#95 Carlos Moedas - O presente e o futuro da União Europeia

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. O convidado deste episódio é Carlos Moedas, alguém que dispensa grandes apresentações. É engenheiro de formação e atualmente administrador da Fundação Gulbenkian. Até o final do ano passado foi comissário europeu com a pasta da investigação, ciência e inovação, onde era responsável pela gestão do maior programa de ciência do mundo, cerca de 80 mil milhões de euros. Antes disso, teve um papel igualmente exigente, mas mais controverso, Foi o responsável no governo de Passos Coelho pela coordenação do programa de ajustamento. Mas a carreira política na verdade só surgiu depois dos 40 anos. Antes disso, teve uma carreira ligada à banca de investimento e ao investimento imobiliário. O pretexto para esta conversa foi o livro lançado pelo convidado já este ano, aliás, mesmo antes da pandemia, chamado Vendo-se-ão, Portugal e Europa, um livro que riu nas crónicas que Carlos Moedas publicou semanalmente durante os anos de comissário. Sendo o autor dessas crónicas comissário europeu, ou seja, uma espécie de ministro do governo da Europa, ou pelo menos de um começo de governo da Europa, se pode chamar isso à Comissão Europeia, o convidado está obviamente longe de ser um observador imparcial da União Europeia. Mas é, claramente, alguém que tem uma perspectiva rara dos mentos da Europa e, em particular, no caso dele, alguém que tem uma visão própria e informada em relação ao futuro do projeto europeu. Foi essa mesma visão que tentei compreender, mas também desafiar, a partir da minha posição que também é de europeista, mas talvez um europeista não tão otimista em relação ao estado atual da União Europeia e sobretudo ao potencial que tem hoje este projeto político. Durante a história e picos de conversa falámos então sobre vários aspectos da Europa, mas acabámos por voltar constantemente sobretudo a dois. Um deles é a forma como a governação da União Europeia está organizada. Um quadro institucional muito peculiar que gera lentidão e também uma tensão permanente entre por um lado as instituições comunitárias, como a Comissão Europeia, e por outro lado os governos nacionais, uma tensão que foi muito visível durante a crise do euro, mas também, embora com resultados melhores, ainda recentemente na negociação do pacote de estímulo pós-pandemia. Outro aspecto de que falámos, e que está de certa forma relacionado com este, é menos tangível, mas é aquilo que verdadeiramente tem de ser a base de qualquer projeto de integração política, ou seja, a existência de uma comunidade partilhada. No caso da União Europeia, será que temos dado verdadeiramente passos para construir uma comunidade cívica à escala da Europa? Não digo substituindo-se, que nem é provavelmente desejável, mas pelo menos diluindo em parte os velhos Estados-nação? A caminhar para o final da conversa, tivemos ainda tempo para discutir a visão do convidado sobre o futuro, em particular sobre o impacto das alterações que o digital veio trazer, nomeadamente sobre as democracias que terão de se reinventar se querem sobreviver. É também uma altura interessante para ter esta discussão sobre o papel digital, uma vez que a pandemia, e também falámos disso, veio tornar ainda mais presentes as tecnologias na nossa vida e no mundo do trabalho em particular. E pronto, espero que gostem da conversa. Da minha parte foi muito interessante conhecer em maior detalhe e de forma mais descontraída do que o habitual a visão do convidado em relação à Europa e em relação ao futuro. Até porque suspeito bem vamos ainda ouvir muito falar de Carlos Moedas num futuro não muito distante. Mesmo antes de passar a conversa, muito obrigado àqueles que se tornaram mecenas do 45° nas duas últimas semanas que passaram. São eles Bruno Heleno, Maria Oliveira, Nuno Costa, Sheila Buralal, espero não estar a dizer mal, Miguel Marques e Jorge Soares. Até à próxima. Carlos, muito bem-vindo ao 45°. Gostava de começar por uma pergunta que parece evidente, mas se calhar a resposta não é assim tão óbvia e sobretudo tem matizes que são importantes tendo em conta a sua experiência. Porquê é que é importante a União Europeia e porquê é que, presumo, na sua perspetiva, é importante que tenhamos maior integração europeia e, presumo, também melhor integração europeia? Muito
Carlos Moedas
obrigado, Zé Maria. É um gosto estar aqui neste seu podcast, que tenho ouvido e que acho muito interessante, portanto, tenho aqui quase um conhecimento sem o conhecer de ouvi-lo nos podcasts. Portanto, estou muito contente de estar aqui a participar. Obrigado. Nisso é recíproco. Obrigadíssimo. A importância da União Europeia, não é? Eu penso que é uma daquelas coisas que eu quando falava com os estudantes e com os mais novos tentava explicar e relativizar e construir a razão daquilo que é a União Europeia. E a razão mais fundamental da União Europeia é que nós, como povo, como continente, basicamente tivemos sempre em guerra. A guerra dos 100 anos, dos 30 anos, dos 9 anos. E essa guerra destruiu sempre a Europa. E a primeira criação ou a criação da ideia da União Europeia vem da paz. O que para esta geração deixa de certa forma de fazer sentido porque foi uma geração que viveu sempre em paz. Mas a pandemia vem-nos também e à vossa geração, à mais nova, voltar a relembrar o valor da União Europeia. E o valor da União Europeia é a capacidade de resolver problemas que não têm fronteiras. Ou a não capacidade, às vezes. Mas hoje, no mundo em que vivemos, em que os problemas são transfetorícios, em que temos problemas como um vírus, como as mudanças climáticas, como a cibersegurança, como a própria saúde no geral, não têm fronteiras. E a única maneira de resolvermos esses problemas é através de organizações supranacionais. A seguir à Segunda Guerra Mundial, nós vimos a criação de organizações intergovernamentais. A União Europeia é algo muito superior a isso, porque é mais do que intergovernamental. É uma organização, é o mesmo Estado, mas é mais do que intergovernamental. O que tem uma grande vantagem é que o intergovernamental é sempre o mínimo denominador comum da solução, porque cada Estado diz eu quero isto, eu quero aquilo, portanto cada um puxa a brasa à sua sardinha. E a invenção da União Europeia foi essa capacidade de dizer, de ter um corpo executivo, que é a Comissão Europeia, que toma decisões não com base na nacionalidade, não com base no país, mas no interesse comum dos europeus. E Essa é a importância da União Europeia. Eu penso é que esta geração, de certa forma, nunca recebeu ou nunca no seu currículo, no seu estudo, na educação que tem, recebeu de forma clara esta mensagem da importância das instituições e na importância de uma instituição supranacional. E isso acontece na Europa, também acontece fora da Europa e o que leva hoje a uma crise, que eu diria que acima de tudo é uma crise institucional, ou seja, o que vimos nos Estados Unidos, o que vimos em França com os coletes amarelos, são crises das instituições. Isso é a crise maior que temos à frente, porque ela por um lado é uma crise das pessoas estarem cansadas das instituições, acharem que este intergovernamentalismo, estas organizações supranacionais não estão a dar resposta aos seus anseios, mas por outro lado também o mundo digital que veio trazer uma falsa sensação às pessoas que podem resolver os seus problemas diretamente sem terem intermediários. E os Estados, os governos eram esses intermediários, mas as pessoas, como o digital nos aproxima, dizem não, mas nós afinal já não precisamos dos governos. Sim, uma espécie de renascer da ideia da democracia direta, não é? Sem dúvida, mas depois as pessoas também não estão dispostas a pagar os custos que para ter uma democracia direta as pessoas tinham que passar tempo a trabalhar nessa democracia direta, não é? Claro. Eu acho que é esse mecanismo que nós ainda estamos a aprender. Mas a importância da União Europeia, que deveria ser tão clara para os europeus, a verdade é que há muitos europeus que não conseguem ver porque aquilo que a União Europeia lhes traz é de certa forma invisível. E para a vossa geração, que era apanhar o avião, ir para outro país, tudo isso parece fácil e estudar em França ou Itália ou em Espanha, tudo isso vos parece óbvio, adquirido. Mas isso não é óbvio nem adquirido. Isso são anos e anos de luta para que isso possa ser um direito e para uma geração achar e ter uma vida completamente diferente do que era, por exemplo, a vida já da minha geração. Nós, na minha geração, ainda sentimos isso. Ou seja, estudar para fora era uma coisa muito complicada. Arranjar trabalho fora de Portugal era algo quase impensável. E eu penso que isso é aquilo que é importância invisível. Às vezes chamam isto de Europa invisível. As pessoas não sentem. Eu
José Maria Pimentel
acho que até há dois lados disso. Há um lado do facto de a Europa intervir muito em assuntos técnicos com os quais nós não lidamos diretamente. E depois há o outro que tem a ver com o viagem cognitivo nosso. Temos dificuldade em reparar no que não está. Ou por outra, temos dificuldade em reparar naquilo que existe e pensar que podia não existir. Somos muito melhores a criticar aquilo que achamos que devia existir. E há várias dessas coisas. Não houve fronteiras, isto é evidente. Mesmo o euro, quanto nos facilitou a vida o euro. E a pessoa só sentiria esse efeito se voltasse atrás.
