#96 Nuno Palma - “Afinal, quantos séculos tem o atraso económico de Portugal?”

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José Maria Pimentel
Sejam bem-vindos ao 45 Graus, o meu nome é José Maria Pimentel. Neste episódio estou a conversa com o Nuno Palma, que é professor de Economia na Universidade de Manchester e é também investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O convidado tem-se sobretudo dedicado à investigação na área da História Económica, que foi o tema da nossa conversa. Lembram-se do episódio com o Henrique Leitão, em que falámos de História da Ciência? Foi um episódio que me fez olhar de maneira muito diferente para a História da Revolução Científica. Ora, esta conversa com o Nuno Palmas gerou mais ou menos o mesmo efeito, mas neste caso, em relação à história do desenvolvimento económico. Graças à investigação do Nuno, e não só, hoje sabemos melhor como evoluiu a economia e o nível de vida nos países da Europa Ocidental ao longo da história, em particular depois da Idade média. Para além disso, o trabalho dele ajuda também a que tenhamos uma ideia melhor das causas que explicam porque é que uns sítios se desenvolveram mais e outros menos. E ainda, o que é tão mais importante, ajuda a perceber quando é que começou essa divergência de destinos entre países europeus, como por exemplo entre Inglaterra e Portugal. Por exemplo, em relação a Portugal, o convidado fez, juntamente com o Jaime Reis, um cálculo da evolução do PIB por pessoa desde o início do século XVI, ou seja, pouco depois dos descobrimentos. E como vão ver, há uma série de surpresas face àquilo que seriam as nossas expectativas. E como é que eles calcularam o PIB para uma época tão recuada? Não é fácil, claro. Basicamente, eles tiveram que recorrer às estatísticas que, apesar de tudo, existiam e chegaram até hoje, e que são, sobretudo, livros de contabilidade em instituições como mosteiros, hospitais ou mesmo a Universidade de Coimbra, nos quais existe vários tipos de informação, como por exemplo, dados sobre preços e os salários que eram pagos naquela altura. No outro trabalho do Nuno, este feito com António Henríques, ele tentou medir não já o crescimento da economia, mas as suas causas. Para isso mediu a evolução comparada da qualidade das instituições entre Portugal, Espanha e Inglaterra desde tempos tão recuados como o final do século XIV, na altura do interregno, até 1800. Mais uma vez, também aqui os resultados são muito surpreendentes. Já agora vale a pena explicar porquê o interesse em medir a qualidade das instituições. Ora bem, esta não é a única teoria que existe, mas hoje é cada vez mais consensual que aquilo que determina o desenvolvimento económico dos países, tanto ao longo da história como ainda hoje, mais do que aquilo que são as políticas económicas no papel ou até ainda mais do que os recursos naturais, é a qualidade das suas instituições. É isso que gera crescimento económico que é sustentável ao longo do tempo. Instituições aqui significa, por exemplo, as limitações que são impostas ao poder executivo, a independência dos tribunais, a capacidade das elites económicas de influenciar o poder político, etc, etc. E pronto, não digo mais nada para não estragar a conversa, mas se têm curiosidade por estes temas vão de certeza gostar deste episódio. Só uma nota para a qualidade do som. Vão notar que o som do convidado está um pouco pior no último terço da conversa porque tivemos um problema técnico. Já vos vou deixar com o Nuno Palma mas antes disso queria partilhar uma novidade convosco. Falei-vos aqui no podcast há uns tempos da segunda edição do Pods, o festival de podcast. Ora bem, apesar da segunda vaga e até indicações em contrário, confirma-se que O festival se vai realizar e vai decorrer de 2 a 8 de novembro, com sessões a decorrer ao vivo e em streaming. E confirma-se também que um dos podcasts que vão ser gravados ao vivo será o 45 Horaos. A gravação vai decorrer no auditório do público. A ideia por hora é ter audiência, embora, claro, vai ser limitada face àquilo que seria a capacidade normal. Para assistir ao episódio é obviamente necessário que se inscrevam, mas a entrada é gratuita. O mais fácil para terem mais informações é ir ao site, que é pods.pt, mesmo assim, ou então seguir o festival nas redes sociais, onde podem saber mais e acompanhar os desenvolvimentos. Em princípio, o episódio do 45° será gravado às 19h, na terça-feira, dia 3 de novembro, ou seja, por coincidência, o dia das eleições nos Estados Unidos. O convidado será Cristiano Ronaldo... Estou a brincar, é muito melhor. A convidada será Susana Peralta, professora de economia e colunista, precisamente, do Jornal Público e uma das vozes que mais tem dado nas vistas na opinião publicada nos últimos tempos. Desculpado será dizer, gostava muito de ver alguns de vós por lá, assistir à conversa com a Susana, mas para já fiquem com este episódio com Nuno Palma. Nuno, muito bem-vindo ao 45°. Muito obrigado. Vamos falar do teu trabalho que é incrivelmente interessante e se calhar a melhor maneira de começar a perceber a história que tu tens começado a desbravar no teu trabalho nos últimos anos é falar do PIB, aqui neste caso PIB per capita, portanto o grau de riqueza, se quisermos, per capita da economia portuguesa. Há uma coisa que nós sabemos e já sabíamos e é mais ou menos incontestável, é que Portugal fica definitivamente para trás da maioria das economias europeias e sobretudo no caso da Inglaterra com a Revolução Industrial, portanto ali há alguns no cruzamento do século XVIII para o século XIX, isto é mais ou menos estabelecido, o que o teu trabalho tem ajudado a perceber é como é que foi a evolução antes disso, que em muitos aspectos não era nada como nós podíamos estar à espera. Se calhar é mais fácil passar-te a bola para descreveres isso, que história é que o teu trabalho conta desde ali, alguns do final da Idade Média, início dos descobrimentos, ou quer dizer, não é bem início, mas vai, início do século XVI, até à grande divergência, não é? Até Portugal perder definitivamente o comboio.
Nuno Palma
Ok, antes de mais, muito obrigado pelo convite, fico muito contente, acho que isto tem imenso interesse a estes podcasts. O que se passou foi que o comportamento da economia portuguesa nos séculos 16 e 17 tiveram um comportamento que foi bom sem ser espetacular, não foi mau, mas não foi espetacular. E como tu disseste, ao contrário do que se eventualmente poderia pensar em relação ao período considerado clássico dos descobrimentos, que seria o século XV e também XVI, o comportamento nessa época foi razoável, sem ser espetacular. Depois, na primeira metade do XVIII, houve um grande boom da economia e a economia, aliás, em meados do século XVIII, antes do terremoto, estava a níveis bastante altos em termos da Europa Ocidental. Quando dizes estava a níveis bastante altos, como é que comparava nessa altura só com a Inglaterra, Holanda e França, por exemplo? Exato, comparado com os outros países da Europa Ocidental da altura, estava um pouco abaixo da Inglaterra, mesmo em meados do século XVIII, mas não muito, e estava acima de outros países que hoje pensamos como ser países mais ricos que Portugal. Como Espanha, se calhar, não é? Como Espanha, claramente, muito acima de Espanha em meados do século XVIII. E isto não se reflete apenas no rendimento por pessoa, mas em outros indicadores relacionados, por exemplo, urbanização, por exemplo, questões relacionadas com mudança estrutural, ou seja, que porcentagem da população tem trabalhos fora da agricultura. Em meados do século 18, tinha cerca de 47% da população trabalhava em atividades não agrícolas. Tu só voltas a chegar a um nível tão alto de pessoas fora da agricultura já no século 20. A economia, digamos, parecia que estava pronta a arrancar e a modernizar, mas em boa verdade muito disso é mais aparência que realidade, porque as causas profundas dessas mudanças não eram sustentáveis no tempo. Exato. E quais eram essas causas? Parte era o ouro do Brasil, imagino, pelo menos na primeira metade do 1700. Exato, o ouro do Brasil criou em Lisboa uma cidade de consumo e isso em si leva a mudança estrutural, ainda que não do tipo que possa vir a ser sustentável no futuro. Mas há outras causas, tem a ver com a introdução do milho-maiz da América, que teve uma aceitação muito boa em partes de Portugal, nomeadamente no norte de Portugal, esse tipo de novos bens agrícolas que não existiam na Europa no período medieval e depois vão ser introduzidos gradualmente. E que tinham maior rendibilidade, é isso? Sim, elevavam a uma produtividade agrícola elevada, ainda que, em alguns casos, necessitando de alguma infraestrutura de água para poderem funcionar. Mas nós vemos isso chega aos nossos dias de hoje com a broa de milho, por exemplo, que se come muito no norte do país.
José Maria Pimentel
Sim. Então, espera aí, vamos tentar descascar isto por partes. Se calhar começando pelo início nos dois sentidos, no início temporal e no início, falando do patamar inicial a partir do qual o PIB depois começou a crescer. Quando nós estamos ali, vamos dizer, 1500, 1500 é interessante por coincidir mais ou menos com o início dos descobrimentos, ou pelo menos os descobrimentos para lá estritamente do norte e meio da África, ou seja, quando se descobre o Brasil, pouco depois de descobrir o caminho marítimo para andia começa de facto o Extremo Oriente a ter um peso grande. Nessa altura, tu dizias mais pouco que o PIB português comparava bem, por exemplo, com Espanha, mas estaria abaixo de Inglaterra, por exemplo. Lembro de ler, confesso que já não sei onde, há muitos anos, que uma das causas pelo efeito de persistência para o subdesenvolvimento português tinha que ver com o PIB mesmo, historicamente, estar abaixo de outros países. Se calhar isso não era completamente exato, porque sendo verdade, por exemplo, para a Inglaterra, não seria verdade para outros países. E o argumento aí era que a terra e a agricultura, na verdade, era o setor com o maior peso e aquilo que no fundo definia o grau de crescimento do PIB, a terra, o solo, se quisermos, era menos produtivo, era menos fértil em Portugal do que noutros países do centro da Europa e isso explicaria uma decalagem de nível do PIB. Aqui eu estou a falar de nível, nós já fomos falar do crescimento, mas aqui eu estou a falar de nível. Isto é verdade ou é uma simplificação?
Nuno Palma
Portanto, a investigação mais recente que há sobre esse assunto é um capítulo do Jaime Reis no livro da História da Agricultura na Europa Comparada, que levanta muitas questões sobre essa visão tradicional. E em boa verdade nós sabemos, através da economia de desenvolvimento comparada para os dias de hoje, que mesmo a ser verdade que alguns países possam ter produtividade menor que outros na Terra, e a produtividade em si também depende dos níveis de investimento, a endógena, a decisões humanas, portanto não é uma coisa que possamos dizer que é puramente geográfica ou pré-determinada, não nos parece que essa explicação tenha muitas pernas para andar hoje em dia. Talvez valha aqui levantar uma pequena nota de metodológica. É muito mais fácil calcular que períodos da história que têm crescimento ou declínio ou estagnação, mudanças e tendências, do que níveis. O nível é o mais difícil. Portanto, eu acho que é justo dizer que nos séculos XVI e primeira metade de XVII, Portugal, Espanha e Inglaterra tinham níveis muito próximos do PIB. E nenhuma destas economias cresceu muito nesses séculos, até meados do 17, porque depois a Inglaterra começa a crescer bastante e até Portugal, apesar de que não tanto como a Inglaterra. Sim, Portugal cresce até cerca de 1700, 1750. Exato. Sendo que as causas desse crescimento, do meu ponto de vista, não se vieram a revelar tão sustentadas e pensando bem sobre quais foram, percebe-se porque é que não eram tão sustentadas como as inglesas, mas em termos daqueles 100 anos isso aconteceu. Portanto, em termos metodológicos, eu tenho muito menos incerteza em falar quais são os períodos da história em que a economia estava a arrancar ou em que estava a haver problemas. É mais difícil falar com precisão quais são o nível exato a diferentes momentos. E não é tão importante, em boa verdade, a não ser que fossem diferenças muito grandes, mas até a meados do século XVII não há diferenças muito grandes.
