#98 António Gomes - o eleitor português, o futuro dos jornais, big data e muito mais

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José Maria Pimentel
Muito bem-vindo ao 45 Horários, António. Olá. Tu tens... Já há muitos anos de observar os seus seres humanos, em particular os humanos, que vivem por Portugal. Então são uma série de coisas, desde o geral da GFKP Métricos, uma empresa que faz parte da multinacional de estudos de mercado GFKP. O convidado tem uma carreira de mais de 25 anos nesta área de estudos de mercado, onde tem trabalhado para vários setores e indústrias, como por exemplo o setor da saúde, da comunicação social, do que é que tu tens estado a observar ao longo dos últimos anos? Como sabem, pelo tipo de temas que aborda, cabo muitas vezes por conversar com investigadores e professores do MCT. Não posso propriamente questionar dos resultados, mas lembraremos de convidar o António para o podcast precisamente porque a
António Gomes
experiência prática dele na área de fundo de mercado leva a ter uma visão diferente em relação a uma série de temas, desde a Psicologia Humana, à Cultura Portuguesa, à Política, ao Futuro Digital, enfim, uma série de temas que abordámos no e-team hoje. E foram de facto muitos. Como
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o António tem estudado sobre os portugueses,
António Gomes
nos nossos papéis alternantes de cidadãos, barrios, editores, consumidores e de espectadores, comecei por lhe pedir que descrevesse o que mostram os estudos sobre as nossas especificidades nestes aspectos face ao outro país. Daí partimos para discutir uma série de outros tópicos, desde as mudanças recentes no mercado audiovisual, o surgimento do streaming, aos podcasts e ao futuro dos jornais, passando pela ameaça que o big data traz cada vez mais à nossa privacidade e ainda à vida de quem gera uma empresa de estudo de
José Maria Pimentel
mercado, uma atividade que torna muitas vezes necessário vender a quem lidera empresas ideias muitas vezes arrojadas e nem sempre consideradas, pelo menos à partida, bem vindas.
António Gomes
O António conta quase no final do episódio uma bela história sobre estas leads e sobre um episódio que lhe ocorreu. De caminho falamos ainda da visão do António em relação à ascensão do Chega,
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um fenómeno que, como sabem apanhotes, preveniu-os a maioria das opinião-makers da opinião publicada.
António Gomes
Atenção que a conversa foi gravada há cerca de 2-3 semanas, ou seja, antes desta polémica da última semana relacionada com o Governo Regional dos Ações, o que acaba de certa forma por tornar ainda mais prescientes algumas das observações do antónio. Entretanto, quem ainda não participou, não
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se esqueçam de deixar um like, porque são mais suficientes do que parece, para um só maior convidado ou outra convidada que gostariam de voltar a ouvir no podcast e dois,
António Gomes
se quiserem, partilharem as vossas perguntas para o episódio especial dos duvidos que vou gravar nas próximas semanas. Não se esqueçam que podem ser perguntas, quer sobre temas que foram abordados nos episódios, quer sobre o aspecto mais específico do podcast, seja relacionados com a preparação,
José Maria Pimentel
seja relacionados com os aspectos mais técnicos. Encontrou um link para este episódio, na descrição do
António Gomes
vídeo, até à próxima, deixo um pouquinho com António Gomes. Isso, exato. Então é que sei. Bom, só sei que o Filipe aí me exige, mas olhe, Inés, quando vamos fazer esta porcaria, salve seja, porque antes disso temos que saber se os portugueses sabem do facto. E o mais provável é que vamos gastar, entre aspas, consumir imensas entrevistas para perguntar, ouviu falar deste caso em que o ministro disse isto e isto e vamos ter e-mails que não ouviram. Por um lado tens aqui uma questão que é a dimensão do desconhecimento. A imprensa ou a mídia em geral faz eco de eventos que no fundo faz parte deste mundo da comunicação social, onde todos discutem intensamente factos políticos e nem todos têm a importância que a população desatribui. O bom senso digo numa perspectiva que é quando a demagogia é em excesso, por uma razão ou por outra, o eleitorado em geral é mais ponderado do que aquilo que, insisto, os policiais possam pensar. Uma das coisas que eu acho mais curiosas, por exemplo, foi o resultado do referendo à regionalização, como sabes foi feito há muitos anos, e também o tema só agora é que voltou a estar na agenda, dada a natureza da votação e da forma como votaram, mas eu acho delicioso, porque na altura, se te recordas, o Presidente de Fogo do Porto de Pinto da Costa foi um dos envolvidos e um dos que mais deu a cara pelo tema. E portanto esperava-se um resultado renido, mais ou menos aconteceu, não significativamente renido, mas eu achei curioso que o referendo só passa, ou seja, a votação a favor da regionalização, só passou no Conselho do Porto, em todo o grande Porto, E recordo-me que ele próprio dizia o Porto vai todo votar a favor da regionalização. Portanto, agora, eu não estou a atribuir à decisão de não avançar com a regionalização um cariz de... Essa era a posição correta e em consequência disso revelou bom senso. Bom senso foi naquilo que foi, se quiseres, a natureza dos argumentos apresentados para que se votasse de uma determinada maneira e as pessoas não foram atrás disso. Entendes? Quanto aos consumidores, eu penso que nós estamos a viver... Não é por acaso, esta fase muito singular da pandemia há de trazer certamente consequências. Mas eu diria que o último grande facto relevante que de alguma forma condicionou o comportamento dos portugueses estamos a falar de major trends, ou seja, grandes tendências foi inequivocamente a crise, ok? A crise que é de 2009, naquilo que tem a ver com a parte financeira, que é o primeiro momento dito, mas que depois...
José Maria Pimentel
É, 2011, 2012.
António Gomes
Exatamente. Onde, se quiseres, o facto mais relevante foi, inequivocamente, nós na altura chamávamos as micro-tendências que íamos apanhando a afirmação do homo-económicos ou homem racional-económicos. O que tu vistes foi um movimento mais ou menos deste tipo, com um downplay de uma despromoção de categorias de consumo em que no entender do consumidor não valia a pena ir atrás, digamos assim, de um custo em excesso por troca do branding e da promessa aspiracional da marca e em contrapartida fazer uma gestão mais racional da carteira, guardando esse espaço da marca e em consequência da presunção de qualidade para determinadas categorias. No fundo, tiveste uma troca. Eu costumo usar o exemplo, se calhar até à altura as pessoas, não dando muita importância, mas chegavam à prateleira e compravam uma caixa de fósforos como um ato normal de algo que não olhavam para o respectivo valor e até o preço da caixa de fósforos e em consequência da marca começaram a não o fazer.
José Maria Pimentel
E começaram a comprar mais marcas brancas, por exemplo.
António Gomes
Exatamente. As marcas do retalho ganharam uma projeção muito significativa. Provavelmente há alguns especialistas da área de educação que essa tendência a firmar-se independentemente da própria crise, isto é, isso tem a ver com as tendências de evolução do retalho, que invariavelmente um dia assumiram este papel de player e tens categorias onde o retalho tem um peso absolutamente inacreditável nas marcas aliás tens situações onde o retalho basicamente quase que faz life saving de marcas concorrentes para não ter 100% de cota de mercado porque lá está... Como é que é? Desculpa, agora não percebi. Tens categorias onde o retalho tem que apoiar os pequenos produtores para que não tenham 100% de cota no mercado, porque senão aquilo pode gerar problema. Não é só em Portugal, é na Europa em geral, nomeadamente na Europa, onde é difícil tu conseguires concorrer. E lá está. Se estiveres a falar deste tipo de categorias que sofreram uma despromoção significativa decorrente das pessoas terem muito menos rendimentos e portanto vou viver com metade ou dois terços do que tinha, como é que eu vou fazer em relação aos consumos que realizava? Temos tudo o que tem a ver com consumos não de bens de primeira necessidade, tudo o resto, vou negociar o contrato de telecomunicações, vou renegociar o contrato da televisão, whatever, e dos seguros, por exemplo, se quiseres, mas também vou alterar o meu padrão de consumo. Eu diria que a fase da crise foi uma fase relevante em que se assistiu muito a
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isto. Pensado ter mudado também a maneira como as marcas faziam o marketing, não é? Porque... Com certeza, com certeza. Tinhas que passar a apelar, imagino, também a um lado mais funcional e menos a esse lado aspiracional.
António Gomes
Também, e a toda... Para
José Maria Pimentel
a mesma marca, aqui digo para a mesma marca. Sim,
António Gomes
foi uma luta, vamos lá ver, as marcas, fabricantes e marcas continuam a ter e continuarão a perpetuar uma guerra entre aspas muito significativa e expressiva com a distribuição, até uma das... Eu recolhei... Uma vez fui a um cliente e um grande fabricante muito conhecido, um dos maiores players, e estava a passar por uma sala na CAVE e ouvia-se uns gritos enormes lá e a esta-te-as eu estranhei e pensei, isto é uma empresa, uma multinacional, o que é que se passa aqui? E a pessoa me ia levar para a sala de dia ter reunião. Já se fosse para mim dizer assim, apá António não ligo. Isto é onde é a sala da negociação para lidarmos com a distribuição moderna. Que retalhe-o a sério. Sim, sim, nós temos role playing e treino para andar aos gritos com a distribuição. Bom, se isto está assim, imagino como é que a coisa vai ser. Mas sim, as marcas tiveram que apelar a esses elementos de natureza funcional e não só. Houve um bocadinho de tudo, ou seja, criar sub-brands, sub-marcas, criar produtos com... Ou seja, apelar também à componente da qualidade. Também tiveste aqui e ali a sensação de que, repara que tu próprio usaste uma linguagem que a distribuição detesta, ao retalho que é a marca branca, reparaste o branco, esta noção de ambas as partes houve uma luta relativamente a este tema, que não está terminada, mas que teve muito a ver também com este fenómeno que eu disse. Acho que hoje a pandemia e a pós-pandemia trará também algumas alterações significativas de comportamento por parte dos consumidores. Aguardemos. Deixa-me dizer-te, tal como as ditas marcas de distribuição. Também a parte dos genéricos. Foi por nos últimos 10 anos que ganhou um impulso. É verdade que os genéricos, na parte que tem a ver com a indústria farmacêutica, também têm este impulso alavancado em medidas de decisão política e, portanto, há aqui uma promoção proactiva de uma diminuição do preço dos medicamentos e, em consequência disso, dos ditos genéricos, mas que de alguma forma andam atrás disto, como eu disse, que é uma alteração do comportamento por parte dos consumidores às grandes alterações. Há pequenas coisas que não são grandes, mas que são relevantes, provavelmente faltaremos sobre elas mais à frente, sobre o peso do canal online e, portanto, aquilo que é hoje o comportamento de compra prevido online e, em consequência disso, quanto é que isso determina uma alteração dos hábitos de consumo por parte dos portugueses. Deixa-me dizer-te que eu acho que o pós-crise trouxe alguma euforia. No fundo foi uma euforia... Compensação. Sim, uma compensação que, repara, acabou por bater contra este muro enorme em março de 2020, que está pelo nome de Covid e que fez parar tudo, mas a verdade é que vivias pretty much num clima bom, onde tinhas as pessoas otimistas, entusiasmadas, muitos turistas, muitas formas mais ou menos protocoladas e formais de ganhar dinheiro, mas havia um bocadinho de tudo. Estás a ver? Ah, eu vou abrir um alojamento local, ah eu tenho uma... Não sei, whatever. Moldes de coisas que criava. E isso fez com que houvesse um aumento do consumo e houvesse o espaço para que as marcas voltassem a ocupar o seu natural lugar, que quando eu digo natural é no sentido de ter uma componente aspiracional e atraindo por isso mais o consumidor, ou pelo menos desafiando-o a voltar a considerá-las e a pagar mais pelo respectivo valor.
José Maria Pimentel
Mas idêntico... Ou seja, tu achas que se voltou àquilo que era o status quo pré-crise?
