#98 António Gomes - o eleitor português, o futuro dos jornais, big data e muito mais
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José Maria Pimentel
Muito bem-vindo ao 45 Horários, António. Olá. Tu tens... Já há muitos
anos de observar os seus seres humanos, em particular os humanos, que
vivem por Portugal. Então são uma série de coisas, desde o geral
da GFKP Métricos, uma empresa que faz parte da multinacional de estudos
de mercado GFKP. O convidado tem uma carreira de mais de 25
anos nesta área de estudos de mercado, onde tem trabalhado para vários
setores e indústrias, como por exemplo o setor da saúde, da comunicação
social, do que é que tu tens estado a observar ao longo
dos últimos anos? Como sabem, pelo tipo de temas que aborda, cabo
muitas vezes por conversar com investigadores e professores do MCT. Não posso
propriamente questionar dos resultados, mas lembraremos de convidar o António para o
podcast precisamente porque a
António Gomes
vídeo, até à próxima, deixo um pouquinho com António Gomes. Isso, exato.
Então é que sei. Bom, só sei que o Filipe aí me
exige, mas olhe, Inés, quando vamos fazer esta porcaria, salve seja, porque
antes disso temos que saber se os portugueses sabem do facto. E
o mais provável é que vamos gastar, entre aspas, consumir imensas entrevistas
para perguntar, ouviu falar deste caso em que o ministro disse isto
e isto e vamos ter e-mails que não ouviram. Por um lado
tens aqui uma questão que é a dimensão do desconhecimento. A imprensa
ou a mídia em geral faz eco de eventos que no fundo
faz parte deste mundo da comunicação social, onde todos discutem intensamente factos
políticos e nem todos têm a importância que a população desatribui. O
bom senso digo numa perspectiva que é quando a demagogia é em
excesso, por uma razão ou por outra, o eleitorado em geral é
mais ponderado do que aquilo que, insisto, os policiais possam pensar. Uma
das coisas que eu acho mais curiosas, por exemplo, foi o resultado
do referendo à regionalização, como sabes foi feito há muitos anos, e
também o tema só agora é que voltou a estar na agenda,
dada a natureza da votação e da forma como votaram, mas eu
acho delicioso, porque na altura, se te recordas, o Presidente de Fogo
do Porto de Pinto da Costa foi um dos envolvidos e um
dos que mais deu a cara pelo tema. E portanto esperava-se um
resultado renido, mais ou menos aconteceu, não significativamente renido, mas eu achei
curioso que o referendo só passa, ou seja, a votação a favor
da regionalização, só passou no Conselho do Porto, em todo o grande
Porto, E recordo-me que ele próprio dizia o Porto vai todo votar
a favor da regionalização. Portanto, agora, eu não estou a atribuir à
decisão de não avançar com a regionalização um cariz de... Essa era
a posição correta e em consequência disso revelou bom senso. Bom senso
foi naquilo que foi, se quiseres, a natureza dos argumentos apresentados para
que se votasse de uma determinada maneira e as pessoas não foram
atrás disso. Entendes? Quanto aos consumidores, eu penso que nós estamos a
viver... Não é por acaso, esta fase muito singular da pandemia há
de trazer certamente consequências. Mas eu diria que o último grande facto
relevante que de alguma forma condicionou o comportamento dos portugueses estamos a
falar de major trends, ou seja, grandes tendências foi inequivocamente a crise,
ok? A crise que é de 2009, naquilo que tem a ver
com a parte financeira,
que é o primeiro
momento dito, mas que depois...
António Gomes
Exatamente. Onde, se quiseres, o facto mais relevante foi, inequivocamente, nós na
altura chamávamos as micro-tendências que íamos apanhando a afirmação do homo-económicos ou
homem racional-económicos. O que tu vistes foi um movimento mais ou menos
deste tipo, com um downplay de uma despromoção de categorias de consumo
em que no entender do consumidor não valia a pena ir atrás,
digamos assim, de um custo em excesso por troca do branding e
da promessa aspiracional da marca e em contrapartida fazer uma gestão mais
racional da carteira, guardando esse espaço da marca e em consequência da
presunção de qualidade para determinadas categorias. No fundo, tiveste uma troca. Eu
costumo usar o exemplo, se calhar até à altura as pessoas, não
dando muita importância, mas chegavam à prateleira e compravam uma caixa de
fósforos como um ato normal de algo que não olhavam para o
respectivo valor e até o preço da caixa de fósforos e em
consequência da marca começaram a não o fazer.
António Gomes
Exatamente. As marcas do retalho ganharam uma projeção muito significativa. Provavelmente há
alguns especialistas da área de educação que essa tendência a firmar-se independentemente
da própria crise, isto é, isso tem a ver com as tendências
de evolução do retalho, que invariavelmente um dia assumiram este papel de
player e tens categorias onde o retalho tem um peso absolutamente inacreditável
nas marcas aliás tens situações onde o retalho basicamente quase que faz
life saving de marcas concorrentes para não ter 100% de cota de
mercado porque lá está... Como
é que é?
Desculpa, agora não percebi. Tens categorias onde o retalho tem que apoiar
os pequenos produtores para que não tenham 100% de cota no mercado,
porque senão aquilo pode gerar problema. Não é só em Portugal, é
na Europa em geral, nomeadamente na Europa, onde é difícil tu conseguires
concorrer. E lá está. Se estiveres a falar deste tipo de categorias
que sofreram uma despromoção significativa decorrente das pessoas terem muito menos rendimentos
e portanto vou viver com metade ou dois terços do que tinha,
como é que eu vou fazer em relação aos consumos que realizava?
Temos tudo o que tem a ver com consumos não de bens
de primeira necessidade, tudo o resto, vou negociar o contrato de telecomunicações,
vou renegociar o contrato da televisão, whatever, e dos seguros, por exemplo,
se quiseres, mas também vou alterar o meu padrão de consumo. Eu
diria que a fase da crise foi uma fase relevante em que
se assistiu muito a
António Gomes
foi uma luta, vamos lá ver, as marcas, fabricantes e marcas continuam
a ter e continuarão a perpetuar uma guerra entre aspas muito significativa
e expressiva com a distribuição, até uma das... Eu recolhei... Uma vez
fui a um cliente e um grande fabricante muito conhecido, um dos
maiores players, e estava a passar por uma sala na CAVE e
ouvia-se uns gritos enormes lá e a esta-te-as eu estranhei e pensei,
isto é uma empresa, uma multinacional, o que é que se passa
aqui? E a pessoa me ia levar para a sala de dia
ter reunião. Já se fosse para mim dizer assim, apá António não
ligo. Isto é onde é a sala da negociação para lidarmos com
a distribuição moderna. Que retalhe-o a sério. Sim, sim, nós temos role
playing e treino para andar aos gritos com a distribuição. Bom, se
isto está assim, imagino como é que a coisa vai ser. Mas
sim, as marcas tiveram que apelar a esses elementos de natureza funcional
e não só. Houve um bocadinho de tudo, ou seja, criar sub-brands,
sub-marcas, criar produtos com... Ou seja, apelar também à componente da qualidade.
Também tiveste aqui e ali a sensação de que, repara que tu
próprio usaste uma linguagem que a distribuição detesta, ao retalho que é
a marca branca, reparaste o branco, esta noção de ambas as partes
houve uma luta relativamente a este tema, que não está terminada, mas
que teve muito a ver também com este fenómeno que eu disse.
Acho que hoje a pandemia e a pós-pandemia trará também algumas alterações
significativas de comportamento por parte dos consumidores. Aguardemos. Deixa-me dizer-te, tal como
as ditas marcas de distribuição. Também a parte dos genéricos. Foi por
nos últimos 10 anos que ganhou um impulso. É verdade que os
genéricos, na parte que tem a ver com a indústria farmacêutica, também
têm este impulso alavancado em medidas de decisão política e, portanto, há
aqui uma promoção proactiva de uma diminuição do preço dos medicamentos e,
em consequência disso, dos ditos genéricos, mas que de alguma forma andam
atrás disto, como eu disse, que é uma alteração do comportamento por
parte dos consumidores às grandes alterações. Há pequenas coisas que não são
grandes, mas que são relevantes, provavelmente faltaremos sobre elas mais à frente,
sobre o peso do canal online e, portanto, aquilo que é hoje
o comportamento de compra prevido online e, em consequência disso, quanto é
que isso determina uma alteração dos hábitos de consumo por parte dos
portugueses. Deixa-me dizer-te que eu acho que o pós-crise trouxe alguma euforia.
No fundo foi uma euforia...
Compensação.
Sim, uma compensação que, repara, acabou por bater contra este muro enorme
em março de 2020, que está pelo nome de Covid e que
fez parar tudo, mas a verdade é que vivias pretty much num
clima bom, onde tinhas as pessoas otimistas, entusiasmadas, muitos turistas, muitas formas
mais ou menos protocoladas e formais de ganhar dinheiro, mas havia um
bocadinho de tudo. Estás a ver? Ah, eu vou abrir um alojamento
local, ah eu tenho uma... Não sei, whatever. Moldes de coisas que
criava. E isso fez com que houvesse um aumento do consumo e
houvesse o espaço para que as marcas voltassem a ocupar o seu
natural lugar, que quando eu digo natural é no sentido de ter
uma componente aspiracional e atraindo por isso mais o consumidor, ou pelo
menos desafiando-o a voltar a considerá-las e a pagar mais pelo respectivo
valor.
António Gomes
Não, não, não. O almoço económico deixou lições, entendes? Se tu pensares,
este fenómeno não foi só cá. Lembra-te de coisas como os coupon
groups, lembra-te de coisas como os descontos pague dois, leve quatro e
descontos imediatos. Tudo o que foi usado, abusado e que se manteve
ou que tende a manter-se e a perpetuar-se como mecanismos dentro do
universo das promoções e dos descontos, isso veio e não se alterou.
E o consumidor trabalha e procura ativo e proativamente esses benefícios e
isso foi, se quiser, um dos vestígios dessa altura. Percebes? E portanto
não, não há um regresso a uma inconsciência de não olhar para
os preços. Hoje estão mais cuidadosas. O que há é... Os consumos
não se limitam, só a mais primeira necessidade e portanto houve mais
espaço para se quiseres aquilo e o mimo, procurar dimensões no limite
até de bem estar com um custo associado, mas que, olha, já
tenho dinheiro na carteira, já posso fazer certas coisas que não fazia
anteriormente. E um mimo pode ser ir comer fora mais vezes, entende-se?
Passa por estas coisas, não tem que necessariamente ir a um spa
ou passar um fim de semana fora. Mas, na verdade, pouco e
poucas pessoas voltaram a níveis de consumo, se quiseres, próximos do que
existiam antes da dita crise financeira de 2009. Em relação à dimensão
dos espectadores, e só para terminar, falaste-me de três dimensões, assim muito
rapidamente. Bom, aqui há uma mudança que tem a ver com esta
inevitável progressão e manutenção e persistência daquilo que são os fenómenos associados
à internet, e eu digo internet para se perceber os consumos em
redes sociais e sete redes sociais, tudo o que tem a ver
com as ofertas no universo do streaming, portanto esta luta não fácil
entre, por exemplo, canais editos generalistas, FTAs e os conteúdos por cabo
e também os conteúdos de streaming as mudanças que isso suscitou, eu
aí acho que há alguns temas complexos que ainda não estão... Eu
não tenho uma decisão ou não há uma decisão, uma ideia completamente
fechada sobre como é que tudo isto se resolverá, mas recordo-me, porque
a minha formação é em psicologia, de que o ser humano é
um ser eminentemente social e é preciso que para essas dimensões sociais
existam conteúdos que gerem o princípio do bonding, ou seja, te estás
com alguém e tens alguma coisa com quem falar. E das duas,
uma, os conteúdos audiovisuais deixam de o ser e portanto passa a
ser um consumo monádico e é só para mim e eu vejo
uma série e mais ninguém vai poder vê-la pela razão de que
não tarda muito. A oferta é quase nominal, estou a exagerar, mas
se quiseres é muito tribalista e portanto não dá. Estamos 10 pessoas
num café e eu ontem vi um IPJ disto e daquilo, não
conheço, eu também não. Mas devias ver, mas como é que eu
vou ver? Se eu estou a
António Gomes
mais aquela? Isso por exemplo, e paradoxalmente pode abrir espaço a outras
indústrias de entretenimento para vingarem como o elemento socialmente aglutinador ou agregador.
Doutor, um exemplo. A indústria do desporto pode explorar isso. Porquê? Porque
no matter what, o desporto é sempre o desporto. O jogo é
sempre aquele jogo. Há de ser o Sporting Benfica, ou o Sporting
Porto, o Derby, ou algo assim, não sei, é um jogo qualquer
este fim de semana, mas é um exemplo. E até o que
ele é suficientemente aglutinador e agregador. Na segunda toda a gente vai
falar daquilo porque não há mais. Há mais desportos, mas o futebol
tem essa vantagem. É o incumbente, o futebol é aquilo que... Podes
desafiar a indústria do entretenimento por causa do quanto o streaming impacta.