José Maria Pimentel
Exato, sim, percebo. E, por acaso, esse é um ponto interessante, quer dizer, faz algum sentido, mas de qualquer forma, como dizias, podemos dizer com alguma certeza que os níveis não seriam especialmente divergentes por esta altura. E depois, falando da evolução, uma das coisas que o teu trabalho mostra, e que é contraintuitiva, uma das várias coisas que são contraintuitivas é que o impacto dos descobrimentos numa fase inicial, ou seja, segunda metade do século XV e do século XVI, não é especialmente notório, certo? Portanto daí o PIB não estar a crescer especialmente
Nuno Palma
nos anos 1500. Exato, esse é um artigo ainda anterior ao do PIB, que foi publicado em 2019, o do PIB, com o Jaime Reis, no Journal of Economic History. Nós temos um artigo anterior, de 2015, na European Review of Economic History, que também é a colo do Leonor Freire Costa, em que nós estimamos precisamente o impacto do comércio intercontinental para que seja comparado entre vários países, e portanto no caso português o impacto do império e das trocas relacionadas com o império de alguma forma, da economia. E de facto nós estimamos que esse impacto no século XVI é perfeitamente marginal, próximo de zero. No XVII é pequeno e só no XVIII é que se torna já razoável. E a razão é simples, é porque os descobrimentos, e isto é uma coisa que irrita algo, há alguns historiadores tradicionais isto ser dito, mas a razão é que eles não são capazes de quantificar as coisas. E quando começamos a pensar nas coisas de uma forma quantitativa percebemos qual é a raiz deste motivo. A raiz é que os descobrimentos eram os tantos barcos a chegar ao terreiro do passo. Tinham um peso muito pequeno na economia, numa economia que era fundamentalmente agrícola no século XVI e em que os tantos barcos a chegar ao terreiro do passo não tinham um peso assim tão grande como isso. Não quer dizer que não tivessem bastante importância, por exemplo, para o desenvolvimento do Estado tiveram uma importância, para o financiamento do Estado, para a capacidade do Estado também tiveram importância E depois a nível científico, tecnológico, não só em Portugal, mas noutros países da Europa, também tiveram bastante importância. Mas tudo isso são externalidades.
José Maria Pimentel
Sim, efeitos de segunda ordem que já é difícil quantificar.
Nuno Palma
Exato, e em termos de efeito direto no PIB, Os descobrimentos no século XVI, XV ainda não quantificámos, mas será ainda mais pequeno, no XVI é muito pequeno. No século XVIII aí já tem algum impacto, sendo que no século XVIII, já não são os descobrimentos na sua fase inicial, como é evidente, mas o que se passou no Brasil no século XVIII, isso tem impacto. Então, o que é que muda no século XVIII para os descobrimentos?
José Maria Pimentel
Isto é, aquilo que é a consequência dos descobrimentos passar a ter um peso grande. É o efeito do ouro, sobretudo, é o efeito do comércio por via do aumento do desenvolvimento do Brasil, que acaba por assumir um... Eu lembro-me que na altura da independência do Brasil, que já estamos a falar de início do XIX, foi um rombo, pelo menos do ponto de vista das contas públicas, não sei tanto em termos do produto económico, mas em termos das contas públicas, foi um rumo gigante à independência do Brasil. E este efeito, evidentemente, já viria do século anterior. Portanto, o que é que nós estamos a falar que mudou aqui? Já não é o extremo oriente, não é? Portanto, isto é sobretudo Brasil?
Nuno Palma
Em relação ao Brasil, nós estimamos que no 18, um contrafactual, aí está outro objeto que os tradicionais não apreciam, que na ausência do comércio intercontinental em finais do século XVIII, o salário real teria sido 20 a 20 e tal por cento mais baixo em Lisboa do que foi. Portanto, a visão sobre a independência do Brasil e que impacto pode ter tido na economia, eu penso que a visão mais equilibrada sobre isso é dizer que de facto tem um impacto curto prazo, mas também não podia ser um motor sustentado de crescimento para sempre, não só porque no Brasil a forma de extração que estava a ser implementada no Brasil não era uma coisa que pudesse ter um efeito de escala facilmente, muito maior, e por outro lado porque dadas as tendências políticas da América Latina e dadas as mudanças políticas na própria Europa, dificilmente o Brasil se poderia ter aguentado muito mais tempo. Portanto, mesmo que o Brasil tivesse trazido benefícios, não podia ser um motor de crescimento de longo prazo para a
José Maria Pimentel
economia portuguesa. Sim, claro que sim. Ou seja, ele não era sustentável, mas também é argumentável dizer que a questão da sustentabilidade não estava especialmente na cabeça dos decisores naquele período. Agora, independentemente de não ser sustentável, o que
Nuno Palma
é facto é que contribuiu para aquele boom na primeira metade do século XVIII. Contribuiu, sendo que a contribuição teve um efeito que em si pode ter tido algumas sementes dos problemas que vieram a verificar-se, nomeadamente a parte da contribuição que veio do ouro do Brasil, na minha perspectiva, teve um efeito de maldição dos recursos naturais, ou seja, teve um efeito parecido com o efeito que hoje em dia o petróleo tem em países como a Venezuela ou Angola. Esse efeito tem efeitos positivos no curto prazo, que podem durar décadas, não é? Se um país pobre em África encontrar petróleo, durante algumas décadas vai ter alguma prosperidade devido ao petróleo, mas essa prosperidade também vai ter efeitos negativos, tanto a nível econômico, porque vai destruir algumas indústrias transacionáveis para as quais passa a ser mais difícil exportar e também para aquele país passa a ser mais fácil importar. Portanto, indústrias transacionáveis vão sofrer, alguns setores dos serviços vão ter um crescimento algo desmesurado e não sustentável na ausência desses mesmos recursos naturais. Portanto, certas cidades se tornam, digamos, cidades de consumo, que foi o que se passou em Lisboa na primeira metade do século XVIII, mas isso é efeito puramente económico. Depois também há efeitos políticos que se cruzam com estes, e tem alguma ligação com estes, mas que vale a pena considerar de forma independente e até do meu ponto de vista são ainda mais importantes. Esses efeitos políticos têm a ver com a captura do Estado por certos interesses privados e portanto essa captura do Estado por interesses privados que se vê perfeitamente neste tipo de países que têm maldições dos recursos naturais hoje em dia, basta pensar na Venezuela ou em Angola. Eu dei estes dois exemplos, mas na literatura de economia e desenvolvimento há vários casos deste género. Sim, num
José Maria Pimentel
país do Medio Oriente, por exemplo.
Nuno Palma
Exato, em alguns. Eu penso que o que se passou em Portugal no século XVIII foi parecido com o que se tinha passado em Espanha um século e meio antes com a prata espanhola, sendo que depois quando vais ver medidas de qualidade institucional não só do próprio comportamento da economia, que em Portugal cresceu até mais tarde do que em Espanha, mas isso já é um outcome, se é um resultado das mudanças institucionais também que estão a acontecer, e as mudanças estas institucionais políticas e também aquelas económicas que eu falei antes. Por exemplo, no caso de Espanha, a Espanha em finais da Idade Média tinha uma indústria de lã muito desenvolvida e que exportava imenso. Essa indústria de lã foi destruída no século XVI e, portanto, esses são os efeitos económicos, digamos, dos setores transacionáveis se tornarem menos competitivos, em resposta à amaldiçoção dos recursos naturais. Mas a Espanha também tinha parlamentos que se chamavam cortes, que reuniam com muita frequência e depois no século XVII deixando-se reunir, que é o que acontece em Portugal no século XVIII. Em todo o século XVIII em Portugal as cortes não se reúnem uma única vez. Portanto, enquanto anteriormente havia restrições ao poder do rei, no século XVIII o rei torna-se, digamos, para simplificar um pouco, absolutista. Isto é uma visão que os libreiros do século XIX achavam que o antigo regime era tudo a mesma coisa e, portanto, o antigo regime tinha sido sempre absolutista. Mas isso está errado. Em Portugal, no século XVI e XVII, havia cortes e havia os próprios tribunais, muitas vezes tinham processos contra o próprio rei, em que às vezes o lado contra o rei ganhava. Tudo isso no século XVIII se torna muito mais complicado e depois, particularmente já com Pombal, vês uma centralização do poder e algo que, para simplificar um pouco, se pode de facto chamar absolutismo, mas que não é representativo dos séculos XVI nem XVII em Portugal. Esse
José Maria Pimentel
é um aspecto muito interessante do teu trabalho, não que seja um aspecto estritamente desconhecido, mas que acaba por ficar mais ou menos de fora da narrativa, que é a narrativa ainda de hoje, que é a pessoa tendo a ver, exatamente como os liberais vieram na altura, uma espécie de estabilidade absolutista que depois foi terminada ali. Mas na verdade o que aconteceu foi que tinha havido instituições com algum grau de qualidade ou algum grau de inclusividade durante a Idade Média que depois se deterioraram durante aquele período. Isso é que é curioso. E depois já vamos falar disso porque é curioso porque acontece uma espécie de bifurcação em que as instituições em Inglaterra, que até eram piores, no algum sentido melhoram drasticamente e as instituições nos países ibéricos acabam por piorar. E esse é um aspecto interessante em relação a isto. Mas já vamos às instituições, que é só perguntar ainda mais umas coisas em relação à questão da própria economia, porque tu falaste do efeito do ouro do Brasil, mas parece haver aqui também uma coincidência demasiado tentadora, temporal, com o terramoto, não é? Porque no fundo o que tu mostras é que o PIB cresce até cerca de 1750, quer dizer, portanto, na prática estamos a falar até ao terramoto. O terramoto teve aqui de facto um peso, e nós estamos a falar ainda por cima de PIB, não de riqueza, o que significa que não há aqui o efeito, a não ser a um nível indireto, da riqueza que se perdeu com o terramoto. Pode ter havido um efeito obviamente de destruição de capacidade produtiva, mas muitas vezes até se diz, justamente em relação ao Marquês de Pombal, que houve uma série de reformas feitas na sequência do terramoto. Portanto, da conjugação entre estes fatores todos, tu dirias que o terramoto teve um peso negativo ou ajuda a explicar também esta quebra do PIB na segunda metade do século?
Nuno Palma
Penso que sim, mas apenas pela sua interação com os efeitos políticos que daí resultaram e que já tinham sementes bem plantadas quando o terramoto veio. Ou seja, é fácil pensar que quando tu tens o efeito de terramotos em várias economias, normalmente a seguir aos terramotos até há um efeito de reconstrução que leva a mais crescimento.
José Maria Pimentel
Exato, era isso que eu estava a aludir, exatamente.
