoas que percebem bem o espanhol, há outras que percebem menos o espanhol. Ou seja, há indivíduos que conseguiam ainda reproduzir-se com o ano passado e outros que já não se conseguiam reproduzir com o ano passado. Portanto, é um gradiente de afastamento no tempo e no espaço que é válido para as espécies e é válido para as línguas. Mas, neste caso, as línguas é muito interessante porque permite-nos mais ou menos visualizar como é que porventura seriam as espécies e a questão é que nós não sabemos, até não conseguimos separar o que é uma língua, o que é um dialeto. Mas quando tu dizes, desculpa, quando tu dizes, quando não sabes quanto tempo é
José Maria Pimentel
que dura, é dura no sentido de ou se extinguir?
Octávio Mateus
Quantos milhões de anos existiram aqueles animais com aquela morfologia que tinham descendentes férteis entre si? Antes deles se ramificarem ou se extinguirem? Antes deles se ramificarem em duas diferentes. Quando se extinguiram é algo que pode-se medir, é fácil. E aí é um evento exógeno de qualquer forma. Exato, mas se há um desenvolvimento de uma espécie A que se transforma na espécie B, que se transforma na espécie C e essa C porventura ramifica em D, E, F, isso tudo, quanto tempo é que exige cada uma destas espécies? Isto é importante para preencher as lacunas da árvore da vida e as lacunas do número de espécies a um determinado momento. Se queremos saber a curva da biodiversidade, às vezes só temos um ponto, mas temos que extrapolar esse ponto viveu durante quanto tempo e não sabemos fazer. Simplesmente não sabemos se as espécies viviam em média meio milhão de anos, 10 mil anos, um
José Maria Pimentel
milhão de anos, não sabemos. O que é impressionante. Sim, sim, sim. Sabe que a pergunta que eu estava a fazer há bocado, acabaste por dar uma ótima resposta, mas a pergunta que eu estava a pensar era sobre os dinossauros, não sobre a vida em geral. Ou seja, qual é a tua maior interrogação em relação aos dinossauros?
Octávio Mateus
Não, mas continua a ser essa. Ah, ok. Continua a ser essa, portanto está muito ligada. Ah, ok, estou a esquecer. Estou a esquecer. Está muito ligada. Mas há uma outra resposta que está um pouco ligada. Qual é que seria o meu dinossauro favorito ou aquilo que eu gostaria de saber? E a resposta é aquilo que eu não estou à espera. Aquilo que eu quero saber é aquilo que eu não estou à espera. No sentido que, se é algo que eu já estou à espera, mesmo que nós não saibamos, não é? Já colocas hipóteses, não é, Jé? Sabemos que, mais cedo ou mais tarde, teve de haver um ano passado para aquele dinossauro que já conhecemos. Mas se aparecer um dinossauro completamente inesperado, isso é o que eu quero saber. Eu quero aprender aquilo que nem sequer imagino que existe. É como
José Maria Pimentel
aquela distinção entre os known unknowns e os unknown unknowns. Tu queres dizer os segundos. Exato. Olha que nós temos estado a falar dos dinossauros e ainda não falámos de uma das coisas que captam mais a atenção das pessoas que é o momento da extinção, o evento da extinção. Correto, abordámos ligeiramente. Abordámos ligeiramente quando passámos pelos dinossauros. Desde logo essa descoberta é um marco interessante porque é resultado de um trabalho interdisciplinar que é interessante entre pai e filho.
Octávio Mateus
É muito interessante essa do Walter Alvarez. Ele era biólogo
José Maria Pimentel
e o pai era físico, se eu não me engano. Isso, ele era geólogo, eu geofísico.
