#104 José Homem de Mello - Cães como nós

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Estamos de volta aos episódios regulares e começamos por falar sobre cães. O convidado é José Omendemelo, que é juiz de exposições caninas internacionais e criador de cães da raça Basset Hound, tendo já criado 15 cães campeões do mundo e vencido, em 1995, o prémio máximo da exposição canina mundial, no que foi uma das únicas vitórias de um português nesta competição. Estive algum tempo na dúvida sobre com que tema retomar o podcast e acabei de forma mais ou menos inconsciente por ir parar a um que me tem estado mais próximo desde a pandemia, em que tenho passado mais tempo em casa, visto que tenho duas cadelas, uma da raça pastor belga e outra sete era irlandês. Este tema é claro, especialmente interessante para quem tem, teve ou quer ter cães, mas diria que também o é para qualquer pessoa que se interesse pelo mundo natural, por animais em geral ou até mesmo por história ou geografia, visto que este tema toca todos esses aspectos de uma forma ou de outra. Como é que costuma acontecer quando pego em temas diferentes, acabei por me dar conta que o tema tem muito mais que se lhe diga do que parece à primeira vista, e por isso decidi gravar dois episódios com dois convidados diferentes. Um mais sobre as diferenças entre raças, este que vão ouvir, e outro, que vão ouvir no próximo episódio, sobre comportamento, treino e bem-estar. Neste episódio com José Homem de Melo, tentei tirar partida da experiência do convidado enquanto criador e juiz de exposições internacionais e falámos, sobretudo, dos vários tipos de raças que existem, e são quase 400 no total, das suas diferentes funções, da história de cada raça e do comportamento típico e até do aspecto das várias raças de cães. Na verdade, embora o ser humano tenha vindo há milhares de anos a aplicar uma seleção artificial sobre a espécie canina, selecionando os cães com melhores características para diferentes funções, a verdade é que as raças, tal como as conhecemos hoje, têm uma origem muito mais recente do que possa parecer. Foi só na Inglaterra, do século XIX, que começaram a surgir as posições caninas e com elas um movimento que levou à organização e ao apuramento das diferentes raças e que originou com ele a maioria das raças que conhecemos hoje. O estándar das posições de cães é hoje definido pela Federação Cinológica Internacional, que divide as raças de cães em 10 grupos diferentes. Por isso, começámos o episódio a percorrer essa lista de 10 grupos de raças, para tentar organizar um pouco as ideias e compreender o que distingue os diferentes grupos de raças, que vão desde os cães-pastores aos cães de caça, passando pelos cães de guarda e até pelos cães de companhia. Falámos então do que distingue os vários tipos de raça em termos de história, da função e do seu aspecto. Uma nota, logo no início da descrição, o José enganou-se e começou pelo grupo 2, o dos cães de guarda, em vez do número 1, dos cães pastores. Por isso não estranhem quando ouvirem o convidado logo depois clarifica. A partir desta espécie de taxonomia das várias raças, nestes 10 grupos, a conversa levou-nos a falar sobre as raças portuguesas, e sobre uma série de outros temas. Falámos sobre o exagero que houve no apuramento de algumas raças e que gerou cães com sérios problemas de saúde, como é o caso do bulldog, que até tem dificuldade em respirar. Falamos também do movimento que existe hoje anti-corridas de cães, corridas de galgos. Falamos ainda das chamadas raças perigosas, das vantagens e desvantagens de escolher um cão rafeiro, ou ainda da tendência recente de cruzar, propositadamente, cães de raças diferentes, seja com objetivos estéticos ou objetivos funcionais. Antes de avançarmos para o episódio em si, queria deixar aqui uma espécie de anúncio de classificados. Estou neste momento à procura de um novo editor de som para o 45°. O Martim Cunha-Rêgo, que tem feito um ótimo trabalho nos últimos dois anos, vai ter de sair, e por bons motivos, e por isso precisa de alguém que assegure que os episódios mantêm a qualidade de edição que, julgo, distingue o 45° no espaço dos podcasts portugueses. O trabalho de edição de som é algo que não é muito visível, aliás, é tanto melhor quanto menos se notar, mas é essencial para assegurar que cada episódio tem um som de qualidade, para resolver problemas que muitas vezes surgem na gravação e, sobretudo, para transformar uma gravação inicial em bruto, que vem sempre cheia de interjeições, repetições e redundâncias que são próprias da oralidade, no episódio final em que só consta o filé mignon, chamamos-lhe assim, da conversa. O perfil da pessoa que estou à procura para o 45° é de alguém que tenha experiência com software de edição de som, mas também, ao mesmo tempo, interesse e sensibilidade em relação aos temas que abordo no podcast. Aliás, este último aspecto é, de certa forma, até o mais importante, porque em termos técnicos a edição de um podcast deste tipo é relativamente simples. O mais difícil é muitas vezes ter a sensibilidade para saber, por exemplo, o que cortar em cada conversa e, crucialmente, o que não cortar em cada conversa. Por isso, se conhecerem alguém que tenha este perfil e que possa ter interesse neste projeto, enviem-me, por favor, um e-mail para 45graus arroba gmx.com. Obrigado. Para já, deixo-vos então com esta conversa. No próximo episódio, como disse há pouco, falaremos também de cães, mas mais numa lógica de comportamento, treino e bem-estar. Estarei à conversa com uma investigadora da Universidade do Porto, que é também treinadora e que tem feito investigação nesta área. Por agora, deixo-vos então com José Homem de Melo e com este episódio a que chamei Cães como nós, parafraseando o excelente título de um livro de Manoel Alegre. Comecei a nossa conversa fazendo ao convidado a seguinte pergunta. De onde é que veio o cão enquanto espécie?
José Homem de Mello
O cão começa há muitos milhares de anos. Está provado que o cão descente do lobo cinzento. E a partir daí avançamos até à atualidade e, portanto, até a todas as raças. Mas, sabe-se que foi há cerca de 14.600, 15.000 anos que há, digamos, vestígios em que cães foram sepultados com os seus donos. Mas há cerca de 30.000 anos já há vestígios de cães domesticados e o cão foi o primeiro animal domesticado pelo homem. E a principal razão, como penso que é um pouco óbvio de onde vem o cão, porque o cão vem do lobo cinzento, foi uma questão de defesa. Nessa altura havia muitos animais ferozes que atacavam o homem e o homem necessitava de um animal para o proteger. E foi essa a razão da domesticação do cão. Sim, ou seja,
José Maria Pimentel
os primeiros cães eram cães de guarda.
José Homem de Mello
Eram cães de guarda, exatamente. A partir daí foram-se criando laços entre o homem e o cão, que são por demais conhecidos. O cão é um animal que se dedica inteiramente ao seu dono. Por muito mal que seja o dono, o cão perdoa-lhe sempre. E realmente é uma característica muito nobre do cão. É um animal, ao contrário de outros animais domésticos, e não tem nada contra os gatos, mas, por exemplo, se compararmos o cão com o gato, as festas que um cão faz ao seu dono quando ele chega à casa não são as mesmas que um gato faz. Um gato também faz, mas são diferentes. E, portanto, é essa a razão que levou a que o cão tivesse um lugar muito especial na vida do homem. Com os anos a passarem, e agora vou dar um salto muito grande, vou passar para os egípcios, nós vimos que os faroós tinham uma raça que atualmente ainda existe, que é o Faroe Hound, que está presente nos seus túmulos, nas suas culturas. O Faroe Hound ainda existe, é uma chamada raça primitiva, uma das raças... Pois como o cão de Canã, não é? Exatamente, o cão de Canã. Temos outro cão também dessas raças primitivas, oriundo da África, que é o basenji, que é muito engraçado porque é um cão que não ladra. É? É um cão que não ladra. Curioso. Não é sintostrono porque
José Maria Pimentel
os lobos não ladram, não é? Exatamente.
José Homem de Mello
Exatamente. Estes, na U e vão, fazem uns sons um pouco esquisitos, como um gargarejar, assim, uma situação, digamos, um som um bocado esquisito, mas não ladrão. E, portanto, a partir daí e principalmente a partir do século 18, 19, o homem, e anteriormente, o homem foi criando, na altura não podemos chamar raças, eram tipos de cães, o tipo de cão para caça, havia cães de companhia, e foi criando raças com específicas funcionalidades, porque, como sabe, o homem precisava de caçar, precisava de caçar coelhos e tinha que criar um cão e, digamos, apurar a raça de um cão específica para a caça ou coelho e outros tipos de caça e por isso temos hoje em dia cerca de 380 raças espalhadas pelo mundo.
José Maria Pimentel
380? Embora depois... Creio que elas não estão todas reconhecidas em todo lado, não é?
José Homem de Mello
Não. Ou... Reconhecidas... Reconhecidas... Por exemplo, nós, em Portugal, temos 11 raças caninas. Duas delas ainda não estão reconhecidas a nível internacional. Estão reconhecidas a nível nacional, pelo Clube Português de Canicultura, que é o cão do barrocal Algarvio e o barbado da terceira. O cão do barrocal Algarvio é um cão do quinto grupo, do grupo dos primitivos, e é um cão de caça. E o barbado da terceira é um cão de gado, é um cão de pastor. E, portanto, todas as outras raças portuguesas estão reconhecidas. E as raças portuguesas são essencialmente raças funcionais. Portanto, todas as nossas raças foram criadas pelos nossos antepassados com um determinado objectivo funcional. Seja ele de caça, seja ele de guarda, seja ele de trabalho, como por exemplo, muitas pessoas não sabem, mas o Cão d'água português foi criado na região sul de Portugal, no Algarve, para ajudar os pescadores na lida da pesca.
José Maria Pimentel
O cão de água português vem de quê? Porque ele é aparentado vagamente com o labrador, por exemplo, não é? Portanto, com os cães de... Com os retrievers, não é?
José Homem de Mello
É, e não tanto. Está mais ligado também com o barbê, com um cão francês, um cão d'água. Portanto, o cão d'água fazia o quê? Ele estava no barco e ia buscar o peixe à água, basicamente? O cão d'água, basicamente, era um cão para guardar o barco do pescador E, além disso, era um cão que, na pesca ao atum, os barcos faziam o cerco, os pescadores com as lanças apanhavam o atum para o barco, não é? E normalmente os últimos peixes que não eram apanhados pela lança, os cães atiravam-se à água e iam buscar esses atums.
José Maria Pimentel
Engraçado. Pois, curioso, mas eles tinham uma dupla
José Homem de Mello
função de guarda e de ir buscar. Exatamente porque o Condongo Português está no oitavo grupo onde estão os retrievers.