Nuno Palma
Pronto, e há muitos casos de países bombardeados que recuperaram muito depois, veja-se a Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, há imensos exemplos históricos, a Alemanha claro que também teve ajuda financeira, mas há imensos exemplos históricos em que terremotos não têm um efeito assim de tão longo prazo como isso. O que se passou em Portugal é que, repare-se em primeiro lugar, que quando apareceu o terremoto em 1755, as cortes já não reuniam desde 1698. Portanto, já estava ali um problema de há 60 anos que não haviam cortes a reunir. Claramente já havia um problema anterior. E há outras medidas em que se pode ver que os problemas já vinham de trás. Mas é verdade que o Pombal aproveitou o terramoto para conseguir levar para a frente o seu programa de centralização política e depois do terramoto há várias coisas que são alteradas, aliás é a partir do terramoto que o Pombal torna-se mesmo a figura central e depois ele consegue utilizar isso para ter uma política mais arbitrária do que era
José Maria Pimentel
possível em séculos anteriores. Sim, ou seja, no fundo o que estás a dizer é que, embora o absolutismo, para chamar assim, já viesse de trás, pensemos em João V, depois há uma centralização do poder com Pombal, que acontece na sequência do terremoto e de resto, parece-me que isso até ressoa com aquilo que nós vimos ao longo da história e mesmo na contemporaneidade acontecer em muitos países, que é quando tu tens uma disrupção, a coisa tende a ir para um lado ou para o outro, ou seja, a disrupção no fundo permite uma mudança do status quo que é ou no sentido de diluição do poder pela sociedade, ou pelo contrário, pela captura ainda mais forte do poder. Aliás, até há uma tese em relação a isso, sobre a qual estão a lembrar, e não é exatamente a mesma coisa, em relação à servidão da gleba, aos servos durante a Idade Média, que julga que é por causa da Peste Negra, não é que tu tens... Na Europa Ocidental a Peste Negra provoca sobretudo uma melhoria das condições do povo, digamos assim, porque passam a ser menos e portanto podem exigir salários maiores, e por exemplo na Rússia ao contrário, porque embora eles pudessem exigir salários maiores, a nobreza tem um peso tão grande que os consegue subjugar ainda mais e portanto no fundo uma disrupção acaba por provocar uma mudança do status quo no sentido de instituições mais trativas e não mais inclusivas, que
Nuno Palma
aparentemente foi o que aconteceu com o terramoto. Exatamente. A Rússia ainda não tinha muita importância mas é precisamente verdade. No que hoje chamaríamos a Europa do Leste e até
José Maria Pimentel
alguma Europa Central, uma segunda
Nuno Palma
servidão, ou seja, o que se passou é que na Europa Ocidental, quando chegou a Peste Negra, praticamente a escravatura tinha desaparecido endogenamente. A escravatura que Nós sabíamos que na Antiguidade e nos princípios da Idade Média era muito comum na Europa tinha praticamente desaparecido. É verdade que a Peste Negra na Europa Ocidental foi um processo que veio confirmar isso, enquanto que na Europa do Leste, pelo contrário, veio ter o efeito exatamente contrário. Ou seja, por ter morrido muita gente, o salário de um homem livre aumentou e os senhores foram capazes de escravizar a população para não ter de pagar o salário a um homem
José Maria Pimentel
livre. Exato, sim. O mercado só funciona se a pessoa não puder
Nuno Palma
roubar, não é? Precisamente. A analogia é um bocado isso. Entram as instituições. As instituições é que podem estar ali para travar esse processo. Isso aconteceu na Europa Ocidental, mas não na Europa do Leste na sequência da Peste Negra. Voltando ao caso português. O caso português aí entra precisamente na mesma lógica, ou seja, eu acho que Pombal foi capaz de fazer o que fez na segunda metade do século XVIII, e podemos falar das enormes arbitrariedades, aliás, que ele fez, porque precisamente as instituições já estavam frágeis, mesmo já desde o período de Dom João V.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Sim, o bom, há o caso dos táburos, que é evidente que ainda por cima eram da alta nobreza, mas sei lá, questão da companhia de vinho do Porto, não é? Quer dizer, há uma dose de poder, quer dizer, ele tinha um poder desconforme para fazer mudanças e isso depois trouxe-lhe alguma boa reputação histórica, mas muitas dessas mudanças eram discricionárias e sem qualquer tipo de escrutínio. Eu quero ir aí à detrioração das instituições, que é muito anterior ao efeito no PIB, porque no fundo é disso que estamos a falar, ou seja, de um efeito dilatado no tempo da detrioração das instituições, que é aquilo que a economia do desenvolvimento tem vindo a provar. Mas antes de irmos lá, queria só perceber melhor o que se passou aqui neste período, sobretudo no que diz respeito à questão do ouro. Portanto, o ouro tem este efeito se quisermos deteriorar ainda mais as instituições, até porque havia uma mentalidade na altura, e também é preciso perceber isso, nós hoje em dia olhamos para a competitividade internacional de uma economia como uma espécie de fim em si mesmo. Nós falamos de Portugal, desenvolver Portugal e tornar a economia portuguesa competitiva internacionalmente. Na verdade, antigamente eram só um meio, tu enriqueceres via comércio era só um meio, e provavelmente nem era o meio preferido. Faça guerra em que tu podias obter recursos pela violência. Ou teres uma sorte gigantesca e apanhares ouro no Brasil. E de repente teres um influxo gigante de dinheiro e comeares a, como fez o D. João Quinda, fazer uma série de obras, muitas delas até meritórias, que depois não contribuam minimamente, até se calhar pelo contrário, para gerar sustentabilidade da economia a prazo, mas não era isso que lhe estava na cabeça, o objetivo dele não era esse, ele não estava a pensar nisso, ele estava a pensar em gastar o que é que eu preciso para gastar? Neste momento tenho o ar do Brasil e eu creio que até em Portugal houve mesmo, do ponto de vista das políticas públicas, chamemos-lhe assim, um desinvestimento deliberado na manufatura, por exemplo.
Nuno Palma
Sim, mas isso prende-se mais com o tal problema da chamada Dutch Disease, que tem a ver com a competitividade económica. Eu queria só notar que a mentalidade das pessoas nesta altura não seria assim tão diferente como isso. Os historiadores tradicionais é que acham que os seres humanos do passado, há três ou quatro séculos, pensavam de forma radicalmente nós. Eu penso que não era...
José Maria Pimentel
Ah, é interessante, Então diz lá. Até
Nuno Palma
certo ponto haveria diferenças, mas não eram assim tão radicais como isso. De forma fundamental, o ser humano é o mesmo biologicamente há muito tempo e há mudanças culturais, mas repara que tu não conheces nenhum país hoje em dia que se encontrar uma montanha de petróleo diga que não.
José Maria Pimentel
Sim, mas podes fazer como a Noruega, não é?
Nuno Palma
Exato, eu ia mesmo entrar na Noruega. O que há é países como a Noruega, que já têm instituições suficientemente fortes para compreender que isso pode ter um problema e, portanto, gerar soluções que implicam não gastar tudo de uma vez, que evitem isso criar problemas institucionais. Agora, qualquer país que de repente entre muito dinheiro de fora, isso pode levar a problemas e nós estamos a ver em Portugal muito recentemente com o que se tem passado E precisamente isso, que é, de repente vem muito dinheiro de fora, vê-se logo uma data de pessoas a movimentarem-se para apanhar o máximo possível daquilo, são fenómenos que os seus princípios básicos não dependem de serem presentes ou passados, dependem de se há condições institucionais suficientes para resistir às tentações que se levam em termos de corrupção, em termos de captura do Estado por interesses privados.
José Maria Pimentel
Mas havia, desculpe-me interromper-te, Nuno, mas naquela altura havia alguma Noruega? Não é argumentável dizer que mesmo a Inglaterra, em que já tinha havido um grande progresso institucional naquela altura, portanto em meados do século XVIII, 1750, não é argumentável dizer que mesmo a Inglaterra, se tivesse de repente surgido o ouro vindo do ultramar, teria havido uma reação semelhante?
Nuno Palma
É, eu penso que teria havido uma reação absolutamente igual ao que houve em Espanha e em Portugal. Aliás, se leres o livro do John Elliot sobre os impérios espanhol e inglês comparados no período moderno, tanto no período séculos 16 até finais do 18, vê-se precisamente que toda a construção do Império Espanhol foi feita em função das necessidades que tinham a ver com a prata espanhola. E na Inglaterra começou logo a haver assembleias desde cedo, etc., que depois levaram a uma independência muito precoce, que a América Espanhola seria impensável devido à necessidade da coroa espanhola ou antes da coroa castelhana, que era mesmo quem mandava na América. O rei era o mesmo, mas a Espanha em si tinha divisões políticas dentro de si, tal como aliás Portugal fez parte desse processo entre 1580 e 1640. Mas portanto, eu não tenho nenhuma dúvida que se a Inglaterra tivesse encontrado uma montanha de prata ou de ouro na América do Norte teria tido problemas da mesma natureza, que se vieram a revelar em Espanha e mais tarde em Portugal com o ouro do Brasil no século XVIII. O que aconteceu foi que o ouro na América do Norte, por acaso, estava todo na Califórnia, até certo ponto no Alasca, onde já só se chegou a meados do século 19, já com os Estados Unidos da América Independente, e já quando tinha uma constituição e todo um processo político que já conseguiam absorver esse choque, quando houve o ouro na Califórnia, a corrida ao ouro e tudo isso, nunca se tornou uma parte dominante da economia americana e nunca foi capaz de levar a um processo político, porque já foi tarde e já existiam
José Maria Pimentel
instituições capazes de resistir a isso. Exato, exato. Sim, e sobretudo, uma conclusão interessante daí, e o Acemoglu mostra isso também, depois tens algumas divergências com a tese dele, que já lá vamos em relação às instituições, é que não era por falta de vontade que a coroa inglesa não usava o mesmo esquema que a coroa portuguesa usava nas Américas. Era porque não tinha os mesmos recursos naturais e isso depois acabou por gerar endojenamento em instituições mais inclusivas e depois, como tu estavas a dizer, quando os recursos surgiram já havia um grau de desenvolvimento diferente. Tu há bocado ias falar da disease, que era esse aspecto que eu queria falar antes de irmos às instituições e depois acabaste por não te explicar e eu ia te pedir para explicares isso, porque esse é o efeito, primeira ordem, o efeito mais direto do influxo do ouro e no caso de Espanha da prata um século antes na Europa e que acaba por provocar, estavas tu a dizer há bocadinho, no fundo o efeito mais direto na perda de competitividade internacional da nossa economia, não é? Do setor transacionável, sim. Do transacionável, exatamente. Há
Nuno Palma
variações, mas a forma clássica é se de repente entrar uma enorme entrada de divisas, isso leva a alguma inflação e leva a apreciação da taxa de cmbio em termos reais. E isso em si faz com que seja mais difícil para a indústria nacional exportar e mais fácil para os agentes que querem consumir importar de fora. E isso pode ter um efeito destruidor na indústria que teve em Espanha, quer dizer, deu completamente cabo da indústria têxtil espanhola que vinha da Idade Média, que era uma coisa riquíssima, a mesta, e foi completamente destruída pelo processo relacionado com a entrada de prata espanhola, eles começaram a importar a todo lado, nomeadamente do Norte da Europa, da Holanda e da Inglaterra, mesmo às vezes tanto em guerra como na Holanda, portanto isso tem um efeito direto económico. Agora, poderia-se ir a dizer que esse efeito no muito longo prazo desapareceria, mas esse efeito também tem interação com o efeito político, apesar de que enquanto tiver a VIPRATA pode continuar a estar esse efeito e no caso espanhol a prata veio durante 300 anos. Interage porquê? Porque qual é o setor que expande? O setor transacionável contrai, o setor que expande é o setor, no caso espanhol, por exemplo, é uma data de rent-seekers, não é? São uma data de setores ou ligados a partes da igreja e do clero, portanto é o setor dos serviços que expande e que em si se torna grupos de interesse e grupos de lobbies e de pressões, pessoas que queriam ter títulos nobiliárquicos para não pagar impostos, tudo isso diminui a capacidade do Estado e cria uma teia de grupos de interesse que depois são muito difíceis de reformar mais tarde, mesmo quando acabar a prata.
José Maria Pimentel
Pois, a tua tese é que o efeito econômico, tem-se o efeito cambial e depois econômico, é um efeito importante, mas na verdade o grande efeito, o efeito mais importante e sobretudo
Nuno Palma
mais persistente, é esse efeito de uma deterioração ainda maior das instituições. Exato. Sendo que eles interagem, como eu expliquei, mas a persistência do efeito econômico é principalmente pelo efeito institucional, que ao tornar as instituições mais frágeis até torna subsequentes chegadas de prata e douro ainda mais difíceis de resistir.
José Maria Pimentel
Exato, sim, sim, sim. É uma espécie de círculo vicioso. Exato.
Nuno Palma
Eu gostava de dizer aos nossos ouvintes que talvez pudéssemos dar algum background em que toda a gente sabe que Portugal era um país pobre no século XX, muita gente sabe, e portanto é preciso perceber que as origens desse Portugal pobre não vêm do século XIX, são ainda anteriores, é preciso andar bastante para trás para perceber quais são as origens, mas essas origens também não são assim tão para trás como isso, não são medievais. Aliás, vê-se Portugal estava na fronteira tecnológica e científica da Europa em finais da Idade Média. A manifestação mais evidente disso são os próprios descobrimentos. Portanto, esse processo é um processo que em si é o resultado de algo que se passou no período moderno, que o período moderno é o período que os historiadores chamam aproximadamente ao período de 1500 e 1800. Tem que cair nesse intervalo as origens do pecado original para Portugal.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Ainda bem que falas disso que leva-nos exatamente para onde eu queria ir, porque o que o teu trabalho mostra é que esse descolar, essa divergência ao nível institucional, e de novo, a premissa subjacente ao que nós estamos aqui a falar é que o efeito sobre a economia vem sobretudo das instituições, porque é o que é mais persistente, ou seja, o tipo de fatores exógenos tendem a ser mais circunscritos no tempo, e essa deterioração das instituições portuguesas e espanholas, também face, por exemplo, às instituições inglesas, não vinha detrás da Idade Média, como alguns autores aludem, ou pelo menos de 1500, como por exemplo o acemólogo de que falávamos há bocadinho, que é o economista desta área muito conhecido e entre outros diziam, mas é algo que ocorre sobretudo nos anos 1650, ou seja, dos dias disso à pouco, que isso é um aspecto muito importante. No século XVI, as instituições portuguesas e espanholas eram tão, para usar o jargão desta área, eram tão inclusivas ou têm alguns sentidos mais do que as inglesas, por exemplo.