Octávio Mateus
Há 166 milhões de anos acontecem dois acontecimentos brutais, catástrofes, que alteram para sempre o nosso planeta e ocorreram ao mesmo tempo e tem embaralhado os cientistas para ver qual é que é a causa principal, mas eles ocorreram ambos. Foi o impacto de um meteorito gigante, estamos a falar de 10 quilómetros de largura do tamanho do Evareste, que caiu na bacia do Yucatán, no México, e outro, um mega-volcão, onde é hoje andia, estamos a falar de um volcão absolutamente gigantesco, não como estes volcõezinhos que existem em Las Palmas ou na Islândia, com todo o respeito. O tamanho daquele vulcão continuasse a ser gigantesco, obviamente, mas estamos a falar de uma província vulcânica, todo o norte dandia são basaltos os resultados da lava desse vulcão. Andia é um subcontinente. Na verdade, quase um terço dandia é basalte dessa atividade volcânica. E uma atividade volcânica que durou um terço de milhão de anos a explir lava e cinzas. Obviamente, isso teve impacto no ecossistema. Esta atividade estava em plena ação, esta atividade volcânica, quando o meteorito cai, agravando a situação já frágil do ecossistema. Portanto, houve o equivalente a um inverno nuclear, o céu ficou coberto de poeiras, o impacto do meteorito criou incêndios pelo planeta todo, as plantas deixaram de fazer fotossíntese, a química nos oceanos alterou-se completamente. Portanto, toda a gente foi afetada, todas as espécies foram afetadas, algumas sobreviveram e outras não. Aqueles que requeriam muito alimento, como os dinossauros, foram logo os primeiros e não conseguiram sobreviver. O que é curioso é que como isso acontece, os dois acontecimentos ao mesmo tempo, e sabemos que ambos aconteceram, não?
José Maria Pimentel
E sabemos que o vulcão precede o
Octávio Mateus
outro. E sabemos que o vulcão precede o impacto. O impacto ocorre entre o início das primeiras evidências de erupção e o final, as últimas evidências de erupção. O que se torna difícil e nos tem baralhado é qual é que é a causa principal.
José Maria Pimentel
O que é que teria acontecido se tivesse havido só
Octávio Mateus
um destes? Só um destes. A maioria dos colegas talvez tenha sido mais para o impacto do meteorito. Eu gosto muito da explicação volcânica, mas um não retira o outro. Portanto, ambos aconteceram. É apenas qual é que foi a principal. Por que favorece o impacto do vulcão? Porque há coisas que não consigo explicar com o impacto do meteorito. O meteorito, para já, houve um declínio da fauna antes do impacto. Portanto, no final do Cretáceo já havia um declínio de fauna, muito acentuado. É antes do impacto, mas já depois do vulcão. Exatamente. Nos últimos momentos, no último meio milhão de anos, já havia um declínio, um terço de milhão de anos, na verdade, já havia um declínio grande da fauna, que com a certeza que estava ligada ao vulcão. E há algumas coisas que eu ainda não percebo, não sei explicar. Nós temos um meteorito que caiu no que é hoje a Bacia do Iocatão, em pleno oceano, não muito profundo, mas oceano, no México, que criou tsunamis absolutamente gigantescos em modelo que atingiram todo o Atlântico e, porventura, com ondas suficientes e com efeito chicote que as próprias ondas criam, que atingiram todo o planeta mesmo estando do lado oposto. Isto é o que o modelo mostra, mas não é o que as rochas mostram. E nós podemos pôr o modelo todo que quisermos no computador, o que manda são os dados que encontramos no terreno. Isso é mais difícil, enganar os dados que encontramos no terreno do que o computador. Ora, os dados no terreno não mostram esse tsunami na Europa e em África. Encontramos perto da América do Norte, e evidências muito evidentes de um tsunami, mas não tão grande quanto aquilo que era expectável. Estamos a falar de um tsunami... Só a Cartera deve ter feito uma elevação de 2 ou 3 mil metros, só a cratera. Portanto, as ondas têm de ser centenas de metros, mas não vemos isso nas rochas e devíamos ver, porque o registro da sedimentação está muito relacionado com a velocidade da água que transporta os sedimentos, porque quanto mais energia, blocos maiores, blocos tamanho de uma casa, se fosse um tsunami. E apenas areias e lodos, se for água, muito calma. E o que nós vemos é muito mais areias e lodos, não vemos blocos tamanhos de casa ser transportados por tsunamis na Europa e em África, que está do outro lado oposto, em linha reta, à zona de impacto. E eu não percebo, portanto, essa parte ainda se está por compreender. Ah, e além disso, há uma correlação muito, muito óbvia entre vulcanismo e extinções. A primeira grande extinção, que nós já falámos, do permotriásico, há 250 milhões de anos, coincide com a maior atividade volcânica de sempre, o chamado Siberian Traps, os traps da Sibéria. A segunda maior atividade volcânica está ligada à segunda maior extinção de sempre, que extinguiu os dinossauros. A terceira maior atividade volcânica está relacionada com a terceira maior extinção, ou uma das... Um candidato à terceira. A terceira está ali em pé de igualdade com outras quantas, mas no final do Triásico, tem a ver com a abertura do Atlântico e todos os vulcões relacionados com a abertura do Atlântico. Portanto, se fizermos um gráfico onde colocamos extinção em massa com grandes atividades volcânicas, há uma linha reta e uma correlação muito óbvia. Logo, nós sabemos que a atividade volcânica extingue e extingue com muita frequência e tem grande capacidade de extinções em massa. Ao mesmo tempo aparece o meteorito. Qual é que é o causador principal? Não
José Maria Pimentel
sabemos. E tens um contrafactual para o meteorito, ou seja, outras crateras igualmente grandes meteoritos que, por exemplo, não tenham causado extinções em massa? Temos e eu não sei suficiente sobre essas critérios para poder dar
Octávio Mateus
uma resposta cabal, mas não é suficientemente claro para dar uma resposta.