E
António Gomes
dizer é isso. E tens sempre um tema para falar. Se tu
vais cortar o cabelo ao barbário, na segunda-feira a primeira coisa é...
Então, pá, o Sporting lá ganhou, já não podes dizer, então, a
novela do não sei quê. Ou a série. Porque se calhar o
senhor vai-te dizer, ah não, eu estou a ver uma série da
HBO e tu, a sério, percebes? É curioso isso que diz. Eu
acho que esse equilíbrio não está construído, mas forçosamente tem que ser
construído. Será tribalista? Ah pá, inevitável. Tu notas que eu tenho dois
miúdos em casa com 17 anos e um com 15 e é
por mais visível que cada um consome lá as suas próprias coisas
e essas coisas faz com que sejam subgrupos de subgrupos. Quer dizer,
o mais velho fala com os colegas de um tipo de séries,
o mais novo de outro tipo de séries, mas depois aparece Stranger
Things que é aglutinador em eles. Quando eles estão juntos lá todos
ao almoço e têm dois amigos de repente, viste onde tinham o
IPA? E lá está. Porque senão eles não conseguem
comunicar. Estás a
dizer que eles precisam dessas coisas, precisam desse momento. O ser humano
precisa e eles também, todos nós precisamos. Como é que nós comunicamos
uns com os outros? A verdade é que do ponto de vista
daquilo que é o principal meio para o conteúdo audiovisual que é
a televisão, a televisão foi sempre pródiga em proporcionar esses momentos. Seja
da primeira grande novela à Gabriela e depois disso concursos de televisão,
pessoas ou protagonistas da televisão, por uma razão ou por outra, têm
esse efeito. Repara uma coisa, há pessoas, se calhar eu, no limite,
que falo de uma profissional como a Cristina Ferreira sem nunca ter
visto a Cristina Ferreira uma única vez. Quer dizer, eu já vi
pedacinhos de coisas que a Cristina Ferreira fez, mas estar a vê-la,
imagina, de manhã, quando ela tinha operado, eu nunca vi. Mas sinto-me
à vontade para falar. E isso é um elemento que em si
mesmo me põe à vontade, porque se eu na segunda-feira o barbeiro
me cera ou o cabelareiro, então e a Cristina? Eu tenho qualquer
coisa para dizer. Percebe? É como o Ronaldo, por exemplo, funciona assim
mesmo para pessoas que não gostam de futebol, que é curioso. Sim,
sim, exatamente. Eu creio que este fenómeno de tensão entre streaming, cabo,
utilização da televisão para outros usos que não, ver conteúdos audiovisuais, lá
e esse, FTAs e não só, tudo isto tem que chegar a
um ponto e tem que se gerar um ponto de equilíbrio. Eu
acho que esse ponto de equilíbrio existe, é óbvio que prejudicou em
número de horas não sumidas os canais generalistas, agora eu acho que
haverá aqui um balanceamento e um equilíbrio. Por outro lado, as grandes
Entidades de streaming estão, em alguns casos, não sei se com dinheiro...
Isto é, com dinheiro estão certamente... Não sei se estão economicamente bem,
mas dinheiro não falta para as Netflix e para HBO da vida.
Vamos continuar a produzir coisas absolutamente extraordinárias em preço, depois extraordinárias também
em qualidade. Não sei se haverá tempo ou espaço para que o
mundo ocidental consuma estas coisas. Porque depois é preciso não esquecer-te, pois
existem todos os outros conteúdos, conteúdos não exagerados, todos os dias, seja
no YouTube, no TikTok, seja um podcast. Exatamente.
José Maria Pimentel
Isso que estás a dizer é engraçado porque o mundo dos podcasts,
por exemplo, enquadra-se acho que até mais do que o mundo das
séries, nessa lógica mais personalizada, ou seja, tu ouves um determinado leque
de podcast e é muito difícil que ele coincida exatamente com o
que um determinado amigo teu ouve. Pode haver um ou outro que
vocês têm em comum. Aliás, essa é uma das coisas que se
fala em relação ao caso português, é que há quem diga que
é por isso que os podcasts, apesar de ainda não descolaram a
sério como descolaram em outros países, é que tu ainda não tiveste
um podcast agregador como o Serial, por exemplo, nos Estados Unidos. Que
é um podcast, é uma história de crime e que de repente
toda a gente via. Ou o podcast do Joe Rogan, por exemplo,
que é muito ouvido. Tu aqui ainda não tens muito isso, ou
seja, as pessoas tendem cada um a ouvir os seus e isso
também provoca, retira essa possibilidade aglutinadora, no fundo, a possibilidade da pessoa
ter uma partilha, ter a possibilidade de comentar com outras pessoas e
se calhar, diria eu, abre mais espaço para que essa aglutinação tenha
que vir de outros meios, como por exemplo do meio tradicional como
a televisão, sei lá, o córrego para o tipo de pessoa, por
exemplo, que ouve este podcast, por exemplo ou que faz, portanto, é
isto também que eu queria incluir. O programa do RAP, por exemplo,
do Ricardo Ospera, talvez funcione um bocado... Estou a falar um bocado
contra mim porque eu nem tenho visto muito, mas é o tipo
de coisa que pode funcionar assim, que tu vês também para poderes
comentar. Eu acho que os conteúdos são complementares,
António Gomes
na minha perspectiva, entende-se? Ou seja, o que eu procuro nos podcasts,
e um deles que recentemente comecei a acompanhar e a ouvir e
que acho piada, que é o do Max Kellerman, que é um
comentador sobre a NBA nos Estados Unidos que é um tipo que
faz, conjuntamente com o Stephen A. Smith, um debate na ESPN e
a verdade é que aquele debate é em televisão onde o tempo
cada um pode... E repare que é um canal de esporte, onde
cada um pode emitir o juízo de valor sobre o que é
que aconteceu com o final, ou quem ganhou, os Lakers terem
António Gomes
DNBA, eles têm 10 minutos no máximo para estar a dar opinião
e depois aquilo é repetido over and over de meia meia hora,
de hora a hora e aí tens as opiniões dos dois. O
Max Kellerman começou há não muito as semanas atrás um programa de
podcast e a grande vantagem que tu tens é, para mim, é
claramente a windip, é a imersão, é ir muito mais longe. Eu
creio que esse espaço do podcast pode roubar um pouco o espaço
da entrevista escrita, transcrita, até porque tem uma enorme vantagem que é
que tu vejas a pessoa no sentido da maneira como ela se
expressa, porque a palavra escrita, como sabes, e esse é um dos
grandes desafios, não tem um sentimento. É o maior desafio das ferramentas
de sentimento análise, é que a palavra escrita não expressa a não
ser que tu uses emojis e mesmo os emojis podem ser enganadores
e portanto o podcast tem essa vantagem. O que é que o
podcast tem de desafiante ou pode ser desafiante? O podcast é muito
consumido no meu entender do que sei num registro próximo da rádio,
entendes? É PC barra mobile phone based, não é? Portanto, temos de
ter uma estrutura para o
António Gomes
Sim, e é muito remetida para determinados momentos em que a pessoa
procura um determinado grau de concentração ou um determinado grau de estar
ali no seu mundo e de estar a ter a oportunidade de
o estar a ouvir. Tens razão de que falta talvez uma experiência
em Portugal capaz de fazer explodir os ditos podcasts. O podcast tem
uma coisa fantástica que é, ao contrário da rádio live, é a
possibilidade de tu voltares atrás e ouvires. Agora, obviamente que eu devo
conviver sobretudo e preferencialmente com isto que eu digo, que é fazer
uma imersão em deep relativamente a determinados conteúdos ou à pessoa que
tu queres conhecer ou àquilo que elas têm para dizer. O registro
do Max Kellerman, por exemplo, é um registro onde tens jogadores ou
tens pessoas que vão contar aquilo que nunca contariam em televisão porque
não havia tempo para
fazer. Para definir um
parágrafo. É pá, um dia o Michael Jordan e eu íamos e
não sei o quê, e fez-me tropeçar. Não há tempo para isto.
Porque depois é preciso discutir aquilo que a pessoa contou. Entendes? Para
ter assim um registro... Não,
António Gomes
Mas deixa-me dizer-te, parecendo que é demasiado nicho, não é nada de
todo nicho. Porque há uma coisa engraçada que é, nós hoje nivelamos
todos o mesmo conhecimento. Naquilo que é os headlines, qualquer pessoa minimamente
informada consegue diariamente ir buscar o essencial e, portanto, tu quando vais
para um almoço ou vais beber um café ao final da tarde
com alguém as pessoas já sabem o número de casos, já sabem
que o ministro disse isto, já sabem que o Ronaldo não sei
o quê e isso volta... Voltamos à natureza humana. Se tu quiseres
produzir um grau de diferenciação com os teus interlocutores ou dizem todos
o mesmo que é, pois o Benfica jogou bem, pois também é
verdade, mas depois há sempre alguém que quer dizer sim, mas tu
reparaste. E isso, umas vezes é análise do próprio, outras vezes é
porque ouvimos os Max Kellermann da vida. Provavelmente a maior parte das
vezes. A maior parte das vezes, porque eles é que têm... Eu
tinha um... Só uma tensão engraçada, não é? Entre a pertença e
a originalidade. Claro, é essencial teres o elemento de pertença para poderes
dizer e depois a diferenciação, distinção social. Este fulano que escreveu sobre
a distinção social tem a ver num limite, e provavelmente já tiveste
aqui pessoas marketeers a falar sobre isto, que é nós próprios, inconscientemente,
não é uma coisa que a gente esteja todos os dias a
pensar sobre isto, mas que nos acontece que é que elementos é
que nós vamos aportar à nossa pessoa, desde o que vestimos, das
roupas que temos, se usamos um iWatch ou não usamos, para produzir
algum pequeno grau de diferenciação, que ela é relevante. Também pela razão
de que somos muitos e, portanto, sentimos essa necessidade de contarmos com
os outros. Ok, mas eu pensei nisto, ou consegui dizer aquilo. E
o podcast pode ocupar esse espaço. Não é só porque tu fazes
imersão. Tu fazes imersão e tens uma síntese sobre componentes temáticas que
te interessam. Percebes? Tens um podcast sobre cinema, tu podes ouvir um
tipo a falar sobre os últimos lançamentos em Hollywood e tu de
repente ao fim de uma hora sais dali e dizes eu estou
pronto, venha de lá um jantar com os amigos e vê os
copos porque vou dizer, ah não, mas aquele filme, pá, tu não
sei se sabes estou ótimo, faço-me entender, percebes? Por isso não me
parece, eu entendo a tua pergunta os podcasts vão ou não vão
ganhar o seu espaço? Ah, vão. A alternativa é a palavra escrita
e a palavra escrita tem mais desafios.
José Maria Pimentel
Não, o que eu queria dizer, ou por outra, revisando o que
eu disse há bocadinho e agora pegando na distinção que tu fizeste,
os podcasts já são muito bons, eu diria até que são a
melhor coisa, mas sou parcial, para essa questão da distinção e de
tu sentires que estás a absorver um tanto conhecimento muito grande e
ao mesmo tempo a ter entretenimento numa área que te distingue ainda
não estão a jogar num outro terreno, ou estão a jogar num
outro terreno de uma maneira limitada, da aglutinação, ou seja, da experiência
comum. Nesse terreno ainda não entraram, em Portugal, mas noutros países já
António Gomes
entraram. Sim, mas aí terás sempre um desafio que é, quando te
massificares, o quanto é que tu perdes da peeling, na razão de
que a massificação faz com que quem te ouve, se forem dezenas
ou centenas de milhares, deixa de ser uma fonte de diferenciação. Isto
é um paradoxo, mas é preciso ter em conta esse aspecto. Claro
que... Às vezes não dá para ter o bolo e comer-lo neste
caso. Dá, por uma razão, porque o podcast felizmente tem tempo para
isso. E portanto, tu consegues, mesmo que vás para a mesa, beber
um copo à noite com amigos e todos ouvirem o mesmo podcast,
não é a mesma coisa do que todos ouvirem 10 minutos de
uma entrevista em televisão. E se tu reparares, os programas de debate
de desporto são com imagem, não vamos qualificá-los, não está aí em
questão, mas se tu reparares a saturação de tempo é construída nessa
presunção. Só que depois, como tudo aquilo é mais ou menos tático
e tudo versa um objetivo e parece-me a mim há falta de
um pensamento estratégico sobre o que é que aquele produto pode dar.