António Gomes
Não, não, não. O almoço económico deixou lições, entendes? Se tu pensares, este fenómeno não foi só cá. Lembra-te de coisas como os coupon groups, lembra-te de coisas como os descontos pague dois, leve quatro e descontos imediatos. Tudo o que foi usado, abusado e que se manteve ou que tende a manter-se e a perpetuar-se como mecanismos dentro do universo das promoções e dos descontos, isso veio e não se alterou. E o consumidor trabalha e procura ativo e proativamente esses benefícios e isso foi, se quiser, um dos vestígios dessa altura. Percebes? E portanto não, não há um regresso a uma inconsciência de não olhar para os preços. Hoje estão mais cuidadosas. O que há é... Os consumos não se limitam, só a mais primeira necessidade e portanto houve mais espaço para se quiseres aquilo e o mimo, procurar dimensões no limite até de bem estar com um custo associado, mas que, olha, já tenho dinheiro na carteira, já posso fazer certas coisas que não fazia anteriormente. E um mimo pode ser ir comer fora mais vezes, entende-se? Passa por estas coisas, não tem que necessariamente ir a um spa ou passar um fim de semana fora. Mas, na verdade, pouco e poucas pessoas voltaram a níveis de consumo, se quiseres, próximos do que existiam antes da dita crise financeira de 2009. Em relação à dimensão dos espectadores, e só para terminar, falaste-me de três dimensões, assim muito rapidamente. Bom, aqui há uma mudança que tem a ver com esta inevitável progressão e manutenção e persistência daquilo que são os fenómenos associados à internet, e eu digo internet para se perceber os consumos em redes sociais e sete redes sociais, tudo o que tem a ver com as ofertas no universo do streaming, portanto esta luta não fácil entre, por exemplo, canais editos generalistas, FTAs e os conteúdos por cabo e também os conteúdos de streaming as mudanças que isso suscitou, eu aí acho que há alguns temas complexos que ainda não estão... Eu não tenho uma decisão ou não há uma decisão, uma ideia completamente fechada sobre como é que tudo isto se resolverá, mas recordo-me, porque a minha formação é em psicologia, de que o ser humano é um ser eminentemente social e é preciso que para essas dimensões sociais existam conteúdos que gerem o princípio do bonding, ou seja, te estás com alguém e tens alguma coisa com quem falar. E das duas, uma, os conteúdos audiovisuais deixam de o ser e portanto passa a ser um consumo monádico e é só para mim e eu vejo uma série e mais ninguém vai poder vê-la pela razão de que não tarda muito. A oferta é quase nominal, estou a exagerar, mas se quiseres é muito tribalista e portanto não dá. Estamos 10 pessoas num café e eu ontem vi um IPJ disto e daquilo, não conheço, eu também não. Mas devias ver, mas como é que eu vou ver? Se eu estou a
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ver três eu vou meter
António Gomes
mais aquela? Isso por exemplo, e paradoxalmente pode abrir espaço a outras indústrias de entretenimento para vingarem como o elemento socialmente aglutinador ou agregador. Doutor, um exemplo. A indústria do desporto pode explorar isso. Porquê? Porque no matter what, o desporto é sempre o desporto. O jogo é sempre aquele jogo. Há de ser o Sporting Benfica, ou o Sporting Porto, o Derby, ou algo assim, não sei, é um jogo qualquer este fim de semana, mas é um exemplo. E até o que ele é suficientemente aglutinador e agregador. Na segunda toda a gente vai falar daquilo porque não há mais. Há mais desportos, mas o futebol tem essa vantagem. É o incumbente, o futebol é aquilo que... Podes desafiar a indústria do entretenimento por causa do quanto o streaming impacta. E
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há muita gente que vê, o que eu quero
António Gomes
dizer é isso. E tens sempre um tema para falar. Se tu vais cortar o cabelo ao barbário, na segunda-feira a primeira coisa é... Então, pá, o Sporting lá ganhou, já não podes dizer, então, a novela do não sei quê. Ou a série. Porque se calhar o senhor vai-te dizer, ah não, eu estou a ver uma série da HBO e tu, a sério, percebes? É curioso isso que diz. Eu acho que esse equilíbrio não está construído, mas forçosamente tem que ser construído. Será tribalista? Ah pá, inevitável. Tu notas que eu tenho dois miúdos em casa com 17 anos e um com 15 e é por mais visível que cada um consome lá as suas próprias coisas e essas coisas faz com que sejam subgrupos de subgrupos. Quer dizer, o mais velho fala com os colegas de um tipo de séries, o mais novo de outro tipo de séries, mas depois aparece Stranger Things que é aglutinador em eles. Quando eles estão juntos lá todos ao almoço e têm dois amigos de repente, viste onde tinham o IPA? E lá está. Porque senão eles não conseguem comunicar. Estás a dizer que eles precisam dessas coisas, precisam desse momento. O ser humano precisa e eles também, todos nós precisamos. Como é que nós comunicamos uns com os outros? A verdade é que do ponto de vista daquilo que é o principal meio para o conteúdo audiovisual que é a televisão, a televisão foi sempre pródiga em proporcionar esses momentos. Seja da primeira grande novela à Gabriela e depois disso concursos de televisão, pessoas ou protagonistas da televisão, por uma razão ou por outra, têm esse efeito. Repara uma coisa, há pessoas, se calhar eu, no limite, que falo de uma profissional como a Cristina Ferreira sem nunca ter visto a Cristina Ferreira uma única vez. Quer dizer, eu já vi pedacinhos de coisas que a Cristina Ferreira fez, mas estar a vê-la, imagina, de manhã, quando ela tinha operado, eu nunca vi. Mas sinto-me à vontade para falar. E isso é um elemento que em si mesmo me põe à vontade, porque se eu na segunda-feira o barbeiro me cera ou o cabelareiro, então e a Cristina? Eu tenho qualquer coisa para dizer. Percebe? É como o Ronaldo, por exemplo, funciona assim mesmo para pessoas que não gostam de futebol, que é curioso. Sim, sim, exatamente. Eu creio que este fenómeno de tensão entre streaming, cabo, utilização da televisão para outros usos que não, ver conteúdos audiovisuais, lá e esse, FTAs e não só, tudo isto tem que chegar a um ponto e tem que se gerar um ponto de equilíbrio. Eu acho que esse ponto de equilíbrio existe, é óbvio que prejudicou em número de horas não sumidas os canais generalistas, agora eu acho que haverá aqui um balanceamento e um equilíbrio. Por outro lado, as grandes Entidades de streaming estão, em alguns casos, não sei se com dinheiro... Isto é, com dinheiro estão certamente... Não sei se estão economicamente bem, mas dinheiro não falta para as Netflix e para HBO da vida. Vamos continuar a produzir coisas absolutamente extraordinárias em preço, depois extraordinárias também em qualidade. Não sei se haverá tempo ou espaço para que o mundo ocidental consuma estas coisas. Porque depois é preciso não esquecer-te, pois existem todos os outros conteúdos, conteúdos não exagerados, todos os dias, seja no YouTube, no TikTok, seja um podcast. Exatamente.
José Maria Pimentel
Isso que estás a dizer é engraçado porque o mundo dos podcasts, por exemplo, enquadra-se acho que até mais do que o mundo das séries, nessa lógica mais personalizada, ou seja, tu ouves um determinado leque de podcast e é muito difícil que ele coincida exatamente com o que um determinado amigo teu ouve. Pode haver um ou outro que vocês têm em comum. Aliás, essa é uma das coisas que se fala em relação ao caso português, é que há quem diga que é por isso que os podcasts, apesar de ainda não descolaram a sério como descolaram em outros países, é que tu ainda não tiveste um podcast agregador como o Serial, por exemplo, nos Estados Unidos. Que é um podcast, é uma história de crime e que de repente toda a gente via. Ou o podcast do Joe Rogan, por exemplo, que é muito ouvido. Tu aqui ainda não tens muito isso, ou seja, as pessoas tendem cada um a ouvir os seus e isso também provoca, retira essa possibilidade aglutinadora, no fundo, a possibilidade da pessoa ter uma partilha, ter a possibilidade de comentar com outras pessoas e se calhar, diria eu, abre mais espaço para que essa aglutinação tenha que vir de outros meios, como por exemplo do meio tradicional como a televisão, sei lá, o córrego para o tipo de pessoa, por exemplo, que ouve este podcast, por exemplo ou que faz, portanto, é isto também que eu queria incluir. O programa do RAP, por exemplo, do Ricardo Ospera, talvez funcione um bocado... Estou a falar um bocado contra mim porque eu nem tenho visto muito, mas é o tipo de coisa que pode funcionar assim, que tu vês também para poderes comentar. Eu acho que os conteúdos são complementares,
António Gomes
na minha perspectiva, entende-se? Ou seja, o que eu procuro nos podcasts, e um deles que recentemente comecei a acompanhar e a ouvir e que acho piada, que é o do Max Kellerman, que é um comentador sobre a NBA nos Estados Unidos que é um tipo que faz, conjuntamente com o Stephen A. Smith, um debate na ESPN e a verdade é que aquele debate é em televisão onde o tempo cada um pode... E repare que é um canal de esporte, onde cada um pode emitir o juízo de valor sobre o que é que aconteceu com o final, ou quem ganhou, os Lakers terem
José Maria Pimentel
ganho no final.
António Gomes
DNBA, eles têm 10 minutos no máximo para estar a dar opinião e depois aquilo é repetido over and over de meia meia hora, de hora a hora e aí tens as opiniões dos dois. O Max Kellerman começou há não muito as semanas atrás um programa de podcast e a grande vantagem que tu tens é, para mim, é claramente a windip, é a imersão, é ir muito mais longe. Eu creio que esse espaço do podcast pode roubar um pouco o espaço da entrevista escrita, transcrita, até porque tem uma enorme vantagem que é que tu vejas a pessoa no sentido da maneira como ela se expressa, porque a palavra escrita, como sabes, e esse é um dos grandes desafios, não tem um sentimento. É o maior desafio das ferramentas de sentimento análise, é que a palavra escrita não expressa a não ser que tu uses emojis e mesmo os emojis podem ser enganadores e portanto o podcast tem essa vantagem. O que é que o podcast tem de desafiante ou pode ser desafiante? O podcast é muito consumido no meu entender do que sei num registro próximo da rádio, entendes? É PC barra mobile phone based, não é? Portanto, temos de ter uma estrutura para o
José Maria Pimentel
que fazer. Sim, tendencialmente mais mobile phone.
António Gomes
Sim, e é muito remetida para determinados momentos em que a pessoa procura um determinado grau de concentração ou um determinado grau de estar ali no seu mundo e de estar a ter a oportunidade de o estar a ouvir. Tens razão de que falta talvez uma experiência em Portugal capaz de fazer explodir os ditos podcasts. O podcast tem uma coisa fantástica que é, ao contrário da rádio live, é a possibilidade de tu voltares atrás e ouvires. Agora, obviamente que eu devo conviver sobretudo e preferencialmente com isto que eu digo, que é fazer uma imersão em deep relativamente a determinados conteúdos ou à pessoa que tu queres conhecer ou àquilo que elas têm para dizer. O registro do Max Kellerman, por exemplo, é um registro onde tens jogadores ou tens pessoas que vão contar aquilo que nunca contariam em televisão porque não havia tempo para fazer. Para definir um parágrafo. É pá, um dia o Michael Jordan e eu íamos e não sei o quê, e fez-me tropeçar. Não há tempo para isto. Porque depois é preciso discutir aquilo que a pessoa contou. Entendes? Para ter assim um registro... Não,
José Maria Pimentel
é como nós estamos aqui, no fundo, tens de ter calma para poder... Para não teres a pressão do tempo para...
António Gomes
Mas deixa-me dizer-te, parecendo que é demasiado nicho, não é nada de todo nicho. Porque há uma coisa engraçada que é, nós hoje nivelamos todos o mesmo conhecimento. Naquilo que é os headlines, qualquer pessoa minimamente informada consegue diariamente ir buscar o essencial e, portanto, tu quando vais para um almoço ou vais beber um café ao final da tarde com alguém as pessoas já sabem o número de casos, já sabem que o ministro disse isto, já sabem que o Ronaldo não sei o quê e isso volta... Voltamos à natureza humana. Se tu quiseres produzir um grau de diferenciação com os teus interlocutores ou dizem todos o mesmo que é, pois o Benfica jogou bem, pois também é verdade, mas depois há sempre alguém que quer dizer sim, mas tu reparaste. E isso, umas vezes é análise do próprio, outras vezes é porque ouvimos os Max Kellermann da vida. Provavelmente a maior parte das vezes. A maior parte das vezes, porque eles é que têm... Eu tinha um... Só uma tensão engraçada, não é? Entre a pertença e a originalidade. Claro, é essencial teres o elemento de pertença para poderes dizer e depois a diferenciação, distinção social. Este fulano que escreveu sobre a distinção social tem a ver num limite, e provavelmente já tiveste aqui pessoas marketeers a falar sobre isto, que é nós próprios, inconscientemente, não é uma coisa que a gente esteja todos os dias a pensar sobre isto, mas que nos acontece que é que elementos é que nós vamos aportar à nossa pessoa, desde o que vestimos, das roupas que temos, se usamos um iWatch ou não usamos, para produzir algum pequeno grau de diferenciação, que ela é relevante. Também pela razão de que somos muitos e, portanto, sentimos essa necessidade de contarmos com os outros. Ok, mas eu pensei nisto, ou consegui dizer aquilo. E o podcast pode ocupar esse espaço. Não é só porque tu fazes imersão. Tu fazes imersão e tens uma síntese sobre componentes temáticas que te interessam. Percebes? Tens um podcast sobre cinema, tu podes ouvir um tipo a falar sobre os últimos lançamentos em Hollywood e tu de repente ao fim de uma hora sais dali e dizes eu estou pronto, venha de lá um jantar com os amigos e vê os copos porque vou dizer, ah não, mas aquele filme, pá, tu não sei se sabes estou ótimo, faço-me entender, percebes? Por isso não me parece, eu entendo a tua pergunta os podcasts vão ou não vão ganhar o seu espaço? Ah, vão. A alternativa é a palavra escrita e a palavra escrita tem mais desafios.
José Maria Pimentel
Não, o que eu queria dizer, ou por outra, revisando o que eu disse há bocadinho e agora pegando na distinção que tu fizeste, os podcasts já são muito bons, eu diria até que são a melhor coisa, mas sou parcial, para essa questão da distinção e de tu sentires que estás a absorver um tanto conhecimento muito grande e ao mesmo tempo a ter entretenimento numa área que te distingue ainda não estão a jogar num outro terreno, ou estão a jogar num outro terreno de uma maneira limitada, da aglutinação, ou seja, da experiência comum. Nesse terreno ainda não entraram, em Portugal, mas noutros países já
António Gomes
entraram. Sim, mas aí terás sempre um desafio que é, quando te massificares, o quanto é que tu perdes da peeling, na razão de que a massificação faz com que quem te ouve, se forem dezenas ou centenas de milhares, deixa de ser uma fonte de diferenciação. Isto é um paradoxo, mas é preciso ter em conta esse aspecto. Claro que... Às vezes não dá para ter o bolo e comer-lo neste caso. Dá, por uma razão, porque o podcast felizmente tem tempo para isso. E portanto, tu consegues, mesmo que vás para a mesa, beber um copo à noite com amigos e todos ouvirem o mesmo podcast, não é a mesma coisa do que todos ouvirem 10 minutos de uma entrevista em televisão. E se tu reparares, os programas de debate de desporto são com imagem, não vamos qualificá-los, não está aí em questão, mas se tu reparares a saturação de tempo é construída nessa presunção. Só que depois, como tudo aquilo é mais ou menos tático e tudo versa um objetivo e parece-me a mim há falta de um pensamento estratégico sobre o que é que aquele produto pode dar. Ou se calhar o pensamento estratégico é aquilo que tem que dar, é aquilo mesmo, é a ofensa, é o desengano, é criar ali uma mise en scène equivalente a uma novela, mas haveria oportunidade para uma coisa com maior profundidade, que eu já vi e vejo nos Estados Unidos, a propósito de todos de esporte que não é o futebol, onde se nota perfeitamente que é um podcast com imagem, se quiseres. Porque há muito tempo para se poder debater e em função disso as pessoas vão buscar a tal informação que lhes falta, aquela vontade. Tudo nasce da curiosidade, mas obviamente dá-nos imenso gozo estarmos a falar com os amigos e poder dizer uma coisa que nunca ninguém sabia ou nunca ninguém tinha pensado. Entende?
José Maria Pimentel
Claro. Já agora que estamos a falar disso, o que é que tu achas de um meio que tem passado algumas dificuldades? O dos jornais. Como é que tu vês o futuro dos jornais? Que é uma questão amplamente discutida nos últimos anos.
António Gomes
Amplamente Discutida, tem sistemas muito complexos, estás... Eu já não falo de jornais em papel só.
José Maria Pimentel
Não, não, não. Quando digo jornais...
