#106 Catarina Vieira de Castro - Lobos, cães, métodos de treino e experiências com bebés

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Como prometido, trago-vos o segundo episódio que gravei sobre cães, desta vez mais focado na visão da ciência e em diferentes métodos de treino. Uma vez que me esqueci de o fazer no episódio do Lído, queria aqui agradecer ao ouvinte Miguel Martins, que em boa hora me recomendou o nome do José Homem de Melo para o podcast, que foi o convidado do episódio 104. Aproveito, aliás, para agradecer também as sugestões que vários ouvintes me vão enviando. Não posso prometer que todas se concretizem em convites, mas já sabem que são muito bem vindas, até porque o país e o mundo estão cheios de convidados interessantes que eu ainda desconheço. Mas voltemos ao episódio de hoje. A convidada, Catarina Vieira de Castro, é bióloga de formação e é atualmente investigadora no I3S da Universidade do Porto, onde se dedica sobretudo à investigação sobre bem-estar e comportamento canino. No seu projeto de pós-doutoramento, cujas conclusões discutimos no episódio, a convidada investigou os efeitos de vários métodos de treino no bem-estar dos cães de companhia e na sua relação com o dorno. Esta investigação chegou a várias conclusões interessantes que despertaram grande interesse na comunidade científica e tiveram destaque em vários médias internacionais. Para além de investigadora, a Catarina é também ela própria treinadora de cães, com formação na área. Por isso, esta dupla condição de investigadora e de treinadora dá-lhe uma perspetiva invulgarmente robusta e retira-lhe, se calhar, alguns dos viesses que cada um dos dois campos têm inevitavelmente sobre o assunto. A nossa conversa começou por tentar perceber Como é que aconteceu a domesticação do cão a partir do lobo? É que o cão foi, por larga margem, o primeiro animal a ser domesticado pelos humanos. Não se tem ainda a certeza sobre exatamente quando é que isso ocorreu, a estimativa mais conservadora aponta para há 14 mil anos, Mas seja como for, foi de certeza antes, e muito provavelmente muito antes, da invenção da agricultura, só depois da qual foram adotados todos os outros animais que nos são familiares, desde as vacas aos porcos às ovelhas, por aí em diante. Os cães têm por isso, desde sempre, uma ligação muito próxima aos humanos e ao longo do tempo o homem foi selecionando na espécie canina várias características para se adaptarem a nós, embora como vamos ver também haja várias características que não foram selecionadas deliberadamente. Conversámos também sobre os diferentes métodos de treino, aqueles mais baseados nos castigos e aqueles mais baseados nas recompensas, chamados positivos ou negativos, e sobre aquilo que a investigação mostra sobre, por um lado, qual dos dois métodos é o mais eficaz e, por outro, quais são os efeitos de cada um deles sobre o bem-estar dos animais e a sua relação com o dono. Isto levou-nos a falar um pouco também sobre a mente dos cães. O facto dos cães serem como nós um animal social, e sobretudo viverem há milhares de anos numa relação muito próxima com os humanos, faz com que tenham muitas parecências connosco. Mas também têm, como é evidente, muitas diferenças, muitas mais do que às vezes nós próprios queremos reconhecer. E no entanto, embora nós tenhamos às vezes tendência para atribuir aos cães uma perceção que eles não têm necessariamente, a verdade é que eles estão sempre a surpreendermos. No final do episódio falamos, por exemplo, de um border collie que conseguiu decorar 1022 palavras diferentes. E falamos também de um tipo de treino inovador que surgiu recentemente e que tem dado muito que falar, que é o chamado treino de imitação, em que aparentemente é possível ensinar um cão a imitar aquilo que fazemos, mesmo que ele nunca tenha visto aquele movimento antes. A confirmar-se, este tipo de treino permite não só ensinar a um cão de uma forma muito mais rápida um determinado comportamento, como também permite alargar ainda mais o leque de comportamentos que lhes podemos ensinar. Este episódio traz também outra novidade, a partir de agora passa a constar no índice da conversa, que podem encontrar como sempre na descrição do episódio, indicadores temporais associados a cada assunto. Estes indicadores de tempo funcionam quase como uma separação do episódio em capítulos. Caso a vossa aplicação de podcast suporte essa função, e a maioria hoje em dia já faz isso, basta carregarem no indicador de tempo que surge antes de cada tópico na descrição do podcast para saltarem diretamente para esse assunto no episódio, seja andar para trás, seja andar para frente, com a garantia de que vão parar exatamente àquele tema e sem perderem nada pelo caminho. Enquanto ouvinte de alguns podcasts, a maioria estrangeiros que têm estes indicadores de tempo, descobri que é algo que dá imenso jeito e portanto resolvi acrescentar também no 45°. Mas a introdução já vai longa, deixo-vos então com Catarina Vieira de Castro. Espero que gostem. Catarina, muito bem-vinda ao 45°.
Catarina Vieira de Castro
Obrigada José e obrigada pelo convite antes de mais.
José Maria Pimentel
De nada, com muito gosto. Vamos... Olha, pastes à bola, vamos começar por tentar perceber de onde é que vêm os cães, como é que os cães surgem a partir dos lobos, o que é que nós sabemos sobre isso?
Catarina Vieira de Castro
Parece-me o sítio exato para começar a nossa conversa. E é uma pergunta interessante e muito oportuna porque ainda não há neste momento respostas definitivas sobre essa questão. Isto é, ainda não há concordância, um consenso científico, por exemplo, sobre qual é efetivamente o ancestral do cão doméstico. Durante muito tempo achou-se que era o lobo cinzento tal e qual ele existe hoje em dia, mas também há alguns autores que começam a defender a ideia de que não era o lobo cinzento, mas antes que era um lobo sim, mas um lobo que foi o ancestral comum do lobo cinzento atual e do cão doméstico atual. Mas portanto, provavelmente como vais perceber ao longo desta conversa, há aqui muitas áreas nas quais a ciência ainda não tem respostas definitivas. Ou seja,
José Maria Pimentel
no fundo os cães e os lobos são, e os lobos atuais, ou o lobo cinzete atual, são primos. Não descendem os cães dos lobos, não é? Dessa
Catarina Vieira de Castro
espécie de lobos. Não se tem certeza sobre isso,
José Maria Pimentel
não é? Sim, à partida, exatamente. Ou pelo menos é a tese com mais peso.
Catarina Vieira de Castro
Lá está, exatamente. E depois, mesmo o próprio processo de domesticação do cão está ainda aqui em discussão. Como viste naquele artigo que eu partilhei contigo durante esta semana, há aí algumas teorias, hipóteses, vá, chamemos de hipóteses concorrentes sobre como pode ter acontecido este processo. E efetivamente não há um consenso. E neste aspecto temos, podemos falar aqui essencialmente de duas hipóteses, uma delas na qual o homem teve um papel mais ativo e uma na qual o homem teve um papel mais passivo. Portanto, a hipótese que se calhar é aquela que vamos ouvindo mais, até, que é quase uma autodomesticação por parte do cão, não é? Por parte do lobo, naquele caso. Portanto, na altura em que nós éramos caçadores-recoleitores, há então esta ideia de que caçávamos, caçávamos animais e depois deixávamos alguns restos, carcaças, por exemplo, junto dos nossos settlements e que os lobos se foram gradualmente aproximando, perceberam que ali tinha uma fonte de alimento fácil, não é, à disposição E que então gradualmente, e sobretudo aqueles lobos que tinham uma flight distance menor, isto é aqueles que, em termos chiques... Tinham menos medo no fundo. Exatamente, que tinham menos medo. Se foram aproximando começaram a alimentar-se então dos nossos restos e assim começaram a estar junto de nós. Pois obviamente através de várias gerações os lobos mais dóceis ou aqueles que tinham menos medo começaram a se reproduzir e ter mais sucesso reprodutivo, tinham acesso ali a uma fonte de alimentação fácil e portanto foram ficando cada vez mais dóceis, mais dóceis, mais dóceis até chegarmos ao cão atual.
José Maria Pimentel
E a partir de certo ponto os humanos terão começado a ir sim a intervir ativamente. Sim, obviamente. Ao contrário, essa hipótese tem alguns paralelos com uma série de outras espécies que também vivem há séculos e em alguns casos há milénios persistindo graças àquilo que vão apanhando inicialmente das tribos e depois das aglomerações humanas, sei lá, os
Catarina Vieira de Castro
pombos, por exemplo. Por exemplo, as gaivotas.
José Maria Pimentel
As gaivotas, exatamente, são ótimos exemplos disso. Mas depois nunca foram, quer dizer, os pombos até foram, embora seja uma espécie ligeiramente diferente, acho eu, mas não foram provavelmente domesticados, não é? Ou seja, depois desse segundo passo já não aconteceu.
Catarina Vieira de Castro
Sim, sim, sim. Obviamente aqui é uma relação diferente, pelo menos no caso das gaivotas, que é... Bem, elas são as únicas que beneficiam desta relação.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Mas segundo essa hipótese, inicialmente eram os lobos só que a beneficiavam, não é? Pois o que mudou foi que a partir de certo ponto...
Catarina Vieira de Castro
Era quase como se eles inicialmente fossem parasitas, digamos assim, ou não. Ou mais uma relação de comercialismo em que efetivamente para o homem não havia benefícios nem malefícios. O lobo foi ficando por ali. E então mais tarde o homem terá intervido e começado a, provavelmente, selecionar animais com características que permitiam ajudá-lo em algumas tarefas, como na caça, como na guarda, contra outras espécies animais, por exemplo.
José Maria Pimentel
Contra os lobos, desde logo.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. E assim, será então o processo que uma destas hipóteses nos diz, depois obviamente vem muito mais, mas isto muito mais tarde, já depois quando entra a seleção das raças, não é? Mas isto já é muito, muito mais recente. E portanto esta é uma das hipóteses, eu acho que provavelmente a mais
José Maria Pimentel
ouvida. Sim, sim, sem dúvida, com
Catarina Vieira de Castro
certeza. Era a que tu conhecias.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente, era a que eu conhecia, exatamente. Ok. Sei lá, se a pessoa for ver um documentário sobre cães, é essa a hipótese que aparece. Exato.
Catarina Vieira de Castro
É, eu acho que foi ganhando sempre bastante relevo. Só que depois também começaram-se a levantar algumas objeções, alguns problemas relativamente a essa hipótese. Por exemplo, Se calhar não se acredita que nós, enquanto caçadores-recoletores, pudéssemos proporcionar assim tanta alimentação, tantos desperdícios para alimentar os lobos a ponto de eles quererem permanecer ali. Essa é uma das ideias, uma das objeções. Outra é o facto de ser um, se calhar um bocadinho improvável, que o homem tolerasse tão bem o lobo nessa primeira fase de aproximação. E isto é que é muito engraçado porque sabe-se, ou tem-se a ideia, de que hoje em dia quando há ataques de lobos a seres humanos, que é uma coisa rara, mas é uma coisa que vai acontecendo. Aparentemente estas situações acontecem sempre após situações em que há, por exemplo, é bastante comum nos Estados Unidos turistas alimentar lobos em parques de campismo, imagina. Ou seja, situações em que há alguma intervenção humana, alguma provisão de recursos aos lobos e eles vão perdendo o tal medo, os lobos que têm menos medo vão se aproximando ou vão se habituando, isto não tem necessariamente que ser através de gerações, um lobo dentro da sua vida, do seu curso de vida pode habituar-se ligeiramente à presença humana. Portanto, aquilo que seria a reação natural do lobo, que seria manter-se distante do ser humano e, portanto, evitar o contato connosco, acaba por se tornar, numa situação em que o lobo perde um pouco este receio, diminui esta flight response e depois, aparentemente, é nestas situações que acontecem os ataques a seres humanos e a crianças. Ou seja,
José Maria Pimentel
eles perdem o medo mas não perdem necessariamente a agressividade.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. Portanto, fazendo o paralismo para essa altura em que éramos caçadores-recoletores, imagina-se que a reação do animal lobo, porque era o lobo, mesmo não sendo o lobo cinzento, seria um lobo, que pudesse então haver esse tipo de situação. Portanto, ok, o lobo perde um bocadinho ali o medo e que agora de repente vai ser o nosso melhor amigo e vamos estar ali todos bem. Não parece ser isso que vemos hoje em dia. Parece que de facto quando começamos a alimentar lobos e a permitir a sua aproximação no seu estado natural, que muitas vezes isso depois acaba em situações de agressividade e ataques aos seres humanos. Estas são algumas objeções a essa hipótese, portanto, entretanto, também surgiu outra hipótese que é uma hipótese em que o ser humano tem um papel mais ativo na domesticação do lobo. E aqui propõe-se que o ser humano ia buscar lobos bebês, provavelmente enquanto as mães e os pais não estavam presentes, iam buscá-los e levavam para casa a crer que esse mesmo como pet, não é? Como animal de companhia e que criariam então estes lobos à mão. E aqui temos logo um processo de socialização, portanto habituação do animal à presença humana, eventualmente alguma criação de algum vínculo, pelo menos por alguns destes animais e que pelo menos esses que seriam capazes de desenvolver algum vínculo e uma maior tolerância connosco iam ficando então por perto, iam se reproduzindo e passando estas características à sua descendência. Ou seja,
José Maria Pimentel
ocorria ali uma seleção artificial dos mais mansos, que eram aqueles que sendo criados depois se tornavam mais, sei lá, mais afetuosos, vá à falta do melhor adjetivo.
Catarina Vieira de Castro
Não sei se é correto chamar de seleção artificial, porque lá está, nós não sabemos até que ponto é que nessa fase inicial
José Maria Pimentel
o homem... Não era necessariamente consciente.
Catarina Vieira de Castro
Exato. Eu digo
José Maria Pimentel
artificial porque ela não era bem natural, quer dizer, nós fazemos parte da natureza, mas não era... Eu percebo o que tu queres dizer, não é como as raças, que é um intuito deliberado de escolher determinadas características. Exatamente, exatamente. Mas de forma vá, semi-natural, aqueles iam acabando por ficar, até por sobreviver no fundo, não é? Ou sobreviviam aqueles que eram mais mansos.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. E até se diz que há uma hipótese, não é? Tu imagina, tu vais buscar cinco cachorrinhos, lobos, bebés, e muitos deles se calhar chegando à idade adulta acabavam de não ter esta ligação que o cão tem ainda connosco e portanto iam-se embora. E os outros iam ficando, e portanto eram esses que iam reproduzir, não é? Mas não é que o homem tivesse aquele papel ativo que tem, ok, vou cruzar este com este. Por exemplo, depois naquela experiência das raposas que também te enviei, que aí é assim, é uma seleção. Artificial, sim. Sim, direcionada, não é? Não,
José Maria Pimentel
esta tese é engraçada porque ela aparentemente é menos intuitiva do que a outra, não é? A pessoa pensar que as tribos humanas iam buscar lobos bebés, não é? Cachorro, não sei como é que se diz no caso dos lobos. Lobos recém-nascidos, vá para...