Ou se calhar o pensamento estratégico é aquilo que tem que dar,
é aquilo mesmo, é a ofensa, é o desengano, é criar ali
uma mise en scène equivalente a uma novela, mas haveria oportunidade para
uma coisa com maior profundidade, que eu já vi e vejo nos
Estados Unidos, a propósito de todos de esporte que não é o
futebol, onde se nota perfeitamente que é um podcast com imagem, se
quiseres. Porque há muito tempo para se poder debater e em função
disso as pessoas vão buscar a tal informação que lhes falta, aquela
vontade. Tudo nasce da curiosidade, mas obviamente dá-nos imenso gozo estarmos a
falar com os amigos e poder dizer uma coisa que nunca ninguém
sabia ou nunca ninguém tinha pensado. Entende?
António Gomes
das... É complicado, na verdade é complicado. Se notares, tivestes e tens
algum esforço de tentar em Portugal que haja uma preocupação por parte
dos publishers em assegurarem receitas por via dos anunciantes, tens um peso
muito significativo para a sustentação dos modelos económicos do espaço da subscrição.
Subscrição que é uma coisa complexa, não devia ser, mas que é
uma coisa complexa porque continuar a fazer espécie aos portugueses pagarem por
um conteúdo de informação. Tens obviamente a concorrência de um Google da
vida e de alguns agregadores de notícias que te dão o fast
food da informação e o fast food são 3, 5, 10 headlines
e já está. Eu acho muito curioso, porque depois tens um paradoxo
que é que já começas a ter muitos portugueses a atreverem-se a
dizer é pá, a imprensa em geral é uma porcaria, as redações
são só miúdos que não sabem escrever, não sabem investigar mas não
fazem o mínimo esforço para pagar informação de qualidade porque informação de
qualidade não se consegue produzir com a
dimensão
das redações que têm. Eu lembro-me há muitos anos atrás, há muitos,
se calhar há 10, no entanto, o Pedro Norton, à altura da
empresa, numa conferência muito interessante ali nas causas de comunicação social, falar
de um tema que não me ocorria até à altura e que
me impressionou e que tem a ver com... A comunicação social precisa
de, whatever, uma quantia de dinheiro para assegurar a sua própria diversidade
e o ecossistema de opiniões que uma sociedade livre, numa economia liberal
e numa democracia necessita. E as pessoas não têm a noção de
que a diminuição das receitas que estão a ocorrer vão forçosamente e
por definição diminuir e produzir uma coisa que se chama a uniformização
da opinião. E se reparares, isto é Uma coisa absolutamente assustadora, a
uniformização da opinião baseada em três ou quatro fontes de informação onde
vais buscar coisas básicas, é razão que insista. Há algumas opiniões por
parte de movimentos mais radicais, por exemplo, nos Estados Unidos. Tu ouves
um tipo que é apoiante do Trump E a primeira coisa que
ele diz, ou a t-shirt dele diz, I'm not a sheep. Não
quer ser um carná, não quer ir atrás de tudo aquilo que
é. E estamos a falar, acho que a aula é de lá.
E é engraçado, se você usar as redes sociais em Portugal, muita
gente diz, eu não vou atrás do que é que... Ou eu
quero ter um pensamento diferente,
António Gomes
não há. Não há porque as pessoas também não se encarregaram de,
entre aspas, de ajudar a sustentar este modelo. Portanto, dir-te, é óbvio
que o futuro é bastante desafiante porque tudo o que tem a
ver com investimento em sede de meio digital tem uma desproporção na
escala muito grande face a outros meios e portanto consegues e tens
os Google e os Facebooks a poderem-te oferecer preços de investimento publicitário
baixíssimos por comparação, por exemplo, com os jornais, portanto não haverá uma
solução óbvia e fácil. Aplaudo, por um lado, o que o Google
fez com o apoio que deu a alguns títulos históricos na Europa,
parece-me inequivocamente uma possibilidade de caminho, mas isso não resolve o problema
que o Pedro Norton tinha dito, que é a tal biodiversidade da
opinião que é indispensável que tu tens. E tu repara que ele
não estava só a falar de teres 10 colonistas, 5 a escreverem,
imagina, a argumentar sobre um tema e 5... Não, não, não. Ele
falava inclusive da imprensa regional e de... Entendes? Ou seja, a todos
os níveis. Imprensa nacional, imprensa local, que também existiu durante muitos anos
e que hoje se vai perdendo, o que é uma pena. Porque
depois as pessoas... Reparem, uma pessoa que não é de Lisboa, que
é de Viseu ou de Lamego, arrisca-se a não ter uma opinião
sobre temas que lhe são relevantes, por exemplo, uma autoestrada que por
lá passa e o que é que lhe deve ser feito, pela
razão de que os meios de comunicação social locais estão diminuídos na
sua capacidade de chegarem a elas e a nível nacional ninguém fala
sobre o assunto. Percebes? Quando o próprio desenvolvimento tecnológico devia permitir o
contrário. Percebes o que eu estou a dizer? E isso não acontece.
António Gomes
Sim, exatamente. Eu lembro-me de estar uma vez em Coquinhagas, chegar ao
hotel às 11h30, tinha saído do hotel para jantar com um amigo
meu, com um colega meu de Espanha, voltamos e o ala de
entrada está cheio de casacos, daqueles cabides gigantescos e de repente olhamos
em frente e percebemos que estava a dar um concerto ao vivo
e era do David Matthews Band e eu achei aquilo delicioso e
portanto dirijo-me e há uma polícia, uma daquelas nórdicas com uma E3
90 que me diz, não pode passar. E eu disse, o que
é isto? E ela, é um concerto de David Matthews, mas está
a acabar. E já estavam pessoas a sair, ele já estava no
encore. E eu olhei-me para ela e disse assim, está a mal
estar a sair, posso entrar no lugar deles? E ela, não. Eu,
mas porquê? Fala lá, é só uma música que eu vou ouvir.
E ela, não. E depois eu pensei um bocado que o Bracquiel
disse de facto ela tem razão, mas isto é muito portugues, não
é? Deixe cá ver se eu consigo. Com jeitinho se dou aqui
a volta. Eu acho que tem um bocadinho a ver com isso.
É claro que a criatividade humana felizmente não tem limites e haveremos
de encontrar, ou os jornais e a imprensa em geral e os
meios de comunicação, onde encontrar modelos indiretos de funding que passam não
só pela publicidade mas no limite, modelos de subscrição mais ou menos
criativos e que vão ajudar ou podem facilitar, digamos assim, se tu
quiseres, a haver receitas. Porque, objetivamente, as pessoas pagam 50, 60, 70,
1 euro por dia de café, gastam 5 euros no maço de
cigarros e custa-lhes horrores pagar por uma informação, pagar por uma subscrição,
que seja uma coisa... Gustavo
António Gomes
terá que haver. Tu se reparares às pessoas, pá, mas isto custa-me
horrores porque as pessoas são como são e têm razões que assistem
às suas decisões, mesmo que elas me possam parecer num determinado momento
contraditórias ou paradoxais. Dei-te este exemplo do café, dar-te-eu o exemplo de
muitas outras coisas. Por exemplo, as pessoas são capazes de gastar por
efeitos de gaming, acho que haverá modelos de gamificação, inclusive nos modelos
de subscrição de órgãos de comunicação social, mas as pessoas são capazes
de pagar por coisas absolutamente inacreditáveis. E neste caso, estou-te a falar
em sede da própria internet, ou seja, chegar lá e subscrever uma
treta qualquer. E depois não conseguem no fazer relativamente à informação, No
meu entender, porque tudo isto radica numa falsa percepção de que o
que eu preciso de saber para estar informado eu consigo aceitar de
forma gratuita. Logo, não me vou dar ao trabalho de pagar por
António Gomes
sim. Aliás, a crise de 2011-2012 mostrou de forma inequívoca algumas das
cadeias das ginásios em Portugal, que o modelo não era sustentável na
razão exatamente de que as pessoas que não estavam a ir mas
estavam a pagar, foi uma das decisões do tal homo-económico-racional foi deixar
de ir mas deixar de pagar e em consequência disto de repente...
Sim, deixar de pagar. E os ginásios não sabiam. Não iam e
já faziam. Já não faziam e de repente os ginásios começaram a
pensar, pá, Como é que nós vamos sustentar este modelo de negócio?
Não vamos conseguir fazê-lo. Mas eu insisto, eu acho que haverá com
certeza, há alguns no tempo, um modelo mais... Alguma criatividade na forma
como vamos conseguir encontrar um sistema dos órgãos de comunicação social serem...
Mesmo que a tendência seja para diminuição e para a dita uniformização.
Eu diria,
José Maria Pimentel
a minha intuição, não sei se tu partilhas, é que tem que
ir mais por um lado emocional, ou seja, ir apenas por um
lado racional de preciso de mais notícias e portanto vou subscrever este
jornal, é pouco escalável porque pouca gente precisa de facto de mais
notícias ou tem de facto noção de que precisa de mais notícias.
Tal é a overdose que tu tens de notícias hoje em dia.
O que acontece, já todos passamos por isto, te vais ao jornal
qualquer, que ele está bloqueado, tu pensas, vou googlar isto e encontro
noutro sítio qualquer. Portanto, na prática tem que ir por um... Eu
acho que tem que ir por... Não sei exatamente por onde, não
sei se por uma espécie de desígnio de cidadania, cívico, não sei,
talvez não seja o suficiente, mas tem que ir por um lado
emocional, talvez de pertença.
António Gomes
eles fizeram questão de dizer nós não vamos ser financiados, vamos lançar
aqui uma fundraising e as pessoas quase que tinham, acho que algumas
que eu conheci em redes sociais, era eu já contribuí.
Exato, sim.
Esse tipo. Sim, isso é verdade. Há aqui um tema que é...
Para além de tudo isto, tens, obviamente, a concorrência dos órgãos, ou
se quiseres, dos sites noticiosos do mundo que, para quem está no
mercado português e que está circunscrito ao mercado português, ainda torna o
tema mais desafiante. Porque tu tens uma classe de média alta que
poderia pagar uma subscrição mas que já está a subscrever um off-the-post.
Exato, exato. E portanto a coisa complica-se. Isso é um
José Maria Pimentel
excelente ponto. Aliás, lembro-me de uma... Eu estava a falar no outro
dia com o Pedro Bucheri, nosso amigo comum, e eu estava a
lamentar um bocado o facto de haver poucos livros de ciência a
sério de autores portugueses, bem de autores portugueses periodo, não é? De
haver muito pouco disso e os livros de ciência, se tu reparares,
a maior parte deles são mais ou menos infantis ou para absolutos
leigos. O que não tem mal nenhum, atenção, faz todo sentido que
isso existe, até faz todo sentido que seja o mercado maior mas
tu não tens uma série de autores que existem no mundo anglo-americano
que têm livros de divulgação de ciência mas exigentes se tu quiseres
e eu estava a me lamentar disso, que é uma coisa que
nós portugueses gostamos muito de fazer e ele disse uma coisa que
me deixou pensar e que vai muito ao encontro do que estavas
a dizer e ele disse, bom, mas estás a esquecer que as
pessoas que leem esses livros, os portugueses que leem esses livros, vão
ler os livros em inglês. Portanto, esse mercado que existe é só
para ou miúdos ou pessoas que de facto percebam um pouco do
assunto e queiram ter um conhecimento dele, mas de um nível muito
básico. E, até aliás, os títulos remetem sempre para isso, são os
títulos sempre muito simplistas.
José Maria Pimentel
quê. Sim, sim. Ou o nosso cérebro, não sei o quê. Só
se umas coisas... Os segredos do nosso cérebro. E esse é um...
Acho que é um catch muito difícil de resolver. Eu não me
tinha lembrado que isso se aplicava aos jornais, mas faz todo sentido.
As pessoas que têm poder econômico e têm interesse suficiente pela imprensa
para assinar jornais, se calhar, paradoxalmente, estão a assinar, sei lá, o
Guardian e não assinam o público, por exemplo. Isso, isso.
António Gomes
nessa parte da divulgação, eu acho que voltamos ao mesmo podcast que
pode ser, e é certo, tem um espaço muito interessante e útil,
mas a verdade é que, por exemplo, em conteúdo audiovisual é uma
coisa que se perdeu. Os programas de história do Zé Armando Saraiva,
aqui e ali, outros equivalentes que pediam... Epá, eu, por exemplo, lembro-me
de gravar em beta uns programas que o Vasco de Granja tinha.
Ele mostrava... Houve uma série na RTP que era a história dos
desenhos animados e ele mostrou... Isto tudo a propósito do Roger Rabbit.
