#100 Carlos Fiolhais - Fronteiras da Ciência: buracos negros, exoplanetas, multiversos e muito mais

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José Maria Pimentel
E, pegando num matemático que interagiu com Einstein, um grande matemático alemão, David Hilbert, ele tem escrito na sua sepultura, em alemão, Wir wissen wissen, wir werden wissen, que significa nós temos de conhecer, nós havemos de conhecer, digamos, de algum modo, o conhecimento ao nosso futuro.
Carlos Fiolhais
Claro, está lá para se encontrar. Bom, é uma ótima maneira de terminar. Havia várias outras coisas que eu gostava de falar consigo. Então fica já convidado se aceitar para um dia destes voltar ao programa e falarmos.
José Maria Pimentel
Foi um gosto muito grande. Desejos de felicidades, foi um gosto de estar aqui. Obrigado.
Carlos Fiolhais
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o episódio número 100 do 45°. Parece incrível, mas já lá vão uma centena de conversas e outros tantos convidados. Como se lembram, lancei há umas semanas o inquérito para votarem no convidado anterior que gostavam de ouvir outra vez no podcast. A votação foi renhida e já lavou essa parte e o grande vencedor, como já perceberam, foi Carlos Fiolhais, que teve a simpatia de aceitar o meu répito. E é engraçado porque eu já nem me lembrava, mas tinha terminado o nosso episódio original, gravado há quase 3 anos, precisamente a desafiá-lo para regressar ao podcast. Este encaro que lancei foi também muito útil para ficar a conhecer aqueles convidados que mais vos marcaram. E há 3 outros nomes que tiveram também muitos votos e que conto voltar a trazer ao podcast até porque estão também entre os meus episódios preferidos. Curiosamente destacaram-se nesta votação dois temas bem diferentes, ciência e política. O outro nome da área da ciência, para além do Carlos, é o Paulo Gamamota, biólogo com quem conversei recentemente sobre biologia evolutiva. Fiquei muito contente com a vossa vontade em voltar a ouvi-lo, por dois motivos. Primeiro, porque mesmo tendo gravado dois episódios com ele, eu próprio fiquei com vontade de repetir a dose, porque ficaram ainda muitas coisas por discutir. Segundo e mais importante, porque o Paulo é o único destes nomes que não é uma figura pública e isso diz muito sobre o interesse do tema e sobretudo diz muito sobre a qualidade intrínseca dele. Aliás, para mim, uma das melhores descobertas que tive a sorte de fazer no podcast. Do lado da política teve também muitos votos o Luís Aguiar Conraria, com quem também gravei recentemente. Este resultado não me surpreende porque o Luís foi de facto um ótimo convidado e foi das melhores conversas que tive ultimamente, portanto, havemos de repetir a dose. Finalmente, quem teve também muitos pedidos de regresso foi o Adolfo Mesquita Nunes, julgo que em parte porque lançou recentemente um livro, chamado A Grande Escolha, que tem dado muito que falar. Também neste caso sinto-me happy to oblige e, neste caso, mais brevemente, aliás, eu já tinha pensado de conversar com ele sobre o livro, portanto, em princípio, fica já anunciado, vamos gravar já em janeiro. Mas voltando agora ao episódio de hoje com o Carlos Fiolhais. Foi uma ótima conversa, uma espécie de viagem pelas fronteiras da ciência e da física em particular. Falámos sobre algumas das grandes descobertas deste século nestas áreas, como as ondas gravitacionais, que vieram mais uma vez comprovar a teoria de Einstein, ou a revolução silenciosa que tem acontecido nas últimas décadas no nosso conhecimento do cosmos, com a descoberta, em poucas décadas, de um número enorme de planetas fora do nosso sistema solar. Já vai em 4000. Muitos destes teoricamente com condições para ter vida. Mas a verdade é que estes progressos são sobretudo empiricos. Ou seja, resultam de mais tempo a recolher dados e sobretudo, do facto de hoje termos melhor tecnologia para observar o cosmos. Porque a verdade, como o Carlos diz, é que ainda há muitos mistérios das leis do universo que continua por explicar e a verdade é que desde o grande golpe de Asa de Einstein, continua sem ser dado um grande salto teórico que permita, Por exemplo, conciliar a teoria da relatividade com a realidade quântica ou explicar fenómenos que permanecem misteriosos, como a matéria escura ou a energia escura. Entretanto, chamo também a atenção para dois livros que o Carlos lançou recentemente com outros temas. Um deles, o mais recente de todos e mais pequeno, chama-se Apanhados pelo Vírus – Factos e Mitos acerca da Covid-19 e foi escrito, já não é a primeira vez, com David Marçal. O outro livro, um tomo bastante mais grosso, chama-se História Global de Portugal e foi coordenado também por José Eduardo Franco e José Pedro Paiva. É um livro lá que está sobre a história de Portugal, mas numa lógica um pouco diferente, focada na abertura de Portugal ao exterior e portanto vendo Portugal como um ponto de chegada e de partida de gentes, produtos, ideias, etc. E pronto, vamos ao episódio 100 do podcast. Obrigado por estarem desse lado. E um agradecimento aos novos mecenas da última quinzena, Carlos Cardoso, Marta Cunha, Sheila Almeida, João Milagre, Pedro Fontes, Luís Elias, Pedro Brito, José Losa, Hélder Moreira, Diogo Fonseca, Frederico Apelónia, Gabriel Sousa e André Abrantes. Carlos Filhais, muito bem vindo de volta.
José Maria Pimentel
Olá, é um prazer. Muito
Carlos Fiolhais
obrigado por ter aceitado outra vez o convite para falarmos e já agora parabéns por ter sido selecionado enquanto convidava repetente.
José Maria Pimentel
Eu não tenho meio de recusar, se há gente que pede que volte, eu volto.
Carlos Fiolhais
Eu lembro-me que nós da primeira vez acabámos a falar de uma hipótese de uma conversa seguinte. Eu já nem me lembrava. Ah não, é normal, eu é que voltei a ouvir o episódio, por isso é que me lembrava. E na altura depois eu até pensei que pudesse não se repetir porque são tantos convidados possíveis que eu não tenho voltado
José Maria Pimentel
a entrevistar pessoas. Também, à verdade há 10 milhões de portugueses.
Carlos Fiolhais
E mesmo que nos cinjamos às pessoas interessantes, há muita gente.
José Maria Pimentel
Felizmente, felizmente. Então vamos fazer outro episódio inmemorável. Exatamente. Outro grande desafio. Não desiludir
Carlos Fiolhais
os nossos
José Maria Pimentel
queridos ouvintes. Queridas e queridos ouvintes, para ser politicamente
Carlos Fiolhais
correto. Exatamente. Está bem, Carlos, então vamos começar, se calhar começamos assim, até porque eu há um bocado estava a pensar a que há um ano começou-se a fazer aqueles recaps, aquele recolher dos eventos da década, mas na verdade se nós quisermos ser preciosistas, a década acaba agora e não no ano passado. Pois, é. E portanto acho que é um bom protesto para eu começar com essa pergunta. Nas áreas para que o Carlos tenha olhado, quais é que foram, na última década ou vá, neste século, se quisermos,
José Maria Pimentel
as principais descobertas, os principais progressos? Eu sou físico e, portanto, desculpar-me, eu vou-me puxar a brasa, a minha sardinha e olhar em primeiro lugar para as coisas que me estão mais perto, uma espécie de efeito profissional, ou virtude profissional,
Carlos Fiolhais
conforme as que a
José Maria Pimentel
vir tudo. Conforme queiram encarar. A primeira coisa que eu gostaria de dizer é que esta duas décadas, não é? Portanto, este novo século, se compararmos com as duas primeiras décadas do século passado, o século XX, isto deixa um bocadinho a desejar. Porque no início do século XX foi uma revolução na física. Em 1900 tínhamos a tria quântica de Max Planck, que resolveu um problema da luz e que se veio a revelar muito frutuoso, porque desse mistério da luz viemos a perceber os mistérios dos átomos, dos núcleos atômicos, das partículas, e portanto, com grandes aplicações, não esqueçamos que estamos a viver uma revolução da informação até por base ao transistor, que é um artefacto quântico. E depois em 1905, seguido de uma complementada em 1915, Einstein apresenta a sua teoria da relatividade, primeiro restrita e depois geral, que não tendo aplicações tão visíveis, também tem algumas, sei lá, se pensarmos, por exemplo, na energia nuclear, transfusão de matéria e energia, ou o próprio Sol. Para nós percebemos o Sol, temos de pensar na famosa equação de Einstein, energia igual à massa veloz do quadrado avançado da luz. E
Carlos Fiolhais
do ponto de vista da compreensão do universo, ainda hoje em dia
José Maria Pimentel
continuamos a explorar corolários. Com certeza, isso é que é notável, passa-se todo o resto do século XX, passam-se duas décadas do século XXI e ninguém ainda subiu nem aos ombros do Planck, nem aos ombros do Einstein, para ver mais longe. Quer dizer, para saber mais. Quer dizer, sabemos mais, com certeza, mas os pilares mantêm-se inabaláveis, não quer dizer que sejam eternos, mas a teoria quântica está muito bem e recomenda-se, e a teoria da relatividade também, e as duas até foram unidas entretanto. As teorias quânticas de campo são, digamos, uma maneira de unir a teoria quântica e a teoria da realidade estrita. O que falta unir, e é um dos grandes desafios, é um dos grandes problemas que enfrentamos, é a teoria da letariedade geral, que é o Einstein de 1915, que é uma descrição da gravidade, portanto das forças entre os astros, no fundo a força também que nos prende ao planeta. É, uma escala muito grande. Exatamente. E faltam desunir isso com a tria quântica. Esse é um dos grandes problemas da física. Bem, para não falar de outras coisas, no início do século XX, em 1911 se descobre o núcleo atómico e também logo a seguida estudo o átomo, percebermos, e depois mais tarde, como é que os átomos se... Roubás não teria conta de como é que os átomos se ligam em si, no fundo, à base da química. Isso vai-nos permitir mais tarde, em 1953, a descoberta da estrutura da maior molécula, que é a molécula do ADN, que é uma revolução enorme na biologia. Portanto, isto no século XX foi, digamos, um festival. Um festival que, de algum modo, começou com essa grande revolução na física, que vai originar revoluções tecnológicas e avanços grandes nas outras ciências. O caso da biologia molecular é um caso paradigmático. Aliás foram os físicos, refiro aqui a Irving Schrodinger, um dos físicos quânticos, que em 1943 escreve um livro, o que é a vida. E o Watson e Crick, os descobridores da Estudar, tinham lido esse livro e estavam interessados no mistério da vida e isso, digamos, teve um impacto brutal no nosso conhecimento de nós próprios e da biodiversidade toda a vida. Então chegamos ao início do século XXI e não vemos esses grandes avanços teóricos. As antigas teorias estão aí e eu ensino-as e pronto, e têm validade grande.