Nuno Palma
Exatamente. A visão, digamos, entre os
José Maria Pimentel
icónicos... Desculpe interromper, para dizer isto em linguagem mais corrente. Os reis portugueses não eram mais absolutistas, se quisermos, do que os reis ingleses? De forma alguma, pelo contrário. Pelo contrário,
Nuno Palma
sim. Pelo contrário, basta ver o nascimento da dinastia Tudor na sequência da Guerra das Rosas em Inglaterra e o primeiro rei dessa dinastia é Henrique VII, o pai de um Henrique VIII, que é mais famoso até. Exato. Esse Henrique Tudor, quer dizer, aquilo foi um golpe de Estado que capturou o Estado com uma extrema violência e arbitrariedade que não houve nada parecido em Portugal na mesma época. E esse sim, esse próprio Henrique VII, em mim também o Henrique VIII, a princípios do século XVI, reinaram com reis muito próximos do absolutismo. Havia de vez em quando Parlamentos, é verdade, mas os Parlamentos diziam que sim a tudo o que eles queriam. O meu artigo com o António Casta Henrique, a quem eu quero dar crédito, porque é o artigo em que nós quantificámos esta questão da qualidade institucional e da frequência com que as cortes se reuniam e por aí fora e outras medidas de qualidade institucional nós mostramos que a Inglaterra durante o Studor é verdade que os parlamentos se reuniam mas não era para fazer restrições ao poder do rei ou seja o que em inglês se chama Executive Checks nós chamamos-lhe no nosso artigo então de brincadeira Checks to the Executive ou seja o executivo dizia dê-me dinheiro e ele escreveu o cheque. Agora é isto que o Atchamoglu e o James Robinson nos seus livros e nos seus artigos, seja o Why Nation Fail ou o mais recente que é o Narrow Corridor, não compreendem de todos sobre a Península Ibérica.
José Maria Pimentel
Eles tomam como um dado, não
Nuno Palma
é? Não, eles tomam como um dado, uma coisa que já aparecia na literatura anglo-saxónica muito influenciada pela própria propaganda Tudor, que vem precisamente do século XVI, não só dos Tudors mas também dos holandeses que queriam ter a sua independência dos Habsburgo, espanhóis, portanto havia essa propaganda, mas é Uma coisa que chegou a presente, a ideia de que no sul da Europa, nomeadamente em Portugal e Espanha, que era o arbítrio, mas isso nós podemos mostrar quantitativamente que é falso. Aliás, eu devo dizer que em geral A parte empírica do trabalho de Adjai Moghul e Robinson em geral é bastante fraca. O aparato teórico que eles construíram, que nem sequer é particularmente original. Tu disseste que eles estavam vendo Douglas North e que já estavam a flutuar na história económica. Eles deram alguma maquinaria teórica a isso. Não é particularmente original. A parte empírica está frequentemente cheia de erros históricos, que eu não os culpo em absoluto, porque são erros que são os que, em geral, a literatura anglo-saxónica se convenceu disso e arrasta às vezes nos países ibéricos também, mas que não tem base quantitativa factual, efetivamente. Sim, sim, sim.
José Maria Pimentel
Este texto,
Nuno Palma
talvez para os leitores, é que Portugal e Espanha já tinham instituições políticas piores do que a Inglaterra já na Idade Média e, portanto, que as origens da divergência que mais tarde aconteceu, que eles pensam que aconteceu muito mais cedo do que efetivamente veio a demonstrar que aconteceu, porque eles ainda não conheciam estes pibes que têm saído, e, portanto, eles pensam que em Portugal e Espanha os reis eram absolutistas, mandavam em tudo, e enquanto faziam o que queriam e enquanto que a Inglaterra isso não era o caso. Isso não é de todo
José Maria Pimentel
verdade. Eu diria que a par da vossa reconstrução do pib... Da vossa história. Estes papers são com atores diferentes, não é? Mas é o, talvez, o aspecto mais meritório do vosso trabalho, do seu trabalho em particular, porque de facto ajuda a perceber como é que as coisas aconteceram de maneira bastante melhor. Eu, quer dizer, quem ouve o podcast sabe que eu não tenho nenhum pendor patriótico, se calhar antes pelo contrário, ou tendência para teorias da conspiração, mesmo a versão light, mas neste caso de facto parece-me que é um daqueles casos em que a falta de diversidade cultural, se nós quisermos, e o facto do mundo anglo-americano ter, acabar por dominar a academia, sobretudo nestas áreas, de uma maneira que não é deliberada, mas acaba por introduzir uma perspectiva muito enviesada, que às vezes comete este tipo de erros, que francamente parecem muito básicos, quer dizer, neste caso do ACM-Aug de Doutos, não se dar ao trabalho de medir de facto o que é que os dados dizem sobre a qualidade das instituições naquela altura e tomar uma divergência como têm existido desde sempre quando não terá existido desde sempre e isso conta uma história bastante diferente, não é? Completamente diferente de perceberes que essa divergência como vocês demonstram com os caveats que existem obviamente na vossa análise, não é? Mas que terá ocorrido em meados do século 17 ou achar que ela ocorreu no século 13, por exemplo. São histórias bastante diferentes e com implicações bastante diferentes para a interpretação das causas do desenvolvimento diferencial. Precisamente,
Nuno Palma
é isso mesmo. Mas existe um certo provincianismo que existe no mundo, não só anglo-saxónico também, eu fui dois anos professor na Holanda e às vezes diziam-me então de brincadeira, então a gente roubou o império todo na Ásia e tal e tal.
José Maria Pimentel
No Brasil.
Nuno Palma
Pois, exatamente, eles esquecem-se que a WOC tinha o mesmo capital da VOC, portanto a companhia holandesa que se dedicava a explorar a parte americana tinha o mesmo capital e aí eles foram derrotados pelos portugueses no Brasil, apesar de que só derrotados depois de Portugal recuperar um rei seu português, apesar de que depois do fim da União Dinástica, já com os Bragança, é que a Bahia foi recuperada, mas efetivamente eles perderam no Brasil e, portanto, a ideia de que eles teriam uma superioridade qualquer absoluta nos impérios, que eles estão mesmo convencidos disso, ficam espantados quando se levanta o caso do Brasil, nem sempre conhecem. Há mesmo alguns que são historiadores, porque eles estudam muito mais a VLC e a competição deles, porque tudo isto é um pouco, retorna um pouco ao que estavas a dizer antes, ou seja, é um pouco aquela história que se conta de que a história é escrita pelos vencedores. E como a história é escrita pelos vencedores, muitas vezes há tendência para ignorar as partes da história que não são muito favoráveis a uma história triunfalista, especialmente quando são histórias nacionais feitas. Os holandeses a escrever a sua própria história, os ingleses a escrever a sua própria história, os americanos por implicação a escrever a dos ingleses e por aí fora. E a própria fraqueza extrema da academia portuguesa, brasileira e lusa em geral, leva a que não haja suficiente contraponto.
José Maria Pimentel
Claro, pois, pois, sim. Só nos podemos caixar de nós próprios, sim.
Nuno Palma
Mas essa fraqueza da academia é, em si, um resultado destes processos históricos que estamos a discutir. Exato, assim sim. É caso fazer que
José Maria Pimentel
está tudo ligado. É uma frase um bocado cliché, mas neste caso aplica-se. E falavas da história ser escrita pelos vencedores, eu acho que nem é preciso ir tão longe. Sobretudo a partir do momento em que tu, para o bem ou para o mal, cria estados de nação, portanto, uma unicidade cultural à volta de uma nação, à volta de um país e de uma identidade, todas as histórias são contadas de uma maneira autocentrada e mais ou menos complacente em relação a vários factos. Mesmo em Portugal, e nós temos algum síndrome de inferioridade em relação aos países europeus, mas mesmo em Portugal a história dos descobrimentos continua a ser contada com uma série de defabulações, portanto mesmo em Portugal nós também sofremos o mesmo mal, não é? Exato, claro. Se calhar estamos mais abertos, ou somos forçados a estar mais abertos para as outras narrativas, o contrário é que não acontece tanto. Mas, olha, falando concretamente disto, ou seja, desta divergência institucional, como eu dizia há bocadinho, isto é interessante porque em meados do século XVII, ou seja, alguras em torno de 1650, dá-se uma espécie de bifurcação. As instituições ibéricas, que eram razoáveis, tornam-se piores e as instituições inglesas descolam e depois em cerca de um século, século e meio convergem para depois aquilo que nós nos habituámos a ter como instituições contemporâneas de dependência dos poderes, de escrutínio ao Estado, etc. Ou se calhar até é mais interessante falar de Inglaterra, já vamos aos países ibéricos. O que é que aconteceu em Inglaterra? O que é que causou esta descolagem da Inglaterra? Teve que ver com a Guerra Civil, teve que ver com a chamada revolução gloriosa que aconteceu depois, já nos anos 80, no século 17, qual foi a causa principal? Tanto quanto se pode dizer, não é? Exato, portanto, a visão mais dominante
Nuno Palma
em História Económica, ainda hoje penso, é a visão de que a Revolução Gloriosa de 1688-9 é que foi o momento fundamental em termos políticos para a Inglaterra, sendo que há autores que enfatizam muito essa revolução, mais uma vez a Chambogl e Robinson, mas que já vem na sequência de outros como Douglas North e Weingast. Lá está, eles diziam que já havia... A Inglaterra já estava acima dos outros desde a Idade Média, mas que depois essa revolução deu um grande passo em frente. Penso que é verdade que essa revolução teve um efeito positivo, mas penso que aqui também a Atchamoglu e Robinson estão a falhar o momento fundamental. O momento fundamental não foi a Revolução Gloriosa. O momento fundamental para a Inglaterra foi a Guerra Civil. É preciso não esquecer que nós em Portugal, até nas escolas, etc, estudamos muita Revolução Francesa e mataram o rei e tal, mas é fácil
José Maria Pimentel
esquecermos que a Inglaterra eles mataram o rei em meados do século 17. Isto é, outro viés, desculpe interromper-te, é que como nós culturalmente e historiograficamente somos mais influenciados pela França...
Nuno Palma
Precisamente, e isso é em parte não só porque Portugal estava culturalmente muito próximo da França até os anos 70, do século 20, mas também porque a própria Revolução Francesa, digamos, teve um efeito imediato em Portugal. Vem cá, atira a nossa porta e bater-nos à porta. Enquanto que o que se passou em Inglaterra teve efeitos depois para a Revolução Industrial, inglês, etc, que no muito longo prazo têm efeitos também tecnológicos, etc, que também chegam a Portugal, mas não teve um efeito tão direto como o da Revolução Francesa. Portanto, é muito fácil esquecer que na Guerra Civil inglesa, que levou ao poder Cromwell, o Carlos I também cortaram-lhe a cabeça e isso levou a mudanças políticas em Inglaterra fundamentais, fundamentais para grandes mudanças constitucionais em Inglaterra e que levaram a instituições mais fortes e mais bem preparadas para o crescimento económico. Aliás, o efeito no PIB inglês é imediato, começa logo em meados do século XVII a crescer o PIB inglês de forma sustentada e isso em si, aliás, é que permite depois a revolução gloriosa de 1688-1689, é uma consequência em grande parte disso. Não poderia ter sido possível sem isso. Portanto, efetivamente, em Inglaterra, no século 17, na segunda metade principalmente, tem grandes mudanças políticas e institucionais que criam uma boa base para um crescimento sustentado, enquanto que efetivamente em Portugal e Espanha está-se a dar o processo inverso, primeiro em Espanha e depois em Portugal.
José Maria Pimentel
Então, mas espera, o que tu estás a descrever no caso da Inglaterra são aquilo que costuma-se chamar as causas próximas ou as causas imediatas. Eu agora sei que com isto estou obrigado a conjeturar um bocado, mas tu tens palpites em relação às causas últimas, ou seja, claro que foi a Revolução, tiraram a cabeça ao rei e tal, mas o que é que provocou aquela mudança cultural e institucional, ou proto-institucional, que permitiu depois dar esses passos?