Se recorda do Roger Rabbit foi apresentado como o primeiro filme onde
tu tinhas simultaneamente desenho animado e pessoas. E depois houve uma série
de derivados disso. E na altura ele mostrou um filme, nesse programa
de divulgação, que era o verdadeiro primário, que era um muito engraçado,
que era o Porky, precisamente a discutir com o Tex Avery sobre
em que episódio ele queria entrar. E portanto era um boneco a
falar com um ser humano. Mas isto tudo para te dizer que
eu acho que esse espaço da divulgação... Nós temos bons comunicadores. Em
Portugal há excelentes comunicadores. Eu, por sorte, tenho-me cruzado com pessoas por
uma razão ou por outra. Estou a olhar para elas e muitas
das vezes digo, este tipo de televisão é na espectacular. E não
é por falta de, entre aspas, espaço de cabo para que isto
não possa acontecer, entende-se? Agora, mesmo um programa destes tem custos de
produção e de facto falta-nos um bocadinho, eu falo na área da
ciência mas não só, falta-nos um bocadinho mais arriscar nesta componente da
divulgação, entende-se? Arriscar. Mas também os canais estão muito mais... Mas
António Gomes
Sim. Mesmo que haja, e o Pedro acho que é um dos
que pensa a longo termo e não é o único, conheço outros
canais, mas o Pedro é um bom exemplo, a verdade é que
eles são, por razões várias, triturados, entre aspas, naquilo que é o
dia-a-dia ou o consumo, quase prestação, entendes? É um trabalho intenso e
são de altíssimo desgaste e, portanto, não se compagina muito com poder
dedicar tempo para aquilo que é uma visão estratégica a longo prazo.
É um tema complexo. E as empresas... O mercado está a encolher
também. Sim, as empresas de streaming é terrível. Há dois anos fiz
uma comunicação numa coisa muito engraçada por um vídeo pela Apt, a
Atenção Portuguesa de Portugueses Independentes de Televisão, e depois tinha vindo um
fulano francês que explicou... Acho que era na altura a primeira série
francesa que a Netflix tinha decidido patrocinar e ajudar eles tinham feito...
Era com aquele fulano francês que faz da Obelix...
António Gomes
com o Gérard Depardieu. Sei que a série tinha um custo de
produção e a Netflix veio e disse nós queremos ajudar para a
segunda época. Isto dito pelo próprio que tem a série e que
tem os direitos da série, o francês, é que de repente entraram
um milhão de euros por episódio. Portanto, a série passou de 100
mil para 1 milhão só com a entrada do dinheiro na Netflix.
Quando estás a falar desta magnitude não há nada a fazer. Não
é só a Netflix, serão todos os players de streaming que vão
continuar a aparecer e que vão ser sustentadoramente demolidores. Mas insisto, a
netrex humana caracteriza-se por ser criativa e outros modelos haverá, outros conteúdos
serão gerados, veremos. Sempre numa lógica de fenómenos de moda, mas acredito
que vai se reinventando a televisão, entre aspas, nos seus conteúdos e
em consequência os outros meios. Os outros meios também têm que ir
atrás do que a televisão vai fazendo, entende-se? Ou deixando de ocupar
espaços. Não ocupa, então, bora lá nós ocupar aquele espaço.
António Gomes
Eu vou ser simplista na minha opinião e na minha interpretação. Eu
diria que o Chega beneficia de uma fase em que o futuro
do CDS-PP está em risco e que terão que pensar sobre que
caminhos vão conseguir trilhar para inverter e voltarem a ser o CDS-PP
que já falaram anteriormente. E parece-me claro que o Chega e o
André Ventura capitaliza junto de eleitorado que votou o PP no passado
e que hoje tem satisfeito com o PP ou não se revê?
Não sei se não é bem não se revê, é sempre uma
questão... Repara, a tarimba do André Ventura depois de ter feito vários
anos como comentário desportivo e portanto a tarimba dele, a projeção de
imagem dele por comparação com o líder do PP, não tem nada
a ver. Quer dizer, estás a falar de um tipo que se
preparou e que tem hoje uma experiência como comunicador que dificilmente será
encurralado num debate, porque ganhou essa experiência vasta, e que emana uma
aura provocador, no limite a gozar, se for o caso disso, irónico,
nas fronteiras de certas coisas que diz, e que depois diz, vá
lá ver se eu disse isso ou não disse isso, que inequivocamente
o papel não tá. Primeira questão, esta para mim é clara, é
uma das razões da satisfação. Há uma segunda dimensão, mais complexa ainda,
que tem a ver com o André Ventura capitaliza, ou o Chega
capitaliza eleitorado PSD insatisfeito com o rumo que Rui Rio dá ao
PSD, e que não se reveem forçosamente em todas as dimensões ideológicas
que o Chega defende, mas que se reveem nas duas ou três
suficientes para balancear entre vou votar chega porque do Rio eu não
quero. O Rio porquê? Porque o Rio corta, quiçá para eles, excessivamente
com órfãos do pacismo, com aquilo que era a componente doutrinária ideológica
de Passos Coelho. Lembra-te que Passos Coelho para estas pessoas, e não
é para estas pessoas, é um facto, mas para estas pessoas ganha
as eleições Passos Coelho e o Ventura têm nada a ver um
com o outro Sim, mas a questão não é essa. Passos Coelho
vence as eleições, sempre na lógica deste eleitorado há aqui um golpe,
o Costa faz uma jaringonça e corre com ele, Passos Coelho não
lhe foi dado a chance de poder beneficiar daquilo que foi o
amelhar dinheiro por causa da intervenção externa que tivemos. Portanto, afasta-se E
de repente vem um líder do PSD que não critica e que
tem que criticar. Estas pessoas, algumas eu conheço, e dizem-me este gajo
tem que dizer mal, tem que arranjar maneira de dizer mal do
Costa e acabou. E não, este tipo está ali a fazer-lhes favores.
Então estas pessoas acham piada a coisas que o André Ventura diz.
Achar piada naquilo que o André Ventura diz é sempre um risco,
na minha opinião. E aqui já estou a emitir um juízo de
valor. A questão é, o que é que o André Ventura tem
de peculiar, ou se quiseres, muito próprio da realidade portuguesa? Na verdade
não é diferente. Eu conheço razoavelmente o caso de Itália e vai
chegar... Não é bem a mesma coisa. Nós não temos imigrantes, como
os outros têm. E, portanto, ele não consegue... Ele não consegue explorar
o tema dos imigrantes, como muito facilmente exploras em Itália, na Alemanha,
que são realidades onde estás na rua e vejo adolescentes de burca,
vejo uma quantidade de coisas que nós não temos sequer o hábito
de ver aqui. Ponto final de parágrafo. Portanto, explora a questão da
etnia cigana, porque vem daquilo que é eu tive em Honouros, eu
sei do que é que estou a falar, e de facto a
etnia cigana nunca soube dar os passos, quer dizer, deu alguns, mas
nunca deu todos os passos para conseguir ultrapassar a imagem de indigentes.
Isto é, de alguém que vive nas fronteiras daquilo
que convém não
pagando impostos, fazendo vendas de produtos que são contra-manufaturados e em consequência
disso não contribui lá estar para o bem-estar da sociedade, mas tem
sempre aqueles casos que no limite são os lugares comuns que as
pessoas vêem e em alguns casos acreditam que é mesmo assim. Ah,
o tipo vive numa barraca mas tem um Mercedes à porta. Isto
é o que o vizinho de todos os cafés ia a tudo
e tinha. Portanto, ele capitaliza isto. A propósito, um outro tema, que
é um tema da segurança, ou da falta dela, que por muito
que tu digas, e é verdade que o dizes, e tens provas
de que Portugal tem dos índices de criminalidade de violência mais baixa,
a verdade é que o órgão de comunicação social é esse jornal
mais consumido no país, é o Correio da Manhã, e o Correio
da Manhã reproduz regular, diariamente ou quase, notícias que têm a ver
com criminalidade violenta contra a população indefesa. Sejam idosos, sejam não sei
o que, não sei o que mais. E a televisão? A televisão
também, se quiseres. Eu estou a falar o fenómeno Ventura antes dele
ter aparecido e até ao que ele é hoje. Ou seja, nos
últimos 10 anos criaram-se as condições que proporcionam isto. Depois, problema. Há
estruturalmente, e não esta semana e na semana passada, uma sondagem feita
por nós foi divulgada no Expresso a propósito destas questões, tens um
problema que é o problema de o sistema de justiça não dá
aos portugueses a sensação
de que a
justiça existe. E portanto, ficas com aquelas coisas que é, pá, o
tipo violou uma idosa e deram com medida de coação liberdade e
não sei o quê. Deu uma facada em alguém e foi para
a rua e depois os poderosos também estão na rua, ninguém sabe
quem é que está preso, não é? Porque no meio disso tudo
depois as pessoas devem se perguntar, mas afinal quem é que ficou
preso? Rosa Grilo ou alguma coisa assim do gênero? E todo esse
sentimento é exatamente o território do qual ele se alimenta. Muitas das
vezes, como não podia deixar de ser, não propriamente. Based on facts,
no sentido da estatística dos números que aí estão, e portanto, a
questão é, qual é o seu ceiling, qual é o teto ou
até onde a aventura pode ir. Acho que para já é uma
questão de ver porque eu pessoalmente, no meu juízo de valor, acho
que ele é um tipo esperto, aqui e ali, inteligente, se quiseres,
reconheço-lhe esse mérito, não o vejo sinceramente como um estratéga. Há ali
muita... Aquela coisa dele ter chorado na convenção e emoção, há ali
muita coisa que é próprio de líderes populistas, quase aqueles evangélicos da
América, sabes? Que depois cantam todos e abraçam-se todos. Agora, eu não
sei se ele tem uma visão estratégica para o futuro e se
se representa, ou pode representar, uma ameaça para além daquilo que já
é hoje. O 7% pode dar origem a um grupo parlamentar e
um grupo parlamentar pode dar origem a um combate político muito mais
efetivo com consequências imprevisíveis dependendo das questões. Agora, também tens, se quiseres,
no espaço que ele ocupa a iniciativa liberal, podes ter um PSD
que se reinventa ciclicamente com abordagens diferentes e ver o que acontece
com o PP. Portanto, ele pode acabar por vir a ser um
fenómeno de moda ou não. Há aqui um problema que a esquerda
empurra os partidos de direita para tomar uma decisão que é o
Chega é ou não é uma força com os quais estão disponíveis
para se coligarem. Ou seja, se o Chega for transformado num partido
do regime, há de uma ou duas coisas que podem acontecer. Ele
transforma-se e simultaneamente as suas causas também e, portanto, ganha sentido de
responsabilidade e já não diz certas e determinadas coisas. Ou então estás
a legitimar posições que começam a ser preocupantes, como aconteceu noutros países
da Europa, que são mais de extrema-direita e de limites de intolerância,
e aí a coisa pode resvalar. Eu diria que nesta altura, repara,
chegaste a ter notícias a dizer que um membro do partido simpatizante
da causa nazi faz parte da direção do Chega. Depois ele diz
que ele foi destituído e tal. Portanto, parece haver ali uma preocupação
de dizer que não queremos que haja esses radicalismos e temos que
há pessoas sérias e com uma... Não sei. Depende muito destes quadros.
Quem são, de onde vêm, se fazem ideia do que significa um
partido político não forçosamente com vocação de poder mas com uma agenda,
mas uma agenda que faça-se sentido, não sei. O normal para um
partido populista é alimentar-se deste tipo de coisas. Cada vez que houver
um evento, uma manifestação contra manifestação, se reparar, há coisas que são
ridículas, estás na fase da manifestação contra manifestação, que é polarização típica,
pões changas de um tipo, pões changas do outro, e depois estão
ali aos gritos
contra os outros.
Aí os portugueses têm muito bom senso, não papam isso.
António Gomes
Diria que não, para já diria, francamente diria que não, Mas a
responsabilidade
está toda do lado, não apenas do PSD e do Rio e
Rio, no meu entender, mas também, no limite, da maneira como a
tensão entre a esquerda e a direita é suscetível de não extremar
posições. Estás numa sociedade assustadoramente polarizada, onde as redes sociais têm um
papel brutal nesta polarização. Às vezes choca de uma maneira agressiva, como
as pessoas persistentemente escrevem em série de redes sociais, como se para
ter razão tudo está no soundbite, na agressividade do soundbite, quando a
política portuguesa, paradoxalmente, foi muito mais intensa quando tinha espaço escolha e
só querias discutir o preg. Quando tens o preg, tens sessões parlamentares,
pum pum pum, Era uma coisa inacreditável. Aliás, porque ambos, à sua
maneira, muito agressivos, e muito militantes na maneira, porque eram debates miserabilistas.