António Gomes
É jornal. Exatamente. É o papel e é o meio de entrar. Falo se quiseres
José Maria Pimentel
do modelo de negócio do jornais. Modelo de negócio do jornal. Independentemente
António Gomes
das... É complicado, na verdade é complicado. Se notares, tivestes e tens algum esforço de tentar em Portugal que haja uma preocupação por parte dos publishers em assegurarem receitas por via dos anunciantes, tens um peso muito significativo para a sustentação dos modelos económicos do espaço da subscrição. Subscrição que é uma coisa complexa, não devia ser, mas que é uma coisa complexa porque continuar a fazer espécie aos portugueses pagarem por um conteúdo de informação. Tens obviamente a concorrência de um Google da vida e de alguns agregadores de notícias que te dão o fast food da informação e o fast food são 3, 5, 10 headlines e já está. Eu acho muito curioso, porque depois tens um paradoxo que é que já começas a ter muitos portugueses a atreverem-se a dizer é pá, a imprensa em geral é uma porcaria, as redações são só miúdos que não sabem escrever, não sabem investigar mas não fazem o mínimo esforço para pagar informação de qualidade porque informação de qualidade não se consegue produzir com a dimensão das redações que têm. Eu lembro-me há muitos anos atrás, há muitos, se calhar há 10, no entanto, o Pedro Norton, à altura da empresa, numa conferência muito interessante ali nas causas de comunicação social, falar de um tema que não me ocorria até à altura e que me impressionou e que tem a ver com... A comunicação social precisa de, whatever, uma quantia de dinheiro para assegurar a sua própria diversidade e o ecossistema de opiniões que uma sociedade livre, numa economia liberal e numa democracia necessita. E as pessoas não têm a noção de que a diminuição das receitas que estão a ocorrer vão forçosamente e por definição diminuir e produzir uma coisa que se chama a uniformização da opinião. E se reparares, isto é Uma coisa absolutamente assustadora, a uniformização da opinião baseada em três ou quatro fontes de informação onde vais buscar coisas básicas, é razão que insista. Há algumas opiniões por parte de movimentos mais radicais, por exemplo, nos Estados Unidos. Tu ouves um tipo que é apoiante do Trump E a primeira coisa que ele diz, ou a t-shirt dele diz, I'm not a sheep. Não quer ser um carná, não quer ir atrás de tudo aquilo que é. E estamos a falar, acho que a aula é de lá. E é engraçado, se você usar as redes sociais em Portugal, muita gente diz, eu não vou atrás do que é que... Ou eu quero ter um pensamento diferente,
José Maria Pimentel
ou procuro... Mas
António Gomes
não há. Não há porque as pessoas também não se encarregaram de, entre aspas, de ajudar a sustentar este modelo. Portanto, dir-te, é óbvio que o futuro é bastante desafiante porque tudo o que tem a ver com investimento em sede de meio digital tem uma desproporção na escala muito grande face a outros meios e portanto consegues e tens os Google e os Facebooks a poderem-te oferecer preços de investimento publicitário baixíssimos por comparação, por exemplo, com os jornais, portanto não haverá uma solução óbvia e fácil. Aplaudo, por um lado, o que o Google fez com o apoio que deu a alguns títulos históricos na Europa, parece-me inequivocamente uma possibilidade de caminho, mas isso não resolve o problema que o Pedro Norton tinha dito, que é a tal biodiversidade da opinião que é indispensável que tu tens. E tu repara que ele não estava só a falar de teres 10 colonistas, 5 a escreverem, imagina, a argumentar sobre um tema e 5... Não, não, não. Ele falava inclusive da imprensa regional e de... Entendes? Ou seja, a todos os níveis. Imprensa nacional, imprensa local, que também existiu durante muitos anos e que hoje se vai perdendo, o que é uma pena. Porque depois as pessoas... Reparem, uma pessoa que não é de Lisboa, que é de Viseu ou de Lamego, arrisca-se a não ter uma opinião sobre temas que lhe são relevantes, por exemplo, uma autoestrada que por lá passa e o que é que lhe deve ser feito, pela razão de que os meios de comunicação social locais estão diminuídos na sua capacidade de chegarem a elas e a nível nacional ninguém fala sobre o assunto. Percebes? Quando o próprio desenvolvimento tecnológico devia permitir o contrário. Percebes o que eu estou a dizer? E isso não acontece.
José Maria Pimentel
E tu achas que... Tu falas à vez de cada nossa pouca propensão para assinar no fundo dos jornais,
António Gomes
tu achas que essa é uma especificidade portuguesa face a outros países? Não, não, Não, não. Acontece em geral. Eu diria que
António Gomes
é mais frequente nos latinos. Nos países latinos notas mais dificuladas. Tem a
José Maria Pimentel
ver com o quê? Baixo nível de capital social? Não, acho que nós temos aquela... Ou seja, confiança
António Gomes
em... Nós temos aquela coisa de custar da cedeira uma coisa sem pagar por ela. É como é, não há nada a fazer. É uma vez estava a tomar rio, lembrando-me.
José Maria Pimentel
Aquele exemplo dos jornais nos países nórdicos, tirar o jornal da caixinha.
António Gomes
Sim, exatamente. Eu lembro-me de estar uma vez em Coquinhagas, chegar ao hotel às 11h30, tinha saído do hotel para jantar com um amigo meu, com um colega meu de Espanha, voltamos e o ala de entrada está cheio de casacos, daqueles cabides gigantescos e de repente olhamos em frente e percebemos que estava a dar um concerto ao vivo e era do David Matthews Band e eu achei aquilo delicioso e portanto dirijo-me e há uma polícia, uma daquelas nórdicas com uma E3 90 que me diz, não pode passar. E eu disse, o que é isto? E ela, é um concerto de David Matthews, mas está a acabar. E já estavam pessoas a sair, ele já estava no encore. E eu olhei-me para ela e disse assim, está a mal estar a sair, posso entrar no lugar deles? E ela, não. Eu, mas porquê? Fala lá, é só uma música que eu vou ouvir. E ela, não. E depois eu pensei um bocado que o Bracquiel disse de facto ela tem razão, mas isto é muito portugues, não é? Deixe cá ver se eu consigo. Com jeitinho se dou aqui a volta. Eu acho que tem um bocadinho a ver com isso. É claro que a criatividade humana felizmente não tem limites e haveremos de encontrar, ou os jornais e a imprensa em geral e os meios de comunicação, onde encontrar modelos indiretos de funding que passam não só pela publicidade mas no limite, modelos de subscrição mais ou menos criativos e que vão ajudar ou podem facilitar, digamos assim, se tu quiseres, a haver receitas. Porque, objetivamente, as pessoas pagam 50, 60, 70, 1 euro por dia de café, gastam 5 euros no maço de cigarros e custa-lhes horrores pagar por uma informação, pagar por uma subscrição, que seja uma coisa... Gustavo
José Maria Pimentel
Cardoso, que é professor em Esquetex, estudou estas áreas e foi convidado do podcast, tinha uma ideia, quer dizer, acho que até pode ser justificada de alguma forma pelas conclusões da economia comportamental, que era colocar por defeito, salvo erro, acho que não estou a retratar mal a ideia dele, acrescentar no que tu pagas por um utility qualquer ou pela televisão e pela internet um extra que fosse para financiar os jornais.
António Gomes
Mentira, parece-me uma ideia.
José Maria Pimentel
Suponho, já não tenho a certeza se a ideia dele era essa, mas seria interessante se tivesse um opt-out, ou seja, aquilo aparecia por defeito e tu depois podias não querer. Não querer, sim. Pegando daquelas conclusões da economia comportamental, daquela lógica do nudes, é uma boa maneira de tu, não indo restritamente contra a liberdade das pessoas, convergires para um equilíbrio melhor do que o que tens agora. Algum modelo
António Gomes
terá que haver. Tu se reparares às pessoas, pá, mas isto custa-me horrores porque as pessoas são como são e têm razões que assistem às suas decisões, mesmo que elas me possam parecer num determinado momento contraditórias ou paradoxais. Dei-te este exemplo do café, dar-te-eu o exemplo de muitas outras coisas. Por exemplo, as pessoas são capazes de gastar por efeitos de gaming, acho que haverá modelos de gamificação, inclusive nos modelos de subscrição de órgãos de comunicação social, mas as pessoas são capazes de pagar por coisas absolutamente inacreditáveis. E neste caso, estou-te a falar em sede da própria internet, ou seja, chegar lá e subscrever uma treta qualquer. E depois não conseguem no fazer relativamente à informação, No meu entender, porque tudo isto radica numa falsa percepção de que o que eu preciso de saber para estar informado eu consigo aceitar de forma gratuita. Logo, não me vou dar ao trabalho de pagar por
José Maria Pimentel
o que não é necessariamente verdade. E depois também há outro aspecto interessante, que nós somos sempre mais complacentes em relação ao passado e o modelo do passado era um modelo que funcionava bem, mas podia perfeitamente não ocorrer assim. O que tu tinhas era as pessoas tinham o hábito de comprar o jornal E em grande medida, para muita gente, aquilo era pouco mais do que um hábito. Ou seja, as pessoas compravam o jornal, mas liam muito pouco do jornal. O que é engraçado. Enquanto aquilo funcionava bem, nós estávamos tranquilos.
António Gomes
Mas na verdade... Na verdade... É
José Maria Pimentel
quase como as assinaturas, o ser membro de um ginásio ou uma coisa qualquer de género. Aquilo sobrevive porque muita gente que não usa paga. Paga,
António Gomes
sim. Aliás, a crise de 2011-2012 mostrou de forma inequívoca algumas das cadeias das ginásios em Portugal, que o modelo não era sustentável na razão exatamente de que as pessoas que não estavam a ir mas estavam a pagar, foi uma das decisões do tal homo-económico-racional foi deixar de ir mas deixar de pagar e em consequência disto de repente... Sim, deixar de pagar. E os ginásios não sabiam. Não iam e já faziam. Já não faziam e de repente os ginásios começaram a pensar, pá, Como é que nós vamos sustentar este modelo de negócio? Não vamos conseguir fazê-lo. Mas eu insisto, eu acho que haverá com certeza, há alguns no tempo, um modelo mais... Alguma criatividade na forma como vamos conseguir encontrar um sistema dos órgãos de comunicação social serem... Mesmo que a tendência seja para diminuição e para a dita uniformização. Eu diria,
José Maria Pimentel
a minha intuição, não sei se tu partilhas, é que tem que ir mais por um lado emocional, ou seja, ir apenas por um lado racional de preciso de mais notícias e portanto vou subscrever este jornal, é pouco escalável porque pouca gente precisa de facto de mais notícias ou tem de facto noção de que precisa de mais notícias. Tal é a overdose que tu tens de notícias hoje em dia. O que acontece, já todos passamos por isto, te vais ao jornal qualquer, que ele está bloqueado, tu pensas, vou googlar isto e encontro noutro sítio qualquer. Portanto, na prática tem que ir por um... Eu acho que tem que ir por... Não sei exatamente por onde, não sei se por uma espécie de desígnio de cidadania, cívico, não sei, talvez não seja o suficiente, mas tem que ir por um lado emocional, talvez de pertença.
António Gomes
Absolutamente indispensável. Se quiseres, é uma das coisas. Por exemplo, notas isso no Observador? O Observador tem uma estratégia em que a ideia da subscrição está muito associada a pessoas que se reviem na opinião que o Observador veicula e em consequência disso eu quero apoiar e eu quero ajudar e quero subscrever. Aliás, o Observador quando foi aquela questão do Estado ou do
José Maria Pimentel
Governo distribuir verbas,
António Gomes
eles fizeram questão de dizer nós não vamos ser financiados, vamos lançar aqui uma fundraising e as pessoas quase que tinham, acho que algumas que eu conheci em redes sociais, era eu já contribuí. Exato, sim. Esse tipo. Sim, isso é verdade. Há aqui um tema que é... Para além de tudo isto, tens, obviamente, a concorrência dos órgãos, ou se quiseres, dos sites noticiosos do mundo que, para quem está no mercado português e que está circunscrito ao mercado português, ainda torna o tema mais desafiante. Porque tu tens uma classe de média alta que poderia pagar uma subscrição mas que já está a subscrever um off-the-post. Exato, exato. E portanto a coisa complica-se. Isso é um
José Maria Pimentel
excelente ponto. Aliás, lembro-me de uma... Eu estava a falar no outro dia com o Pedro Bucheri, nosso amigo comum, e eu estava a lamentar um bocado o facto de haver poucos livros de ciência a sério de autores portugueses, bem de autores portugueses periodo, não é? De haver muito pouco disso e os livros de ciência, se tu reparares, a maior parte deles são mais ou menos infantis ou para absolutos leigos. O que não tem mal nenhum, atenção, faz todo sentido que isso existe, até faz todo sentido que seja o mercado maior mas tu não tens uma série de autores que existem no mundo anglo-americano que têm livros de divulgação de ciência mas exigentes se tu quiseres e eu estava a me lamentar disso, que é uma coisa que nós portugueses gostamos muito de fazer e ele disse uma coisa que me deixou pensar e que vai muito ao encontro do que estavas a dizer e ele disse, bom, mas estás a esquecer que as pessoas que leem esses livros, os portugueses que leem esses livros, vão ler os livros em inglês. Portanto, esse mercado que existe é só para ou miúdos ou pessoas que de facto percebam um pouco do assunto e queiram ter um conhecimento dele, mas de um nível muito básico. E, até aliás, os títulos remetem sempre para isso, são os títulos sempre muito simplistas.
António Gomes
Matemática para bairro, não sei o
José Maria Pimentel
quê. Sim, sim. Ou o nosso cérebro, não sei o quê. Só se umas coisas... Os segredos do nosso cérebro. E esse é um... Acho que é um catch muito difícil de resolver. Eu não me tinha lembrado que isso se aplicava aos jornais, mas faz todo sentido. As pessoas que têm poder econômico e têm interesse suficiente pela imprensa para assinar jornais, se calhar, paradoxalmente, estão a assinar, sei lá, o Guardian e não assinam o público, por exemplo. Isso, isso.
António Gomes
E isso será desafiante. Mas
José Maria Pimentel
deixa-me dizer,
António Gomes
nessa parte da divulgação, eu acho que voltamos ao mesmo podcast que pode ser, e é certo, tem um espaço muito interessante e útil, mas a verdade é que, por exemplo, em conteúdo audiovisual é uma coisa que se perdeu. Os programas de história do Zé Armando Saraiva, aqui e ali, outros equivalentes que pediam... Epá, eu, por exemplo, lembro-me de gravar em beta uns programas que o Vasco de Granja tinha. Ele mostrava... Houve uma série na RTP que era a história dos desenhos animados e ele mostrou... Isto tudo a propósito do Roger Rabbit. Se recorda do Roger Rabbit foi apresentado como o primeiro filme onde tu tinhas simultaneamente desenho animado e pessoas. E depois houve uma série de derivados disso. E na altura ele mostrou um filme, nesse programa de divulgação, que era o verdadeiro primário, que era um muito engraçado, que era o Porky, precisamente a discutir com o Tex Avery sobre em que episódio ele queria entrar. E portanto era um boneco a falar com um ser humano. Mas isto tudo para te dizer que eu acho que esse espaço da divulgação... Nós temos bons comunicadores. Em Portugal há excelentes comunicadores. Eu, por sorte, tenho-me cruzado com pessoas por uma razão ou por outra. Estou a olhar para elas e muitas das vezes digo, este tipo de televisão é na espectacular. E não é por falta de, entre aspas, espaço de cabo para que isto não possa acontecer, entende-se? Agora, mesmo um programa destes tem custos de produção e de facto falta-nos um bocadinho, eu falo na área da ciência mas não só, falta-nos um bocadinho mais arriscar nesta componente da divulgação, entende-se? Arriscar. Mas também os canais estão muito mais... Mas
José Maria Pimentel
varia aquela questão do bom senso do público, não é?