José Maria Pimentel
Claro, pois, evidente, senão não estávamos a falar disto. Exatamente. Olha, última pergunta antes de passarmos ao livro. Uma coisa que deixámos lá muito no início da conversa, que era a questão do DNA e depois falámos da questão de haver tecidos moles, já falámos disso várias vezes, dinossauros preservados. Onde é que tu colocarias a probabilidade de se encontrarem, se virem a encontrar, já percebemos que nunca a sequência completa, mas fragmentos de DNA de dinossauros. Para dinossauros mesozoicos, seriam
Octávio Mateus
fósseis o mais recente possível, com 66 milhões de anos. Mesmo no final. Portanto, quanto menos tempo passar, menos probabilidade de acontecer. E nós temos fósseis absolutamente extraordinários na China, nos Estados Unidos, da cidade, em que têm sido recolhidas moléculas. Portanto, se tivesse a apostar, sim, em alguns desses fósseis preservados em lagos anaeróbicos, onde houve muito pouca transformação, registros sedimentares muito peculiares, muito calmos, mas pois que aquelas rochas não tivessem estado a grandes profundidades, porquanto mais fundo, mais quente e, portanto, não queimaria essas moléculas. Portanto, tinha que estar a estudar muita geologia para perceber qual é que era o ambiente ideal para preservar aquelas moléculas, pois se calhar ia lá e não havia um único fóssil.
José Maria Pimentel
Coloca ainda mais uma restrição naquele leque de restrições
Octávio Mateus
que tu deste no início. Não é uma resposta muito fácil, mas a solução estaria por aí. Era uma geologia que fosse o mais calma possível, que não afundasse muito em termos de tectónica, para não ter demasiado calor, para não cozer completamente aquelas moléculas, para conseguirmos preservar alguma coisa. E ainda assim eu teria muita dificuldade em acreditar que conseguíamos DNA completo, mas fragmentos sim. Fragmentos eu acho que vamos descobrir mais cedo ou mais tarde. Aliás, há artigos que sugerem que já se recolheu de tiranossauros Rex.
José Maria Pimentel
Exato, eu apanhei isso.
Octávio Mateus
Exato, da Mary Schweitzer, que sugere isso. E possivelmente ela tem razão, não estou a dizer que não, mas é tão difícil controlar o laboratório de modo que não haja nenhuma contaminação, porque quando tiramos o DNA de um osso, só o próprio osso, que está próximo da superfície durante milhões de anos, pelo menos milhares de anos, será que alguma bactéria, algum microorganismo conseguiu penetrar lá e deixar um vestígio de DNA? Claro. O que nós vamos ter é só vestígios, nunca vamos dizer que aquilo é de bactéria ou que é de anossauro, atenção. A contaminação não é num laboratório apenas, é a contaminação do próprio osso no terreno, pode ser grande. E, portanto, ela recebeu muitas críticas. Eu acho que ela é uma excelente investigadora e pode ser que ela tenha razão, mas é muito difícil calibrar e verificar. Mas, mais cedo ou mais tarde, vamos descobrir.