Carlos Fiolhais
A única diferença, já agora descobrim-te o ver, a única diferença é que nós temos noção disso. Há aquela frase célebre do Lord Kelvin, sabe o ver? Ah, sim, sim. De 1.900 que ele dizia, bom, isto basicamente está tudo descoberto. No início do século
José Maria Pimentel
XIX houve uma grande arrogância... Peço desculpa, no fim do século XIX. No fim do século XIX, Lord Kelvin tinha dito que a Física estava praticamente feita, havia duas pequenas nuvens e tal, mas essas nuvens vieram-se a revelar, digamos, muito maiores do que aquilo que ele pensava. Não foi o único que pensava que a Física estava acabada, e não estava. Portanto, o século XX foi muito rico do ponto de vista da Física. No século XXI nós temos problemas para resolver, do ponto de vista teórico esse talvez seja o principal. Do ponto de vista de física fundamental, unir a teoria da realidade geral com a teoria quântica, há uma candidata que é a teoria das cordas, mas não está... Prevê muita coisa, prevê coisas demais e é uma escala difícil de medir. E, portanto, já há concorrentes, como a teoria do loop quântico, etc. É um domínio, digamos, em que se tem apostado muito do ponto de vista teórico, mas sem, eu devo dizer, sem resultados muito visíveis ou sem resultados visíveis, mas eu também não quero ser, enfim, não quero dizer que não haja grandes avanços e a pergunta é que grandes avanços é que eu distinguiria neste início do século XXI. E eu diria relacionado com a teoria da Relatividade Geral, Há uma novidade de facto que tem a ver também com o Prémio Nobel da Física 2020, com o último, tem a ver com o Prémio Nobel da Física 2017, a descoberta das ondas gravitacionais, que é uma previsão de Einstein. Exato. Ah, quer dizer, Não é a teoria, a teoria estava lá, mas é uma operação, digamos, instrumental, tecnológica, poderosíssima, dois detectores imensos, feitos com base em lasers, com técnicas muito avançadas. É preciso ver aqui uma aposta em ciência fundamental muito grande, feita pela Fundação de Ciência Americana, dois dispositivos afastados de mais de 3 mil quilômetros, um em Washington e outro na Louisiana, estado de Washington, E o que ali aconteceu foi a detecção de um sinal extraterrestre, enfim, em 2015. Há muito pouco tempo, em 2015. Que eu acho que isso é um abalo muito grande, porque neste momento já houve dezenas de registros como esse e nós sabemos interpretar com auxílio de computadores, nós sabemos que isso são colisões de buracos negros e é a primeira evidência direta que nós temos de fusão, da existência dos próprios buracos negros que se manifesta através de colisão uns com os outros. E, portanto, os dois prémios Nobel muito recentes, os 2020 e o 2017, foram dados por causa da descoberta de ondas gravitacionales. Por que é que isto é tão importante? Isto é muito importante porque são sinais novos que vêm do cosmos. E Nós estamos a aprender coisas com eles que não sabíamos antes. Por exemplo, a existência destes buracos negros, agora há certeza. O tamanho deles, estamos a ter descobertas assombrosas. Sobre o tamanho, até pensámos que eram mais pequenos, mas logo o primeiro que foi detectado, era uma coisa de 30 vezes a massa do Sol, mais 30 vezes a massa do Sol e dá 60 vezes a massa do Sol, que é uma coisa gigante. Claro, depois também há os buracos negros super gigantes, como aquele que deu, digamos, de algum modo, metade do Nobel de Outubro passado, que foi o buraco negro super maciço que está no centro da nossa galáxia. Até agora nós víamos o universo principalmente através da luz. Ou exclusivamente, vamos lá, exclusivamente através da luz. Era a luz de uma maneira ou de outra que nos permitia saber que era feito o mundo. Agora temos uma outra maneira de ver o mundo e não lhe vou chamar som, porque não se trata de som no sentido convencional. Sim, do ouvido humano. Mas é semelhante ao som porque também são ondas. Claro que a luz também é onda, mas é outro tipo de onda. E que ondas são essas? É o próprio espaço e tempo que abanam. Quer dizer, aqueles dois braques negros que se juntam, de acordo com a teoria da relatividade geral de Einstein, a matéria e a energia dizem ao espaço e ao tempo como se iam de comportar e o espaço e o tempo perante aquela bala, há não. E nós cá longe, há milhões de anos de luz, milhares de anos de luz de chance e nós temos tecnologia suficiente para apanhar esse sinal e portanto temos novas maneiras de saber notícias do universo. É essa e isto é uma indústria, indústria entre aspas, agora que foi testada, está a ser desenvolvida a novos detectores, entrou agora nos Estados Unidos, na Europa, entrou agora em funcionamento um no Japão, andia também está a fazer e o que é que isso vai fazer? Vamos fazer uma rede mundial de detectores de ondas gravitacionais e eles em conjunto podem fazer uma super antena, quer dizer, vamos poder localizar com precisão a origem desse evento. Já há casos de eventos em que conseguimos ao mesmo tempo ver luz e ver som, espetáculo de som e luz, som sempre neste sentido geral. Isso pode nos trazer novas do universo, por exemplo, notícias do Big Bang. Há um projeto muito interessante que é um projeto da Agência Espacial Europeia que vai demorar, mas consiste em pôr em órbita três satélites que por triangulação fazem uma gigantesca antena, enviam luz laser uns para os outros, fazem uma gigantesca antena e vai permitir recolher ondas relacionais de um comprimento de onda maior do que aquelas que recolhemos aqui na Terra, porque o tamanho da antena é espacial e isso se calhar vai nos permitir ouvir o Big Bang, que é dizer saber qual é que o espaço e o tempo surgiram. E isso é uma coisa verdadeiramente extraordinária. Portanto, eu sei que é mais tecnologia do que ciência, porque a ciência de Einstein está lá só hoje. Mas vai-nos permitir... O universo não é uma caixinha, é uma grande caixa. Uma caixa gigante de surpresas. E quando o cérebro humano, que é também uma grande caixa de surpresas, não é capaz de elaborar mais surpresas, então o que é que lá está? Está lá o universo para nos surpreender. Por outras palavras, às vezes não temos imaginação suficiente, mas o universo tem imaginação sempre superior à nossa. E a imaginação dos grandes cientistas, como Einstein, é conseguir chegar mais perto da grande imaginação da natureza. Mas isto é apenas um exemplo,
Carlos Fiolhais
digamos, por exemplo. Mas Carlos, Deixa-me só interrompê-lo, já vamos aos outros, explorarmos este um bocadinho para quem nos está a ouvir perceber e eu próprio. O que é que são
José Maria Pimentel
exatamente as ondas gravitacionais e porquê é que o modelo de Einstein as previa? Einstein, na sua teoria de 1915, uniu conceitos que, enfim, que todos nós temos uma noção intuitiva, mas que são noções difíceis, de algum modo abstratas e que são difíceis de compreender, grandes mistérios. Já antes tinha unido a matéria e a energia por essa famosa equação que explica o funcionamento dos óleos e das estrelas. Energia e matéria são as duas faces da mesma moeda. E ele resume isso numa equação muito simples. Energia é matéria, matéria é energia. E ele tinha também unido, de algum modo, de um modo diferente, o espaço não é o tempo, mas para compreender o conjunto tem de se usar uma entidade matemática a quatro dimensões, com três dimensões de espaço e uma dimensão de tempo, e um absoluto, um invariante, era uma coisa que tem a ver com a velocidade da luz, que dê respeito ao espaço e ao tempo. Quer dizer, uma velocidade é fixa e, portanto, combina. Uma velocidade é sempre um espaço sobre um tempo. E, portanto, há um invariante no espaço-tempo. Portanto, espaço e tempo estão relacionados, matéria e energia estão relacionadas. E o que ele faz nessa grande epifania que ele teve, digamos, é prodigioso o que é que o cérebro humano consegue, esta coisa, é juntar tudo. A ânsia da ciência, do cientista, a ânsia, neste caso, do gênio, é juntar aquilo que está separado, unir aquilo, eu vou usar uma metáfora, enfim, teológica. O Einstein gostava muito de metáforas teológicas, mas não se entenda, digamos, pela expressão de Deus, aquilo que normalmente se entende. Para Einstein, Deus significa a harmonia do mundo. Portanto, o que ele queria ver eram os planos de Deus. Ele queria Deus porque é aquilo que aparentemente está separado, mas que segundo ele devia estar unido. Há uma harmonia que significa que há uma coerência no mundo. Então, a mensagem resumida de uma equação da realidade geral é esta. De um lado está a matéria e a energia e do outro lado está o espaço-tempo. E tem o igual no meio. O que é que se quer dizer? A matéria e a energia, se acontece alguma coisa, se tem uma dinâmica, o espaço e o tempo têm uma dinâmica. E o que são as ondas relacionais? São uma dinâmica periódica, assim como um abanar, pensamos nas ondas do mar, por exemplo, em que no mesmo sítio, digamos, há um movimento de vai e vem para cima e para baixo, portanto há uma variação ao longo do tempo no mesmo sítio, e em cada sítio, não é? Chamamos isso de uma onda. Agora imaginamos isso aplicado ao espaço e ao tempo. Quer dizer, quando, muito em particular ao espaço, que é aquilo que aqui detectamos na Terra, imagine-se, são dois espelhos colocados de grande distância uns dos outros, os espelhos estão... Isto é feito com uma precisão espantosa, porque os espelhos não vão... Os espelhos não vão abanar. O espaço entre eles é que vai abanar. Por outras palavras, há um detector lá no norte e outro detector lá no sul, detectores que são, digamos, medem distâncias, no fundo, entre espelhos que são, realmente, absolutamente iguais, e há um sinal que não foi o sobressalto causado por um passo humano ou por algum camião a passar na estrada ou por algum tremor de terra, porque isso é tudo descontado. Porquê que nós sabemos isso? Porque tanto de dois observatórios à distância tão grande um do outro não pode ser coincidência, aquele sinal é extraterrestre. E aquilo tem a bana de uma maneira que é mesmo, as equações de Einstein explicam isto, Isto simula-se no computador, portanto aqui lá há uma equipe enorme de físicos experimentais mas há também equipas mais pequenas de físicos teóricos que fazem contas, conseguem por simulações saber exatamente qual é a origem. Quer dizer, não se vê a origem mas adivinha-se por simulação, de acordo com o que o Trinidad e Zagant só pode ter sido isto. E, portanto, estas ondas gravitacionais podem nos revelar mais segredos do cosmos, que é isso. Portanto, de algum modo, o cosmos continua a dar-nos surpresas, continua a dar-nos motivos para pensar e não é a única coisa. Por exemplo, começando no século passado, em 1995, foi descoberta o primeiro exoplaneta, o primeiro planeta fora do sistema solar. Essa descoberta deu o Prémio Nobel de 2019, portanto há um ano atrás, dois astrofísicos suíços, Michel Mayorg de Diakielos, que descobriram, portanto, um outro sistema solar. E O que é incrível é que hoje, fui agora ver à Wikipedia, já vai em mais de 4 mil. É um crescimento incrível. Dos quais muitos pertencem mesmo ao sistema solar. Há cerca de 3 mil sistemas solares. Quer dizer, eu que aprendi na escola que tínhamos um sistema solar, agora temos de ensinar na escola que há sistemas solares por todo lado e até nós suspeitamos praticamente todas as estrelas dos planetas. E isso de facto abre-nos
Carlos Fiolhais
um mundo completamente. É
José Maria Pimentel
uma mudança enorme de pensamento, não estamos sozinhos, o Giordano Bruno falava dos outros sóis, dos outros mundos, dos outros... Mas nós agora procuramos, e é uma descoberta que está em curso, outras terras. Nós começamos a olhar com cuidado para esses exoplanetas mais parecidos com a Terra, quer dizer, a substância correta, para poderem eventualmente ter condições de habitabilidade, se tem atmosfera, se há sinais alguma de presença de água, etc. E isso, enfim, já tínhamos visto na ficção científica, o Avatar, por exemplo, e estamos a, de algum modo, a ficção tornasse realidade. Os escritores de ficção científica imaginaram novos mundos habitados. Nós, enfim, estamos a... Habitados não sabemos, mas estamos a encontrar novos mundos. E isso são descobertas que têm a ver com a física e têm de grande impacto para a compreensão do nosso lugar do universo. Portanto, vivemos num mundo que não é estático, não é parado, as coisas abanam, há monstros no universo e tudo está em movimento e há choques, há carambulagens, isto parece uma pista de carrossel e por outro lado há também sítios onde temos a esperança que existe vida, não temos a certeza, não sabemos mesmo. É um dos grandes mistérios da ciência e se liga-se a outra ciência que é a biologia e é uma ligação muito interessante porque nós sabemos que existe vida na Terra, nós somos uma parte da grande árvore da vida, nós sabemos, a teoria de Darwin, baseada também, ali, sarçada na biologia molecular, no exame do ADN, nós sabemos que deve ter havido um único organismo primordial. O que significa que há um pequeno ser microscópico que depois se multiplica e as mutações dele explicam o aparecimento da biodiversidade. Com certeza depois algumas espécies extinguem, se outras não, tudo tem a ver com a adaptação ao ambiente. A Tria de Darwin. Mas o que nós não sabemos é como é que se foi a origem do primeiro ser. Que existiu na Terra? Existiu. Agora a questão é, será que se formou por maquinaria fisico-química? A certa altura aparecem moléculas orgânicas. Aquilo que é fundamental à vida, digamos, com certeza há multiplicação, o metabolismo, etc. A capacidade de adaptação surgiu, nós sabemos que o planeta existe, enfim, o sistema solar, foi tudo formado ao mesmo tempo, também sabemos isso. O Sol e os planetas à volta. Quem estudou, por exemplo, isso foram dois... Estudou ou não teve uma visão de algum modo disso, foi o Laplace e o próprio Kant. Tiveram uma teoria de origem de formação do sistema solar em Torbilhão, sem terem os dados que a ciência moderna hoje tem. E o que nós, voltando à questão da vida, portanto a Terra é tão antiga, ou quase tão antiga, como o Sol, faz parte, digamos agora, há um processo de formação enquanto aquela nuvem em Turbilhão, 4 ou 5 mil milhões de anos e a vida, será, a 4 mil milhões
Carlos Fiolhais
de anos. Sim, foi muito rápido.