Nuno Palma
Não percebes o que eu quero dizer? Exato. Eu acho que é justo dizer que as causas da Guerra Civil inglesa não são bem compreendidas. Há diferentes pessoas que enfatizam diferentes coisas. Por exemplo, há quem acha que a religião teve muita importância, há quem acha que a religião tem sempre que entrar nessa história, mas há quem acha que não teve assim tanta importância como isso em relação a fatores mais económicos. Agora, a situação aqui é a seguinte, a Inglaterra no século 17, eu não gostaria de chamar à revolução em si e às mudanças políticas que existiam, causas muito próximas e não profundas, no sentido em que causas próximas são mudança tecnológica, capital humano. É verdade que isso causa crescimento. Um país que tem um nível de educação mais alto que outro, um país que tem tecnologias mais avançadas, ou que tem mais capital, é mais rico. Essas é que são as causas mais próximas. Claro que há sempre uma galinha e ovo. Eu considero que as causas institucionais e políticas, em por sua vez, determinam isso. Há pouco a gente estava a falar do Pombal. O Pombal que expulsou os jesuítas e deu cabo do sistema educativo em Portugal, sem criar uma alternativa viável. Claro que Portugal, que era um país de analfabetos no princípio do século XX, foi influenciado por esse tipo de coisa. Mas isso é uma causa próxima, a causa profunda é a política. Agora, em Inglaterra, As mudanças institucionais em si já é uma causa profunda, mas é verdade o que tu dizes, pode-se tentar ainda ver, ainda a mais profunda ainda, o que é que em si levou a ter havido uma guerra civil em Inglaterra em meados do século XVII e levou a França a só ter uma revolução francesa já em finais do XVIII. Mas isso, lá está, quanto mais profundas são as causas, mais difíceis são de determinar e de medir e, portanto, já entramos cada vez mais na especulação. E às vezes há alguma contingência histórica. Pois
José Maria Pimentel
é, exatamente,
Nuno Palma
era a Guerra Civil Inglesa, basta ler vários livros que existem da Guerra Civil Inglesa, posso recomendar alguns bons, teve imensa coisa que aconteceu por acaso e que podia perfeitamente ter ido para o outro lado. Portanto, também às vezes não vale a pena sobreinterpretar a história.
José Maria Pimentel
Claro. Não, aí é que a coisa se torna difícil, não é? Porque quando tu escavas, escavas até tentar chegar à causa mais profunda ou entras numa lógica determinística em que falas, por exemplo, da geografia, aquela questão da fertilidade dos terrenos que falávamos no início ou então és forçado a contentar-te com uma explicação de contingência histórica, ou seja, do acaso, poderia ter acontecido assim, aconteceu o assado, e depois isso gera um efeito cumulativo que provoca aquela divergência. Há bocado quando nós falávamos, por exemplo, das diferenças entre as colónias na América do Norte e América do Sul, aí é mais fácil perceber que o facto das Colónias da América do Sul terem mais recursos naturais acabou por ser pior, e não só isso, também as sociedades em que elas estavam instaladas acabou por ser pior a prazo para aquelas comunidades e nas Colónias do Norte foste forçada a constituir um tipo de sociedade diferente, mais inclusivo, e mais focada no comércio porque não havia... Revolução de Trás-Suficientes. Aqui é, torna-se um bocado difícil. Mas eu pensei numa coisa, por acaso, quando estava a preparar esta conversa e tenho alguma curiosidade em saber se tens algo a dizer sobre isto, porque de acordo com a narrativa para que tu te inclinas, o efeito começa com a Guerra Civil, mais ou menos, terminou em 1651, portanto cerca de 1650, e prolonga-se até o último impulso nós quisermos com a Revolução Gloriosa, que é em 1688, portanto quase 40 anos. O que é que acontece durante estes quase 40 anos? Há uma figura portuguesa muito conhecida que, justamente, foi rainha da Inglaterra. Rainha com sorte, não é? Que era a dona Catarina, que viveu entre 62 e 85. Portanto, nós estamos a falar de alguém portuguesa, que depois, inclusivamente, vai viver para Portugal. Ela ainda, por si só, viveu uma série de tempo. Chegou a voltar a mandar em Portugal. A perspectiva dela, eu não sei se existem, francamente, não sei se existem memórias ou a que tipo de relato é que existe acesso da parte dela, mas ela teve uma perspectiva privilegiada ao período desta mudança. Eu Só me lembro de uma coisa da dona Catarina, não sei se ela escreveu de facto isso ou se disse a alguém, mas ela se queixava, e é curioso porque acho que isso também tem algumas ressonâncias com a contemporaneidade, ela queixava-se de que os hábitos de higiene lá eram bastante piores do que em Portugal. Não me admira. Porque ela dizia que eles andavam a urinar atrás das escadas e não sei o quê, ela ficava escandalizada com aquilo. Não há nenhuma
Nuno Palma
dúvida que a cor do português era muito mais sofisticada. Mesmo em princípios do 17 ela já começa a puxar mais a finais do 17. Mas eu penso que isso é razoável. Ou seja, os Stuart aprenderam mesmo a lição, ou seja, o Carlos II, que foi casado com a Catarina de Bragança, tinha tido de fugir do país, portanto o pai dele foi o tal que foi decapitado, o Carlos I. Os Stuart perceberam que já havia restrições ao poder executivo na economia inglesa e na sociedade inglesa que eles já não podiam ter o arbítrio completo. Mas é preciso enfatizar que, ao contrário da Espanha, eu penso que na Espanha nessa altura já estava a ter problemas muito graves institucionais, mas Portugal ainda não. Ok, esse ponto é importante. Portugal nessa altura teve vários coortes a funcionar, aliás os próprios Bragança, claro, tinham de se defender dos espanhóis, a primeira coisa que fez o D. João IV foi chamar coortes e tentar levantar dinheiro e conseguiu, mas depois o D. Pedro II, aliás é preciso, posso até contar a história relativamente a essa questão da expansão industrial e depois que falámos antes da perda de competitividade, que Luís de Menezes, o condo de Ericeira, sob o nome de Pedro II, promoveu uma grande expansão industrial em Portugal e depois quando apareceu os problemas que começaram a aparecer ele suicidou-se, aliás, ele sofria do que na altura se chamava melancolia, que hoje provavelmente se chamaria depressão e, portanto, com a chegada do ouro tudo mudou em Portugal. Portanto, o período da catena... O ouro chega quando?
José Maria Pimentel
Começa a chegar quando? Final do século XVII? Finais
Nuno Palma
do XVII, sim. A última corte, 1698, e o ouro é conhecido, começa-se a ouvir uns echos a partir daí de 62, 63, e depois começa-se a perceber que vai chegar bastante e claro que estas coisas têm um lago, ou seja, o último acordo foi em 68, poderia ainda ter havido um ano.
José Maria Pimentel
Claro, claro, claro.
Nuno Palma
Estas coisas têm um lago, mas o que é verdade é que o tratado de Meadwin, que é de 1703, penso, é um tratado que estabelece as condições de comércio futuras entre Portugal e Inglaterra, que é um tratado que até David Ricardo falou desse tratado, e portanto é um tratado que já... Do vinho e do... É do vinho, É evidente que as pessoas conhecem como o tratado do vinho e das lãs, mas a verdade é que o vinho não pagava nem um terço das lãs, portanto, e das outras coisas, manufaturas que Portugal importava da Inglaterra. A grande diferença era a paga com ouro, e esse ouro entrou em Inglaterra, aliás, dois terços do ouro foi parar a Inglaterra.
José Maria Pimentel
Dois terços é extraordinário.
Nuno Palma
Dois terços, sim. E aliás, a Inglaterra eles chamavam a Joanes, que era do nome do João V, que era um tipo de moeda que circulava em Inglaterra, aliás, e portanto a Inglaterra, e que depois também alguma seria fundida para moeda inglesa. Portanto, Portugal não beneficiou no sentido em que as coisas entravam e saíam logo. A Inglaterra até beneficiou mais do ouro do Brasil sem ter o negativo, o lado negativo institucional porque esse já estava a ser absorvido pelos primeiros a receber, que eram Portugal, como tinha sido a Espanha no caso da prata
José Maria Pimentel
da América. Mas essa nuance que tu introduziste é interessante e importante, ou seja, a divergência institucional espanhola acontece antes. No fundo, 1650 é, de certa forma, a média. Em Espanha acontece um bocado antes, em Portugal acontece um bocado depois e ambas podem ser sobretudo explicadas pela questão dos metais preciosos vindos das Américas.
Nuno Palma
Essa é a minha interpretação. E a interpretação... A coincidência temporal é... Quer
José Maria Pimentel
dizer, é desconcertante.
Nuno Palma
Sim, há a questão da correlação, não é causalidade, mas depois da toda a evidência que está à volta que podemos analisar. Houve um historiador português, que era o Bórgios de Macedo, que era um ótimo historiador, falou um pouco no livro Problemas da História da Indústria em Portugal no século XVIII da questão do ouro do Brasil, mas sem entrar em grande detalhe sobre os mecanismos, mas ele nota que isso pode ter sido um problema. Mas por outro lado ele enfatiza outras coisas também nesse trabalho e em outros que nós hoje sabemos que não têm a razão de ser. Por exemplo, a questão das invasões francesas. É uma coisa que muitos historiadores tradicionais em Portugal acreditam que as invasões francesas é que vieram destruir a indústria.
José Maria Pimentel
Sim, mas na verdade já foi muito mais tarde. A
Nuno Palma
economia já estava em declínio há muitos anos quando vieram. O PIB demonstra isso perfeitamente. Portanto, havia uma tendência muito anterior de declínio
José Maria Pimentel
no seu económico. E a perda de império do Brasil, que falávamos há bocadinho também.
Nuno Palma
Exceto depois das invasões francesas. Sim,
José Maria Pimentel
sim. Ou seja, isso ainda é pior, não é? Isso surge mais tarde e, embora tenha um efeito negativo, surge depois do
Nuno Palma
ouro. Exatamente. Quando vem a independência do Brasil, que também é uma coisa precisamente que alguns historiadores e tradicionais dão muita importância, então quando foi a independência do Brasil a economia já estava em declínio há 70 anos, quer dizer, portanto o problema original, o facto de não poder ser nem as invasões francesas, nem a perda do Brasil o problema de base vê-se não só pelo comportamento da própria economia pelos outcomes económicos, o próprio rendimento per capita, mas também pelo que estava a se passar na política nas instituições que nós agora medimos de forma bastante concreta e que também mostram que o problema vinha de trás.
José Maria Pimentel
Sim, é muito curioso porque nos faz de facto reinterpretar este período de forma completamente diferente, outro efeito. E não digo necessariamente sobre a economia, mas um aspecto muito marcante da história portuguesa daquele período é a perda da independência, embora tecnicamente Portugal não tenha sido absorvida, manteve-se como um reino autónomo, aquilo que os vossos dados permitem concluir também é que, ou pelo menos sugerem, é que a perda da independência não teve um efeito negativo nem sobre o PIB nem mesmo sobre as instituições.
Nuno Palma
Pois, essa questão tem alguma complexidade porque é plausível que Portugal, se os Braganças não tivessem conseguido em 1640 recuperar a coroa para um rei português, quase certeza que o spillover institucional espanhol para Portugal se teria materializado e cristalizado. Aliás, a última corte em Portugal, antes da restauração, tinha sido em 1619, se eu não estou enganado, e tinha sido apenas por motivos dinásticos, para que o príncipe Filipe, o que veio a ser Filipe III em Portugal, Filipe IV de Espanha, III de Portugal, que na altura ainda era príncipe, fosse aclamado como o futuro rei. Portanto, nem sequer eram muitos cheques ao executivo, não é? Era uma coisa mais dinástica. Portanto, é plausível que Portugal, não tendo conseguido sair da órbita dos Habsburgos, o problema se tivesse instalado mais cedo, tal como se instalou em outras partes da Espanha, Aragão, Navarra, que também estavam sobre os Habsburgos, apesar também de ter algumas instituições próprias, que depois deixaram de ter com os Bourbons, na prática, aliás, por terem escolhido o lado errado na Guerra Civil Espanhola, na Guerra da Sucessão Espanhola. Portanto, pode ter havido já algum spillover, é verdade, sim. Poderia ter havido particularmente se isso não se tivesse verificado a restauração.
José Maria Pimentel
Ou seja, a restauração, no fundo o que estás a dizer é que a restauração, até por ter obrigado os braguenses, porque os braguenses eram tudo, sobretudo de início, tudo menos reis absolutos, não é? Eram quase uma espécie de primos interpáreos com os outros nobres. Ou seja, embora isso não signifique necessariamente menos absolutismo se nós o tomarmos como uma espécie de casta, ou seja, de oligarquia absolutista, mas o que tu estás a sugerir é que o facto dos Breguens a terem tido que entre outras coisas procurar apoio em Portugal e ter o respaldo até do povo para a independência, isso implicou que as próprias instituições tivessem ganho uma espécie de boost, de empurrão, durante aquele período, que depois veio a reverter mais à frente, mas que acabou por ser benéfico naquele momento para os independentes.