António Gomes
Sim, pois, pois. Os canais estão muito mais vocacionados para ir atrás dos youtubers, porque eles são influencios e em consequência disso se chamam os millennials e os millennials é a geração do futuro de quem vê televisão. Tens aqui um jogo do gato e do rato onde tentas ir atrás das novas tendências, umas vezes muito legitimamente porque não consegues chegar aos millennials e outras das vezes desperdiçando recursos quando podias estar a construir outros conteúdos capazes de os atrair, entende?
José Maria Pimentel
Acho que há alguma certa visão de longo prazo nas televisões e não só... Estás-me a perguntar se há?
António Gomes
Sim. Mesmo que haja, e o Pedro acho que é um dos que pensa a longo termo e não é o único, conheço outros canais, mas o Pedro é um bom exemplo, a verdade é que eles são, por razões várias, triturados, entre aspas, naquilo que é o dia-a-dia ou o consumo, quase prestação, entendes? É um trabalho intenso e são de altíssimo desgaste e, portanto, não se compagina muito com poder dedicar tempo para aquilo que é uma visão estratégica a longo prazo. É um tema complexo. E as empresas... O mercado está a encolher também. Sim, as empresas de streaming é terrível. Há dois anos fiz uma comunicação numa coisa muito engraçada por um vídeo pela Apt, a Atenção Portuguesa de Portugueses Independentes de Televisão, e depois tinha vindo um fulano francês que explicou... Acho que era na altura a primeira série francesa que a Netflix tinha decidido patrocinar e ajudar eles tinham feito... Era com aquele fulano francês que faz da Obelix...
José Maria Pimentel
Sim, com o Gérard Depardieu. Isso,
António Gomes
com o Gérard Depardieu. Sei que a série tinha um custo de produção e a Netflix veio e disse nós queremos ajudar para a segunda época. Isto dito pelo próprio que tem a série e que tem os direitos da série, o francês, é que de repente entraram um milhão de euros por episódio. Portanto, a série passou de 100 mil para 1 milhão só com a entrada do dinheiro na Netflix. Quando estás a falar desta magnitude não há nada a fazer. Não é só a Netflix, serão todos os players de streaming que vão continuar a aparecer e que vão ser sustentadoramente demolidores. Mas insisto, a netrex humana caracteriza-se por ser criativa e outros modelos haverá, outros conteúdos serão gerados, veremos. Sempre numa lógica de fenómenos de moda, mas acredito que vai se reinventando a televisão, entre aspas, nos seus conteúdos e em consequência os outros meios. Os outros meios também têm que ir atrás do que a televisão vai fazendo, entende-se? Ou deixando de ocupar espaços. Não ocupa, então, bora lá nós ocupar aquele espaço.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Há um tema que me estava a lembrar e que interceta mais ou menos quase tudo aquilo que nós falamos até agora, porque tem que ver de certa forma com o eleitor de forma direta, mas também com o espectador e até quase do ponto de vista de marketing, com o consumidor e tem sobretudo, tem muito que ver com isto que nós falávamos da informação e das redes sociais, que é o fenómeno do André Ventura, sobretudo ele próprio, e agora temos as presidenciais não muito longe. E eu tinha muita curiosidade de saber a tua opinião como alguém que compreendo bem. Sem querer fazer futurologia, mas acho que é um fenómeno acho que mal compreendido.
António Gomes
Tu estás a falar-me da dimensão de até onde pode ir a André Ventura e quanto aquele vale. Isso é uma dimensão do tema. Outra coisa é o chega e outros chegas pela Europa e aquilo que é hoje o aparecimento de movimentos com posições mais radicais e em consequência. Porquê que isto acontece? O
José Maria Pimentel
segundo é interessante e gostava também da tua opinião em relação a isso, mas acho que nós já compreendemos algumas coisas do fenómeno maior, mas apesar de todas as especificidades do caso português. Não é a primeira vez que tu tens um candidato, se chamemos-lhe assim, populista. Não é a primeira vez e, no entanto, há um sucesso que não existia antes. Portanto,
António Gomes
acho que há as dificuldades...
António Gomes
Eu vou ser simplista na minha opinião e na minha interpretação. Eu diria que o Chega beneficia de uma fase em que o futuro do CDS-PP está em risco e que terão que pensar sobre que caminhos vão conseguir trilhar para inverter e voltarem a ser o CDS-PP que já falaram anteriormente. E parece-me claro que o Chega e o André Ventura capitaliza junto de eleitorado que votou o PP no passado e que hoje tem satisfeito com o PP ou não se revê? Não sei se não é bem não se revê, é sempre uma questão... Repara, a tarimba do André Ventura depois de ter feito vários anos como comentário desportivo e portanto a tarimba dele, a projeção de imagem dele por comparação com o líder do PP, não tem nada a ver. Quer dizer, estás a falar de um tipo que se preparou e que tem hoje uma experiência como comunicador que dificilmente será encurralado num debate, porque ganhou essa experiência vasta, e que emana uma aura provocador, no limite a gozar, se for o caso disso, irónico, nas fronteiras de certas coisas que diz, e que depois diz, vá lá ver se eu disse isso ou não disse isso, que inequivocamente o papel não tá. Primeira questão, esta para mim é clara, é uma das razões da satisfação. Há uma segunda dimensão, mais complexa ainda, que tem a ver com o André Ventura capitaliza, ou o Chega capitaliza eleitorado PSD insatisfeito com o rumo que Rui Rio dá ao PSD, e que não se reveem forçosamente em todas as dimensões ideológicas que o Chega defende, mas que se reveem nas duas ou três suficientes para balancear entre vou votar chega porque do Rio eu não quero. O Rio porquê? Porque o Rio corta, quiçá para eles, excessivamente com órfãos do pacismo, com aquilo que era a componente doutrinária ideológica de Passos Coelho. Lembra-te que Passos Coelho para estas pessoas, e não é para estas pessoas, é um facto, mas para estas pessoas ganha as eleições Passos Coelho e o Ventura têm nada a ver um com o outro Sim, mas a questão não é essa. Passos Coelho vence as eleições, sempre na lógica deste eleitorado há aqui um golpe, o Costa faz uma jaringonça e corre com ele, Passos Coelho não lhe foi dado a chance de poder beneficiar daquilo que foi o amelhar dinheiro por causa da intervenção externa que tivemos. Portanto, afasta-se E de repente vem um líder do PSD que não critica e que tem que criticar. Estas pessoas, algumas eu conheço, e dizem-me este gajo tem que dizer mal, tem que arranjar maneira de dizer mal do Costa e acabou. E não, este tipo está ali a fazer-lhes favores. Então estas pessoas acham piada a coisas que o André Ventura diz. Achar piada naquilo que o André Ventura diz é sempre um risco, na minha opinião. E aqui já estou a emitir um juízo de valor. A questão é, o que é que o André Ventura tem de peculiar, ou se quiseres, muito próprio da realidade portuguesa? Na verdade não é diferente. Eu conheço razoavelmente o caso de Itália e vai chegar... Não é bem a mesma coisa. Nós não temos imigrantes, como os outros têm. E, portanto, ele não consegue... Ele não consegue explorar o tema dos imigrantes, como muito facilmente exploras em Itália, na Alemanha, que são realidades onde estás na rua e vejo adolescentes de burca, vejo uma quantidade de coisas que nós não temos sequer o hábito de ver aqui. Ponto final de parágrafo. Portanto, explora a questão da etnia cigana, porque vem daquilo que é eu tive em Honouros, eu sei do que é que estou a falar, e de facto a etnia cigana nunca soube dar os passos, quer dizer, deu alguns, mas nunca deu todos os passos para conseguir ultrapassar a imagem de indigentes. Isto é, de alguém que vive nas fronteiras daquilo que convém não pagando impostos, fazendo vendas de produtos que são contra-manufaturados e em consequência disso não contribui lá estar para o bem-estar da sociedade, mas tem sempre aqueles casos que no limite são os lugares comuns que as pessoas vêem e em alguns casos acreditam que é mesmo assim. Ah, o tipo vive numa barraca mas tem um Mercedes à porta. Isto é o que o vizinho de todos os cafés ia a tudo e tinha. Portanto, ele capitaliza isto. A propósito, um outro tema, que é um tema da segurança, ou da falta dela, que por muito que tu digas, e é verdade que o dizes, e tens provas de que Portugal tem dos índices de criminalidade de violência mais baixa, a verdade é que o órgão de comunicação social é esse jornal mais consumido no país, é o Correio da Manhã, e o Correio da Manhã reproduz regular, diariamente ou quase, notícias que têm a ver com criminalidade violenta contra a população indefesa. Sejam idosos, sejam não sei o que, não sei o que mais. E a televisão? A televisão também, se quiseres. Eu estou a falar o fenómeno Ventura antes dele ter aparecido e até ao que ele é hoje. Ou seja, nos últimos 10 anos criaram-se as condições que proporcionam isto. Depois, problema. Há estruturalmente, e não esta semana e na semana passada, uma sondagem feita por nós foi divulgada no Expresso a propósito destas questões, tens um problema que é o problema de o sistema de justiça não dá aos portugueses a sensação de que a justiça existe. E portanto, ficas com aquelas coisas que é, pá, o tipo violou uma idosa e deram com medida de coação liberdade e não sei o quê. Deu uma facada em alguém e foi para a rua e depois os poderosos também estão na rua, ninguém sabe quem é que está preso, não é? Porque no meio disso tudo depois as pessoas devem se perguntar, mas afinal quem é que ficou preso? Rosa Grilo ou alguma coisa assim do gênero? E todo esse sentimento é exatamente o território do qual ele se alimenta. Muitas das vezes, como não podia deixar de ser, não propriamente. Based on facts, no sentido da estatística dos números que aí estão, e portanto, a questão é, qual é o seu ceiling, qual é o teto ou até onde a aventura pode ir. Acho que para já é uma questão de ver porque eu pessoalmente, no meu juízo de valor, acho que ele é um tipo esperto, aqui e ali, inteligente, se quiseres, reconheço-lhe esse mérito, não o vejo sinceramente como um estratéga. Há ali muita... Aquela coisa dele ter chorado na convenção e emoção, há ali muita coisa que é próprio de líderes populistas, quase aqueles evangélicos da América, sabes? Que depois cantam todos e abraçam-se todos. Agora, eu não sei se ele tem uma visão estratégica para o futuro e se se representa, ou pode representar, uma ameaça para além daquilo que já é hoje. O 7% pode dar origem a um grupo parlamentar e um grupo parlamentar pode dar origem a um combate político muito mais efetivo com consequências imprevisíveis dependendo das questões. Agora, também tens, se quiseres, no espaço que ele ocupa a iniciativa liberal, podes ter um PSD que se reinventa ciclicamente com abordagens diferentes e ver o que acontece com o PP. Portanto, ele pode acabar por vir a ser um fenómeno de moda ou não. Há aqui um problema que a esquerda empurra os partidos de direita para tomar uma decisão que é o Chega é ou não é uma força com os quais estão disponíveis para se coligarem. Ou seja, se o Chega for transformado num partido do regime, há de uma ou duas coisas que podem acontecer. Ele transforma-se e simultaneamente as suas causas também e, portanto, ganha sentido de responsabilidade e já não diz certas e determinadas coisas. Ou então estás a legitimar posições que começam a ser preocupantes, como aconteceu noutros países da Europa, que são mais de extrema-direita e de limites de intolerância, e aí a coisa pode resvalar. Eu diria que nesta altura, repara, chegaste a ter notícias a dizer que um membro do partido simpatizante da causa nazi faz parte da direção do Chega. Depois ele diz que ele foi destituído e tal. Portanto, parece haver ali uma preocupação de dizer que não queremos que haja esses radicalismos e temos que há pessoas sérias e com uma... Não sei. Depende muito destes quadros. Quem são, de onde vêm, se fazem ideia do que significa um partido político não forçosamente com vocação de poder mas com uma agenda, mas uma agenda que faça-se sentido, não sei. O normal para um partido populista é alimentar-se deste tipo de coisas. Cada vez que houver um evento, uma manifestação contra manifestação, se reparar, há coisas que são ridículas, estás na fase da manifestação contra manifestação, que é polarização típica, pões changas de um tipo, pões changas do outro, e depois estão ali aos gritos contra os outros. Aí os portugueses têm muito bom senso, não papam isso.
José Maria Pimentel
Achas que continuam a não papar? Não, não,
António Gomes
não. Podes ter lá dois ou três védicos que em direto para as televisões vão dizer Aqueles senhores que estão ali deviam ir para a terra dele
José Maria Pimentel
e não sei quê. Sim, mas isso não é coisa negativa.
António Gomes
Mas o português está a ver aquilo e diz Epá, este gajo, estes gajos são todos malucos. Põe lá em Nubemfica que eu quero saber quem é que o Jesus vai pôr no lugar de um não sei das quê. Sinceramente. Tal não impede que ele tenha sete, mas repara o que eu disse, ele alimenta-se de um conjunto de insatisfações eleitorais e é preciso vê-lo nas urnas. Não, não,
José Maria Pimentel
assim, a questão que estamos aqui a discutir é se é escalável para lá dos sete, sete ou oito ou dez, não é?
António Gomes
Diria que não, para já diria, francamente diria que não, Mas a responsabilidade está toda do lado, não apenas do PSD e do Rio e Rio, no meu entender, mas também, no limite, da maneira como a tensão entre a esquerda e a direita é suscetível de não extremar posições. Estás numa sociedade assustadoramente polarizada, onde as redes sociais têm um papel brutal nesta polarização. Às vezes choca de uma maneira agressiva, como as pessoas persistentemente escrevem em série de redes sociais, como se para ter razão tudo está no soundbite, na agressividade do soundbite, quando a política portuguesa, paradoxalmente, foi muito mais intensa quando tinha espaço escolha e só querias discutir o preg. Quando tens o preg, tens sessões parlamentares, pum pum pum, Era uma coisa inacreditável. Aliás, porque ambos, à sua maneira, muito agressivos, e muito militantes na maneira, porque eram debates miserabilistas. Hoje não tens esse sentido, mas és capaz de ter. Imagina, na crítica a costa, o nível do soundbound da agressividade é superior à que havia com o Sócrates, que é um paradoxo. Quer dizer, não estou a dizer que ele merece ou não merece, não estou a emitir esse juízo de valor, estou a dizer é um paradoxo porque tu vês que na maior parte das vezes, e eu acho que isso foi um compromisso de regime entre todos, de, epá, não vamos ultrapassar limites que ultrapassámos no passado e dos quais nos lamentamos. E tu reparas que mesmo na anterior legislatura já com a Cristas, houve ali um ou dois momentos em que ele, Costa, ela, Cristas, chocaram ali no limite do que podia ser aceitável e a coisa ficou por aí, não deixe. Até aí o André Ventura está a pregar no deserto no sentido em que consegue capitalizar pouco. Ou ocupar esse espaço. Ou também está a ocupar esse espaço de... Está, mas tenta-o numa casa onde por compromisso dá uma sensação de que toda a gente não quer passar determinados limites. Eu acho que a política está mais calma, entendeste-se? Não, eu percebo isso, mas isso pode ser visto ao contrário também, que é
José Maria Pimentel
por os partidos do sistema. Também tem muito a ver com o Rio e o Rio terem entrado num registro mais calmo e mais de compromisso. Isso cria espaço para alguém mais incendiário vir representar a vontade do eleitorado e do eleitorado que está nas redes sociais, portanto, onde se vive esse ambiente muito mais binário e muito mais tribal, a vontade desse eleitorado de ver um vestido mais acarrido.