José Maria Pimentel
E, portanto, foi relativamente rápido, a vida é muito antiga neste sítio. Agora, formou-se aqui por reações químicas ou veio de outro lado, que é a teoria da panspermia. Então temos muito interesse, um ramo da...
Carlos Fiolhais
Eu falei com a Zita
José Maria Pimentel
Martins. Sim, sim, que é especialista nesse assunto, digamos, da vida. De tal modo, na minha opinião, estar a atribuir a criação de vida lá fora e para os que caem aqui é um bocadinho afastar o problema para fora daqui, não é? Nós nem sequer temos a certeza se não haverá outras possibilidades de vida sem ser que o código das quatro letras que conhecemos aqui. E isto é um assunto para as novas gerações, quer dizer, porque também aqui está a haver avanços notáveis. Ainda há pouco tempo foi anunciado uma investida portuguesa, primeiro estava no MIT, mudou-se há pouco para outro lado da rua, para o Harvard. E essa investigadora, chamo-lhe da doutora Fuxina, é muito interessante diz que Vênus na alta atmosfera, a 30 quilômetros de altitude, tem lá moléculas cuja explicação parece apenas ser devida à existência de bactérias. Enfim, essa descoberta, como acontece na ciência, é disputada, outros grupos tentaram perceber melhor. É muito recente. É muito recente e as últimas notícias são que talvez não se confirme, porque foram ver melhor, é a parte dos sinais, foram ver melhor e talvez não seja exatamente um sinal claro de fosfina. E isso é a ciência a funcionar e, portanto, temos aqui outro grande fronteira. Eu gosto da palavra fronteira porque fronteira é o sítio um bocado vago, mas que delimita a parte que sabemos da parte que não sabemos. As fronteiras... A palavra fronteira tem uma carga metafórica muito forte. Quando, sei lá, em 1953, Edmund Hiller e o seu companheiro local, nativo, chegaram ao Everest, ao topo do Everest, estavam na fronteira mais alta da Terra. Estavam, digamos, no sítio onde não se podia subir mais. Mas podia-se subir mais porque o Gagarine subiu mais alto, porque em 1969 o Neil Armstrong e o Buzz Aldrin chegaram à Lua e nós, enfim, no final do século passado, em 1927, a sonda Voyager 1 saiu para fora do Sistema Solar. Portanto, nós já tivemos um objeto, está-me a lembrar daquele filme do 2008, o espaço, em que a calcinha inicial em que é lançado pelo primata um objeto e nós de facto já lançámos o objeto que saiu para fora do sistema solar, passando a chamada heliosféria e está cem vezes mais longe do Sol do que está a própria Terra. E portanto nós temos esta... Como a mensagem, que lá está, quer dizer, é muito interessante que Carlos Sagan esteve envolvido nesse caso. E portanto nós tentamos passar fronteiras, fronteiras de espaço, também na Terra tentamos passar fronteiras, ao fundo dos mares, foi conseguido logo em 1960, Picado, no fundo do Pacífico, mas nós agora estamos a falar aqui de fronteiras do conhecimento, estamos a falar de ir mais longe. Falei do Kant
Carlos Fiolhais
de ousar saber. É isso mesmo, é isso mesmo. Se calhar eu acho que vamos voltar à dos exoplanetas, que é, ou seja, dos planetas fora da Terra, que é dos mais interessantes, daqueles em que houve mais progresso. De facto é incrível porque nós, a ideia que eu tenho é que sempre se considerou altamente provável que existissem mais planetas no universo para além do nosso sistema solar, mas só tivemos provas de facto disso no início dos anos 90. Sim, em 95. Talvez o primeiro foi em 92, mas aquele que era um sistema solar à volta de um solo foi o 95. Estás bem informado. Eu sou um Google, não é?
José Maria Pimentel
O Google dá uma grande ajuda.
Carlos Fiolhais
E de facto, ao mesmo tempo é incrível. Depois, paralelamente, temos informação que vai surgindo que indicia no nosso próprio sistema solar poder existir vida a um nível bacteriano, ouvi-me, ou seja, a nível de micróbios, ou ter existido vida no passado, seja em Marte, falávamos de Vênus há bocadinho, Luas de Júpiter, exatamente. Estes dois fatores em conjunto real são um paradoxo que vai tornando cada vez mais pesado, que é conhecido pelo paradoxo de Fermi, que é o facto de, com tudo isto, nós continuarmos sem indício nenhum de haver vida... Aqui falo de vida inteligente, não é? Portanto, quando falamos do nosso sistema celular estamos sempre a falar de seres unicelulares, mas aqui falando de vida inteligente continuamos sem ter qualquer sinal dela. E há aquela chamada equação de Drake, que é mais um mecanismo útil para nós organizarmos o problema. A questão é que nós, quando ele postulou essa equação, não sabíamos muitas coisas. Hoje em dia nós já sabemos várias das variáveis, já temos uma ideia muito precisa das variáveis dessa equação, já sabemos, por exemplo, que a quantidade de estrelas que existem, ou seja, de outros sóis, se quisermos, a quantidade de sistemas solares que existem, como o Carlos dizia no início, são praticamente todos, já sabemos que existem dentro desses sistemas ou nesses sistemas solares muitos planetas com condições idênticas ou relativamente idênticas às da Terra e no entanto continuamos sem ter grandes sinais. O que é que pode estar aqui a falhar? É a vida que é mais difícil de ver do que nós estamos a pensar? É a vida inteligente que é mais difícil ou muito mais difícil, mesmo numa escala tão grande? Ou é simplesmente uma questão de tempo, não é? Ou dos sinais para que nós estamos a olhar?
José Maria Pimentel
A verdade é que não sabemos. A verdade é que não sabemos. Eu sou levado a pensar, dada a imensidão de espaço, que é bem possível que haja outra vida no universo. A partir desse...
Carlos Fiolhais
É bastante
José Maria Pimentel
provável, é quase certo, se o universo é infinito é quase certo que exista. Igual ou não à vida baseada no ADN é outra questão. Porque é preciso aquele código para... Aquele código o que faz é, de algum modo ou de outra, ler as instruções para fazer aquelas proteínas que são as máquinas ferramentas da vida. Mas em princípio pode haver outro código. Digamos, a vida está baseada em informação, informação é o programa para fazer. Pode haver outros códigos. Agora a questão é da inteligência. Nós podemos pensar que a evolução vai dar ao cérebro. E aqui deu. Já passaram, aqui passaram-se 4 mil milhões de anos desde que há vida e temos cérebros e temos, digamos, um ser que partilha muito das coisas com... Às vezes esquecemos disso, partilha muitas coisas com os organismos vivos, tem muitos géneros em comum com muitos organismos vivos. Com o fim para 0 é 98, óbvio. Exatamente.
Carlos Fiolhais
95. 95?
José Maria Pimentel
Às vezes há certas pessoas que parecem ter um pouco mais do que isso. Ora bem, e eu sem referir a ninguém. Mas passaram-se desde o início do ser humano, quanto tempo? Agora é difícil, há um contínuo, mas os hominídeos um milhão de anos, certo? Claro que o Homo sapiens é bastante menos, 100 mil anos, qualquer coisa desse tipo. Ainda
Carlos Fiolhais
não se nem sabe, está sempre a recuar curiosamente essa...
José Maria Pimentel
Exatamente, há a história de Artal, que afinal tem a capacidade de dizer... Olha, um dos grandes, Não falámos aqui de outros mistérios da ciência. A origem humana é um dos mistérios sobre o qual conhecemos mais coisas. Novas descobertas fósseis, etc, etc. Agora, a questão é, porquê que... Vamos por partes. Porquê que, primeiro, outra vida lá fora e depois vida que dê em cérebros e que te adquiram essa capacidade, até capacidade de consciência. E depois de cérebros civilizações com capacidade especial? Eu diria que não há prova nenhuma que não possa existir. Portanto, estejamos abertos, quer dizer, esperemos que... Há esta ânsia de encontrar o outro. Esta ânsia de encontrar o outro é muito patente no Carl Sagan. Que é não só um grande astrofísico, mas também um grande comunicador de ciência. O maior que tivemos nos tempos mais recentes. Ele foi o primeiro a usar, em grande escala, a televisão, pá. E, de algum modo, conseguiu vender o livro à custa da série de televisão. O livro é o guião da série de televisão e vendeu milhões. E ele falava, toda a gente se lembra dos anos... Toda a gente que tem mais idade, os outros vão ao YouTube e vejam. Aquele, a falar dos bilhões e bilhões de estrelas e a falar da possibilidade do contacto. Ele, como não conseguia provar com a ciência o contacto, ele fez um romance com a ciência científica, que é o romance do contacto, depois deu um filme. O filme foi feito com o Andrew, e eu acho que depois ele já não conseguiu. Ele morreu em 96, se não me engano. O que é curioso é que o contacto é um tema, e depois o Steven Spielberg pega no assunto, é um tema que nos persegue a todos, porque estamos sós no universo. Por um lado nós, enfim, nós não queremos estar sós, mas por outro lado também temos medo do outro. Lembramos da ficção sim-dívida, do A.G. Wells, da Guerra dos Mundos. Temos medo do outro. Talvez um dos problemas, porque hoje em dia a procura de sinais, agora não estou a falar de vida, estou a falar de sinais que vêm de fora, ele defendeu isso, o SETI, um grande projeto de procura de vida inteligente no cosmos, é uma coisa que era considerado extravagante, mas hoje é considerado científico. Quero dizer, é considerado científico. Ver se os sinais de galáxias que vêm de lá... Por exemplo, quando foi descoberto os primeiros trilhos neutrões, são os trilhos que rodam muito rapidamente, chamados de pulsares, que emitiam ondas de rádio e aquilo era periódico. Está ali uma emissão de rádio, se calhar são seres alienígenas. Não, era simplesmente uma estrela a rodar. A questão é, nós ouvimos esses sinais da rádio do espaço, encontramos ali algum sentido. É preciso também ver o seguinte, nós emitimos sinais para o espaço desde há 50, 60 anos. Da rádio, da televisão, a televisão então mais em grande escala, mas não foi assim há tanto tempo. Há umas décadas. E esses, portanto, só pode haver consciência da nossa existência há 50 anos de longe.