José Maria Pimentel
Ah, ok. Para não confundir quem está a ouvir e a mim próprio, vamos aos... Mas ao mesmo tempo não tentando ser muito passador, vamos aos grupos. Que grupos é? Qual é a taxonomia
José Homem de Mello
dos quem? Existem atualmente 11 grupos, sendo que O décimo primeiro grupo é o grupo onde estão as raças que ainda não estão reconhecidas oficialmente pela Federação Cinelógica Internacional e aí, portanto, estão raças... Independentemente da função. Exatamente. Portanto, aí digamos há uma, entre aspas, salada de raças. E, portanto, o primeiro grupo são os cães de guarda e proteção, onde está, por exemplo, o nosso cão da Serra da Aires e também o barbado da terceira, que ainda não está reconhecido. Depois, no segundo grupo... Desculpe,
José Maria Pimentel
interrompê-lo. Nos cães de guarda estarão... Só... O Doberman, por exemplo, estará
José Homem de Mello
nesse segundo grupo? Exatamente. No segundo grupo estão os cães de guarda e proteção. Portanto, está o Doberman, está o nosso Cão da Serra da Estrela, está o Rottweiler, enfim, está o Boxer, está o Dog argentino, portanto, são as raças que foram criadas pelo homem para uma determinada função. Por exemplo, o Doberman, penso que é subajamente conhecido, que foi criada pelo senhor Doberman, que precisava de um cão que guardasse a sua casa e, portanto, apurou essa raça. Quando nós falamos de cães de guarda, por exemplo, o Doberman é um cão muito
José Maria Pimentel
mais recente, não é? A raça que tem há o quê? 150 anos?
José Homem de Mello
100 anos? Nem isso, nem isso. Pensa à volta disso. Mas os cães de guarda originais eram os
José Maria Pimentel
cães que... Bem, no limite eram as primeiras raças de todas, como nós dissemos há bocado. Mas eram... Foram desenvolvidos para guardar gado. Ou seja, para proteger... Para guardar
José Homem de Mello
gado e não só para guardar os seus proprietários, para guardar em casas...
José Maria Pimentel
Ah, desde o início? Desde
José Homem de Mello
o início. Depois é que dos cães de guarda se foram apurando raças com, digamos, objetivos e funcionalidades diferentes. Porque dentro dos cães de guarda existem cães com... Enormes. São os cães de pastor, por exemplo, fala-se também muitas vezes no Border Collie, que é um cão extremamente inteligente, é um cão de pastor. No primeiro grupo, exato. Estamos a falar, desculpe, estamos a falar do segundo já. Está no primeiro grupo. Aqui são os cães de
José Maria Pimentel
guarda. Agora confundi.
José Homem de Mello
Primeiro grupo são os cães de pastor e aí está os serradaires e os bordas e segundo grupo são os cães de guarda. Agora
José Maria Pimentel
confundi um pouco. E está o pastor belga também no primeiro. No
José Homem de Mello
primeiro grupo, exatamente. As quatro variedades do pastor Belga. Portanto, estávamos a falar do segundo grupo, são exatamente os cães de guarda e proteção, onde, portanto, estão os cães que foram feitos, foram desenvolvidos e foram apurados a essas raças para a guarda ou das casas, das propriedades, ou mesmo dos rebanhos. A raça mais recente portuguesa reconhecida pela Federação Cinelógica Internacional é o cão-de-gado transmontano, que é um cão com porte muito grande e que é originário de Trás-os-Montes e exatamente foi desenvolvido pelas populações dessa região para guardar o gado dos lobos, porque como sabe no Entradas dos Montes ainda há lobos. E é muito engraçado ver porque quando chegamos... Quem visita essa região... Quando chegamos a essa região começamos a ver os cães na sua funcionalidade. Portanto, os cães estão deitados a guardar os seus rebanhos e isso realmente cada vez mais é algo que deve ser valorizado, a funcionalidade do cão e nunca deve ser esquecida a sua funcionalidade e quando se apuram raças e quando se criam raças deve-se ter sempre como principal objetivo a funcionalidade da raça, não caindo e não indo para exageros estéticos. E quando eu digo exageros estéticos falo em tipo. Há uma coisa que nós chamamos o tipo, que é, digamos, uma pessoa olha para um cão e tem que ver que ele tem umas determinadas características das raças que o definem o seu tipo e esse tipo não deve ser exagerado. Eu há pouco tempo dizia que nós não devemos ir nem o 8 nem 80, nem um cão ter pouco tipo, nem muito tipo. O tipo
José Maria Pimentel
é o fenótipo, no fundo, ou
José Homem de Mello
seja, é o aspecto exterior do cão, não é? Exatamente, Exatamente. Se está ou não conforme àquilo que... Exatamente, exatamente. Por exemplo, o bulldog inglês, o estalão, o standard, a descrição do cão ideal da raça dizia que a cabeça quanto maior melhor. E chegámos a um ponto em que não havia praticamente partes normais no Bulldogging.
José Maria Pimentel
Sim, isso é muito falado ultimamente.
José Homem de Mello
Exatamente. Mas voltando, digamos, aos grupos, depois temos um terceiro grupo que são os terriers. Ora, os terriers foram essencialmente criados para caçar ratos em casa, nas casas, nas propriedades e portanto são um tipo de cão que foi criado essencialmente com essa função, para caçar roedores nas casas e nas propriedades dos seus donos. E são, na grande, na esmagadora maioria, são raças inglesas. Desde o Fox Terrier, o Scotty Sterrier... O Fox Terrier
José Maria Pimentel
é para raposas, ou não?
José Homem de Mello
Não, o Fox Terrier é essencialmente para ratos em casa. Curioso, então porque é que tem Fox no nome? Pois também é usado também para isso, mas mais para a caça à raposa são mais os Fox Hound. É mais um hound e não o terrier. Há imensos terriers que vão desde o Scottish Terrier da Escócia, ou Staffordshire Terrier e, portanto, foram criadas em várias regiões de Inglaterra.
José Maria Pimentel
Porquê que isso não surgiu nos outros países? Também tinham problemas com ratos, imagino.
José Homem de Mello
Tinham, mas não... Sabe que os ingleses sempre foram, digamos, entre aspas, especialistas na criação de cães e uma grande parte das raças foi desenvolvida pelos ingleses. Muitas delas foram importadas, por exemplo, a raça que eu crio que é o Basset Hound, os primeiros cães foram importados de França, nos finais do século XIX, para a Inglaterra e foram os ingleses que os desenvolveram. Depois, o quarto grupo é um grupo um bocado sugêneres, porque é um grupo onde, na realidade, só está uma raça, que são os baixotes, os mais conhecidos, as pessoas todas conhecem por salsistas, os Busteckel, que é uma raça alemã, onde existem três tamanhos e três tipos de pelo. Mas
José Maria Pimentel
só está essa raça nas suas
José Homem de Mello
variantes? Exatamente, só está essa raça nas suas variantes. Um bocadinho devido à sua fisionomia, patas curtas, um cão pequeno... Seram cães de freios, não é? De frejadas. Exatamente, mas também depois os outros tamanhos que são exatamente cães, por exemplo, nós temos o standard, o miniatura e o caninichen. O caninichen é um cão muito pequenino onde a circunferência toráxica vai até aos 30 cm e que foram cães criados para entrarem mesmo nos buracos e para caçarem coelho ou mesmo raposa ou outro animal.
José Maria Pimentel
Eles caçavam-nos aos próprios ou porque eles é que matavam os coelhos ou...?
José Homem de Mello
Normalmente não, Eles tiram os coelhos. E portanto, existem três tamanhos com três variedades de pelo. Pelo comprido, pelo liso e pelo cerdoso que é aquele pelo áspero e pouco comprido. Esse é o quarto grupo. O quinto grupo temos os cães primitivos e os spitz, aí onde se incluem os nossos podengos e onde está também incluído a raça que eu falava há pouco, o faraó hound, o Basenji, portanto são tudo cães essencialmente de orelha fita, portanto com orelhas iretas e são cães que têm várias funcionalidades. Estes são os primitivos e também os Speeds. Os Speeds são os cães nórdicos, mas também primitivos, mas nórdicos. São cães onde estão os Siberian Huskies, os Alaskan Malamute e, portanto, cães com orelha também, normalmente orelha fita, mas com pelo. Mas com funções variadas? Com funções variadas, por exemplo, repare, o malamut é um cão de ternó, é um cão de trabalho, é um cão para puxar ternó, o sibereanusk é exatamente
José Maria Pimentel
a mesma coisa
José Homem de Mello
E os cães primitivos são essencialmente cães de caça. Mas foram, digamos, agrupados num grupo, o quinto grupo, onde estão os cães primitivos e os spitzes, que nós chamamos de spitzes, que são cães de trabalho na neve, essencialmente.
José Maria Pimentel
Mas os primitivos... É engraçado, já tinha apanhado qualquer coisa sobre isso, nomeadamente o cão de Canã, mas quando o José diz que são cães de caça, perdão, mas eram cães de caça em que sentido? Porque essa palavra é um bocado ambivalente, não é? Eles... Qual era a função deles? Não era de caça a espingarda, como
José Homem de Mello
sei que se chama? Não, não, não. Repare, são cães de caça e já vamos depois a seguir a outros grupos onde estão essencialmente aí os cães de caça.
José Maria Pimentel
Exato, por isso é que eu estou a perguntar.
José Homem de Mello
Mas, por exemplo, os pudengos, como sabe, nossos são cães de caça e nós temos três tamanhos de pudengos e duas variedades de pelo. O pelo liso e o pelo sardoso e temos o pudengo pequeno, o pudengo médio e o pudengo grande. E aí o pudengo pequeno é um cão para caça a lebre, ao coelho e portanto é um cão para levantar e também para entrar nas tocas. Depois temos o pudengo médio que é um cão também que é polivalente, pode caçar coelhos, pode caçar lebres, pode seguir também outro tipo de caça e depois temos o pudengo grande que é um pudengo que caça essencialmente em matilha e caça maior. Portanto, chavalis, gamos, por aí fora. Mas
José Maria Pimentel
quando nós temos que caçar aí, é a matilha que
José Homem de Mello
mata o animal? Não, normalmente não é a matilha que mata o animal. Normalmente a matilha cerca o animal e
José Maria Pimentel
para o animal.
José Homem de Mello
E depois, a partir daí, o homem faz o resto.