Nuno Palma
Exato, e um exemplo interessante dessa estratégia inclusive é que ele continua a pagar os empréstimos de pessoas que tinham emprestado dinheiro à Coroa Espanhola e ele podia dizer agora faço de falta isto tudo, andaste a emprestar. Não, mas ele continua a pagar.
José Maria Pimentel
Engraçado, não sabia dessa.
Nuno Palma
Em parte porque ele também não quer que eles se virem contra ele, porque se deixasse pagar a esses, esses iam logo tentar passar por apelar, não é? Mas verifica-se efetivamente que as cortes que já não reuniam desde 1619, se não me engano, e essa última reunião tinha sido até por motivos dinásticos, para a aclamação do príncipe, Habsburgo, depois começam a reunir-se com imensa frequência na segunda metade do século XVII.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Sim, sim, até isso nota, exatamente, esse aspecto é curioso, não é? Ou seja, tem uma série de matizes que é interessante perceber e que a pessoa vai perceber desta forma.
Nuno Palma
Exato. E voltando um pouco ao ponto anterior de comparação com a Inglaterra, seria interessante até fazer notar o ponto de que os procuradores, portanto, digamos, os enviados à corte, que no caso dos conselhos eram até pessoas do povo, que eram eleitas estes enviados em Portugal até são muito mais representativos de uma classe abrangente social do que eram na Inglaterra que era uma coisa muito mais edifícita do que era em Portugal.
José Maria Pimentel
Ah é? Curioso. Muito mais, sim. Mas estás a falar agora em que período? Neste período pós
Nuno Palma
ou desde sempre? Em que era o período em que houve cortes, sim, em Portugal.
José Maria Pimentel
Sim, as cidades. Aliás, esse é outro aspecto curioso que a pessoa muitas vezes não nos é contado, não é? Que havia uma espécie de protodemocracia, sobretudo nas cidades, em que o governo das cidades era eleito. Os conselhos tinham... Exatamente, os conselhos, exatamente. Que era uma espécie de protodemocracia, não é? Uma coisa, há alguns aspectos, não em todos, mas próxima daquilo que nós hoje em dia entendemos como poder representativo, não é? Democracia representativa, se quisermos. Pois,
Nuno Palma
no fundo estes tais procuradores, que são de uma forma algo anacronístico, pois podemos pensar em deputados, não é? Deputados à Assembleia das Cortes, eram precisamente, até eram eleitos no caso dos conselhos e eram membros do povo, os três estados estavam representados e, portanto, havia até o povo estava a representar e, no caso desses, eram eleitos.
José Maria Pimentel
Claro, claro, exatamente. Nós temos aqui uma boa passagem por este período, andámos cá e lá entre 1500 e 1750, e cá e lá entre Portugal e Inglaterra, eu acho que valia a pena, antes de terminarmos, darmos um salto, depois ao que se passou, é seguir a 1750. Recapitulando aquilo que nós falámos aqui, há uma deterioração das instituições que começa a cerca de 1650 na Polícia Aberta, que é em Portugal um bocadinho tarde, ele materializa-se numa diminuição do PIB, ou seja, numa... Aumenta
Nuno Palma
o PIB por pessoa. Do
José Maria Pimentel
PIB per capita, exatamente. Estamos a falar do PIB per capita porque a população aumentou neste período. Resta ter uma lógica maltusiana.
Nuno Palma
Maltusiana, exatamente.
José Maria Pimentel
De consumir o aumento de prosperidade em aumento de pessoas e, portanto, voltando a nivelar o PIB per capita. E há duas coisas que eu queria falar em relação a isso. Primeiro, em relação a esta ponte da deterioração das instituições e efeito sobre o PIB. Nós já percebemos que em Portugal as instituições até se deterioraram um bocadinho mais tarde do que 1500, mas ainda assim há um lag, há um desfazamento entre esse efeito e o efeito no PIB. Esse desfazamento ocorre pelo reverso da medalha, neste caso positivo, não é pelo verso da medalha do ouro do Brasil, ou seja, o influxo do ouro do Brasil dá um boost inicial na economia e é isso que faz com que o efeito da degradação das instituições só ocorra em cerca de meados do século XVIII?
Nuno Palma
Não, não, a degradação das instituições está a acontecer em todo o século XVIII. Agora, tal como um país pobre que hoje descubra petróleo, nas primeiras décadas o efeito positivo do dinheiro que vem do petróleo pode, em termos líquidos, ser maior do que os efeitos negativos... No início, claro. Exato, numa primeira fase. Ou seja, a Venezuela, durante umas décadas, aquilo teve relativamente próspero.
José Maria Pimentel
Claro, claro, claro. Não, não, eu estava só a tentar estabelecer isso. Ou seja, o que explica sobre todo este gap temporal É a questão do ouro. É o efeito positivo inicial do ouro.
Nuno Palma
Exato. Vê se tem Portugal na primeira metade do 18 aproximadamente, tem bastante crescimento económico, especialmente no período em que começa o ouro a vir em grandes quantidades, a partir do princípio da década de
José Maria Pimentel
20. Só que não é sustentável.
Nuno Palma
Exato. Só que isso não é sustentável por vários motivos. Não só porque o ouro em si acaba um dia, mas também porque isso está a ter efeitos muito negativos, tanto em
José Maria Pimentel
termos económicos como em termos políticos.
Nuno Palma
Exato. Falámos há bocadinho.
José Maria Pimentel
Exato. E depois, portanto, fast forward para 1750, quando de facto se começa a notar esse efeito sobre a economia, que é no fundo simultaneamente o efeito da degradação institucional ocorrida em meados do século anterior e o reverso da medalha do ouro. E depois, a partir daí, o que vocês mostram, e essa parte que ainda não falámos, é que a partir daí, de facto, a economia começa a cumprir. E depois há um diagnóstico, que eu acho que até estou tentado a usá-lo como título para este episódio, que é que o PIB per capita real em 1850 era equivalente ao de 1530, o que é inacreditável. Ou seja, ele vai caindo e em 1850, portanto já depois daquilo que nós falámos há bocadinho, já depois das evasões francesas, já depois da perda da independência do Brasil e com a revolução industrial a todo vapor, faço o trocadilho, nos países da Europa Central e Inglaterra, Portugal tinha o PIB, ou seja, tinha um grau de riqueza gerada por ano equivalente ao de 1530, o que é extraordinário.
Nuno Palma
Exato. E quando é que Portugal voltou ao mesmo PIB de 1750?
José Maria Pimentel
Não sei. Já
Nuno Palma
no século XX.
José Maria Pimentel
A sério? Incrível.
Nuno Palma
O Pib real em preços constantes. Sim,
José Maria Pimentel
per capita, de novo. Portanto
Nuno Palma
ajustada à inflação, em termos simples. Portugal só voltou ao pib 1750 por volta da década de 20 do século 20. Isso
José Maria Pimentel
é extraordinário, por acaso. Incrível.
Nuno Palma
E aliás, também só voltou, eu já referi-se brevemente atrás, à percentagem de pessoas fora da agricultura por volta da mesma altura.
José Maria Pimentel
Sim, tu falaste disso no início, exatamente.
Nuno Palma
E estas duas coisas estão obviamente relacionadas, porque mudança estrutural é um grande motor de crescimento, mais uma vez um fator próximo, não um fundamental profundo, mas como a produtividade no setor agrícola em geral é mais baixa do que a produtividade no setor não agrícola, quando há fontes de crescimento no setor não agrícola, obviamente, essa mudança estrutural, a saída das pessoas dos campos para as cidades, em si é um fator de crescimento.
José Maria Pimentel
Sim. Estas coisas são sempre difíceis, é uma chamada macro-história, não é? Mas no fundo aquilo que a tua investigação sugere é que nós podemos traçar as causas últimas temporais deste atraso no desenvolvimento de Portugal, quer dizer, que faz com que nós percamos o século XIX, Portugal basicamente perde o século XIX.
Nuno Palma
É isso mesmo. O século XIX foi um desastre absoluto para Portugal. Portugal entrou muito melhor no 21 do que no 20, apesar de que os primeiros 20 anos do 21 também não têm sido brilhantes.
José Maria Pimentel
Mas é extraordinário, não é? Porque o que no fundo isto sugere é que nós perdemos o século XIX em grande medida por efeitos de detrioração das instituições que vinham já bastante atrás. Não tão de trás, lá está, como alguns autores diziam, não da Idade Média, não do início da Idade Moderna, mas de meados do século XVII.
Nuno Palma
Precisamente, é isso mesmo. No caso de Portugal eu até diria de inícios do XVIII. De inícios
José Maria Pimentel
do XVIII, sim, exatamente. Sim, sim, mais à frente. Não sei se queres acrescentar alguma coisa, só para nós completarmos o retrato, à maneira como depois correu o século XIX, ou seja, o que é que depois correu mal no século XIX? Porque nós já falámos do que aconteceu com Pombal, 1750, e depois o que é que acontece entre a segunda metade do 18 e o século 19 todo para que nós não nos tivéssemos conseguido recompor, não é? Apesar desse lastro negativo, mas como não nos tivéssemos conseguido recompor, como aconteceu em alguns países, e em todas as coisas não tivéssemos apanhado o comboio da revolução industrial.
Nuno Palma
O século 19 é bastante curioso para Portugal porque é um século que aparentemente está a acontecer muita coisa em termos políticos. Há a questão dos liberais, que agora até foi muito falada por ter feito 200 anos, e que muitos historiadores disseram agora, quando fez 200 anos, que foi o momento fundador do Portugal moderno. Eu penso que isso não está de todo correto, porque precisamente se viu que todas essas mudanças políticas não tiveram grande efeito económico. A mudança foi mais aparente do que real.
José Maria Pimentel
Sim, esse é outro aspecto que vocês
Nuno Palma
mostram, sim. Um dos motivos pelos quais a mudança foi mais aparente do que real é que o próprio antigo regime não tinha sido tão uniforme como os liberais imaginavam. Tinha havido muitas mudanças políticas dentro do antigo regime que os liberais do século XIX achavam que tinha sido sempre a mesma coisa e que muita da historiografia, aliás em toda a Europa, a historiografia do século 19 inventou muitos mitos sobre o passado, muitos desses mitos chegam até hoje. Mitos nacionalistas, mitos, todo tipo de coisa.
José Maria Pimentel
Mas atenção, de qualquer forma o que tu mostras é que, independentemente, historicamente, as instituições não terem sido sempre assim, eram assim quando eles as receberam, não é? É verdade. As instituições, quando eles as receberam, eram bastante absolutistas, digamos. Mas o que se
Nuno Palma
veio verificar é que as mudanças que os liberais fizeram, algumas talvez até mais de júria do que de facto, mas... Mais
José Maria Pimentel
no papel, não é?
Nuno Palma
Mais no papel do que na realidade, mas outras talvez não. De facto houve grandes mudanças políticas, constitucionais, etc, com os liberais. Agora, o que se vê é que essas mudanças não foram capazes de gerar crescimento sustentado para Portugal. O Portugal moderno não resulta dos liberais. Nem da Primeira República. O Portugal moderno resulta do Estado Novo. E isso é uma coisa que hoje pode ser um pouco politicamente incorreto a dizer, mas é factual. O Estado Novo resolveu em Portugal um problema que existia há 200 anos e que o Estado Novo começou a resolver e depois a democracia continuou. Há um desfazamento entre a mudança, digamos, institucional e política e a mudança económica que não é tão evidente como possa parecer à primeira vista. Mas, Ijo,
José Maria Pimentel
agora não resisto a perguntar, e se o Estado Novo resolveu... Quer dizer, que problema último é que tu estás a falar? Estás a falar da questão da educação ou da questão, já mais no final dos anos 60 da entrada de Portugal no comércio internacional através da adesão a EFTA, se não me engano?
Nuno Palma
Ambas, ou seja, o Estado Novo, para já é preciso perceber que o Estado Novo numa primeira fase era um regime até bastante dinâmico. O que nos chega hoje e que a memória tem
José Maria Pimentel
é o Estado Novo
Nuno Palma
velho, o Fissura Zá estava velho, depois o Marcelo e muito associado às questões da guerra colonial. Portanto, numa primeira fase em que é preciso lembrar, havia muito poucas democracias na Europa nessa época portanto não devemos julgar o passado aos olhos do presente. Sim, o ponto de comparação
José Maria Pimentel
era a Primeira República também, que não correu especialmente bem.