José Maria Pimentel
Não tenho grandes dúvidas. É que eu estava aqui a ver, a pesquisar agora, o material genético mais antigo que existe é de um mamute com 1.2 milhões de anos. O que não é nada. Não
Octávio Mateus
é nada. Não é nada, só o sejo. Mas diabos, dinossauros têm 66. Pois, exatamente. E são os mais recentes de todos. Exato. Tirando os passos. Exato, exato. Olha, finalmente chegamos ao livro. Muito bem. Há um livro escrito por um colega meu que se chama Steve Brusset, que se chama Ascensão e Queda dos Dinossauros. Gosto particularmente por várias razões. Acho piada porque as nossas descobertas aparecem relatadas nesse livro, não é razão porque eu acho que o livro é excelente, porque está muito bem escrito, mas ele conta a história, um dos capítulos tem a ver com a ascensão dos dinossauros durante o Triásico e relata as descobertas que fazemos no Triásico do Algarve, no Conceito de Loulé, em que descobrimos o Metopossauros algarvensis, uma salamandra de tamanho de uma pessoa, dois metros de comprimento, precisamente numa altura em que os dinossauros competiam com outros seres, inclusivamente com estas salamandras, pela predominância. Pois no final do triássico é que eles realmente dominaram completamente. Portanto, o que o Steve Brussett faz neste capítulo e em todos os outros é contar uma história de vida da experiência dele, um bocado da história da ciência, com uma questão científica por trás, neste caso é a competição com outras espécies e porque é que os dinossauros levaram a melhor e as outras espécies não, escrito de forma absolutamente brilhante. Há muito tempo que eu não lia um livro de ciência, um livro sério, divulgação científica, mas um livro de ciência, em que nos prende como se fosse uma novela. Não conseguimos parar de ler aquele livro, com histórias muito interessantes, tanto pessoais como da história da ciência, sempre ligadas ao conhecimento dos dinossauros e à prática da paleontologia. Muito bem feito, Extinção e Queda dos Dinossauros, por Steve Brusset. Eu já tinha apanhado o livro, já o
José Maria Pimentel
tinha na lista, mas agora com esta
Octávio Mateus
recomendação vou movê-lo uns degraus para cima. Sim, sim. Se não fosse esse, eu ia a um livro muito mais antigo, 1859, Origem das Espécies. Continua a ser um livro, bem sabemos, é talvez o livro mais influente de sempre, com exceção dos livros religiosos, claro que está, pelo menos dois livros religiosos, mas como livro científico é talvez o livro mais influente sempre, Origem das Espécies, muito bem escrito e que mostra uma capacidade de raciocínio e uma genialidade. Sim, é extraordinário. Quem nos dera a nós ter uma fração
José Maria Pimentel
dessa genialidade, esse vale a pena ler. Eu ouvi-te a falar do livro, estava-me a lembrar, eu tenho uma amiga que é uma personagem e ela... Há um site, não sei se tu usas, que é o Goodreads. Uma aplicação também. É uma espécie de rede social de livros, mas aquilo funciona muito mais como uma maneira de tu teres, pelo menos para mim, teres os livros que leste guardados e podes classificá-los e tirar notas, podes fazer um monte de coisas. Mas também é uma rede social, portanto tu vês os livros das pessoas e ela tinha, há pouco, dois ou três livros e um deles era a origem das espécies. E eu pensei, coisa bizarra. Pronto, tudo bem, porque não é um livro contemporâneo, né? Certo, certo. Mas é um bocadinho estranho. E depois dava quatro estrelas em cinco. E eu pensei, quer dizer, se tu vais por a origem das espécies, ao menos
Octávio Mateus
cinco estrelas. Não, o livro, eu compreendo, porque o livro tem algumas partes. O Steve Brussett, eu diria que prende mais do que
José Maria Pimentel
hoje as espécies. Sim, claro, claro. Mas, caramba, é fundacional.
Octávio Mateus
Claro, obviamente, obviamente. Portanto, aquele capítulo sobre os pombos, tenho que admitir que às vezes também custa um bocadinho a ler, mas é um bocado o simbolismo do livro, a importância do livro é brutal. Isso é um 6 em 5, ou
José Maria Pimentel
um 10 em 5. Como aqueles hotéis de 7 estrelas. Olha, Otávio, grande conversa. Muito obrigado. Foi um excelente episódio. E obrigado pela tua paciência.
Octávio Mateus
Não, era essa. Mais duas horas.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Miguel Van Uden, José Luís Malaquias, João Ribeiro, Francisco Hermes Gildo, Família Galeró, Nuno e Ana, Nuno Costa, Salvador Cunha, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins, Tiago Leite e Abília Silva. Www.opusdei.pt