Carlos Fiolhais
Claro. Eu digo, mas eu falo mais do contrário, é de sinais antigos a circular no espaço que nós...
José Maria Pimentel
Claro. A nossa estrela mais próxima, chama-se Próxima, está há 4 anos de longe. Quer dizer, quando olhamos para ela estamos a ver a luz... Dá 4 anos. Dá 4 anos. Os nossos sinais só vão há 50 anos. O universo é grande. O Blaise Pascal, o famoso filósofo francês do século XVII, foi também físico, trabalhou em pressão, aliás, na unidade de pressão é o Pascal. E matemático, há o triângulo de Pascal, uma série... Ele até fez uma calculadora, uma calculadora de Pascal, era também teólogo, ele dizia assusta-me a imensidão dos espaços siderais, assusta-me o vazio, e ele não fazia ideia nenhuma de quão vazio era o vazio. No século XVII, estávamos no início, digamos, para ele o vazio eram os planetas. Lembramos que para lá... E não eram os planetas todos que hoje conhecemos, não é? O Galileu, quando no século XVII, quando pega na luneta e vê coisas que nunca ninguém tinha visto. Lá está os instrumentos a permitir estender o alcance do nosso olho. Ele vê coisas como montanhas na Lua, nunca ninguém tinha visto. Ele vê coisas como luas de Júpiter, que não se vê à vista desarmada. Ele, de algum modo, para ele isso é um indicador que a Terra não está no centro, porque Jupiter também é o centro de algumas luas e, portanto, enfim, há o famoso processo de Galileu na Inquisição, 1633, e o Pascal é desse século e, portanto, o conhecimento dele era apenas até ao sistema solar e uma parte dele, conhecida na altura. Realizei, assustava-me esse vazio. Agora, quanto não nos há de assustar, o vazio muito maior, esse vazio de milhões e milhões de luzes, Qual é o tamanho do nosso vazio? Enfim, o Big Bang foi há cerca de 14 mil milhões de anos e, portanto, a luz está a percorrer 14 mil milhões de anos desde o início, desde que há luz, desde que aquele Fiat Luxe, que não é uma marca de carros e uma marca de sabedos. É a expressão latina da biblia. Que se faça longe, é uma expressão logo do início do gente, e fez-se longe. E o que é que nós vemos? Vemos que o universo se chama de observável, nós estamos confinados de algum modo aquilo que
Carlos Fiolhais
podemos ver
José Maria Pimentel
e esse horizonte cósmico é maior que os 13 mil milhões de anos-luz, porque o universo está em expansão. É cerca de 42 mil milhões de anos-luz. Porquê? Porque o espaço está a enchar. Está tudo a crescer. A distância entre nós dois, embora muito, muito pequena, mas enquanto falamos está a aumentar. O que é bom aqui porque há a contagem do vírus. Já está uma distância por dentro, mas o Big Bang encarrega-se de fazer aumenta-los. Lá está aquela probabilidade elástica do espaço de que falava, coisa que aplica-se, digamos. E
Carlos Fiolhais
a energia escura que causa essa...
José Maria Pimentel
Já lá vamos, já lá vamos. O que é que acontece? Acontece que fora disso a gente não sabe, não é? Nós não sabemos se esse universo é infinito ou infinito. Provavelmente é infinito, eu acho que é infinito, mas não temos a certeza disso. Mas sabemos que só vemos uma parte, só vemos, só temos encerrados dentro do horizonte cosmológico. Portanto, É vazio que nunca mais acaba, porque já o Demócrito tinha dito, sem saber nada da física moderna, ou da astrofísica moderna, que tudo é feito de átomos e espaço vazio. E de facto é verdade, mas os átomos são poucos no espaço vazio, os átomos são seres solidários. E os átomos e as partes deles, os núcleos, as partículas dos núcleos, o vazio está polvilhado disso, mas é poeira. Mas é poeira e cosmos, quer dizer, o universo é vazio, o universo é vazio. O universo é coisa nenhuma. A questão é que tipo de matéria, que tipo de energia, uma vez que é isso que preenche o vazio, que torna o vazio menos vazio, é que encontramos. E ainda não falámos aqui, já desta aí a dica, de alguns dos mistérios que podem tornar, digamos, apetecível o futuro dos jovens físicos, porque eles têm mistérios para resolver, que são ligados por nós, a atual geração não resolveu, é a obrigação da próxima, tem isso como herança, quero dizer, Terem algumas dúvidas para resolver é bastante bom porque têm material para trabalhar e então talvez possa vir a relacionar-se ou não, não sabemos, com aquela questão de ter uma teoria unificada, de ter uma teoria que junta a gravidade e a teoria quântica.
Carlos Fiolhais
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José Maria Pimentel
Obrigado. Mas a questão é que nós, pela observação das galáxias, nós sabemos que há matéria negra, que é uma espécie de um halo, que é matéria que não dá luz, mas que no entanto está lá e não fazemos ideia nenhuma do que é. Ou antes, fazemos as mais variadas ideias e não estamos de acordo sobre isso, não há concesso. Andamos à procura em minas no fundo da Terra, à superfície da Terra, em satélites lá em cima. Não sabia que andávamos à procura na Terra. Com certeza, por todo lado, porque se a nossa galáxia tem matéria negra como tem as outras todas, isto para aqui entre nós dois está cheio de matéria negra. A questão é tetala. E, portanto, aliás, só podemos andar à procura na Terra no seguinte sentido, à volta da Terra, no nosso canto.
Carlos Fiolhais
Então temos que passar de intervenção. Estamos à procura de
José Maria Pimentel
sinais mesmo. Por exemplo, em sítios como detectores no interior de minas profundas, porque aí de algum modo estamos blindados de outras interferências, até de radiações cósmicas e de chuvas de neutrinos, etc. E, portanto, estamos à procura por todo o lado acessível, por todo o canto do vaso de cosmos onde estamos. Isto é um cantinho do cosmos.
Carlos Fiolhais
Mas nós temos a certeza de que existe ou
José Maria Pimentel
praticamente, não é? Seria muito estranho se não existisse. Vamos lá ver, nós chamamos matéria negra o mistério. Portanto, qualquer coisa existe que é responsável pela atração gravitica. Exato. Que é responsável pela atração gravitica.
Carlos Fiolhais
Para manter as galáxias no sítio, não é? Exatamente.
José Maria Pimentel
E a coesão, que dá coesão às galáxias. Porque senão nós não conseguimos perceber até o próprio movimento de rotação das galáxias, são carrosséis. A nossa, a Via Láctea, tem um grande buraco negro e nós pensamos que a maioria delas devem ter também grandes buracos negros no meio e anda ali um carrossel à volta. O nosso Sol já deu cerca de 25 voltas ao centro da galáxia, mas há aqui uma espécie de... Chama-se halo, é um nome, chama-se nuvem, entre aspas. Qualquer coisa que ajuda à coesão, que explica a rotação até das galáxias, ajuda a explicar, mas que não se vê, não dá luz. Podem ser partículas novas e então essas teorias de tudo, chamadas também teorias de tudo, lembramos do nome do filme sobre a vida do Stephen Hawking, essas teorias de tudo podem dar novas partículas que seja a explicação disso ou então pode ser que a teoria de Newton esteja errada. Newton que significa Einstein, porque Newton é um limite da teoria da realidade geral de Einstein da gravitação. Que esteja errada, que haja pequenas... Nós estamos a dizer que existe esta matéria escura, admitindo que aquilo que sabemos está certo. Isto pode conduzir a falhas na nossa teoria e então isso temos uma teoria nova que tende a encaixar, como sempre, a teoria antiga. A dificuldade não é inventar novas coisas, é inventar novas coisas que encaixem naquelas que nós temos como bastante seguras.
Carlos Fiolhais
Alguma coisa está lá, nós não sabemos o que
José Maria Pimentel
é. Exatamente, isso é de fato. Mas ainda maior mistério do que esse, porque isso terá uma parte da matéria de energia, mas a parte ainda mais misteriosa do mundo, está tabulado em porcentagens, não é? E a porcentagem maior da nossa ignorância do universo é uma coisa chamada energia escura. E o que é energia escura? Também tem a ver... Já deu um prémio Nobel.
Carlos Fiolhais
Já agora o termo escuro e negro são equivalentes? Eu
José Maria Pimentel
prefiro o escuro. Eu
Carlos Fiolhais
também porque o negro remete.
José Maria Pimentel
O negro é assim uma coisa... O escuro acho que é o melhor, dark. É a tradução do original. Enfim, também existe o black, mas aqui é
Carlos Fiolhais
a tradução. Curiosamente os buracos são buracos negros, mas a energia e a
José Maria Pimentel
matéria são matérias escuras. Black hole, dark matter and dark energy. E o que é que acontece? Vou explicar rapidamente a energia escura. É diferente da matéria negra, é um outro mistério, nós sabemos que são coisas diferentes. A matéria negra ainda não deu nenhum prémio Nobel. Podia ter dado às pessoas, há pessoas que de algum modo perceberam que existiam problemas. Mas houve aqui há alguns anos um prémio Nobel de 2011 para três astrofísicos, Perle, Muta, Schmidt e Risse, duas equipas independentes, que descobriram a expansão acelerada do Universo. Eles descobriram isso a partir da observação de supernovas, que é a explosão de estrelas maciças, que nós sabemos, certo tipo de supernovas sabemos que explodem em certas condições e sabemos a energia com que explodem, é como se fosse um padrão de medida para a luz, dá uma certa luz. Aquela explosão corresponde, é como se fosse uma lâmpada de uma certa potência. É um flash de uma certa potência. E o que acontece? Com isso não há um padrão, portanto, não há um padrão de luz, nós podemos afinar a escala de distâncias. E nós sabemos a velocidade com que essas estrelas, ou melhor, galáxias, onde elas se situam, através de um efeito chamado de viewpaw vermelho. Seíamos as velocidades e houve correções relativamente à imagem que tínhamos da expansão do universo e a correção é basicamente esta a longas distâncias, a distâncias mais longe, mais perto do horizonte cósmico, a expansão é mais acelerada, não é, uniforme. Portanto, dá-se um ritmo maior do que devia dar-se. E a única maneira de explicar isso é inventar, conceber, uma energia, se quisermos sinónimo de força, mas que faz o contrário do que faz a gravidade. A gravidade puxa as coisas. E, portanto, a gravidade devia tornar a expansão do universo, digamos, retardar a expansão do universo. Não é isso que vemos, é precisamente o contrário. Portanto, a maneira de explicar isso é pensar numa força à escala cósmica, a grandes substâncias, a tua melhor, quanto maior for a distância, que nós chamamos provisoriamente de energia escura. Nós... Há várias também teorias, mas nem quantitativamente lá vamos, quer dizer, e aí estamos mais atrasados na matéria negra, porque na matéria negra nós andamos aqui com os detetores, pomos grandes detetores em vários sítios e tentamos ver se há novas partículas. No fundo, estamos a ver se há novas partículas que não são conhecidas de matéria negra. Para a energia escura o mistério é ainda maior.