Nuno Palma
Não, a Primeira República é completa, não só uma anarquia política completa, com tiros nas ruas todos os dias e revoluções e contra-revoluções e imensos governos num ano, e como era, não era de alguma forma democrática do ponto de vista moderno, porque é completamente dominada por um partido, com todo o tipo de batutice eleitoral a toda hora, portanto não se deve ver o Estado Novo como… e que também já tinha as suas censuras, que apesar disso o Estado Novo aumentou a censura, mas também já tinha colónias penais por aí fora, quer dizer, nada disso foi inventado pelo Estado Novo. E que também já tinha uma grande glorificação do passado, do histórico, dos descobrimentos, etc. Há muitos mitos também em Portugal sobre o que é que foi o Estado Novo, deixa de ser. Mas pensa que sim, o que tu referiste é importante, ou seja, esses dois aspectos são os mais importantes eventualmente. O Estado Novo não era tão ruralista como se passa a pensar, de alguma forma, e o Estado Novo integrou Portugal, especialmente a partir do pós-guerra e com a EFTA, como tu mencionaste bem, numa ordem internacional europeia que foi muito benéfica para o crescimento económico português. Portanto, a integração europeia de Portugal não vem da União Europeia, nem da CEE antes dela, vem já desse tempo, por um lado, mas por outro lado o Estado noviu efetivamente, ao nível primário, apenas ao nível do analfabetismo, não a níveis superiores, mas ao nível primário, resolveu um problema que era secular em Portugal. Portugal chega ao princípio do século XX como o país mais analfabeto da Europa Ocidental. Sim,
José Maria Pimentel
extraordinário.
Nuno Palma
Em que, sendo generoso, 25% das pessoas saberiam ler e escrever durante a Primeira República e portanto um quarto das pessoas, três quartos eram analfabetos e era de longe o país da Europa Ocidental mais atrasado a este respeito, Portugal. Isto é um problema que o Estado Novo resolve muito rapidamente e que só foi o Estado Novo que foi capaz de resolver, a Primeira República não foi. E isso acho que, independentemente de outros aspectos políticos do Estado Novo, que nós possamos não gostar e não concordar, eu sou um democrata, evidentemente não gosto. Claro. E há outros aspectos do Estado Novo que se pode criticar, mas esse é um problema que em Portugal existia há muito tempo e que o Estado Novo foi capaz de resolver e temos de lhe dar esse crédito. E há bastante evidência que foi causal, foi mesmo o regime, não foi outras coisas que estavam a acontecer ao mesmo tempo. Sim,
José Maria Pimentel
esse é outro dos teus papers, nós não falamos aqui, mas que mostra isso e nesse caso usam dados até bastante mais fiáveis do que os outros que por definição serão sempre menos fiáveis porque são mais antigos.
Nuno Palma
E é preciso notar que o grande progresso que o Estado Novo fez a esse nível foi ao nível da escola primária, não foi a níveis de educação superiores. Apesar de que muito no fim do regime do Estado Novo, já com o Veiga Simão, também houve bastante esforço e mesmo até um pouco para trás com o secundário. Mas é verdade que o grande passo em frente foi
José Maria Pimentel
o pessoal de Lima. Sim, a educação superior já foi na democracia, não é? Nós chegámos
Nuno Palma
ao dia quase doctorado. Mas é preciso perceber que tinha que se começar pela base. Claro, tem que se começar pela base.
José Maria Pimentel
Mais até do que eu diria, até mais do que porque é que o Estado Novo conseguiu, o que é extraordinário é porque é que os regimes anteriores não conseguiram. Porque é que o liberalismo não conseguiu durante quatro quindos do século XIX e depois a Primeira República também não... Quer dizer, que foi um período ultra-conturbado, mas que no papel lá está, tinha muitos desses desígnios como altamente importantes e não conseguiu fazer isso, o que levou a que nós estivéssemos perdidos e... Quer dizer, e como é que era o número que tu deste há bocadinho? Já não o tenho apontado e não o tenho aqui. O PIB só equivaleu a 1750, o PIB per capita, portanto, a média do rendimento por pessoa em termos individuais, nos anos 20. A partir dos anos 20, mais ou menos.
Nuno Palma
Isto é aproximado, mas sim.
José Maria Pimentel
Que é extraordinário, de facto é incrível.
Nuno Palma
No século XIX, em Portugal, nos finais do século XIX, princípios de XX, Portugal já cresceu um bocadinho, depois de uma grande estagnação no XIX, mas mesmo durante esse período de crescimento em termos absolutos, Portugal continuava a divergir da Europa Ocidental, porque os outros cresciam ainda mais.
José Maria Pimentel
Exatamente, é que nós, há aqui uma questão que se calhar nós devemos ter sido mais explícitos a referir, é que com a revolução industrial há uma mudança de paradigma, não é? Aquela divergência que nós estávamos a falar antes era uma divergência no modelo de crescimento pré-industrial e portanto havia diferentes ritmos de crescimento mas eram sempre ritmos muito baixos. A partir da revolução industrial dispara e estamos a falar de a economia portuguesa passar a estar numa ordem de grandeza diferente abaixo do centro da Europa. Isso é que é extraordinário. Não
Nuno Palma
se criaram as condições certas em Portugal para Portugal ter uma revolução industrial.
José Maria Pimentel
Sim. Olha, para terminarmos, antes de pedir a tua recomendação de livros, tinha uma pergunta que estava para te fazer no início e resolvi deixar para o fim. Acho que fiz bem porque se torna muito mais interessante agora, depois de nós termos percebido quão diferentes são as conclusões da tua investigação, mas também da história económica no geral, das conclusões da historiografia tradicional. Não só ao nível do diagnóstico, mas até ao nível dos pontos que se focam mais. E portanto, imagino que isto seja um motivo de debate e porventura até de alguma tensão entre os historiadores económicos e os, portanto, que vêm da economia, não é, com formação de economistas e os historiadores de formação tradicional, portanto, que vêm das humanidades. Como é que tu descreverias as abordagens dos dois campos ou aquilo em que elas são diferentes? Talvez
Nuno Palma
seja útil começar por dizer que o que é mais representativo da história económica é a sua dimensão quantitativa, tentar quantificar as coisas. E quantificar muitas vezes não quer dizer usar uma matemática muito complicada, apesar de que, em alguns casos, quer mesmo dizer isso, mas quer dizer simplesmente contar as coisas, tentar perceber o peso, a importância de diferentes coisas a partir do seu peso, da sua frequência. Na história económica A pergunta fundamental é, no fundo, porquê alguns países são pobres e outros ricos, ou de uma forma até talvez mais precisa, porquê algumas regiões são pobres e outras ricas ou até porquê algumas famílias e indivíduos são pobres e outros ricos. Não como um fim, sim. Eu não quero passar a ideia de que o que interessa é ser rico. Esta prosperidade tem implicações para questões como mortalidade infantil, questões como a questão precisamente da educação, do bem-estar, tudo isso são em si consequências. Agora, a economia do desenvolvimento, que é próxima da história económica, tende a ver estas questões de uma perspectiva de país hoje, hoje há uns pobres e uns ricos, o que é que se pode fazer nos pobres para os ajudar, que políticas podem ser implementadas. No caso da história económica há esta perspectiva de muito longo prazo, tipicamente, quais são as origens de porquê que alguns países conseguiram desenvolver-se e outros não. Ou seja, se nós fomos suficientemente para trás no passado, no século XV, todos os países eram pobres, quer dizer, Inglaterra é tão pobre como Marrocos. Portanto, alguns conseguiram ter um caminho de sucesso e outros não. Quais são as causas, quais são os motivos? E hoje falamos bastante disto aqui. Em relação às histórias das tradicionais, com as quais eu tenho muito a aprender, devo dizer, aprendo-se imenso a ler e a falar com eles. As divergências que existem, que também existem divergências relativamente aos economistas mais digamos ortodoxos, que também poderíamos falar, mas em relação às histórias tradicionais, sim.
José Maria Pimentel
Não, não, eu também queria falar disso. Sim, sim, eu
Nuno Palma
queria falar. A grande diferença
José Maria Pimentel
são
Nuno Palma
precisamente a parte quantitativa, nós tentamos quantificar as coisas para perceber a importância delas através da sua quantificação. A história económica bebe de alguns métodos estatísticos e teóricos da economia, evidentemente, e depois temos analíticos a questo do contrafatual. Ou seja, se não tivesse a história tradicional, não gosto em geral de contrafactuais. Mas o que a história das tradicionais muitas vezes não percebem é que eles estão sempre a usar contrafactuais sem perceber o que estão a fazer. Sempre que dizem, isto foi importante, aquele rei foi um mau rei, estão a usar um contrafatual, estão a dizer, se aquele rei tivesse sido um bom rei, as coisas tinham sido diferentes. Portanto, só que eles não compreendem muitas vezes que uma história sem contrafatuais é uma história puramente descritiva, puramente factual, isto foi o que aconteceu e não podemos concluir absolutamente nada sobre nada. Portanto, em economia temos métodos bastante rigorosos para poder avaliar contrafatuais, há contextos históricos em que eles são mais fáceis de avaliar que outros, há perguntas para que isto é mais credível e mais fácil de fazer que outros, mas também há um trade-off. Nós também não devemos só olhar para as coisas que podemos avaliar contrafactuais com toda a credibilidade porque senão perdemos imensa coisa de interesse que é bom pensar sobre elas. E às vezes a história factual em si é suficiente para destruir teorias. Anteriormente falámos da questão das invasões francesas ou da independência do Brasil em Portugal, que muita da historiografia tradicional considera que é o momento que criou os problemas de desenvolvimento a Portugal. Basta termos agora uma série do PIB para mostrar que há problemas a vir de trás em termos económicos e isso em si destrói a narrativa tradicional mesmo com um PIB que é apenas factual, mesmo sem termos construído séries de contrafactuais. Portanto, muitas vezes os historiadores tradicionais consideram que a história económica é um pouco anacronista, tenta aplicar conceitos económicos do presente ao passado, ou tenta usar métodos. Eu penso que isso é um equívoco. Qualquer historiador económico tem o cuidado de perceber como é que os conceitos se adaptam à época, portanto...
José Maria Pimentel
Mas depende do que estás a tentar explicar também, não é? Precisamente é preciso
Nuno Palma
ter cuidado, é preciso ver caso a caso quais são os métodos apropriados para estudar. Qual é a pergunta que se quer responder, qual é a época que se está a estudar, qual é o contexto histórico.
José Maria Pimentel
Claro. E a história económica tem um objeto, não é? O objeto da história económica, como tu dizias há bocadinho, é porque é que há grupos, ou há famílias, ou até pessoas, mas vai, aí à partida já não tanto, que conseguem gerar prosperidade, perceber porque é que se gera prosperidade material e prosperidade sustentável, eu diria. A estorografia tradicional, mesmo que se dedique até ao mesmo tema, no fundo perceber a prosperidade, pode estar, por exemplo, a tentar perceber como é que as pessoas pensavam naquele período, o que é importante mas não é o objeto de estudo do teu trabalho, mas é igualmente importante. E aí sim, aí aplica-se o anacronismo, ou aí aplicar-se e aí é um anacronismo se a pessoa achasse que as pessoas pensavam todos da mesma forma. E depois também pode estar menos focada, eu diria, nesse lado da sustentabilidade e mais focada em efeitos de riqueza pontuais. Por exemplo, o Ouro do Brasil é um bom exemplo nesse sentido. O Ouro do Brasil teve um efeito sobre o PIB benéfico no início, como nós falámos há bocadinho, depois o efeito prenicioso a prazo, mas teve um efeito benéfico. Mas eu diria que o efeito que teve sobre a riqueza, portanto o PIB se quisermos é o fluxo e a riqueza o estoque, não é? Mas a riqueza não é só afetada pelo PIB, não é? Pode-se aumentar a riqueza por outras vias, pela guerra, como falámos há bocado. E o influxo, o Douro do Brasil provocou um influxo de riqueza, ou seja, de património acumulado na coroa portuguesa, muito maior do que o efeito sobre o píblico, permitiu gerar uma série de obras culturais, de obras de investimento em música, por exemplo. Nós tivemos em Portugal, julguei em grande medida em consequência disso, uma cultura musical até muito desenvolvida, tivemos uma série de palácios construídos e é normal que, por exemplo, a Estutografia Tradicional até se dedique muito a estudar isso, mas isso do ponto de vista da Estutografia Económica não é especialmente importante porque aquilo não era sustentável. Era uma sociedade de consumo. Sim, exatamente. Quer dizer, acabava-se o ouro, acabava-se aquela prosperidade. Mais
Nuno Palma
os efeitos agressivos dos problemas institucionais e económicos de 70 anos atrás.
