#102 Adolfo Mesquita Nunes - ‘A Grande Escolha’

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. O convidado deste episódio é Adolfo Mesquita Nunes. Foi um dos nomes em que vocês mais votaram para regressar ao podcast na altura do episódio 100. Eu próprio já tinha vontade de conversar com ele sobre o livro que lançou e por isso notou-se útil ao agradável e gravámos este episódio. O livro do convidado chama-se A Grande Escolha e é um manifesto apaixonado em defesa da globalização enquanto veículo de progresso económico e social. Mas o convidado reconhece que a globalização trouxe também enormes desafios às sociedades atuais, em áreas como o emprego, a habitação ou até o modo como devemos lidar com as grandes empresas digitais ou potências autocráticas como a China, por exemplo. Por isso o grosso do livro dedica-se a tentar encontrar respostas para estes problemas, sempre na lógica de rejeitar soluções aparentemente fáceis, mas que recorreriam o risco de levar consigo pelo caminho as próprias vantagens trazidas pela globalização. Durante a conversa começámos por falar sobre o modo particular como este problema afeta Portugal e sobre a necessidade para o nosso país de colhermos ainda mais os benefícios da globalização, gerando maior crescimento económico, mas ao mesmo tempo resolvendo os desafios que ela impõe e que também já são sentidos por cá. O convidado no livro cobre um total de 7 grandes desafios trazidos pela globalização. Nesta conversa, discutimos alguns destes e ainda outros que não couberam no
Adolfo Mesquita Nunes
livro. Falámos
José Maria Pimentel
do aumento da desigualdade nas últimas décadas e sobre as medidas que os países devem tomar para garantir igualdade de oportunidades. Falámos da necessidade de ter um mercado de trabalho dinâmico, mas ao mesmo tempo com estabilidade para que as pessoas possam ter segurança em planear a sua vida. E mais no final, discutimos ainda a questão de a par da globalização económica não haver ainda, ou não haver sequer perspectivas de vir a haver, um grau de globalização política equivalente que permitisse resolver estes problemas na esfera adequada. Enfim, espero que gostem deste episódio e deixo-vos com o convidado, antes só um agradecimento aos novos mecenas das últimas semanas, Nuno Malvar, Joel, Nuno Mestre, Diogo Henriques, Alberto Aramburu e Rita Marques. Até à próxima! Adolfo, muito bem-vindo de volta ao podcast. Olá, obrigado. Nós vamos falar a propósito do teu livro, A Grande Escolha, o que é interessante também porque de certa forma nós falámos de parte disto quando a tua entrevista é para o podcast, na altura especificamente sobre política, mas tu já trazias uma visão muito parecida com aquela que depois serve de premissa
Adolfo Mesquita Nunes
ao livro em relação à globalização, não é? Ainda bem, não é? Significa que eu escrevi aquilo que pensava no livro. E não que andei à procura de coisas para escrever.
José Maria Pimentel
E que foste desenvolvendo a ideia, não é?
Adolfo Mesquita Nunes
Sim, no fundo isto, se as pessoas que leem com mais atenção o que eu escrevo, já há muito tempo que notam uma preocupação grande em demonstrar que a economia de mercado e que as liberdades de circulação e que o mercado único são instrumentos de progresso e de prosperidade que nós não podemos prescindir, não é? E aquilo que eu tenho notado, isso sim, é que as novas gerações parecem não conhecer os méritos da economia de mercado. É quase como se o mundo em que vivem, com a abundante oferta de bens e de serviços e de oportunidades de que hoje dispomos, fosse uma espécie de... Não sei, de idade adquirida, não é? E no fundo o livro também procura explicar a essas pessoas que tudo aquilo que temos e que hoje usufruímos não nasceu do acaso, nasceu deste modelo, deste sistema e que se queremos melhorá-lo e devemos melhorá-lo não podemos eliminar as causas que nos trouxeram até esta condição na humanidade que é muito melhor do que aquilo que era há 50 ou 60 anos.
José Maria Pimentel
Eu partilho completamente essa visão, como sabe quem costuma ouvir o podcast, e é muito fácil nós desvalorizar, quer dizer, tomarmos por adquirido uma série de coisas que temos e
Adolfo Mesquita Nunes
que não conseguimos imaginar o mundo de outra forma. Sim, há um... Quando nós já temos toda esta abundância de bens e serviços, não é? E eu estou a utilizar a palavra abundância e se calhar há pessoas que estão a ficar chocadas porque acham que o mundo vive momentos de crise e de privação e é verdade. Mas se nós pensarmos no acesso que temos hoje a medicamentos, no acesso que temos hoje a equipamentos eletrónicos, no acesso que temos hoje a informação, a cultura, no acesso que temos hoje a serviços públicos, é inimaginável comparar isto com o que era há 30 ou 40 anos. Basta ir a uma prateleira de supermercado e ver a oferta que hoje temos, não é? E esta abundância, quando ela existe e ela é tida como uma espécie de dado adquirido, provavelmente é natural que tu penses que devia ser gratuito ou que devia ser estendida a toda a gente sem custos, porque como não sabes ou não tens a ideia de porque é que isto acontece, porque é que esta abundância existe, então é normal que penses que é um direito de todos e sendo um direito de todos deve ser gratuito e que comeces a desmantelar a economia de mercado, ou seja, comeces a desmantelar aquilo que te trouxe a essa avombra. Sim, sim, sim. Por isso é que o livro tem claramente um propósito de proselitismo. Ele está escrito na forma mais simples que eu consegui e sempre em diálogo com alguém que eu imagino que está contra aquilo que eu defendo. E, portanto, é sempre da tentativa de ir desmontando os mitos ou de tentar desmontar as ideias feitas das pessoas. E isso está escrito logo no princípio do livro para não levar ninguém ao engano. Mas acho mesmo que fazia falta livros destes porque tu olhas para os escaparates daquilo que está a ser publicado sobre o futuro, sobre como sair da crise, como sair das circunstâncias que nos encontramos e são sempre no sentido da superação do capitalismo e do desmantelamento da globalização e isso faz-me alguma confusão e portanto procurei contribuir para esse debate e eu acho que este é mesmo um combate político que vale a pena travar. E estou mesmo motivado para ele, não é? Sim.
José Maria Pimentel
Uma coisa que eu pensei várias vezes ao ler o livro, e imagino que não seja a primeira pessoa a falar disto, é que Portugal surge aqui de uma maneira peculiar, não é? Porque esta é uma questão muito falada a nível internacional, sobretudo no mundo ocidental, chamemos-lhe assim. Portugal surge aqui de uma maneira peculiar, não é? Porque nós não somos, quer dizer, não somos os Estados Unidos, não somos um país que tenha prosperado totalmente da globalização. Não quero com isto dizer que nós não prosperámos da globalização, Quero dizer que como não tivemos um crescimento económico muito pujante ao longo das últimas duas décadas, nós no fundo, e isso reflete a nossa política nacional, temos ainda outros problemas que se sobrepõem a este na discussão política. Também tem a ver com a nossa escala, naturalmente, nós somos um país pequeno, portanto ao contrário do que tu vês nos Estados Unidos, naturalmente, do que tu vês até em países europeus maiores, como França ou Alemanha, a questão da globalização, podendo estar presente a um nível mais subterrâneo, digamos assim, que aliás foi o que me trouvou a escrever o livro, não é? Porque estávamos num jantar e de repente, neste, caras, com um monte de gente pessimista em relação à globalização, ainda não tem pelo menos de maneira tão explícita um peso na nossa discussão política. Ou tu achas que tem? Vamos lá ver. Eu
Adolfo Mesquita Nunes
não falo de Portugal. Eu não quis escrever um livro sobre Portugal porque não quis escrever um livro que as pessoas entendessem como uma espécie de programa de governo, que eu estaria a fazer uma proposta política. E até porque se o tema é globalização, convém que a abordagem seja global e que mostre, como o mundo como um todo, está melhor do que estava. Portanto, a opção foi não ser um livro sobre Portugal e trazer Portugal apenas para vários exemplos para que o leitor pudesse ir acompanhando a discussão. Por isso é que o livro não é sobre Portugal. Dois, há uma mensagem que eu tento passar no livro, é que a globalização é um instrumento de criação de riqueza, mas depois a forma como cada país, como cada Estado, como cada modelo social vai redistribuindo a riqueza que é criada, ou a forma como as políticas públicas estão desenhadas para aproveitar as vantagens da globalização e mitigar as suas desvantagens, isso já é responsabilidade de cada Estado. Isto é, países igualmente expostos à globalização têm sortes distintas consoante as políticas públicas são boas ou más. E isto é, por exemplo, evidente no campo das desigualdades. Há países que conseguem reduzir mais as desigualdades do que outros, e são dois países que estão igualmente expostos à globalização, à concorrência e a esta realidade em que vivemos. E por isso, cada país, a sorte de cada país depende muito das políticas públicas que são seguidas. E relativamente a Portugal, há duas coisas que para mim são evidentes. A primeira é que não é possível de todo comparar Portugal de há 50 anos com o Portugal de hoje. E nesse sentido, Portugal foi um beneficiário e beneficiou muitíssimo da globalização. É verdade que também associamos a isso à democracia, não é? Portanto, nesses últimos 50 anos foram anos em que Portugal passa de um regime autocrático para um regime democrático e depois para um regime que entra num mercado único e já antes tínhamos entrado na EFTA e por isso é normal que haja aqui um conjunto de fatores que confluem para estas mudanças, mas verdadeiramente se nós pensarmos nas condições de vida há 50 anos ou agora, elas são inimagináveis e Portugal cresceu muitíssimo. Podíamos ter crescido mais? Podíamos. Podíamos ter crescido muito mais, como aliás vários países o demonstram, os países bálticos são um ótimo exemplo. E podíamos ter feito mais do ponto de vista da redistribuição de riqueza, podíamos ter feito muito mais, como os países escandinavos são um exemplo. E portanto, Portugal não tem sabido aproveitar, porque tem políticas públicas que são deficientes. E depois, parte do livro é falar de políticas públicas, o que é que nós devíamos estar a fazer. E aí sim, Às vezes há mais ligação ao Portugal porque acho que de facto há muito mais que podemos fazer. Agora, se esta conversa da globalização aparece muitas vezes ou não na discussão em Portugal, eu acho que aparece não tanto ligada à ideia de globalização, mas mais ligada à ideia de protecionismo. A ideia de que temos que impedir os testes do Paquistão de entrar, temos que impedir a concorrência das grandes empresas de chegar, não podemos permitir que entrem imigrantes que façam baixar o custo da mão de obra. Ou seja, essa discussão da globalização é tida muitas vezes não com o termo globalização mas com o termo de concorrência, de inovação, de novos modelos de negócio. E isso sim, ela é tida com alguma frequência.