José Maria Pimentel
E esses cães primitivos tinham, no fundo, essa função. O que é engraçado nessas raças é que elas, nós podemos chamar-lhes primitivas porque elas não se terão desenvolvido muito mais desses tempos remotos. Exatamente. O Que é curioso, não é? É curioso elas
José Homem de Mello
terem... É curioso. Em muitos casos foram raças que estavam, digamos, confinadas a determinadas áreas e, portanto, não houve influência de outras raças, não é? Por exemplo, nós aqui em Portugal também estamos um bocadinho confinados. Estamos no sul da Europa, temos uma grande fronteira marítima, há várias teorias, mas o que é certo é que elas chegaram aos nossos dias com estas funções. Passamos depois aí para os cães de caça E os cães de caça temos estes grupos, que é o sexto, o sétimo, o oitavo e o décimo. Portanto, O sexto grupo são os chamados hounds e são cães que caçam com o nariz. Portanto, são cães que caçam essencialmente, que perseguem a caça em matilha ou não e são cães que têm um olfato extremamente apurado. Como o Wassenhaun, que é dos mais apurados de todos. E como, por exemplo, Bloodhound, que é um cão muito conhecido, que era utilizado e ainda é utilizado, essencialmente quando há fugitivos de prisões e quando há, por exemplo, pessoas desaparecidas, esse cão é muito utilizado na descoberta e no seguimento dessas pistas. E, portanto, aí está o Beagle também, estão outros cães, está o Rodigem de Hitchback, que é um cão também de caça e que era de caça ao leão, um cão que foi criado na Namíbia. Outros galgos, ou não? Não, os galgos estão no décimo grupo. Ah, ok. Portanto, este sexto grupo são cães que caçam essencialmente em matilhas, onde o caçador pode ir a cavalo ou a pé, e é engraçado porque algumas destas raças foram criadas por faixas sociais mais desfavorecidas porque como não tinham meios para ter cavalos e para caçarem a cavalo, criaram cães com menos velocidade para poderem caçar a pé. Aqui temos cães desde o Beagle até o Foxhound, por exemplo, que é um cão de
José Maria Pimentel
caça-raposa a cavalo. Engraçado. E todos têm em comum esse olfato
José Homem de Mello
extremamente apurado. Exatamente. E independentemente da função de preso específica que tiver. Tem um olfato extremamente... Mas
José Maria Pimentel
o Ridgeback, por exemplo, o tal de caçar os leões, também já tinha apanhado.
José Homem de Mello
Repare, São duas raças que foram recentemente introduzidas, que estavam noutros grupos. Eu posso lhe dar o exemplo de outra raça, que eu na minha opinião não estou muito ligadas a este grupo, que é o dálmata. O dálmata era um cão...
José Maria Pimentel
O dálmata também é difícil de colocar em algum
José Homem de Mello
lado. É, é difícil de colocar em algum lado, mas o Dalmat era um cão que acompanhava as carruagens da Almácia, não é? E essas duas raças, em virtude, não estarem... Porque o Dalmat, por exemplo, estava no nono grupo nos cães de companhia, foram postas no sexto grupo...
José Maria Pimentel
Parece uma coisa de lobby, não é?
José Homem de Mello
Um bocadinho parente pobre, não sei, talvez uma questão de lobby, mas foram parar aí e pronto. Mas na realidade não estão muito ligadas a este grupo, porque neste grupo estão inúmeras raças, porque os grandes especialistas de Hounds e portanto cães com estas características são os franceses. Existem inúmeras raças criadas pelos franceses. É um dos maiores grupos, se não o maior grupo de cães da EFCI é o sexto grupo, com cerca de 75 raças, onde existem raças de muitos, muitos países, mas sem dúvida os franceses são os cães que têm mais raças no sexto grupo. Engraçado.
José Maria Pimentel
Por acaso, achava que eram os ingleses. Até pelo termo, não é? A pessoa usa o termo inglês,
José Homem de Mello
que É quase sinónimo de cão, não é? É, exatamente. Depois passamos ao sétimo grupo, que são os cães de parar. E aí temos os pointers, os setters, os bracos também. Estes cães são cães para caçador com arma. Portanto, qual é a função do cão? É parar a caça, portanto descobrir a caça, parar a caça e levantar a caça para o caçador depois abater a caça com arma. Em Portugal nós temos já implementadas muitas provas de cães de parar, que é extremamente interessante porque não é utilizada a arma, neste caso. A caça, portanto, da presa não é morta. A presa é posta, em alguns casos, nos campos pelos bichos e depois o condutor leva o seu cão para apontar a presa e depois para poder levantar. O que acontece nestes casos é que há, digamos, uma pistola de alarme ou um fulminante que faz um ruído parecido com uma arma e pronto. E a presa segue o seu caminho.
José Maria Pimentel
E o cão também não está muito importado porque a função dele
José Homem de Mello
acabou ali. Exatamente, a função dele acabou aí, a função dele essencial é parar e levantar depois. Ou
José Maria Pimentel
seja, são duas funções, ele para apontando para onde estão os passos por exemplo, e depois corre para eles para os levantar.
José Homem de Mello
Exatamente, depois o condutor dá-lhe voz e ele pode avançar para levantar a caça. Sim. Tenho uma cadela
José Maria Pimentel
de séter, não é? Como vimos há bocadinho. E já quando era miúdo tinha um séter também. Nunca consegui perceber completamente qual era a diferença entre um séter e um pointer, em termos de funções. Porque São tidos como mais ou menos primos, embora nem tenham
José Homem de Mello
o mesmo aspecto. Exatamente. Não, é digamos a morfologia do cão, não é? O Poynter é um cão de pelo curto, o Setter é inglês, o Setter é irlandês, o Gordon Setter são cães de pelo compriso e... Mas
José Maria Pimentel
a função era a mesma? A
José Homem de Mello
função era a mesma. Essencialmente é uma questão, digamos, de geografia onde eles foram criados. Ok. Embora se diga também que, por exemplo, o pointer tem na sua origem o perdigueiro português. Sim, exatamente,
José Maria Pimentel
exatamente.
José Homem de Mello
Porque, como sabe, houve muitos casamentos entre a família real portuguesa e a família inglesa e, segundo se diz, algumas princesas que casaram com reis ingleses levaram de Portugal perdigueiros portugueses. A dona Catarina. Exatamente, E que levaram estes cães para Inglaterra e, portanto, o pointer pensa-se que tem, e há muitas teorias e digamos... E tem algumas presenças. Bem fundadas, que o pointer tem sangue também de português. Engraçado. Estávamos no sétimo, passamos ao oitavo, aí temos os retrievers. E como a palavra indica, o cão tem também uma função de trabalho e, portanto, procurar a caça, mas essencialmente depois a sua função é trazer a caça ao caçador. Portanto, o caçador, o cão com o caçador levantam a caça, o caçador abate a presa e o cão, dentro de água ou fora de água, vai buscar a sua presa. Os labradores são essencialmente cães para caça a patos e caça com água. Daí
José Maria Pimentel
terem aquelas membranas interdigitais.
José Homem de Mello
Exatamente. E além disso terem algo que é extremamente importante na raça que é uma cauda como se fosse a cauda de uma lontra, porque é o que faz de leme para ele se movimentar na água. Exatamente. O cão de água, uma das características que também tem, é a membrana interdigital.
José Maria Pimentel
Ou seja, facilita a
José Homem de Mello
nadar. Exatamente, facilita a nadar. Mas o labrador, quando julgamos raça, dois aspectos essenciais é o pelo, que tem que ser extremamente denso e com subpelo. Nós, quando passamos os dedos ao contrário do pelo tem que ficar uns sulcos marcados porque o pelo tem que ser gorduroso e não pode... Para não ensopar. Exatamente. E a cauda deve ser uma cauda de lontra, grossa e curta. Exato. Portanto, aqui estão também os cockers, os cockers americanos, os cockers ingleses, os English Pringle Spaniel, mas são tudo cães com esta função. Os cockers
José Maria Pimentel
têm alguma relação com os Shetters? Eles são parecidos,
José Homem de Mello
mas... Têm, todas estas raças que estão num grupo, se andarmos uns séculos para trás... Era mesmo, são bem parentes em comum. Só que na altura não havia raças, havia grupos de cães. As raças, como sabe, foram... Começaram a ser, digamos, criadas e, digamos, mencionadas no século XVIII e século XIX. Antes disso falava-se nos molossos.
José Maria Pimentel
Já lá vamos, já lá vamos que eu queria falar sobre isso. Dentro deste grupo existem os labradores Retriever e os Golden Retriever. Exatamente. Que parecem parecidos mas eles não são bem aparentados, para não?
José Homem de Mello
Não, os Goldens é um cão com um pelo mais comprido, mais ondulado, um cão que só tem uma cor, que é o creme que vai desde o creme dourado ao mogno, mas nunca mais escuro do que o mogno.
José Maria Pimentel
E eu tenho a ideia que em Portugal, por exemplo, se calhar na Europa, não sei se é só em Portugal, nós vemos normalmente os goldens mais amarelos, mais yellow do que goldens. É, mais cream até, mais
José Homem de Mello
cremes. Houve uma altura em que, porque mogno já é uma cor que não é preferida. Hoje em dia temos muita, a grande maioria desta raça são cães cremes, mas nunca poderão ser brancos. E o tipo de pêlo é completamente diferente, é um tipo de pêlo ondulado. Um cão não tão ativo e não tão alegre como é o retriever do labrador é um cão que tem, digamos, um tipo diferente.
José Maria Pimentel
Engraçado. Pois eu até achava, não sei se isto foi alguma intuição minha ou alguma coisa que eu li em tempos, mas eu tinha a ideia que este grupo dos retrievers eram cães muito pacatos, precisamente pela função que eles tinham, que era de estar parados. No processo de caça eles estavam parados o tempo quase todo
José Homem de Mello
e só iam lá no final. Exatamente.
José Maria Pimentel
E, portanto, por isso seriam cães muito... Não digo com menos energia, quer dizer... Sim, sim. Eles tinham que fazer aquela função, mas aquilo não exige muita velocidade, não é?
José Homem de Mello
Não, não, não exige muita velocidade. Exige que eles
José Maria Pimentel
o façam, mas é muito circunscrito no tempo e não tem que ser feito com especial habilidade.
José Homem de Mello
Mas repare, dentro deste grupo, e vou lhe dar dois exemplos, o Cocker é um cão extremamente ativo, extremamente ativo e a sua função é essa também, de estar quieto com o seu donto, mas também pode andar à procura de caça. O Labrador é um cão um bocadinho mais calmo, mas também com atividade. O Golden é mais calmo. O Springer Spaniel é um cão também com muita atividade, são cães extremamente ativos e, portanto, dentro da sua função há vários temperamentos,
José Maria Pimentel
digamos. Sim, sim, sim. Então, vamos ao 10 ou vamos ao 9? Agora podemos...