Hoje não tens esse sentido, mas és capaz de ter. Imagina, na
crítica a costa, o nível do soundbound da agressividade é superior à
que havia com o Sócrates, que é um paradoxo. Quer dizer, não
estou a dizer que ele merece ou não merece, não estou a
emitir esse juízo de valor, estou a dizer é um paradoxo porque
tu vês que na maior parte das vezes, e eu acho que
isso foi um compromisso de regime entre todos, de, epá, não vamos
ultrapassar limites que ultrapassámos no passado e dos quais nos lamentamos. E
tu reparas que mesmo na anterior legislatura já com a Cristas, houve
ali um ou dois momentos em que ele, Costa, ela, Cristas, chocaram
ali no limite do que podia ser aceitável e a coisa ficou
por aí, não deixe. Até aí o André Ventura está a pregar
no deserto no sentido em que consegue capitalizar pouco. Ou ocupar esse
espaço. Ou também está a ocupar esse espaço de... Está, mas tenta-o
numa casa onde por compromisso dá uma sensação de que toda a
gente não quer passar determinados limites. Eu acho que a política está
mais calma, entendeste-se? Não, eu percebo isso, mas isso pode ser visto
ao contrário também, que é
António Gomes
Certo. E porque a polarização, combinada com as redes sociais que proporciona,
isto é uma coisa engraçada, se tu escreves um comentário sobre uma
coisa que é deita a dizer é pá, vamos levar isto com
calma e com bom senso ninguém te põe like se tu escreveres
o maior palavrão e o maior insulto tens 150 likes seja porque
gostam ou porque estão exatamente no contrário os termos é que estão
nas vistas e de facto as redes sociais proporcionam esta excessiva polarização
de opiniões. E depois as pessoas vão para a rua, às vezes
no limite, e parece que saíram de um laboratório experimental, que foi
o laboratório onde tiveram a ler tweets e retweets, e vêm todas
com uma agressividade tipo pá, calma, o mundo não está assim tão
mal. Está mal, infelizmente, por causa do Covid. Não está mal por
causa das coisas todas que vocês
José Maria Pimentel
dizem. Sim, sim. Mas em relação àquilo que tu disseste no início,
e no fundo, como diria o outro, está tudo ligado, não é?
Aqui é uma série de coisas que confluem, neste caso. Mas há
um aspecto interessante do André Ventura que eu não vejo muitas vezes
discutido e acho, pode estar enganado, que ajuda a explicar. Tu falaste
tudo no início e remeteste para a questão ideológica e eu acho...
É difícil que isso não tenha algum peso, ou seja, o enfraquecimento
do CDS e o realinhamento do PSD com o Rui Rio mais
para o centro e com um estilo mais consensualista obviamente que abriram
ali algum espaço, não tenho dúvidas disso. Mas parece-me que há outro
lado que permitiu que confluíssem no André Ventura uma série de tendências
que já existiam há muito tempo e que me lembra aliás aquela
questão que falámos há bocadinho dos jornais, aquilo que eu dizia que
nós estávamos todos muito tranquilos enquanto as pessoas compravam jornais, se calhar
muitas delas não os lendo, mas financiavam os jornais e portanto nós
achávamos que a sociedade civil funcionava bem. Aqui nós todos nos lembramos,
e tu muito melhor do que eu porque és mais velho do
que eu, a visão antissistema do eleitor médio, ou dizendo de outra
forma, a visão antissistema de uma parte grande do eleitorado é algo
que existe desde sempre, há muito tempo, nós todos ouvimos, quer dizer,
por familiares, por colegas, pessoas que vimos no café, aquele sentimento antissistema
de que eles estão todos lá na mama ou umas pessoas de
qualquer género ou umas mini teorias de conspiração ou uma coisa de
qualquer género e sempre existiu. E aliás o Pedro Magalhães que já
foi convidado ao podcast e que também já trabalhou contigo, outros já
trabalharam juntos, tem até alguns trabalhos feitos sobre isso e eu lembro
de haver um artigo dele até talvez no expresso antes disto, mas
muito pouco tempo, há dois ou três anos, e o artigo era
qual é a coisa do género. Os dados mostram que existem simpatias
populistas, ou seja, simpatias anti-sistema em Portugal, da mesma forma que existem
nos outros países, mas ainda não conseguiram aglutinar-se, não conseguiram agregar-se à
volta de alguém. O que o André Ventura fez, na minha opinião,
foi, pelo facto de ser um tipo carismático, pelo facto de ser
um tipo que já era conhecido pelas redes sociais, e talvez aqui
é que eu não tenha certeza, porque o facto de ele ter
investido inicialmente em dizer coisas aparentemente estapafúrdias, mas que dão nas vistas
e escandalizam, talvez ele aí tenha conseguido gerar nas pessoas a sensação
de, bom, este tipo dá às vezes umas coisas um bocado bizarras,
mas ele parece ter tração. Ao contrário de todos os outros que
já foram aparecendo, à esquerda e à direita, este tipo tem tração
e portanto vou votar nele porque isso parece-me ser uma coisa com
potencial. Até aqui o que eu fazia era ou uma bestinha, ou
ele a votar em Maracó, provavelmente... Ou votava num bloco de esquerda,
ou no CDS, ali... Quer dizer, estão muito longe, já hoje, o
bloco de ser antissistema, ou então conformava-me e votava PS ou PSD,
só
António Gomes
por hábito. Tu tens aqui um outro fator que ajuda a performance
dele e que tem a ver com estás numa fase singular de
demasiado desequilíbrio entre aquilo que eleitoralmente o eleitorado de centro-direita consegue fazer
versus o eleitorado centro-esquerda. E isso não é necessariamente bom, porque também
ajuda a que mais facilmente as pessoas admitam votar nele pela razão
de que é que serve votar no PSD. O PS vai ganhar
isto e vai se coligar e vai haver uma nova geringonça. Então,
como não há uma hipótese realista de vencer, e mais as sondagens
dizem que todos os partidos de direita combinados, não passam dos 38,
39, então peraí que eu não vou perder tempo, vou mais atrás.
Vou votar como apetece. Exatamente, e às vezes isso acontece, Ou seja,
uma parte da proposta de valor não é entendida como realista, mas
é uma altura em que vale tudo. E portanto, como vale tudo,
olha, que há lá saber. Vou votar neste caso e vamos ver.
Já a componente ideológica tens razão. É evidente que nós temos pessoas
em Portugal profundamente conservadoras e que têm uma visão diferente de outras
que não o são, são mais progressistas. A sociedade portuguesa com 10
milhes de habitantes está longe das tensões. Por exemplo, tu
António Gomes
nada a ver. Os portugueses nem sequer têm a noção do que
é ir a Espanha num dia de Páscoa, como aconteceu a mim
em Santiago de Compostela, e ter uma senhora vestida como la pasionaria
1900 e não sei quantos e a dizer espanhol muerte e toda
a gente a olhar e se pá, diz, vais à Alemanha e
os alemães quando discutem política que não se pode discutir e a
Espanha ainda, por cima tens a questão das autonomias. Nós temos três,
quatro, cinco, vou exagerar, que estou a simplificar, que lá estão, mas
causas fraturantes.
Causas
fraturantes que têm a ver com a componente mais religiosa e em
consequência disso, a questão da interrupção voluntária de gravidez, vulgo aborto, a
questão de os limites que uns toleram ou acham que não devem
existir e outros que acham que não fazem sentido relativamente à questão
da causa de homossexuais casarem, terem filhos, whatever. Mas no essencial as
causas fraturantes não são tão excessivas. O problema é que o momento
que vives, já há alguns anos desta parte e agora em particular,
tende a polarizar. Eu lembro-me de uma história engiríssima. Eu trabalhei com
o Independente e na altura o Paulo Portas era o diretor e
portanto ele trocou entre aspas da empresa de estudos de mercado, começou
a trabalhar connosco e nós fazíamos uma coisa que era dávamos-lhe os
resultados das perguntas mas cruzadas com simpatia política e eu nunca mais
me esqueço que um dia ele telefonou-me a dizer pá, sei lá,
tinha aqui um gajo que diz que vota PP e o gajo
diz que é a favor do aborto.
António Gomes
Não tens uma cristalização do género. A América faz mais esse esforço.
Eu sou conservador e com conservador isso significa misoginia, epá, racismo, está
tudo ali. Aliás, se tu reparares, os operadores de Trump defendem-se muito
bem. Eu vi uma rapariga, uma mulher de 30 anos a ser
entrevistada com o pai e o jornalista diz ao pai então mas
você acha que as mulheres são mais fracas que os homens? Algo
assim, os homens são superiores às mulheres. Ele, claro que sim. E
o jornalista aproveita e põe o micro na filha e diz, então
e tu? Concordas? E ela, eu concordo tudo o que o meu
pai diz. Qual é o problema? Eu sinto-me feliz assim. Então te
repare que aquilo é mesmo a quadratura do círculo, aquilo está perfeito
para todas as causas, também
José Maria Pimentel
foram ensinados a pensar assim. Sim, isso é interessante porque é uma
mentalidade muito mais para o bem e para o mal, organizada nesse
sentido de fronteiras estancas. Nós somos muito mais sincréticos tanto na religião
como ideologicamente. Tu vês isso na religião católica, por exemplo, é uma
espécie de balda do ponto de vista dos protestantes, porque enquadra uma
série de tradições pagãs. Os santos, por exemplo, não são mais do
que uma tradição pagã repackaged, reorganizada. E depois as pessoas... Já agora
falámos de televisão há bocadinho. Agora com a pandemia, depois da minha
filha ter nascido, eu tipo ando mais por casa e comecei a
ver bastante mais televisão do que vi antes que é como quem
diz antes não via quase nenhuma e agora vejo alguma e comecei
a ver aquele programa daquele tipo do César Mourão que eu não
achava grande graça e ele faz um programa com muita piada lembra
aquele humor português dos anos 40 que se chama Terra Nossa e
é muito giro porque ele vai às terriólogas e tu percebes, por
exemplo, uma coisa muito engraçada que é a maleabilidade da moral que
existe lá. Então tu tens o padre, todas as pessoas... O padre
tem um papel muito importante e as pessoas são todas católicas, mas
depois estão permanentemente a mandar piadas sexuais mas desde o início, É
que elas não se ensaiam também, desde o momento em que tem
o microfone à frente. E o padre está na audiência e aquilo
tem muita piada. Esta maniabilidade, esta capacidade de não ser extremado, que
também tem um lado negativo, de uma certa desorganização intelectual, que às
vezes me irrita, mas tem um lado bom de nunca ir de
uma
António Gomes
Tipo, sério! Nesse aspecto, dir-te que eu acho que a nossa ortodoxia
é mais baixa em sete comportamentos conjugais barra sexuais. Isso, como tu
disses, tem a ver com estes 600 anos ou com aquilo que
aconteceu na altura. Tem a ver... Vais para coisas mais complexas que
acontecem no nosso país e noutros, mas compreender a divisão da propriedade
historicamente e a razão pela qual tens latifúndio e minifúndio entre o
Norte e o Sul e os modelos de heranças que existem em
Portugal por comparação com outros países na Europa e a poligamia, não
a poligamia no sentido oficial, mas a poligamia das amantes e das
mulheres e não sei o que mais, tem uma especificidade portuguesa que
tem a ver, e em sociologia estudo existe, e tem a ver
com uma questão que é a distribuição da riqueza e a maneira
de tu conseguires gerar harmonia social com este proposto de distribuição de
riqueza, porque parece que no final do dia estou a complicar uma
coisa que é as pessoas têm desejos sexuais e compreendes, it's not
that simple, nem sempre acontece. Se pensares, o mundo muçulmano deixou de
consagrar a poligamia porque era demasiado ofensivo ao mundo ocidental. Eu tenho
um amigo, um colega meu e amigo turco que me disse sempre
a mesma coisa, dizia, pá, vocês são malucos. Quer dizer, A poligamia
é uma das melhores formas de despressurizar a pressão social. Está associado
ao dote, não é? Está associado à ideia de que distribuis a
tua riqueza, tens mais filhos, tens mais mulheres, tens mais famílias a
quem tens. Estamos a falar de um turco, não é? Tens tu,
mas os outros não, não é? Certo, mas ao fazê-lo... Mas ao
fazê-lo...
António Gomes
mulher. Mas foi em França. E em Portugal, ou pelo menos tendeu-se
a Portugal, não é? Também se diz que as cruzadas começaram precisamente
por causa disso. Porque o direito da distribuição da propriedade e da
herança em França prejudicava todos os outros filhos que não fossem o
primogénito. Ah, sim. É a mesma lógica, exatamente. E é por causa
disso que tu de repente tinhas como alternativa para a tua carreira
de vida, ou ias fazer carreira religiosa ou ias fazer carreira militar,
porque não ias herdar nada dos bens que os teus pais tinham
ou que o teu pai tinha e em consequência disso de repente
puseram-te um colete com uma cruz atrás e uma hora vai lá
reconquistar o lugar santo. E as sociedades precisam de ter modelos de
distribuição de riqueza quaisquer que sejam eles. Sejam numa perspectiva mais lesiva
como esta eu referi, de amantes e coisas do género, sejam numa
perspectiva de ponto de vista da lei, quando morre distribuído em igual
quantidade por todos e em consequência disso, quando morre alguém especialmente rico,
há maior tendência para... Aliás, para estes é o fenómeno ao contrário.