José Maria Pimentel
Ele falava aqui, por exemplo, e tens razão, é evidente que esta discussão entra desde logo pelo facto de nós estarmos no mercado global e sermos beneficiários dele e também, quando falamos de pessoas, em muitos casos serem prejudicadas na sua vida por ele se tiverem esse azar. Mas, por exemplo, uma das questões em que este pensamento me assaltou foi a questão da desigualdade. Tu começas logo por aí, é um tema muito discutido e eu tenho sempre alguma hesitação em discutir esse tema em relação a Portugal, porque o caso de Portugal parece-me sempre bastante diferente, ou seja, tu tens países como os Estados Unidos em que houve um crescimento de grande desigualdade nas últimas décadas, a narrativa pode ser mais ou menos ideológica, mas parece evidente que esse crescimento esteve associado à globalização e ao facto de de repente ter havido retornos muito maiores e retornos de escala muito maiores para algumas empresas e para algumas pessoas que puderam estar no mercado global. O nosso problema da desigualdade, que é em grande medida um problema da desigualdade de oportunidades, como tu dizes no livro, parece-me ser ainda muito mais complicado por uma desigualdade, pelas causas históricas da desigualdade, do que por este efeito mais recente. Até porque a nossa desigualdade, quer dizer, isto é sempre difícil de medir, mas os indicadores me indicam que está mais ou menos estável ao longo dos últimos 10, 20 anos, não tem tido, nem cresceu muito, nem decresceu muito, o que parece provar que ela no fundo tem causas muito mais antigas.
Adolfo Mesquita Nunes
Olha, eu sobre a desigualdade acho que há um primeiro ponto que nós temos de assentar, é se nós achamos que a desigualdade é um problema ou não é, porque há quem ache que não é. Sim, sim, eu sei. Há quem ache que a desigualdade, no fundo, o importante é a pobreza. É combater a pobreza. E, portanto, desde que tu estejas hoje melhor do que estavas há 10 anos, significa que estás melhor e, portanto, é indiferente se os mais ricos estão mais ricos com o quanto tu estejas mais rico do que estavas há 10 anos. E eu que sou um tacharista, tachariano, há uma formulação dela muito conhecida no Parlamento onde ela formula isso. E eu estou em desacordo com isso. Acho que desigualdade é um problema. Não tanto por esta razão, por esta descrição que ela faz, mas porque quando um país é muito desigual, provavelmente as causas da desigualdade são causas muito pouco liberais. Significa muitas vezes perpetuação de monopólios, perpetuação de privilégios, significa que provavelmente os sistemas públicos de educação e de saúde não estão a funcionar bem e não estão a permitir igualdade de oportunidades e, portanto, o elevador social não está a funcionar. Portanto, para mim, elevados índices de desigualdade são sempre preocupantes. E o que eu procuro dizer no livro é que eles não explicam tudo, é difícil medir a desigualdade, até só o que é uma desigualdade positiva e uma negativa e os índices de desigualdade não medem qual é que é positiva e qual é que é negativa, mas para mim, e eu faço muito fim de capénia nisto, a desigualdade é um problema relevantíssimo porque pode indiciar que o sistema está a funcionar a favor dos mesmos. Sim, é a minha opinião também. E eu não posso aceitar isso, não é? Não posso aceitar isso. Acho que um país só é melhor para todos quando é melhor para todos. O país só é melhor quando é melhor para todos e quando há oportunidades para todos. Segundo ponto relativamente às desigualdades é que... Estás a falar dos Estados Unidos, é verdade. Vamos lá ver. Países igualmente expostos à globalização têm tido comportamentos diversos relativamente às desigualdades. O que significa que a globalização não explica tudo, nem sequer é a causa principal das desigualdades. Eu vou-te citar aqui o Piketty, num estudo, Aliás, muito, muito recente, onde ele, o Piketty, o Zucman e o Sayas dizem que, e passa a citar, a abertura ao comércio e a digitalização da economia são frequentemente apresentadas como razões para explicar o aumento da desigualdade num país. Mas esses argumentos não conseguem explicar a diversidade de trajetórias que acabamos de apresentar. Isto é, veio reforçar um bocadinho a mensagem de há pouco de que a globalização é um instrumento e é a decriação de riqueza e, portanto, o aumento das desigualdades pode muitas das vezes estar motivado por más políticas públicas de deficiente redistribuição da riqueza ou de deficiente promoção de igualdade de oportunidades. E, por isso, eu não quero associar tanto a globalização ao aumento da desigualdade, até porque aquilo que é demonstrável é que a desigualdade global no mundo está a diminuir, isto é, o mais rico dos ricos e o mais pobre dos pobres do mundo, quando comparado, a desigualdade está a diminuir pela primeira vez, há cerca de 10, 15 anos que está a diminuir, pela primeira vez desde que há registros. Isso é muito interessante, de facto, eu
José Maria Pimentel
ao ler isso no livro, a dúvida que me ocorreu é se a diferença na Europa, ou seja, a menor desigualdade na Europa, justifica-se por uma maior igualdade de oportunidades ou
Adolfo Mesquita Nunes
uma maior intervenção do Estado enquanto agente de redistribuição de rendimento? Pode suceder que assim seja, não é? E por isso é que eu, quando, tento sempre chamar a atenção para
Adolfo Mesquita Nunes
o modelo escandinavo, que é um modelo que tradicionalmente é visto em Portugal como sendo um modelo positivo, favorável e considerado socialista de esquerda, para mostrar que ele só consegue ser generoso do ponto de vista da redistribuição e das políticas sociais porque tem políticas altamente liberais do ponto de vista da criação da riqueza. Um ambiente económico muito competitivo, um modelo laboral bastante flexível, um regime fiscal bastante amigo do investimento e das empresas e, portanto, para tentar chamar atenção às pessoas de algo que me parece evidente. Se nós queremos redistribuir muita riqueza, nós precisamos de criar muita riqueza. Independentemente do que nós pensarmos do estado social e de como é que ele deve funcionar, se queremos um Estado Social robusto, temos de ter um modelo robusto de criação de riqueza. E aquilo que o modelo escandinavo demonstra é que convém ser muito competitivo na economia, convém ser muito flexível nos modelos laborais, convém ter uma fiscalidade amiga do investimento para poder suportar políticas de redistribuição. Uso também o caso irlandês, mas para não me acusar de estar a querer veicular apenas uma ideia mais liberal, eu uso muito o modelo escandinavo para poder mostrar que pessoas de esquerda também devem ser defensoras da economia de mercado e de um regime de uma economia mais liberal.