José Homem de Mello
Se quiser vamos ao 9 porque vamos aos cães de caça e depois passamos para o 9º grupo. O 10º grupo é o grupo dos galgos e portanto um cão de caça que caça com os olhos e não com o nariz. E aqui temos 13 raças de galgos. Nós em Portugal já tivemos galgos, mas foi uma raça que desapareceu. Não houve, digamos, uma proteção, um grande desenvolvimento e, portanto, a raça desapareceu. Mas aqui os nossos vizinhos espanhóis já têm o galgo espanhol, que é um cão essencialmente para caça a lebre. Depois existem os huípates, que é um galgo pequenino, mais pequeno. Depois existem os galguinhos italianos, que são galgos muito pequeninos, mas todos eles com esta função de caça em velocidade. E depois temos outras raças, o Azauaque, que é uma raça do Norte de África, que é uma raça também usada pelos povos nómadas. São raças, principalmente as raças do Norte de África, são raças que eram propriedade de uma faixa social bastante alta. Temos, por exemplo, os Borzóis, que são os galos-rusos. Como sabe, na família dos Cazares existiam sempre galos-rusos que apareciam nas pinturas e... E, portanto, são cães de caça, mas de caça em velocidade. Tudo cães de pata alta. Sim. E
José Maria Pimentel
a função deles era... Eles é que, de novo, eram eles que matavam a presa.
José Homem de Mello
Eles é que matavam a presa. Aí, neste caso, não é o caçador que mata a presa, é o galgo que apanha a presa. Poderá matá-la na altura ou não matar, portanto o caçador se pode... Sim, sim, Mas ele próprio prendia. Mas ele próprio apanha a presa.
José Maria Pimentel
Mas é engraçado isto, que gera aqui alguma confusão, porque se eu não estou em erro, em inglês usa-se round para os galgos também, não é?
José Homem de Mello
Afinal, round, se calhar não para todos. O que é que acontece? E por outro lado,
José Maria Pimentel
escobite, Roberto, nós não temos palavra para round
José Homem de Mello
em português, não é? A palavra mais indicada em português para hound é o sabujo. Sim. É
José Maria Pimentel
uma palavra que tem envelhecido muito bem, não é?
José Homem de Mello
Porque os ingleses, Ao contrário da divisão das raças, os ingleses têm uma outra divisão das raças. Os cães de caça têm os hounds e têm os retrievers e depois têm os gundogs e, portanto... Os gundogs que são os de prar. Exatamente, exatamente, que têm os gundogs. Portanto, aqui são cães, no nosso caso, são os cães de décimo grupo, portanto, cães de caça, essencialmente galgos. São todos galgos. E
José Maria Pimentel
isto é uma coisa engraçada, os galgos, que eu aprendi a falar com donos de galgos, que encontro quando passeio os meus cães, que eles, embora corram muito, são cães bastante calmos. Ou seja, que não requerem grande dispendio de energia, grandes passeios
José Homem de Mello
prolongados. Não, não, não. São cães... É curioso, não é? A pessoa não diria, não é? São cães extremamente calmos. São cães... Há pessoas que não gostam de ouvir isto, mas são cães que não são muito inteligentes.
José Maria Pimentel
Sim, exato, não são conhecidos por isso.
José Homem de Mello
Os galgais não gostam de ouvir isto, mas é verdade, são cães que não são muito inteligentes. Mas pronto, tem a sua função, que é uma função extremamente nobre, que embora, por exemplo, em Portugal agora haja um movimento para acabar com as corridas de galgos, eu acho que... Mas há cá corridas de galgos? Há cá corridas de galgos. Corridas de galgos...
José Maria Pimentel
Eu lembro de ver em Macau e aí tem de terminar, não foi?
José Homem de Mello
Sim, mas em Inglaterra continua a haver corridas galgos e em muitos países há corridas galgos. As nossas corridas galgos são mais, entre aspas, amadoras. Não são como em Macau, como estava a dizer, onde havia aposta e por aí fora. Nós cá é correr os galgos exatamente na sua função, a cavalo e com os cães no campo e depois a lebre salta e os galgos são soltos para correr atrás das lebres e também corridas galgos mas não em canódromos, são mais digamos amadoras.
José Maria Pimentel
Para efeitos da preocupação que tem levado à proibição em alguns sítios, eu acho que até pode ser pior, porque não é regulamentado. Exatamente. Porque o plano dessas corridas, quando vi essa corrida em Macau, lembro-me de pensar, isso aqui é giro, mas eu não sei o que é que eles andam, os cães podem estar no limite,
José Homem de Mello
Podem estar a ser exauridos completamente. Exatamente, podem estar a ter zupados. A situação é que... Vamos lá ver. Tem que haver o bom senso. Eu acho que nós devemos respeitar todas as raças que foram oporadas pelos nossos antepassados, porque é um património que temos. E quando se fala, por exemplo, nas raças portuguesas, nós temos que proteger as nossas raças. Porque foi algo que os nossos antepassados criaram com uma determinada função. E acho que é a nossa obrigação preservar este património que foi legado pelos nossos antepassados e não tentar destruí-lo ou, digamos, extingui-lo, como nós temos, por exemplo, algumas raças portuguesas que estão em graves dificuldades. O cão de Castro Laboreiro, por exemplo, é um cão que está num número de efetivos bastante baixo, não é? E, portanto, é essencial. O cão da Serra da Estrela de Pelo Curto é um cão também que está com efetivos baixos. O podengo português grande é um cão que tem efetivos baixos. E, portanto, acho que devem ser criadas condições para que estes efetivos possam aumentar e, digamos, não legislar de maneira a que leve a que estas raças mais tarde possam desaparecer, como têm vindo a desaparecer outras raças, não é?
José Maria Pimentel
Mas a sua visão em relação aos galgos seria não acabar com as corridas mas regulamentá-las, não é? Porque aí é uma procura, não é? Repare,
José Homem de Mello
hoje em dia elas já são regulamentadas e acho que o que nós deveríamos fazer era exatamente regulamentar e inspecionar efetivamente. E portanto, se as coisas forem bem feitas... Porque os galgos gostam de correr. Sim, sim, exato. Quando as pessoas dizem Ah, coitadinhos estão ali a correr atrás de uma lebra ou atrás de um... Eles gostam de fazer aquilo.
José Maria Pimentel
Sim, isso é evidente. Tanto quando se pode dizer que o animal como cão gosta de fazer mas é evidente que aquilo está nos géneros porque foram sancionados para aquilo. Agora,
José Homem de Mello
repare. Os atletas que correm correm também porque gostam e as coisas estão regulamentadas para que eles não sejam dupados
José Maria Pimentel
e... Pois, o que é preciso é assurar isso, não é? Assurar que os cães não
José Homem de Mello
morrem do esforço, por exemplo. Exatamente, exatamente. E do cansei havia casos disso de facto. E de facto há um problema. Se for tudo regulamentado e tudo bem inspecionado, acho que devemos manter, digamos, esta tradição e continuar com as corridas. Dos outros exemplos que
José Maria Pimentel
estava a dar, aí é um problema um pouco diferente, não é? Porque aí os cães estão a desaparecer porque há menos procura, não é? Ou seja, eles
José Homem de Mello
deixam de ter aquela função, a utilidade que tinham. Exatamente. E também o que acontece muitas vezes é que há várias épocas em que esse cão tem uma determinada função e há procura e, portanto, há efetivos da raça. E depois essa procura deixa de existir e as raças começam... No fim, é um bocadinho como as espécies, não é? Sim. Algumas desaparecem, aparecem outras, enfim. E acabamos então com o nono grupo, que são os cães de companhia. E aí estão todos os cães que a sua função é fazer companhia aos seus donos. E não tem outra função do que essa. Há... Cães mais pequenos, normalmente. Cães mais pequenos e outros também grandes. Portanto, também os caniches. O caniche que tem vários tamanhos.
José Maria Pimentel
Nós em Portugal tendemos a pensar no carniche pequeno, não é? Exatamente.
José Homem de Mello
Não, há o carniche gigante, o carniche médio, o carniche pequeno e o carniche toy. Há quatro? Há quatro. Incrível. Quatro
José Maria Pimentel
tamanhos. Mas, por exemplo, o carniche, falámos há bocado do dálmata que estava aqui e foi mudado, não é? Sim. E Não era bem um cão de companhia, mas mais próximo do cão de companhia dos d'Álmata... O Caniche era um cão d'água, não é? Ah, para ter isso que eu ia perguntar. Eles vêm de... Todos eles foram criados
José Homem de Mello
a partir de raças funcionais, não é? Exatamente, exatamente. Então o Caniche era um cão d'água que foi depois... Foi, digamos, selecionado para ser um cão de companhia.
José Maria Pimentel
E isto desde quando? Há
José Homem de Mello
quantos séculos isto é? Há poucos, não há muitos séculos. A maioria são recentes, não é? É, a maioria das raças, a não ser aquelas raças que nós chamamos, dizemos, as primitivas. Portanto, as raças como o faroão, de que falámos há pouco, a maior parte delas são raças que vêm dos séculos XIX. Claro, isso eu sei. O que eu
José Maria Pimentel
queria dizer aqui é, havia cães de companhia há, sei lá, 400 anos? Eu sei que, por exemplo, na China
José Homem de Mello
há uma raça de cães de companhia que é muito antiga, por exemplo. Há, há, portanto, Há os tibetian terrier, que também são raças de companhia, na parte do Tibete. Há o Pekinua, há o Lhasa Apso, portanto há muitas raças que são muito antigas. Mas, digamos, a nomenclatura só foi feita a partir dos meados do século XIX.
José Maria Pimentel
Isso leva-me, exatamente, nós há bocado deixámos esse ponto por cobrir. Isto é, é interessante porque nós, hoje em dia, estamos habituados a falar de raças, mas na verdade, e o José já aludiu a isto várias vezes, as raças começaram a ser definidas há 150 anos, 200 anos no máximo, ou seja, é uma coisa que começa na Inglaterra vitoriana basicamente. Até aí o conceito era muito mais difuso, não é?
José Homem de Mello
Já havia funções, mas... Havia cães e, quer dizer, não se poderia dizer que aquele cão tinha aquela raça, não é? Havia o cão daqui, o cão dali e, portanto, havia modas, não é? Por exemplo, os Spaniels que foram levados para a Inglaterra e que há em inúmeras pinturas onde aparecem Spaniels, são cães que foram também levados de Espanha, alguns cães de outras raças levados de Espanha, por isso que há as raças inglesas, o cavalier king spaniel e para aí fora, que são raças que são essencialmente raças de companhia. Mas de onde é que
José Maria Pimentel
surge este movimento de standardização das raças, no fundo? Ou seja, o que é que explota isto? O que é que faz com que... Essencialmente os ingleses. O que é que
José Homem de Mello
os ingleses começaram a fazer? Os ingleses organizaram as exposições caninas com o intuito de os criadores levarem a essas exposições os seus exemplares, mostrarem-nos e, digamos, selecionarem os melhores exemplares para apurarem as raças. E, digamos, tornou-se um desporto. Começou em Inglaterra e em 1800, finais do século XIX, realiza-se em Paris a primeira exposição canina, no Jardim da Climatation, onde são expostos também muitos exemplares de várias raças. E é a partir daí que, digamos, este movimento se começa a espalhar pela Europa e depois pelo mundo. E as pessoas, os criadores, começam a levar os seus cães às exposições caninas para os mostrarem e para trocarem entre si exemplares e para apurarem as raças. E
José Maria Pimentel
há um fenómeno curioso que se dá aí, quer dizer, curioso no sentido inesperado, porque o que a pessoa tende a esperar no movimento desse é um afunilamento e, portanto, uma diminuição do número de raças. Mas o que aconteceu
José Homem de Mello
foi o contrário. Não, o contrário. Pelo contrário, cada vez mais, ainda hoje em dia, hoje em dia, há vários países, e eu há bocadinho estava a falar do Grupo 11, onde estão as raças, que são propostas por vários países, onde estão duas raças nossas, não é? O Cão do Barrocoal Algarvio e o Barbado da Terceira, que são raças que existem e que os países pedem que elas sejam reconhecidas. Mas para que elas sejam reconhecidas a Federação Insulinológica Internacional necessita que haja um determinado número, que haja um determinado número de famílias, exatamente, para termos a certeza que há uma raça que tem futuro. Sim, e
José Maria Pimentel
que haja um padrão de tipo, imagino também. Exatamente. Porque este movimento também passou por essa standardização das
José Homem de Mello
raças. Exatamente. O que é que acontece?