Catarina Vieira de Castro
Eu também não sei, pensavas que eu só sei o termo em inglês.
José Maria Pimentel
Pois, exato.
Catarina Vieira de Castro
É papo. Exato. Também chamo-lhes cachorros, não sei. Digamos cachorros
José Maria Pimentel
para serem adotados. Parece uma coisa menos veruzímil por um lado. Agora, por outro lado, há duas coisas interessantes sobre ela. Primeiro, ela parece por outro lado mais lógica, no sentido em que, e creio que isso até a investigação mostra, e provavelmente vamos falar disso mais à frente, a educação, chamemos-lhe assim, a convivência durante o crescimento é fundamental, a socialização durante o crescimento é fundamental para que os próprios cães, até os cães, desenvolvam características, sejam mansos no fundo, portanto um cão que não conviva durante essa fase de crescimento também tenderá a ser um cão mais agressivo. E por conseguir, no caso dos lobos, isso também seria essencial. E isso torna menos verosímil a hipótese dos lobos de se autodomesticarem. Porque eles já seriam lobos adultos. E, portanto, era estranho isso acontecer, não é? Porque um lobo adulto lá está. E esse exemplo dos lobos que atacam pessoas mesmo depois de perderem esse receio, acontece porque eles são lobos adultos e existem histórias de lobos mais ou menos domesticados mesmo hoje em dia. Depois é que ele tem uma série de desafios, mas consegue-se mais ou menos fazer,
Catarina Vieira de Castro
como estavas a dizer há bocadinho. Sim, sim, sim. Com algumas limitações, Não que é bem um cão, mas consegue
José Maria Pimentel
fazer. Depois, outro aspecto interessante, e esse eu não sabia, é que os caçadores-recoletores, mesmo atuais, é sempre difícil extrapolar dos... Generalizar a partir das tribos atuais, porque elas têm muita diversidade. Mas, pelos vistos, não é incomum eles adotarem... Infantes, chamem-lhe assim, adotarem bebés de outras espécies. Não sabia.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. E isso é uma das razões que vai, que suporta um bocadinho esta ideia que pode parecer um bocado absurda da primeira vez que nos é apresentada, mas efetivamente se vais ver tribos atuais parece de facto ser uma prática comum. Ou
José Maria Pimentel
seja, a nossa pulsão por cuidar de bebés é tão grande que até vamos às outras espécies. E
Catarina Vieira de Castro
há muito tempo, parece, não é? Não é uma coisa recente. Mas, portanto, é assim, ainda não há respostas definitivas relativamente àquele que terá sido de facto o processo que levou à domesticação de lobo. Ainda estamos aqui, são estudos complicados de fazer, não é? Há sempre alguma extrapolação lá que estávamos a falar, que também é sempre complicado, não é? Mesmo o comportamento do cão atual e o comportamento dos cães frais, ou seja, usar o comportamento dos cães ferais para fazer extrapolações para o comportamento do cão doméstico.
José Maria Pimentel
Os cães ferais são os cães que se desdomesticaram, no fundo. Não passaram a ser lobos, mas são cães que vivem há muitos séculos.
Catarina Vieira de Castro
Não necessariamente há muitos séculos, ok? Não necessariamente há muitos séculos. Pode acontecer numa só geração. Ok. Um cão feral é basicamente um cão que vive quase num estado selvagem, quase, ok? Muitas vezes, portanto, não vive no meio de uma cidade, mas tem situações muito
José Maria Pimentel
como... Não são cães vadios, no fundo, não é bem um cão vadio.
Catarina Vieira de Castro
Não, embora possa ser, porque às vezes não consegues perceber necessariamente qual foi a origem do cão. Porque há alguns que já nascem, portanto sem contacto humano, mas pode haver migração, digamos assim, até de cães vadinhos que acabam por se juntar a estas matilhas de cães ferais. A grande característica delas é de facto o facto de viverem de forma independente de recursos que lhes sejam fornecidos pelo ser humano. Alimentação e abrigo. E normalmente tendem a não morar longe de cidades ou de locais onde habitam humanos, mas a manter alguma distância em
José Maria Pimentel
relação a nós. Não vivem de sobras, ao contrário dos que vai dizer que apanham lixo.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. E mantenha esta distância, lá está. Não são cães que tu possas chegar e fazer uma festinha. Não se aproximarão de ti, quase certeza. Lá
José Maria Pimentel
está, porque não cresceram perto de seres humanos. Exatamente. Estas duas hipóteses, voltando às hipóteses há bocado, elas têm a diferença num ponto de partida, mas têm um ponto em comum, que é mais ou menos evidente, não é? Depois houve uma intervenção humana a partir de certo ponto, não é? E a propósito disto, há aquela experiência que tu já ouviste há bocadinho, do Belayev, já não sei qual o nome próprio dele, que era um geneticista russo. Dimitri. Dimitri Belayev, soviético, na altura. Eu já tinha apanhado isto em tempos e isto é fascinante porque mostra uma série de coisas, mostra que tu podes fazer um processo muito parecido com a seleção de que deu origem aos cães noutra espécie, no caso da raposa, mostra que isso pode acontecer de forma relativamente rápida, eu diria até bastante rápida, e mostra, que é outra coisa interessante, que a seleção para os animais mais mansos, no fundo era o que ele estava a selecionar, traz consigo, provavelmente porque muda os genes reguladores, imagino eu, traz consigo uma série de alterações que vão muito para lá do simplesmente eles serem mais mansos, ou seja, das gerações seguintes serem mais mansos do que as anteriores. Muda uma série de coisas que nós associamos aos cães, como por exemplo a cor do pelo, que tem a ver com essa piada.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, exatamente. Essa para mim é uma das descobertas mais fascinantes destes estudos com as raposas. E a nível genético e molecular de facto não é a minha área de expertise, mas efetivamente aquilo que se vê é que tu quando mexes em traços comportamentais, neste caso, como disseste bem, na docilidade ou no tameness, no facto do animal ser mais manso, parece que há uma correlação. Portanto, os genes que codificam para estes comportamentos, estes traços comportamentais e os genes que codificam para alguns traços morfológicos, de certa forma, vêm agregados. E tu vês isto não só no cão, tu vês isto noutras espécies, tu vês isto se comparares o javali com o porco doméstico. O javali tem Uma cor castanha, orelhas para cima, não tem cauda encaracolada. Se olhares para o porco doméstico, já tens porcos com manchinhas também, com as orelhas caídas, alguns deles, cauda encaracolada. Vês com as cabras também. As cabras selvagens são maioritariamente castanhas, as cabras domésticas já têm... Engraçado,
José Maria Pimentel
nunca tinha pensado nisso.
Catarina Vieira de Castro
É, vês numa série... Portanto, não é só no campo que isso acontece, acontece nas espécies também e nas raposas viu-se lá está muito rapidamente, não é? Então a raposa que nós conhecemos, a raposa selvagem, é sempre uma raposa bicolor, vá, tem a pontinha da cauda eventualmente branca, não é? Mas nestas experiências do Belgaev...
José Maria Pimentel
Já agora explica, eu não expliquei bem, a Catarina, já agora explica, para quem não está a ouvir as experiências, o que ele fez, não é?
Catarina Vieira de Castro
O que ele fez foi basicamente, E é engraçado porque aquilo não começou necessariamente, pelo menos pelo que consta, não foi pensado inicialmente como uma experiência propositada. Isto passou-se em fox farms, que basicamente eram quintas para produção de pele de raposa para utilização em vestuário humano. Então eles reproduziam e tinham raposas enjauladas, só que era muito difícil manusear as raposas porque elas eram, elas mordiam, não é? Mordiam aquilo, sempre que era preciso… É pouco conveniente. … um raposo. Era desagradável. E pronto, obviamente o BLAF aproveitou essa situação para dizer, ora, vamos lá ver o que é que acontece se eu começar a selecionar para traços de comportamento, começar a selecionar as raposas que me mostrem que são um pouco mais mansas, não é porque no início tu nunca vais ter uma raposa extremamente agressiva e uma raposa logo a dar ao rabinho, não é? À calde. Sim. Mas portanto dentro daquelas raposas que tinhas ali, que todas elas tinham algum nível de agressividade, vamos começar a cruzar aquelas que são menos agressivas. Se calhar aquelas que em vez de partirem só para a mordida, até toleram pelo menos que eu coloque a mão dentro da jaula sem reagir. E pronto, com o objetivo prático também de facilitar a vida aos farmers, mas também com o objetivo de fazer a investigação científica. E então começou-se a cruzar as raposas menos agressivas com outras raposas menos agressivas e efetivamente ao fim de duas ou três gerações logo, por isso muito rápido, começou-se a ver que as raposas que nasciam eram cada vez tendencialmente mais tolerantes ao ser humano. Isto, pronto, obviamente após mais gerações, chegou ao ponto em que, efetivamente, estas raposas se comportavam quase como cães, naquele comportamento que o cão tem de se aproximar de nós, com as ursitas para trás, com a calva a dar a dar, numa postura...
José Maria Pimentel
Até ladravam, não é? Tinha uma espécie de ladrar, não
Catarina Vieira de Castro
é? Sim, sim, sim, sim, sim, sim. Exatamente. E uma descoberta, um bocadinho colateral, do BLAF, foi que isto veio acompanhado de mudanças morfológicas semelhantes àquelas… portanto, elas mesmo morfologicamente começaram-se a parecer mais com os cães. Começaram a nascer raposas com manchas no pelo, as chamadas flop ears, estas orelhas para baixo, caídas, como algumas raças de cães que nós conhecemos, com as próprias caudas encaracoladas e de facto isso foi uma descoberta muito interessante, daquelas que acontecem assim um bocadinho
José Maria Pimentel
por acaso. Há
Catarina Vieira de Castro
várias situações assim na ciência, mas de facto é extraordinário, não é? E de facto quando olhas, se olhas, como eu estava a falar há bocado para diferentes espécies que neste momento temos domesticadas e as comparas com o seu equivalente selvagem, vês muitas destas alterações morfológicas também na espécie doméstica, não é? Em comparação com a espécie selvagem.
José Maria Pimentel
O que isso mostra que é interessante é que havia uma série de características morfológicas dos cães que se achava que tinham sido selecionados, como aconteceu na altura da seleção das raças mais a sério, não é? A partir do século XIX, mas que na verdade muitas delas não foram, eram essas alterações por cascata que tinham acontecido, não era porque as pessoas provavelmente preferissem uma cor que os cães tivessem o pelo castanho ou preto, era que aquilo tinha acontecido naturalmente.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, exatamente. Portanto, muito provavelmente, eu lá já não conheço a história das raças em detalhe, sei mais ou menos quando é que elas começaram a ser selecionadas, como tu já muito bem referiste, mas muito antes disso já teríamos estas alterações nos cães, não é? Já teríamos cães com a cauda incaracolada, já teríamos cães com o pêlo manchado, etc, etc. Cabeças, não é? Na raposa também se via isso no focinho, não é? O focinho fica mais curto, mais arredondado. Lá está mais parecido quase com alguns cães, pelo menos.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Havia outra coisa que eu te queria perguntar, relacionado com os cães e com os lobos, ou seja, que é algo que existe nos cães mas permite perceber como é que os cães estão relacionados com os lobos que é a questão da brincadeira, do brincar, não é? Os cães brincam entre si, não é? Têm esse lado que nós vemos seja nos cachorros, seja nos cães adultos. E Isso é interessante porque é algo que existe nos lobos, que é visível nos lobos, nos cães. Isso vai até à idade adulta, o que tem que ver, tanto que eu sei, pelo menos faz todo o sentido, com o facto de nós termos selecionado algumas características de chamada neotenia nos cães, ou seja, de eles levarem para a idade adulta uma série de traços que no lobo são característicos do lobo juvenil, mas que nos cães existem na idade adulta, embora eles brinquem menos quando são mais velhos, mas não é por terem uma menor propensa para brincar, é porque têm menos energia, é um bocadinho por aí. Aliás, até há a teoria de que os próprios seres humanos se autodomesticaram dessa forma, ou seja, que nós próprios também nos tornámos mais menos agressivos e mais propensos a brincar, não só enquanto jovens, mas até enquanto adultos. O humor, por exemplo, tem um bocado a ver com isso. E eu apanhei uma coisa gira sobre isso, uma... Lá está, outra hipótese concorrente da hipótese normal porque a hipótese que nós vemos normalmente para isso, tal como no caso da domesticação nós vemos a hipótese dos lobos estarem autodomesticados, no caso dos... Da tendência dos cães para brincar e dos lobos, a hipótese que nós vemos normalmente é que aquilo é uma maneira de eles treinarem simultaneamente competências sociais, porque eles vivem em alcateias ou matilhas, e skills de caça, vá, capacidade de caçar. Eu apanhei uma teoria alternativa que achei interessante, que na verdade não tinha a ver com isso, não tinha necessariamente a ver com isso. O facto de eles brincarem, os lobos, enquanto jovens, e no caso dos cães, ao longo da vida toda, era simplesmente uma espécie de passo intermédio no desenvolvimento deles. Enquanto eles estão a crescer, eles vão perdendo umas características de cachorro até se tornarem um animal adulto e aquele é uma espécie de estádio intermédio em que eles ainda não sabem bem caçar e ainda não sabem bem viver em grupo então manifestam aquelas características intermédias, sei lá, um bocado como nós quando a pessoa está a crescer e os membros de repente crescem de forma mais rápida que o resto do corpo e nós somos muito trapalhões, não é? Naquela idade dos sociais. A teoria era um bocado essa. O que eu achei, não tenho a certeza se é compro, digamos assim, mas achei alguma
Catarina Vieira de Castro
graça. Ok, olha, desconhecia. Por acaso, desconhecia. Estás-me a contar uma coisa. Mas
José Maria Pimentel
o brincar, seja como for, o brincar é próprio
Catarina Vieira de Castro
de um animal social. Sim, sem dúvida. E para mim, continua a fazer todo o sentido, não é? Aliás, tu vês, Se tu privares um cachorro de contacto com animais da mesma espécie, com outros cães, que é uma coisa que acontece muitas vezes, as pessoas trazem o cachorro, mesmo o cachorro já com dois meses, que até teve aquele período inicial com os irmãos, mas traz o cachorro para casa com mais e meio, dois meses e priva o cão de contato social com outros cães até a idade adulta, até os oito meses, dez meses, e esse cão vai ter muitas dificuldades em comunicar com outros cães. Tem medo ou demonstra comportamentos agressivos porque lhes faltam esses skills sociais que, de certa forma, também são aprendidos através da brincadeira, não é? São aprendidos através da interação com, no início com a mãe e com os irmãos e mais tarde com outros, com específicos.