José Maria Pimentel
Sim, aí estou 100% de acordo contigo. É claramente um problema que nós temos e depois por causa disso estamos sempre a tentar gerir e planear um Estado Social com recursos demasiado curtos, o
Adolfo Mesquita Nunes
que gera também uma mentalidade de curto prazo e de jogo de soma nula. Claro, uma coisa que eu digo no livro é que nós temos muita
Adolfo Mesquita Nunes
tendência para copiar modelos que lá fora funcionam. E eu vou muito contra essa ideia, acho que eles nos devem inspirar, mas não os podemos copiar. Porque os modelos estão equilibrados dentro de um país, não é? E se nós formos copiar as políticas redistributivas dos países escandinavos, dizendo que lá funcionam, temos de copiar também então o modelo do qual elas estão sustentadas financeiramente e isso nós normalmente não copiamos. Muitas vezes fazemos um cherry picking em que só copiamos as partes que nos interessam e depois às tantas não copiamos a parte que transforma. Nós discutimos muito a redistribuição da riqueza em Portugal. Somos ótimos a discutir a redistribuição da riqueza. Se tu vires as discussões políticas em Portugal são todas acerca da redistribuição da riqueza. Nunca se discute a criação de riqueza. Nunca. Isso não está sequer no debate político. E sobretudo não se liga às duas. E sobretudo não se liga às duas. Mesmo a questão fiscal, talvez ela também não tenha sido apresentada da melhor maneira. E aí eu posso fazer uma é a culpa, não é? Provavelmente a questão da baixa fiscalidade empresarial e a questão de um Estado menos intrusivo do ponto de vista fiscal aparece muitas vezes ligada às liberdades individuais e eu faço muito esse discurso, mas provavelmente faria sentido para quem não valoriza tanto as liberdades individuais e trazer essas pessoas para estas políticas e, portanto, tê-las como aliadas na sua defesa, faria, se calhar, sentido fazer esta ligação mais causal entre uma boa política de redistribuição precisa de uma boa política fiscal para a criação de riqueza. Voltando àquilo que estávamos a falar há bocadinho, deste aumento da
José Maria Pimentel
desigualdade ter inevitavelmente como causa, pelo menos parcial, uma diminuição da igualdade de oportunidades, que causas é que tu vês para isto? Sendo certo que a realidade do mundo ocidental global está cambiando, como já vimos, entre a Europa e os Estados Unidos, e é diferente das especificidades da realidade portuguesa, não é? Mas que causas é que tu identificas aqui? Eu
Adolfo Mesquita Nunes
defendo no livro que é preciso ter políticas públicas muito fortes na área da educação e da formação profissional, na área laboral, do modelo laboral e na área dos salários e também na área da habitação. Porquê? Porque são três áreas onde se discute o cabache da família e que mune a família com os instrumentos necessários para poder superar os principais desafios da globalização, que têm a ver com a automação, com a deslocalização empresarial, com a adaptação à nova economia aos novos tempos. E aquilo que digo é que aquilo que se está a passar no sistema de ensino é difícil de explicar. É difícil de explicar a ausência de reformas para atualizar o sistema. Nem se se fale tanto dos currículos, mas se fala mais das habilidades, dos skills que é preciso, da adaptação às novas realidades. Precisamos fazer uma revolução na forma como a formação profissional é dada, porque, repara, tu hoje, numa mesma vida laboral, numa mesma vida ativa, tu tens várias disrupções que podem acontecer. Antes as disrupções eram de geração em geração. Hoje uma pessoa pode, de facto, na sua vida ativa apanhar com duas disrupções que colocam o seu posto de trabalho em causa. E tem de haver políticas públicas para a reconversão profissional destas pessoas. A formação profissional em Portugal não é vista como nada disto. Se tu vais comparar com... Olha, o caso de Indemarquês é um ótimo caso. Tem políticas muito boas de requalificação profissional. É aquilo que devíamos estar a fazer. Para quê? Para impedir as pessoas de ficarem desempregadas. Ou de, estando desempregadas, de se perpetuarem no desemprego. E de terem novas oportunidades, não é? E na questão da habitação, porque aquilo que se está a passar é que os salários estão a aumentar. Menos do que antes, mas estão a aumentar. Mas as pessoas não têm essa percepção. E não têm essa percepção porque nas cidades o custo habitacional aumentou bastante. E portanto o cabaço familiar, portanto o rendimento disponível diminuiu em função da habitação. E eu acho que não é possível resolver esse problema com paliativos. Portanto, é preciso aumentar drasticamente a oferta de habitação. É preciso aumentar. E isso é um discurso impopular, não é? Porque normalmente passa-se a ideia de que se resolve o problema habitacional congelando rendas ou limitando preços ou proibindo as atividades turísticas. E eu acho que isso não é... Não só não resolve problema nenhum, é um paliativo, como ainda agrava mais o problema. E portanto é nestas três áreas que eu acho que em Portugal, essencialmente, nós devíamos estar a pegar. E depois a questão laboral e da fiscalidade empresarial, porque tu tens que ter melhores empresas, maiores empresas, está estudado, elas pagam mais salários, elas empregam mais mulheres, elas têm mais diversidade, elas são empresas que conseguem gastar mais, as maiores empresas gastam mais em inovação, gastam mais em investigação, gastam mais em desenvolvimento e, portanto, precisas de ter um ambiente empresarial bastante mais competitivo. Mas isto, enfim, são 400 páginas de livro estas políticas, portanto fiz aqui um pequeno resumo, mas se quiseres podemos detalhar.
José Maria Pimentel
É o que fizeste em um bom apanhado. E essa questão do crescimento económico é de facto importante, porque é uma condição não suficiente, obviamente, mas necessária para depois podermos pensar este tipo de políticas redistributivas e muitas vezes
Adolfo Mesquita Nunes
estamos a fazer ao contrário, não é? Pensá-las sem pensar no que as pode financiar. Olha, um bom exemplo é a forma como nós olhamos para as grandes empresas. A expressão
Adolfo Mesquita Nunes
grande empresa é logo negativa, parece que não gostamos de grandes empresas. Mas aquilo que eu demonstro no livro, com dados, é que as grandes empresas pagam melhores salários, empregam mais mulheres, têm mais diversidade, investem mais em inovação, em desenvolvimento, em ciência, como eu estava a dizer. Portanto, nós precisamos é de mais grandes empresas, não é de menos. Ora, não é isso que se quer em Portugal. Em Portugal o que se quer é acabar com as grandes empresas, porque se desconfia delas, se desconfia dos lucros. E então, de facto, não vamos conseguir melhorar salários. Se nós não tivermos empresas maiores os nossos salários não vão aumentar mais. Ou não vão aumentar tanto quanto poderiam. E pronto, os outros países apostam em ter grandes empresas e nós apostamos em mandá-las embora.
José Maria Pimentel
Não vai correr bem. Sim, esse é um caso interessante. Porque nós claramente precisamos de escala, precisamos de ter empresas maiores para serem mais competitivas no mercado internacional, para além daqueles aspectos que tu falaste, sendo que temos uma aversão cultural a empresas grandes, não é? Sendo que aí me parece que há uma pescadinha de rabo na boca, não é? Ou um problema de ouvir da galinha, porque realmente não é por acaso que existe essa aversão cultural, não é? Porque nós temos uma fragilidade institucional, institucional aqui no sentido lato, portanto inclui a cultura de certa forma, que faz com que as empresas grandes ou quem... Ou os donos das empresas grandes tenham muitas vezes privilégios face às empresas normais ou face às pessoas que estão nas empresas normais. Eu acho que esse é um problema para um liberal, desde logo, porque significa que as pessoas têm alguma razão. É claro que esse não é o caminho para a prosperidade, digamos assim, mas não é por acaso que as pessoas têm essa atitude. Exato,
Adolfo Mesquita Nunes
e eu tenho um outro capítulo no livro, não especificamente sobre isso, mas onde aborda isso, que é nós não podemos ter regimes que permitam a perpetuação de empresas ou de grandes empresas no mercado apenas porque são grandes e que conseguem minar a concorrência. Portanto, nós precisamos de um ambiente concorrencial onde não haja barreiras à entrada, onde qualquer empresa possa ser desafiada, onde qualquer empresa possa ter problemas porque surgiu uma outra pequena com o novo modelo de negócio que está a concorrer com ela. Isso de facto é importante. Esse modelo que estás a descrever é aquilo que se chama capitalismo de Estado, não é? Em que tens um país que tem um sistema empresarial minimamente sólido com grandes empresas, mas elas vivem de privilégios que o Estado lhes dá ou às vezes não é de privilégios que o Estado lhes dá, mas vivem de um sistema que dificulta a entrada de novos players no mercado. Isso, de facto, é péssimo. É péssimo para os clientes, é péssimo para os consumidores, é péssimo para os trabalhadores e, de facto, não é um ambiente dinâmico. Nós precisamos de dinamismo. Eu dizia muitas vezes como secretário de Estado, quando me falavam de ajudar empresas, eu dizia as empresas que eu quero ajudar são aquelas que ainda não nasceram. Essas é que são importantes, não é? É que o sistema funcione de forma a que as empresas que ainda não nasceram possam nascer e possam concorrer. E por isso é que sempre fui favorável à abertura para novos modelos de negócio porque acho que isso era importante para o dinamismo empresarial. Mas, sim, temos essa barreira cultural, como temos
José Maria Pimentel
a barreira cultural com o lucro, com o dinheiro. É, mas de novo isso parece-me uma pescadinha de rabo na boca, não é? Porque é que nós temos essa barreira cultural? Porque muitas vezes, não sempre, obviamente, mas muitas vezes quem tem lucro tem também resultado num privilégio. Foi assim muito ao longo da nossa história. No fundo é a desigualdade de
Adolfo Mesquita Nunes
oportunidades, não é? Batemos sempre aí. Não sei, não sei. Acho que muitas vezes, culturalmente, Nós achamos sempre que alguém que tem mais do que nós o conseguiu de forma ilegal ou com uma situação de privilégio e eu não estou certo que seja sempre assim, não é?