Carlos Fiolhais
Nem sequer sabemos onde é que está.
José Maria Pimentel
Bem, é uma...
Carlos Fiolhais
Ou a ideia é que esteja uniforme. É
José Maria Pimentel
engraçada para ver que mais vezes ideias antigas dos gregos e da Idade Média se volta a usar. Há quem fale de uma coisa chamada quinta essência. E portanto é um fluido imponderável que de facto nós temos de ser humildes, Nós temos de dizer que não fazemos ideia nenhuma. E isso pode resultar de falhas na nossa compreensão fundamental do Universo. Se calhar, quando tivermos essa teoria de grande unificação, essa teoria de tudo, talvez esses dois mistérios, que nos parecem separados, a matéria escura e a energia escura, talvez venham a ser eliminados e talvez possam vir a ser unidos e não sabemos, quer dizer, não sabemos. Normalmente quando há uma grande solução teórica há uma unificação, quer dizer, há coisas que estavam dispersas, coisas que não sabíamos e que de repente se... Sempre foi assim. Há coisas que não sabemos e de repente ao juntar nós percebemos tudo. Fazemos um ahá. Fazemos uma exclamação. E neste caso resolve vários problemas ao mesmo tempo. E neste caso resta-nos continuar a pensar, resta-nos continuar a medir. As duas coisas não são independentes, nós pensamos sobre aquilo que medimos. Mas
Carlos Fiolhais
como é que podemos medir, neste caso?
José Maria Pimentel
Aí está o problema. Na matéria negra há várias tentativas. Naquele grande acelerador do CERN, Um projeto grande no qual a Portugal participa. E que, digamos, e não falámos ainda disso, mas a última grande coisa foi o Boson Diggs. Depois, apesar de grande funcionamento, ter aumentado a energia, não há assim... Afinou-se a descoberta do Higgs, percebeu-se melhor o Higgs, mas não há assim grandes descobertas depois disso, apesar do grande investimento, do trabalho de muitos físicos, etc. Por outras palavras, não estão a aparecer ali surpresas. Já se fala de um sucessor do LHC, é o nome desse lá, o Hadron Collider, grande colisionador de hadrões. Fala-se do futuro dele, eventualmente da construção de um da China, que se está a afirmar que uma grande superpotência da construção também de um grande equipamento desse tipo. Fala-se de um acelerador em versão circular, linear, eventualmente no Japão. Mas fala-se já de um novo projeto porque aquele está a ser, ainda pode ser, mais espremido, entre aspas, mas não está a dar solução para estes problemas da medida. Porquê? Nós até esperámos que partículas, se existirem de matéria escura, que pudessem ser produzidas nessas colisões e não estamos a encontrar. Uma das esperanças de coisas não era... Bem, Partícula X foi prevista, mas há algumas das partículas que possam explicar a matéria escura e isso não está a ocorrer. E, portanto, nós temos também de reconhecer que os instrumentos que estamos a usar e puxados aos limites... E, no entanto, até do ponto de vista teórico, aquilo que nós chamamos modelo padrão, que é certas partículas e certas forças, as partículas são basicamente partículas mais pesadas, são os quarkos, constituintes dos protees e neutróis que estão no núcleo. E os outros chamamos, partículas leves, do grego leptões, que são os eletrões e os neutrinos e depois há três variedades cada um, três famílias, digamos, e depois parece que acaba aí. Mas esse modelo é altamente insatisfatório, porque olha, a gravidade está de fora, Isso é José. E depois há coisas demais, quer dizer, há
Carlos Fiolhais
parantes demais, há até... É aquela questão da elegância das explicações. Exatamente.
José Maria Pimentel
É bonito, mas tem coisas feias. Não é suficientemente bonito. Nós gostávamos que aquilo fosse mais bonito. Portanto, o modelo
Carlos Fiolhais
deve ser... Essa é uma questão, aliás, da filosofia da ciência, não é? Tem que perguntar se essa elegância é uma proxia ou não para a qualidade da explicação.
José Maria Pimentel
A beleza pode e deve ser um critério de verdade. Para Einstein era. A tal harmonia do mundo, ele procurava aquilo que é belo. E há vários matemáticos e físicos que disseram, prefiro ter beleza nas minhas equações do que tê-las de acordo com a experiência. Porque a experiência pode ter alguma falha, pode haver efeitos que perturbam alguma beleza fundamental que lá esteja presente, mas na matemática nós gostamos que ela seja a expressão da estética, que seja de algum modo a expressão da perfeição E isso é muito nítido na física. Quando, sei lá, o Paul Dirac, um dos físicos da tria quântica, dos anos 20 e tal, do século passado, quando ele faz uma descrição em que une a tria quântica e a relatividade restrita, a tria quântica relativista, e faz uma equação matemática em que está lá, simples, uma equação para o eletrão, em que é quântico e é relativista, e ele descobre nessa equação, que ele é bonito primeiro, quer dizer, que ele é feito com base em simetrias. Eu tenho pena de não poder mostrar aqui no tempo limitado o meu podcast, nem tenho aqui um quadro negro. Ele é mesmo bonito, acreditem em mim. Vale a pena uma pessoa ficar piada ao ver a beleza daquilo. Mas ele, daquela beleza, tira duas coisas, duas coisas que ninguém sabia. Uma é a existência da antimatéria. Até pensava que duas partículas que ali existia, que era o protão e o elé... Não, era o eletrão e o anti-eletrão. Anti-eletrão, opositrão, tudo igual ao eletrão, mas com um caracol. Era uma consequência de teoria. As simetrias conduziam à existência da antimatéria. Hoje
Carlos Fiolhais
sabemos que existe. Um dos
José Maria Pimentel
mistérios, não falámos dele, um dos mistérios que existe é porque é que o universo é principalmente matéria e tão pouco é antimatéria. Isso é um dos mistérios. Tem a ver com condições iniciais do universo, etc. E outra... Aliás, é uma das... É
Carlos Fiolhais
um dos argumentos que aqueles defensores da teoria dos multiversos... Sim,
José Maria Pimentel
eu não me meti por aí, eu não me meti por aí, porque isso está mais para outro lado, quer dizer, há quem diga que os buracos negros são uma espécie de pontes para outros universos, multiversos, e essas teorias de tudo, essas teorias, modelos de tiras de cordas, etc, Estão muito a ir para o lado de multiversos, quer dizer, universos de algum modo paralelos, mas sem comunicação com o nosso, porque há alguma impossibilidade de comunicação. Eu acho que isso é multiplicar, é não usar aquele que se chamava na idade média na valha de Alcã, que é, se uma coisa pode ser simples, não a vamos complicar. Porque nós não temos razão nenhuma, digamos, prática para... Porque estamos a falar de coisas, a física tem de falar de coisas que se medem, que se observam, que se experimentam. E esses universos são puramente imaginários no sentido em que... Não quer dizer que não sejam um exercício útil para a mente, mas não... Também é o meu ponto de vista pessoal, há outros físicos que podem pensar que aquilo é muito apelativo, mas não é uma coisa comecedora pensar em outros mundos com os quais nunca poderemos comunicar e portanto
Carlos Fiolhais
nunca podemos saber nada sobre eles. Mas ok, por esse ponto de vista, a grande parte do universo nós não temos qualquer esperança de poder comunicar
José Maria Pimentel
com ele. Mas é diferente, é diferente porque eles falam...
Carlos Fiolhais
Podemos é observá-lo, não é? Não, mas
José Maria Pimentel
eles falam de muitos universos paralelos com leis de física diferentes das nossas. Com constantes de física diferentes das nossas. Isto significa que o nosso universo de algum modo é radicalmente único e há uma infinitude de uma espécie de espuma de outros universos em que as leis de física são diferentes, em que as coisas acontecem de maneira diferente. Há quem relaciona isso até com aquela coteria quântica dizendo coisas que não acontecem neste universo acontecem nos outros, etc. Mas é tudo especulação. Isso é tudo especulação. Uma coisa é a diferença. Nós temos uma segurança, não digo certeza, nós não podemos usar a palavra certeza de um modo categórico, Mas temos uma segurança que as leis da física são universais no nosso universo, que é o único que conhecemos. Nós não sabemos que leis é que estão noutros eventuais universos, nem sequer sabemos se existem. Portanto, é nesse sentido que não é bem a mesma coisa falar de coisas. Nós lemos partes supernovas há milhões de anos e sabemos explicar, sabemos que temos lá uma capacidade. Não digo de previsão exatamente quando vai explodir, mas de saber que vai explodir, por exemplo. Saber que vai explodir. Por exemplo, no Orion, que há uma estrela grande, uma supergigante vermelha, está a ver como fica, que é a Betelgeuse, nós sabemos que mais milhão de anos, menos milhão de anos, quer dizer, se calhar já depois do Sporting ganhar o campeonato, vai perder-se uma metáfora futebolística que aquilo vai fazer ali uma super nova.
Carlos Fiolhais
Mas, Carlos, fazendo aqui o... Não estava à espera de ir para esse tema, mas fazendo aqui um bocadinho a advogada do Diabo, ou defensor dessa tese dos multiverso, eu acho que o que os defensores dessa teste, tal como da teoria das cordas dirão, é que ela, embora seja muito difícil de medir, não ocorre sequer de nenhuma forma, mas também não, estou muito longe de perceber disso, pode justamente explicar as causas últimas de vários dos fenómenos que nós não conseguimos perceber, ou seja, atualmente nós já conseguimos prever várias coisas, mas não sabemos porquê que as constantes do universo são aquelas que são. Não sabemos lá está porquê que há mais matéria e menos antimatéria, porquê que o... Não, não sabemos. Porquê que os fenómenos quânticos são daquela forma, quer dizer,
José Maria Pimentel
não... Não sabemos, mas também, vamos lá ver, a Física não tem que saber as causas das causas das causas, quer dizer, vamos lá ver, física não é metafísica. E são coisas separadas. Vamos separar aquilo que é física do que é filosofia. Eu não quero dizer que os físicos não façam coisas. Os físicos são muito bons a fazer outras coisas. Meteram-se já na Biologia, metem-se na Filosofia e eu não tenho nada contra as ocupações mentais, seja dos físicos, seja de qualquer outra profissão e são mentes férteis, mentes brilhantes, podem imaginar mundos, etc. Mas a física tem uma... A questão também... Há uma questão da filosofia, a questão da limitação das ciências. A limitação das disciplinas. Nem tudo tem que ser uma ciência, não é? A filosofia, não direi que é uma ciência, é um ramo do conhecimento, mas não é. Não há uma ciência até porque está de fora das ciências, porque pode examinar as ciências. É
Carlos Fiolhais
o ramo da razão, mas
José Maria Pimentel
não... Sei lá, tem outro ramo, a filosofia trata da estética, a filosofia trata da ética e são tudo dimensões que convenhamos, não são... Podem de algum modo delegar com a ciência, mas não são científicas. Há mais mundos para lá da ciência. Portanto, eu não tenho nada contra que as pessoas imaginem coisas. Agora, não lhes chamem física. Quer dizer, porque física por si não lhe dêm o prémio Nobel.
Carlos Fiolhais
Acho que ainda não deram.