António Gomes
Certo. E porque a polarização, combinada com as redes sociais que proporciona, isto é uma coisa engraçada, se tu escreves um comentário sobre uma coisa que é deita a dizer é pá, vamos levar isto com calma e com bom senso ninguém te põe like se tu escreveres o maior palavrão e o maior insulto tens 150 likes seja porque gostam ou porque estão exatamente no contrário os termos é que estão nas vistas e de facto as redes sociais proporcionam esta excessiva polarização de opiniões. E depois as pessoas vão para a rua, às vezes no limite, e parece que saíram de um laboratório experimental, que foi o laboratório onde tiveram a ler tweets e retweets, e vêm todas com uma agressividade tipo pá, calma, o mundo não está assim tão mal. Está mal, infelizmente, por causa do Covid. Não está mal por causa das coisas todas que vocês
José Maria Pimentel
dizem. Sim, sim. Mas em relação àquilo que tu disseste no início, e no fundo, como diria o outro, está tudo ligado, não é? Aqui é uma série de coisas que confluem, neste caso. Mas há um aspecto interessante do André Ventura que eu não vejo muitas vezes discutido e acho, pode estar enganado, que ajuda a explicar. Tu falaste tudo no início e remeteste para a questão ideológica e eu acho... É difícil que isso não tenha algum peso, ou seja, o enfraquecimento do CDS e o realinhamento do PSD com o Rui Rio mais para o centro e com um estilo mais consensualista obviamente que abriram ali algum espaço, não tenho dúvidas disso. Mas parece-me que há outro lado que permitiu que confluíssem no André Ventura uma série de tendências que já existiam há muito tempo e que me lembra aliás aquela questão que falámos há bocadinho dos jornais, aquilo que eu dizia que nós estávamos todos muito tranquilos enquanto as pessoas compravam jornais, se calhar muitas delas não os lendo, mas financiavam os jornais e portanto nós achávamos que a sociedade civil funcionava bem. Aqui nós todos nos lembramos, e tu muito melhor do que eu porque és mais velho do que eu, a visão antissistema do eleitor médio, ou dizendo de outra forma, a visão antissistema de uma parte grande do eleitorado é algo que existe desde sempre, há muito tempo, nós todos ouvimos, quer dizer, por familiares, por colegas, pessoas que vimos no café, aquele sentimento antissistema de que eles estão todos lá na mama ou umas pessoas de qualquer género ou umas mini teorias de conspiração ou uma coisa de qualquer género e sempre existiu. E aliás o Pedro Magalhães que já foi convidado ao podcast e que também já trabalhou contigo, outros já trabalharam juntos, tem até alguns trabalhos feitos sobre isso e eu lembro de haver um artigo dele até talvez no expresso antes disto, mas muito pouco tempo, há dois ou três anos, e o artigo era qual é a coisa do género. Os dados mostram que existem simpatias populistas, ou seja, simpatias anti-sistema em Portugal, da mesma forma que existem nos outros países, mas ainda não conseguiram aglutinar-se, não conseguiram agregar-se à volta de alguém. O que o André Ventura fez, na minha opinião, foi, pelo facto de ser um tipo carismático, pelo facto de ser um tipo que já era conhecido pelas redes sociais, e talvez aqui é que eu não tenha certeza, porque o facto de ele ter investido inicialmente em dizer coisas aparentemente estapafúrdias, mas que dão nas vistas e escandalizam, talvez ele aí tenha conseguido gerar nas pessoas a sensação de, bom, este tipo dá às vezes umas coisas um bocado bizarras, mas ele parece ter tração. Ao contrário de todos os outros que já foram aparecendo, à esquerda e à direita, este tipo tem tração e portanto vou votar nele porque isso parece-me ser uma coisa com potencial. Até aqui o que eu fazia era ou uma bestinha, ou ele a votar em Maracó, provavelmente... Ou votava num bloco de esquerda, ou no CDS, ali... Quer dizer, estão muito longe, já hoje, o bloco de ser antissistema, ou então conformava-me e votava PS ou PSD,
António Gomes
por hábito. Tu tens aqui um outro fator que ajuda a performance dele e que tem a ver com estás numa fase singular de demasiado desequilíbrio entre aquilo que eleitoralmente o eleitorado de centro-direita consegue fazer versus o eleitorado centro-esquerda. E isso não é necessariamente bom, porque também ajuda a que mais facilmente as pessoas admitam votar nele pela razão de que é que serve votar no PSD. O PS vai ganhar isto e vai se coligar e vai haver uma nova geringonça. Então, como não há uma hipótese realista de vencer, e mais as sondagens dizem que todos os partidos de direita combinados, não passam dos 38, 39, então peraí que eu não vou perder tempo, vou mais atrás. Vou votar como apetece. Exatamente, e às vezes isso acontece, Ou seja, uma parte da proposta de valor não é entendida como realista, mas é uma altura em que vale tudo. E portanto, como vale tudo, olha, que há lá saber. Vou votar neste caso e vamos ver. Já a componente ideológica tens razão. É evidente que nós temos pessoas em Portugal profundamente conservadoras e que têm uma visão diferente de outras que não o são, são mais progressistas. A sociedade portuguesa com 10 milhes de habitantes está longe das tensões. Por exemplo, tu
António Gomes
vais a Espanha... Sim, não tem nada a ver. Não tem
António Gomes
nada a ver. Os portugueses nem sequer têm a noção do que é ir a Espanha num dia de Páscoa, como aconteceu a mim em Santiago de Compostela, e ter uma senhora vestida como la pasionaria 1900 e não sei quantos e a dizer espanhol muerte e toda a gente a olhar e se pá, diz, vais à Alemanha e os alemães quando discutem política que não se pode discutir e a Espanha ainda, por cima tens a questão das autonomias. Nós temos três, quatro, cinco, vou exagerar, que estou a simplificar, que lá estão, mas causas fraturantes. Causas fraturantes que têm a ver com a componente mais religiosa e em consequência disso, a questão da interrupção voluntária de gravidez, vulgo aborto, a questão de os limites que uns toleram ou acham que não devem existir e outros que acham que não fazem sentido relativamente à questão da causa de homossexuais casarem, terem filhos, whatever. Mas no essencial as causas fraturantes não são tão excessivas. O problema é que o momento que vives, já há alguns anos desta parte e agora em particular, tende a polarizar. Eu lembro-me de uma história engiríssima. Eu trabalhei com o Independente e na altura o Paulo Portas era o diretor e portanto ele trocou entre aspas da empresa de estudos de mercado, começou a trabalhar connosco e nós fazíamos uma coisa que era dávamos-lhe os resultados das perguntas mas cruzadas com simpatia política e eu nunca mais me esqueço que um dia ele telefonou-me a dizer pá, sei lá, tinha aqui um gajo que diz que vota PP e o gajo diz que é a favor do aborto.
José Maria Pimentel
Então,
António Gomes
epá, estive a olhar para os resultados. Este malta é um bocado incoerente. E eu disse, bem-vindo ao mundo das narcoticas. Incoerente. Hoje no express sai um artigo escrito pela Alice Ramos, que tem aquela porcentagem 17%... Estou a citar de cor, mas pronto. Não sei se é 17% ou 27%. Não sei quantos porcento, já com o peso os portugueses acham que as raças são superiores a outras.
José Maria Pimentel
Sim, nós falamos disso.
António Gomes
E se tu cruzares isto com simpatia partidária, sequer és capaz de ter votantes do PC a dizerem que acreditam nisto. E isto é uma coisa que nem tudo é branco, nem tudo é preto e há muito em Portugal... E
José Maria Pimentel
as pessoas não são ideológicas, ou seja, o cidadão comum não é...
António Gomes
Não tens uma cristalização do género. A América faz mais esse esforço. Eu sou conservador e com conservador isso significa misoginia, epá, racismo, está tudo ali. Aliás, se tu reparares, os operadores de Trump defendem-se muito bem. Eu vi uma rapariga, uma mulher de 30 anos a ser entrevistada com o pai e o jornalista diz ao pai então mas você acha que as mulheres são mais fracas que os homens? Algo assim, os homens são superiores às mulheres. Ele, claro que sim. E o jornalista aproveita e põe o micro na filha e diz, então e tu? Concordas? E ela, eu concordo tudo o que o meu pai diz. Qual é o problema? Eu sinto-me feliz assim. Então te repare que aquilo é mesmo a quadratura do círculo, aquilo está perfeito para todas as causas, também
José Maria Pimentel
foram ensinados a pensar assim. Sim, isso é interessante porque é uma mentalidade muito mais para o bem e para o mal, organizada nesse sentido de fronteiras estancas. Nós somos muito mais sincréticos tanto na religião como ideologicamente. Tu vês isso na religião católica, por exemplo, é uma espécie de balda do ponto de vista dos protestantes, porque enquadra uma série de tradições pagãs. Os santos, por exemplo, não são mais do que uma tradição pagã repackaged, reorganizada. E depois as pessoas... Já agora falámos de televisão há bocadinho. Agora com a pandemia, depois da minha filha ter nascido, eu tipo ando mais por casa e comecei a ver bastante mais televisão do que vi antes que é como quem diz antes não via quase nenhuma e agora vejo alguma e comecei a ver aquele programa daquele tipo do César Mourão que eu não achava grande graça e ele faz um programa com muita piada lembra aquele humor português dos anos 40 que se chama Terra Nossa e é muito giro porque ele vai às terriólogas e tu percebes, por exemplo, uma coisa muito engraçada que é a maleabilidade da moral que existe lá. Então tu tens o padre, todas as pessoas... O padre tem um papel muito importante e as pessoas são todas católicas, mas depois estão permanentemente a mandar piadas sexuais mas desde o início, É que elas não se ensaiam também, desde o momento em que tem o microfone à frente. E o padre está na audiência e aquilo tem muita piada. Esta maniabilidade, esta capacidade de não ser extremado, que também tem um lado negativo, de uma certa desorganização intelectual, que às vezes me irrita, mas tem um lado bom de nunca ir de uma
António Gomes
menor propensão para esses extremos. A expressão portuguesa estuave que tem a ver com a marca de cigarros, mas é que melhor se aplica. E, na verdade, se quiséssemos ir procurar historicamente as razões, vamos ao frio dos descobrimentos. Quando tens uma potência, que se propõe a ser uma potência militar, que joga o jogo mundial da ocupação de novos territórios com um peso demográfico incomparavelmente mais baixo que com qualquer um país da Europa, só havia uma solução e essa solução era teres uma matriz completamente diferente dos espanhóis que eram muito mais ortodoxos do ponto de vista religioso e nós fomos super tolerantes e a verdade é que a política de miscigenação cultural traduz hoje uma maneira de abordar as relações conjugais barra sexuais em sede da igreja que são muito mais soft e muito mais português suave, mas tem 600 anos de tradição. Há 600 anos que isto acontece.
José Maria Pimentel
Pois há, quem nega um bocado essa tese, se a Alice estivesse aqui, eu suponho que ela discordaria bem parte disso. Ou seja, porque ela diria que os dados não mostram... Eu também acho isso, ou seja, a minha intuição também é essa, mas ela diria que os dados não mostram bem essa...
António Gomes
O quê? Intolerância? Sim. Acredito que os dados não o demonstram dessa forma, porque eu acredito que as pessoas, nesse tema, como tu há pouco dizias, desempenham dois papéis, é a mesma pessoa, mas desempenham dois papéis em dois momentos diferentes. E quando vais para o politicamente correto, ou aquilo que as pessoas acreditam, as pessoas dizem eu acredito nisto e acredito na castidade e no entanto aquilo que é cumprir com a castidade para que... Já não sei se o fazem que também tiveste este padre norte-americano que foi apanhado num altar com duas prostitutas e que o bispo depois teve que mandar queimar o altar e... Pá, que é assim uma coisa absolutamente... Estava a fazer um filme pornográfico! Um padre real!
António Gomes
É muito giro porque é o... Acho isto delicioso! Sim, sim, sim.
António Gomes
Tipo, sério! Nesse aspecto, dir-te que eu acho que a nossa ortodoxia é mais baixa em sete comportamentos conjugais barra sexuais. Isso, como tu disses, tem a ver com estes 600 anos ou com aquilo que aconteceu na altura. Tem a ver... Vais para coisas mais complexas que acontecem no nosso país e noutros, mas compreender a divisão da propriedade historicamente e a razão pela qual tens latifúndio e minifúndio entre o Norte e o Sul e os modelos de heranças que existem em Portugal por comparação com outros países na Europa e a poligamia, não a poligamia no sentido oficial, mas a poligamia das amantes e das mulheres e não sei o que mais, tem uma especificidade portuguesa que tem a ver, e em sociologia estudo existe, e tem a ver com uma questão que é a distribuição da riqueza e a maneira de tu conseguires gerar harmonia social com este proposto de distribuição de riqueza, porque parece que no final do dia estou a complicar uma coisa que é as pessoas têm desejos sexuais e compreendes, it's not that simple, nem sempre acontece. Se pensares, o mundo muçulmano deixou de consagrar a poligamia porque era demasiado ofensivo ao mundo ocidental. Eu tenho um amigo, um colega meu e amigo turco que me disse sempre a mesma coisa, dizia, pá, vocês são malucos. Quer dizer, A poligamia é uma das melhores formas de despressurizar a pressão social. Está associado ao dote, não é? Está associado à ideia de que distribuis a tua riqueza, tens mais filhos, tens mais mulheres, tens mais famílias a quem tens. Estamos a falar de um turco, não é? Tens tu, mas os outros não, não é? Certo, mas ao fazê-lo... Mas ao fazê-lo...