José Maria Pimentel
Claro, claro que não é sempre assim e é menos do que já foi
Adolfo Mesquita Nunes
no passado, também é importante dizer isso. É importante que a regulação funcione, que as instituições funcionem, que a polícia funcione, os tribunais funcionem, a justiça tem de funcionar, é um aspecto que eu não foco muito no livro mas que é essencial para a competitividade de uma economia, é que o sistema de justiça funcione e para funcionar ele tem de funcionar com rapidez. Tu
José Maria Pimentel
não achas que isso é o elefante na sala, muitas vezes? Porque pelo facto de nós termos um sistema de justiça que é muitas vezes ineficaz e sobretudo lento, isso em si mina a própria concorrência, mina o próprio funcionamento do mercado.
Adolfo Mesquita Nunes
É verdade. Repara, eu Não toco nesse tema no livro, porque o livro é sobre a globalização e como um instrumento de progresso. O livro não é sobre como desbloquear os principais entravesónios do crescimento, onde a justiça estaria. Mas estou inteiramente de acordo contigo. Aliás, a minha experiência profissional o que me diz é que um investidor, quando pergunta por Portugal ou por qualquer país, pergunta pelo sistema fiscal, pergunta pelo modelo laboral e pergunta pelo sistema de justiça. São as três questões essenciais nas quais eles perguntam, partindo já do pressuposto que há uma certa estabilidade política no país. São estas as três questões. Ora, nós não somos competitivos do ponto de vista fiscal, aliás temos muita instabilidade fiscal, passamos a vida a criar regimes e regimezinhos e muitas vezes com boas intenções, atenção, mas quantos mais regimes e regimezinhos tu crias, mais buracos tu crias no sistema, mais dificuldade tu crias no sistema e sobretudo mais hipótese de planeamento fiscal tu crias. Do ponto de vista do modelo laboral nós continuamos a ter um modelo rígido, ele foi flexibilizado mas ele continua a ser rígido, é a OCDE que o diz, é a OCDE a insuspeita de ser uma instituição neoliberal e o modelo de justiça, que continua a ser muito lento, se tu não podes cobrar uma dívida, se tu não podes obrigar ao cumprimento de um contrato em
Adolfo Mesquita Nunes
tempo útil, tu ficas amputado de parte da competitividade que tens que ter e, portanto, desistes. Fazendo a ponte de Portugal para a globalização, que é o tema do teu livro,
José Maria Pimentel
sobretudo, um aspecto interessante que tu falas no livro é aquela questão da polarização do mercado de trabalho. O facto de a globalização e a digitalização terem criado no mercado de trabalho, também em Portugal, uma espécie de fosso no meio, nas profissões de qualificações intermédias, entre as profissões de qualificações baixas e as de qualificações elevadas, em que os salários destas, das intermédias, são os que menos crescem, portanto acabas por ter uma espécie de irrusão da qualidade de vida, pelo menos relativa, da classe média a consequência
Adolfo Mesquita Nunes
disto. Esse capítulo começa por tentar dizer uma coisa, é, não é verdade que a automação e que a deslocalização empresarial esteja a destruir mais emprego do que aquilo que criam. Eu acho que consigo demonstrar isso. O que nem sempre acontece é que o sítio do trabalho é criado ao mesmo onde ele é destruído e por isso é que eu digo no livro nós temos que fazer reformas para garantir que o emprego que é criado pela globalização seja criado também aqui e não apenas aqui que seja destruído. E depois digo, não é verdade que os salários não estejam a aumentar, os salários estão a aumentar, menos do que antes, mas estão a aumentar. O que está a acontecer é que há salários que estão a crescer muito mais do que outros. E os salários que estão a crescer muito mais do que outros são os salários, é essa tal polarização, são os salários da mão de obra muito qualificada para trabalhos intelectuais não rotineiros ou da mão de obra pouco qualificada para trabalhos manuais não rotineiros, isto é, trabalhos que não são substituíveis por máquinas ou que não são facilmente substituíveis por máquinas. E, portanto, temos... Sim, pode ser cuidar de idosos, por exemplo. Exatamente. E, portanto, temos que há os salários mais baixos ou de profissões menos qualificadas estão a subir mais do que provavelmente os empregos típicos de classe média, como contabilistas ou como funcionários administrativos ou coisas que possam ser facilmente substituíveis por programas informáticos. E, portanto, isso sim, isso está a acontecer. E há então esse fosso, se tu quiseres, esse fenómeno chama-se de polarização laboral. E como é que ele se pode resolver? Bom, pode-se resolver precisamente dizendo que as pessoas têm de se qualificar para as profissões do futuro ou para as profissões do passado mas que continuam a ser muito competitivas do ponto de vista salarial e que continuam a ter bons salários. Para isso é que é essencial o sistema de educação e de formação profissional, para que as pessoas possam permanentemente estar
Adolfo Mesquita Nunes
a atualizar-se para poder exercer essas funções. E o mercado de trabalho é um caso interessante porque tu podes ter um estado de coisas que é benéfico para a economia como
José Maria Pimentel
um todo, mas que por prejudicar a vida de algumas pessoas cria um problema político, porque são pessoas cuja vida piora, é um número suficientemente grande, de pessoas cuja vida piora em resultado daquela situação. Basta imaginar uma pessoa que fica desempregada a meio da vida e deixa, por aí simplesmente, ter emprego naquele setor. Se calhar o emprego, o setor em que trabalhou desapareceu, por aí simplesmente, não é? Essa pessoa com a idade que tem provavelmente terá muita dificuldade em, mesmo com força de vontade, ter formação suficiente para conseguir regressar ao mercado de trabalho, pelo menos em condições parecidas àquelas em que estava antes. Ou, por exemplo, também estabilidade laboral que é necessária para as pessoas fazerem decisões de vida, se vão casar, se vão ter filhos, que é uma estabilidade provavelmente para lá do nível estritamente de eficiência se olhássemos para o fator trabalho como olhamos para o fator capital, não
Adolfo Mesquita Nunes
é? É verdade. Levantas aí dois temas que são muito interessantes. O primeiro tem a ver precisamente com... O país pode estar em média muito melhor, mas há situações de drama de pessoas que não se conseguiram requalificar E essas pessoas precisam de apoio, precisam de ser acompanhadas, eu digo isso literalmente. Agora, nós não podemos é deixar que essas instituições se multipliquem e por isso é que a formação profissional tem que ser preventiva, tem que ser ao longo da tua carreira. É quando tu estás empregado que tu tens que te ir requalificando, não apenas quando estás desempregado. Isso é uma filosofia que em Portugal ainda não pegou, nem pegou para os empresários, que são quem mais precisa que os seus funcionários estejam com níveis de qualificação capazes de se adaptar aos novos desafios. Muitas vezes não têm os próprios níveis de qualificação adequados. Exatamente. E isso é um drama. Mas é um problema que tem que se resolver. A única coisa que eu acho é que não se pode dizer, bom, temos aqui um problema que não se pode resolver, agora vamos criar apoios sociais. Bom, mas então não vamos resolver mesmo o problema. E há uma coisa que eu sei, é qualquer político que diga que vai impedir a deslocalização ou que vai impedir a automação, está a mentir. E portanto, não vai resolver o problema destas pessoas. Pode, quanto muito, ter um discurso que parece mais preocupado, mas não vai resolver um único problema. E isso, para mim, é evidente. O segundo ponto que tu levantas, eu tento focá-lo no livro, tem a ver com é verdade que o trabalho está a ficar mais independente, se quiseres, ou, numa certa linguagem, mais precário. E isso acontece porquê? Acontece porque temos um modelo laboral muito rígido. O que faz com que, como o modelo laboral é rígido, então a flexibilidade tem que ser encontrada fora da lei na precarização. Sim,
José Maria Pimentel
desculpe interromper, eu percebo o que queres dizer e é verdade no caso português, por exemplo, temos um mercado dual, que até o Mário Centeno falava, em que é muito protegido num lado e pouco protegido no outro, mas a nível global, o facto de teres um mercado de trabalho muito disruptivo é um problema que não seria um problema... Essa mesma instabilidade não é um problema no mercado de capitais, por exemplo, mas no mercado de trabalho, porque tem que ver com a vida das pessoas, seria um problema.