José Maria Pimentel
Ou para outras coisas. Podem dar o prémio Nobel, mas por coisas mais palpáveis. Mais palpáveis porque tem de haver uma ligação à realidade, tem de ter os pés na terra. E eu direi para... Deixem cá ver, se eu dou um argumento. O nosso universo já tem tantos mistérios, tem tanta coisa que nós não sabemos, e para esses meta-meta-mistérios, que é coisas que não sabemos, nem nunca saberemos, pois não é? Coisas que sabemos e vamos saber, temos alguma confiança. Sim, isso é verdade. Há coisas que não sabemos E eles dizem logo à partida que nunca vão perceber. Vamos lá ver, a mente humana vai para onde for. Mas acho que aproxima-se mais, não sei se de especulação literária, que é interessante, que é muito interessante. Esses mundos paralelos já foi aproveitado na ficção científica.
Carlos Fiolhais
Mas isso em si mesmo é uma questão de ciência relevante, que é até que ponto é que é ciência ou faz sentido fazer ciência sobre áreas que não são mesuráveis?
José Maria Pimentel
Sim, é que já se lhe chama ciência, quer dizer, por exemplo na estética. Há muitas tentativas de matematização da estética, mas todas elas frustradas, quem é que só vai definir o que é o real?
Carlos Fiolhais
Ah, claro. Mas aí depende da percepção humana, não é? Portanto aí... Sim, mas o que é curioso...
José Maria Pimentel
Sim, depende da percepção humana. Mas há, é engraçado que há algum universal na percepção humana. Há muito particular na percepção humana, uns gostam disto, outros gostam daquilo, mas é engraçado que nós partilhamos muita coisa sobre a estética. Mas agora, aquilo que é comum se calhar também não é matematizável. Não há um critério de dizer assim...
Carlos Fiolhais
Ou pode ser, mas não atualmente, não temos ferramentas para isso.
José Maria Pimentel
Eu acho muito difícil, há uma história, que é a história da razão dourada, que há muita gente tendo a ver, ao longo dos anos, a história é muito antiga, tendo a ver nos templos gregos, até nos pirâmides do Egito, depois nos quadros do Renascimento, por exemplo, no Leonardo da Vinci, tende a haver uma medida, um número mágico. Ou no Código da Vinci aparece essa história. Há uma certa... Misticismo em que a matemática, de algum modo, poderia dar a medida certa. Por exemplo, o chamado retângulo dourado, que é um retângulo cujas proporções estão na razão dourada, que é um certo número irracional, é a solução de uma certa equação, e que se constrói geometricamente bastante bem, esse retângulo dourado. Ou então aparece também nos pentagramas, nos pentágonos aparece aquilo, são triângulos dourados, aquilo que lá estão. Um dos arquitetos mais conhecidos do século XX é o suíço Le Corbusier, que pertenceu à equipa que construiu a sede das Nações Unidas, onde está agora o António Guterres, em Nova Iorque. E ele foi a Nova Iorque e ele trabalhava muito nessas questões da razão dourada. Ele era um pouco místico. Em Portugal também há alguns exemplos. O Almazer Negreiros, vejam, por exemplo, o painel que está no atrio da Fundação Gulbenkian. E muitos trabalhos geométricos. Ele sempre perseguiu essa questão da geometria, com alguns equívocos, etc., mas foi atrás desse tema. E o Le Corbusier tem um livro chamado Le Modulor, que é sobre isso, sobre a aplicação da razão dourada na arte, na arquitetura, etc. E foi tentar transmitir as suas ideias ao Einstein. E o Einstein respondeu-lhe assim, e a resposta acho que é muito sábia. Diz-lhe assim, o senhor está à procura de uma equação que torne o belo fácil e o feio difícil. Era isso, parece-me um pouco difícil. Por outras palavras, para Einstein, e eu se calhar partilho esta ideia, o belo é que é o difícil. E não é o fácil.
Carlos Fiolhais
O que de acordo com as leis da física, sobretudo a entropia, faz algum sentido. Deixa-me pegar no Einstein para voltarmos ao tema que é onde eu acho que nos perdemos. Um bocado por culpa minha.
José Maria Pimentel
Ah, mas a gente reencontra-se. Sim, quando estávamos a
Carlos Fiolhais
falar da energia escura, que era aquilo que o Einstein chamava a constante cosmológica, não é? Que ele tentou depois... Ou não estamos a falar do mesmo?
José Maria Pimentel
Não, ao contrário. Ah, a energia escura, sim. Eu pensei que é a matéria escura que eu disseste. A energia escura, sim. De algum modo, muitas pessoas veem... A matéria escura não entra aí, mas a energia escura associam a uma, digamos, a uma constante que o Einstein introduziu nas suas equações chamada constante cosmológica. O que é isso? Ele a certa altura, durante a primeira parte da sua construção do entendimento do mundo, ele pensou que o Universo era estático, mas as suas equações davam-lhe soluções dinâmicas do Universo em movimento, o Universo em expansão, em grande escala, em escala total. E então, ele, levado pelos seus preconceitos, introduziu à mão um termo que parava a expansão do universo. Então agora está equilibrado, é um termo que... Ah, eu se tenho a dinâmica, mas eu ponho aqui... Ele chegou a dizer que isso foi O maior disparate da minha vida. Mas mesmo os maiores... Enfim, os maiores disparates cometidos pelos maiores cientistas não são disparates. E o que acontece é que essa expressão constante dos maiores foi recuperada recentemente no quadro precisamente não da matéria escura, foi aquilo que eu julgava ter ouvido, mas da energia escura. A questão é que há um desajusto, há um desajusto muito grande, quantitativo mesmo, quer dizer, é preciso... É uma questão, digamos, da ordem de grandeza. Como é que nós vamos explicar... Aquela... Essa constante cosmológica tem de ter um fundamento e o fundamento seria uma espécie de energia de ponto zero, quântica, etc. Mas nós não conseguimos quantitativamente fazer a relação. Portanto, há uma relação, sim, do ponto de vista quantitativo nós não sabemos estabelecê-la em base firme. E, portanto, nós não sabemos uma previsão quantitativa com base... Cá está, trata-se de juntar gravidade e tiria quântica. A diferença parece enorme. Parece-nos dois mundos completamente diferentes. E, no entanto, estão no mesmo mundo. No entanto, estão no mesmo mundo. Deixem-me fazer aqui uma apologia do Einstein. Ele de facto não era um observador, quer dizer, ao contrário do Kepler, por exemplo, que observou, do Galileu que observou, ele não Olhava para o céu. Tinha o céu dentro da cabeça, dá-me um modo. Tinha o universo dentro da cabeça. Por isso que aquilo simboliza a capacidade humana de nós fazermos representações do mundo. Simboliza ao mais alto grau, não é? O Roland Bach tem um livro chamado Mitologias, em que uma das mitologias é o cérebro de Einstein. Simboliza, digamos, a nossa capacidade de compreender o mundo, e o Einstein conseguia fazer experiências mentais. Em alemão, Gedanke nächste Perramente. O que é isso? Experimenta a experiência, percebe-se logo, gedanke significa de pensamento, experiências de pensamento. Portanto, ele tinha essa capacidade de de efabulação, de imaginação, saber como era o mundo, por exemplo, da Tireira da Realidade Geral, ele imaginou que estava lá um dia sentado na sua repartição de patentes, como eu estou sentado agora, o que aconteceria se houvesse um alçapão e eu começasse a cair? A cadeira sentiria o meu peso, mas a cadeira está a cair. Eu estou a cair com a cadeira, portanto, eu relativamente à cadeira não há peso nenhum. Portanto, estamos os dois em cada libra. Ou o que é que, antes disso, ele pensou assim, o que é que eu veria se fosse à velocidade de um fóton? Se fosse à velocidade da luz? E são coisas que parecem até atitudes infantis, não é? O que é que conseguir-se? O que é que conseguir-se? Mas é isso que lhe permitiu de algum modo imaginar o mundo. Agora, a grande conclusão é que ele teve a capacidade de imaginar o mundo tal como ele é. Nós podemos imaginar o mundo e depois falhar a correspondência com a realidade. Aqueles fulanos dos universos protoss nem sequer tentam a correspondência com a realidade porque não podem. Mas o Einstein conseguiu isso. Há uma anedota engraçadíssima, não sei se é real ou não. Eu não me adivinhava nada que fosse real. Fica como exercício aos nossos ouvintes averiguar se esta anedota é real ou não. Estava a visitar nos Estados Unidos com a sua mulher, a segunda, Elsa Einstein, que era prima dele. Estava a visitar o maior observatório astronómico, o Mount Wilson, nos Estados Unidos, onde o Hubble fez as suas observações da expansão do Universo. E a certa altura perguntou à mulher de Einstein, que não sabia nada de Física, ou sabia muito pouco de Física, sabia só, enfim, para alguma conversa lá em casa. Não tinha formação nessa área. Ao contrário da primeira mulher de Anderson, tinha sido seu colega na Universidade, na escola Filipe Tecna de Zurique. Perguntou ao diretor, muito orgulhoso, o diretor do observatório, Então, mas explica-me lá, para que é que isto serve tudo? Isto parece tudo muito caro, porque é que se... Ah, é... Aqui descobrimos os segredos do universo, disse-lhe muito orgulhoso o diretor. E ela respondeu, tem piada. O meu marido também faz isso, mas é nas costas do envelope. E portanto... E portanto é... Estava a referir-se à capacidade teórica. E portanto, isto passou-se na costa oeste dos Estados Unidos. E há outra história curiosa do Einstein com o Charlie Chaplin, em que estavam numa estreia de um filme e eles estão muito bem vestidos para a estreia e passaram na rua e as pessoas aplaudiram os dois porque conheceram os dois, o Einstein já era famoso, o Charlie Chaplin era famosíssimo e o Einstein comentou é estranho, assim aplaudem porque o compreendem bem. E a mim aplaudem porque não me compreendem.
Carlos Fiolhais
Porque não estava muito longe da verdade.
José Maria Pimentel
Mas o aplauso era o mesmo. O aplauso era para os dois. Portanto nós temos esta admiração por aquilo que percebemos e pelo que não percebemos, mas esperamos um dia vir a perceber.
Carlos Fiolhais
O Einstein é um bom ponto para voltarmos aos bracos negros, estamos a falar um bocadinho, porque os bracos negros são outro exemplo de uma previsão do modelo da relatividade geral, mas que depois só vieram ser comprovados mais tarde, não é? Sim. Porquê é que a teoria da relatividade os prevê? Demorou
José Maria Pimentel
algum tempo, não foi logo, mas se a teoria da relatividade prevê uma deformação do espaço-tempo, nós podemos pensar em deformações extremas, aquilo que se chama singularidades. E o buraco negro é isso. Do ponto de vista matemática é o sítio onde o espaço e o tempo acabam. É o sítio onde está a manter a energia de algum modo infinita e o espaço e o tempo colapsam. Há um horizonte também à volta, que é o tal como o horizonte para o universo todo, o horizonte de Cusbó, está ali um horizonte chamado Horizonte de Schwarzschild, o nome do matemático é alemão, que significa que, uma vez lá dentro, já não volta para dentro. Há um ponto de não retorno. Esta ideia dos buracos negros demorou algum tempo a impor-se. A palavra também é muito interessante, a origem da palavra, foi um físico, John Wheeler, que foi supervisor até do Richard Feynman, mas parece que a palavra era anterior a isso. Enfim, estou-me a lembrar que até o Stephen Hawking chegou a fazer apostas em que ele apostou que não existiam buracos negros e que... Ah, sim? Sim, ele gostava de apostar também para provocar outros. Os físicos são muito brincalhões. O Feynman era muito brincalhão, o Hawking era muito brincalhão. Sim, o Feynman até tem um livro... A aposta pequena era a assinatura da Playboy. Apostou com... Acho que até foi com o Kip Thorne e depois a certa altura provou-se, mostrou-se que havia o Buraco
Carlos Fiolhais
Griego. Mas porquê é que ele achava que não existia?