José Maria Pimentel
Sim, está bem. É que não é que a explicação para o surgimento da monogamia... Esse é um pronómino engraçado que eu diria a maior parte das pessoas não sabe. Sim. A monogamia foi uma espécie de conquista social, chamemos-lhe assim, sobretudo no Ocidente, e a causa mais provável teve que ver com o protesto ou risco de protesto e de insurreição dos homens que ficavam sem
António Gomes
mulher. Mas foi em França. E em Portugal, ou pelo menos tendeu-se a Portugal, não é? Também se diz que as cruzadas começaram precisamente por causa disso. Porque o direito da distribuição da propriedade e da herança em França prejudicava todos os outros filhos que não fossem o primogénito. Ah, sim. É a mesma lógica, exatamente. E é por causa disso que tu de repente tinhas como alternativa para a tua carreira de vida, ou ias fazer carreira religiosa ou ias fazer carreira militar, porque não ias herdar nada dos bens que os teus pais tinham ou que o teu pai tinha e em consequência disso de repente puseram-te um colete com uma cruz atrás e uma hora vai lá reconquistar o lugar santo. E as sociedades precisam de ter modelos de distribuição de riqueza quaisquer que sejam eles. Sejam numa perspectiva mais lesiva como esta eu referi, de amantes e coisas do género, sejam numa perspectiva de ponto de vista da lei, quando morre distribuído em igual quantidade por todos e em consequência disso, quando morre alguém especialmente rico, há maior tendência para... Aliás, para estes é o fenómeno ao contrário. Há pouco dizia-te que uma das áreas que estudei na faculdade e que me interessou como sociólogo tinha a ver precisamente com mecanismos de mobilidade social e um dos mecanismos de mobilidade social, ou um dos problemas da mobilidade social tem a ver com a tentativa das elites de se perpetuarem como tal. E uma das formas de o fazerem é a previa do património e invertendo esta tendência. Isto é, em vez de ser a distribuição da riqueza, é a consolidação da mesma. Que é, como é que eu arranjo maneira de os meus filhos, ou seja, as minhas filhas, casarem com alguém em que o produto deste casamento aumente aquilo que existia anteriormente. E isto não vem de agora, isto é do século XVII, XVIII e que é uma preocupação das elites que não refletem, não sentam todas as elites à mesa a dizer moram lá, rejá aquilo dele para evitar que... Claro, é mais orgânico do que isso. É muito mais orgânico, mas que têm comportamentos muito curiosos. Um deles, que eu estudei na minha TES final, tinha a ver precisamente com os chamados espaços de sensibilidade, ou seja, espaços que estão na moda e que de repente as elites, ou jovens sem saberem, têm uma propensão para encontrar alguém, um seu parceiro para a vida, no meio que é laboratorialmente controlado. Exato, sim, sim, sim. Que já tecia muito o circunscrito. Exatamente, exatamente. E a maneira como as elites, de alguma forma, vivem em pânico de aparecerem gatas borralheiras que de repente podem sempre criar aqui uma pedra no sistema e portanto falhar, digamos assim. Mas se reparar, tudo isto que eu acabei de enunciar é das coisas mais discretas na sociedade portuguesa que tu podes ver. Pá, sabes que há um baile de botantes e sabes que há assim umas coisas, mas não há uma coisa que se veja, porque é uma coisa que de certa forma... Vê-se
José Maria Pimentel
muito pouco, é curioso a ver. É, vê-se muito
António Gomes
pouco. Noutros países é mais próprio ou é mais normal haver essa... Em Espanha, por exemplo. Em Espanha, por exemplo.
José Maria Pimentel
Mas esse é um fenómeno curioso, os ricos, chamemos-lhe assim, ricos barra classe alta tradicional, que não são necessariamente a mesma coisa, muitos dos ricos não são de classe alta tradicional, sobretudo, mas também muita classe alta tradicional não é rico. Mas são mundos que vivem universos mais ou menos paralelos, é curioso. Em Portugal, em Espanha já não é tanto assim, tens a história da Oli, não sei o que, que faz algum exibicionismo disso, estiveste em Portugal, Eu lembro disto só de ler, mas justamente na altura do Independente e de alguma euforia tinha algumas revistas que mostravam essa realidade. Mas desapareceu completamente. É curioso. O universo está à parte. Ou seja, tu ligas a televisão ou lês os jornais, está lá tudo, menos
António Gomes
isso. Sim, porque há uma tendência para as próprias elites para manterem a descrição e como forma de evitar...
José Maria Pimentel
Mas o que é interessante, ou seja, essa tendência é compreensível, mas porquê é que essa mesma tendência... Há aqui uma equação, não é? Eu não conheço a outra variável bem Porque essa mesma tendência há de existir nos outros países, há de existir, por exemplo, em Espanha. Mas em Espanha há qualquer coisa, não sei se um interesse maior do público, mas que compensa esse efeito e leva a uma exposição dessas pessoas. Eu creio que, por um lado, é o interesse maior
António Gomes
do público e, por outro lado, também é a forma como eles se propõem a capitalizar isso, não é? Não te esqueças que, pá, se calhar aparecer no Vista da Ola pode permitir ganhar uma quantia muito significativa, coisa que se calhar a caras em Portugal não te dá. Também há o contrário, que é quanto é que tu pagas para lá apareceres. E também sabemos que esse product placement baseado em pessoas também ocorre. Mas não vamos mais longe comparando com um país que em teoria até tem ligações históricas a nós que é o Brasil, as elites brasileiras são uma coisa esquenquerada. Aliás, no início da pandemia tiveste um caso engraçado em que houve um casamento em São Paulo em que vários braços da mesma família vieram dos Estados Unidos, de França, de Itália, portanto, e juntaram-se todos e naquele casamento de 78, então ficaram contaminados, lá teriam achado que eles próprios, como eram uma elite, viviam num mundo à parte e que a Covid não lhes chegava. Não ouviste falar nenhum ato deste género em Portugal, nem nada de parecido. Sim, sim, sim,
José Maria Pimentel
pois não, pois não, pois não. Engraçado. Olha, deixa-me fazer aqui uma curva de 90 graus, porque nós aqui, de repente, desviámos-nos do assunto do... Sim! Por bons motivos. Verdade. Por bons motivos, mas desviámos-nos do assunto dos estudos de mercado. Eu queria voltar aí e se calhar a melhor ponto, até porque já está bem avançado, a melhor ponto para, se calhar, para voltar aí é uma ideia, uma iniciativa em relação àquela que eu gostava de ter a tua opinião, enquanto há alguém que conhece bem o funcionamento de, entre outras coisas, da técnica da amostragem. Aliás, até nos últimos episódios que saiu com o Carlos Moedas ele falava disso. O Emmanuel Macron em França fez uma coisa que já se falava há alguns anos, já tinha sido feito em outros países e ele fez em resposta àquele movimento dos coletes amarelos, que foi formar uma série de assembleias, percebemos de assembleias de eleitos populares, não sei se é o nome exatamente este, em que as pessoas são escolhidas de forma aleatória da população, ou seja, não se candidatam, são escolhidas de forma absolutamente aleatória da população e, portanto, tenderá a ser uma amostra representativa da população. Não são escolhidas pelo grau de formação por absolutamente nada, portanto traz uma pessoa, um professor universitário ou uma pessoa que é, sei lá, presidente de uma empresa e traz um agricultor, um trabalhador fabril ou trabalhador de supermercado, uma senhora de idade, um miúdo do rapaz de 18 anos, ou whatever, tens ali toda a gente. E a lógica daquilo, aquilo já foi implementado por exemplo na Irlanda, julgo que precisamente a questão do aborto, e até se falava em ter feito isso no Reino Unido por causa do Brexit, e aquilo parecendo uma ideia mais ou menos absurda, tem uma série de potencialidades porque retira aquela lógica do nosso sistema partidário, de tu teres um eleitorado, de teres uma série de cargos, de jovens for the boys, não é? Portanto, tu tens que defender políticas que ameçuram o emprego às pessoas que dependem de ti, uma série de coisas e a lógica daquilo, eu já tinha visto aquilo proposto no passado, é que embora aquelas pessoas sejam, muitas daquelas pessoas não percebam nada do que estão a fazer, se elas forem devidamente informadas, se quiseres, pelo seu bom senso e por serem representativas da população, acaba por ser uma democracia direta e
António Gomes
bom, portanto, um modelo interessante. Mas se bem percebi, eles são, não têm que fazer nada a não ser opinar sobre determinadas
José Maria Pimentel
coisas. Sim, eles são informados, por acaso, mais sobre o modelo irlandês até do que como está a funcionar em França. Mas, basicamente, eles são informados por especialistas, discutem entre eles, são informados, quer dizer, no limite, por um sem fim de pessoas, não é que se entenda serem relevantes. Dizem lá, ou seja, imagina que era o aborto. No aborto, tu terias pessoas da igreja, terias médicos, terias cientistas, terias políticos e eles ouvem todas aquelas pessoas, discutem entre eles e no fim produzem uma opinião. A vantagem ali, por exemplo, no caso do aborto foi que deu uma atenção bastante menor do que costuma rodear aquele tema e menos propensão para argumentos falaciosos. No caso do Brexit falava-se, por exemplo, daquela coisa que ficou muito conhecida no autocarro, havia uns autocarros a circular, feitos pelo Boris Johnson, salvo erro, que tinha uma afirmação em relação aos gastos da Europa que era factualmente incorreta, não é? Mas aquilo ali passou, porque, quer dizer, aquilo se calhar foi discutido na televisão, mas as pessoas não deixaram de ver o que estava no autocarro. Numa assembleia deste género é mais difícil que isso aconteça. Agora, tem esta técnica e por isso é que eu... Quer dizer, não só por isso, mas especialmente por isso que gostava de ter a tua opinião. Isto baseia-se nesta técnica da amostragem que para muitas pessoas não será absolutamente natural. Que é de repente vai escolher aleatoriamente a população e aquelas pessoas representam a população porque foram escolhidas com base numa amostra aleatória.
António Gomes
Tu achas que isto era execuível? Bem, eu acho que é execuível. Quer dizer, produzir ou construir uma amostra aleatória tem um conjunto de exigências metodológicas que não são fáceis de cumprir. Sendo o Estado a fazê-lo é facílimo, porque obviamente o Estado tem uma base de dados com todos os cidadãos de uma determinada região circunscrito e consegue perfeitamente saber, ou melhor, tendo a listagem, utilizásse-ma fórmula aleatória, até pode ser testemunhada por professores para ser certificado que foi aleatório, saem aquelas pessoas e já está. Portanto, tecnicamente é difícil haver melhor, só se for uma experiência laboratorial com células ou com algo parecido, ou com bolas brancas e pretas como faziam os amistrológicos no início do século XX. Portanto, por aí, perfeito. Segundo, tem a ver com o modelo de democracia participada e aí terá a ver com os políticos e com a convicção por parte dos políticos e dos partidos da respectiva Assembleia de que entenderem que este é um modelo. A Assembleia não tem que ser nacional, pode ser local, porque este é um modelo. A verdade é que a Europa tem vindo há uns anos a esta parte a produzir modelos de democracia participada que procuram precisamente minimizar aquilo que há poucos dias a propósito. Chega que as pessoas dizerem que são contra o sistema porque não há maneira de contrariar o sistema. Não é verdade. Os exemplos dos orçamentos participados, a nível das autarquias, e em função disso os ditos portais da transparência, onde tu colocas os projetos, as verbas que foram gastas e com que objectivo se propõe, e prazos de execução e tudo mais, são inequivocamente, inequivocamente, modelos de transparência, de dar aos cidadãos e eleitores o conhecimento de como os dinheiros públicos são geridos. E hoje são geridos melhores do que alguma vez foram. E não tem nada a ver com méritos ou do PS ou do PSD. É a circunstância dele. Vê as regras da contratação pública. Portanto, se quiseres é quase o progresso como ele tem que acontecer. E portanto as coisas já não são como eram no passado. Há espaço para as pessoas continuarem a dizer ah isso é assim, mas há sempre aquele fulano, e é para com certeza que sim, mas não tem nada a ver com o que era há 20 anos ou há 25 anos atrás. Outro tema a mim que me parece mais complexo, apesar de quanto ao modelo em si parece-me perfeito, As pessoas têm que aceitar a população em geral, que aquele grupo que ali está representa por esse princípio da deleitoriedade e, portanto, é verdade que estão lá reproduzidas as características de todos eles. Eu acho que os modelos participativos de referentes seriam sempre preferíveis, toda a gente pode participar, mas há aqui um trade-off engraçado que é se esse modelo, se todos estiverem disponíveis para participar, mitiga a questão da abstenção, porque num referendo podes ter abstenção e depois quem não participa pode ter sempre a possibilidade de poder criticar a dizer que isto não me representa a mim e depois tens aqui...
José Maria Pimentel
E no referendo tu não tens discussão, as mesmas pessoas que vão votar discutem o tema. No referendo a discussão acontece de maneira mais ou menos desorganizada e liderada por quem consegue diferenciar opinião.
António Gomes
E não são chamados, convocados os peritos ou quem pode ter uma opinião. Isto é quase o princípio do jurado, não é? Dos jurados nos Estados Unidos de Internet. Não, não, é isso mesmo. O modelo é inspirado aí. A única coisa aí, salvo a guardar, que todos os cuidados, não só de uma amostra aleatória, mas da maneira como todos participam... Sabes que uma das coisas mais engraçadas num aleatório não está no aleatório, porque o aleatório parecia uma coisa pura e portanto a gente está a falar, eu estou a falar contigo, qualquer pessoa minimamente esclarecida sobre amostras diz é aleatório, ah ok, tudo bem. Mas não é verdade, porque o ah ok, tudo bem tem um tema que é como se faz a substituição. Porque uma amostra aleatória pode ter substituições e como ela se faz, muitas das vezes, pode ser onde está o trick da questão. Não falo sobre este modelo que estou aqui. Não tem nada a ver com esta crítica aqui. Os franceses, os holandeses vão lá todos e não há tema. Mas, por exemplo, os jurados é um bom exemplo. Cada vez que tens uma possibilidade de excusa por uma razão qualquer, como é que se faz a superstição? Pode ser a fonte de todos os problemas, quando do ponto de vista formal te parece profundamente purista, entendes? Se faz tudo sentido. Este é um filme giríssimo com o Gene Eggman, um dos últimos dele, eu adoro o Gene Eggman, mas pronto, decidiu escrever telenovelas. Sabes que ele escreve romances de novelas. Sim. E que precisamente é um filme sobre a constituição num grupo de jurados e há uma personagem que mente e consegue entrar no júri para conseguir uma situação. Mas Aqui o que importa é que os tipos sabem tudo sobre eles e têm a possibilidade de decisão. Aquilo é giríssimo. A acusação e defesa levam 20 propostas de indivíduos e ambas as partes consensualizam sobre quais aceitam ou não. E aquilo é discutido quase. Este fulano é religioso, tem um sobrinho que foi morto no Iraque, ele que venha, aquele não sei quem... Meu Deus! É mesmo a sofisticação da escolha. Isso, obviamente, já não é a parte purista do que o Macron pensou e do que os arlendeses executaram. Mas essa
António Gomes
negociação acontece quando é preciso substituir alguém ou acontece logo de raiz? No caso do norte-americano acontece de raiz. Ah
José Maria Pimentel
é? Mas à partir disso é aleatório que tens o algoritmo...