Adolfo Mesquita Nunes
É verdade. E depois é esse o ponto que eu queria focar. Porque é mesmo relevante, que é, ainda que este trabalho se esteja a independentizar, ainda que o novo modalidade da economia digital dependa mais deste trabalho independente, que é em que trabalhas para mais pessoas do que só para uma, e em que há uma disrupção permanente, há um efeito na estabilidade de vida das pessoas que não é despiciando. E eu chamo isso à atenção porque, sobretudo para os mais liberais que tu quiseres, no sentido da flexibilidade total do mercado laboral, eu digo que isto tem consequências. Porque a forma Como uma família decide ou não decide ter um filho, se decide ou não decide fazer um investimento, se decide ou não decide apoiar alguém ou fazer trabalho social, o que quer que seja, depende de alguma estabilidade e de alguma previsibilidade na sua vida. E isto gera uma instabilidade. Portanto, tu não sabes se vais estar empregado daqui a dois anos, portanto tu adias o investimento, adias teres um filho, adias dares parte do teu dinheiro ou do teu tempo para apoio social e isto tem efeitos sociais. E portanto, aquilo que eu tento refletir no livro é, eu não sei se não está na hora de olharmos para os modelos previdenciais com esta lente, porque a lente pela qual tu crias hoje os apoios sociais e a forma como a segurança social está pensada, é para os contratos de trabalho sem termo e para uma vida mais estável. E, portanto, mesmo os licences de maternidade, os apoios que tu tens são todos direcionados para uma vida de estabilidade. Ora, se este modelo laboral está em profunda alteração, então se calhar é a filosofia do próprio sistema que também tem que acompanhar isso. E, portanto, temos que ter se calhar novas modalidades de apoio social. Olha, Desde logo estávamos a falar de formação profissional, se calhar precisamos de modalidades de apoio social para poderes interromper a tua carreira durante algum tempo, para te ires requalificar, coisa que hoje é quase impossível de acontecer. Mas se calhar tem que haver outro tipo de apoios, que serão hoje se calhar mais essenciais para garantir essa estabilidade do que outros que estão associados a um contrato de trabalho sem termo. Mas isso seria outro livro e para outros especialistas. Eu aqui levantei o problema agora inteiramente de acordo contigo de que não podemos desvalorizar de forma alguma os efeitos na estabilidade de vida das pessoas. Portanto, não podemos ser uns deslumbrados que exerces com a geek economy, que giro que é e podemos trabalhar e dependendo-se e fazer e não sei o quê e depois não pensar nas consequências que isso tem para a necessária estabilidade. E
José Maria Pimentel
até mais do que isso. As pessoas terem filhos têm esternalidades positivas, não é? A natalidade é importante para a sociedade e para as pessoas poderem planear têm que ter alguma estabilidade no trabalho. E nós em Portugal nem temos muito isso, ou ainda não temos muito isso, mas se falares com pessoas de países, sei lá, como o Reino Unido, por exemplo, que trabalham em setores ou que têm profissões muito dinâmicas, digamos assim, não é incomum a maior parte dos colegas não terem filhos, não é?
Adolfo Mesquita Nunes
E isto acontece na academia também, não é só sequer no setor privado. Não, não, eu estou inteiramente de acordo contigo. Acho mesmo que na questão da natalidade, da estabilidade de vida, mais até do que a questão financeira, é essencial porque tu, com a questão financeira, tu organizas o orçamento familiar e tomas as tuas opções. Mesmo que o orçamento seja menor do que aquilo que tu queres, se tu souberes que ele se vai manter, tu organizas a tua vida. Quando a instabilidade é grande tu não consegues ter. E repara, nós invejamos muito os modelos sociais escandinavos relativamente à natalidade, porque eles são muito agressivos, ou são muito generosos, para utilizar uma expressão se calhar mais feliz. Bom, mas então voltamos à questão do princípio desta conversa. Então temos que saber financiar isso. Porque se precisamos de agressividade nesses apoios sociais e provavelmente precisamos, que eles sejam generosos para fazer a diferença, para te fazer de facto tomar uma decisão de ter um filho ou mais um filho, então precisamos de saber sustentar isso.
José Maria Pimentel
Aliás, esse é um bom ponto para uma pergunta que eu te queria fazer. Partindo do princípio, que é o que primeiro preciso fazer é assegurar um dinamismo econômico que permita gerar crescimento econômico, Tu és favorável à ideia do
Adolfo Mesquita Nunes
rendimento básico universal? Acho que nunca te ouvi falar disto. Olha, eu acho que o rendimento básico universal levanta-me problemas de moral hazard, ou seja, e que para mim são evidentes. Mas só faz sentido se puder ser discutido substituindo toda uma filosofia do modelo, isto é, aquilo que me faz alguma confusão é que tu queiras insistir na ideia do rendimento básico universal como um acrescento àquilo que existe, porque então o conjunto de incentivos que o sistema está a dar é perverso. Se aquilo que está por detrás do rendimento básico universal é a substituição do modelo por um modelo que assenta essencialmente nessa prestação e, portanto, nós garantimos que os incentivos perversos vão sendo eliminados ou vão ser fortemente mitigados, é uma proposta que se calhar se justifica que possamos discutir. Agora, como um acrescento a mais, acho que é mais um... É mais uma medida ineficiente. E também acho que era importante nós irmos para lá dos títulos dos jornais e sobretudo para lá o facto da Finlândia ter aprovado não nos deve sugerir absolutamente coisa alguma que não seja a Finlândia aprovou. O que nós, quanto muito, temos de saber é esperar 5 ou 10 anos, se queremos esperar, para saber como é que funcionou. Se funcionou bem, se não funcionou, que problemas é que teve. Portanto, esta ideia de que a Finlândia criou, ou qualquer outro país criou, nós também temos de criar, faz muita confusão, como já disse alguns na conversa, esta importação de cherry picking de modelos. E é verdade que, enfim, costuma muito falar-se do Friedman a este propósito, portanto, para dizer que até o Friedman defendeu um modelo semelhante, mas é numa filosofia diferente, é num enquadramento distinto, não era com o Estado Social tão cheio de prestações como é hoje. Sim, a ideia dele era de substituição, claramente não era cumulativo. Exatamente. E também, pois devíamos se calhar olhar para o sistema fiscal, saber se o sistema fiscal funciona da melhor maneira, se não devíamos ter um imposto negativo sobre os rendimentos. Ou seja, uma vez mais, é uma ideia que me faz alguma confusão quando aparece como vamos fazer isto e está resolvido e não está. E eu desconfio muito, Na contracapa do livro está isso, de soluções fáceis para problemas complexos. Quando me dizem que tudo se resolve com uma proposta, a minha reação é sempre que essa proposta não vai resolver. Estamos em demagogia política, normalmente. Sim, sim.
José Maria Pimentel
Há 45 mil seguranças privadas a trabalhar em Portugal, mais do que a PSP e a GNR juntas.
Adolfo Mesquita Nunes
Cortem-me de ouvir o seguinte do formador. Quando tiverem que bater, é nos ângulos mortos das câmaras. Mas
José Maria Pimentel
a violência é o fim da história. O início é um setor de bullying laboral sistémico, financiado pelo Estado. Vamos fazer 12 horas, pá. 12 horas, 8.20, 8.20. Sem casa de banho, sem água, sem luz, sem nada. Exército de Precários é a nova série Fumaça. Todas as semanas a partir de 14 de janeiro em fumaca.pt ou na tua aplicação de podcasts.
Adolfo Mesquita Nunes
Não se esqueçam de que vocês são um bando de peixinhos pequeninos num tanque de tubarões.