José Maria Pimentel
É, porque eles no fundo são, tal como connosco, o cérebro deles precisa disso para se desenvolver, ou seja, não vem completamente desenvolvido. Tal como o cérebro humano, o cérebro humano tem uma extensão maior, mas no caso dos cães, ou mesmo no caso dos lobos, passa-se a mesma coisa no fundo. Portanto, aliás, tem que ver com aquilo que falávamos no início, há um bocadinho da agressividade, a ausência de agressividade, depender também dessa socialização, seja com os seres humanos, seja com os outros cães. E isto é um bom ponto para nós falarmos do treino, que é uma das áreas que tu tens investigado. O que a investigação nos mostra em relação ao treino, em relação aos métodos mais eficazes, por um lado, e por outro, por comparação, por exemplo, com os métodos que tendem a ser usados pelos treinadores, ou seja, que emergiram da prática, digamos assim, de tentativa e erro, e não de uma análise mais científica, de comparar e fazer experiências comparando diferentes métodos e ver aquilo que resulta mais e aquilo que resulta menos.
Catarina Vieira de Castro
Relativamente à eficácia, uma das perguntas para a qual nós, ciência, ainda não temos resposta, embora seja muito fácil ouvir-se dizer, não, porque O treino com reforço positivo é tão ou mais eficaz e se calhar devemos explicar para os nossos ouvintes de que é que eu estou a falar. Vou explicar depois que termos são estes que eu estou a utilizar para que se perceba melhor de que é que estou a falar. E depois outros dizem, não, tu não consegues, tens que punir de certa forma o teu cão para conseguires obter um comportamento fiável. Pronto, isto é uma discussão que tu vês muito acesa entre treinadores, entre donos de cães, entre pessoas que de uma forma ou de outra estão envolvidas na canicultura.
José Maria Pimentel
Sim, qualquer pessoa que tenha cães já ouviu isso há alguns no tempo.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, exatamente. E tu farás, enquanto dono de cão, tiras as tuas próprias ilações também. Não necessariamente fundadas, às vezes já é uma impressão que nós temos, aquilo que os nossos olhos nos parecem mostrar, mas efetivamente tu vais, se fores a dar a investigação, procurar a resposta para esta pergunta, não a tens ainda. Isto é uma coisa que precisa ser estudada e nós temos por acaso aqui no nosso grupo de investigação já alguns estudos propostos para tentar de facto preencher aqui este gap que há na literatura, relativamente à eficácia dos métodos. Mas se calhar então antes de entrarmos em mais detalhe nestas questões, se calhar falávamos aqui um bocadinho primeiro do que é que é o treino de cães, que metodologias diferentes é que são estas que nós estamos a falar, não é? Porque basicamente, pronto, o treino de cães também é uma coisa relativamente recente, não é? Este treino mais formal, digamos assim, a partir do momento em que começamos a trazer os cães para a nossa casa, para as nossas casas, não é? Viver mais no seu familiar, porque antes disso já tínhamos, já usávamos bastante os cães para pastoreio, para guarda de rebanhos, mas eu falo deste treino mais formal, este treino mais do cão de companhia, não é que nós de repente trazemos um animal para a nossa casa e precisamos que o animal não roube a mobília, não ande por cima das mesas, que nos obedeça minimamente, não é, que não nos fuja ou que não nos arraste quando andamos a passear à trela. Isto é uma coisa relativamente recente e é engraçado porque efetivamente aquilo que se costuma chamar a metodologia mais tradicional para o treino de cães não é assim tão mais antiga do que a metodologia mais baseada na ciência, podemos assim dizer, embora também vamos lá discutir esta questão, porque todas as metodologias de treino de cães têm alguma fundação científica, ok? Pode haver aqui uma outra questão que não é verdadeira, mas, Ou seja, se as coisas funcionam, elas funcionam, não é? E então, efetivamente, o treino de cães começou por ser uma atividade bastante coerciva, não é? Que se acreditava que tu, para que o teu cão te obedecesse, tinhas que criar ali uma relação um bocado de imposição sobre o teu cão e levá-lo, através da coerção física, verbal, emocional, levar o animal a fazer os comportamentos.
José Maria Pimentel
Ou porque lhe batias, ou porque gritavas, ou porque puxavas pela estrela, ou até que eles metes com aquelas estrelas que dão choque, não é? São uma estrela, estrelas não, por exemplo, coleiras.
Catarina Vieira de Castro
Coleiras, coleiras, coleiras, sim. As coleiras eletrônicas provavelmente deverão vir mais tarde. Inicialmente era mais na base do confronto físico. Depois não se sabe aqui muito bem porque houve uma altura em que foram realizados alguns estudos com lobos em Cativeiro. Foi quando se criou um bocadinho esta ideia de que nas alcatres de lobos há uma hierarquia linear, há um macho alfa e esse é o que manda em todos os outros, em sequência, o alfa manda no beta, o beta manda no próximo e por aí fora. E portanto depois fez-se a transposição um bocadinho desta ideia. Exato. Que isto funcionaria da mesma maneira nos cães. Com
José Maria Pimentel
o humano enquanto alfa, não é? No fundo. Exatamente,
Catarina Vieira de Castro
com o dono enquanto alfa. E portanto o dono tinha que se impor de forma física e emocional ao cão para quase que temos assim mostrar quem manda. Para de facto o dono se mostrar ali como o alfa desta relação. E teve um pouco a ver com isso. Agora, o que mais tarde também se veio a verificar, pronto, há aqui duas grandes falácias, que é estes estudos em lobos que foram feitos em cativeiro, com lobos que não tinham hipótese de fuga, que não eram necessariamente aparentados entre si e que, portanto, muitas vezes tinham que entrar em comportamentos, em disputas, em comportamentos mais agressivos. Daí depois vem aquela ideia de, se o teu cão te porta mal tens que o virar de barriga para o ar no chão, pôr-te em cima dele, o chamado alpha roll porque isso era o que parecia que os lobos faziam.
José Maria Pimentel
Para mostrar submissão.
Catarina Vieira de Castro
Para mostrar, exatamente, a dominância tal, a submissão.
José Maria Pimentel
Já todos vimos isso a alguns, não é? Aquele tipo muito conhecido, Cesar Milano, por exemplo, que segue muito, acho eu, que segue muito essa escola. Sim,
Catarina Vieira de Castro
sim, sim, sim, sim, sim, sim, exatamente, exatamente. E agora, pois há aqui dois problemas, que é, mais tarde, quando foram feitos estudos com alcateias de lobo em ambiente natural, percebeu-se que a dinâmica, a hierarquia social deles, não é uma hierarquia social. É uma hierarquia que hoje em dia se chama mais uma hierarquia familiar. Primeiro eles são normalmente todos aparentados, tens um breeding pair, tens o macho e uma fêmea que efetivamente são os que estarão mais acima no ranking, não é? Da hierarquia e depois tens os filhos e as filhas que eventualmente depois também vão saindo da alcateia à medida que maturecem. As crescem juntos no fundo, não é? É, mas depois em adultos tendem a ir procurar e formar as suas próprias alicateias. Portanto, este é um dos problemas. O outro problema é, lá está, mais uma vez estamos a falar numa situação de um lobo, noutras estamos a falar do cão, ok? Portanto, o lobo não é o cão, embora sejam animais bastante semelhantes, fez-se logo esta posição, extrapolação, que não necessariamente tem que ser verdadeira.
José Maria Pimentel
Mas o teu ponto, desculpa que tenho de interromper, o teu ponto em relação ao primeiro aspecto das alcateias é que numa alcateia, ambiente natural, digamos assim, existe menos tensão do que existia nessas simulações. Porque existe uma espécie de harmonia natural, até para eles serem aparentados e crescerem juntos.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, é exatamente isso. Ou seja, tu não tens de estar ali em competição com um tipo que não conheces de lado
José Maria Pimentel
nenhum. Tu
Catarina Vieira de Castro
crias a tua família, tu crias a tua...
José Maria Pimentel
Não muito diferente provavelmente das primeiras tribos humanas.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. Portanto o ponto era esse, exatamente. E normalmente aquilo que se percebe é que, porque há estes comportamentos de dominância e submissão entre os lobos, mas normalmente, e entre os cães também, mas normalmente é um cão que se submete, ou seja, quando vês o cão de barriga para o ar, é o próprio cão que faz isso, não é o outro que vai lá, como supostamente vai o dono do cão virar o cão e obrigá-lo a ficar naquela
José Maria Pimentel
posição. Embora possa ter evoluído em resultado disso, enquanto mecanismo de prevenir um confronto físico, digamos assim.
Catarina Vieira de Castro
Isso tu observas às vezes. Vês Um cão a chegar mais de peito feito, mais assertivo, não é? E o outro, pronto, para dizer que não tem problemas, ok, vira a barriguita para o ar e resolvem assim o conflito social. Isso é uma forma de prevenir, de evitar lutas, não é? Exato. Do ponto de vista biológico, qualquer animal quer
José Maria Pimentel
evitar, não é? Exato, faz todo sentido. Nós próprios, eu acho que temos uma série de predisposições comportamentais que têm essa finalidade, que evoluíram com essa finalidade.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. E pronto, e isto para continuar aqui um bocadinho na metodologia de treino, depois chegou um bocadinho mais tarde, embora na altura em que se começou a treinar quem já houvesse investigação em laboratório também da teoria da aprendizagem, do condicionamento operante, que é basicamente esta teoria da aprendizagem pelas consequências, não é? Tu faz um comportamento, traz uma coisa boa, e esse comportamento vais fazê-lo com maior probabilidade no futuro. É um bocadinho Pavloviano no fundo, não é? Isto é Skinner. Pavlov é aquela ideia da associação entre estímulos. É a campainha associada à comida. São dois estímulos, não é? Ok, certo. No condicionamento Pavloviano tens um estímulo que é inicialmente neutro, pode ser uma campainha, por exemplo, você já ouviste falar do treino de clicker utilizado com caixa. Sim, exatamente. O clicker no início tu estabeleces...
José Maria Pimentel
É uma coisinha que faz um... Exatamente.
Catarina Vieira de Castro
É uma caixinha que faz um barulho clic-clic. Portanto, é uma coisinha que no início não tem significado nenhum para o animal, mas tu condicionas o animal, digamos assim, de uma forma simplista, a saber o significado daquilo, emparelhando o som do cliquer com comida, por exemplo. Ou seja, fazes o clique e dás um biscoito ao cão. Faz o clique, dás um biscoito ao cão. Faz o clique, dás um biscoito ao cão. Ao fim de algumas repetições o cão sabe, por condicionamento pavloviano, que o clícar significa que vem a comida a seguir. É como se o clícar adquirisse as propriedades do estímulo reforçador, neste caso da comida. O condicionamento operante é, aqui vem o Skinner, e é a aprendizagem pelas consequências. Aqui já estamos a falar não de associação entre dois estímulos, ou mais, mas
José Maria Pimentel
de um comportamento. Com um estímulo,
Catarina Vieira de Castro
exatamente. Portanto, fazes um comportamento.
José Maria Pimentel
E recebes um biscoito.
Catarina Vieira de Castro
Ou fazes um comportamento que é pôr a mão no fogão quente e queimas-te. E aí tens um estímulo desagradável.
José Maria Pimentel
E o exemplo que tu deste é bom porque no fundo isso pega numa série de predisposições que nós temos que é justamente de aprender com estímulos ambientais.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. Nós e os cães. Nós e os cães
José Maria Pimentel
e... Quero dizer, quase todos os animais. Exatamente. Uma forma ou outra. Muitos, muitos, muitos
Catarina Vieira de Castro
animais. Sim, sem dúvida. E então quando o Skinner começou a fazer os trabalhos experimentais dele, ele trabalhava muito com pombos em caixas de laboratório para perceber como é que eram os princípios da aprendizagem, os princípios do comportamento e nessa altura treinaram ratos e pombos para tarefas bastante complexas. Por exemplo, os ratos que entravam com minas, coisas que podias usar, por exemplo, na Segunda Guerra Mundial, um ratito com uma mina ou com um explosivo agarrado às costas e ensinavas o rato a ir para determinado sítio, e pronto, longe de ti, e pronto, sacrificavas o animal. Mas conseguias treinar o animal para isso. Agora, este tipo de metodologias só chegou ao treino de cães bastante mais tarde, para aí nos anos 90, inícios dos anos 90 talvez, curiosamente, apesar de já se saber, já se ter este conhecimento, deles já estar a ser aplicado, por exemplo, em zoos marinos, com golfinhos e orcas. E aí é fácil pensar, como é que tu treinas um golfinho e uma orca? Não vais lá com uma trela, não é? Pois claro que tens que ser. Nem com
José Maria Pimentel
imposição física, não é?
Catarina Vieira de Castro
Sobretudo na orca. Perdes, não é? E portanto usava-se muito este treino de clíquer. Aliás, tu se vizes alguns vídeos de golfinhos, daqueles espetáculos de golfinhos e baleias, na verdade eles usam muito o apito. Então é o equivalente do clíquer nos cães, para dizer ao animal que aquele comportamento é que é o comportamento que está correto. Mas então depois chegamos ali então ao início dos anos 90 e estes métodos começaram a ganhar alguma tração. É, começaram a ser mais aplicados no treino de queijo. Aqui em Portugal é engraçado que chegaram muito tarde e eu lembro-me quando comecei a trabalhar na altura com associações de, como voluntária, com associações de proteção animal, passava ao César Mila na televisão e era aquilo que nós víamos, não é? E só no mais ou menos nessa altura, isto foi o quê? No início dos anos 2000, é que se começou a falar dos primeiros treinadores em Portugal, ai que trabalha com clicker, trabalha com métodos chamados mais positivos, digamos assim. Ouves muito o termo método
José Maria Pimentel
mais positivo. Sim, sim, eu com as minhas cadelas já apanhei isso. Pronto, também deve depender de quem é que tu contactas, mas já apanhei esses métodos positivos, chamamos-lhe assim.