Há pouco dizia-te que uma das áreas que estudei na faculdade e
que me interessou como sociólogo tinha a ver precisamente com mecanismos de
mobilidade social e um dos mecanismos de mobilidade social, ou um dos
problemas da mobilidade social tem a ver com a tentativa das elites
de se perpetuarem como tal. E uma das formas de o fazerem
é a previa do património e invertendo esta tendência. Isto é, em
vez de ser a distribuição da riqueza, é a consolidação
da mesma. Que
é, como é que eu arranjo maneira de os meus filhos, ou
seja, as minhas filhas, casarem com alguém em que o produto deste
casamento aumente aquilo que existia anteriormente. E isto não vem de agora,
isto é do século XVII, XVIII e que é uma preocupação das
elites que não refletem, não sentam todas as elites à mesa a
dizer moram lá, rejá aquilo dele para evitar que...
Claro, é mais orgânico
do que isso. É muito mais orgânico, mas que têm comportamentos muito
curiosos. Um deles, que eu estudei na minha TES final, tinha a
ver precisamente com os chamados espaços de sensibilidade, ou seja, espaços que
estão na moda e que de repente as elites, ou jovens sem
saberem, têm uma propensão para encontrar alguém, um seu parceiro para a
vida, no meio que é laboratorialmente controlado. Exato, sim, sim, sim. Que
já tecia muito o circunscrito. Exatamente, exatamente. E a maneira como as
elites, de alguma forma, vivem em pânico de aparecerem gatas borralheiras que
de repente podem sempre criar aqui uma pedra no sistema e portanto
falhar, digamos assim. Mas se reparar, tudo isto que eu acabei de
enunciar é das coisas mais discretas na sociedade portuguesa que tu podes
ver. Pá, sabes que há um baile de botantes e sabes que
há assim umas coisas, mas não há uma coisa que se veja,
porque é uma coisa que de certa forma... Vê-se
José Maria Pimentel
Mas esse é um fenómeno curioso, os ricos, chamemos-lhe assim, ricos barra
classe alta tradicional, que não são necessariamente a mesma coisa, muitos dos
ricos não são de classe alta tradicional, sobretudo, mas também muita classe
alta tradicional não é rico. Mas são mundos que vivem universos mais
ou menos paralelos, é curioso. Em Portugal, em Espanha já não é
tanto assim, tens a história da Oli, não sei o que, que
faz algum exibicionismo disso, estiveste em Portugal, Eu lembro disto só de
ler, mas justamente na altura do Independente e de alguma euforia tinha
algumas revistas que mostravam essa realidade. Mas desapareceu completamente. É curioso. O
universo está à parte. Ou seja, tu ligas a televisão ou lês
os jornais, está lá tudo, menos
José Maria Pimentel
Mas o que é interessante, ou seja, essa tendência é compreensível, mas
porquê é que essa mesma tendência... Há aqui uma equação, não é?
Eu não conheço a outra variável bem Porque essa mesma tendência há
de existir nos outros países, há de existir, por exemplo, em Espanha.
Mas em Espanha há qualquer coisa, não sei se um interesse maior
do público, mas que compensa esse efeito e leva a uma exposição
dessas pessoas. Eu creio que, por um lado, é o interesse maior
António Gomes
do público e, por outro lado, também é a forma como eles
se propõem a capitalizar isso, não é? Não te esqueças que, pá,
se calhar aparecer no Vista da Ola pode permitir ganhar uma quantia
muito significativa, coisa que se calhar a caras em Portugal não te
dá. Também há o contrário, que é quanto é que tu pagas
para lá apareceres. E também sabemos que esse product placement baseado em
pessoas também ocorre. Mas não vamos mais longe comparando com um país
que em teoria até tem ligações históricas a nós que é o
Brasil, as elites brasileiras são uma coisa esquenquerada. Aliás, no início da
pandemia tiveste um caso engraçado em que houve um casamento em São
Paulo em que vários braços da mesma família vieram dos Estados Unidos,
de França, de Itália, portanto, e juntaram-se todos e naquele casamento de
78, então ficaram contaminados, lá teriam achado que eles próprios, como eram
uma elite, viviam num mundo à parte e que a Covid não
lhes chegava. Não ouviste falar nenhum ato deste género em Portugal, nem
nada de parecido. Sim, sim, sim,
José Maria Pimentel
pois não, pois não, pois não. Engraçado. Olha, deixa-me fazer aqui uma
curva de 90 graus, porque nós aqui, de repente, desviámos-nos do assunto
do... Sim! Por bons motivos. Verdade. Por bons motivos, mas desviámos-nos do
assunto dos estudos de mercado. Eu queria voltar aí e se calhar
a melhor ponto, até porque já está bem avançado, a melhor ponto
para, se calhar, para voltar aí é uma ideia, uma iniciativa em
relação àquela que eu gostava de ter a tua opinião, enquanto há
alguém que conhece bem o funcionamento de, entre outras coisas, da técnica
da amostragem. Aliás, até nos últimos episódios que saiu com o Carlos
Moedas ele falava disso. O Emmanuel Macron em França fez uma coisa
que já se falava há alguns anos, já tinha sido feito em
outros países e ele fez em resposta àquele movimento dos coletes amarelos,
que foi formar uma série de assembleias, percebemos de assembleias de eleitos
populares, não sei se é o nome exatamente este, em que as
pessoas são escolhidas de forma aleatória da população, ou seja, não se
candidatam, são escolhidas de forma absolutamente aleatória da população e, portanto, tenderá
a ser uma amostra representativa da população. Não são escolhidas pelo grau
de formação por absolutamente nada, portanto traz uma pessoa, um professor universitário
ou uma pessoa que é, sei lá, presidente de uma empresa e
traz um agricultor, um trabalhador fabril ou trabalhador de supermercado, uma senhora
de idade, um miúdo do rapaz de 18 anos, ou whatever, tens
ali toda a gente. E a lógica daquilo, aquilo já foi implementado
por exemplo na Irlanda, julgo que precisamente a questão do aborto, e
até se falava em ter feito isso no Reino Unido por causa
do Brexit, e aquilo parecendo uma ideia mais ou menos absurda, tem
uma série de potencialidades porque retira aquela lógica do nosso sistema partidário,
de tu teres um eleitorado, de teres uma série de cargos, de
jovens for the boys, não é? Portanto, tu tens que defender políticas
que ameçuram o emprego às pessoas que dependem de ti, uma série
de coisas e a lógica daquilo, eu já tinha visto aquilo proposto
no passado, é que embora aquelas pessoas sejam, muitas daquelas pessoas não
percebam nada do que estão a fazer, se elas forem devidamente informadas,
se quiseres, pelo seu bom senso e por serem representativas da população,
acaba por ser uma democracia direta e
José Maria Pimentel
coisas. Sim, eles são informados, por acaso, mais sobre o modelo irlandês
até do que como está a funcionar em França. Mas, basicamente, eles
são informados por especialistas, discutem entre eles, são informados, quer dizer, no
limite, por um sem fim de pessoas, não é que se entenda
serem relevantes. Dizem lá, ou seja, imagina que era o aborto. No
aborto, tu terias pessoas da igreja, terias médicos, terias cientistas, terias políticos
e eles ouvem todas aquelas pessoas, discutem entre eles e no fim
produzem uma opinião. A vantagem ali, por exemplo, no caso do aborto
foi que deu uma atenção bastante menor do que costuma rodear aquele
tema e menos propensão para argumentos falaciosos. No caso do Brexit falava-se,
por exemplo, daquela coisa que ficou muito conhecida no autocarro, havia uns
autocarros a circular, feitos pelo Boris Johnson, salvo erro, que tinha uma
afirmação em relação aos gastos da Europa que era factualmente incorreta, não
é? Mas aquilo ali passou, porque, quer dizer, aquilo se calhar foi
discutido na televisão, mas as pessoas não deixaram de ver o que
estava no autocarro. Numa assembleia deste género é mais difícil que isso
aconteça. Agora, tem esta técnica e por isso é que eu... Quer
dizer, não só por isso, mas especialmente por isso que gostava de
ter a tua opinião. Isto baseia-se nesta técnica da amostragem que para
muitas pessoas não será absolutamente natural. Que é de repente vai escolher
aleatoriamente a população e aquelas pessoas representam a população porque foram escolhidas
com base numa amostra aleatória.
António Gomes
Tu achas que isto era execuível? Bem, eu acho que é execuível.
Quer dizer, produzir ou construir uma amostra aleatória tem um conjunto de
exigências metodológicas que não são fáceis de cumprir. Sendo o Estado a
fazê-lo é facílimo, porque obviamente o Estado tem uma base de dados
com todos os cidadãos de uma determinada região circunscrito e consegue perfeitamente
saber, ou melhor, tendo a listagem, utilizásse-ma fórmula aleatória, até pode ser
testemunhada por professores para ser certificado que foi aleatório, saem aquelas pessoas
e já está. Portanto, tecnicamente é difícil haver melhor, só se for
uma experiência laboratorial com células ou com algo parecido, ou com bolas
brancas e pretas como faziam os amistrológicos no início do século XX.
Portanto, por aí, perfeito. Segundo, tem a ver com o modelo de
democracia participada e aí terá a ver com os políticos e com
a convicção por parte dos políticos e dos partidos da respectiva Assembleia
de que entenderem que este é um modelo. A Assembleia não tem
que ser nacional, pode ser local, porque este é um modelo. A
verdade é que a Europa tem vindo há uns anos a esta
parte a produzir modelos de democracia participada que procuram precisamente minimizar aquilo
que há poucos dias a propósito. Chega que as pessoas dizerem que
são contra o sistema porque não há maneira de contrariar o sistema.
Não
é verdade. Os exemplos dos orçamentos participados, a nível das autarquias, e
em função disso os ditos portais da transparência, onde tu colocas os
projetos, as verbas que foram gastas e com que objectivo se propõe,
e prazos de execução e tudo mais, são inequivocamente, inequivocamente, modelos de
transparência, de dar aos cidadãos e eleitores o conhecimento de como os
dinheiros públicos são geridos. E hoje são geridos melhores do que alguma
vez foram. E não tem nada a ver com méritos ou do
PS ou do PSD. É a circunstância dele. Vê as regras da
contratação pública. Portanto, se quiseres é quase o progresso como ele tem
que acontecer. E portanto as coisas já não são como eram no
passado. Há espaço para as pessoas continuarem a dizer ah isso é
assim, mas há sempre aquele fulano, e é para com certeza que
sim, mas não tem nada a ver com o que era há
20 anos ou há 25 anos atrás. Outro tema a mim que
me parece mais complexo, apesar de quanto ao modelo em si parece-me
perfeito, As pessoas têm que aceitar a população em geral, que aquele
grupo que ali está representa por esse princípio da deleitoriedade e, portanto,
é verdade que estão lá reproduzidas as características de todos eles. Eu
acho que os modelos participativos de referentes seriam sempre preferíveis, toda a
gente pode participar, mas há aqui um trade-off engraçado que é se
esse modelo, se todos estiverem disponíveis para participar, mitiga a questão da
abstenção, porque num referendo podes ter abstenção e depois quem não participa
pode ter
sempre
a possibilidade de poder criticar a dizer que isto não me representa
a mim e depois tens aqui...
António Gomes
E não são chamados, convocados os peritos ou quem pode ter uma
opinião. Isto é quase o princípio do jurado, não é? Dos jurados
nos Estados Unidos de Internet. Não, não, é isso mesmo. O modelo
é inspirado aí. A única coisa aí, salvo a guardar, que todos
os cuidados, não só de uma amostra aleatória, mas da maneira como
todos participam... Sabes que uma das coisas mais engraçadas num aleatório não
está no aleatório, porque o aleatório parecia uma coisa pura e portanto
a gente está a falar, eu estou a falar contigo, qualquer pessoa
minimamente esclarecida sobre amostras diz é aleatório, ah ok, tudo bem. Mas
não é verdade, porque o ah ok, tudo bem tem um tema
que é como se faz a substituição. Porque uma amostra aleatória pode
ter substituições e como ela se faz, muitas das vezes, pode ser
onde está o trick da questão. Não falo sobre este modelo que
estou aqui. Não tem nada a ver com esta crítica aqui. Os
franceses, os holandeses vão lá todos e não há tema. Mas, por
exemplo, os jurados é um bom exemplo. Cada vez que tens uma
possibilidade de excusa por uma razão qualquer, como é que se faz
a superstição? Pode ser a fonte de todos os problemas, quando do
ponto de vista
formal te
parece profundamente purista, entendes? Se faz tudo sentido. Este é um filme
giríssimo com o Gene Eggman, um dos últimos dele, eu adoro o
Gene Eggman, mas pronto, decidiu escrever telenovelas. Sabes que ele escreve romances
de novelas. Sim. E que precisamente é um filme sobre a constituição
num grupo de jurados e há uma personagem que mente e consegue
entrar no júri para conseguir uma situação. Mas Aqui o que importa
é que os tipos sabem tudo sobre eles e têm a possibilidade
de decisão. Aquilo é giríssimo. A acusação e defesa levam 20 propostas
de indivíduos e ambas as partes consensualizam sobre quais aceitam ou não.