José Maria Pimentel
Olha, uma coisa, falando agora explicitamente sobre a globalização, Há uma questão que eu já pensei muitas vezes, tinha curiosidade de saber a tua visão, até enquanto liberal. No livro tu falas da importância da economia de mercado e tu não usas esta palavra, mas no fundo está implícito a meritocracia que uma economia de mercado a funcionar bem e com igualdade de oportunidades promove. No entanto, há uma espécie de verdade inconveniente para lá disso, verdade inconveniente que obviamente depende dos nossos valores, que é o facto de, mesmo numa economia de mercado funcional e com igualdade de oportunidades, tu não vais ter propriamente uma meritocracia, mas uma espécie de, isto em Portugal eu acho muito mal, valorocracia ou alguma coisa deste género. Ou seja, o teu rendimento depende não do teu mérito, ou depende para além do teu mérito, daquilo que é, do valor que é dado pelo mercado ao teu trabalho. E esta é uma questão que existiu desde sempre, não é? E a grande parte das pessoas avessas à economia do mercado são também avessas por isso, porque ou as suas profissões são menos valorizadas pelo mercado ou entendem que o mercado faz uma valorização que não consideram moral e portanto acham que se eu, por exemplo, receber um salário milionário é claramente injusto quando uma pessoa que tem uma função que consideram socialmente mais útil tem um salário mais baixo. Normalmente este juízo, como tu assinalas no livro, não é estendido, por exemplo, a jogadores de
Adolfo Mesquita Nunes
futebol ou a artistas.
José Maria Pimentel
Mas pronto, passando essa contradição, esse é um facto. E aqui há um aspecto que eu acho interessante, que é o facto da própria globalização, me parecer, não tenho certeza disso, é uma impressão minha, ter estremado este desequilíbrio que já existia. Ou seja, tu hoje em dia tens profissões que são extremamente monetizáveis, digamos assim, e que se tornaram ainda mais porque conseguiram operar no mercado internacional, portanto ganharam uma escala e uma transacionabilidade que não tinham antes, ao passo que outras profissões por terem uma lógica mais local e menos transacionável ficaram ainda mais prejudicadas e portanto parece-me que parte da aversão crescente que existe hoje em dia à economia de mercado tem a ver com pessoas que ou são destas profissões ou tomam as dores destas profissões e aqui poderiam entrar jornalistas, poderiam entrar algumas profissões mais assistencialistas, mas poderiam entrar no limite até investigadores e cientistas, que muitas vezes têm hoje em dia salários bastante mais baixos do que outras profissões que conseguem no mercado, e de novo isto pode ser perfeitamente meritocrático, ou seja, pode ser o mercado a funcionar, pode não ser nenhuma questão de privilégio, não é? Mas não deixa de dar uma repartição de rendimento que muitas vezes está longe daquilo que as pessoas acham ser o valor social criado. Claro que isto depois, como resolver isso é outra questão. Eu gosto...
Adolfo Mesquita Nunes
Claro, mas é que nós temos de passar do diagnóstico para a resolução do problema e o que eu procuro explicar no livro... Mas podes não
José Maria Pimentel
partilhar do diagnóstico.
Adolfo Mesquita Nunes
Partilho em partes, já lá vou, Mas aquilo que eu procuro explicar no livro é que muitas das propostas que existem para resolver esse diagnóstico têm resultados ainda piores. E portanto é isso que eu procuro dizer no livro. Sim, não é apenas talento, nem sequer é apenas mérito. Eu uso este exemplo no livro. Nós podemos comparar o melhor jogador de futebol do mundo com o melhor jogador de dominó no mundo. E o melhor jogador de dominó no mundo pode ter tanto talento e tanto mérito e tanto esforço e tanto treino quanto o jogador de futebol. Mas o melhor jogador de dominó do mundo não vai ganhar o mesmo que o melhor jogador de futebol. E depois eu digo no livro e a culpa é sua, é do leitor. Porquê? Porque somos nós que damos um valor distinto ao Cristiano Ronaldo ou ao senhor Domino, que não sei qual é. E isto é verdade. Portanto, aquilo que tu estás a dizer é verdade. O valor econômico que uma profissão tem é dada pela sociedade como um todo e muitas das vezes a sociedade não se identifica no at the end of the day com aquilo que está a acontecer. E eu não sou obcecado com a história do talento e do mérito. Eu acho que para subir na vida é preciso talento, é preciso mérito, mas é preciso também instrumentos de igualdade de oportunidades. E eles têm que ser criados. Eu não vou na ilusão de que chegamos aqui porque trabalha mais do que os outros. Há muita gente que trabalha mais do que os outros e chega ao final do dia e tem um salário mínimo e que tem o mesmo talento e o mesmo mérito. Portanto, há que ter alguma humildade na forma como olhamos para as coisas e ver que há pessoas que precisam, de facto, de ajuda para poder crescer.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado.
Adolfo Mesquita Nunes
Agora, muitas das vezes nós olhamos para a globalização, como estás a dizer, e dizer bom, mas isto trouxe salários multimilionários das grandes multinacionais. Isso é verdade, porque vivemos, sobretudo na economia digital, naquilo que se chama, vou buscar outro anglicismo, lamento, mas é em mercados winner takes it all, não é? Portanto, são mercados que vivem de monopólios, muitas vezes. O monopólio da Google, o monopólio da Facebook, o monopólio da Amazon, o monopólio, enfim, das grandes multinacionais digitais. E, portanto, um pesquisador ou um tipo que sabe gerir dados numa Apple, ganha muito porque estamos a falar de alguém que dá milhões e milhões e milhões a ganhar uma empresa. A mesma profissão feita por uma empresa em Portugal não vai pagar o mesmo. Isso é verdade. Mas também nos esquecemos muitas vezes daquilo que são as profissões que só existem e dos negócios que só se celebram porque a globalização existe. Eu costumo dar o exemplo do Facebook. Só 25% das páginas de Facebook é que são pagas. As outras 75% de páginas de negócios não pagam publicidade para lá estar. E fazem negócios lá. Portanto, os negócios que hoje muita gente faz na Facebook, através de publicidade que faz ou através das transações que lá celebra, só são possíveis por causa da globalização. E muitas das vezes nós até achamos que a Facebook e que estas redes, nós é que somos o produto e que não ganhamos nada e eles ficam com tudo. É verdade que nós somos o produto e é verdade que eles ficam com muita coisa, mas nunca, esquecemos sempre de contabilizar aquilo que nós recebemos. Um exemplo que eu gosto muito de dar é o Waze. Waze ou Google Maps. Se nós monetizássemos o tempo que nós poupamos, porque temos uma aplicação que não nos custa dinheiro, custa-nos dados, mas não nos custa dinheiro, e o tempo que nós poupamos nisto é um benefício extraordinário que nós nunca contabilizamos na hora de dizer esta gente rouba de estudo e não nos dá nada. Não é bem assim. Agora, relativamente à questão salarial, para voltar à questão que estavas a colocar, é, havendo esta noção de que há salários que possam ser menos justos ou que nos possam parecer socialmente menos justos, o que é que nós devemos fazer? E eu procuro explicar no livro o que é que aconteceria se nós fixássemos limites salariais, portanto, que as pessoas só pudessem ganhar até um certo limite, ou se nós dissessemos que numa empresa o seu dono ou o seu gestor não pudesse ganhar mais do que x% da média ou mais do que x% do funcionário ou do trabalhador que ganha menos. Explico qual é que é o efeito disso para a competitividade das empresas e quais são as consequências que são negativas, sobretudo para quem? Para os funcionários e para os trabalhadores menos qualificados. E é fácil de explicar o que é que aconteceria se a Seleção Nacional de Futebol fosse impedida de pagar os salários que paga aos seus jogadores. Ou que o Benfica, ou o Porto, ou o Sporting fossem impedidos de pagar aquilo que pagam aos seus jogadores. O que é que aconteceria? Os melhores jogadores sairiam. Os melhores jogadores sairiam, o que significava que as nossas equipas começavam a ter piores resultados. Piores resultados que significavam que ficavam menos atraentes. Menos atraentes para a publicidade, menos atraentes para as receitas. O que significa que o dinheiro que eles teriam para pagar os salários dos jogadores que ficaram ainda seriam menores, ou seja, eles ainda ficariam mais prejudicados. E isto aplica-se a empresas, é a filosofia aí mesmo com as necessárias matizes. Portanto, é preciso ter algum cuidado com as políticas públicas que aparecem aí para dizer que vão resolver o problema dos salários e que provavelmente vão ainda piorá-los ainda mais. Eu nesse aspecto concordo contigo, ou seja, sou
José Maria Pimentel
muito desconfiado em relação às políticas para resolver, mas eu só não sei se concordo contigo em relação à gravidade do problema ou por outra. Nós aqui lidamos com a natureza humana, não é? De novo, podemos ter um problema político que não é um problema económico. E o que é facto é que tu, nas últimas décadas, passaste por um estado de coisas em que a escalabilidade dos retornos deixou de ser nacional para passar a ser global. Mas tu continuas a viver em sociedades nacionais, e continuas a viver em comunidades políticas nacionais. E portanto significa que o teu vizinho... Tu sempre pudeste ter um vizinho muito mais rico do que tu, naturalmente por isso é que a desigualdade sempre existiu, mas tu agora podes ter um vizinho cujo trabalho é internacional e portanto é escalável internacionalmente, lá está, no limite pode ser um jogador de futebol ou um artista, enquanto tu tens uma função que não é escalável dessa forma, não é? E pode ser jornalista, pode ser
Adolfo Mesquita Nunes
cientista, professor, por exemplo. Mas eu estou inteiramente de acordo contigo com o problema político, por isso é que escrevi o livro. Ou seja, eu estou inteiramente de acordo com o teu problema político, eu digo isso na introdução, não é? A natureza humana, hoje há muito mais transparência na informação. O que significa que tu és diariamente confrontado com o êxito dos teus amigos. Mesmo que ele seja fictício. Mesmo que tu olhas para a vida das pessoas no Instagram e aquilo é uma inveja permanente. Portanto, tentativa de fazer inveja aos outros. Não é isso que está por detrás, mas é isso que acontece. E nós ficcionamos a vida de êxito dos outros e, portanto, enquanto antes tu sabias quanto muito que o teu vizinho vivia melhor do que tu, porque dizia que ia de férias, só tinha um carro, Tu hoje és confrontado diariamente com o éxito dele através das redes sociais e isso gera essa ansiedade de que estás a ficar para trás. A sensação de que és um perdedor e de que não és um vencedor. E eu estou inteiramente de acordo contigo que isso é um problema político. Quando essa percepção se instala. E por isso é que o livro surge também, é para dar ferramentas a algumas das pessoas para perceberem melhor porque é que as coisas acontecem e como é que nós podemos tentar resolvê-las. Enfim, e acho que se é verdade que há uma certa escalabilidade de profissões, também houve muitas que se tornaram possíveis e que apareceram graças à globalização. Não é? Claro que sim. Eu sou mais velho bastante que tu. Bastante? Sim, mas para este efeito então sou bastante mais. Por isso que te vou dizer, eu nasci em 77, portanto eu começo a pensar no que é que quer ser quando for grande. Em 87 para aí, com 10 anos, 9 anos, 10 anos.