António Gomes
Não, porque tu tens a hipótese na lei de excluir 5. E ao poderes excluir 5 estás necessariamente a fazer a mesma coisa... Porque
José Maria Pimentel
a amostra é pequena, se calhar, também. Sim. Estás na prática a escolher. E portanto... Mas é porque... Desculpa interromper. Eu diria que isso tem a ver com... Os jurados americanos são compostos por quantas pessoas? É as 20 que dizias há bocadinho? Tenho ideia. Tenho a ideia que são o que é menos. 12 a 16. É 12 Angry Men, é aquele filme dos 12 Angry Men. Portanto, 12 pessoas, mesmo escolhidas aleatoriamente, não é uma amostra suficientemente grande para ser representativa. Mas uma amostra de 100 pessoas, eu só tenho a ideia que o número era em 60, não é? O número a partir do qual a distribuição se aproxima da distribuição real. Tu se tivesses lá 120 pessoas numa assembleia, à partida tu aí já consegues garantir que aquela amostra é representativa ou muito perto de ser representativa e, portanto, não precisas de andar a fazer essas coisas a não ser e tu dizias há bocado isso, é interessante
António Gomes
se precisar substituir alguém. Certo, E se for mais do que uma, a coisa pode se complicar. Aqui é apenas um truque, insisto, esse filme é especialmente assustador na medida em que eles estão a racionalizar todo o processo de decisão e vão a todos os estados para obter fazer. Claro que em 100 a coisa é mais complicada e com o modelo participativo, todos são melhores do que aqueles que se ficam por aquilo que foi a matriz do século XX e que tem que evoluir, que é uma eleição, alguém que está mandatado e que supostamente fala em nome dos eleitores e, portanto, pode pôr e dispor. E a Europa aí está muito bem recomendada. E
José Maria Pimentel
que tem uma série de incentivos perversos. Não acho nada que os partidos sejam indispensáveis, mas o sistema partidário cria uma série de incentivos perversos, muitas vezes até ao compromisso. Nós vemos isso todos os dias na política. Há poucos incentivos para o compromisso. Os incentivos é para apelares ao teu público e mostrares que defendes a causa e não... É verdade. Mas isso está no limite sempre
António Gomes
a ver com, se quiseres, um uso excessivo de técnicas de marketing e de estratégia, se tu quiseres. E a estratégia é uma coisa muito complexa porque é difícil que se tu estudares mecanismos de estratégia eles não acabem invariavelmente neste princípio de polarização. Vou-te dar um exemplo. Talvez uma das experiências profissionais mais girastipo na vida foi nesta multinacional onde eu trabalho, eles um dia pagaram para eu estar quatro dias metido num hotel na Alemanha onde era suposto não ter telemóvel nem computador para fazer uma ação de formação sobre negociação. E Aquilo foi muito engraçado porque tínhamos um formador alemão, no nosso caso, e nós basicamente fomos... Aquilo é uma experiência, ou seja, tu és usado como cubaia em dois dias, só ao final do segundo dia é que eles te dizem, ele te diz, que até agora estive a usar com vocês e nós não sabemos. E uma das experiências com o cobaia, por exemplo, o tipo é profundamente desagradável, distante e frio, e trata-nos como se fôssemos alunos do secundário, secundário, não da primária, nós estamos numa sala, o tipo entra, com ar de executivo, e diz um chorrido disparado, e goza connosco. Desde logo com uma coisa que é, bom, só ao fim de 5 minutos estar aqui a olhar para vocês já sei qual de vocês é que vai chorar, qual de vocês é que no terceiro dia vai apanhar uma bebedeira porque não está bem e qual é que ainda me vai tentar bater? Acho que é este gajo que está a dizer isso. Então, um dos primeiros exercícios é aos pares ele manda-nos entrar para dentro de uma sala na sala está um quadro em branco onde tem um número, tem 10 mil ou 100 mil pouco importa, então despaímos cada um para cada canto, não podemos falar entre nós temos uma câmera a apontar para nós, como um burro com orelhas, como se fazia na escola há muitos anos, e ele vai de um lado para o outro e diz vamos fazer um exercício, eu chego ao pé de um e digo-te o número e depois vou ao outro e digo o número que ele te deu e vamos fazer isto seis vezes e depois eu digo quem ganhou. E tu não fazes a mínima ideia do que é que és rei dos jogos. Um cara chega ao pé de mim e diz como o colega, que por acaso era o turco, diz 35, eu disse 36 e depois vem lá e o turco tinha dito 100 e eu, ai é, sacana, 1000! Pumba! E quando te dás por ti, estás 10 milhões e depois ele diz ganha este, ganha aquele e só no fim é que ele te diz que o vencedor já está pré-definido, tu não sabes. O que estás é... Gastei lá uma coisa em Excel, onde vai pondo até onde é que tu esticas os boundaries da tua agressividade supostamente negocial. No último dia a negociação é uma negociação pura. Já ao fim de quatro dias vamos aprender como se negocia. E ali o postulado é a negociação win-win. Ou seja, tu tens que tentar ganhar para ti, mas não podes fazer com que a negociação quebre. E portanto, tens um time negocial, tens um porta-voz, tens um estratégia, tens um analista, exatamente como se estivesses a comprar uma adega em França e há ali um momento em que ao fim de quatro dias estás fechado e começas a refletir e uma das coisas que eu discuti com este alemão, que é um amigo meu, dizia, ele, pá, isto está destinado a nós, tínhamos... A nós, começámos a... Quase que é da natureza humana, eu ao fim de dois dias já estava... O italiano, que era o estratégia da outra equipa, eu já não podia ver lá à frente, já estava ali, pá, ouve, levas uma pera... Não, não, não. Portanto, é difícil a não haver a propensão para a polarização quando vais para estas coisas muito sofisticadas e onde aprendes sempre a melhor maneira de conseguir maximizar o teu proveito e em consequência disso muito provavelmente minimizares o proveito do outro. E em política tu notas muito isso. Justamente, sim. Vês isso...
José Maria Pimentel
A política é um jogo de soma nula, na melhor das hipóteses.
António Gomes
E é muito mau, porque depois já tens os trampos da vida, ou o Trump em particular, que vai buscar todo o marketing agressivo de rua, se quiseres, quase de casino, estás a ver? E que transportou isso para a política e, portanto, é realmente e unicamente o Valtudo. Fake news, alternative realities, e o Neymar
António Gomes
é até o que quiseres. Sim, sim, sim. Pouco importa, é para ganhar. Sim, claro.
António Gomes
Por acaso havia uma coisa que gostava de te falar, falámos de mercado e que achava interessante, deixar-te aqui como um apontamento mais inovador e tecnológico sobre o que nós fazemos, porque tem a ver com este sinal dos tempos e que eu acho que é um motivo de preocupação. Eu vou-te explicar a ponto. As pessoas estão preocupadas com o stay away covid, com terem a app e em consequência disso. Umas dizem que sim, outras dizem que não. É igual. É igual neste sentido. O Big Brother is watching you, hoje, é muito mais expressivo do que alguma vez as pessoas. O comum dos mortais em Portugal tem a vaga ideia do que se acha. E uma das últimas coisas com que eu tropecei foi um paper, mas também com uma conversa que tive agradável com um rapaz, que é o Pedro Almeida, da Mindprover, que é uma empresa de Braga e que eu acho um projeto muito giro e que estou a ajudá-los, faço lá parte do advisory. E estávamos os dois a conversar sobre a utilização de dados dos personal assistants nos Estados Unidos como uma forma de research, dito passive measurement. E as últimas coisas que são a ser feitas são absolutamente assustadoras. Eu vou-te dar um exemplo. Uma Ciri, se tu tiveres o hábito, e na América tem-se muito mais do que há, e para isso caminha, tens uma personal assistant a quem d as indicações de tudo. A Ciri, se tu lhe disseres chama um Uber e eu quero ir ao Hospital de Santa Maria, ao fim do terceiro dia tu ires, a Ciri comunica para a agência de seguros e tu tens um agravamento de apólicis por fostes três vezes a um hospital, mesmo que tenhas ido visitar alguém.
António Gomes
Mas tens lá autorização para isso. Não. Mas então vais fazer o seguro com outra, ou não? Provavelmente. O que importa é que a Ciri is watching you. Outro exemplo... Na
José Maria Pimentel
Europa a partir disso será um pouco diferente, ou não? Por causa da lei de personalidades?
António Gomes
Ah, seguramente, seguramente. Só te estou a explicar até onde é que, por exemplo, esta coisa simples que é um personal assistant sabe coisas sobre ti. Tal como neste micro que está aqui à minha frente, a da Amazon Alexa, por exemplo, foram dois casos que aconteceram. Há um muito engraçado e há outro que é preocupante. A Alexa aprende a ver como tu respiras. E por exemplo, a Alexa estiver ligada, sabe se o tiveres a ofegar por estares a ter relações sexuais. E vai estabelecer uma correlação com algum conteúdo audiovisual que tu tenhas visto. Se tiveste a ver alguma coisa na última meia hora porque ela capta o som do que a televisão teve a enviar. E as pessoas não têm a mínima noção disto. Não fazem ideia. Têm a Alexa ligada e pedem à Alexa, muda de canal, põe este filme, põe esta série, põe não. Há um tipo, e lembra que estamos a falar da inteligência artificial, há um tipo que o ano passado, antes do Covid, cada vez que a equipa de beisebol dele ganhava dizia à Alexa, marca-me no bar não sei quê que eu vou lá jantar. E ela aprendeu a estabelecer uma correlação. Há um dia em que a equipa de beisebol ganha e ele nos primeiros 5 minutos, na euforia da vitória, não lhe diz nada. E ela fala para ele e diz-lhe, marco no bar, não sei quê, às 6 horas para tu ires festejar. Porque ela já tinha estabelecido o padrão de correspondência, portanto sabia que era depois que o gajo ir para ali, beber o copo e marcar uma mesa e não sei quantos. Eu acho isto muito mais, por um lado, aliciante, claro que isso depois gera o big data e o passive measurement, desde que não se viole o... Enfim, aquilo que é a privacidade de cada um, mas isto ao mesmo tempo, o big brother é inacreditável, eles depois não têm a mínima noção. Nós na área de research sabemos disto. Sabemos disto porque sabemos que a Google, o Facebook, a Amazon e outros players têm cada vez mais informação sobre nós.
José Maria Pimentel
E a propósito disso, onde é que isso deixa o mundo dos estudos de mercado tradicionais?
António Gomes
O passivo... A medição passiva tem uma enorme vantagem, que é entre aquilo que tu dizes que fazes e aquilo que tu fazes vai a uma certa distância e, portanto, anula um bocadinho aquilo que tu dizes Ah, não, eu só fumo x xigarros por dia, depois na verdade o Passive Measurement pode dizer que tu fumas mais. Também já aprendemos a conviver com a diferença entre o que é declarativo e o que é passivo e portanto sabemos que há um delta de diferença em que as pessoas quando dizem que fazem uma coisa
António Gomes
fazem um bocadinho diferente,
António Gomes
mas este declarativo é absolutamente essencial para perceber as razões. E, portanto, o espaço dos produtos do mercado vão sempre existir porque tu tens um padrão de comportamento mas tens de lhe dar uma razão,
José Maria Pimentel
dizer,
António Gomes
raison d'etre, como dizem os franceses. Porquê que isto acontece? E aí a medição passiva não traz. Ou
José Maria Pimentel
seja, a medição passiva mede de forma mais exata aquilo que acontece, mas continua
António Gomes
a ser preciso explicar porque é que acontece. Exato. E o porquê é, na verdade, tudo aquilo que motiva. Marketeers, agências de comunicação, agências de meios, do ponto de vista, por exemplo, do consumidor para que ele haja de uma determinada maneira e tu tentas obter todo o big data para que haja um determinado comportamento, mas depois falta estabelecer as correlações e aquelas que garantidamente fazem explicar porquê. E no límite falar com o consumidor, perguntar, sei lá, para quem faz isso e aquilo. Porque é a grande questão, é porquê?
José Maria Pimentel
Há uma coisa que eu estava a pensar, quando estava a preparar esta conversa, já pensei nisso várias vezes e tinha curiosidade de saber se tu tens essa experiência. Já tive essa experiência direta, já observei no outro vivendo de fora e também já ouvi pessoas queixarem-se disso, sobretudo nestas áreas de... Como é que tu trabalhas? Que são chamadas áreas B2B, não é? Uma empresa cujos clientes são empresas, não é? E aquilo que as pessoas questionam às vezes, e que é um fenómeno interessante, que tem muito que ver com a organização interna das empresas e é, em certo sentido, pode ser visto quase como um paradoxo do modelo de negócio das empresas, um paradoxo do capitalismo, é que há no interlocutor, neste caso no teu interlocutor ou na tua interlocutora da empresa que está a contratar, no caso de ser uma empresa que está a contratar o serviço, Sobretudo se for uma empresa grande, essa pessoa não é o CEO ou a CEO, essa pessoa tenderá a ser, ou quer dizer, pode ser, mas noutros casos não será. Noutros casos será uma chefia intermédia. E essa pessoa muitas vezes o que rege a decisão é mais uma aversão ao risco do que propriamente maximizar o retorno, sobretudo se houver o risco por trás. E portanto ela, por exemplo, no teu caso eu imaginaria que aconteça muitas vezes a pessoa dizer, tudo bem António, estás-me a propor este estudo diferente e que os outros nunca fizeram e que se calhar vai dar um insight que eu não tive antes, mas eu prefiro ir pelo valor seguro que já estava mais do que visto, os concorrentes sempre fizeram isto, isto sempre funcionou e eu para cima, se precisar de justificar, justifico que a pessoa vai reconhecer que aquilo já foi feito, um focus group que toda a gente já fez ou uma coisa assim. E essa invenção que tu estás a propor parece-me muito giro. Mas se isso corre mal, eu estou tramado. E se correr muito bem, eu na verdade não vou ter... Tenho uma pancadinha nas costas, mas não vou ter o benefício total de ter corrido bem. Se correr mal, estou lixado porque...
António Gomes
Fui-me a inventar. 100%
José Maria Pimentel
verdade. Não estava à espera de tanto.