Carlos Moedas
E não tem... Pronto... O Zé Maria é um economista, nunca temos o contrafactual. É muito difícil pensar o que seria se não tivéssemos União Europeia. E as pessoas até poderiam dizer que poderíamos ter tratados comerciais entre os vários países. Mas isso não chegava. Ou seja, podemos pensar o contrafactual de não haver uma União Europeia, os Estados entre eles tinham vários acordos. A União Europeia é muito mais do que isso, até porque os tratados muitas vezes seriam apenas de bens e não de serviços. Nós vemos que agora o problema que estamos a viver com o Brexit é que de repente o Reino Unido dá-se conta que uma grande parte da economia e das exportações que elas são serviços e esses serviços não podem ser resolvidos ainda por cima com a União Europeia e isso não pode ser resolvido através de um tratado comercial puro e duro. E é interessante porque no fundo o Brexit acaba por ser uma vacina para as pessoas terem um wake up call do que é a dificuldade ou que seria a dificuldade da não existência, o custo da não Europa, que na nossa geração não nos tínhamos dado conta. E o Reino Unido está, de certa forma, infelizmente, para todos nós, a servir de contra-exemplo ou de exemplo do que é que seria uma situação de não-Europa.
José Maria Pimentel
Portanto, acha que a saída do Reino Unido vai fazer, de certa forma, aumentar o sentimento europeu.
Carlos Moedas
Não, mas vai aumentar o sentimento de que isto tudo seria muito mais complicado sem a Europa. Vimos isso nas eleições europeias, por exemplo, na Holanda, em que o meu antigo colega, Franz Timmermans, cujo partido costumava ter à volta dos 6, 7%, um partido muito pró-europeu que de repente teve 20%, em que os verdes subiram muito, mas também muitos dos verdes são pró-europeus exatamente porque percebem que o combate às mudanças climáticas tem que ser feito a um nível superior do país. E eu não diria que o efeito do Brexit fará que as pessoas gostem mais da Europa, mas de certeza que vão pensar duas vezes numa situação de sair da Europa. O que é que isso significaria para as populações, para as empresas, para as suas exportações, para a sua força no mundo. O Henrique Letta tem uma frase que eu adoro, o antigo primeiro-ministro da Itália, que dizia sempre, na Europa há dois tipos de países, os pequenos e os que ainda não sabem que são pequenos, ou não realizam que são pequenos. E a pessoa realmente olha e diz, mas espera aí, a Alemanha, a Alemanha é o quê? 1% da população do mundo? It's nothing, é nada no compto geral do mundo. E essa noção da nossa pequeneza, pequeneza dos países, é o único que nos pode dar neste momento em que vamos ter, vá lá, aqui uma guerra comercial que está a acontecer entre os Estados Unidos e a China, a hipótese da Europa no seu todo prevalecer através dos seus valores, através da sua maneira de pensar, através da sua liberdade e da sua abertura, ter uma oportunidade extraordinária de voltar a centrar o mundo na Europa, porque o mundo já não estava centrado na Europa. E, portanto, esse voltar ao centro da Europa, eu penso que esta crise pode ser uma oportunidade.
José Maria Pimentel
Esse ponto é muito importante, parece quase uma evidência, mas a verdade é que a escala é incrivelmente importante. Importante em termos económicos, mas também importante em termos geopolíticos e a Europa sem escala. A Europa tem escala, mas não tem, pois não tem na prática, ainda o poder de fogo, em muitos casos associado a essa escala, não é? Como se não a transposesse na prática. Mas num mundo multipolar ou bi ou tripular com a China e com os Estados Unidos, sem Europa não tem dimensão suficiente e não age como uma. É bastante complicado. Independentemente de nós... O que eu quero dizer com isto é independentemente de nós compararmos os outros méritos da União Europeia e a visão pan-europeia quase cultural. Exato. Esse lado é evidente, não é?
Carlos Moedas
Esse lado é evidente porque a escala nunca foi tão importante na história do mundo. Aquilo que eu vi nos últimos cinco anos, em termos da tecnologia, do digital, do mundo do futuro, foi a importância da velocidade e da escala. Ou seja, no mundo digital o importante não são as fronteiras, o importante não é uma soberania imaginária, até porque ela já não existe, a soberania das fronteiras do Estado-nação, é a capacidade de velocidade e de escala para atingir os mercados, para vender os produtos, para nos impormos no mundo. E aí cada país na Europa não vale nada. E, portanto, a única hipótese que temos neste mundo em que a escala e a velocidade são essenciais é realmente estar juntos e trabalhar juntos e conseguir juntos resolver os problemas. Eu lembro quando o Juncker foi aos Estados Unidos negociar com o Trump, o Trump de repente na altura deu-se conta para negociar comercialmente com a Europa, só poderia fazer através da União Europeia, da Comissão Europeia, que tem um mandato, ou seja, os países delegaram na Comissão Europeia a capacidade de negociações dos tratados comerciais. E diz a história, que obviamente é uma história que pode não ser exatamente aquela que aconteceu, que foi a senhora Merkel que disse ao Trump, não, mas repare, eu não posso fazer nada, esse poder está delegado na Europa. Portanto, vais ter que negociar com a Europa. E essa capacidade de negociar a nível europeu, por exemplo, nos tratados comerciais, tem sido das maiores forças escondidas, ao que as pessoas não se apercebem, da Europa. Porque quando se está a negociar com uma plataforma de quase 500 milhões de pessoas, a força dessa negociação é completamente diferente. Aliás, a Europa neste momento deve ter à volta de 72, 73 acordos comerciais E quando fizemos o acordo com o Japão, basicamente com o Japão estávamos a cobrir um terço do comércio mundial. E muitas vezes não temos a noção da força que isso tem, até para aqueles, muitas vezes eu lembro nas discussões do Parlamento Europeu que diziam, ah, mas fazemos tratados comerciais e depois estão a produzir noutros países sem respeitar as leis do trabalho, com leis que não são tão proteccionistas como as nossas em relação às pessoas. Mentira! Essa era a nossa grande capacidade de influência no mundo. Era o contrário. Era fazê-los respeitar a quem está fora aquilo que são as nossas regras ambientais, as nossas regras das leis, por exemplo, do trabalho. O caso do Bolsonaro na discussão do tratado comercial com o Brasil e a Europa foi exatamente essa. É que eles acabaram por não desistir dos acordos da COP porque queriam finalizar o tratado comercial. Ou seja, nós estávamos a influenciar, como Europa, ou estamos a influenciar através dos tratados comerciais, um mundo melhor e não um mundo pior, como as pessoas poderiam imaginar. Até
José Maria Pimentel
há aquele livro, Desculpa me interromper, até há aquele livro que o Carlos até citava da Brussels Effect. Não é exatamente
Carlos Moedas
isso, mas tem
Carlos Moedas
a ver com essa questão. Exatamente. É um exemplo que eu gosto muito, porque a história do Brussels Effect vem de uma analogia com o California Effect, não é? E o California Effect é a questão que nos Estados Unidos, normalmente, todas as empresas acabam por seguir as leis da Califórnia, porque como o mercado dos Estados Unidos, A Califórnia é tão representativa, quando a Califórnia tem uma determinada lei, os produtores de um determinado produto vão acabar por dizer, não vale a pena estar a respeitar leis diferentes dos Estados, seguimos a lei da Califórnia, que é aquela que tem maior amplitude, que é aquela que no fundo é um bocadinho mais, defende mais os trabalhadores e as leis ambientais, mas não vou ter uma para cada lado. E, portanto, a Califórnia acaba por ser a lei que gere todos os Estados Unidos.
José Maria Pimentel
O mais restritivo é o que lhe está
Carlos Moedas
normando. Estou a exagerar o argumento. No caso da Europa, aquilo que nós vimos nos últimos, eu diria nos últimos, sobretudo, 10, 15 anos, foi que a Europa se tornou o líder naquilo que é a regulamentação mundial. O maior exemplo disso foi agora com o regulamento da proteção de dados, em que vimos empresas chinesas, americanas, globais, dizerem, não, nós vamos seguir a regulamentação europeia, primeiro porque agreditamos nela e também não vamos agora seguir diferentes regulamentações. E os Estados Unidos, nos últimos 20 anos, com a fase que tiveram de desregulamentação, ajudou ainda mais que a Europa ainda tenha mais poder.
José Maria Pimentel
Sim, deixou um espaço aberto.