José Maria Pimentel
Quando eu nasci, curiosamente.
Adolfo Mesquita Nunes
E nessa altura não havia alternativas. Sonho, sonhavas com muito ser astronauta, que era a coisa mais, na minha geração, mais típica, tu queres ser astronauta, porque estávamos a falar na altura da Guerra das Estrelas, mas verdadeiramente depois os cursos eram os mesmos para quem tinha a sorte de os poder tirar. Hoje a paleta de profissões e de ocupações é muito maior do que foi no meu tempo e isso deve-se precisamente a esta abertura e a esta possibilidade. E hoje uma pessoa que vive na Covilhã pode com certeza, se calhar, estar a trabalhar para o mundo inteiro. Na altura as fábricas faziam, não é? As que lá existiam, mas só as fábricas. Hoje a possibilidade de alguém... Já não tem que se deslocar para algum sítio para poder vender para o mundo inteiro. Isso são oportunidades que...
José Maria Pimentel
Sim, e o teu destino está muito mais em aberto, não é? Porque tens muito mais possibilidades de escolha para aquilo que vais fazer. Felizmente. Sim. Eu aqui estou a fazer um bocadinho de advogado do diabo nesta conversa porque eu partilho da tua apologia da globalização.
Adolfo Mesquita Nunes
Mas atenção que o problema que tu estás a levantar agora relativamente aos salários, mas que se levanta relativamente à habitação, que se levanta relativamente à fiscalidade empresarial, que se levanta... É um problema gravíssimo, esse problema político que é a percepção que as pessoas têm de que vivem num mundo pior, que vivem num mundo mais desigual, onde elas são perdedoras. Isso não sendo factualmente verdade, eu acho que o demonstro no livro, ele é politicamente relevante porque esse sentimento existe. E é desse sentimento que se alimentam muitos populismos e muitos radicalismos. Esta ideia de que há uma elite... Eu leio muito sobre mim, sobretudo à direita, que eu sou um globalista e que quero é a degeneração do modelo judaico-cristão com este livro e mais não sei o quê. A base dessas considerações é muito a de pôr medo às pessoas sobre a abertura do mundo e fazer delas vítimas de uma elite globalista da qual eu faria parte, que quer aniquilar os seus direitos e que quer aniquilar o seu modo de vida. Isto é perigosíssimo porque vai bulir com a natureza humana, vai trabalhar com a natureza humana, que é falível, como nós sabemos, e vive muito também da ideia de encontrar uma razão para a sua falta de êxito. E essa gente vive da construção de pretextos ou de causas que, uma vez eliminadas, facilmente resolveriam a vida das pessoas e levam as pessoas ao engano.
José Maria Pimentel
E há também, nós não falamos disto ainda, mas há também insuficiências institucionais, digamos assim, por exemplo, o facto de nós termos uma globalização econômica, mas não termos uma globalização política propriamente, ou seja, e isso cria problemas na esfera internacional. Tu falas da questão da fiscalidade das grandes empresas, independentemente desse tema, claramente há uma esfera de ação política a nível internacional que é relativamente diluída.
Adolfo Mesquita Nunes
É verdade. Isso é um outro desafio, seria um outro livro, eu só toco disso na introdução e depois na questão da fiscalidade empresarial, que é tu de facto tens a internacionalização das coisas mas a tua forma de representação política continua a ser nacional, continua a ser local. E isto gera uma sensação de falta de representação, porque as pessoas começam a sentir que os líderes eleitos por si não mandam nada, porque tudo é mandado lá em cima, tudo é a nível internacional. E isto causa revolta, causa apreensão, não é? E tu de facto... Por isso é que hoje se discute muito como é que poderia haver uma governança global, como é que nós podemos gerir esta internacionalização política que está a acontecer e não tem uma resposta fácil. Eu toco muito nisso no ponto de vista da fiscalidade empresarial porque acho que é um dos temas que a globalização levanta, mas o problema é mais complexo. Esse e um outro em que, portanto, por um lado, tu tens uma espécie de no taxation without representation. No fundo, começas a sentir que há coisas que impactam severamente na tua vida, não são sequer decididas pelo governo que tu elegeste. E, portanto, tens esse déficit de representação. E, por outro lado, há outra coisa, que é a globalização é cada vez mais veloz. Tu hoje celebras contratos em segundos, tu hoje mudas a tua vida em segundos. Isto transforma a nossa geração numa geração bastante mais impaciente porque as máquinas serviram e servem para nos despachar, para resolver tudo com muito mais rapidez do que antes. E não há dúvida que isso é uma enorme vantagem. Nós hoje pôsmos a água a ferver em segundos, coisa que antes tínhamos que pôr uma chaleira ao lume e demorava não sei quanto tempo. Para dar um exemplo muito prosaico. Ora, isto gera uma sensação de velocidade e de rapidez a que nós nos habituamos. Ora, a democracia, e as tomadas de decisões políticas, não têm esta velocidade, porque implicam eleições, implicam consensos, implicam pactos, acordos, implica ceder, implica estudar, procurar a melhor solução e começa a haver uma impaciência das pessoas para com os seus decisores políticos. Como se o tempo que eles demoram a resolver estes problemas de que estamos a falar, o problema salarial, o problema habitacional, o problema laboral, o tempo que eles demoram a resolver fosse uma espécie de desleixo deles. É porque não querem, porque estão de costas voltadas para nós. Porque caso contrário o problema já estaria resolvido. E esta nossa impaciência é também um problema político. No Homem ou Deus o Harari diz que seremos nós próprios a exigir que as decisões políticas passem a ser tomadas por computadores. Porque eles serão, em princípio, isentos e serão rápidos e tomarão a decisão certa. Enfim, eu não quero imaginar um mundo assim porque me falta a componente humana nas decisões, que eu acho essencial, mas de facto esta impaciência que é, então, nas novas gerações é muito evidente, também traz repercussões políticas. E por isso é que os populistas são muito hábeis na velocidade, porque eles... O que defendem é propostas que de um dia para o outro resolveriam todos os problemas, não é? E, portanto, jogam muito com essa ideia de que o problema só não está resolvido não porque é complexo, mas porque
José Maria Pimentel
eles não querem. Sim. E eles muitas vezes são as esferas mais superiores e mais internacionais. Isto que estás a dizer traz à tona um dos problemas desta decalagem, que é o facto de se ser tão mais verdade quanto mais distante estás das pessoas e portanto quanto mais internacional és fé. O que significa que é muito difícil e se sumares a isso a natureza grupal humana mais difícil ainda é, ou seja, o nosso foco na nossa comunidade e aversão a quem é de fora. Isso faz com que seja muito difícil de criar uma integração política à par da integração económica que existe. E isso é inevitável que crie problemas.