E aquilo é discutido quase. Este fulano é religioso, tem um sobrinho
que foi morto no Iraque, ele que venha, aquele não sei quem...
Meu Deus! É mesmo a sofisticação da escolha. Isso, obviamente, já não
é a parte purista do que o Macron pensou e do que
os arlendeses executaram.
Mas essa
José Maria Pimentel
a amostra é pequena, se calhar, também. Sim. Estás na prática a
escolher. E portanto... Mas é porque... Desculpa interromper. Eu diria que isso
tem a ver com... Os jurados americanos são compostos por quantas pessoas?
É as 20 que dizias há bocadinho?
Tenho ideia. Tenho a
ideia que são o que é menos. 12 a 16. É 12
Angry Men, é aquele filme dos 12 Angry Men. Portanto, 12 pessoas,
mesmo escolhidas aleatoriamente, não é uma amostra suficientemente grande para ser representativa.
Mas uma amostra de 100 pessoas, eu só tenho a ideia que
o número era em 60, não é? O número a partir do
qual a distribuição se aproxima da distribuição real. Tu se tivesses lá
120 pessoas numa assembleia, à partida tu aí já consegues garantir que
aquela amostra é representativa ou muito perto de ser representativa e, portanto,
não precisas de andar a fazer essas coisas a não ser e
tu dizias há bocado isso, é interessante
António Gomes
a ver com, se quiseres, um uso excessivo de técnicas de marketing
e de estratégia, se tu quiseres. E a estratégia é uma coisa
muito complexa porque é difícil que se tu estudares mecanismos de estratégia
eles não acabem invariavelmente neste princípio de polarização. Vou-te dar um exemplo.
Talvez uma das experiências profissionais mais girastipo na vida foi nesta multinacional
onde eu trabalho, eles um dia pagaram para eu estar quatro dias
metido num hotel na Alemanha onde era suposto não ter telemóvel nem
computador para fazer uma ação de formação sobre negociação. E Aquilo foi
muito engraçado porque tínhamos um formador alemão, no nosso caso, e nós
basicamente fomos... Aquilo é uma experiência, ou seja, tu és usado como
cubaia em dois dias, só ao final do segundo dia é que
eles te dizem, ele te diz, que até agora estive a usar
com vocês e nós não sabemos. E uma das experiências com o
cobaia, por exemplo, o tipo é profundamente desagradável, distante e frio, e
trata-nos como se fôssemos alunos do secundário, secundário, não da primária, nós
estamos numa sala, o tipo entra, com ar de executivo, e diz
um chorrido disparado, e goza connosco. Desde logo com uma coisa que
é, bom, só ao fim de 5 minutos estar aqui a olhar
para vocês já sei qual de vocês é que vai chorar, qual
de vocês é que no terceiro dia vai apanhar uma bebedeira porque
não está bem e qual é que ainda me vai tentar bater?
Acho que é este gajo que está a dizer isso. Então, um
dos primeiros exercícios é aos pares ele manda-nos entrar para dentro de
uma sala na sala está um quadro em branco onde tem um
número, tem 10 mil ou 100 mil pouco importa, então despaímos cada
um para cada canto, não podemos falar entre nós temos uma câmera
a apontar para nós, como um burro com orelhas, como se fazia
na escola há muitos anos, e ele vai de um lado para
o outro e diz vamos fazer um exercício, eu chego ao pé
de um e digo-te o número e depois vou ao outro e
digo o número que ele te deu e vamos fazer isto seis
vezes e depois eu digo quem ganhou. E tu não fazes a
mínima ideia do que é que és rei dos jogos. Um cara
chega ao pé de mim e diz como o colega, que por
acaso era o turco, diz 35, eu disse 36 e depois vem
lá e o turco tinha dito 100 e eu, ai é, sacana,
1000! Pumba! E quando te dás por ti, estás 10 milhões e
depois ele diz ganha este, ganha aquele e só no fim é
que ele te diz que o vencedor já está pré-definido, tu não
sabes. O que estás é... Gastei lá uma coisa em Excel, onde
vai pondo até onde é que tu esticas os boundaries da tua
agressividade supostamente negocial.
No
último dia a negociação é uma negociação pura. Já ao fim de
quatro dias vamos aprender como se negocia. E ali o postulado é
a negociação win-win. Ou seja, tu tens que tentar ganhar para ti,
mas não podes fazer com que a negociação quebre. E portanto, tens
um time negocial, tens um porta-voz, tens um estratégia, tens um analista,
exatamente como se estivesses a comprar uma adega em França e há
ali um momento em que ao fim de quatro dias estás fechado
e começas a refletir e uma das coisas que eu discuti com
este alemão, que é um amigo meu, dizia, ele, pá, isto está
destinado a nós, tínhamos... A nós, começámos a... Quase que é da
natureza humana, eu ao fim de dois dias já estava... O italiano,
que era o estratégia da outra equipa, eu já não podia ver
lá à frente, já estava ali, pá, ouve, levas uma pera... Não,
não, não. Portanto, é difícil a não haver a propensão para a
polarização quando vais para estas coisas muito sofisticadas e onde aprendes sempre
a melhor maneira de conseguir maximizar o teu proveito e em consequência
disso muito provavelmente minimizares o proveito do outro. E em política tu
notas muito isso. Justamente, sim. Vês isso...
António Gomes
E é muito mau, porque depois já tens os trampos da vida,
ou o Trump em particular, que vai buscar todo o marketing agressivo
de rua, se quiseres, quase de casino, estás a ver? E que
transportou isso para a política e, portanto, é realmente e unicamente o
Valtudo. Fake news, alternative realities, e o Neymar
António Gomes
Por acaso havia uma coisa que gostava de te falar, falámos de
mercado e que achava interessante, deixar-te aqui como um apontamento mais inovador
e tecnológico sobre o que nós fazemos, porque tem a ver com
este sinal dos tempos e que eu acho que é um motivo
de preocupação. Eu vou-te explicar a ponto. As pessoas estão preocupadas com
o stay away covid, com terem a app e em consequência disso.
Umas dizem que sim, outras dizem que não. É igual. É igual
neste sentido. O Big Brother is watching you, hoje, é muito mais
expressivo do que alguma vez as pessoas. O comum dos mortais em
Portugal tem a vaga ideia do que se acha. E uma das
últimas coisas com que eu tropecei foi um paper, mas também com
uma conversa que tive agradável com um rapaz, que é o Pedro
Almeida, da Mindprover, que é uma empresa de Braga e que eu
acho um projeto muito giro e que estou a ajudá-los, faço lá
parte do advisory. E estávamos os dois a conversar sobre a utilização
de dados dos personal assistants nos Estados Unidos como uma forma de
research, dito passive measurement. E as últimas coisas que são a ser
feitas são absolutamente assustadoras. Eu vou-te dar um exemplo. Uma Ciri, se
tu tiveres o hábito, e na América tem-se muito mais do que
há, e para isso caminha, tens uma personal assistant a quem d
as indicações de tudo. A Ciri, se tu lhe disseres chama um
Uber e eu quero ir ao Hospital de Santa Maria, ao fim
do terceiro dia tu ires, a Ciri comunica para a agência de
seguros e tu tens um agravamento de apólicis por fostes três vezes
a um hospital, mesmo que tenhas ido visitar alguém.
António Gomes
Ah, seguramente, seguramente. Só te estou a explicar até onde é que,
por exemplo, esta coisa simples que é um personal assistant sabe coisas
sobre ti. Tal como neste micro que está aqui à minha frente,
a da Amazon Alexa, por exemplo, foram dois casos que aconteceram. Há
um muito engraçado e há outro que é preocupante. A Alexa aprende
a ver como tu respiras. E por exemplo, a Alexa estiver ligada,
sabe se o tiveres a ofegar por estares a ter relações sexuais.
E vai estabelecer uma correlação com algum conteúdo audiovisual que tu tenhas
visto. Se tiveste a ver alguma coisa na última meia hora porque
ela capta o som do que a televisão teve a enviar. E
as pessoas não têm a mínima noção disto. Não fazem ideia. Têm
a Alexa ligada e pedem à Alexa, muda de canal, põe este
filme, põe esta série, põe não. Há um tipo, e lembra que
estamos a falar da inteligência artificial, há um tipo que o ano
passado, antes do Covid, cada vez que a equipa de beisebol dele
ganhava dizia à Alexa, marca-me no bar não sei quê que eu
vou lá jantar. E ela aprendeu a estabelecer uma correlação. Há um
dia em que a equipa de beisebol ganha e ele nos primeiros
5 minutos, na euforia da vitória, não lhe diz nada. E ela
fala para ele e diz-lhe, marco no bar, não sei quê, às
6 horas para tu ires festejar. Porque ela já tinha estabelecido o
padrão de correspondência, portanto sabia que era depois que o gajo ir
para ali, beber o copo e marcar uma mesa e não sei
quantos. Eu acho isto muito mais, por um lado, aliciante, claro que
isso depois gera o big data e o passive measurement, desde que
não se viole o... Enfim, aquilo que é a privacidade de cada
um, mas isto ao mesmo tempo, o big brother é inacreditável, eles
depois não têm a mínima noção. Nós na área de research sabemos
disto. Sabemos disto porque sabemos que a Google, o Facebook, a Amazon
e outros players têm cada vez mais informação sobre nós.
António Gomes
a ser preciso explicar porque é que acontece. Exato. E o porquê
é, na verdade, tudo aquilo que motiva. Marketeers, agências de comunicação, agências
de meios, do ponto de vista, por exemplo, do consumidor para que
ele haja de uma determinada maneira e tu tentas obter todo o
big data para que haja um determinado comportamento, mas depois falta estabelecer
as correlações e aquelas que garantidamente fazem explicar porquê. E no límite
falar com o consumidor, perguntar, sei lá, para quem faz isso e
aquilo. Porque é a grande questão, é porquê?
José Maria Pimentel
Há uma coisa que eu estava a pensar, quando estava a preparar
esta conversa, já pensei nisso várias vezes e tinha curiosidade de saber
se tu tens essa experiência. Já tive essa experiência direta, já observei
no outro vivendo de fora e também já ouvi pessoas queixarem-se disso,
sobretudo nestas áreas de... Como é que tu trabalhas? Que são chamadas
áreas B2B, não é? Uma empresa cujos clientes são empresas, não é?
E aquilo que as pessoas questionam às vezes, e que é um
fenómeno interessante, que tem muito que ver com a organização interna das
empresas e é, em certo sentido, pode ser visto quase como um
paradoxo do modelo de negócio das empresas, um paradoxo do capitalismo, é
que há no interlocutor, neste caso no teu interlocutor ou na tua
interlocutora da empresa que está a contratar, no caso de ser uma
empresa que está a contratar o serviço, Sobretudo se for uma empresa
grande, essa pessoa não é o CEO ou a CEO, essa pessoa
tenderá a ser, ou quer dizer, pode ser, mas noutros casos não
será. Noutros casos será uma chefia intermédia. E essa pessoa muitas vezes
o que rege a decisão é mais uma aversão ao risco do
que propriamente maximizar o retorno, sobretudo se houver o risco por trás.
E portanto ela, por exemplo, no teu caso eu imaginaria que aconteça
muitas vezes a pessoa dizer, tudo bem António, estás-me a propor este
estudo diferente e que os outros nunca fizeram e que se calhar
vai dar um insight que eu não tive antes, mas eu prefiro
ir pelo valor seguro que já estava mais do que visto, os
concorrentes sempre fizeram isto, isto sempre funcionou e eu para cima, se
precisar de justificar, justifico que a pessoa vai reconhecer que aquilo já
foi feito, um focus group que toda a gente já fez ou
uma coisa assim. E essa invenção que tu estás a propor parece-me
muito giro. Mas se isso corre mal, eu estou tramado. E se
correr muito bem, eu na verdade não vou ter... Tenho uma pancadinha
nas costas, mas não vou ter o benefício total de ter corrido
bem. Se correr mal, estou lixado porque...