Carlos Moedas
Deixou um espaço aberto. Eu penso que até falo nesse capítulo de quando a Europa, no fundo, através da lei da concorrência, conseguiu travar a fusão entre a GE e a Honeywell, quando a lei americana o permitia. Mas como a lei europeia dizia, nós não deixamos, aquilo acabou por nunca se realizar. Portanto, a Europa tem um poder brutal no mundo e nós Somos sempre, de certa forma, um bocadinho tímidos, temos uma humildade excessiva ao olhar para os americanos, quando a Europa hoje tem um poder de influência muito superior e cada vez terá mais, porque os Estados Unidos, no momento em que vivemos, acabam por estar a perder esse lugar que eles tinham e alguém o tem que substituir. A política odeia ao vazio. E como a política odeia ao vazio, alguém vai tomar esse lugar da liderança. E, obviamente, eu penso que a China no futuro, dentro de 50 anos, terá esse lugar, até pela sua dimensão, mas hoje é incomparável. A ciência que se produz na Europa é muito superior ao que se produz na China. Aquilo que nós temos na Europa vale muito mais e tem esse valor intrínseco. Portanto, deveríamos ter um bocadinho mais orgulho em ser europeus e em termos esta capacidade e não estar sempre a desvalorizar aquilo que somos. É
José Maria Pimentel
verdade, mas há o risco de a Europa, de certa forma, não conseguir aproveitar completamente essa oportunidade pela irregularidade institucional ou pela assimetria institucional que existe no nosso modelo. Porque nós temos um modelo, e eu tinha muita curiosidade em saber a sua perspectiva em relação a isso, porque é uma perspectiva de experiência, temos um modelo meio esquizofrénico, não é? Porque temos um modelo que intercepta componentes ultra-integradas, o Parlamento Europeu, que tem para todos os efeitos uma eleição direta, embora com problemas de participação, mas é uma eleição direta para todos os efeitos, a Comissão Europeia, que não é eleita diretamente, mas é no fundo equivalente ao governo, o equivalente a um primeiro-ministro e o equivalente a ministro, mas depois temos o Conselho, que no fundo, ou seja, o Conselho da Europa e o Conselho da União Europeia, que no fundo refletem os governos nacionais, em permanente tensão, muitas vezes com opiniões diferentes, sendo que há um aspecto que eu acho que nós temos que admitir, que é o... Os governos são aqueles que correspondem, os governos nacionais, a eleições mais participadas e que são mais scrutinadas de forma direta pelos eleitores. Este é um problema, não
Carlos Moedas
é? A pessoa até pode concordar com o que a Comissão está a fazer, mas significa que... Mas de certa forma é um falso problema. Há uma ideia que foi criada
Carlos Moedas
pelos anglo-saxónicos de que o modelo europeu não tinha a mesma legitimidade em relação aos seus eleitores. E, obviamente, nós não podemos comparar um Estado Federal com uma organização supranacional que é a Comissão Europeia e a União Europeia no seu todo. Mas a estrutura foi realmente muito bem pensada e de certa forma pensada até com base no próprio modelo americano em que no fundo temos um parlamento que corresponde àquilo que nos Estados Unidos seria o House of Representatives e depois temos um conselho que seria o equivalente ao Senado. O Senado nos Estados Unidos tem dois senadores por cada estado. Na Europa temos um primeiro-ministro, vá lá, por cada estado, que representa esse conselho e depois a Comissão Europeia que seria o braço executivo, não é? Um proxy de um governo. Este modelo tem funcionado muito bem porque cria um equilíbrio, ou uma tensão sempre grande entre um certo intergovernamentalismo, que é aquilo que o Conselho representa, chamar o poder sempre aos países e depois a Comissão Europeia ou o bem comum com o Parlamento ali no meio. No seu caso, na sua área de trabalho, aquilo que nós vimos foi que a crise financeira veio trazer esse pêndulo, é como se tivéssemos um pêndulo entre o intergovernamentalismo e o comunitário. E esse pêndulo, durante a crise financeira, os Estados perderam confiança na própria Comissão Europeia. Acharam que a Comissão europeia não poderia resolver o problema e criam o mecanismo europeu de estabilidade que é um mecanismo intergovernamental. O Eurogrupo também é um mecanismo intergovernamental. E portanto era como se por fases Os países uma vez puxam, vai lá a decisão aos governos e criam, como foi o caso do mecanismo europeu de estabilidade, que não tem a ver com a Comissão, é uma decisão dos governos, e depois há fases da Europa em que o poder vem mais à Comissão. Hoje o pêndulo virou-se, não é? Em Europa, com o orçamento do Plano de Recuperação, com o futuro orçamento, vai ter um poder enorme. Portanto, o pêndulo que foi para os países agora está a voltar mais para o comunitário com a Ursula von der Leyen. E porquê? Eu penso que, no fundo, há uma realização de muitos países que a Comissão Europeia realmente é a melhor maneira de defender os grandes e os pequenos, porque As soluções que saem do intergovernamentalismo são sempre muito fracas. Saem sempre de discussões e de votos em que a solução não é ótima. E eu penso que neste momento há uma consciência que, seja para a saúde pública, seja numa soberania digital que hoje queremos na Europa, o único corpo, a única entidade que tem a capacidade para resolver esses assuntos é a Comissão Europeia. Porque senão demora muito tempo. O intergovernamentalismo é sempre muito longo, não é? As discussões demoram anos. A Comissão Europeia... Até porque é preciso unanimidade, não é? Exatamente. A Comissão com poder e delegação de poderes, ela resolve muito mais rapidamente. E, portanto, eu acho que estamos numa fase boa, porque eu acredito muito no comunitário, acredito muito na solução, naquilo que foi a minha experiência da Comissão Europeia. E, de
José Maria Pimentel
certa forma, o que estes passos permitiram fazer foi aumentar a parede, se quisermos, aumentar o edifício daquilo que é a Constituição Europeia, que estava mais ou menos coxo para esta expressão em algumas partes.
Carlos Moedas
E é interessante, Zé Maria, porque a pessoa pensa sempre que as crises vêm enfraquecer a Europa. Mentira! As crises vêm sempre reforçar a Europa.
José Maria Pimentel
Acha que a crise do euro não enfraqueceu?
Carlos Moedas
Então, olha, repara, a seguir à crise do euro, formou-se o mecanismo europeu de estabilidade, que é intergovernamental, mas é europeu, não é nacional. O mecanismo europeu de supervisão, que a supervisão passou a ser para os grandes bancos, tudo a nível europeu e o mecanismo europeu da resolução, ou seja, ficamos com mais Europa ou com menos Europa? Ficamos com, de certa forma, com mais Europa do que aquilo que tínhamos. O que é que vai acontecer com a pandemia? Acho que tudo o que é a coordenação em termos de saúde pública, ela também vai ter que passar de certa forma a algo mais europeu. O que é que a Ursula von der Leyen anunciou? Uma agência europeia de investigação biomédica que possa também ter aqui um papel na saúde pública. Portanto, a prova é que a cada crise há um enfraquecimento político, luta durante a crise, mas a Europa tem-se sempre reforçado, ou seja, é um longo caminho, mas a Europa vai sempre reforçando.
José Maria Pimentel
Estava à espera dessa resposta. É evidente que a Europa se reforçou. É evidente isto, poderia não ter acontecido isso naturalmente, mas a Europa reforçou-se do ponto de vista institucional na crise do euro. Mas perdeu alguma adesão do ponto de vista da população e nós tivemos alguns episódios que hoje em dia a pessoa tende a esquecer-se, mas que podem ter efeitos a prazo, sabe? A fricção que existia e quase a roçar a xenofobia entre alemães e gregos, por exemplo. Tudo isso pode dominar o projeto europeu. E eu confesso que me sinto às vezes um bocadinho espartilhado, porque sou um europeista convicto, quase internacionalista, mas não tenho nenhuma dúvida em relação a isso. No entanto, há uma espécie de rei... O rei vai nu, se quisermos, num aspecto fundamental da integração europeia. Se quisermos, é o que está na base de tudo, que é o aspecto cultural, que é o aspecto de nós conseguirmos ou não construir uma comunidade à escala europeia. E embora haja várias coisas que contribuem para isso, o programa Erasmus, por exemplo, e o caso não precisa ter particularidade de ter feito o programa Erasmus, quer dizer, esse é um exemplo evidente. Agora, mesmo hoje, eu não sei se partilhar desta perspectiva, tem mais experiência nisso do que eu, mas a impressão que eu tenho é que um alemão, o alemão médio, por exemplo, ou holandês médio, não conhece mais da realidade portuguesa ou conhece marginalmente mais do que conhecia há 60 anos. Ou seja, o Estado de nação continua a ter um peso muito grande do ponto de vista cultural. Nós vivemos até com a Espanha, eu dou-lhe o exemplo de Espanha. Nós até, como somos um país pequeno, temos uma permeabilidade grande em relação à Espanha. O contrário, quer dizer, um Espanhol médio, faz pouquíssima
Carlos Moedas
ideia do que se passa... Mas eu tenho quase, obviamente, que estamos os dois a especular. Penso que há 60 anos, vou-lhe dar o exemplo da minha infância, eu até hoje, 20 anos, nunca tinha viajado, nunca tinha apanhado um avião. E portanto, há uma parte da população que sim ficou mais internacional, que sim viajou mais e que conhece mais. Mas houve a criação de um fosso maior de desigualdade com a globalização, em que depois há uma parte que ficou para trás. Aliás, isso vê-se naquilo que foram os votos dos partidos populistas. É exatamente essa faixa da população que no fundo se sente excluída porque não viajou, porque não conhece. Mas a sua questão foi muito interessante e tem vários pontos que gostava de comentar. O primeiro é sobre o ponto de que reforçamos institucionalmente, mas houve realmente uma fricção brutal social. E isso é uma grande verdade no curto prazo, mas penso que no longo prazo, esse reforço das instituições vai levar sempre a uma Europa mais unida e que as pessoas sentiram a seguir à crise, obviamente, a dor, a irritação, a não compreensão que o contrafactual seria muito pior, ou seja, Portugal não estar na União Europeia teria sido uma tragédia E que depois no médio e no longo prazo as pessoas perceberam isso. Exatamente por essa razão deram maior poder às instituições europeias. Porque senão teriam se revoltado mesmo. Ou seja, se os portugueses achassem que não queriam dar a supervisão bancária a uma instituição lá fora, teriam tido uma revolta e não a tiveram. Perceberam que talvez fizesse mais sentido porque tudo está interligado, porque o mundo está interligado. Mas tem toda a razão que no curto prazo realmente essa fricção aumentou como aumenta em todas as crises. É essa a própria definição da crise. Agora, a Europa no seu todo tem sido sempre reforçada a seguir todas estas crises institucionalmente e portanto se as pessoas achassem que isso estava errado, então aí ganharia a Marina Marine Le Pen, ganharia o Salvini e o que é que nós vimos depois, por exemplo, da pandemia ter acontecido? Vimos a Marino Le Pen a falar muito menos, vimos o Salvini a sair de cena, vimos de certa forma durante a pandemia uma grande dificuldade de todos estes populistas dizerem ou pelo menos reforçar a mensagem que tinham. Eu lembro quando cheguei em 2014 a Marine Le Pen dizia que queria acabar com a Europa, com a Comissão Europeia, com a União Europeia. Hoje diz que quer uma Europa diferente, quer uma Europa de Estados, mas quer uma Europa. O Salvini também antes de estar no poder também dizia tudo e mais alguma coisa. E eles foram, no fundo, mudando o discurso. Se eles mudaram o discurso, eles são um excelente barómetro do que é que esses extremos estão a pensar. Eles mudaram para se adaptar à sua própria clientela. E, portanto, há realmente, depois de todas estas crises, e passamos aqui, falou na crise financeira, mas pensamos no terrorismo, tudo isso. Portanto, foram realmente anos muito difíceis. É normal que essas fricções tenham sido muito fortes e que as pessoas, de certa forma, muitas delas tiveram muita irritação em relação à Europa, mas também tiveram muita irritação em relação aos governos nacionais.