José Maria Pimentel
Porque ele era um indivíduo que gostava de... Enfim, é muito interessante.
Carlos Fiolhais
Mas agora, só para... O buraco negro no fundo é uma estrela que cresce tanto que a partir de certo ponto começa a colapsar sobre ela própria.
José Maria Pimentel
Há vários tipos de buracos negros. Os buracos negros mais pequenos são assim. Os buracos negros, por exemplo, que estão no centro da nossa galáxia, são milhões e milhões de estrelas, o que significa nós nem sabemos bem se foram estrelas que depois colapsaram juntas ou se foi a própria matéria que foi atraindo matéria e que nunca chegou a ser estrela de alguma forma. Ah, ok. E portanto há várias tipos, portanto há escalas muito diferentes de buracos negros. Aqueles buracos negros mais pequenos são de facto estrelas. O que é uma estrela como, sei lá, como eu falei daquela de Petaljéz, que é uma supergigante vermelha, a certa altura explode e lançando fora a supernova é isso. O Kepler chegou a observar, é muito raro, mas chegou a observar uma gigante vermelha no seu tempo. Pensa que uma supernova no seu tempo. E gigantes vermelhos nós observamos, Olhem para o Oriente, vejam uma mais avermelhada, que é essa. Vê-se bem porque é muito grande e tem essa cor vermelha. E o que é que acontece? O envolto vai para fora e fica lá dentro, eventualmente, uma de duas coisas. Ou uma chamada estrela de neutrões. O que é uma estrela de neutrões? É uma espécie de núcleo atómico gigantesco, os núcleos atómicos são muito pequeninos, mas têm proteínas e neutrões. Aquilo é como uma nucleotide, portanto, uma matéria extremamente pesada, extremamente tensa, mas tem muito mais neutrões do que proteínas e, portanto, basicamente é neutro. E esse é um objeto muito, muito, muito pesado. Estão a ver um objeto de 20 ou 30 quilómetros de raio, mas que tem, digamos, mais que a massa do Sol. E, de facto, é uma coisa extremamente... O Sol é muito maior que a Terra, portanto, é uma densidade brutal, a densidade da matéria nuclear. Mas é aguentado pela gravidade esse objeto. Portanto, é um objeto muito pesado, mas aguentado pela gravidade. E é muito curioso como é que... Enfim, é também a teoria quântica que permite-se perceber a estabilidade desses objetos. Mas pode acontecer que essa estabilidade não se verifique. Então, quando não é estável o objeto, quando há um colapso gravitacional total, temos o buraco negro. E são esses buracos negros que sabemos que existem. Primeiro por meios indiretos, eu vou dizer um meio indireto. E a discussão no tempo do Hawking era essa. A matéria da aposta. Havia uma certa estrela, uma certa constelação. As estrelas geralmente são binárias. Na maior parte das estrelas, somente o nosso Sol é uma exceção. Ainda bem, porque se a nossa estrela fosse dupla, outras eram Júpiter, que fosse maior, e então não havia estabilidade, sei lá, até para o aparecimento da vida na Terra, que é muito importante haver estabilidade. Aliás, se calhar a própria Terra não teria tempo suficiente para o aparecimento de vida porque cairia sobre uma das estrelas. As árvores são instáveis quando temos um problema de dois corpos. E o que é que acontece? Via-se uma estrela, a outra não se via, mas observava-se através de raios X um sugadouro de matéria de uma das estrelas para a outra. E só que significava que havia ali um centro de atração muito poderoso. Invisível. Ou só visível indiretamente. E a discussão do Hawking com era muito essa, com o Thorne era muito essa, fizeram uma aposta. Mas às vezes os físicos também gostam de apostar em coisas que não acreditam plenamente, porque ganham de duas maneiras. O Hawking, deixa-me explicar a história do Hawking. O Hawking trabalhou toda a sua vida em buracos negros. E ele, tentando casar a tal história da relatividade com a teoria quântica, propôs, embora isto nunca foi medido e nunca foi observado e ele, portanto, nunca ganhou o Prémio Nobel, porque não há uma base firme para isso, mas talvez pudesse ter ganho. Mas A questão é, ele propôs que os buracos negros afinal não eram negros, que nas bordas do buraco negro-campo é tão intenso que havia efeitos de criação, matéria-antimatéria, criação de
Carlos Fiolhais
partículas e... É a radiação, tem o nome de radiação? Tem
José Maria Pimentel
o nome de radiação docking, mas essa radiação docking faz portanto evaporar os buracos negros.
Carlos Fiolhais
Mas muito lentamente.
José Maria Pimentel
Sim, e depende agora do tamanho. Depende agora do tamanho. Se forem grandes é muito lentamente, se forem pequenos, muito rapidamente. E, portanto, nós até esperamos, sei lá, até está a mini buracos negros. Alguns podem ter vindo do Big Bang. Houve até, na altura em que se abriu o colisionador, o LHC, houve alguns cidadãos que sabiam um pouco de ciência, mas que puseram em tribunal uma providência cautelar, porque pensavam que aqueles colisões podiam produzir mini-buracos negros e um mini-buraco negro podia crescer, engolindo a Terra e fazendo um apocalipse, o final era o fim do mundo. E depois os juízes, felizmente, chamaram os físicos e os físicos explicaram que as energias que ali estavam em causa eram energias do mesmo tipo que alguns raios cósmicos, que são partículas e radiações de partículas muitas vezes vindas dessas pernovas. Um chuveiro cósmico bate nas altas camadas da atmosfera e a intensidade é tanta como aquela que se ia reproduzir na Terra, o que significa que se pudessem formar buracos negros já tinham acontecido naturalmente e nós já cá não estávamos para ver. E o juiz não deu seguimento à providência cautelar. Há buracos negros em princípio de todos os tamanhos e evaporam com velocidades diferentes conforme os tamanhos. E ele estudou isso e era um indivíduo muito, muito capaz, apesar de fisicamente ter a incapacidade que todos nós conhecemos, e ele teve uma atração mediática extraordinária. Foi, digamos, um dos maiores comunicadores de ciência, precisamente a pessoa que mais dificuldade tinha em comunicar de viva a voz, nem voz tinha. O que mostra, digamos, a possibilidade que temos de superar as nossas limitações. Sim, sim, sim. Alguém que não pode falar é a pessoa mais escutada. É o símbolo também de um cérebro que está contido dentro de um corpo, em que é prisioneiro do seu corpo, mas um cérebro que consegue fugir daquela prisão e consegue, com a ajuda da empatia, naturalmente cria o facto de ele estar preso, e nós, enfim, nós tínhamos uma simpatia enorme. Vimos todos aquele filme da... Diria tudo, em que de facto é a história de amor do Stephen Hawking. E porquê que ele tinha essa atração pelos bracos negros? E porquê
Carlos Fiolhais
que esse é o... Atração aqui sem trucadilho. Sim, sim.
José Maria Pimentel
Também teve atração pela mulher. E depois se divorciou e depois teve uma atração e casou-se com uma enfermeira. Mas eu
Carlos Fiolhais
digo, porquê é que o fenómeno dos buracos negros é tão
José Maria Pimentel
popular, digamos assim? É muito simples, é o fim do mundo, é o desconhecido, é o mistério, é o abismo cósmico e é um tema que nos atrai. E também levanta
Carlos Fiolhais
algumas questões, porque eu lembro de ler, por exemplo, que esses buracos negros super maciços, estou a trazer para o português, como os que há no centro da nossa
José Maria Pimentel
galáxia,
Carlos Fiolhais
levantam algumas questões também, por serem de certa forma, aparentemente, impossíveis de existir daquela dimensão desde o Big Bang. Ou seja, não tem passado tempo suficiente para ele ser atingido. Vamos
José Maria Pimentel
lá ver. É verdade que colocam alguns problemas sobre a origem deles. Nós hoje pensamos que as galáxias têm todas essas lá no meio, aquele motor, vamos chamar assim, aquele centro. É o sol de
Carlos Fiolhais
todos os sols.
José Maria Pimentel
E algumas estão muito distantes, estão há muito tempo e, portanto, são mais contemporâneas do Big Bang. São os quasares, que também são objetos misteriosos, são os objetos mais distantes que conhecemos, mas que são núcleos ativos de galáxias e portanto, eventualmente, buracos de supermassif, há um grande mistério sobre isso. Mas nós não temos neste momento teoria alternativa ao Big Bang. Não Sabemos o que é que foi, é o início de tudo e os primeiros instantes estão em grande mistério.
Carlos Fiolhais
Mas nós não
José Maria Pimentel
podemos... A data está relativamente fixa, 14 mil milhões de anos, enfim, mais coisa menos coisa, mas a incerteza é relativamente pequena. Mas nós, por exemplo, não podemos dizer, não sabemos mesmo quase nada sobre o início. Nós não podemos dizer, por exemplo, que não houve nada anterior. Por exemplo, um dos recipientes do Prémio Nobel da Física deste ano é Roger Penrose, um físico teórico britânico, que até defende, é uma mente, enfim, inquieta, que gosta de imaginar
Carlos Fiolhais
coisas. Pode ser uma boa ponta para a recomendação dos livros.
José Maria Pimentel
Exatamente. E o Roger Penrose, o Prémio Nova foi atribuído a duas pessoas, metade para o Roger Penrose, que é um teórico, e portanto dá o modo, o Stephen Hawking também podia ter recebido, porque também é um teórico, e eles têm vários artigos em conjunto, e portanto, trabalhavam os dois em buracos negros, embora o Roger Penrose fosse muito mais eclético. Está vivo, felizmente, e recebeu o Prémio Nobel pela sua descoberta da... A formação do buraco negro tinha uma base segura na Teoria da Realidade Geral. Por outras palavras, ele faz um teorema que permite a justificação do aparecimento de buracos negros. Coloca o buraco negro em base sólida. Exato. O buraco negro já tinha, no Prémio Nobel 2017, já tinha sido certificado através das ondas gravitacionais, mas agora era a base teórica ligando, digamos, mais diretamente o Einstein. E a outra metade foi para dois astrónomos, um alemão, Reinhard Ginzel, e uma americana. Elas estão, as mulheres, a aparecer, e estão a aparecer em várias, em força, em vários Nobel, na literatura. Já havia, enfim, já, na literatura não era tanta, O júri não era tão machista como por vezes nos ramos da ciência, mas apareceu uma senhora, Andréa Gué, que é simplesmente a quarta mulher a ganhar o Prêmio de Aula da Física, que é muito pouco, muito pouco. A Madame Curie foi uma delas, a Bova Maria Maier e as outras duas são muito recentes. Portanto, é incrível como é que as mulheres têm, digamos, um trabalho tão pouco retribuído. E na astrofísica há muitas e brilhantes mulheres. E então, Rainer Gensel e Andréa Guedes descobriram esse objeto compacto, super maciço, que se acha muito bem, que está no centro da nossa galáxia. Como é que eles descobriram, digamos, a massa desse objeto? Para já é muito difícil ver esse objeto, porque o disco da nossa galáxia é relativamente plano e há muitas estrelas entre nós. Nós estamos a dois terços do caminho para a periferia. Aquilo tem os braços e há muitas estrelas entre nós e o centro. Portanto, o caminho de visibilidade está muito tapado. Mas eles conseguiram seguir estrelas que estão muito perto do centro, que andam muito rápido, que andam muito rápido, são coisas muito difíceis de observar e eles, pela velocidade dessas estrelas, conseguiram saber a massa que estava lá, que era o centro da atração. E é extraordinário porque isso é um trabalho muito meticuloso, um trabalho muito cuidadoso e, portanto, o buraco negro da nossa galáxia ainda não foi fotografado. Há dificuldades, mas também há tentativas, mas já foi fotografado um buraco negro que foi com radiotelescópios. E aquela fotografia que vemos de um buraco negro que apareceu há um ano até, não foi há muito tempo, Não é uma fotografia no sentido convencional. Portanto, não é fazer assim no botão. Para já não é luz visível. Segundo, é uma exposição longa.