Adolfo Mesquita Nunes
É inevitável que crie problemas, estou de acordo. Por isso é que eu não sou otimista. Eu sou uma pessoa por natureza bastante otimista na vida, não sou otimista e por isso é que achei que tinha que escrever este livro, porque era importante que as pessoas percebessem as vantagens que retiram da globalização e que muitas das formas de resolver os seus principais problemas não passa pela desglobalização. Mas essa insatisfação veio para ficar. Isso eu acho que é verdade e portanto sinto mais vezes fora de tempo, não é? No outro dia estava há uns tempos com um amigo que estava a comentar que eu parecia os militares de Abril que não percebiam porque é que as novas gerações não acordavam todos os dias a agradecer à Revolução de Abril porque se não fosse a Revolução de Abril eles não tinham nada do que têm hoje. E se calhar eu sinto-me um bocadinho como aquele que está permanentemente a dizer às pessoas Calma, Vocês têm que agradecer todos os dias aquilo que temos graças à globalização. Por favor, não deitem isto fora, não é? Porquê? Porque o momento político mais relevante para a minha geração foi a queda do muro de Berlim. É um momento que me define, que nos define politicamente, porque é o acontecimento mais relevante, que nos desperta para a política. E, portanto, é um bocadinho este confronto entre uma economia mais livre, com liberdades, e uma economia que não é livre e mais estatizada. As novas gerações não têm sequer esse episódio. Provavelmente o episódio que têm é o 11 de setembro. E, portanto, vivem num mundo em que a questão já não é a da liberdade e da prosperidade, mas é a da ameaça que o fanatismo pode ter ao nosso modo de vida e é isso que as molda politicamente, é isso que as faz despertar para as questões políticas. E, portanto, são de facto… há aqui um generation gap, não é? Eu acho que as duas questões são muito relevantes, não há uma mais relevante do que a outra e por isso é que tento, pelo menos neste livro, convencer as pessoas de que não podemos deitar o bebê com a água do banho quando queremos resolver estes dramas. Aqui o que me parece
José Maria Pimentel
um problema incontornável e difícil para quem defende a globalização é pensar como é que conseguimos ter algum grau de integração política a nível internacional. Porque se nós... Eu presumo que tu partilhas da minha ideia de que integração é boa e que a União Europeia, por exemplo, é sobretudo uma coisa boa. Mas se nós reconhecemos que há obstáculos práticos a essa integração, significa que temos que tratar o problema com o máximo cuidado. E eu confesso que não sei bem qual é a solução.
Adolfo Mesquita Nunes
Estou de acordo que a União europeia é uma coisa positiva, tem imensos problemas, mas, overall, no geral, ela é positiva. Mas tem bastantes problemas. Nós estamos a ver agora com a questão das vacinas, não é? No dia que gravamos, quer dizer, quando começamos a comparar a performance da Europa com a performance do Reino Unido ou dos Estados Unidos.
José Maria Pimentel
E logo o Reino Unido, não é? E
Adolfo Mesquita Nunes
logo o Reino Unido, que o que estamos a ver é que, quer dizer, aquilo que está a acontecer na Europa tem difícil explicação. A explicação tem a ver, se calhar, com uma estrutura que não está bem pensada, que está obsoleta e isso, de facto, levanta alguns dos problemas que eu acho que uma construção como a europeia tem. Agora, não há dúvida nenhuma que ela foi um instrumento de progresso, de prosperidade e de paz. Agora, concordo contigo relativamente à ideia de termos que criar modelos de integração. Acho é que o modelo de integração não pode prescindir da sua componente de representação. Tem que vir par a par e acho que aquilo que o modelo europeu tem procurado fazer não tem sido suficiente do ponto de vista da representação. O que não é fácil porque nós... A Thatcher dizia que a Europa foi construída pela história e os Estados Unidos foram construídos pela filosofia. E, portanto, claro que é diferente um país como os Estados Unidos que são criados do zero, se tu quiseres, e com base numa ideia e fuga daquilo que não queriam, das pessoas que fugiram daquilo que não queriam, das perseguições que tinham na Europa, aqui são séculos e séculos de história de guerras, de conflitos, de culturas e isso não é fácil, não é mesmo fácil. Mas isso seria uma outra conversa. Agora, estou inteiramente de acordo que a internacionalização das relações económicas justifica algum tipo de internacionalização política e aquilo que temos é insuficiente ou não tem conseguido estar à altura daquilo que o desafio pede.
José Maria Pimentel
Sobretudo porque eu acho que pessoas como nós, que beneficiamos da globalização mais do que a média, eu diria, de uma forma ou de outra, podemos ser muitas vezes insensíveis face à preocupação da pessoa média, que não tem esta visão benévola, também para não
Adolfo Mesquita Nunes
ser tão beneficiária dela, embora isto também tenha um lado cultural, não é? E também... Pelo contrário, aquilo que procurei quando escrevi o livro foi colocar-me na pele dessas pessoas. Sim, sim, eu sei.
Adolfo Mesquita Nunes
E, portanto, espero que, no final desta conversa, que as pessoas vão correr comprar o livro porque... Para poderem, enfim, comprovar aquilo que eu vou tentar dizer.
José Maria Pimentel
Sim, mas já vai na terceira edição e tudo.
Adolfo Mesquita Nunes
É verdade, já vai na terceira edição. Uma coisa que, confesso, que não imaginava, porque eu acho que, apesar de achar que o livro se lê com alguma facilidade pela forma como escrevi... Sim, confirmo. O tema não é propriamente a coisa mais sexy do mundo para se vender, não é? Portanto, estou bastante satisfeito com... Eu acho que a capa ajuda também. Estou bastante satisfeito com a repercussão. Mas isto para dizer, em resumo, que não se retira desta minha adesão à globalização um qualquer desconhecimento ou relativização dos problemas e dos desafios que ela gera. Pelo contrário, o livro é para procurar dar pistas sobre como os resolver. E é por isso que eu não estou tão otimista relativamente ao futuro. Não é tanto porque não confio na globalização, mas porque acho que não estamos a saber dar resposta à classe média ou àqueles que são os perdedores, se tu quiseres, ou que se consideram perdedores. Acho mesmo que a classe política está a falhar nessa resposta. Eu digo isso, o meu espaço político ficou completamente, para usar uma expressão mais popular, de calças na mão com a crise de 2008. Não conseguiu explicar, não conseguiu reconhecer erros, não conseguiu explicar, não conseguiu criar novas pistas. Quem primeiro sofreu foi a esquerda, porque apesar de tudo a direita consegue lidar melhor com as questões das crises e com a economia de mercado e, portanto, encontrar soluções. Mas, passado um tempo, é a esquerda que foi a beneficiária cultural dessa crise. E à direita começámos com imensas adversativas, quer relativamente à União Europeia, quer relativamente ao mercado único, relativamente à economia de mercado. E essas adversativas não têm bom resultado cultural, político, porque criam a
Adolfo Mesquita Nunes
convicção nas pessoas... Não, porque se tem, por isso é que são apelativas, não é? Exato.
Adolfo Mesquita Nunes
Criam a convicção nas pessoas do facto que o modelo capitalista falhou. E quando tu vês pessoas que tu esperarias, quer porque são beneficiárias líquidas, inotórias da globalização ou do sistema, a desdenhar o sistema, tu percebes que de facto estás a perder a tua batalha cultural. Há uns dias conheci alguém, que eu não direi multimilionário, mas muito bem na vida, que votou no André Ventura e disse-me que era preciso... Votou porque é preciso abanar o sistema e era preciso abanar isto. E eu perguntei-lhe, mas o sistema funcionou sempre a teu favor? Quer dizer, inventa outra desculpa para esse voto e não uma pessoa que é milionária e que acha que é preciso abanar o sistema. E essa... É muito cultural, Domingos. Isto para dizer que acho que estamos a falhar no discurso político. Aqueles que defendem a economia de mercado, acho que sim, que estamos a falhar politicamente nas respostas que estamos a dar e por isso é que o livro também surge.
José Maria Pimentel
Boa, Excelente maneira de terminar. Adolfo, muito obrigado. Obrigado, Will. Este episódio foi editado por Martim Cunha Rio. Visitem o site 45graus.parafoods.net barra Apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Até ao próximo episódio! José Luís Malaquias, Tiago Leite, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Felipe Bento Caires, Miguel Marques, Família Galeró, Nuno e Ana, João Ribeiro, Miguel Vassalo e Bruno Heleno. Até ao próximo episódio! Legendas pela comunidade Amara.org