José Maria Pimentel
Era para dizer, sim, isso podia acontecer dentro de um país, como aliás vemos no caso do Estado de Europa.
Carlos Moedas
Exatamente. Mas penso que é um ponto muito válido e esse ponto vem, era isso que eu queria fazer, o ponto de vem um bocadinho mais atrás, no sentido que os pais fundadores da União Europeia achavam sempre que, de certa forma, se tivéssemos progresso económico, isso se transformaria numa união política. E estavam, de certa forma, enganados. Ou seja, a prosperidade económica não traz forçosamente uma maior união política da Europa, porque senão os polacos, que são o país que mais recebem fundos europeus, seriam a 100% do europeu e não são. E eu penso que esse debate é o debate certo, que é pensar então o que é que nós podemos fazer para criar esse sentido de identidade europeia. E essa identidade europeia que hoje existe naqueles que fizeram Erasmus, na geração Erasmus, mas que não existe no geral das populações. E temos que encontrar, de certa forma, uma Europa que ajude a construir essa identidade. E essa identidade, por estranho que pareça, ela historicamente existiu muito mais no passado do que hoje. Sim.
José Maria Pimentel
No passado, A
Carlos Moedas
Idade Média. A Idade Média e mesmo no século passado, estou a falar século XIX, por exemplo, quando nós olhamos para a música clássica, a música clássica é europeia, é a nossa identidade europeia. Maestro barítono que eu muito amigo, que é o Jorge Chaminé, que está a fazer o Centro Europeu da Música, conta muitas vezes estas histórias do que é que a música na Europa e a música clássica europeia são dos maiores pontos de identidade que temos e que no fundo no século XX perdemos. Perdemos porque a música tornou-se de certa forma demasiado elitista no século XX, mas a música clássica era uma música do povo europeu em que os grandes cantores, os grandes barítonos viajavam para essa Europa fora a cantar a mesma música. Beethoven escreveu músicas praticamente em todos os países da Europa. E é interessante ver que a cultura
José Maria Pimentel
e a música
Carlos Moedas
são realmente... E uma das ideias que eu tinha com o Pascal Lamy, com quem falo muito, era realmente a criação de uma cadeira de antropologia europeia em que se pudesse voltar a trazer à juventude estes fatores desta unidade europeia. Eu que vivi muitos anos nos Estados Unidos, nunca me senti tão europeu como quando vivi fora, quando estive nos Estados Unidos. O sentimento europeu quando a pessoa está nos Estados Unidos e encontra um italiano ou um espanhol, no fundo, é como se fosse um português. Sentimos-nos
José Maria Pimentel
todos iguais em relação aos outros. Talvez isso faça paz com o europeismo até do que o Erasmus, em certo
Carlos Moedas
sentido. Sem dúvida. Tem essa noção. E isso foi-se perdendo. Porquê? Porque os países europeus são tão antigos, tão antigos, tão antigos e temos tanta história, tanta história, tanta história que deixámos de contar a história. E, portanto, o povo europeu hoje vive sem essa noção da história, porque não se conta, porque não se diz, porque não se fala. Penso que é muito importante voltar a contar as histórias da Europa. Ainda no outro dia voltava a ler Stefan Zweig num pequeno livro que se chama Apelos Européens, em que ele dizia, em 1935, se não me engano, em que ele dizia, a Europa temos que ter uma universidade europeia, dizia ele, temos que ter um jornal europeu, para, no fundo, dizia ele, para que as mentiras que se contam nacionalmente possam ser desmentidas. E não temos. E não temos, não é? Realmente temos já alguns, mas não temos a amplitude com que Zweig falava. Portanto, ele no fundo já falava no Erasmus, falava num jornal europeu, falava nas pessoas viajarem para aprender uns com os outros e por isso é que estamos a falar em 1930, entre as duas guerras. Isso
José Maria Pimentel
é muito interessante, sobretudo por esse aspecto, porque nós não temos de facto um espaço de discussão política a nível europeu, um espaço cívico se quisermos. O Erasmus é muito bom. O Erasmus e outros programas de intercâmbio e as viagens são muito boas para uma espécie de interculturalidade ou de assimilação superficial. Mas há um nível abaixo desse que é o nível da discussão política e da partilha de uma série de intangíveis da cultura. Isso é curioso porque nota-se muito. Por exemplo, aquele exemplo que foi agora muito discutido a propósito da aprovação deste fundo para a pandemia, da questão dos frugais, que no fundo ressoa com a discussão anterior durante a crise do euro. Independentemente da opinião que a pessoa tenha em relação ao que está em causa, me parece-me evidente, e eu confesso que me irrita até bastante quando leio a nossa imprensa, que há uma incompreensão em relação ao que vai na cabeça do eleitor médio daquele país. Mas essas mentiras, aquele dia, não vou chamar mentiras no limite, mas pelo menos simplificações dos factos, passam perfeitamente porque não há quase ninguém que critique, no fundo, essa opinião porque nós não somos finlandeses, nem somos holandeses, não é? Portanto, nós como não sentimos, não passamos lá o dia a dia, não é? Isto independentemente da pessoa concordar em relação à medida que está a ser aprovada. Agora, é evidente que não é por acaso que eles pensam daquela forma. E essa discussão não existe. Esse é um problema, sinceramente, não sei como gerá-la.
Carlos Moedas
Não, eu penso que ela existe mais hoje do que existia há 10 anos ou há 20 anos E penso que existirá mais no futuro. Era necessário que a Europa conseguisse ter mais projetos como o Erasmus, em que conseguisse, de certa forma, criar estas redes de colaboração entre países. E a grande rede a seguir ao Erasmus foi a rede da ciência. O programa da ciência europeu conseguiu
José Maria Pimentel
criar comuca
Carlos Moedas
essa integração. Quer dizer, não há nenhum cientista que hoje ache que não quer colaboração entre países. Isso faz parte do dia a dia de um cientista.
José Maria Pimentel
Aqui no IGC, por exemplo, no Instituto do Bloqueio da Ciência, há muitos...