Catarina Vieira de Castro
E provavelmente, moras em Lisboa, Provavelmente aí chegou mais rápido. Eu morava em Braga, havia poucos treinadores e demorou a chegar um bocadinho. Agora posso dizer que é bastante comum.
José Maria Pimentel
Mas, desculpa, interromper-te, o método anterior, falamos aqui do exemplo do Cesar Milano, porque era o mais conhecido, não é? Que ele passava na televisão e as pessoas seguiam aquilo e, de facto, mesmo hoje em dia, se tu pesquisares online, encontras uma série de literatura muito nessa lógica, do alfa, no fundo de tu, de haver uma estrutura hierárquica, dos quem estar é habituado a uma estrutura hierárquica e tu tens que te colocar no fundo, no topo dessa estrutura hierárquica. Às vezes com umas, assim como umas formulações um bocado bizarras, mas a ideia em si não é necessariamente absurda, não é essa pessoa de facto olhar para os lobos. A ideia que eu tenho é que antes disso, o que havia era uma coisa muito menos... A abordagem que existia não tinha uma filosofia tão clara por trás, era simplesmente... Ou uma teoria por trás. Tinha uma, simplesmente uma lógica de que os cães, e na verdade eu acho que isto tem algum paralelo com a evolução da educação das crianças, é uma abordagem de que os cães vão lá com castigos e hoje em dia nós temos mais uma visão de que os cães vão lá com estímulos positivos que não é muito diferente daquilo que aconteceu com as crianças, em que hoje em dia também se torce o nariz a castigos físicos e antigamente era a coisa mais normal do mundo.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, é exatamente a mesma coisa. As mudanças que tiveste na educação das crianças foram seguidas muito depois, exatamente pelo mesmo tipo de mudanças, nas filosofias de treino de cães. Depois às vezes ao ponto de chegarmos a um extremo.
José Maria Pimentel
Desestruturado, queres dizer. Pois eu ia te perguntar isso, fazendo aqui um bocadinho da advogada do diabo e mesmo com aquela questão que tu falavas há bocadinho de se ter extrapolado ou se ter tomado as alcateias por algo mais hierárquico do que se calhar é na realidade, a verdade é que em todas as espécies sociais existe uma hierarquia e, portanto, existe a questão da autoridade, se tu quiseres, não é? Sim. E quer dizer, eu próprio agora que tenho duas filhas sinto isso, não é? Qualquer pai sente um bocado essa tensão, não é? É fundamental, por mais amor que tu dês, por mais proximidade emocional, também tem que existir estrutura e também tem que existir autoridade. E, portanto, não me choca que isso tenha que ser passado para os cães. Como é outra questão, não é? Mas não é preciso ter também uma componente de autoridade, à falta de melhor palavra, para além da questão do simples reforço positivo comportamental?
Catarina Vieira de Castro
Essa tua intervenção é muito interessante porque eu concordo a 100% com ela, em primeiro lugar. Acho que aqui primeiro uma coisa que temos que separar, que é uma coisa é a hierarquia social, que nós queremos que não existe entre os cães, e nós vemos isso. Qualquer pessoa que observe cães percebe que há uma hierarquia entre eles, que há cães. Eu cá em casa eu vejo, eu tenho um cão que tem acesso, se este cão quer ir para o sofá, o outro não vai. Se este cão quer ir comer, o outro sai.
José Maria Pimentel
Sabe que é engraçado comigo, as minhas duas cadelas têm uma hierarquia alternante, não percebo porquê, mas aquilo alterna. Não sei o que é que causa essa alteração, mas aquilo muda de repente.
Catarina Vieira de Castro
Mas em relação ao mesmo recurso, porque é muito comum, por exemplo, um ter prioridade no acesso à comida e o outro ter prioridade no acesso ao dono. Eles são bastante flexíveis nisso, os cães.
José Maria Pimentel
O que eu noto é a agressividade entre eles, elas dão-se genericamente bem, mas de vez em quando pegam-se. E quando se pegam às vezes prevalece uma e outras vezes prevalece outra. Aquilo nunca dura muito tempo, não é? Aquilo é assim... Lá está, porque eles evoluíram para resolver coisa rapidamente a partir do momento em que fica claro quem é que ganharia, não é? No fundo. E aquilo é muito rápido e às vezes depende para um lado, outras vezes depende para o outro. Nunca entendi bem porquê.
Catarina Vieira de Castro
Lá está. Que idade é que elas têm, só por
José Maria Pimentel
curiosidade? Uma tem 9, aí a outra tem 4. São
Catarina Vieira de Castro
duas cadelas adultas, não é? Sim. Já, pois, porque às vezes aí é uma situação quando o cão está ainda em desenvolvimento social, as coisas podem mudar. Tens um cão em casa já adulto, um cão já bem estabelecido, com mais de, sei lá, com 4 anos e às vezes vem o cachorro para casa e no início, digamos que há um que prevalece, que à partida será o mais sénior, não é? Mas muitas vezes há muitos conflitos que começam a acontecer quando o segundo cão começa a atingir a maturidade social. Ali entra um ano e meio, dois anos, o cão começa a mudar um bocadinho o seu comportamento e depois às vezes aí há problemas, porque ou eles ou se entendem ou não se entendem.
José Maria Pimentel
Ou aquilo reequilibra, ou então estala. Ou
Catarina Vieira de Castro
às vezes é mesmo complicado depois gerir estas situações. Mas desculpa,
José Maria Pimentel
eu interrompi, estavas a falar da hierarquia nas
Catarina Vieira de Castro
matilhas. Da hierarquia. E vamos pensar, vamos olhar um bocadinho o que é que a hierarquia existe, a dominância existe, agora o que é que é a dominância? A dominância é o acesso e o controle sobre os recursos. Quem é que decide quando é que o teu cão come? Quem é que decide quando é que o teu cão cruza? Quem é que decide quando é que o cão vai passear? Quem é que decide quando é que o cão tem acesso a estes recursos? Somos nós, portanto, nós já temos esse papel. Não precisamos de andar à pancada com os cães, ok? Porque nós controlamos os cães e o contrário não é verdade, o teu cão não decide quando é que tu comes ou não. Pronto, isto é uma questão, ou seja, às vezes, acho que se misturou aqui, acho, sei que se misturou aqui muito esta questão de… porque depois de vez alguns treinadores atuais a dizer, ah não, isto das hierarquias, isso não existe, isso é tudo um disparate, é tudo um mito. Não, isto existe, somos espécies sociais, há hierarquias. Pronto, podemos depois discutir, e efetivamente ainda não é muito claro como é que funciona exatamente a coisa entre cães que vivem na mesma casa, porque lá está, como eu falava há bocados, em estudar de cães frais para tentar perceber um bocadinho como é que funciona a hierarquia social.
José Maria Pimentel
Como é que é? É parecido com outros lobos?
Catarina Vieira de Castro
Não, é bastante diferente. Isso é curioso. Eles não criam aquela família, aquela unidade que os lobos criam. Tens animais aparentados, normalmente são maiores também as matilhas, ok? Tens animais também que não são aparentados, não são necessariamente, não tens um breeding pair e a descendência.
José Maria Pimentel
É mais desestruturado no fundo.
Catarina Vieira de Castro
É, exatamente.
José Maria Pimentel
Isso é engraçado. No fundo eles, ao longo da seleção artificial que nós impusemos, mais ou menos consciente, como nós falávamos há bocadinho, os cães provavelmente perderam algumas das capacidades que os lobos tinham nesse aspecto, como noutros de resto, enquanto outras foram reforçadas. Porque
Catarina Vieira de Castro
mudou, o mundo social deles mudou, deixou de ser só entre eles, passou a ser eles, connosco, nós a controlar os recursos. Não,
José Maria Pimentel
e tiveste uma pressão seletiva para algumas características comportamentais e deixaste de ter para outras, que foram por sendo perdidas pelo caminho, se é giro.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, e agora, portanto, mesmo eles voltando a um estado quase selvagem, digamos assim, tu consegues
José Maria Pimentel
ver que… Não se torna um lobo, sim. Exatamente. Não se torna um lobo. Isso é importante para a dificuldade a extrapolar dos lobos para os cães, é que estavas a chamar a atenção há bocadinho.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. E lá… e não se sabe, também, os cães frais, se tu viste, são cães que têm, eles têm controle total sobre o ambiente deles, os cães domésticos não têm, não é? Exato. Lá está mais uma vez, é isto, controlas quantos cães tens, onde é que eles moram, a que horas vão passear, a que horas têm acesso à comida e portanto tudo isto são situações que podem alterar e mexer aqui com a forma como eles fazem a sua gestão social, não é? Mas então depois passando para outra situação, continuando aqui a nossa conversa, hierarquias sociais é uma coisa, a educação é outra, pronto, e aqui de um ponto de vista um bocadinho pessoal digo sim que concordo contigo, eu acho que é importante colocar as regras aos teus cães e acho que aqui toda a gente concordará comigo, ou seja, se não então ficamos uma república das
José Maria Pimentel
banobas. Como as crianças de novo, não é?
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, pois às vezes chega-se ao extremo do ai coitadinho não se faça isto, nem se pode dizer não ao cão porque isto também já acontece no mundo dos cães, agora Não posso dizer como assim não posso ser uma não homem é um cão.
José Maria Pimentel
Estás a falar, estás-me a lembrar de uma história. O meu pai tinha ou tem uma amiga cujo cão estava sempre no sofá e ela dizia não, não, mas ele sabe, ele sabe porque eu deixo, Mas ele sabe que não é suposto. Ou seja, é como se fosse uma exceção que acontecia sempre, mas o cão sabia. Mas é verdade. Não fez? Se
Catarina Vieira de Castro
não, não estava. Se
José Maria Pimentel
não, não estava.
Catarina Vieira de Castro
Se soubesse mesmo, não estava. Mais que não seja à frente do dono, porque às vezes acontece isso, o cão percebe que à tua frente não pode estar ali, ok? Somente alguma coisa vai acontecer, mas tu sais de casa e se deixas o acesso ao sofá o cão vai para lá. Portanto, eles são muito bons a perceber em que contexto é que podem fazer determinadas coisas e em
José Maria Pimentel
que contexto é que não as podem fazer. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado.
Catarina Vieira de Castro
Agora, portanto, estas regras, obviamente, como em qualquer relação, elas são importantes, não é? Agora, pois, também, a questão é que tu não precisa andar provavelmente à pancada com o cão para criar estas regras.
José Maria Pimentel
Sim, até porque isso depois tem outros efeitos colaterais indesejados.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. Então, eu acho que aqui é muito mais uma questão de consistência. Tens regras. Não só os posso fazer, não só os posso fazer. Se o cão só posso fazer, tu vais lá buscar e tiras do sofá ou metes o cão noutro sítio. Se tu for consistente os cães aprendem muito bem. Muitas vezes o que acontece aqui é às vezes algum desconhecimento por parte de muitos donos de cães de como abordar as coisas sobretudo na fase em que é importante estabelecer as regras que é quando o cão vem para casa, não é quando é cachorro e depois as coisas descampam e escalam e só normalmente já só vão procurar as escolas quando alguns problemas estão já muito instalados e são muito difíceis de reverter. E depois aqui lá está, não necessariamente a regra tem que ser criada na base do aversivo, digamos assim.
José Maria Pimentel
Sim, por acaso há uma dúvida em relação a isso que eu sempre tive, que é quando os cães, quando estás naquela fase de os educar a fazer os cocós e xixis fora, e eles fazem dentro de casa quando tu não estás. E a nossa tendência quando chegamos a casa é ralhar com eles, no mínimo, no mínimo ralhar com eles. E eu lembro de ler em vários sítios algo que me pareceu fazer um sentido parcial, sempre que tive dúvida se aquilo era inteiramente verdade, que não fazia sentido porque os cães já não teriam memória do que tinham feito. Isso faz sentido? Isso é verdade? Ou seja, não deves fazer nada?
Catarina Vieira de Castro
Não, não deves fazer nada. É verdade e há uma experiência muito gira, por acaso, sobre isso, que eu posso explicar já de seguida. Mas basicamente o que estamos a falar aqui é, mais uma vez, de condicionamento operante. Se queres punir um comportamento, a punição tem que acontecer em contiguidade temporal com o comportamento. Ou seja, o comportamento acontece, ali tens alguns segundos para atuar, senão o animal já não faz a associação, ok? Portanto, se o cão fez xixi ou destruiu a casa de manhã e tu chegas à casa ao fim da tarde, ou se há uma hora de intervalo entre estas duas situações, o animal não vai fazer a associação. Se o animal tiver a estragar alguma coisa e tu nesse momento for lá dar um crocozinho, pronto, ele aí vai por cima. Então mas deixa-me fazer o advogado
José Maria Pimentel
do diabo em relação a isso com base na minha experiência. Eu lembro-me, bem, até com as minhas cidades atuais, mas lembro-me de um cão que eu tinha quando era miúdo e lembro-me de nós chegarmos a casa e acontecia exatamente aquilo que ele estava a fazer há bocadinho. Ele sabia que não podia ir para os sofás, muito menos para as camas, mas de vez em quando, quando nós estávamos lá ia. E eu lembro de chegar a casa muitas vezes e ele fazer assim um ar comprometido, exatamente. Até me lembro perfeitamente disto acontecer uma vez, que eu pegar nele para fazer uma festa e ele encolher-se todo e fazer peso morto e eu me pergunto, mas porquê é que ele está a fazer isto? É muito estranho e depois começa assim a tentar arrastar ele, não queria ver, e eu vou até ao quarto e detectas uns pelos em cima da cama
Catarina Vieira de Castro
Ele estava lá, não é? Tinha estado lá. Claramente ele tinha memória disso. Sim, sim, sim. Agora, o que o cão tem memória nesta situação, e Por acaso a experiência que eu vou tentar recordar aqui tem isto em consideração, que é esta situação de chega a casa e o meu cão está com um ar de comprometido e eu já vi que ele fez as neiras e pá, e vais e ou tens pelos na cama ou tens alguma coisa estragada na sala ou tens umas necessidades feitas fora do sítio. Agora os cães são muito bons a apanhar pistas contextuais, isto é, o que o cão sabe aí é que quando há esta situação, imagina no caso de coisas estragadas, e o dono está presente, eu vou levar nas orelhas, ok? E depois claro que o cão começa a perceber, e o cão sabe então, da mesma maneira o cão sabe. Eu estou na cama do meu dono e ele chega, eu vou levar nas orelhas. É o que acontece sempre, não é? Eu estou aqui e ele chega, vem castigo. E então o cão obviamente percebe que aquela situação ambiental, tudo aquilo que está em volta do cão nesse momento. Portanto, tu nesse caso que me estavas a reportar, estavas a falar de uma situação em que provavelmente o cão tinha estado lá muito recentemente, muito pouco antes de tu chegares. Portanto, para ele conseguir fazer essa associação e para te vir lá com os olhinhos de culpa, ele muito provavelmente tinha estado lá há pouco tempo. O que acontece com as destruições em casa, às vezes, é que elas até aconteceram da parte da manhã. O cão percebe, ok, quando há coisas estragadas, quando há aqui coisas fora do sítio e o meu dono chega, isto vai sobrar para mim. O facto do cão fazer esta associação não significa que o cão perceba e interprete aquela punição e aquele comportamento do dono como consequência do comportamento que ele fez de manhã, de ter estragado as coisas. O que o cão sabe é que este contexto, esta confusão na casa e a chegada do dono, dá um acordo para ele. Não
José Maria Pimentel
tem necessariamente o efeito de lhe provocar uma diminuição daquele comportamento.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. Porque nós estamos a projetar no campo, de certa forma,
José Maria Pimentel
uma cognição humana que tem até a ver com a consciência de nós percebermos, ok, no fundo é teoria da mente, no fundo é nós sermos capazes de perceber o estado mental do outro, que é aquilo que nós conseguimos fazer e que mesmo nas crianças, devolvido a relativamente tarde, aos oito anos, nós percebemos, ok, o que está na cabeça desta pessoa que está a falar comigo é que aquele comportamento que eu fiz ali está errado, mas o treino dos cães é muito mais por reforços comportamentais,
Catarina Vieira de Castro
por dar uns coites, por coisas imediatas, por relações imediatas entre comportamentos e estímulos, porque tu para esse tipo de situação tu precisas de linguagem, se tu não tens linguagem tu não consegues, os cães não têm a linguagem, têm a sua forma de comunicação, não têm a linguagem como nós a temos. Sim,
José Maria Pimentel
e os cães são inteligentes, mas, e já se calhar vamos falar disso a seguir, em alguns casos muito inteligentes, mas não tanto como nós às vezes achamos que são. Nós entropomorfizamos muito os cães.