José Maria Pimentel
Exatamente, exatamente. Sim, era negativo. A praxe até era negativa. E no entanto, se nós olharmos para o reinado de D. João V, Portugal teve uma abundância e conseguiu até criar um poder, um soft power até, à custa disso, na Europa, bastante grande. D. João V conseguiu, se calhar, não
Nuno Palma
investir... Mas isso também se frente com alguma mudança da forma de pensar de histórias tradicionais, que muitas vezes têm a sua época. Só estudam aquele reirado, só estudam... Enquanto a história do género da que eu faço é uma história muito mais longo de prazo.
José Maria Pimentel
Exato, é mais macro, não é?
Nuno Palma
Não, e a história económica micro, atenção, e business history e tudo isso.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, sim. Exatamente, e o Valno Horário, por exemplo, que sou muito conhecido nos últimos anos, acho que ele se define mesmo assim como um macro historiador e não é de História Económica. Eu não resisto, entretanto, a perguntar-te, porque eu tinha essa pergunta, estava para não a fazer, mas estou a lhe disto isso há bocadinho, que é a relação da História Económica com as outras disciplinas da Economia, ou seja, dentro da Ciência Económica, porque também aí existe alguma fricção, não é? Apesar
Nuno Palma
de que eu acho que apesar de tudo é mais fácil abrir linhas de comunicação com os economistas muitas vezes do que com os historiadores tradicionais, apesar de tudo. Eu devo dizer que alguns historiadores económicos têm a visão que eu não partilho, de que a história económica chegou para dar umas lições aos historiadores tradicionais. Estão aqui os métodos mudantes, aprendam lá umas coisas. Eu não tenho essa visão. Ou seja, eu próprio aprendo muito com a história dos tradicionais e, pelo outro lado, muita da história económica que eu faço tem implicações para a economia e para a própria ciência económica. Portanto, eu não vejo a direção de influência da economia para a história apenas, mas também da história para a economia. E tem havido exemplos recentes, pessoas muito mais conhecidas que eu, falaste anteriormente o caso do artesemagulo do Anne Robinson, do Daron Arsemagulo e James Robinson, que vieram tirar conceitos que vêm completamente da história económica e têm tido bastante influência na economia. E há outros exemplos. O meu trabalho, doutramente, não tem nada a ver com os sistemas que discutimos aqui. Tem a ver com utilizar a história económica para iluminar certos aspectos em macroeconomia e para, digamos, pôr em questão certos modelos teóricos de macro.
José Maria Pimentel
Sim, porque não vou mudar de dados históricos para tu conseguir explicar se de facto uma coisa acontece assim ou não.
Nuno Palma
E, portanto, eu considero que a história económica não deve ser nem criada de ninguém, nem fazer dos outros tudo criada. Tem a aprender com a economia, tem a aprender com a história, tal como essas disciplinas poderão ter a aprender com ela. A História Económica é uma área pequena em termos académicos, relativamente, porque é uma área muito interdisciplinar. E portanto não há, assim, também tanta gente que esteja confortável ao mesmo tempo com a economia e todo o aparado matemático e estatístico que isso implica e com a história. E portanto é uma área muito interdisciplinar, mesmo nos departamentos de economia, Talvez aí um em cada três departamentos é que tem um historiador económico. Eu digo que menos de metade dos departamentos importantes tem sequer um
José Maria Pimentel
historiador económico.
Nuno Palma
É uma área bastante pequena. Mas é uma área que até que tem crescido dentro da economia, não de forma espetacular, mas tinha chegado a um ponto baixo, tinha sido muito importante nos anos 70, mas perdeu alguma importância e até tem recuperado alguma importância nas últimas décadas. Agora, nem todos os economistas têm sensibilidade para a importância da história e para as lições que a história pode dar para o presente, porque por vezes pode parecer fácil dizer que não há nada a aprender com a história porque todas as épocas têm as suas particularidades. Eu penso que isso não é de todo verdade, mas isso é uma retórica que é um debate que se tem que ter. Apesar de tudo, no geral, e estou a generalizar obviamente, há pessoas excelentes em todas as áreas, no geral eu acho mais fácil comunicar e os economistas perceberem a importância do trabalho em história económica do que história dos tradicionais, que muitas vezes são dogmaticamente anti-quantificação, só presos em assuntos que sinceramente são de muito pouca importância ou em questões do politicamente correto, pode-se dizer isto, não se pode dizer aquilo, tem que fazer do passado um jogo de culpas, sinceramente não.
José Maria Pimentel
Pois, que há uma preocupação também muito mais vasta até social e eventualmente de justiça e de influenciar a sociedade atual, não é? De uma maneira que vai muito para o lado.
Nuno Palma
Mas a história não se pode instrumentalizar a favor do presente, não é? Não,
José Maria Pimentel
não, eu estou absolutamente de acordo contigo, não é? Essa é a minha causa também. E há outra, por acaso, onde eu disse isto há bocadinho, mas eu lembro-me de uma entrevista que eu vi recentemente daquele podcast do Tyler Cowen, que é um economista americano, com a Melissa Dell, que é também historiadora económica, e ela, a certa altura, dizia uma coisa que me lembrei agora ao ouvir, a propósito da relação com os historiadores tradicionais. Ela dizia que, de facto, havia um foco um pouco diferente, mesmo quando estava a descrever o mesmo fenómeno, porque ela dizia que, por exemplo, ela fazia um trabalho em que identificava um determinado fator, um determinado determinante para o diferencial de desenvolvimento económico entre dois sítios e dizia, vamos supor, tem que ver com a existência de um parlamento ou de uma coisa análoga a um parlamento. E ele dizia, isto explica em média x% do desvio, portanto explica a média de x% da variação. E esse x%, nós aqui estivemos a falar, parece que é 100%, mas ser 10, 20% já é um número bastante grande. Tu consegues, com um único fator, explicar 10 ou 20% da variação entre as diferentes geografias no grau de desenvolvimento já é um número bastante grande. E eles diziam que depois falavam com historiadores tradicionais que diziam bom mas, então mas olha este caso... No fundo estavam a fazer o contrafactual, né? Olha este caso que não tem essa característica e é diferente. E eles diziam, bom claro que vai sempre haver casos diferentes, porque isto só explica 15%, vamos supor, não é? 15%, para um único fator, é imenso. Mas a realidade tem 100%, não é?
Nuno Palma
Exato, e não é uma dificuldade às gestoradas tradicionais perceber a natureza estatística de muitos resultados. Um contra-exemplo em si não mostra nada. Muitos dos resultados são, em média, um fator que tem importância, tem um efeito causal. Não quer dizer que funcione para todas as observações, portanto se não se tiver habituada a uma forma de pensar a estatística, facilmente os historiadores tradicionais se irritam com esse tipo de coisa. Devo dizer que a Melissa Del, que aliás foi aluna de doutoramento do Hachemóbulo, tem um problema contrário até a certo ponto, que até às vezes dá razão a alguns tradicionais no sentido em que ela precisamente, a qualidade empírica da história que ela faz é, do meu ponto de vista, muito fraca. Porque lá está, ela escreve para economistas e isso às vezes, a escola de Chermógulo tem tido esse efeito bastante negativo do meu ponto de vista. Sim,
José Maria Pimentel
não dá razão à crítica que vem da historiografia tradicional da falta de cultura, se quisermos.
Nuno Palma
Sim, nem toda a historiografia tradicional é igual, lá está. Há historiografia tradicional que estuda coisas interessantes e outra que não. Mas eu acho que não há desculpa para estudar os assuntos em detalhe o que é que se passou historicamente. E isto tem a ver com a crítica que anteriormente fiz ao chamar o Billy Robinson. Simplesmente não conhecem bem a história dos sítios que estudam e portanto inventam bastante, se for simplificar. Inventam coisas sobre o passado que não estão bem medidas, não há investigação sobre ela, especialmente quando tem a ver precisamente com portugueses ou espanhóis ou com os seus impérios. Inventam muita coisa ou tomam por garantido coisa que se vê em literatura anglo-saxónica muito antiga e, digamos, falam de coisas que simplesmente não sabem o suficiente para falarem. E com os seus próprios referís, os seus próprios pares que vão avaliar os seus artigos, eles só submetem revistas de economia, não de história económica em geral. Aliás, o H.M. Ogle teve o artigo famoso Atlantic Trade chumbado no Journal of Economic History, depois publicou na American Economic Review, que ainda é melhor, mas isso é bastante significativo, ou seja, quando ele teve só economistas puros a avaliar, ele passou. Ele e o James Robinson e o Johnson também é coautor desse artigo. Quando teve histórias económicas foi chumbado. Portanto, acho que também há um problema às vezes nos economistas que fazem história económica vindos do Departamento de Economia e que só falam com outros economistas e que não leem História, no fundo, facilmente acabam em armadilhas. Sim, sim, sim,
José Maria Pimentel
curioso. Acho que é uma boa maneira de terminarmos. Vou-te pedir para... Eu acho que vais recomendar mais do que o livro, não é?
Nuno Palma
Quer dizer, eu estava a pensar recomendar... Sim, gostava de dar a conhecer... Eu tenho um blog em que faço alguma divulgação, não com muita frequência. Sim,
José Maria Pimentel
sim, está à vontade. Eu devia ter-te feito essa ponte.
Nuno Palma
Não, não há problema. Se chama-se Portugal no longo prazo. Se quiserem Portugal no longo prazo num Palma acho que se chama... O subtítulo é comentário...
José Maria Pimentel
Sim, eu ponho na descrição do episódio de qualquer forma, sim.
Nuno Palma
Exato. E portanto aí eu faço bastante divulgação deste tipo de assuntos, de vez em quando, não com muita frequência, mas vai sendo atualizado. Gostaria de sugerir um livro em inglês que se chama Winter King, de Thomas Penn, que é sobre o aparecer da dinastia Tudor, precisamente, e qualquer pessoa que leia esse livro, Winter King, percebe a arbitrariedade e a violência que caracterizava aquela dinastia tudor. Precisamente no tal período em que o Hachamoglu e o James Robinson, no famoso livro Why Nations Fail, que está em todos os aeroportos do mundo, diziam que Portugal e a Espanha tinham instituições políticas muito piores que as inglesas, muito mais arbitrárias. Acho que basta ler o Winter King de Thomas Penn, que é um livro da Penguin, portanto é um livro também de grande divulgação, percebe perfeitamente que essa tese do H. M. Robinson não tem ponto a pronto se lhe pega. Mesmo se estava concentrando apenas nas instituições inglesas, claro. Depois há um artigo clássico na história económica portuguesa, que por acaso está escrito em português, da altura que se ainda escrevia em português, que é do Jean Reyes, que penso que de 84, mas terá sido escrito na altura em que eu nasci. E eu. Exato. E portanto, mas que é um livro que se chama O Atraso Económico Português em Perspetiva Histórica, que está em open access, portanto qualquer pessoa pode aceder e há um link para esse artigo no meu site, nesse tal blog que eu mencionei, que é o Portugal no longo prazo. Foi um artigo publicado na Análoga Social em 1984, que claro que está desatualizado em muitas coisas, mas esse artigo, o traço económico português em perspectiva histórica, 1860-1913, penso, é um artigo ainda fundamental e bastante acessível e muito interessante, aliás.
José Maria Pimentel
Olha Nuno, como eu esperava, gostei imenso desta conversa, vai-me deixar de certeza a pensar numa série de coisas porque... Lá está, voltando àquilo que eu dizia do início, o ponto de chegada nós já sabíamos mais ou menos, embora também aí tenhas introduzido algumas matizes importantes no que diz respeito ao que aconteceu no século XIX e século XX, mas quer dizer, nós sabíamos que o século XIX era um século perdido, mas o que aconteceu para trás e porquê que aconteceu e de que forma que aconteceu, eu acho que o teu trabalho introduz e acrescenta imensa informação. Portanto, olha, obrigado pela tua sensualidade e continua.
Nuno Palma
Muito obrigado.
José Maria Pimentel
Este episódio foi editado por Martim Cunha-Reu. Visitem o site 45graus.parafoods.net barra Apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Paulo Peralta, João Baltazar, Salvador Cunha, Tiago Leite, Joana Alves, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Gustavo, Filipe Caires, Gonçalo Monteiro, Nuno Costa, Miguel Marques, Rui Oliveira Gomes, Miguel Vassalo e Francisco Delgado. Até ao próximo episódio.