Carlos Moedas
Claro, claro, claro. Exatamente porque hoje a ciência só pode ser feita através dessas redes. Ninguém sozinho, no seu canto, no seu país, na sua universidade, pode inventar ou criar nada de novo. E, portanto, a Europa, de certa forma, deixou para trás aquilo que era essa criação de redes a nível do secundário, da universidade e depois da ciência, que temos que investir muito mais. Isto é um processo muito longo. A nossa passagem pela Terra é algo muito efémero. Portanto, aquilo que nós temos que pensar é o que é que vamos deixar aqui para que a Europa daqui a 100 anos exista e seja mais forte. O que é que deixamos? Eu acho que só podemos deixar realmente projetos que vão conseguindo ligar as pessoas e que a uma dada altura já ninguém lhe faça sentido ter fronteiras ou ter discussões com pessoas de outros países ou discussões no sentido de luta ou de guerra. Obviamente discussões positivas e de argumentação são excelentes e é isso que nos faz e que nos cria esta diversidade única que só temos na Europa. Eu viajei tanto durante estes cinco anos e A diversidade que nós temos na Europa é tão rica, tão rica, tão rica que o resultado é extraordinário em termos de ciência, por exemplo, em relação a outros países. As pessoas muitas vezes não têm essa ideia. Quando os melhores cientistas do mundo, a verdade é que todos passaram pela Europa. Alguns depois vão para os Estados Unidos, porque ganham mais nos Estados Unidos e, portanto, têm um salário melhor. É óbvio que o mercado funciona a contratá-los. Mas, ainda hoje, se vai ao top 1% dos artigos científicos do mundo, a Europa está à frente dos Estados Unidos. E quando vai ao top 10% desses artigos, também é um número interessante, aquilo que se vê nos últimos 10 anos é que os Estados Unidos diminuíram e a China aumentou, mas a Europa não foi afetada. A Europa continua sempre nessa liberdade. Portanto, a grande luta é interessante. Eu depois posso até passar nesses números.
Carlos Moedas
Sim, sim, sim. Eu depois ponho-lhe nas diferenças.
Carlos Moedas
O top 10% na Europa dos artigos mais citados continua a ser muito estável. E nos Estados Unidos diminuiu e na China aumentou
José Maria Pimentel
muito. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Para voltar à questão política, havia um ponto que eu queria fechar porque tenho muita curiosidade em relação à sua opinião, que é, postos estes problemas, estes desafios que nós falámos, o que é que institucionalmente se pode fazer? Desde logo há uma coisa que eu sei que o Carlos concorda, que é, ao nível das decisões intergovernamentais, passar do método atual que requer um consenso, que requer unanimidade, para um método de maioria qualificada. Isso permitiria resolver uma série de problemas de ação coletiva, no fundo, que existem, que há um ou dois ou três países a bloquear. Para além disso, o que é que se poderia fazer mais? Via, por exemplo, a hipótese de uma espécie de presidente da União Europeia? Ou, se quisermos, o presidente da Comissão Europeia ser eleito ou eleita diretamente,
Carlos Moedas
tal como acontece com o Parlamento? Isso foi uma proposta do Juncker, que não vingou e que eu penso que é de grande importância, porque um dos grandes problemas da União Europeia, falou num deles, que é a necessidade de unanimidade para muitas medidas e depois não funciona, porque a unanimidade na vida não funciona. Às vezes ganhamos, às vezes perdemos, mas não em tudo pode ser por unanimidade. Mas o outro problema é a comunicação em relação ao exterior. E ter um presidente do conselho e um presidente da comissão não funciona. Não funciona para as pessoas. A velha máxima do Kissinger, que era o do iCall, que é aquele telefone para a Europa, Ela ainda é verdade. As pessoas não sabem quem é. Aliás, fizer essa pergunta aos seus amigos, mesmo alguns com formação, qual é a diferença entre o Presidente do Conselho e o Presidente da Comissão. As pessoas não sabem e não têm que saber porque não faz sentido. Não faz sentido. E a ideia de ter um presidente, para mim é essencial. Depois, se esse presidente é eleito ou não, eu penso que vamos caminhar para um método, que foi o método do Juncker, mas que não foi o MET da Ursula von der Leyen, que era o chamado Spitzenkandidat. E o Spitzenkandidat era, nas eleições europeias, o partido mais votado. Teria um candidato, como em Portugal, o chefe do partido, que na altura era o Juncker, ficaria presidente da Comissão Europeia. E eu acho que no futuro se irá caminhar sempre mais para esse lado. Nesta vez não funcionou, quer dizer que o resultado tenha sido mau, porque eu acho que o resultado da Ursula von der Leyen é um resultado excelente, ela é uma excelente presidente da Comissão, mas o método, tinha-se criado um método que eu acho que vai acabar por vingar. Agora é preciso que as pessoas tenham consciência que não tinham na altura, que estavam a votar para o presidente da comissão. Aliás, eu acho que o presidente Marcelo Rebelo de Souza foi dos poucos que na campanha do Juncker, estamos a falar, que teve uma frase em que dizia, estamos a votar para eleger um presidente da comissão e está aqui o senhor Juncker. E as pessoas acharam um bocadinho estranho. Não, estamos a votar para os deputados europeus. Não estamos a votar para os deputados europeus, mas estamos também a votar por um partido que se tiver maioria formará um governo, entre aspas, que é a Comissão Europeia. E eu penso que temos realmente essa incapacidade de perceber quem faz o quê Da seleção e depois temos a unanimidade e depois temos o outro capítulo que é o capítulo da simplificação dos poderes. Eu preferiria ter uma Europa com menos poderes mas poderes mais claros do que uma Europa com muitos poderes mas difusos. Eu dizia sempre as pessoas gostavam muito da minha colega Margaret Vester, que era a Comissária da Concorrência, porque as
Carlos Moedas
pessoas percebem o que é que ela faz. Era a Comissária mais conhecida, provavelmente.
Carlos Moedas
Porque o poder é total. Ou seja, a Comissão Europeia tem uma delegação, neste caso, que está nos tratados, em que tudo que é concorrência é diretamente uma decisão europeia, quer dizer, os Estados não contam para isso. Portanto, o poder dela era muito claro. No comércio já era menos claro, porque o tratado, ou aquilo que tinha a delegação de poderes da comissão, era que podíamos negociar tratados comerciais. Mas depois, nem todos os tratados comerciais podiam ser negociados. Os chamados tratados mistos, se já tinha os serviços, ou se tinha algo que não fosse só bens, aí tinham que ter votação dos países. E o que é que acontecia? Acabava, não sei se lembra, a história do tratado CETA com o Canadá. Era um tratado misto e por isso era preciso a ratificação de todos os parlamentos e foi aí que o parlamento da Valónia decidiu votar contra e para toda a negociação com o Canadá, o que foi uma estupidez enorme. E, portanto, até aí o tratado em relação à parte comercial não é totalmente claro. Então, eu preferia uma Europa com 4 ou 5 poderes muito claros, que até podia ter menos comissários, eventualmente, mas que tivesse poderes. Por exemplo, no caso da ciência, eu também tinha um poder extraordinário porque os fundos da ciência, as bolsas da ciência não passavam pelos países. Nenhum cientista português, no caso das bolsas do Programa Europeu de Ciência, não era o Portugal que dizia se ele tinha bolsa ou não, era a Comissão Europeia, era os meus serviços que diziam se ele tinha ou não. Essa clarificação dos poderes da Europa é importantíssima. Porquê? Porque as pessoas, se não, estão sempre a culpabilizar a Europa para coisas que a Europa não tem poder. E eu lembro quando as pessoas às vezes diziam, ah, mas o que é que a Europa está a fazer sobre o desemprego? Mas a Europa não tem qualquer orçamento. O orçamento da Europa. Agora mudou com
José Maria Pimentel
o novo programa, o
Carlos Moedas
chamado programa SURE, como a Von der Leyen lançou, que é a primeira vez que a Europa vai ter ali um papel num resseguro do subsídio de desemprego. Mas basicamente a Europa não tinha papel nenhum em relação aos fundos de desemprego ou em relação ao desemprego. Não poderia ter papel, não tinha orçamento para isso. 99, 9% do orçamento em relação aos subsídios de desemprego é nos países, não tem nada a ver com a Europa. E isso criava... As pessoas jangavam-se. E com razão, diziam, Mas a Europa não faz nada. Então a Europa não resolve. Não, porque a Europa não tem poder para isso. A mesma coisa com os serviços de ação externa. E diziam, mas a alta representante da Europa não teve um statement ou não teve uma declaração sobre este tema. Sim, porque é preciso uma unanimidade e, portanto, como é preciso uma unanimidade para que ela possa dizer qualquer coisa, no caso era a Federica Mogherini, ela pode dizer muito pouca coisa, não é? Sim, sim, sim. Então é lento e ilimitado. Lento e ilimitado, exatamente.
José Maria Pimentel
E na sua opinião, o que é que explica as áreas em que há maior integração e as áreas em que há menos integração. O meu palpite é que tem a ver com a tecnicidade e, se quisermos, o impacto direto na vida das pessoas. Não a importância, mas o impacto direto. Ou seja, elementos mais técnicos e mais distantes do impacto direto na vida das pessoas são mais fáceis de passar para o nível europeu. Quando os assuntos são mais passíveis de serem discutidos no espaço público e, sobretudo, impactam diretamente a vida das pessoas, aí os governos nacionais sentem, entre
Carlos Moedas
outras coisas, sentem que podem beneficiar deles, não é? Claro. Eu acho que é uma questão muito, como dizia
Carlos Moedas
o Truman, politics is about petty things, não é? A política é que são coisas pequenas. Eu penso que os políticos nacionais quiseram sempre ter em seu poder tudo aquilo que lhes dá créditos e tudo aquilo que fosse realmente mais técnico, mais afastado da realidade, da concorrência. As pessoas não tinham bem a noção do que era isso há 10 anos ou há 15 anos atrás isso era algo muito técnico que ficava
José Maria Pimentel
para a comissão. Sim, esse é um bom ponto, porque foi uma coisa que emergiu nos últimos quase 20
Carlos Moedas
anos. Ou seja, a concorrência não existia. Era um poder que não existia sequer nos países. Qual era o país europeu que tinha na altura uma autoridade da concorrência? Ninguém tinha.