Catarina Vieira de Castro
Muito, nas questões do treino, muito, nas questões da educação, muito também. E isso não é necessariamente bom.
José Maria Pimentel
Pois, exato. Ou seja, é uma coisa... Parece que fica bem e é bem intencionado, mas às vezes é contraproducente.
Catarina Vieira de Castro
Eu ia só explicar muito brevemente esta experiência que eu acho muito engraçada, que é sobre este tal guilty look. Eu posso não estar recordada dos pormenores da experiência, mas de uma forma geral a ideia é esta. Eu convidava-te para vires aqui ao meu laboratório com uma das tuas cadelas e a tua cadela sabia não comer, sabia que tu punhas o biscoito no chão, dizias-lhe não comes e podias sair da porta e ela à partida não comeria. Então o que é que os experimentadores fizeram? Eles pediram aos donos justamente isso, portanto vai entrar com o seu cão na sala, vai lhe dizer para não comer, vai sair e vai voltar a entrar. Enquanto o dono saía, os experimentadores iam lá tirar o biscoito que tinham deixado no chão. Às vezes e outras vezes não. Ou seja, o cão não comia o biscoito. Depois pediam ao dono para entrar outra vez. Se o dono
José Maria Pimentel
entrasse
Catarina Vieira de Castro
e visse que o biscoito não estava lá, o cão imediatamente começava a mostrar estes sinais de, ai meu Deus fiz asneira. Ia mostrar o tal olhar, aqueles comportamentos mais submissivos de se calhar deitar-se de barriga para o ar e baixar as orelhas e a cabeça etc. Ok?
José Maria Pimentel
É muito giro.
Catarina Vieira de Castro
O cão, eu acho que a experiência não é bem assim, mas a mensagem é esta, ok? As pistas corporais que nós emitimos quando chegamos a casa, também, por exemplo, nestas situações em que houve destruição, os cães são muito bons a apanhar isso. E eles muitas vezes estão a reagir. Às vezes só aquela coisa de nós respirarmos mais fundo ou crescermos um bocadinho mais, o cão começa logo com esses comportamentos de apaziguamento, quase a pedir desculpa, mas não é porque ele necessariamente percebeu, associa isto com alguma ação que fez. Como podes ver neste caso, o cão não fez nada, não é? Quem mexeu no biscoito foi o experimentador. Era eu, neste caso, que tirava o biscoito. Isso
José Maria Pimentel
é interessante, porque da maneira como tu estás a descrever isso, lá está, ele está a reagir. Há os sinais que lê do ser humano e não do... Exatamente. Do que no fundo aconteceu à frente dele. Mas de uma maneira mais abrangente, o que ele não tem, o que me parece que ele não tem é a teoria da mente, aquilo que eu dizia há bocadinho. Ou seja, o cão não tem a capacidade de perceber que aquilo a que nós estamos a reagir quando ralhamos com ele, quando ele faz aquilo, não é ao que está à nossa frente, mas ao ato em si, ao comportamento dele. O cão não compreende isso, porque o cão... A maneira, precisamente por isso, a maneira como nós educamos os cães é reforçar determinados comportamentos no momento, tal como tu dizias há bocadinho, e não, vá por absurdo, persuadir o cão de que aquele comportamento faz sentido. Nós temos é que reforçar para que ele de uma maneira mais ou menos automática faça aquilo que nós queremos e não, sei lá, não coma a comida, por exemplo, que está no chão ou que está na mesa, por exemplo, ou seja, não não põe as patas na mesa para comer a comida, de uma maneira puramente, lá está, não é pavloviana, é skinariana, mas de uma maneira puramente baseada em estímulos e não em, quer dizer, de uma maneira indireta, que seria possível porque não há linguagem. No fundo, não era aquilo que eu dizia já há bocadinho. No fundo, isto tem a ver com o facto de o cão não ter linguagem. Nem tudo o que vem com isso, porque não é só a linguagem, é toda a parte cognitiva que está associada à linguagem.
Catarina Vieira de Castro
Sim, para mim já daria uma discussão em si própria. A linguagem será provavelmente a base de muitas destas diferenças a nível cognitivo entre nós e os outros animais. Mas pronto, isto é para outras andanças.
José Maria Pimentel
Exato, exato. A linguagem e o que a linguagem nos permite, e de facto há muitas teorias de desenvolvimento cognitivo que têm a ver com isso, porque a linguagem permite-nos conceptualizar as coisas e os cães não têm essa capacidade. Dito assim parece uma lapa aliçada, Mas nós muitas vezes na relação com os cães atuamos como se eles tivessem essa capacidade que manifestamente não têm. Exatamente. E lá está, pode ser até contraproducente. Por acaso
Catarina Vieira de Castro
essa questão da teoria da mente eu lembro-me de algum tempo ter visto um estudo, agora já não me lembro, já foi há alguns anos. Portanto, há pessoal dedicado ao estudo da teoria da mente em cães e foi engraçado porque na altura ainda estava a fazer o doutoramento e era um investigador australiano que estava de visita aqui a Portugal e ele estava justamente a tentar, já não lembro qual era a situação experimental, mas ele estava a tentar fazer de advogado do diabo e mostrar que naquela situação poderia haver explicações alternativas para o comportamento do cão, portanto mais simples, mais parcimoniosas, não é? Mais simples, pronto, podemos dizer assim. Mas pelo menos naquele contexto tudo indicava para que se calhar tínhamos ali alguma questão, portanto cumprir os requisitos da teoria da mente e ele não conseguia explicar aquilo de uma forma alternativa e mais parcimoniosa. Mas há pessoal, Por acaso não é uma literatura a que eu me dedico muito, mas sei que há pessoal a trabalhar, mesmo com quem? Com essas questões da teoria da mente.
José Maria Pimentel
Isso é interessante. Olha, voltando aos métodos de treino, provavelmente ditos, tu tens investigado muito esta questão da relação entre os métodos, não sei como é que se diz em português, mas métodos negativos, métodos positivos, não sei se há... Podemos
Catarina Vieira de Castro
chamar-lhes assim, é difícil, eu muitas vezes refirmo ao termo que eu uso
José Maria Pimentel
em inglês,
Catarina Vieira de Castro
que é os reward based e os aversive based, mas basicamente sim, Podemos falar para...
José Maria Pimentel
Métodos de castigo e métodos de recompensa. De
Catarina Vieira de Castro
recompensa, por exemplo, exatamente. Acho que até usámos essa terminologia em uns abstractos em português.
José Maria Pimentel
Vocês têm investigado estes métodos simultaneamente do ponto de vista da eficácia, ou seja, quais são os métodos melhores, mais rápidos e mais eficazes para produzir determinado comportamento e do ponto de vista do bem-estar nos cães, que são duas coisas que podem não estar casadas, não é? Porque até podes, com determinado método, fazer o cão cumprir determinada tarefa mais rapidamente e melhor, mas aquilo provocar, por exemplo, stress no cão. As duas coisas podem não andar a par e passo. No caso do efeito sobre o bem-estar é mais ou menos intuitivo que o método baseado na recompensa é melhor do que o outro método, não é? E é isso exatamente que a vossa investigação prova, mas concretamente quais são os efeitos negativos que os outros métodos produzem? Portanto,
Catarina Vieira de Castro
resumimos aqui muito bem a investigação que nós temos feito, relativamente à parte da eficácia e eficiência, nós lá está, são os tais estudos que estamos a começar, e o facto de ter exposto aqui os dois pratos da balança é muito interessante porque eu acho que isto é aquilo que gera cabo por gerar muita discordância entre treinadores de cães. Na época tens o pessoal que utiliza, portanto aqui podemos até falar um bocadinho para as pessoas terem um bocadinho mais noção, quando falamos de métodos baseados em castigo falamos então do uso de coleiras estranguladoras, de coleiras de bicos, de coleiras eletrónicas, de bater no cão, dar um esticão na trela, etc. E quando falamos de métodos positivos e os treinadores que adotam estas filosofias baseadas em recompensa não usam nenhum deste tipo de castigos nem nenhum deste tipo de ferramentas E portanto baseiam a sua filosofia muito mais num conceito em que mostram ao cão, através de reforço positivo, aquilo que se pretende deles e através daquilo que se chama castigo negativo, aquilo que não queremos deles. Castigo negativo é, por exemplo, basicamente retirares uma coisa que o cão quer quando ele está a fazer um comportamento que tu não queres. Por exemplo, queres ensinar o teu cão, quando é cachorrinho, a não te morder as mãos. É um comportamento que eles têm muito quando são cachorrinhos. Estás a brincar com o cão, estás-lhe a dar atenção, estás a fazer festas, se o cão começa a mordiscar... Paras. Paras. Portanto, removes a atenção, removes a brincadeira e é desta forma que tu utilizas castigo. Portanto, em vez de dares um sop para o cão, fazes isto e é desta forma que os treinadores que trabalham com filosofias baseadas em recompensas atuam mediante comportamentos indesejados, ok? Mas pronto, o que aqui acontece muitas vezes é o pessoal das recompensas a dizer que o pessoal dos aversivos faz mal aos cães e o pessoal dos aversivos a dizer, pá, se calhar até queremos aqui algum stress, mas conseguimos resultados que vocês não
José Maria Pimentel
conseguem. É feio mas funciona.
Catarina Vieira de Castro
Exato, algo desse género. Algo desse género. Pronto, isto é a discussão. No campo, nós queremos saber, ok, o que é que a ciência nos tem a dizer sobre isto? Porque aquilo que os nossos olhos nos parecem mostrar, às vezes não é necessariamente aquilo que é verdade. E por isso é que foi importante este trabalho, alguma investigação que nós fizemos, para de facto verificar, porque às vezes pode parecer que estás a fazer muito mal ao cão ou que aquele estímulo é extremamente estressante, mas tu só vais saber isto se de facto fosse lá medir. Vai medir os níveis de cortisol, que é a hormona de stress no animal. Vai observar o comportamento do cão, mede a frequência de comportamentos de stress que aquele cão está a emitir naquela situação. Só assim é que tu podes dizer, ok, este método efetivamente causa algum stress ao cão. E aqui o que nós vimos na nossa investigação e logo aqui uma salvaguarda importante, que nós acabámos por dividir as metodologias em três, portanto não temos só negativos e ou castigos e recompensas, Temos recompensas e depois temos o misto. E isto é importante que nós encontramos diferenças importantes entre usares maioritariamente castigos no treino e entre misturares castigos e recompensas. E aquilo que nós vimos foi, pronto, tu usando qualquer tipo de castigo ou estímulo mais negativo, uma coleira de bicos, uma coleira de jogos, tu provocas obviamente mais stress ao cão do que se trabalhasse puramente através da recompensa. Portanto, isto é em contexto de treino. Mas quando sais do contexto de treino, que é outra coisa importante, porque uma coisa importante é, ok, no momento do treino o animal está stressado, mas o que é mesmo importante para o bem-estar do cão é perceber se este efeito... Perdura. Se transporta, exatamente, perdura no tempo, não é? No tempo ou fora daquele contexto. O stress, a aprendizagem por castigo faz parte da natureza, todos nós aprendemos. O exemplo de pôr a mão no fogão, pronto, não deseja ninguém, não é? Sim,
José Maria Pimentel
é um castigo ambiental. Por acaso, não acabou
Catarina Vieira de Castro
de ser, mas é um castigo ambiental. E os cães que estão expostos a castigos ambientais, Eles aprendem assim uns com os outros, eles aprendem assim quando andam a explorar o mundo, aprendem por castigo também. O que é importante saber é até que ponto é que estes efeitos ficam ali marcados, ao ponto em que de facto vão afetar quase que os estados afetivos do animal, os estados emocionais mais permanentes. E nós quando fomos avaliar isto nestes três grupos, o que nós verificámos foi que de facto os cães que eram treinados com proporções muito altas de estímulos aversivos tinham estados afetivos ou estados emocionais mais negativos, e podemos já falar um bocadinho sobre como é que isto é feito, do que os cães que eram treinados com recompensas, mas se fosse olhar ali para o grupo misto que era trabalhado 50-50 com castigos e recompensas, já não encontravas este efeito quase mais a longo prazo, digamos assim. Ou seja, eles de facto passam por stress no treino, mas depois não parece que aquele efeito fica ali no contexto de treino. Parece que efetivamente fica é quando trabalhas quase exclusivamente com o uso de castigos. E
José Maria Pimentel
vocês medem como? Era isso que ias falar? Pois,
Catarina Vieira de Castro
era isso que ia explicar. É, por isso é um paradigma que vem da psicologia humana e é uma ideia, a ideia é bastante simples e eu acho que podemos explicá-la pensando um bocadinho na ideia do copo meio vazio e o copo meio cheio, portanto tens um copo meio vazio ou meio cheio, dependendo se és mais pessimista ou otimista, basicamente a ideia e aquilo que nós já sabemos da literatura em humanos e também em outras espécies animais é que seres humanos e animais que estejam em estados emocionais ou estados afetivos mais positivos tendem a olhar para um copo e a dizer que ele está meio cheio, portanto vem o lado bom da vida, digamos assim. Seres humanos e animais em estados emocionais ou afetivos mais negativos, por exemplo, estados de estresse crónico, estados de depressão em humanos, tendem a olhar para o mesmo copo e a dizer, não, este copo não está meio vazio,
José Maria Pimentel
este está meio cheio. Tendem a absorver mais os sinais negativos do meio ambiente,
Catarina Vieira de Castro
no fundo. Exatamente. É um viés de julgamento. Nós com cães, ou seja, como é que nós perguntamos ao cão se ele está a ver o coco meio vazio ou meio cheio? Nós levamos os cães para uma salinha experimental e ensinamos ao cão aquilo que chamamos uma discriminação espacial. Eu quero que o cão aprenda que quando eu coloco uma gamela no canto direito da sala ela tem sempre comida e quando eu coloco uma gamela, a mesma gamela, no canto esquerdo da sala ela nunca tem comida. Às vezes o cão entra na sala e tem a gamela do lado direito e se for lá recebe a recompensa, não é? Tem comida. Sai da sala, na vez seguinte, no ensaio seguinte entra na sala, a gamela está do lado esquerdo, o cão vai lá, não tem comida. Com algumas repetições o cão entra na sala, vê a gamela à direita, vai a correr para lá e entra na sala e ou vai muito lentamente verificar
José Maria Pimentel
mas... Pouco, pouco confiante.