José Maria Pimentel
Às vezes há extremos em alguns casos,
José Homem de Mello
como falámos há um bocadinho. Exatamente. O que é que acontece? Todas estas raças que são reconhecidas pela Federação Assinológica Internacional têm um estalão. O que é o estalão? O estalão é a descrição minuciosa das características dessa raça, onde se menciona o país de origem, a função, de grupo é que são, um pouco de história, digamos os principais pontos a ter em conta, mas depois é descrita a cabeça, onde depois são dentro da cabeça os olhos, a dentição, extremamente importante a dentição dos cães, porque aí Há cães que são prognatas, outros cães que podem ter a dentição em tesoura ou em pinça. Portanto, um cão normalmente de caça tem que ter a dentição... Um cão de caça e mesmo um de guarda tem que ter a dentição em tesoura. O que é que isto quer dizer? Que os incisivos inferiores têm que tocar o interior dos incisivos superiores. Como a nossa, no fundo. Exatamente. Porquê? Porque quando ele morde e se morde umas calças ou se morde uma presa, quanto mais ela é puxada, mais fecha e mais... Portanto, não deixa fugir a sua presa. Ao passo que uma dentição em pinça, puxar com bastante força, ela puxa. O Bulldog, por exemplo, é um cão... Prognata. Exatamente. Porquê também? Porque Bulldog era um cão também para lutas com touros, não é? E eles tinham que morder a pele do touro, e exatamente é porgnata porque aquilo também faz com... Prende, não é? Exatamente, prende. Portanto a dentição é extremamente importante. Depois também, escrito... Acho
José Maria Pimentel
que é comportamento também.
José Homem de Mello
Comportamento, exatamente. As angulações do cão, como é que devem ser as mãos, os pés, a linha dorsal, como é que deve ser a cauda. Hoje em dia já não é permitido na grande maioria dos países a amputação das orelhas e das caudas, só em casos raros continua a ser autorizado a amputação da cauda e isto inicialmente nos cães de caça, porque como sabe os cães de caça são cães que têm uma cauda que se movimenta muito e muitas vezes é contraproducente ter uma cauda comprida porque ela depois vai bater na vegetação e vai ferir. E portanto essa é a razão pela qual os cães de caça, na sua grande maioria, têm as caudas amputadas. Cães de caça,
José Maria Pimentel
estamos a falar de que tipo?
José Homem de Mello
Dos de parara? Depende dos cães, por exemplo, os coqueres tinham caudas amputadas, os bracos também tinham caudas amputadas, algumas raças de caça tinham raças amputadas exatamente devido a esse problema. E depois também é descrito a movimentação do cão e, finalmente, quais são os principais defeitos graves, muito graves e desqualificativos de cada raça. E, portanto, quando julgamos exposições caninas, temos que ter em conta essas características que são descritas e temos que comparar o cão que temos à frente com o cão ideal, que não existe, não é? Não existe o cão perfeito. E depois há aquela
José Maria Pimentel
meta preocupação, que é essa questão de não levar a coisa longe demais de modo que eu fique
José Homem de Mello
completamente desfasado da função inicial que tinha. Exatamente. Essa é uma questão que hoje em dia cada vez é mais importante. Este movimento começou, essencialmente, na Inglaterra e eles dizem que um cão tem que ser fit for function. Portanto, o cão tem que ser construído para a função que tem. Ele tem que, digamos, ser capaz de desenvolver a função para que foi criado. O que acontece é que em muitas raças os criadores começaram, digamos, a exagerar e chegámos a um certo ponto em que houve mesmo cães que começaram com problemas de saúde graves devido a esse exagero, não é? E hoje em dia a funcionalidade é, digamos, o grande objetivo
José Maria Pimentel
da maioria dos criadores de qualquer raça que seja. Voltando a este movimento de homogeneização, ou seja, de standardização das raças, a ideia que eu tenho é que, como noutras coisas, Portugal acabou por chegar um pouco tarde a esse movimento e isso explica o facto de nós termos algumas raças, como Salveiro e Predigueiro, por exemplo, que são mais polivalentes do que o equivalente das raças inglesas ou franceses, sobretudo provavelmente inglesas, daquele tipo. Eu tenho a ideia que o predigueiro é um cão quase de multifunções na cárcel. É um cão, por exemplo, de apontar, mas também de ir buscar, sabe? Sim, Mas repare... Se calhar estou enganado, atenção, é uma coisa que me lembro desde sempre.
José Homem de Mello
Não... Pode haver cães que têm várias funções. Há uma função principal.
José Maria Pimentel
Mas este movimento não passou pelo certo afunilamento das funções? Ou seja, definir um cão... Uma raça cuja função é especificamente aquela.
José Homem de Mello
Algumas raças foram, principalmente as raças inglesas, fizeram mais esse afunilamento, não é? Haver, digamos, um cão ser criado e uma raça ser criada para um fim específico e, digamos, com fronteiras muito fechadas. Mas penso que nas nossas raças não. Isso não foi uma ideia que foi desenvolvida. Temos os cães de caça e, repare, mesmo os pudengos, muitas vezes são cães que são polivalentes. Mesmo o cão d'água, há bocadinho eu dizia, É um cão que também era de guarda, guardava as redes de pesca. Acho que é um bom posicionamento, não é? Um cão que tem que... Se ele puder desenvolver várias funções, ótimo. E se as desenvolver bem, ótimo.
José Maria Pimentel
Não, claro, eu imaginava, por acaso, que isso prejudicava um pouco as nossas raças internacionalmente.
José Homem de Mello
Não, não, não. Posso estar
José Maria Pimentel
completamente enganado nisso, mas a ideia que eu tenho é que esse afunilamento da função, essa especialização da função também tende a andar a par com uma diferenciação do próprio aspecto. Sei lá, os cães de apontar tendem a ser cães mais magros do que os cães de ir buscar, os
José Homem de Mello
retrievers. Os retrievers.
José Maria Pimentel
Provavelmente está relacionado com a função que têm.
José Homem de Mello
Com a função, exatamente, repare. Tem que
José Maria Pimentel
ser mais rápido, tem que ser mais... Exatamente,
José Homem de Mello
o cão de apontar tem que ser, como disse, muito bem, tem que ser um cão rápido, tem que ser um cão com uma passada mais ampla do que um retriever. Um retriever, por exemplo, o retriever do labrador. O retriever do labrador são cães que não são magros, são cães que essencialmente são cães... Até têm alguma tendência para engordar. Exato, E que devem ser ligeiramente gordos. E porquê? Porque eles têm que se atirar à água, têm que ter um fato para os proteger. A gordura, como se costuma dizer, é a famosura neste caso. E, portanto, é aí que reside, digamos, a diferença, não é? Os galgos, a função deles não é tirarem-se a água para ir buscar uma presa, é correr atrás dela. Ora, um galgo se fosse forte, se fosse gordo, não conseguia correr, não é? E por isso é que eles são magros e têm as patas altas. Tem que ser só músculo no fundo, não é? Exatamente. Por exemplo, temos outra raça que está no segundo grupo, que por acaso também não tem nada, que é o cão da Terra Nova, que são cães de porte, que são cães grandes e que foram, digamos, a sua raça foi apurada para busca e salvamento de pessoas no mar. E, portanto, têm que ser exatamente cães com um pelo denso, com uma cauda também forte, para isso, para poderem atirar-se à água e não sofrerem com o frio e poderem desenvolver a sua função.
José Maria Pimentel
Sim, e na verdade dentro destes grupos há uma série de funções que muitas vezes até cruzam, não é? O caso do cão d'água é interessante. Sim, sim, sim. Eu não fazia ideia que o cão d'água tinha essa função de cão de guarda. Sim, sim. É engraçado. E ao mesmo tempo é uma experiência interessante quando a pessoa tem cães de raças diferentes, como é o meu caso, perceber como o temperamento deles é tão diverso. Como vimos há bocadinho, tenho uma cadela pastor belga e outra cadela setter irlandês. Portanto, um cão de pastoreio, não é? E de guarda também. O pastor belga faz as duas coisas, mas é sobretudo um cão de pastoreio, por estar no grupo 1, não é? E outro cão de apontar. E é interessante que eles têm uma abordagem completamente diferente. O céter é um cão muito de explorar a envolvência, não é? Por ele... Por acaso, ele não é tanto assim porque mimetizou algumas características da outra, mas é um cão de explorar, não
José Homem de Mello
é? Claro que
José Maria Pimentel
é! Enquanto a pastor belga é um cão de pastoreio, portanto, muito mais próximo do dono. E é interessante que ela é muito mais atenta àquilo que eu diga e a todos os sinais que possam vir do dono. Qualquer sinal ela está pronta a absorver e eu acho que isso está relacionado com o facto de eles aprenderem também muito bem.
José Homem de Mello
Aprendem, aprendem muito bem. A maior parte dos cães do primeiro grupo são cães inteligentes. Vamos ver, uma coisa, porque depende do que nós consideramos como
José Maria Pimentel
inteligência. Pois eu ia chegar aí, isso é uma pergunta que eu tinha para lhe fazer.