José Maria Pimentel
Foi passado para a União Europeia e ainda era um BBN.
Carlos Moedas
Exatamente. Os tratados comerciais, no fundo, dos países mais pequenos, também não tinham grande força pós-fazer. Tinham que se pôr na fila. E, portanto, a Europa aí tem uma aliança muito grande dos Estados mais pequenos que têm imenso interesse que seja a Europa a liderar os tratados comerciais. Agora, quando se está a falar, por exemplo, de um exército europeu, e em que o Juncker foi muitas vezes acusado de lançar essa ideia, tudo o que tem a ver com aquilo que as pessoas entendem como a soberania antiga, ou o que eu chamo de soberania antiga no sentido que eu acho que a soberania está a mudar radicalmente, mas a soberania na área da defesa, na área da segurança, isso foi sempre um grande problema, que os países acham que ao abdicarem estão a ter menos soberania ou menos defesa ou menos segurança, o que é totalmente mentira. Ao não partilharem têm muito menos do que pensam. Aliás, o caso do terrorismo foi exatamente esse, não é? Não partilha dos serviços de informação, das informações necessárias em relação aos terroristas teve efeitos muito nefastos. Nós tivemos terroristas que atacaram em França, que passaram a fronteira para a Bélgica e que ninguém sabia onde eles estavam porque não havia comunicação entre os serviços de inteligência, os serviços secretos. E eu acho que há ainda hoje uma grande reticência que só virá no futuro com maior confiança. Ou seja, que os serviços de defesa, os serviços de segurança interna tenham mais confiança uns nos outros, o que muitas vezes não acontece, ou que acontece raramente. Umas vezes por boas razões, outras vezes por más.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Eu agora estava a pensar, a propósito disto, que é curioso porque é fácil concordar que há uma série de ganhos na integração de muitas funções, quer dizer, muito para lá daquilo que existe. Mas ainda assim, eu não consigo deixar de pensar, e isso tem a ver com a questão que eu falava há bocadinho, das componentes mais técnicas estarem mais integradas, o que contribui também para a fama tecnocrática da União Europeia. Há uma grande parte disso, que é o impacto lógico, que não tem a ver com uma escolha, é simplesmente o facto de se integrar funções mais técnicas. Mas o que nós vemos em muitos casos é que quando se trata de coisas que impactem diretamente a vida dos cidadãos, as pessoas muitas vezes, os eleitores, votam contra mais integração. Por muito que nós desejássemos mais integração, Nós vimos isso. Agora, é verdade que tivemos felizmente uma exceção a isso. Uma das hipóteses que eu coloco é que, e há bocado quando o Carlos falava da questão do populismo, vou-te também lembrar disso, é que uma das coisas que fizeram os governos agir agora foi justamente a ameaça populista, e portanto, no fundo, tentarem recuperar as pessoas, e o dinheiro é bom para esse efeito para o sistema então esse é um lado benéfico, mas aquilo que nós víamos antes, sobretudo no passado, é que as pessoas quando podiam votavam contra o... O que nós vimos durante a crise do euro, a Angela Merkel era ultra criticada na altura De novo, independentemente do que a pessoa vai achar em relação à Anglo-América, ela estava a responder ao eleitorado alemão. Quando ela tomou uma decisão contra o eleitorado alemão em relação às migrações, sentiu o impacto. Portanto, o eleitorado alemão não cria capa todos e feitos, independentemente do
Carlos Moedas
que nós queiramos. E esse é um desafio... Mas isso é um bocadinho... Os líderes europeus, no fundo, nunca ou não querem ou nunca quiseram escolher presidentes da comissão que lhes fizessem sombra. Exato. E muitas vezes é isso que acontece, é que temos a Merkel a falar em nome da Europa. E ela não fala em nome da Europa, ela fala em nome da Alemanha e defende os interesses
José Maria Pimentel
dos alemães. O do ICO, o do I want to talk to Europe, na verdade são mais pessoas.
Carlos Moedas
E Eu penso sempre que é importante e seria muito importante, aliás, repara, a Ursula von der Leyen era a ministra da Defesa. Eu às vezes pergunto, mas porquê que a Angela Merkel não foi a presidente da Comissão Europeia? Por exemplo, podia ter sido, era uma excelente candidata. E eu acho que, no fundo, os alemães e os franceses gostaram sempre também de jogar um bocadinho esse papel, tanto o presidente francês como a presidente, neste caso a chanceler alemã, de também play the role de chefes da Europa.
José Maria Pimentel
E não dedicarem do poder que têm. E não dedicarem
Carlos Moedas
do poder que têm. É uma verdade. Agora, o poder que eles teriam se não tivéssemos a União Europeia seria muito superior. Porque nós estaríamos praticamente dependentes do Banco Central Alemão, Porque senão haveria um Banco Central Europeu, se não tivéssemos a Europa, estaríamos muito mais dependentes. Ou seja, as pessoas não têm a noção é que num contrafactual Portugal estaria muito mais dependente dos empréstimos alemães e assim tem a defesa que está na União Europeia. Portanto, isso tem as vantagens, mas eles não deixam de ser maiores do que nós. E, portanto, as pessoas dizem, ai, mas os alemães têm muito poder na Comissão Europeia, ou os franceses, ou o que seja. É normal, eles são países maiores em escala. E, portanto, é normal. Agora, nós temos que lutar e temos que participar e temos que estar à altura e ter mais pessoas na União Europeia e contratar e enviar para lá mais jovens e ter mais atenção a isso. Também há países pequenos na União Europeia que têm bastante poder ou mais poder do que seria o tamanho deles.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Mas é justamente esse ponto, ou seja, estados mais pequenos trão sempre menos poder. Os Estados Unidos e a Califórnia têm mais poder do que o Maine. Claro. Isso é evidente. O que aqui, porventura, falta conseguir não é necessariamente o reequilíbrio de poderes, mas uma transparência em relação ao processo. Claro. E isso é que muitas vezes dá a ideia que falta, não é? Quando as negociações são intergovernamentais, ou seja, entre chefes de Estado, líderes de governo, à porta fechada. Mas é
Carlos Moedas
essa transparência que é grande a Comissão Europeia. Sim. Eu pensei que ainda há muitas negociações que são feitas dessa maneira intergovernamental em que não há essa transparência, mas a maior transparência que podemos ter é a Comissão Europeia. Viu-se agora, por exemplo, em toda a negociação do Brexit, em que a União Europeia basicamente tinha toda a negociação online disponível, documentos, transparência total e em que no Reino Unido era muito mais difícil obter essa informação e, portanto, a Comissão Europeia, nesse aspecto, acho que é das organizações mais transparentes do mundo. Aliás, eu como comissário europeu, qualquer cidadão podia pedir os meus e-mails e eu tinha que lhe enviar todos os meus e-mails. Quer dizer, a transparência era total. A Comissão Europeia é o garante dessa transparência europeia, muito mais do
José Maria Pimentel
que os países. Sim, essa transparência é maior do que às vezes parece.
Carlos Moedas
E as pessoas não o conhecem e criticam mal. Nos tratados comerciais também vi muitas vezes, ouvi muitas vezes em Portugal, dizem, ah, Estas negociações, os tratados comerciais, está tudo online. Quer dizer, todos os passos de negociação, as reuniões negociais, as atas das reuniões. Mas as pessoas diziam, são os burocratas escondidos a negociar. Não, não. O mandato está lá. Os primeiros ministros aceitaram aquele mandato, deram o mandato à Comissão Europeia, a Comissão Europeia está a negociar. E
José Maria Pimentel
tudo é transparente. E há outro aspecto que o Carlos fala no livro, isto é, nas crónicas, que é a questão das audições aos comissários europeus. Exato. Que é um escrotínio bastante maior do que existe, pelo menos em Portugal, do que
Carlos Moedas
existe em outros países. Em quase todos os países. Eu acho que há poucos países que tenham escrutínio, aliás, não acho que nenhum tenha um escrutínio com a Comissão Europeia, porque a pessoa, num país, normalmente o primeiro-ministro escolhe um ministro e no dia a seguir é ministro. Ele pode não saber nada sobre o tema. Na Europa não é bem assim. Um candidato a comissário tem que se preparar para um exame de três horas, com 300 questões, questões muito, muito, muito particulares e muito específicas daquilo que vai ser a sua responsabilidade, e se não souber responder é rejeitado, não é? E vimos isso várias vezes em vários candidatos a comissários que não passaram porque muitas vezes não tinham a qualidade técnica para passar. Portanto, esse escrutínio é muito superior ao escrutínio do país. Portanto, quando em Inglaterra muitas vezes me diziam a legitimidade de um ministro e a legitimidade de um comissário, eu dizia, desculpem, a minha legitimidade é muito superior a muitos ministros que não foram candidatos a nenhum parlamento, que não são políticos, são escolhidos e que estão ali sem qualquer escrutínio inicial.