Catarina Vieira de Castro
Pouco convencido ou então há cães que viram as costas, eu já sei que ali não tem. Isto é o treino, ok? Portanto basicamente isto é o que tu dizes ao cão, olha cão este é o teu mundo, portanto à direita é bom, à esquerda é mau. Mas agora o que nós queremos estudar é então a resposta ao meio vazio ou meio cheio. Isto é quase como se fosse o copo totalmente cheio e o copo totalmente vazio. Mas só que nós queremos a situação de ambiguidade, queremos a situação do copo meio cheio e meio vazio. Então o que é que nós fazemos? Depois do cão ter aprendido esta discriminação, viramos o cão da sala e na vez seguinte vais colocar a gamela imagina a meio equidistante dos dois extremos. Portanto imagina que a sala tem dois metros, portanto ficaria ali a um metro, fica no meio. E é este estímulo ambíguo que vai ser a nossa pergunta para o cão. Então agora, este vais ver como meio cheio, ou seja, vais entrar e vais correr para esta gamela, não é confiante de que vais encontrar lá comida.
José Maria Pimentel
É literalmente meio cheio porque a média é metade da gamela cheia. Tem onde
Catarina Vieira de Castro
vir o padrão, não é? E portanto, a gamela está lá e nós aqui o que fazemos é efetivamente medir a latência, medir o tempo que o cão demora a chegar às gamelas, não é? Sobretudo a esta gamela do meio. E aquilo que nós vimos foi que os cães que eram treinados com altas proporções de estímulos aversivos iam significativamente mais lentos para esta gamela do meio, ou seja, mais naquela de pá, eu acho que aquilo não tem comida, do que os cães que eram treinados com métodos baseados em recompensa, que quase que tratavam aquela gamela como a gamela da direita que eles sabiam que tinha comida.
José Maria Pimentel
Engraçado. Mas estavam mais habituados a receber coisas boas, surpresas positivas da envolvência. É
Catarina Vieira de Castro
um bocado isso, sim. A ideia aqui é que quando estás a fazer este tipo de teste estás a avaliar o estado afetivo do cão, que nós sabemos que o estado afetivo do animal tem impacto na sua tomada de decisão neste tipo de situações, E lá está, quando este estado emocional é bom, quando tu és feliz, para simplificar, quando tu és feliz, quando o cão é feliz, tu vais tender a olhar para uma situação ambígua com otimismo. Se estiveres num estado mais depressivo, se estiveres em plena pandemia, Depois de três meses de confinamento, se calhar vais olhar por copo meio vazio, não é? E portanto, este foi, eu acho, que o resultado muito interessante que nós encontramos foi de facto, e que eu acho que é muito importante, que é, ok, usar aversivos tem impacto no uso de castigo de estresse aos cães, mas só se eles aparentemente forem usados em grande quantidade, é que de facto isto depois tenha um impacto no estado afetivo mais permanente do animal. Foi então medido desta forma.
José Maria Pimentel
Sim, ou seja, se forem usados em conjugação, pornições, vá, forem usadas em conjugação com recompensas em abundância, já não produz esse efeito negativo, sendo que pode ser mais eficaz. Essa é a minha segunda pergunta. Mas vocês já investigaram isso ou essa é uma investigação que está a começar, a questão da eficácia? Está
Catarina Vieira de Castro
a começar. Já temos proposto, não é?
José Maria Pimentel
Já está tudo preparadinho. Foi o protocolo que me enviaste, não é?
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, exatamente. Já temos aí a proposta, até vai ser uma colaboração com a PSP e com o IES, que vamos fazer.
José Maria Pimentel
É uma ideia gira, por acaso.
Catarina Vieira de Castro
Pronto, Permite-nos ter populações um bocadinho mais controladas também de cães. Permite-nos depois não ter que usar amostras tão grandes, tentar encontrar o efeito. Porque depois lá está. E depois aqui, obviamente, isso vai depender um bocadinho da pessoa com quem tu falas, mas se tu olhas para o treino como uma ferramenta com um fim, não é? Para mim o treino tem que funcionar, não é? Obviamente não tem que funcionar a qualquer custo, mas se estivermos a falar aqui de um nível médio, não é? De ok, o cão passa ali por um bocadinho de stress, mas aprende muito mais rapidamente ou o comportamento fica muito mais fiável, pronto, se calhar é discutível que, ok, se calhar podemos introduzir aqui alguns castigos no treino. Agora, se chegas à conclusão que o uso de castigos não te faz diferença nenhuma, então eu acho que já aí nessa situação obviamente não fará sentido nenhum se estás a aplicar castigos quando consegues fazer o mesmo, chegar ao mesmo fim, sem utilizar, sem causar nenhum stress ao animal.
José Maria Pimentel
De novo tem vários paralelismos com as crianças, seja na educação em casa, seja até na escola, que também há muito esse debate em torno de tipos de avaliação que induzem, que criam stress, e depois coloca essa pergunta se eles são ou não eficazes, no fundo, esse stress que faz parte dos seres humanos é ou não justificado por isso. Outra investigação que vocês têm, interessante, e que lá está, também tem um paralelo com as crianças, é a questão da vinculação dos cães ao dono, dependendo do tipo de método de treino que têm, não é? E que vai beber, precisamente, um tipo de experiências muito conhecidas feitas com os bebés e da vinculação deles aos pais, não é? Passa basicamente por perceber como é que eles reagem quando se tira, quando a mãe ou pai sai da sala, acho que normalmente é feito com a mãe, porque são bebés, se eles choram quando a mãe sai e depois se acalmam rapidamente quando a mãe volta. E vocês fizeram uma coisa muito parecida com os cães.
Catarina Vieira de Castro
Com os cães e os donos. Exatamente. Esse protocolo que estás a falar é conhecido como o teste da situação estranha de Ainsworth e é um teste que é feito lá está. A ideia aqui é que tu colocas a mãe com a criança na sala, depois numa sequência de eventos a mãe vai saindo, a mãe vai entrando, sai a mãe e entra uma pessoa estranha, deixam a criança sozinha na sala. Eu acho que hoje em dia deve levantarem alguns questionamentos éticos até, Porque é uma situação que inevitavelmente vai criar algum stress à criança, ok?
José Maria Pimentel
Pois, inevitável, sim, sim, claro.
Catarina Vieira de Castro
Faz parte. É a ideia no fundo. Exato. Porque aparentemente é justamente em situações de stress que tu vais provocar então a ativação do sistema de vinculação para conseguires então ver a qualidade, não gosta de se falar de qualidade, mas o tipo de vinculação que a criança tem com a mãe. E há uns anos para cá, em 98, houve uns investigadores na Hungria que fizeram a adaptação deste procedimento para ver se o mesmo tipo de comportamentos emergia numa situação em que tens o dono e o cão. Ou seja, um bocado numa tentativa de perceber se dar a esta proximidade tão grande dos cães e dos humanos, será que o tipo de relação que eles desenvolvem connosco, o tipo de vinculação pode ser semelhante àquela que os bebés desenvolvem com as mães. E então o teste é basicamente o mesmo, portanto tu chegas com o cão a uma sala, tal como com o bebé tens brinquedos pelo chão, chega com o dono, isto nós estamos sempre a filmar, depois o dono sai, depois entra a pessoa estranha, depois sai a pessoa estranha e o cão fica sozinho, depois entra o dono, depois entra a pessoa estranha, recolhes, gravas isto tudo e no fim vais avaliar os comportamentos que os cães tiveram. E tal como nas crianças também, primeiro, identificam-se alguns comportamentos comuns, muito típicos neste tipo de situação, que é, em primeiro lugar, a criança e o cão procuram mais proximidade com o dono do que com a pessoa estranha, enquanto estão na sala, mais proximidade ou contacto físico. Quando o dono ou a mãe sai da sala, quer o cão, quer a criança ou o bebê, mostram separation distress, mostram comportamentos de stress por terem sido deixados sozinhos, chorar no caso dos bebês, no caso dos cães arranhar a porta, ladrar, ficar a olhar para a porta, ok? E um efeito muito interessante, que é o efeito que depois a Mary Anne Seward usou para distinguir os tipos de vinculação, que é chamado o efeito de base segura, que é perceber se a criança e o cão vêem a mãe como uma fonte segura através da qual explorar o mundo. E como é que tu vês isto neste teste? Tu se tiveres a mãe presente, uma criança que tenha uma vinculação segura, que mostra este efeito de base segura, Quando a mãe está presente vai estar mais à vontade para ir mexer nos brinquedos, explorar os brinquedos e quando a mãe sai tu não vais ver tanto este tipo de comportamento. E nos cães verifica-se o mesmo, portanto quando o dono está presente na sala o cão anda a explorar a sala, anda a cheirar, não é? Obviamente o comportamento exploratório no cão e na criança é diferente e também brincam mais. Os cães, se o dono estiver, raramente pegam nos brinquedos, o dono estando, vês que aumenta um bocadinho o comportamento de brincadeira e de exploração dos próprios brinquedos. Agora, e este efeito de base segura, como eu estava a dizer, é muito importante, porque depois o que estes investigadores, Marianne Doors e colaboradores fizeram foi perceber que há diferentes padrões de vinculação nas crianças e que podem ser afetados por diferentes fatores. Por exemplo, sabe-se que uma educação baseada em castigos em crianças leva a uma vinculação insegura por parte das crianças. Uma vinculação insegura, tu vês que a criança, o bebê, não mostra, portanto ele mostra na mesma preferência por ficar perto da mãe, demonstra stress quando a mãe sai da sala, mas depois a mãe volta e a criança não sossega. Não vês aquele efeito de ok, a minha mãe voltou, eu posso relaxar e explorar então o mundo. E foi daqui que partiu também um bocadinho a ideia para o nosso estudo, foi perceber se a educação, se os métodos de treino de cães, alguns mais baseados em castigos e outros mais baseados em recompensas, também atuariam e influenciariam os padrões de vinculação dos cães, nomeadamente se afetariam ou não este efeito de base segura, esta questão de ver de facto ali o dono como, ah ok, o meu dono chegou, posso estar confiante e explorar aqui o mundo. E efetivamente o que nós encontramos foi um efeito de base segura nos cães que vinham de escolas que trabalhavam com métodos baseados em recompensas, mas não encontramos este efeito em cães que vinham de escolas que utilizavam métodos baseados em castigos.
José Maria Pimentel
Encontraram qual, nesse caso?
Catarina Vieira de Castro
Não encontramos nenhum aumento. Nós não classificámos, nós analisámos unicamente os comportamentos, estávamos muito focados no efeito de base segura e não na classificação, porque esta questão da classificação, ou seja, de atribuir padrões de vinculação aos cães exatamente iguais aos que se aplicam a crianças, basicamente foi aquele primeiro estudo que eu te falei que começou para abordar esta questão e só muito recentemente é que eu vi, por acaso, uns autores a tentar, Ok, vamos então começar a analisar os dados com cães também, utilizando os padrões de vinculação, como se dizia, com as crianças. Com os cães, normalmente, vais mais à procura de... O cão brinca mais ou é indiferente se o dono está presente ou não. Então, estás a olhar ali para comportamentos, para situações mais...
José Maria Pimentel
Sim, o paralelismo tem limites, no fundo, ou pode ter
Catarina Vieira de Castro
limites? Pois, pode ter limites. Aparentemente não, porque já há alguns autores que sugerem que de facto podes fazer o mesmo tipo eventualmente, de tentar encontrar os mesmos padrões, classificar os tipos de vinculação da mesma forma em cães, como fazem criança com os bebés. Mas nós nos cães que eram treinados com símbolos negativos, basicamente não encontramos diferença, ou seja, o cão não brincava mais ou menos com o seu antes estivesse com o dono ou com o estranho.