José Homem de Mello
Porque se dissermos que os cães são inteligentes porque cumprem, digamos, as nossas ordens, porque aprendem rapidamente as nossas ordens, pronto, é uma coisa agora, repare, se puser o seu cão, a sua cadela pastor belga, Numa prova de caça e disser para ela ir por... Ela não é inteligente para fazer nem desse aspecto, não é? Portanto, como eu disse, e exatamente isso é o essencial, cada cão tem a sua função. Portanto, aí é que eles têm que ser, entre aspas, inteligentes. Portanto, eles têm que desenvolver bem as suas funções. Hoje em dia, já deve ter ouvido falar nisso, muitos cães estão a ser treinados para detecção e agora até de pessoas infectadas com a Covid. Outros, dou-lhe um exemplo de uma raça portuguesa e volto ao cão d'água. O cão d'água, porque razão é que o Obama teve cães d'água. Porque o cão d'água não provoca alergias normalmente ao seu dono. O tipo de pelo... Pois, eu tenho um amigo que tem um cão de árvore
José Maria Pimentel
e ele explicou-me isso, que eles têm uma espécie de cabelo, não é bem pelo, não
José Homem de Mello
é? É, portanto, a sua constituição genética... E essa é a razão porque as filhas do Obama tinham alergia a cão. A razão porque, primeiro, era tradição haver cães na Casa Branca, não é? Outro aspecto extremamente engraçado é que os cães e também os cães d'água estão a ser treinados para acompanharem diabéticos. E, portanto, quando os diabéticos têm as crises... Sim, quando têm picos, não é? Eu apanhei sem tempo, sim. Exatamente. O cão deteta e avisa o dono. E ele deteta como? O cheiro. Pelo cheiro? Pelo cheiro. Mas então tendriam a ser os hounds, não é? Pois, mas ele também se detecta. São algumas características que se vão descobrindo nos cães. Por exemplo, os springers são cães que também estão a ser treinados para a detecção. Os springers eram quais? Já não me lembro. Os English Springers de painel, que estão também no oitavo grupo.
José Maria Pimentel
Ok, dos retrievers. Exatamente.
José Homem de Mello
E portanto, vários cães que estão a ser treinados com essa função. Outra situação, os cães de utilidade social hoje em dia estão a ser extremamente usados para o desenvolvimento de crianças com problemas mentais a vários níveis e o sucesso que tem vindo a ser atingido com este trabalho é extraordinário. E existem movimentos,
José Maria Pimentel
por exemplo, até uma coisa que me está a ocorrer agora, mas da mesma forma que no passado as várias raças foram criadas, ou se quisermos chamar as proto-raças, porque surgiu este movimento de standardização, foram criadas por funções, hoje em dia também há algum desenvolvimento de raças para funções
José Homem de Mello
contemporâneas, digamos assim? Não, o que há hoje em dia é, digamos, a utilização das raças para determinadas funções. Mas não a
José Maria Pimentel
fusão.
José Homem de Mello
Não, isso é um movimento que, pelo contrário, é criticável. E o que tem acontecido é que tem sido feito essencialmente para benefícios financeiros. Por exemplo, crianças autistas é uma... Tem sido uma das situações em que os sucessos que têm sido atingidos são extraordinários. Ainda há pouco tempo me mandaram um filme de uma criança autista que se autoflagelava e que o próprio cão impedia à criança de autoflagelar-se e que conseguia. Portanto, quando ele via que a criança começava a autoflagelar-se, ele punha a pata, pedia festas, não sei o quê, e a certa altura realmente a criança parava e a mãe dizia-lhe que só o cão é que conseguia exatamente atingir aquele objetivo. Mais ninguém, mesmo os pais agarrarem, não conseguiam. Agora, como lhe disse, hoje em dia o que acontece é que determinadas raças estão a ser utilizadas com vários fins. Por outro lado, existem alguns cruzamentos de raças, mas com fins que no meu entender estão completamente fora do normal, com fins financeiros, como por exemplo o Labradoodle, que é um cruzamento do Labrador com o Poodle, o American Bully, que é o cruzamento do American Staffordshire com o Bulldog inglês e enfim. Por exemplo, Chihuahuas sem pelo, coisas completamente incríveis, que são vendidas por milhares de euros.
José Maria Pimentel
Sim, mas por motivos estéticos. Exatamente. Mas é interessante falar disso porque eu lembrei em tempos de apanhar, não sei onde, mas apanhei qualquer coisa sobre isso, de um argumento que eu achei, pelo menos em teoria interessante, não tenho a certeza, imagino que na prática tinha algumas limitações a favor desses crossbreeds, misturas de raças, e que era um argumento pelo contrário funcional. E qual era a lógica daquilo? A lógica é que as raças que nós temos atualmente, precisamente como nós já dissemos, foram desenvolvidas com uma determinada função que afunilou características em detrimento de outras, o que é evidente, não é? E isso dependia pelos motivos. Ou seja, eram cães que, sei lá, por exemplo, os Bussey Hounds, por exemplo, têm as orelhas descaídas e umas orelhas grandes, salvo erro...
José Homem de Mello
Para fazerem de funil
José Maria Pimentel
para o... Para o olfato, não é? Para que aquilo mantenha ali as pratículas. Concentra ali a pé do nariz e ele consegue farejar muito melhor. Depois houve pior naturalmente, não é? Porque tem aquela espécie de cortinas
José Homem de Mello
à frente do ouvido.
José Maria Pimentel
E sei lá, os setters também farejam muito bem, mas também tem as orelhas por cima. Tem as orelhas.
José Homem de Mello
Os cockers também. Os
José Maria Pimentel
pastores belgas são muito atentos Mas são um cão um pouco assertivo. E o que é que isto quer dizer? Quando nós arranjamos um cão desses aquilo que é efetivamente um cão de companhia, não é? Hoje em dia, na maior parte dos casos, seja mais ou menos companhia dentro daquele clichê que a pessoa tende a ver, quer dizer, mas nenhuma das minhas cadelas anda quer a pastorear, quer a apontar a caça, não é? O que nós vamos trazer para casa são cães que têm determinadas características extremadas. Na maior parte das raças isso não é um problema de maior. É um problema de maior naqueles cães mais agressivos, mas na maior parte das raças não é um problema maior. Mas pode não ser bem desejável e portanto o argumento que eu vi a favor desse crossbreeding era no fundo tentar
José Homem de Mello
desfazer algum desses extremar e produzir um cão mais balanceado, mais equilibrado. Não é fácil porque repara, não é só numa geração que isso se consegue. Teria que ser em várias gerações e então isso era criar outra raça. Sim, no fundo é criar outra raça.
José Maria Pimentel
Mas é um argumento que me faz algum sentido, que poderiam ser raças mais adaptadas aos dias de hoje, em que uma pessoa quer um cão ativo, quer um cão inteligente, mas não quer um cão que, entre outras coisas, tenha... Os border collies, por exemplo, são conhecidos por andar a pastorear tudo o que mexe, não é? Sim, sim, sim. A volta das crianças e não sei o quê. Sim, sim, é isso. E depois também é frustrante para o cão, não é? Aquilo que nós dizemos há um bocadinho. Claro que é. Um cão que não tem para a sua função, não é? Por isso é que
José Homem de Mello
eu disse, mas repara, uma das coisas que eu digo sempre às pessoas, quando me dizem ah, eu gostava de ter uma raça, que raça é que me aconselhas? E eu digo-lhe sim. Depende. Sei lá, depende, claro. Depende. Agora, o que é certo é que quando se escolhe uma raça, e agora eu não tenho nada contra os cães rafeiros, mas quando eu escolho uma raça, 90 e muitos por cento, eu sei que aquele cão vai ter um determinado tamanho, vai ter um determinado comportamento, vai ter uma esperança de vida de um determinado número de anos, vai ter um tipo de pelo que eu sei qual é, vai ter um temperamento que eu sei qual é, portanto eu sei o que é que vou ter quando... Porque como sabe todos os cachorros são extremamente apetecíveis, não é? Ora, quando vai a um canil para adotar um cão ou um cachorro, não sabe o que é que traz para casa. Portanto, se for um cão adulto, já sabe que traz um cão com determinado tamanho, não sei o quê, não sei o quê, mas não sabemos nunca os temperamentos e por aí fora, não é? Portanto, o que eu digo sempre é que para ter um cão, eu aconselho sempre as pessoas a terem um cão de raça e a escolherem, a pesquisarem. Hoje em dia é fácil e pesquisar na internet e até há muitos sites que podemos responder a um determinado número de questões e eles apontam uma raça ideal para os nossos objetivos, não é? E aí sabemos que vão-nos ter e, digamos, conseguimos mais de 90% ter sucesso. Muitas pessoas que optam por
José Maria Pimentel
ter rafeiros, e eu falo enquanto pessoa que não tem rafeiros, fazem por motivos
José Homem de Mello
sociais, se quisermos. Ou seja, são
José Maria Pimentel
cães que já existem e precisam de ser adotados e se toda a gente for rajar um cão de raça, ou se toda a gente quiser um cão de raça, é que estão os caninos que estão sem ninguém.
José Homem de Mello
Mas eu conheço muitos, eu por acaso não tenho, mas já tive cães rafeiros, mas conheço muitos criadores e muitas pessoas que queriam cães de raça que têm rafeiros, não é? E que adotaram rafeiros. Agora, o que eu digo sempre, e quando se fala e quando hoje em dia se fala muito nos cães errantes e nos cães que são abandonados, se for um canil, A esmagadora maioria dos cães que estão abandonados são cães de raça indefinida. A esmagadora maioria. É raro ver-se um cão de raça. Ora, portanto, o que é que acontece? Esses cães são produtos de pessoas que cruzam irresponsavelmente e que depois se veem com um determinado número de cachorros e sem possibilidade de os oferecer ou colocar em algum sítio. Eu espero, não sei como é que está a situação, mas nestes tempos de pandemia houve imensas adoções de cães, porque, como sabe, as pessoas podiam sair para passear o cão e não sei o quê, estavam em casa. Vamos ver o que é que vai acontecer no futuro. Hoje em dia as pessoas estão mais responsabilizadas porque os cães estão microchipados. Se abandonarem um cão as pessoas já são, digamos, responsabilizadas por isso. Vamos ver o que é que vai acontecer. Se nós formos, por exemplo, para os países nórdicos, sabe que é raro ver-se um cão. Primeiro, é raro ver-se um cão de raça indefinida, segundo é, é raríssimo ver-se um cão errante.
José Maria Pimentel
Sim, e é muito comum ver os cães nos restaurantes,
José Homem de Mello
por exemplo. Exatamente.
José Maria Pimentel
Qual é a sua opinião sobre isso? Porque foi até engraçado que estava a falar com o meu pai no outro dia, estava a falar desta conversa, e ele também tem um cão, e incumbiu-me de fazer essa pergunta de qual era a sua opinião sobre o... Eu já me esqueci, agora que me estou a lembrar, dos cães nos restaurantes, porque o que eu acho que acontece, nós em Portugal somos muito refratários em relação a isso. Nós, que é como quem diz, os donos dos restaurantes. E eu acho que há alguma legitimidade porque é um problema de ouvida galinha porque de facto os cães também estão muito menos bem educados em Portugal do que provavelmente nesses países. Portanto é legítimo a preocupação deles, não é? Embora se fosse... Desejava que a pessoa pudesse levar o cão para todo lado porque isso aumentava o bem-estar
José Homem de Mello
dos cães. Eu estou em desacordo consigo numa situação. Não são os cães que são mal educados. Pois claro, sim. O problema é esse. Claro, claro. Mas é um problema da ouvida galinha, porque se
José Maria Pimentel
as pessoas não podem levar os cães para lá nenhum, os cães também socializam pouco.