Carlos Fiolhais
Mas nós temos a
José Maria Pimentel
esperança de também fotografar o buraco negro. Ainda
Carlos Fiolhais
assim foi uma operação europeia essa
José Maria Pimentel
fotografia. Sim, sim, sim. E portanto, começamos a ver os buracos negros, é que é uma espécie de paradoxo, não é? Mas vemos o escuro e vemos o que está à volta. Vemos o que está à volta, não é? Vemos ali, De algum modo, vemos ali as fronteiras do conhecido e eu acho que os buracos negros são... O nome também é bom, não é? Os físicos são os mais publicitários. O nome é mais galhado, sim. Alguns físicos... Exatamente. Alguns físicos podiam ir para a publicidade, podiam ir para as agências publicitárias. O Einstein, que é a palavra de Deus, sabe? Deus não joga aos dados. Quer dizer que o mundo, se calhar, não é quântico, não é por probabilidades. É uma frase publicitária de grande efeito. Deus é subtil, mas não é malicioso. Quer dizer que as leis da natureza são complicadas, mas no entanto não são inacessíveis. E, portanto, sobre o Roger Penrose, então eu tenho uma grande admiração por este físico, é um físico teórico, eu sou também físico teórico, porque ele não apenas trabalhou em Relatividade Geral, ganhou o Prémio Nobel por causa de teoremas que ele tem sobre buracos negros, mas ele trabalhou noutros ramos da física. Ele trabalhou, por exemplo, até numa coisa que tem a ver com estética, falamos da relação entre arte e estética. Trabalhou em pavimentações, mosaicos, portanto, coisas que têm a ver com pavimentações não periódicas, quase cristais. Também já deu um prémio Nobel. Os quase cristais são cobrir o espaço todo, mas não de uma forma absolutamente periódica. E ele é muito motivado por aquelas figuras de pavimentações do Escher, um grande artista holandês que faz gravuras fantásticas em que, por um lado, há uma divisão do espaço, mas essa divisão não é feita de uma maneira repetitiva, é feita com variações. E o Roger Penrose, há os cristais de Penrose. E não apenas isso. Eu lembro que ele a certa altura propôs coisas que são, de algum modo, provocações. Não há certeza. Nem é acompanhado pelo mérito das pessoas, mas ele acha que meteu-se na questão do cérebro, do funcionamento do cérebro, está a tal última fronteira, com a qual vamos explicar a consciência. O eu, o que é isso do eu? E ele meteu-se, disse que havia fenómenos quânticos. Claro que a gente sabe que há fenómenos quânticos, porque a química é quântica, quer dizer, só as leis da física quântica é que permitem explicar a ligação química. E os neurónios que estão no nosso cérebro, nós vemos que são células e as células há a maquinaria fisico-química. Mas ele diz que do ponto de vista fisiológico havia sítios em que se passavam fenómenos a uma escala microscópica, portanto fenómenos quânticos, que estariam na base. Foi acompanhado... Na consciência. Exatamente, por um outro, um autórido de base médica, que fez com eles. Mas esses artigos foram muito contestados. Mas, de algum modo, desafiaram pessoas para perceber o que é inteligência. Será que há qualquer coisa de estranho na inteligência? Eu
Carlos Fiolhais
não sei se foi o Penrose que postulou a existência de uma espécie de partícula da consciência enquanto partícula fundamental. Não sei se isso é dele.
José Maria Pimentel
Eu acho que não. É mais especulativo. Sim, mas não era bem isso. Era um mecanismo dentro da base neuronal, mas que havia de algum modo um fenómeno que não era tipo convencional para explicar a capacidade que o cérebro, não só humano, o cérebro de outros animais também, porque há um contínuo, tem. Eu tenho aqui até, eu recomendo dois livros do Roger Penrose, aliás ele tem vários em português, alguns são mais difíceis de perceber, mas é uma mente de facto brilhante, é uma mente que se preocupa com várias coisas, ainda está felizmente viva e ativa e vai além das soluções convencionais. Ele pode estar errado, mas ousa estar errado. Isso é muito importante. Especular. Quer dizer, há um bocado eu critiquei um bocadinho aqueles universos paralelos, mas eu acho que é útil as pessoas pensarem fora da caixa. Neste caso é fora do universo. É completamente fora da caixa. E tenho aqui dois livros da coleção Ciência Aberta da Gradiva, que tenho o gosto de dirigir, que já tem algum tempo, mas que são especulações do Roger Penrose. Um, Ciclos de Tempo, uma visão nova e extraordinária do Universo, que é um livro em que ele fala do tempo cíclico, quer dizer, da possibilidade de ter havido um tempo anterior ao Big Bang, portanto ter havido um universo antes do Big Bang e ter havido ali, de algum modo, um túnel entre o universo anterior e o nosso universo. Claro que a informação do universo anterior terá toda apagada.
Carlos Fiolhais
Portanto, também não é mesurável.
José Maria Pimentel
Exatamente. Seria uma espécie do universo paralelo anterior. Não podemos dizer muito sobre isso, mas a ideia é sedutora, porque nós temos a questão do finito e do infinito. Quando temos a teoria do Big Bang, dizemos que o universo é semi-eterno, quer dizer, é eterno para a frente e não existia para trás. E o espaço e o tempo surgiam ao mesmo tempo. E é essa ideia que é o que encontramos no mundo, o mundo é como é, não fomos nós que o fizemos, mas para muita gente é insatisfazória, gostavam de ter algo infinito. Infinito para os dois lados, eterno para os dois lados, verdadeiramente eterno. E ele vai por
Carlos Fiolhais
isso... Sim, de certo, por acaso é um paradoxo engraçado porque de certa forma no cosmos é mais difícil explicar o finito do que o infinito, não é? Exatamente. E ele vai de algum modo dizer que
José Maria Pimentel
o nosso universo é um mundo novo que vem do mundo antigo. Hum. Por outras palavras, é uma novidade, é uma novidade. E se calhar isso dá-nos a possibilidade de universos bebés infinitos virem a nascer deste universo e eventualmente outros não sabemos em que circunstância. E ele discute esta questão, fornece aqui algumas, está ali cerçado, até tem um apêndice matemático para assustar quem quiser ser assustado com as equações. Mas o resto, a primeira parte lê-se bem e é muito interessante, quem não souber a letra vê a música, porque há aqui uma música da procura do mais além. E há um outro, então, este é o 124 da Coleção de Ciência Aberta, em que ele é um diálogo, não apenas dele, mas com filósofos da mente, a questão do que é a mente humana. Há também um texto aqui do Stephen Hawking, em que ele fala de mistérios de física quântica, mas também é física e a mente. Nancy Cartwright, a Abner Shimoni. O Shimoni é professor de Filosofia e Física, a Universidade de Boston, nas duas coisas, Filosofia e Física. Nancy Cartwright é professor de Filosofia Lógica e Médio Científico no Estudo de Economia e Ciência Política de Londres. No Estudo de Economia e Ciência Política também tem uma professora de Filosofia Lógica e Médio Científica. E a questão aqui é muito interessante, é falar dos grandes mistérios do mundo e falar se calhar, talvez seja esse mesmo o maior mistério de todos, talvez seja esse. Quem somos nós? Já estava escrito no templo de Apolo em Delfos. Conheces-te a ti mesmo. Quem somos nós? Nós vivemos neste mundo grande, está começado pelo Big Bang, cheio de espaço vazio, com matéria negra, matéria escura, energia escura. Somos nós que compreendemos o universo, até ver, não há mais ninguém que o possa fazer, mas o nosso cérebro é uma parte do universo. E deve ser, portanto, uma parte do nosso objeto de conhecimento. Deve ser objeto do nosso conhecimento. Mas aqui há também um paradoxo, quer dizer, há aqui uma autoação, nós estamos a olhar para dentro. Com todos os problemas que daí vêm. Com todos os problemas que daí vêm. Porque ninguém é bom observador de si próprio. Mas há várias maneiras de ver o interior de nós. Começamos por usar, sei lá, a própria filosofia. Penso, logo existo. A introspeção, a literatura. É muito interessante as coisas que se pode ler. O Marcel Proust, até podemos quase dizer que o Marcel Proust não era o cientista. Há um livro com esse título, porquê? Porque ele, para saber os mecanismos da memória, leia-se o Marcel Proust. Mas depois há as imagens. É o do Holland Button, não é? Não, é outro. É
Carlos Fiolhais
o do Holland Button, é diferente. Já não sei
José Maria Pimentel
qual é o título. O que acontece é que temos também imagens hoje, aqueles métodos de ressonância magnética dinâmica, MRI, fMRI funcional, ver o cérebro. E nós hoje sabemos, sei lá, associar certos pensamentos a funcionamentar este cérebro. Quase pela observação sabemos o que a pessoa está a pensar, quase que podemos ler, ou podemos mesmo ler o interior dos nossos pensamentos. Isso pode ser uma coisa perigosa também. E por último, esta questão da inteligência artificial, estamos a construir modelos que de algum modo adquirem capacidade do nosso cérebro. O que é que o nosso cérebro faz? O nosso cérebro consegue fazer modelos da realidade, consegue adaptar, consegue aprender e a questão é, os nossos máquinas de algum modo aprendem. A Inteligência Artificial é isso, a Inteligência Artificial é a capacidade de aprendizagem. Foram muito modelados pelos neurônios, ainda hoje se usam redes neuronais, por outras palavras, em muitos casos não apenas, mas em muitos casos é modelado pelo nosso cérebro, O nosso cérebro é a inspiração a novas máquinas. Será o cérebro é uma máquina? É uma máquina muito especial. É uma máquina capaz de coisas assombrosas. É uma máquina que, neste momento, é muito mais capaz de todas as máquinas que esta nossa máquina fez. E, portanto, é uma máquina que não para de nos surpreender a nós próprios, apesar de nós sermos donos, em traspas, dela. Há uma Poetisa americana, poeta ou poetisa, muito conhecida, um grande personagem da literatura, Emily Dickinson, que tem um verso que é sobre o cérebro e o céu. Ela, Emily Dickinson, disse só, o cérebro é mais amplo do que o céu, pois, colocá-los lado a lado, um ou outro irá conter facilmente e a voz também. Isto é uma coisa extraordinária, porque diz que o infinito do cosmos está dentro de nós. O nosso cérebro é tão infinito como o cosmos do qual ele faz parte.
Carlos Fiolhais
É uma excelente maneira de terminarmos. Carlos Filhares, muito obrigado.
José Maria Pimentel
Obrigado, Bel. Foi um
Carlos Fiolhais
gosto. Este episódio foi editado por Martim Cunha Rio. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Paulo Peralta, João Baltazar, Tiago Leite, Carlos Martins, Joana Faria Alves, a família Galaró, Corto Lemos, Margarida Varela, Gustavo, Gonçalo Monteiro, Felipe Caires, Miguel Marques, Nuno Costa, Nuno Pinheiro, Francisco Armando Gildo, Mário Lourenço, João Ribeiro e Miguel Vassal. Até no próximo episódio.