José Maria Pimentel
Desculpe, mas em média na presença do dono eles brincavam o mesmo do que os outros cães, pode-se dizer isso? Ou seja, estou aqui a pensar se poderia fazer a advogada do diabete dizer que até um cão saudável brinca tanto com o dono como na ausência do dono. No fundo está confortável em
Catarina Vieira de Castro
ambos os ambientes. Intuitivamente sim, mas é de esperar que... Por exemplo, tu sabes o que é que as tuas cadelas fazem quando sais de casa. Não sei se tens que é pronto. Não. Elas provavelmente dormem 90% do tempo. Não, mas elas têm jardim. Sim, sim, sim, não, não, mesmo com jardim. Provavelmente dormem entre 90% do tempo, ok? Isso é uma coisa que tu vês muito nos cães. Os cães, se não tiverem companhia humana, tendencialmente estão a dormir. De qualquer forma a investigação aqui foi muito partindo destas teorias que existem para a vinculação em crianças, passá-las para os cães e portanto segundo estas teorias é mais saudável também. Também podes dizer que ok eu acho que uma criança é mais saudável se quando eu sair de casa e ela ficar com, se eu deixá-la em casa dos avós ou de um amigo, que ela também brinque e esteja suficientemente à vontade para brincar. Exato. Mas efetivamente aquilo que a teoria te diz é que tu vês esta diferença, ok? E que efetivamente o padrão mais seguro, mesmo que a criança brinque, ou seja, não quer dizer que a criança não brinque quando está na tua ausência ou que o cão não brinque quando está na ausência do dono, mas este comportamento aumenta quando o dono está presente, ok? E parece de facto significar que o dono funciona então como a base segura para o cão. Embora, pronto, este estudo é obviamente é um estudo com uma amostra pequena, ok, isto eu não quero aqui… enquanto o nosso estudo sobre o bem-estar é um estudo bastante robusto, este foi um estudo que fizemos com uma amostragem mais pequena. Primeiro estudo, no fundo. Exatamente. E se reparares aqui nós ainda não tínhamos a divisão entre os mistos e os aversivos. E depois a outra questão é que apesar de nós não termos verificado este tal efeito de base segura nos cães do grupo aversivo, ou seja, não obtivemos diferenças significativas quando corremos a estatística. A verdade é que se tu olhas mesmo para os gráficos do artigo, tu vês que a diferença está lá, ou seja, os cães do grupo aversivo, mesmo assim, em termos de magnitude, brincaram mais na presença do dono do que a presença do estranho. Isto não atingiu, foi a significância estatística. Agora, e utilizámos uma amostra relativamente pequena. Agora, o que é que pode acontecer quando aumentarmos o tamanho da amostra? Isto é obviamente uma área que precisa ainda de muito estudo. Nós não podemos olhar só para este estudo e afirmar inequivocamente que...
José Maria Pimentel
Claro, evidente, não é assim que a ciência funciona.
Catarina Vieira de Castro
Não é assim que funciona, não é? Só para deixar claro lá para casas também depois. O que é que pode acontecer quando aumentas o tamanho da amostra? É das duas uma, ou o efeito extrema E tu vês que de facto, ok, a diferença nos cães do grupo aversivo continua a não existir e até, e no grupo recompensa existe. Ou pode acontecer que às vezes com um bocadinho mais da mostragem também atingas a significância estatística no grupo aversivo. Exato. Foi ainda um estudo muito exploratório, é um estudo com as suas limitações, não é pegar neste estudo e dizer, olha as coisas são assim, não batas no teu cão que senão vai estragar a tua relação com ele. Dá uma indicação, mas obviamente mais estudos são precisos, mais robustos, são posturagens maiores.
José Maria Pimentel
E há outro, nós temos estado a falar de métodos, mas até aqui temos estado na lógica, na lógica mais habitual, como é familiar a todos, de métodos que estão concentrados num estímulo a seguir um determinado comportamento do cão em relação ao ambiente dele. Há outra outra vertente relativamente recente, sobretudo, e eu já tinha apanhado isso e tu mandaste um vídeo que tem muita piada, sobre isso, que é de uma treinadora italiana, como é que
Catarina Vieira de Castro
ela se chama? Claudia Fugaza.
José Maria Pimentel
Que passa a propor o cão a perceber aquilo que nós queremos que ele faça, através dos... Replicando os nossos próprios comportamentos. Ou seja, se eu quero que o cão levante as patas, eu levanto os braços e ele, através, presumo-se, de um treino anterior, isto não acontece da noite para o dia, percebe que eu quero que ele replica aquilo que eu estou a fazer. Ou se eu bater com a mão na boca, ele vai bater com a... Não sei se um cão consegue fazer isso muito facilmente, provavelmente sim, com a pata na boca.
Catarina Vieira de Castro
Deve depender da raça. Um buldogue não consegue.
José Maria Pimentel
Ou se eu me sentar, para dar um exemplo mais evidente e mais óbvio para um cão, sempre sentar. Ou seja, em vez de... O método normal para nós, fazemos um cão sentar, para quem já educou o Caze, é levantarmos a mão à altura dos olhos dele, ou seja, ele vai levantando cada vez mais o focinho até que naturalmente se vai sentando e a primeira vez que ele faz aquilo nós damos-lhe um biscoito e depois fazemos aquilo várias vezes e ele já percebe que quando nós dizemos senta, e isto acompanhado pela palavra, quando nós dizemos senta é para se sentar, já criou aquele reforço. Aqui está-se a fazer isto de uma maneira diferente em que o cão percebe que o objetivo, a maneira de nós comunicarmos com ele não é esta maneira indireta, mas é nós fazemos um determinado gesto e esperar que o cão replique aquele gesto. Isto é muita piada, não é? Eu nem sei como é que se faz isto, como é que se consegue fazer.
Catarina Vieira de Castro
É, isto basicamente é treino por aprendizagem social ou imitação mesmo. É a primeira vez que eu ouvi falar disto, eu sou bastante cética de uma forma geral, mas eu fiquei mesmo... Não, não, não. Há aqui alguma coisa que não... Há aqui alguma coisa que não está a ser contada. Mas de facto, e aliás, a Claudia Fugasa que é investigadora também, ela faz parte do grupo de investigação de Budapeste, que eles têm um grupo de investigação em cognição canina. Ela agarrou um bocado, ela fez o doutoramento dela em torno disto e tem feito já vários estudos em sequência, no sentido de tentar, lá está, excluir aquelas hipóteses alternativas mais parcimoniosas que eu falava há bocado num outro contexto. Porque, por exemplo, se tu vises o primeiro estudo que foi publicado em Cães com este método. Portanto, isto basicamente é como tu definiste. Embora, obviamente, isto tenha um treino prévio e a seguir já vamos explicar. Há um caminho.
José Maria Pimentel
Há um caminho,
Catarina Vieira de Castro
sim. Porque tu tens que ensinar ao cão, o cão tem que perceber o que é que tem que fazer. E numa fase inicial, não podes dizer que isto é só aprendizagem social, porque há uma fase em que tu ensinas uma regra por condicionamento operante, por
José Maria Pimentel
reforço de comportamento. De maneira clássica.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. Mas, portanto, só para concluir o raciocínio, o primeiro estudo era um estudo em que só havia ações dirigidas a objetos, ou seja, parecia com o cão. Imagina, se eu tocasse aqui no meu microfone, olhasse para o meu cão e dissesse do it, o cão vinha e tocava no microfone, ou com a mão, imagina. Ou que se eu me sentasse no sofá, me levantasse, ou fosse para cima do sofá, me levantasse e dissesse ao meu cão do it, o cão ia para cima do sofá. Mas, portanto, tudo ações dirigidas a objetos. E na altura o que eu pensava é, Bem, isto se calhar não é aprendizagem social porque há um fenómeno conhecido da aprendizagem que é realce, talvez o realce do local, o realce do estímulo. É quase como se tu e eu estar aqui a mexer no microfone ou estar aqui a... Eu estou-te a chamar a atenção para este objeto. E para espécies que são, sobretudo sociais, é perfeitamente natural. Tu ves muito isto nos cães. Um cão, se calhar às vezes com as duas, uma se vai cheirar alguma coisa na rua, algum cantinho, a outra a seguir vai lá. Espera aí, o que é que há aqui de interessante? Ok? Portanto, podia não ser imitação necessariamente, podia ser só o facto de eu estar a chamar a atenção para um determinado estímulo que levava ao cão a acabar por ter interesse naquele estímulo e produzir algum comportamento relacionado com este estímulo, que naturalmente seria... Sim. No fundo
José Maria Pimentel
era um comportamento prévio, um comportamento de ir fazer aquilo que tu fazes porque estás a chamar a atenção para um determinado objeto.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, e não necessariamente porque estava a fazer por imitação. Agora a coisa fica mais fascinante quando tu percebes que em estudos subsequentes isto também se refere a movimentos corporais e que aparentemente este método também serve. Tu através dele consegues ensinar o cão a fazer movimentos corporais, por exemplo, a girar sobre ti próprio, a sentar-se, como tu disseste, ou a deitar-se. Portanto, comportamentos que parece que já exigem um grau de abstração um bocadinho diferente, não é uma coisa eu ter aqui. Tu próprio se começares a dizer às tuas cadelas, a tocares nalguma coisa e dizer anda cá, anda cá, anda cá. Elas vão, não é? É natural que vão, estás a chamar a atenção para aquilo. Ou anda para o sofá, tu só bates no sofá e o cão normalmente eles percebem isso, quer passar a tapa ao sofá, roupa ao carro, qualquer sítio. Outra coisa é tu, agora de repente, dizes ok, vou ensinar o meu cão a girar sobre ele próprio, como? Eu giro sobre mim próprio e a seguir peço ao cão para me imitar e aí o cão faz.
José Maria Pimentel
Mas no limite isso não é a mesma coisa do que um comando, do que uma ordem? Ou seja, o cão o cão se senta ao ato de sentar, não é? Se em vez de eu dizer a palavra senta, eu me sentar, ele está a associar no fundo um gesto, aqui no sentido lato, não é? Um gesto meu, não é? Podemos chamar a sentar uma espécie de gesto, não é? Um movimento meu ao ato de sentar. O que é um pouco diferente, eu não sei o que é que... Eu só vivi uns vídeos que achei interessantes, mas nunca dá para perceber, até que ponto é que aquilo é uma novidade para o cão, não é? É um bocadinho diferente da faculdade mais ampla de imitar. Sim. É uma coisa mais ampla, ou seja, se tu me pedis para te imitar, eu não sei... Tu se calhar vais fazer uma coisa que eu nunca vi na vida, que é tocar duas vezes a bochecha do lado esquerdo e manda a bochecha do lado direito, eu consigo imitar, embora provavelmente nunca tenha feito isso na vida nessa sequência, não é? Não sei se percebes o que eu quero dizer, não? O que é que está aqui em causa? Sim, eu
Catarina Vieira de Castro
acho que sim. Eu acho que, sinceramente, eu acho que não é claro ainda quais é que são os limites desta aprendizagem, ok? E sem dúvida que há aqui uma fase em que acontece, há uma fase no protocolo de treino, isto é, tu simplesmente, tu para chegares a este ponto e efetivamente vais fazer uma ação que o cão nunca aprendeu de outra forma, porque é muito fácil ensinares o cão a girar sobre ele próprio, com a comidinha, a seguir a mão, etc. Mas este método, ok, e aquilo que se tem visto é que tu podes ensinar uma ação que o cão nunca viu, nunca fez antes, por imitação, aparentemente.
José Maria Pimentel
Ele adquiriu aquela faculdade geral, genérica.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente, é como se quase tivesse adquirido o
José Maria Pimentel
conceito. Agora, o
Catarina Vieira de Castro
processo para chegar aí é longo e lá está, não é muito fácil encontrar informação sobre ele e até foi por isso que eu também me meti há um tempo numa formação com a Cláudia Fugazas justamente para também prestar um bocadinho mais isto. Porque mesmo os próprios artigos, a descrição do protocolo não era muito clara, mas ela entretanto também já tem livros e portanto fica mais fácil perceber que há várias fases neste protocolo. Tu numa fase inicial tens sempre que trabalhar com comportamentos que o cão sabe, ok? Ela tem uma regra que é, ok, o teu cão tem que saber três comportamentos, fazer três comportamentos a teu pedido verbal, ok? Pois está aqui algumas questões que não se percebe porquê. Por exemplo, se o teu cão fizer o senta só com gesto, se o teu cão não souber fazer o senta só com a palavra, sem tu dares nenhuma pista corporal, aparentemente o protocolo já não funciona. Portanto imagina
José Maria Pimentel
que... Pois, é estranho. Devia ser bom no limite.
Catarina Vieira de Castro
Eu não percebo, efetivamente, nem tenho nenhum insight sobre qual é que possa ser a questão aqui, mas aparentemente tens que ter três, aquilo que diz, três comportamentos sob controle verbal, ou seja, estás mesmo que estejas a olhar para o teto, dizes senta o cão, senta, dizes toca e o cão vai tocar num corno que tens na sala, por exemplo, mas tudo isto foi ensinado com reforço.
José Maria Pimentel
Sim, com método clássico.
Catarina Vieira de Castro
Com método clássico, como tu gostas de chamar. E um outro comportamento que é, por exemplo, saltar. Diz saltar e o cão salta, nas quatro patas. Portanto, isto tu tens que ter, isto é tipo, são as fundações, são as bases para começares a trabalhar com este protocolo que se chama do aside, este método de treino. Na fase seguinte o que tu vais fazer é aquilo que tu disseste muito bem, é ensinar ao animal que o teu movimento corporal, aquilo que tu estás a fazer com o teu corpo, a ação que tu estás a fazer com o teu corpo, é um comando para ele fazer aquele comportamento. Ou seja, pegas nesses comportamentos e imaginas um comportamento sentado. Portanto, o teu cão, tu olhas para o teto e até dizes senta e o cão sabe sentar. Na fase seguinte o que é que vais fazer? Vais-te sentar, vais-te levantar, vais dizer do it, é aqui que eles introduzem a récorda, isto depois é bastante complexo. E a seguir dizes senta e o cão senta. Ok? Se tu fizeres isto várias vezes, ao fim de algum tempo, só porque tu sentares o cão vai perceber, ah este é o comando para eu me sentar. E tu podes experimentar isto com as tuas cadelas. Se tu desde para amanhã quiseres mudar o comando que tu tens para o senta para uma palmada na cara, se tu fizeres, imagina, tu dás uma palmadita na tua cara e a seguida dizes senta e fizeres várias repetições ao fim de algum tempo das a uma palma deita na tua cara e o cão vai sentar. É o suficiente. Portanto há esta, aquilo que nós chamamos uma mudança de sinal, portanto, ou de comando, não é? Mudas o, em vez do comando ser a palavra senta passa a ser eu sentar, ok? E depois fazes o mesmo por exemplo para o exercício de tocar no corno. Vais tocar no corno, voltas, dizes do it e dizes toca, que é o que o cão sabe. O cão vai lá e faz. Portanto, há esta fase de construção que de facto é como se tivesse a ensinar ao cão a regra de tens que fazer o que eu faço. Embora lá está, mais uma vez para mim nesta fase é como é que o cão interpreta isso, não é? Porque isto já exige algum nível de abstração, não deixa de ser fascinante, mas é assim, se ficares por aqui tudo bem para mim, olha, isto é um gesto como o outro, eu sento-me e o cão senta, eu poderia fazer o pino e o cão sentar. Sim, não é diferente. Continua a ser arbitrário.