José Homem de Mello
Exatamente. Eu acho que deviam. E hoje em dia, por exemplo, nós vamos, basta irmos aqui a França, em Espanha não, mas em França. Em França todas as pessoas levam os cães para os restaurantes. Agora, o que é certo é que as pessoas educam os seus cães e os cães comportam-se, não incomodam absolutamente ninguém. Porque não, não tem. Na Finlândia, em Inglaterra, em França, nós vamos a qualquer sítio e as pessoas estão ali deitadas ao lado e eles estão sossegados sem fazer absolutamente nada. O problema é a parte social, não é? Repare, é a mesma coisa que nos hotéis. Há países em que é fácil, em Mís, com cães para hotéis e os cães vão para os quartos e estão, socializam sem problema nenhum. Em outros países que não, e porquê? Porque os donos, alguém leva um cão e o cão faz as necessidades no quarto, roi não sei quê, destrói não sei quê e pronto, é uma questão social. Também talvez seja alguma questão de literacia,
José Maria Pimentel
ou seja, o José falava há bocadinho da pessoa poder ir à net e ver um site qualquer de qual é o cão mais indicado. Mas, da minha experiência, eu lembro de ver alguns sites desses e aquilo não era especialmente informativo. Ou seja, era muito ambíguo e depois as pessoas muitas vezes podem ser levadas, se não forem contextualizadas, a escolher um cão que na verdade não tem a ver muito com elas. Olham por um ímpeto qualquer e depois tem um, sei lá, um pastor alemão num apartamento pequenino e depois tem um no Pouco, quer dizer, alguma coisa de qualquer absurdo. Que depois tem vários... Repare,
José Homem de Mello
é a mesma coisa que se dizer que uma pessoa que vive num apartamento quer um sombrenardo, quer dizer, não é possível. Sim, sim. Para caso eu tinha uns vizinhos que tinham um sombrero. Quer dizer, o cão pode-se portar muito bem, mas o cão não é um cão feliz. Claro, claro. Por exemplo, a minha raça, os basseanos são um cão de matilha, um cão de caça, um cão de matilha, que não é um cão para viver num apartamento sozinho. E eu digo sempre às pessoas, às vezes ligam-me, eu praticamente, eu só crio uma aninhada por ano e normalmente temos um grupo de, digamos, de criadores a nível internacional e trocamos os cães entre nós. Mas muitas vezes digo às pessoas, repare, ah, mas diga-me alguém que tenha. E eu digo, pergunto no clube, no Bacelã do Clube de Portugal, veja os criadores. Mas isto não é um cão para ter num apartamento e para sair de manhã e voltar à tarde e o cão estar lá sozinho. Porque é um cão de matilha, ele necessita de companhia. E é melhor ter mais do que um, então. Exatamente. Ou um cão e um gato, ou um cão e um coelho, não pode ser porque senão ele matava, mas um cão que... Algo que faça companhia ao cão. Senão ele vai ter problemas, o cão começa a oivar durante o dia, o cão vai raspar, o cão vai ladrar,
José Maria Pimentel
enfim. Então, estamos a aproximar do final, mas tenho aqui umas perguntas guardadas ainda para lhe fazer. Mitos em relação aos cães? Algum que queira referir? Ou seja, coisas que houve dizer e que, neste senso comum, que é mais ou menos perspetuado, estão rotundamente enganadas. Por exemplo, em relação à personalidade de algumas raças, não sei. Repare,
José Homem de Mello
hoje em dia, algo que está muito na moda são os cães de raças perigosas. E esse é um mito que eu digo, não há cães de raças perigosas. Há donos perigosos. Sim,
José Maria Pimentel
mas as raças foram escolhidas
José Homem de Mello
para ter tantas características. Eu vou-lhe dar, por exemplo, um exemplo. Eu estive a julgar agora há pouco tempo em Espanha. E julguei Rottweilers. E julguei, tinha vários cães em ringue e dois cães tentaram morder-me. E eu, pedidos para sair do ringue, não julguei e foram... Imagino que isso dê desqualificação, não é? Exatamente. São 10 eras de treino. Acabo de julgar, este fim de semana, na Finlândia. Estive a julgar Rottweiler. Nenhum, nenhum tentou sequer um gesto de ataque ou de qualquer, digamos, atitude mais agressiva. E isto eu digo sempre, repare, se puser na mão de um delinquente uma arma, ele é capaz de matar alguém. Se lhe puserem uma arma na sua mão, não vai matar ninguém, pois não? O cão é a mesma coisa. Se se puser um cão nas mãos de uma pessoa que incentiva o carácter do cão, o cão vai ter uma postura completamente diferente que se o puser na mão de alguém que o trata normalmente e que o educa. Eu não tenho dúvidas de que é possível, com qualquer raça considerada perigosa, educá-lo
José Maria Pimentel
de uma maneira que ele seja um cão que não dê problemas. Mas ainda assim, pegando naquilo que nós dizemos há bocadinho em relação aos gálogos, ou em relação a um pastor, ou que tipo de raça seja. Se o cão foi selecionado para ter aquela predisposição, ele tem lá sempre, não é? E de certa forma, se ele não a puser em prática, até se pode argumentar que o cão é infeliz.
José Homem de Mello
Está frustrado. Está frustrado, não é? Não acho, não acho. Não sou dessa opinião. Como eu disse há pouco, o cão foi criado... Ele pode ter, digamos, esse objetivo, mas não é um objetivo que seja, digamos, latente, que esteja à flor da pele. Poderá haver algumas exceções, não é? Pela experiência que tenho tido, e acabei de lhe dar este exemplo destas duas experiências que tive há pouco tempo, acho que nós não devíamos falar em raças perigosas, até porque, repare, estatisticamente as mordidas que são reportadas anualmente, na sua grande maioria, não vêm muitas delas destas raças. É? Porquê? Vêm muitas vezes de raças do nono grupo de cães de companhia. De caniches, de chihuahuas, de isto e daquilo. Esse cães muitas vezes é muito agressivo. É uma escolta tão pequena que ninguém liga. Exatamente. Porquê é que eles são tão
José Maria Pimentel
agressivos?
José Homem de Mello
Porque têm temperamentos... São cães que têm temperamentos muito fortes, não é? Então
José Maria Pimentel
ele teve que ver com algum funilamento genético, alguma...
José Homem de Mello
São cães que na sua... É um paradoxo, não
José Maria Pimentel
é? Um cão de companhia... É, é... Ninguém achateia muito porque... Ou era porque as pessoas... Eu já ouvia essa teoria em tempo, porque as pessoas achavam graça que eles ladrassem...
José Homem de Mello
Pode ser! Eu não acho piada nenhuma que eles ladrassem.
José Maria Pimentel
Sim, eu também não, mas eu não sou um grande fã
José Homem de Mello
desses cães pequenos. Mas há, mas como eu lhe disse, ainda há pouco tempo falava com uma professora daqui da Escola Superior de Mecina de Fortunária sobre comportamento animal e ela era exatamente dessa opinião. E ela é contra a listagem de raças perigosas. Acha que essa listagem não deveria existir e deveria existir, digamos, regras para cães de todas as raças, não é? Porque, repare, não é muito natural que isso aconteça, mas pode ter um cocker, por exemplo, que é um cão agressivo e esse cão não está sujeito às medidas legais para passear na rua que está sujeito um Rottweiler e pode ser muito mais perigoso que um Rottweiler. Sim,
José Maria Pimentel
sim. Mas essa questão é importante, não é? Há um limite, quer dizer, é quase como a diferença entre andar com uma tesoura ou andar com uma pistola, não é? Exatamente. Qualquer pode magoar, naturalmente, não é? Mas há ali um limite do que ele pode fazer, até pela fisionomia
José Homem de Mello
dele. Sim, sim, sim. Por exemplo, há outras raças, por exemplo, o Staffordshire Terrier é um cão que é para os humanos extremamente dócil. Extremamente dócil.
José Maria Pimentel
Aliás, nós não falámos disso há bocado, mas os cães do grupo 2, os cães de guarda, A ideia que eu tenho é que embora eles fossem cães selecionados para terem não só agressividade, como poder físico, contra, por exemplo, os lobos, são normalmente cães muito dóceis relativamente a alguns e até para chorrentos, não é? Exatamente. Porque aliás a função deles era estar lá quietos
José Homem de Mello
o dia inteiro. Estar quietos, exatamente. São extremamente dóceis para crianças. É um
José Maria Pimentel
paradoxo engraçado, não é?
José Homem de Mello
É, muito engraçado. Olha, eu dou-lhe um exemplo, eu quando era muito miúdo, três, quatro, cinco anos, tivemos sempre boxers em casa. Eles connosco eram gatos. Nós fazíamos-lhe 30 por uma linha, puxávamos as orelhas, Ninguém entrava o portão da nossa casa. Ninguém. Porque eles atacavam e não deixavam entrar. Mas connosco eram extremamente dóceis, nunca ninguém foi mordido por nenhum cão daqueles. Sim, A minha experiência também é essa, embora de paisagem, casos conhecidos de boxers. Até houve
José Maria Pimentel
em Portugal há pouco tempo, não é? Sim. Mataram um miúdo, um bebê, já não sei como é que foi. Pois,
José Homem de Mello
mas às vezes, pá, eu... Às vezes contam isso.
José Maria Pimentel
Pois, a pessoa não sabe o contexto, não é? Até de educação dos
José Homem de Mello
cães. Exatamente.
José Maria Pimentel
Mas já agora lembro-me de uma pergunta, que fiz há bocadinho. Eu tenho ideia que há uma espécie de desfasamento entre as raças que tendem a ser mais populares, digamos assim, nos concursos de cães e as raças mais populares entre o público. Posso estar enganado?
José Homem de Mello
Não, eu acho que não.
José Maria Pimentel
Os labradores, por exemplo, costumam... As raças mais conhecidas. Labradores, golden
José Homem de Mello
retrievers... Repare, normalmente as raças que são mais populares a nível nacional são as mais populares nas exposições. Eu posso lhe dizer que houve uma altura que eram os cocker's ingleses e tínhamos entradas enormes. Houve uma altura que eram os siberianuskies.
José Maria Pimentel
Sim, houve uma altura que estava muito bom, quando eu era
José Homem de Mello
miúdo. Hoje em dia são os Bulldogs franceses e as entradas dos Bulldogs franceses nas exposições caninas são enormes.