António Gomes
A questão é que o bem destas coisas, cada vez que estás a falar de inovação obriga-te a pensar que tens que ir a um target diferente daquele que eventualmente, tradicionalmente, trabalha contigo. Uma vez o Jorge Marrão, que é a partner da Deloitte quando estava... Óbvio que é a Deloitte, portanto, ela está a vender serviços que não têm a ver com os serviços de estudo de mercado. Mas eles têm uma coisa muito engraçada que... Mas é um tipo de empresa onde acontece isto. Com
José Maria Pimentel
os clientes deles, claro,
António Gomes
deles de certeza. Sim, sim. Eles têm uma coisa muito curiosa que ele explicava... O que ele me explicava é... Nós sabemos que há duas pessoas com poder de decisão financeiro para escolher quando estão três ou quatro consultoras lá, para uma coisa que é uma mudança de um modelo de negócio e portanto não é uma coisa fácil. Custará certamente milhões, não só em Portugal, no mundo inteiro. E portanto nós sabemos que há duas pessoas que decidem, que é o CFO ou o CEO, para o final. Obviamente quando somos chamados e quando acontece, estamos lá com 5 ou 6 consultoras, está uma equipe, um staff enorme de uma grande empresa, de uma HP ou de outra coisa qualquer, mas nós não queremos saber dos outros. Fazer o pitch para nós pode nos custar muito dinheiro e, portanto, nós temos modelos de questionário, onde não é um questionário, nós não perguntamos nada, mas onde anotamos determinados comportamentos e padrões que visam, para é definir qual a probabilidade de nós podermos ganhar o pitch, para investirmos as horas e os milhares ou centenas de milhares de euros, porque sabemos que estamos 5 à mesa e eles vão ter que escolher uma. E nós testamos modelos para perceber na reação do CFO e do CEO se nós estamos no jogo ou estamos fora de jogo. Porque a partir do momento em que lá um dos nossos indicadores diz Most probably out, nós não perdemos um minuto, nem fazemos perguntas. Depois é muito engraçado que eles sabem, ou melhor sabem, por experiência sabem que há um determinado momento na negociação das perguntas que são feitas em que um destes dois, se é FA ou se é EU, dão sinais da sua preferência. E isso é muito importante fazer uma detecção precoce, porque o resto da negociação já é on price, já não tem a ver com a escolha. Eles já disseram eu quero ir trabalhar com a Deloitte, por uma razão ou por outra, não porque o digam, mas porque as suas perguntas ou o interesse naquilo que é o raciocínio que eles apresentam ficou claro. Depois a partir dali... Estás-te a investir? Exatamente, pois agora é preço. E portanto, o investimento pode outra vez ser maximizado em pitch porque nós já falámos e eles já daram sinais que gostam, agora vamos é pôr tudo nos nossos negotiation skills para tentarmos maximizar o proveito e já está, e daqui sair. O que não deixa de ser engraçado, está a ver, nesta lógica de até sofisticarmos este modelo de perceber qual é a probabilidade ao não me sair e se vale a pena continuar a fazer esta inversão aqui. Porque há dois decisores. Portanto, eu diria que normalmente cada CEO é um CEO, uns são mais aversos à mudança, outros são menos. Tem a ver com a formação de cada um deles, tem a ver quase com a sua personalidade, de serem mais excêntricos, independentemente do dinheiro que estão a gerir. E, portanto, há um bocadinho de tudo, entende-se? Tudo no fator de risco.
José Maria Pimentel
E de quem está em cima. Se for uma multinacional, por exemplo, a pessoa que é o diretor ou a editora-geral da empresa aqui reporta a uma série de pessoas
António Gomes
acima. Certo, certo. Eu tive uma experiência muito cheira. A história da cerveja Bohemia, passando aqui publicidade à marca, é muito engraçada porque nós começámos no início, na gnese de tudo isto, por a Superbock ou neste caso a Unicer, ter uma cota de mercado em que estava claramente em vantagem face à central ser e de eu ser chamado à central de cervejas para um primeiro briefing inicial, onde foi tipo o blank board, ou seja, isto está tudo em branco, mora lá, pensarmos. Depois da LIDER evoluou uma série de coisas, fizemos, vou exagerar, 30 estudos, entende? Mas o ponto de partida de tudo aquilo foi uma coisa giríssima que foi... Ok, vamos pensar... Pá, como é que se encara a cerveja? Como é que é esta cerveja? E então, Eu na altura dava aulas na Faculdade de Ciências Humanas na Nova e havia um fulano que lá estava que era o Gabriel Pereira Bastos, que era professor de Antropologia e eu achei trazer para cima da mesa uma abordagem completamente diferente. Repara, o ponto de partida era, para ele central, porque é que há as rivalidades regionais que fazem com que a SACRES não seja aceita no Porto e simultaneamente o Superbóquio é mais easily accepted em Lisboa. E portanto, eu perguntei ao José Gabriel, que era um pouco mais velho, irmão de um amigo meu, se ele estava disponível para ir fazer uma palestra, paga naturalmente, e onde ele tentasse ir buscar pistas sobre isso. Ele disse-me que sim. Contactou dois ou três, ela já era orientadora de teses de mestrado e de doutoramento, contactou duas teses de doutoramento, uma delas forçava sobre o tema, e portanto os gajos, que um deles era do Porto, lhe disse, pá, saga, esquece lá isso e tal. Eu nunca mais me esqueço, quando ela fazia a apresentação, era um professor de Antropologia, como os bons professores de Antropologia, aquele boneco, entre aspas, num sentido negativo, de Pá, uma barba comprida, mal feita, uma pasta de cabral toda velha, só faltava aí de chinelos e estava ao borde da Central de Cervejas. Pá, e o Alberto... O Gabriel começa, despirou uns 10 minutos, começa a aversar sobre o significado da cerveja e sobre o facto da espuma da cerveja ter uma alegoria, uma metáfora ao esperma humano. E o Alberto Ponte, que era o CEO da Central de Cerveja, d-lhe para mim, tipo, o que eu peguei por isso? E eu, Oh my God, fomos demasiado longe no Fora do Engasgo. E depois acabou, entre aspas, quase a sair em rombos, porque depois deu 40 mil pistas sobre o tema dos vasquesés dos regionalismos, de toda a parte identitária das regiões e das diferenças e portanto foi um excelente trabalho para começarmos a construir uma estratégia que levou a que a Boêmia fosse vencedora e, ao mesmo tempo, entre toda aquela gente de... Aliás, estava à frente o diretor de Martin Guerrero Nuno, que está hoje nos Estados Unidos, aliás é CEO da Diageo e recordo-me de ele estar nessa apresentação também. Portanto, estava toda a equipa de marketing, toda a equipa de business development da Central e foi muito engraçado porque depois todos se nivelaram naquilo que era o entendimento do que afinal o que é isto das rivalidades entre o Porto, o Norte, o Centro, o Sul, os Alentejanos, os Algarvios, as Beiras... Mas há ali um momento em que tu, a propósito da tua pergunta, do risco, não é? De a pessoa que aceita este desafio e tu ficares ali... Epá, isto é demasiado fora da
José Maria Pimentel
casa. Sim, sim, vocês pensarem, bom, se calhar arriscarmos, se calhar... Eu não me contou o que
António Gomes
o Gabriel ia dizer, não é? Eu tinha na altura, não sei, 30 e algo, 40, ou nem isso. E pá, o Gabriel já tinha 60 anos, ele nunca tinha sido meu professor, mas podia ter sido e portanto eu não me atreveria eu tinha lhe dado o briefing do que queria, ele falaria e portanto teria utilidade, não tinha. O problema foi o início que ele dá à coisa e eu pensei, oh, está tudo perdido. Eu nunca mais falto a trabalhar com a Central Surveys.
José Maria Pimentel
Imagina que tinha havido um problema qualquer, uma interrupção e é que ele tinha ficado por ali. Era
António Gomes
absolutamente assustador. Mas pronto, mas correu bastante bem e foi bastante engraçado. Olha,
José Maria Pimentel
excelente maneira de terminarmos. Sim,
António Gomes
não querias falar que... Deixa-me falar sobre os livros, vou ser
José Maria Pimentel
rápido. Não era isso que eu ia... Terminámos com o livro. Ah, desculpa. Vou só
António Gomes
falar de dois, só por um motivo. Tu há bocadinho falaste... Começámos a falar do Shiga e pronto, é difícil não acabares a pensar em movimentos fascistas Não quero que as pessoas me interpretem mal e que seja necessário me oferecer uma colagem. Isso é um juízo de valor, pouco importa. Mas lembro-me de há dois, três anos de ter lido e de ter achado divertidíssimo uma biografia do Mussolini e que eu acho especialmente interessante porque acho que o registro do Mussolini, não por causa do Adrian Ventura, mas até o Trump. Às ontem vi uma caricatura em que se punha Trump com o Mussolini com a mesma face, é muito parecido um com o outro e acho especialmente interessante. Mas vá, uma biografia porque foi escrita por um tipo inglês, vale a pena ver, é um livro que alha masso e chama-se qualquer coisa a história de Mussolini, é o equivalente. Bem, tem duas ou três notas deliciosas, uma delas por causa do grau de sofisticação de um líder populista. O Mussolini recusou sistematicamente assistir a um evento com um embaixador de inglês em Itália na altura em que ele é eleito, em 30 e poucos, e eles não estavam a perceber, quer dizer, percebiam que ele não quisesse estar com os ingleses, mas na prática não tinha havido guerra, foi antes da guerra e, portanto, ele é pressionado por toda a gente no governo a dizer que temos mesmo que estar com o gajo, e o gajo não quer porque ele é de origem humilde, é um tipo que não tem maneiras, não tem educação, mais ou menos. E, portanto, vem a história desse jantar que nós sabemos que aconteceu assim por cartas reditidas pela menina do embaixador, que conta a história do meu primeiro jantar com Mussolini. A questão é, ele não sabia usar os talheres. Portanto, ela tinha uma carrada de talheres e tentaram ensinar, ele não conseguia. E então, ela apercebe-se disso. E como se apercebe disso? Apercebe-se que ele está a tentar ultrapassar o problema fazendo um truque que é usando os talheres que ela usa para comer as mesmas coisas que ela usa e então ela troca os talheres e o zolimê que não sabia, tinha mais que pensar, ira troca também, acho este apontamento delicioso para além de outro que eu acho que... Troca de mãos, é isso? Não, usa-os erradamente. Ah, sim, troca de funções. Troca de funções de cada um dos talheres e aí tem a certeza e a confirmação. Este homem não sabe e, portanto, vai fazer tudo o que eu fizer. E, portanto, começa a agonizar com ele, põe água num copo, num outro copo diferente e coisas do género e o Mussolini faz tudo o que ele pode. E depois, no meio desta áurea, não é? O Ildudes é um homem assim com esta projeção e com esta pujança. Tens outro aspecto curioso, mundano. Eu gosto destas coisas que... Os pés de barro, não é? Ele tinha imensas amantes. Teve depois uma doença sexual transmitível, mas ele tinha basicamente... Ele era muito pouco higiénico, não tinha uma higiene propriamente recomendável.
José Maria Pimentel
Portanto,
António Gomes
tinha aquilo que os portugueses vulgarmente chamam de chatos e não conseguia combatê-los. E isso trazia imensos problemas em alguns eventos públicos, porque estava aflito. E eu acho delicioso que as pessoas possam ler um livro que conta o outro lado de um detenedor com a amante, e a amante a chatear a cabeça e o tipo já não sabia, já não tinha paciência para aturar. E depois, uma delas, que foi a mais relevante, mas o livro versa sobre várias delas e também a relação e as discussões dele com o Papa, porque ele na verdade tem uma relação muito tensa com o Papa que depois acabam, não por ser amigos, mas por se tolerarem um ao outro. É um livro giríssimo. O livro que eu recomendaria é um que eu reli há duas semanas, foi de fim de semana para parar um bocadinho e peguei num livro e peguei nele na sábado à noite e terminei na segunda de manhã que eu já li para aí vinte vezes e gosto de ler de vez em quando e que se chama As Cruzadas Vistas pelos
José Maria Pimentel
Árabes do Amin Malouro. Quem é que me recomendou esse livro já aqui no podcast? A sério? Sim, sim, agora não me lembro, mas alguém já o recomendou aqui no podcast.
António Gomes
Pronto, eu recomendo vivamente, mas recomendo vivamente por um... Quer dizer, há muitos motivos, não é? Mas pronto, aquilo é muito giro, tem a ver com as cruzadas vistas pelos árabes.
José Maria Pimentel
Foi Regalvaes Pinta, acho eu, mas não foi no podcast, foi num programa que eu fiz para a Fundação Francisco de Meio Alto de Santo, acho que foi lá. Ok, eu
António Gomes
acho delicioso o livro, o livro é muito giro e recomendo vivamente porque é de facto vistas pelos árabes e as histórias que por lá contam, mas no meio daquilo tudo, que é todo um período que inclui o período Saladino.
José Maria Pimentel
Exato, é isso.
António Gomes
Eu acho absolutamente delicioso a tendência suicida de toda aquela gente, porque são uma quantidade de cidades, naquilo que hoje é o território do Iraque e sobretudo da Síria, que vão sendo conquistadas pelos cruzados. E há ali uma determinada altura, que não tem graça nenhuma, mas eu acho absolutamente inacreditável, que é os príncipes seljucidas, que são na verdade os herdeiros dos turcos que ocuparam e que invadiram aquela zona e portanto tu tens os líderes religiosos que não têm poder político e o verdadeiro poder político está nas mãos de antigos escravos turcos. Na verdade é esta a dinastia selva-sorcida que controla. E portanto há uma série de reis e de vizires e o rei que o parte, estão todos por ali, uns irmãos dos outros. E o que é absolutamente delicioso é o pânico que eles têm inicialmente dos Cruzados e depois a seguir dos pânico de serem traídos pelos seus pares. E portanto, têm-se histórias inacreditáveis de, depois de uma primeira tentativa de reconquista de uma cidade que os cruzados tinham ganho, um irmão propõe aos príncipes cruzados que se juntem a ele para correr com o outro irmão que estava noutra cidade. E uma dessas primeiras vezes que o Gudofredo ou um desses recebe aquela proposta e ele fica tipo... Pá, esses gajos são completamente malucos! Tipo, estes gajos estão-me a propor a mim que eu que sou o invasor que ele quer correr, que conjuntamente com ele vá atacar o irmão, porque tem medo que se ele me atacar a mim, o irmão pelas costas venha e lhe tire a cidade que ele tinha. Exato. E eu acho que este livro é delicioso para termos uma exata noção de compreender o que é o Medio Oriente, o que é aquela Síria, aquele Iraque hoje. E pronto, aquilo não tem solução. Aquilo vai ser sempre assim. Uma história de traiçes e de outras traições sobre traições. E pronto, é uma pena. Mas ao mesmo tempo é delicioso. Vemos lá nós caracterizados como cruzados. Não propriamente como louros, principouros, altos e olhos azuis, mas antes pelo contrário. Mas pronto, vale a pena. Sim, sim. Eu gosto de ler de vez em quando.
José Maria Pimentel
Não, eu já tinha ficado com esse livro na retina, portanto ainda bem que
António Gomes
o recomendas. É muito bom, é muito bom.
José Maria Pimentel
António, nós ficámos aqui a falar mais uma hora, mas eu, por piedade com os nossos afins, vou interromper. Recomendamos o
António Gomes
podcast e um tempo de duração ideal, portanto já chega. Exatamente. Olha, obrigado. Não, não é hora
José Maria Pimentel
essa. Este episódio foi editado por Martim Cunha-Reu. Visitem o site 45graus.parafoods.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Paulo Peralta, João Baltazar, Salvador Cunha, Tiago Leite, Joana Alves, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Gustavo, Felipe Caires, Gonçalo Monteiro, Nuno Costa, Miguel Marques, Rui Oliveira Gomes, Miguel Vassallo e Francisco Delgado. Até ao próximo episódio!