José Maria Pimentel
É como uma pessoa muda, por exemplo, ir do cão ao cão, não é? Se não consegues falar, tens que fazer através de gestos, não é? Presumo eu, não
Catarina Vieira de Castro
é? Sim, e que inicialmente podem ser arbitrários, não é? Exato, sim. E que aprendes por associação. Para o cão São arbitrários. Exatamente. Nós dizemos senta ao cão que ele sabe lá o que é que é senta, não é? Agora, o que é extraordinário é que depois efetivamente, depois tens que ensinar, ou seja, tens que carregar bastante nesta fase de ensinar ao cão a prestar atenção àquilo que tu estás a fazer e que aquilo que tu estás a fazer e que aquilo que tu estás a fazer é um comando para aquilo que queres que ele faça. E depois o que é extraordinário é que efetivamente parece que chega a um ponto em que vais conseguir ensinar coisas completamente novas a um cão só com base na imitação. Ou seja, uma vez o cão aprendendo esta regra do it, em que o cão olha para ti e imita, vê o que tu fazes e imita. Aparece que há efetivamente aqui um momento em que eles aprendem esta regra. Então tu podes ensinar o que quiseres e portanto imagina porque o teu cão não sobe para a mesa, espero que não suba, não é? Portanto se eu hoje quiser, isso não é o meu conceito de ir para a mesa. Subo para a mesa, saio, digo do it e o cão sai. Claro. Depois eu também sei que há alguns limites, eu sei que foram sendo soltados na formação, por exemplo, tu dás uma voltinha sobre ti próprio. Tu é um cão com reforço positivo, podes ensinar a girar para a esquerda e para a direita e usas sinais diferentes. E são comportamentos diferentes, não é girar para a esquerda ou girar para a direita. Parece que com o do aside do não consegues essa fineza, ok? O cão consegue perceber o conceito de girar mas não se é para a direita ou para a esquerda. Por exemplo, tocar num objeto com a mão direita, se calhar vais lá com a mão direita e o cão não sabe se é com a mão direita ou com a mão esquerda. Oferece-te com uma.
José Maria Pimentel
Sim. Ou seja, não é essa faculdade, não é tão fina.
Catarina Vieira de Castro
Exatamente. Não há tanta finura ou fineza, mas não deixa de ser extraordinário.
José Maria Pimentel
É extraordinário e tem um grande potencial, não é? Porque de repente, lá está, estás a criar um sistema aberto, onde tinhas um sistema fechado, porque é um sistema que depois permite incorporar todo o tipo de comportamentos. E não me espanta completamente, nunca me tinha ocorrido, como é evidente, mas não me espanta completamente porque eu vejo, lá está, até nas minhas cadelas, eu vejo essa capacidade de discernir ações que eu vou fazer, essa capacidade de prever, digamos assim, através do que eu estou a fazer. Isto é mais ou menos evidente, não é? Os cães, claro que, sobretudo, por exemplo, a minha cadela que é pastora bélica, que é com pastor e, portanto, é uma raça que tem mais essa apetência, porque foi selecionada para ter uma grande capacidade de perceber aquilo que o pastor estava a fazer, a perceber os movimentos, ela depreende dos meus movimentos, ou seja, da minha linguagem corporal, coisas que eu vou fazer. E até, por exemplo, quando eu vou correr com ela, muitas vezes, ela percebe... Eu normalmente vou correr com ela, eu levo a trela à volta da cintura que está presa nela e ela vai correr à minha frente ou ao meu lado. E ela percebe os meus movimentos quando eu vou virar à esquerda ou à direita na estrada, que estou em piada. Ela percebe logo, ou seja, ela faz logo o movimento porque ela no fundo está a antecipar aquilo. Portanto, é evidente que os cães têm essa capacidade. Mas daí ela poder ser catalisada para esse efeito já não seria tão expectável assim, por causa disso é extraordinário.
Catarina Vieira de Castro
Sim, eu confesso que eu sempre fui bastante cética.
José Maria Pimentel
Ou seja, mostra, nós estávamos a bocadinho a falar dos limites da inteligência canina. Se calhar não são assim tão limitados. Isso sugere que eles se calhar não estão completamente explorados, digamos assim. Tal como, tal como, outro exemplo de como eles não eram e se calhar não estão ainda totalmente explorados, é que, na outra vertente, é aquele exemplo do, daquele Border Collie conhecido que decorou mais de mil palavras, que é uma coisa
Catarina Vieira de Castro
extraordinária. Mil e vinte e duas. Pois eu
José Maria Pimentel
gosto da precisão do mil e vinte e duas, não são mil. Porque eles
Catarina Vieira de Castro
foram testando o limite, não é? Eles queriam ver até onde é que o cão aprendia. Eles tinham mais objetos do
José Maria Pimentel
que esses para ensinar o cão.
Catarina Vieira de Castro
Ah, é que foi o limite que eles conseguiram. Não foi o tempo que esgotou, foi o limite.
José Maria Pimentel
E era incrível porque isso foi um vídeo que tu me mandaste, que eu depois ponho nos links, que tem muita piada aquela questão do cão decorar os nomes dos objetos e o dono estava a fazer isto sem olhar para trás, que é um aspecto interessante, ou seja, não dava a dar nenhuma linguagem corporal, nenhuma pista através do olhar e ele lisa o nome de um objeto que não tem nada a ver e o cão fica ali, meio a olhar para os objetos, meio a anora basicamente e de repente mordisca o objeto que era o único cujo nome ele não conhecia, portanto ele vai lá para a exclusão de partes, mas não muito convencido. E depois o dono dá-lhe o reforço, faz-lhe uma festa e ele basicamente terá introduzido aquele objeto extra no leque de objetos que ele conhecia ou não, mas tem piada essa capacidade de ir lá para a exclusão de partes.
Catarina Vieira de Castro
É, é que já é uma faculdade, digamos assim, cognitiva um bocadinho mais avançada, não é? Exato, exato. Por acaso eu estive a ler o estudo destes dias, que já há muito tempo que não pegava nele e sim, de facto esse estudo mostra que o cão não só é capaz de decorar esses objetos todos pelos nomes, como é capaz de fazer então esse raciocínio puro escultado. Portanto, se o meu dormo-me-pega uma coisa que eu não conheço, não é nenhum destes, é este. E outra coisa interessante que eu já não me lembrava é que o cão consegue associar também diferentes ações ao mesmo objeto. E eles no estudo eu já não me lembrava desta parte. Tu imagina, cada boneco tinha um nome porque aqui a questão era, será que o cão percebe que, sei lá, imagina, eu sei que ia para lá um boneco que era o Darwin ou o Einstein, eu acho que era o Darwin, então o cão sabe que este boneco é o Darwin? Ou quando eu lhe digo Darwin, ele vai buscar o boneco e traz? Porque é um comportamento. É o comportamento ou é o objeto no fundo? Exato, exatamente. Então eles testaram, ensinaram o cão a fazer pó, ou seja, a tocar com a patinha no objeto, nose, tocar com o nariz, ou bring, take, find, como é que eles diziam. E viram que o cão, com algum treino, obviamente, tudo isto que estamos a falar não é uma coisa que o cão faça de um dia para o outro. Claro, claro. Exige muito, muito, muito treino. Mas que o cão era efetivamente capaz de diferenciar, lá está, nessa mesma situação que tu disseste, o dono com a barreira e entre ele e o cão e os objetos, sem saber a posição dos objetos, porque tudo isto é importante controlar. Nós já sabemos que os cães são muitíssimo bons a apanhar, os cães e não só. Pistas. Outros animais, as nossas pistas. Que se ele dizia, Paw Darwin, a cadelinha ia lá e dava com a patita no Darwin. Se ele dissesse, find Darwin, ele ia buscar o Darwin e trazia o Darwin. Knows Darwin, ela sabia que era empurrar com o narizito, que também é muito interessante.
José Maria Pimentel
Sim, é interessante porque mostra, lá está, um grau de cognição superior, porque é capaz não apenas de identificar o objeto, mas de o relacionar numa segunda dimensão, não é? Para lá do objeto. Exatamente. Tem muita piada isso. E sei que tens três livros para recomendar.
Catarina Vieira de Castro
Tenho três livros. Tens aquela, tu pediste-me um livro e eu não sabia bem o que é que eu vou escolher, não vou escolher Só um, está bem, vou escolher mais do que
José Maria Pimentel
um. Sim.
Catarina Vieira de Castro
Pronto, e aqui pensei um bocadinho, eu escolhi dois livros, escolhi um livro académico e escolhi dois livros mais mainstream e aqui na parte académica, pronto, para quem se interessar por mais mesmo, por ver exatamente como é que os estudos são conduzidos, este tipo de estudos que aqui estivemos a falar em detalhe e saber efetivamente qual é o conhecimento científico atual sobre o Cairns, tenho aqui um livro que eu gosto muito que se chama The Domestic Dog, Its Evolution, Behavior and Interactions with People, que é um livro editado pelo James Serpell, que é um investigador norte-americano, e que é um livro que compila capítulos escritos por diferentes autores, que é uma coisa que eu gosto sempre, em vez de ter a perspectiva só da pessoa, que não é o supera-suma, embora ele seja um excelente investigador com uma carreira já muito longa. Ele
José Maria Pimentel
é o coordenador do livro, no fundo.
Catarina Vieira de Castro
É, exatamente. E é um livro que cobre vários dos tópicos e das temáticas que estivemos aqui a abordar hoje, desde questões da origem e evolução do cão, a parte destas questões da cognição, fala também sobre um capítulo sobre métodos de treino, falam desta parte também da imitação e por isso tem aqui mais para o fim uma parte interessante também sobre a vida nas margens que é então esta questão dos cães frais, não é? Cães alvejos, sim. Porque nós trazemos os cães para a nossa beira, mas ao mesmo tempo temos cães que já não são lobos, são cães, mas viver mais, digamos assim, à margem da sociedade. E depois tem dois livros um bocadinho mais gerais, mais, embora sejam densos também, eu realmente não consegui escolher a literatura muito curta. Um livro é o Dog Sense, do John Bradshaw. Eu sei que há versão em portuguesa, mas eu nestas coisas sou muito a favor das versões originais, mas pronto, quem quiser ler em português, eu sei que este
José Maria Pimentel
livro está... Sim, deve dar para encontrar facilmente.
Catarina Vieira de Castro
Sim. Pronto, e é um livro, pronto, mais dirigido para o público em geral e não tanto para quem é que põe os maluquinhos da investigação. E que fala também, cobra um bocadinho destas questões, está bem? Também a origem do cão, métodos de treino, esta questão da inteligência canina, pronto depois termina aqui com uma parte interessante que não abordámos hoje, mas que também já falaste com o teu convidado anterior que é a questão do exagero no apuramento de algumas raças e das implicações que isso tem para a saúde.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Não, eu não falei disso hoje porque presumi que tivesses uma opinião muito nessa linha, portanto não... Sim, sim, sim. Mas quando fica reenfatizado.
Catarina Vieira de Castro
Sim, sim, sim, sem dúvida. Concordo com o... Com
José Maria Pimentel
o bom senso de resto, não é? Quer dizer, é uma coisa que a gente concorda, não é?
Catarina Vieira de Castro
Sim, sim, sim. Não há muito por onde discordar. Não há muito por onde discordar. Quando chegas ao ponto em que tens animais que precisam de cirurgias para conseguir respirar, é sinal que chegam, não
José Maria Pimentel
é? Sim.
Catarina Vieira de Castro
Portanto, depois, por último, escolhi um livro mais relacionado com treino, portanto é um livro sobre o treino de cães, que tive alguma dificuldade porque aquilo que eu pensava quando, há uns anos atrás, quando me meti nesta coisa de treino de cães é um bocadinho diferente da perspetiva que tenho hoje, mas eu acho que este é o livro mais, é porque eu era muito, ai o reward based é que é bom, não é? César Mil... Efetivamente o César Milano, vá. Não é agradável. Mas, pronto, depois quando começas a meter a ciência aqui ao barulho também...
José Maria Pimentel
Mas, desculpa, a tua perspectiva original era 100% reward baseada em recompensa? Era, era, era, era. E hoje é mais matizada, no fundo.
Catarina Vieira de Castro
É, o mais realista acho eu. Porque também comecei, comecei a ter mais experiência.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Algumas coisas são
Catarina Vieira de Castro
difíceis, há coisas que são difíceis de pensares em resolver só com, sem recorrer a castigos. Agora, obviamente, sempre muito cuidado, porque nós sabemos o impacto que isto tem hoje em dia, o que pode ter as pessoas usadas de forma muito forte no treino de cães. E eu acho que este livro acaba por ser um livro bastante equilibrado. O livro chama-se The Culture Clash, ideia de uma treinadora, chama-se Jean Donaldson. Eu acho que também há a versão em português, O Choque de Culturas, mais uma vez recomendo a original. Mas é um livro bastante equilibrado. Eu estive aqui a ver algumas coisas e ela fala dos vários métodos de treino, de reward based e castigos e apresentam-os de forma muito objetiva, que é uma coisa que eu prezo muito. Eu acho que aquilo que acabei por ficar, que me começou a incomodar ao longo do tempo, à medida que me fui envolvendo mais com o treino de cães e com a literatura científica também, foi perceber esta tendência para-se muito rapidamente colocar as emoções à frente da objetividade. Exato, sim, sim, sim. Romantizar um bocado a coisa. Exatamente, à frente da objetividade. E ela levanta aqui, obviamente, as questões sobre o impacto que alguns métodos muito tradicionais podem ter no bem-estar dos cães. Às vezes se aplicados fora do tempo ou em exagero, mas portanto não é uma pessoa que simplesmente passa por cima deles, ignora e diz que quem os usa só está a maltratar os animais. Portanto, eu acho que acabei por escolher esse livro. Sim,
José Maria Pimentel
as coisas têm uma lógica. Sim, sim, sim. Boa, excelente. Catarina, muito obrigado.
Catarina Vieira de Castro
Obrigada, mais uma vez José. Foi um prazer estar aqui a conversar contigo.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Hugo Oliveira. Visitem o site 45graus.parafus.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Miguel Van Uden, José Luís Malaquias, João Ribeiro, Francisco Hernandes Gildo, Família Galeró, Nuno e Ana, Nuno Costa, Salvador Cunha, João Baltazar, Miguel Marques, Corto Lemos, Carlos Martins, Tiago Leite e Abílio Silva.