José Maria Pimentel
Mas porquê que o Bulldog francês tornou tão...
José Homem de Mello
Porque, repare, É um cão pequeno, é um cão engraçado. Eu não acho muito engraçado por acaso. Eu também não, mas... Sou um cara tradicionalista. Mas é um cão que é pequeno, que é fácil de ter em casa, que não necessita muito exercício. E pronto, é um cão que se adapta à vida atual. Repare, o pudengo português pequeno é um cão que está a ter imenso sucesso a nível mundial. Porquê? Porque é um cão rústico, é um cão pequeno, é um cão engraçado, é um cão temperamento engraçado e é um cão portátil, que se adapta lindamente à realidade atual, à nossa realidade social atual. Pessoa que vive num apartamento e pronto. E é isso que leva, digamos, à popularidade das raças. Eu acho que hoje em dia a popularidade das raças está muito intimamente ligada com o modo de vida. E as pessoas deixaram de viver, na sua grande maioria, em casas, passaram a viver em apartamentos e, portanto, não podem ter cães de grande porte e, por isso, as raças hoje em dia... Tem algumas modas, não é? Exatamente. Há uma raça que
José Maria Pimentel
se vê muito agora que é o... O Weimarana. Eu acho que é pela parte estética, porque de facto é um
José Homem de Mello
cão muito bonito. Existem Weimaranas pelo curto e pelo comprido. Existem pelo comprido, são mais raros, mas existem pelo comprido. Mas lá está, não é um cão pequeno, não é? Não, não, não. Não é um cão pequeno. Mas é leve, não é? É leve. Um cão com 20 e poucos quilos de origem. É, é um cão leve. Também
José Maria Pimentel
se vê muitos Border Collies agora, mas isso imagino que seja por ser um cão muito inteligente. É, por ser um cão
José Homem de Mello
inteligente e é um cão que está também na moda, um bocado. É a Fável ao mesmo tempo. É, e há um cão que é de fácil trato. Sim. E essa também é uma das coisas.
José Maria Pimentel
Embora requeira muito... Eu nunca tive nenhum, mas imagino que requeira muito despendido de energia. Sim. E não é só isso, não é? Aliás, eu até... Soube uma coisa engraçada que uma vez aprendi com um tipo que era treinador de cães e eu fui lá com a minha cadela, o pastor belga, e ele mostrou-me uma coisa que é mais ou menos destas coisas. São obvias em retrospectiva, mas que na altura nunca tinha pensado. Aquilo que ela quer não é necessariamente que nós a pessoa o temos, por exemplo, a gastar energia. Aquilo que ela quer, isto é, aquilo que mais a motiva, quer dizer, que mais a... Que mais... Que mais bem estar-lhe produz, se quisermos, é cumprir uma função. E, portanto, ela acalma-se muito mais se estiver a trabalhar connosco, mesmo que contra ela curta, a fazer um percurso qualquer
José Homem de Mello
do que a andar solta, que
José Maria Pimentel
aparentemente é um paradoxo. E isso é que muitas vezes é difícil. Um cão que tenha... Um cão pastor, por exemplo, que foi um cão desenvolvido para trabalhar-se o dia inteiro e ter uma função o dia inteiro. Não é como o cão lá está de guarda, que estava sentado, deitado o dia inteiro e tinha que atuar em caso de emergência, ou o labrador, por exemplo, que tinha que ir buscar só num determinado período, o cão-pastor tinha que trabalhar o dia inteiro, portanto são coisas que exigem muito estímulo.
José Homem de Mello
E repare, é um cão que está sempre à espera de uma indicação do seu dono. Exato, exato. Se tomar atenção à postura de um bórader ou de um cão de pastor, é um cão que está sempre a olhar para o gado, mas está sempre a olhar para o seu pastor a ver o que é que ele quer. Eu sei, eu sei.
José Maria Pimentel
Quer dizer, o meu não... A minha não tem gado nenhum, coitada. Mas de facto é extraordinário e eu até estava até uma discussão com os amigos, meio na brincadeira, mas precisamente sobre a questão da inteligência dos cães. No fundo tudo depende disso, não é? Mas para mim o cão-pastor tem uma inteligência muito mais exuberante do que os outros tipos de raças, porque ela, ao contrário do séter ou de outro tipo de raças com que eu já convivi, que não são cães-pastores, ela está sempre atenta ao que eu faço.
José Homem de Mello
É evidente porque a reação, digamos, e a postura do cão é evidente para o dono e é evidente para o condutor, ao passo que um cão de pista não é evidente. O que é que é um cão de pista? Por exemplo, os beagles, os cães que vão seguir os rastos, para nós não é evidente porque nós não vemos ali o rasto. Claro, exatamente. Nós não vemos o rasto da caça. Agora, O que sabemos é que ele está a seguir a caça e está a seguir aquele rastro. E conhecemos
José Maria Pimentel
o produto final.
José Homem de Mello
Exatamente. É isso, é isso. E portanto, para nós, ele ir por ali, eu ir por ali, é igual, não é? Mas para ele não, Porque ele sabe que ali tem o rastro e vai a seguir o rastro da peça de caça e por aqui não há rastro nenhum e não vale a pena agora. E portanto, se compararmos esta postura com a postura de um cão de pastor, nós sabemos que o objectivo está ali, que é o gado, ele está aqui e nós mandamos-o para a direita ou para a esquerda, não é? Ora, nós, o cão de rastro, nós não vamos mandar para a direita nem para a esquerda. Ele é que nos vai dizer vir à direita e tu viras à direita e vir à esquerda. Não somos nós. Nós é que vamos, digamos, seguir o caminho dele e não dar-lhe as indicações que caminho é que
José Maria Pimentel
ele vai seguir. Sim, sim. Não, é isso. Mas ela fazia umas coisas engraçadas. Por exemplo, às vezes eu... Às vezes detectava padrões ou sinais que eu estava a enviar sem eu quererem enviar. Como, por exemplo, ela começava a vestir-me para ir correr, por exemplo. Começava, sei lá, vestia os calções e ele naquele momento ficava numa chitação, porque leva normalmente para correr e eu naquele momento inicialmente não estava a perceber porquê. Depois eu percebia, ok, tu já percebeste que é um pouco... E muitas vezes podia-se até passar um período em que eu não ia correr muitos meses, ou seja, aquilo passavam-se meses ou semanas e ela, no entanto,
José Homem de Mello
mantém aquela capacidade. Uma pessoa pegar na trela é uma diferença.
José Maria Pimentel
Ah, isso é o clássico, não é? Mas esse com todos, acho que com todas as raças têm essa capacidade. Está bem, olha, alguma coisa que eu não tenha perguntado?
José Homem de Mello
Não, eu penso que abordámos aqui a maior parte. A raça portuguesa
José Maria Pimentel
preferida, alguma queira
José Homem de Mello
promover? O Junto de Pequenos está a ouvir, especialmente. Eu penso que, como disse há pouco, o Podemgo Português Pequeno é uma das boas raças, das boas nossas raças e porquê? Porque exatamente o que eu disse há pouco, adapta-se à nossa realidade de vida atual e portanto é um... Porque as outras raças, por exemplo, eu adoro o Serra da Estrela, Foi o meu primeiro cão. O meu primeiro cão eu tinha... Ainda não tinha um ano quando o meu avô me ofereceu um cachorro-serra-da-estrela que devia ter uns meses. Mas é um cão muito bonito, mas que hoje em dia é difícil ter-se para quem vive no andado. É muito grande. Não deve ter um cão da Serra da Estrela. Portanto, eu penso que hoje em dia, perdigo a irma portuguesa, mas penso que a raça, houve uma altura em que o cão d'água, e continua a ser, o cão d'água é uma raça muito popular, infelizmente os melhores cães d'água portugueses já não estão em Portugal. Ah, é? Os melhores cães de água portugueses hoje em dia estão nos países nórdicos. São os criadores dos países nórdicos que atualmente têm os melhores cães de raças portuguesas. Infelizmente, alguns criadores, uns morreram, outros deixaram de criar e, digamos, a qualidade baixou muito. Mas quando diz a qualidade neste contexto quer dizer o quê? Morfologicamente os cães mais bonitos. Ok. E o número de efetivos também baixou. Por isso é que eu digo, nós para salvarmos as nossas raças temos que as divulgar a nível internacional, porque nós somos um pequeno país. Precisamos de criadores estrangeiros que criem as nossas raças e que divulguem as nossas raças. E esse trabalho deve ser feito pelos clubes de raça nacionais das raças portuguesas. Por exemplo, como ele disse, os pudengos portugueses estão a ter um sucesso enorme nos países nórdicos, nos Estados Unidos também já, e por exemplo os cães de água. Houve uma altura em que os cães de água estavam no Guinness Book do Cão Mais Raro do Mundo. Ah, sim? A raça foi, entre aspas, salva por uma senhora americana que levou para os Estados Unidos vários cães, digamos com aquele extremismo americano que queria ter o cão mais raro do mundo e que depois desenvolveu e a raça foi salva depois a partir daí, não é?
José Maria Pimentel
E depois deve ser um desafio também, não é? Porque se a raça é reconstruída com base em poucos cães tem uma variedade
José Homem de Mello
muito curta. Claro, depois é muito
José Maria Pimentel
difícil, exatamente.
José Homem de Mello
Deve ter ido buscar, depois começou à procura, encontrou um ali, outro ali, outro ali, e começa-se a reconstruir a raça. Isso acontece com muitas espécies que hoje em dia também, sabe,
José Maria Pimentel
algumas espécies
José Homem de Mello
que isso está a acontecer. Claro, claro. Bom, livros. Livro ou livros? Livros. Livros. Eu acho que vou mencionar dois livros, um deles, e puxando abraço às nossas raças, é o livro de raças portuguesas editado pelo Clube Português de Canicultura. É um livro bilíngue, extremamente bem ilustrado. É um livro a mencionar. E outro livro é o livro de Stallones, publicado pelo Canal Club inglês. Também é um livro extremamente interessante, muito bem ilustrado e que também é essencial consulta. É um dos livros que eu, quando tenho algumas dúvidas, consulto, em algumas raças, é aí que eu vou. Ok, muito bem. José, obrigadíssimo. Nada. Foi uma excelente conversa. Espero que tenha atingido os seus objectivos. Atingiu.
José Maria Pimentel
Um tema que ainda não tinha trazido. Este episódio foi editado por Martim Cunha Rio. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Tomás Fragoso, Gonçalo Monteiro, Nuno Costa, Francisco Carmona Gildo, Mário Lourenço, Carlos Ceiça Cardoso, José Luís Malaquias, Diago Leite, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Filipe Bento Caires, Miguel Marques, Família Galaró, Nuno Iana, João Ribeiro, Miguel Vassalo e Bruno Heleno. Até ao próximo episódio!