Carlos Moedas
Isso é muito importante
Carlos Moedas
para as pessoas perceberem. Acho que é uma informação importante
José Maria Pimentel
que as pessoas valorizam. E era algo que até nós podíamos aprender a nível institucional nos países. Se nós pensarmos, é um absurdo que seja o líder do maior partido, ou em caso de coligação, o que consegue maior apoio parlamentar, e que basicamente escolhe os ministros todos, sem qualquer crivo, sem qualquer tipo de escrutínio, para além do julgamento individual da pessoa, com todas as falhas que isso tem. Agora,
Carlos Moedas
isso exige parlamentos em que os seus membros têm realmente a capacidade de se abstrair na parte política e concentrarem-se em questões técnicas. Ou seja, depois se a pessoa faz num parlamento nacional uma audição a um ministro e depois há uma guerra política que há uns que o querem derrubar e outros não e não é justo, aí torna-se muito injusto. Ou seja, as questões de um parlamento europeu numa audição a um comissário são questões muito técnicas, muito concentradas sobre o papel do comissário e depois há uma avaliação, como se fosse um exame, de a quantas perguntas respondeu bem, a quantas respondeu mal. A segunda derivada da sua questão é que os parlamentos depois têm que estar à altura disso. Os parlamentares têm que estar à altura disso. Então entrevistar um ministro a uma audição, um ministro da saúde, estão-lhe a fazer perguntas sobre saúde e sobre o plano dele. Não pode ser uma coisa só de luta política, Porque isso aí depois também tem resultados que são ao mínimo de nome de dor comum. Sim. Pois, também não.
José Maria Pimentel
Não, aliás, quando a pessoa começa a pensar em relação a isto, começa a perceber que a maior distância em relação ao eleitor do Parlamento Europeu, façam-lhe um Parlamento Nacional, não tem só desvantagens. Ou seja, a democracia representativa também vive justamente de uma delegação em relação a pessoas que são mais competentes do que nós. Com as limitações que isso tem evidentemente, não é? Mas há casos em que a proximidade do eleitor não traz necessariamente só vantagem. Esse É
Carlos Moedas
um ponto muito importante para o nosso futuro, porque o pêndulo entre dar o poder àquilo que nos representa ou queremos ser nós a fazer no mundo digital está realmente a virar e as pessoas querem participar. Então a grande questão política é, As pessoas não querem participar para votar se querem fazer uma rotunda ou se querem fazer uma estrada. Portanto, isso é a consulta pública típica em que os presidentes das câmaras dizem, ah, eu tenho aqui uma democracia participativa. Não é isso. A democracia participativa é ter as pessoas a trabalhar as soluções, a trabalhar os dossiers juntamente com os políticos. A experiência que foi feita agora em França, de uma escolha de um número de cidadãos que participaram em assembléias deliberativas, é muito interessante e é algo que vamos ter que pensar para o futuro, ou seja, os cidadãos querem realmente participar nas decisões, como é que nós vamos ter um processo em que eles possam trabalhar para essa decisão, mas também vão ter que dar do tempo deles, ou seja, as coisas não podem ser decididas em conversas de café. E portanto, vamos seguramente nos movimentar nesse pêndulo das decisões da representatividade para um misto entre aquele que é o representante, o deputado, o ministro e as pessoas que vão querer participar porque o mundo digital assim o é E não vale a pena estarmos a dizer se é bom ou se é mau, é exatamente isso. Há uma desintermediação feita através do mundo digital das pessoas que querem participar mais. Então, vamos trabalhar em conjunto, mas tem que haver realmente essa constituição, de certa forma, de pequenas assembleias deliberativas em que as pessoas estão ali a deliberar, entre elas a trabalhar os dossiers e a trabalhar as soluções. É a única maneira que eu vejo para no futuro termos uma política em que não haja esta crispação entre as pessoas e os políticos. Porque se as pessoas não participam, pensam ou têm ideia que o político não está a ser honesto, e isso é terrível, mas que o político não está a tomar decisões no interesse delas. Portanto, elas têm que participar juntamente com o político. E eu acho que isso vai ser uma das grandes transformações que vamos ver nos próximos 10 anos,
José Maria Pimentel
tem a ver exatamente com isso. Sim, interessante. Até porque as pessoas lá estão desconfiando que está longe. Claro. E depois podem ser facilmente seduzidas por quem simula uma proximidade ou quem simula representar o povo. Exatamente.
Carlos Moedas
Mas sobretudo as pessoas hoje em dia querem ser parte da solução. Eu acho que a nova geração quer um sistema de co-decisão. E esse sistema de co-decisão tem que ser inventado. Ele ainda não existe. O problema dos coletes amarelos em França é muito impressionante porque muitas daquelas reuniões, via-se que muitas daquelas pessoas não estavam ali para trazer nenhuma solução, estavam apenas com a sua revolta. E Como é que nós transformamos essa revolta em soluções? E a ideia do Macron foi realmente, eu acho, muito única, porque selecionar cidadãos, trazê-los para quase dentro do governo ou dentro dos municípios e trabalhar com eles as soluções, vai mudar as coisas. As pessoas vão perceber, primeiro perceber que os políticos não são mágicos, não têm nenhuma capacidade mágica para resolver os problemas. Os problemas são resolvidos através de trabalho, suor, dedicação. E que uma política aberta é uma política que conta com eles, que é um bocadinho o que já se vai vendo nos países nórdicos, em que muitas vezes as pessoas é engraçada em Portugal dizem assim, ah nos países nórdicos há uma proximidade muito grande entre os políticos e as pessoas, as pessoas se trataram sempre pelo primeiro nome. Eu lembro da minha colega Margaret Vestager dinamarquesa que referia isso, que em Dinamarca toda a gente se trata pelo primeiro nome, o que é muito positivo, Mas as pessoas têm respeito pelos políticos na Dinamarca. Ou seja, não é uma questão de diferença hierárquica ou de uma idolatração do político. Mas há um respeito sobre o trabalho daquela pessoa. Porquê? Porque aquela pessoa não é superior às outras, mas os outros também não são superiores a elas. E todos fazemos erros, mas todos devemos trabalhar em conjunto. E eu acho que temos que caminhar, porque senão vamos criar aqui uma divisão brutal no mundo em que as pessoas vão detestar cada vez mais a política, detestar cada vez mais os políticos, porque cada vez estão mais longe e mais separados e temos que os trazer para a decisão pública. Eu acho que se puder contribuir, quero contribuir nesse aspecto de como é que nós vamos trazer as pessoas. E não é a questão de trazer as pessoas para os partidos e fazer estudos e tudo isso obviamente é importante mas é trazer as pessoas para a governação.
José Maria Pimentel
Até por causa das redes sociais já estão próximas de uma forma ou de outra, não estão é se calhar próximas da maneira certa.
Carlos Moedas
Elas estão próximas porque podem criticar, podem acusar, podem dizer o que querem e têm até um contacto que nunca tiveram. Ou seja, hoje em dia os ministros respondem aos tweets de pessoas que eles de outra forma não teriam sequer contacto. Mas isso é apenas a discussão. O que aquelas pessoas querem, ou aquela irritação que as pessoas têm naqueles tweets, naquela zanga, é dizer, eu quero participar. Então, qual é o mecanismo que esses ministros têm para dizer, sim senhor, então o senhor quer participar, então vai participar, vamos resolver em conjunto, vamos constituir assembleias com pessoas que são cidadãos, que vão dar um dia por semana para se sentar e para trabalharmos em conjunto e para resolvermos as situações, porque senão vamos só ter isso que é a proximidade na resposta e no diálogo, a irritação, a fricção, mas cada vez mais uma separação populista, extremista, que vamos vendo. Isso é um dos, sem dúvida, para mim, um dos pontos importantes da digitalização que vamos viver da política. Sim, eu
José Maria Pimentel
por acaso confesso que não estava à espera de falar sobre isto, mas agora é apetecível, porque eu vejo aí um potencial grande até, aparentemente, paradoxalmente, não acho que seja, para os próprios partidos, porque os partidos são importantes para a democracia, mas não podem ser a única solução para a democracia. Ou por outra, a democracia não pode passar apenas pelos partidos como funciona. E no modelo português, por algumas particularidades, que vêm até do início da democracia e da maneira como foi definida, basicamente é a cúpula dos partidos que define todos os deputados e, portanto, é absolutamente centralizado. Portanto, esse modelo pode ser bastante interessante. Até quão longe é que o Carlos estaria disposto a chegar em termos disso? Ou seja, por outras palavras, quão grande seria o papel que podia ser dado aos cidadãos? Porque eu já vi várias sugestões até, algumas até fora da caixa, a esse nível de...