António Gomes
deles de certeza. Sim, sim. Eles têm uma coisa muito curiosa que
ele explicava... O que ele me explicava é... Nós sabemos que há
duas pessoas com poder de decisão financeiro para escolher quando estão três
ou quatro consultoras lá, para uma coisa que é uma mudança de
um modelo de negócio e portanto não é uma coisa fácil. Custará
certamente milhões, não só em Portugal, no mundo inteiro. E portanto nós
sabemos que há duas pessoas que decidem, que é o CFO ou
o CEO, para o final. Obviamente quando somos chamados e quando acontece,
estamos lá com 5 ou 6 consultoras, está uma equipe, um staff
enorme de uma grande empresa, de uma HP ou de outra coisa
qualquer, mas nós não queremos saber dos outros. Fazer o pitch para
nós pode nos custar muito dinheiro e, portanto, nós temos modelos de
questionário, onde não é um questionário, nós não perguntamos nada, mas onde
anotamos determinados comportamentos e padrões que visam, para é definir qual a
probabilidade de nós podermos ganhar o pitch, para investirmos as horas e
os milhares ou centenas de milhares de euros, porque sabemos que estamos
5 à mesa e eles vão ter que escolher uma. E nós
testamos modelos para perceber na reação do CFO e do CEO se
nós estamos no jogo ou estamos fora de jogo. Porque a partir
do momento em que lá um dos nossos indicadores diz Most probably
out, nós não perdemos um minuto, nem fazemos perguntas. Depois é muito
engraçado que eles sabem, ou melhor sabem, por experiência sabem que há
um determinado momento na negociação das perguntas que são feitas em que
um destes dois, se é FA ou se é EU, dão sinais
da sua preferência. E isso é muito importante fazer uma detecção precoce,
porque o resto da negociação já é on price, já não tem
a ver com a escolha. Eles já disseram eu quero ir trabalhar
com a Deloitte, por uma razão ou por outra, não porque o
digam, mas porque as suas perguntas ou o interesse naquilo que é
o raciocínio que eles apresentam ficou claro. Depois a partir dali... Estás-te
a investir? Exatamente, pois agora é preço. E portanto, o investimento pode
outra vez ser maximizado em pitch porque nós já falámos e eles
já daram sinais que gostam, agora vamos é pôr tudo nos nossos
negotiation skills para tentarmos maximizar o proveito e já está, e daqui
sair. O que não deixa de ser engraçado, está a ver, nesta
lógica de até sofisticarmos este modelo de perceber qual é a probabilidade
ao não me sair e se vale a pena continuar a fazer
esta inversão aqui. Porque há dois decisores. Portanto, eu diria que normalmente
cada CEO é um CEO, uns são mais aversos à mudança, outros
são menos. Tem a ver com a formação de cada um deles,
tem a ver quase com a sua personalidade, de serem mais excêntricos,
independentemente do dinheiro que estão a gerir. E, portanto, há um bocadinho
de tudo, entende-se? Tudo no fator de risco.
António Gomes
acima. Certo, certo. Eu tive uma experiência muito cheira. A história da
cerveja Bohemia, passando aqui publicidade à marca, é muito engraçada porque nós
começámos no início, na gnese de tudo isto, por a Superbock ou
neste caso a Unicer, ter uma cota de mercado em que estava
claramente em vantagem face à central ser e de eu ser chamado
à central de cervejas para um primeiro briefing inicial, onde foi tipo
o blank board, ou seja, isto está tudo em branco, mora lá,
pensarmos. Depois da LIDER evoluou uma série de coisas, fizemos, vou exagerar,
30 estudos, entende? Mas o ponto de partida de tudo aquilo foi
uma coisa giríssima que foi... Ok, vamos pensar... Pá, como é que
se encara a cerveja? Como é que é esta cerveja? E então,
Eu na altura dava aulas na Faculdade de Ciências Humanas na Nova
e havia um fulano que lá estava que era o Gabriel Pereira
Bastos, que era professor de Antropologia e eu achei trazer para cima
da mesa uma abordagem completamente diferente. Repara, o ponto de partida era,
para ele central, porque é que há as rivalidades regionais que fazem
com que a SACRES não seja aceita no Porto e simultaneamente o
Superbóquio é mais easily accepted em Lisboa. E portanto, eu perguntei ao
José Gabriel, que era um pouco mais velho, irmão de um amigo
meu, se ele estava disponível para ir fazer uma palestra, paga naturalmente,
e onde ele tentasse ir buscar pistas sobre isso. Ele disse-me que
sim. Contactou dois ou três, ela já era orientadora de teses de
mestrado e de doutoramento, contactou duas teses de doutoramento, uma delas forçava
sobre o tema, e portanto os gajos, que um deles era do
Porto, lhe disse, pá, saga, esquece lá isso e tal. Eu nunca
mais me esqueço, quando ela fazia a apresentação, era um professor de
Antropologia, como os bons professores de Antropologia, aquele boneco, entre aspas, num
sentido negativo, de Pá, uma barba comprida, mal feita, uma pasta de
cabral toda velha, só faltava aí de chinelos e estava ao borde
da Central de Cervejas.
Pá,
e o Alberto... O Gabriel começa, despirou uns 10 minutos, começa a
aversar sobre o significado da cerveja e sobre o facto da espuma
da cerveja ter uma alegoria, uma metáfora ao esperma humano. E o
Alberto Ponte, que era o CEO da Central de Cerveja, d-lhe para
mim, tipo, o que
eu
peguei por isso? E eu, Oh my God, fomos demasiado longe no
Fora do Engasgo. E depois acabou, entre aspas, quase a sair em
rombos, porque depois deu 40 mil pistas sobre o tema dos vasquesés
dos regionalismos, de toda a parte identitária das regiões e das diferenças
e portanto foi um excelente trabalho para começarmos a construir uma estratégia
que levou a que a Boêmia fosse vencedora e, ao mesmo tempo,
entre toda aquela gente de... Aliás, estava à frente o diretor de
Martin Guerrero Nuno, que está hoje nos Estados Unidos, aliás é CEO
da Diageo e recordo-me de ele estar nessa apresentação também. Portanto, estava
toda a equipa de marketing, toda a equipa de business development da
Central e foi muito engraçado porque depois todos se nivelaram naquilo que
era o entendimento do que afinal o que é isto das rivalidades
entre o Porto, o Norte, o Centro, o Sul, os Alentejanos, os
Algarvios, as Beiras... Mas há ali um momento em que tu, a
propósito da tua pergunta, do risco, não é? De a pessoa que
aceita este desafio e tu ficares ali... Epá, isto é demasiado fora
da
António Gomes
o Gabriel ia dizer, não é? Eu tinha na altura, não sei,
30 e algo, 40, ou nem isso. E pá, o Gabriel já
tinha 60 anos, ele nunca tinha sido meu professor, mas podia ter
sido e portanto eu não me atreveria eu tinha lhe dado o
briefing do que queria, ele falaria e portanto teria utilidade, não tinha.
O problema foi o início que ele dá à coisa e eu
pensei, oh, está tudo perdido. Eu nunca mais falto a trabalhar com
a Central Surveys.
António Gomes
falar de dois, só por um motivo. Tu há bocadinho falaste... Começámos
a falar do Shiga e pronto, é difícil não acabares a pensar
em movimentos fascistas Não quero que as pessoas me interpretem mal e
que seja necessário me oferecer uma colagem. Isso é um juízo de
valor, pouco importa. Mas lembro-me de há dois, três anos de ter
lido e de ter achado divertidíssimo uma biografia do Mussolini e que
eu acho especialmente interessante porque acho que o registro do Mussolini, não
por causa do Adrian Ventura, mas até o Trump. Às ontem vi
uma caricatura em que se punha Trump com o Mussolini com a
mesma face, é muito parecido um com o outro e acho especialmente
interessante. Mas vá, uma biografia porque foi escrita por um tipo inglês,
vale a pena ver, é um livro que alha masso e chama-se
qualquer coisa a história de Mussolini, é o equivalente. Bem, tem duas
ou três notas deliciosas, uma delas por causa do grau de sofisticação
de um líder populista. O Mussolini recusou sistematicamente assistir a um evento
com um embaixador de inglês em Itália na altura em que ele
é eleito, em 30 e poucos, e eles não estavam a perceber,
quer dizer, percebiam que ele não quisesse estar com os ingleses, mas
na prática não tinha havido guerra, foi antes da guerra e, portanto,
ele é pressionado por toda a gente no governo a dizer que
temos mesmo que estar com o gajo, e o gajo não quer
porque ele é de origem humilde, é um tipo que não tem
maneiras, não tem educação, mais ou menos. E, portanto, vem a história
desse jantar que nós sabemos que aconteceu assim por cartas reditidas pela
menina do embaixador, que conta a história do meu primeiro jantar com
Mussolini. A questão é, ele não sabia usar os talheres. Portanto, ela
tinha uma carrada de talheres e tentaram ensinar, ele não conseguia. E
então, ela apercebe-se disso. E como se apercebe disso? Apercebe-se que ele
está a tentar ultrapassar o problema fazendo um truque que é usando
os talheres que ela usa para comer as mesmas coisas que ela
usa e então ela troca os talheres e o zolimê que não
sabia, tinha mais que pensar, ira troca também, acho este apontamento delicioso
para além de outro que eu acho
que... Troca de
mãos, é isso? Não, usa-os erradamente.
Ah, sim, troca
de funções. Troca de funções de cada um dos talheres e aí
tem a certeza e a confirmação. Este homem não sabe e, portanto,
vai fazer tudo o que eu fizer. E, portanto, começa a agonizar
com ele, põe água num copo, num outro copo diferente e coisas
do género e o Mussolini faz tudo o que ele pode. E
depois, no meio desta áurea, não é? O Ildudes é um homem
assim com esta projeção e com esta pujança. Tens outro aspecto curioso,
mundano. Eu gosto destas coisas que... Os pés de barro, não é?
Ele tinha imensas amantes. Teve depois uma doença sexual transmitível, mas ele
tinha basicamente... Ele era muito pouco higiénico, não tinha uma higiene propriamente
recomendável.
António Gomes
tinha aquilo que os portugueses vulgarmente chamam de chatos e não conseguia
combatê-los. E isso trazia imensos problemas em alguns eventos públicos, porque estava
aflito. E eu acho delicioso que as pessoas possam ler um livro
que conta o outro lado de um detenedor com a amante, e
a amante a chatear a cabeça e o tipo já não sabia,
já não tinha paciência para aturar. E depois, uma delas, que foi
a mais relevante, mas o livro versa sobre várias delas e também
a relação e as discussões dele com o Papa, porque ele na
verdade tem uma relação muito tensa com o Papa que depois acabam,
não por ser amigos, mas por se tolerarem um ao outro. É
um livro giríssimo. O livro que eu recomendaria é um que eu
reli há duas semanas, foi de fim de semana para parar um
bocadinho e peguei num livro e peguei nele na sábado à noite
e terminei na segunda de manhã que eu já li para aí
vinte vezes e gosto de ler de vez em quando e que
se chama As Cruzadas Vistas pelos
António Gomes
Eu acho absolutamente delicioso a tendência suicida de toda aquela gente, porque
são uma quantidade de cidades, naquilo que hoje é o território do
Iraque e sobretudo da Síria, que vão sendo conquistadas pelos cruzados. E
há ali uma determinada altura, que não tem graça nenhuma, mas eu
acho absolutamente inacreditável, que é os príncipes seljucidas, que são na verdade
os herdeiros dos turcos que ocuparam e que invadiram aquela zona e
portanto tu tens os líderes religiosos que não têm poder político e
o verdadeiro poder político está nas mãos de antigos escravos turcos. Na
verdade é esta a dinastia selva-sorcida que controla. E portanto há uma
série de reis e de vizires e o rei que o parte,
estão todos por ali, uns irmãos dos outros. E o que é
absolutamente delicioso é o pânico que eles têm inicialmente dos Cruzados e
depois a seguir dos pânico de serem traídos pelos seus pares. E
portanto, têm-se histórias inacreditáveis de, depois de uma primeira tentativa de reconquista
de uma cidade que
os
cruzados tinham ganho, um irmão propõe aos príncipes cruzados que se juntem
a ele para correr com o outro irmão que estava noutra cidade.
E uma dessas primeiras vezes que o Gudofredo ou um desses recebe
aquela proposta e ele fica tipo... Pá, esses gajos são completamente malucos!
Tipo, estes gajos estão-me a propor a mim que eu que sou
o invasor que ele quer correr, que conjuntamente com ele vá atacar
o irmão, porque tem medo que se ele me atacar a mim,
o irmão pelas costas venha e lhe tire a cidade que ele
tinha. Exato. E eu acho que este livro é delicioso para termos
uma exata noção de compreender o que é o Medio Oriente, o
que é aquela Síria, aquele Iraque hoje. E pronto, aquilo não tem
solução. Aquilo vai ser sempre assim. Uma história de traiçes e de
outras traições sobre traições. E pronto, é uma pena. Mas ao mesmo
tempo é delicioso. Vemos lá nós caracterizados como cruzados. Não propriamente como
louros, principouros, altos e olhos azuis, mas antes pelo contrário. Mas pronto,
vale a pena. Sim, sim. Eu gosto de ler de vez em
quando.
José Maria Pimentel
essa. Este episódio foi editado por Martim Cunha-Reu. Visitem o site 45graus.parafoods.net
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