Carlos Moedas
Não, Eu penso que temos que não ter medo de experimentar e de testar soluções, porque nenhum político hoje pode dizer que tem a solução e que sabe qual é o método. E por isso tenho imenso respeito pelo Macron, porque ele está a testar soluções. Ele primeiro foi falar com as pessoas durante horas e horas em cada cidade francesa, em assembleias em que o atacavam e ele respondia durante seis, sete horas a falar, uma coisa quase inumana, impossível. E depois constituiu esta experiência das Assembleias Deliberativas e daqui vai tirar conclusões, não é? O que é que daqui vai retirar? Não sei se é este o método. Eu penso é que temos que nos valorizar uns aos outros. As pessoas têm que perceber melhor o papel dos políticos e os políticos têm que perceber também a angústia das pessoas de uma maneira mais direta. E para isso é preciso ir testando até chegar a um modelo certo. Não sabemos exatamente qual é esse modelo porque as instituições físicas como nós as conheciamos estão a ser digitalizadas pelo mundo que está a destruir aquilo que eram as paredes, os muros verticais dessas instituições por um mundo em rede. E daí essa rede, as pessoas conseguirem falar diretamente ao ministro. Porque está em rede. Se fosse em vertical, eles nunca mais lá chegavam. Eu costumava dizer na Comissão Europeia que tudo era digital. Mas depois chegava-me uma carta que passava por 20 pessoas até chegar a mim. Mas era um mundo linear, era o mundo antigo. No mundo em rede, a carta não precisa de passar por 20 pessoas até chegar a mim. E, portanto, as instituições ainda estão nesta angústia de passarem no mundo que já não existe, em que vão fazendo o que eu chamo o PDF, não é? As pessoas vão fazendo algo que pensam que é digital, que é apenas fazer um PDF do físico, para um mundo que terá que ser muito diferente, porque o digital funciona de uma maneira totalmente diferente. O meu amigo Philippe Aguillon, que é um grande economista francês, que está na Harvard, está a escrever um livro sobre estes temas, que vai sair em breve, e ele conta uma história que eu acho fascinante e que conta com mais detalhe do que eu conto e eu já tinha noção dela, que foi a introdução, no princípio do século XX, da eletricidade E como é que isso, o efeito que isso teve nas fábricas. E ao princípio as fábricas não estavam dispostas a introduzir eletricidade porque tinham a máquina a vapor, tinham uma estrutura basicamente que era linear com uma máquina ao fundo, rodava numas roldanas com um ferro e os motores iam trabalhando. E aqueles primeiros que instalaram a eletricidade não viram grande ganho. Porquê? Porque eles não estavam a perceber que a beleza da eletricidade era que podiam primeiro ter os fios que ligavam as máquinas, que as máquinas e os motores podiam ser mais pequenos e que não precisavam de estar lineares. Podiam ser postos através de pequenos motores em pequenos postos de trabalho. E os primeiros que conseguiram descobrir isso foram os primeiros que começaram a ter umas diferenciais mutais na produtividade, porque era isso. Ou seja, eu acho que ainda estamos nessa fase do digital, naquela fase da introdução da eletricidade. Ainda estamos a utilizar o modelo da máquina a vapor e tentamos digitalizar, mas não é isso o futuro. Ainda não sabemos bem como é que ele vai ser. O
José Maria Pimentel
futuro implica mudar o molde, não é? Implica mudar a maneira como funciona.
Carlos Moedas
Portanto, aí é que a pessoa vê que o mundo não muda apenas pela tecnologia, ou não é apenas a inovação tecnológica, mas é a inovação dos processos e a inovação do design e a inovação do sistema que faz com que isso aconteça. E, portanto, ainda estamos numa fase em que os historiadores, daqui a 100 anos, vão olhar para trás e pensar, mas como é que é possível? Por que é que eles não estavam a ver que o sistema não podia funcionar assim?
José Maria Pimentel
Sim. Às vezes é preciso um elemento externo que introduza uma descontinuidade, como foi o caso da pandemia.
Carlos Moedas
Exatamente. O caso do online, uma
José Maria Pimentel
série de coisas que a pessoa hoje em dia faz remotamente. E antigamente já era evidente que dava para fazer remotamente, mas ninguém dava esse passo, porque a fábrica estava
Carlos Moedas
toda montada para a energia a vapor, não é? No fundo, para usar essa analogia. Por outro lado, ainda estamos a utilizar o digital num fernezinho que também ainda não vai ser aquilo que o digital é. Ou seja, ainda não percebemos bem quando é que a nossa presença física é essencial e quando é que o digital é essencial. E estamos num momento confuso, obviamente até pela pandemia, em que muitas vezes deveríamos estar presencialmente e não estamos. Concordo. E outras vezes deveríamos estar digitalmente e não estamos.
José Maria Pimentel
É uma descalibração, não é?
Carlos Moedas
Exatamente. É interessante. No outro dia, de repente, a reunião da escola dos meus filhos foi digital. Que era uma maravilha, porque era uma grande chatice ter de ir à escola.
José Maria Pimentel
Eu também tive essa experiência. É
Carlos Moedas
fantástico. Mas, Por outro lado, outro tipo de reuniões, nós ao não termos a experiência física, aliás, por exemplo, estamos aqui a fazer este podcast, se tivéssemos de fazê-lo através de um zoom ou de outro tipo de tecnologia em que não estávamos presencialmente, a nossa conversa teria sido muito
José Maria Pimentel
diferente. Eu achava isso e por acaso tive boa experiência com
Carlos Moedas
o podcast. Mas eu acharia diferença. Por exemplo,
José Maria Pimentel
quando envolve muita gente, reuniões com mais do que duas pessoas e cujo tema seja aberto, como este, mas com mais gente no fundo, aí é que eu noto a maior diferença.
Carlos Moedas
Mas para Melhor ou para pior? Para
José Maria Pimentel
pior, ou seja, é muito difícil ter uma discussão aberta, uma discussão que implica interromper, que implica... Não, eu penso
Carlos Moedas
que a conversa que nós teríamos tido teria sido mais scripted, ou seja, tínhamos uns temas para falar, falávamos sobre esses temas e eu não teria lido o seu body language nem o Zé Maria ou o meu. E foi essa leitura, que é difícil de explicar porque ela é vivida, que fez que a conversa foi para um lado. E é por isso que Eu penso que esta pandemia terá como resultado que vamos valorizar muito mais a relação humana ao contrário do que se pensa. Sim, concordo completamente. Na mesma coisa, a eletricidade. Quando a eletricidade chega, o diferencial nas empresas era ter a eletricidade, Mas depois, quando já todos tinham eletricidade, o diferencial não foi a eletricidade, era como é que se fazia, o valor acrescentado dos produtos. Agora, ainda estamos num momento em que o digital está a entrar e, portanto, ainda há um diferencial, porque quem tem melhor digital, quem não tem melhor digital. Mas depois o mais importante vai ser o ser humano. Então, ao contrário do que muitos pensam, que esta revolução digital nos vai tornar menos humanos, eu acho que ela nos vai tornar mais humanos, que essa relação vai ser mais importante e menos banalizada.
José Maria Pimentel
Exato. Sim, sim, sim. O esforço, o patético entre os dois,
Carlos Moedas
poderíamos ter feito o Zoom e não havia esforço nenhum. Estava em casa, eu estava em casa. Mas se fizemos um esforço, é porque realmente queríamos ter esta experiência.
José Maria Pimentel
Eu concordo com isso. Acho bastante estranho que se diga aliás o contrário, porque parte do pressuposto que as interações que nós tínhamos antigamente eram todas elas desejadas, quando não
Carlos Moedas
eram. Claro, exatamente, não eram, do todo. E as pessoas estarem, por exemplo, diariamente no mesmo
José Maria Pimentel
espaço, por muito que gostamos as pessoas com quem trabalhamos, isso gera fadiga, não é? Portanto, É inevitável. Eu acho o digital a ponto certa para lhe pedir a recomendação em relação a uma coisa que pode ser digital ou física, que é um livro. Tenho muita curiosidade em saber o livro que vai recomendar. Olha,
Carlos Moedas
tenho vários que acho que são recomendados.
Carlos Moedas
Pode ser Mais do que um.
Carlos Moedas
Há um que eu adoro, que é um pequeno essay que se chama The Usefulness of Useless Knowledge, que é um livro que eu adoro, que é muito pequenino e que fala da importância da ciência e da importância daquilo que parece muitas vezes que é um conhecimento sem valor, mas que tem imenso valor, porque a pessoa não sabe onde é que vai. Não tem utilidade direta. Não tem utilidade. Que é um livro escrito pelo Alex Flexner, que criou o Institute of Advanced Studies em Princeton e que, a seguir à Segunda Guerra Mundial, foi a razão pela qual hoje os Estados Unidos são o que são. Porque foi a atração dos grandes cientistas europeus refugiados, como Einstein, como Lawrence, como tantos outros refugiados da Europa, que quem Flexner disse venham para aqui, façam a ciência que quiserem, façam ciência e esse instituto tornou-se, aliás ele escreve isso num livro e diz, daqui a 50 anos vamos dizer porque é que o centro da ciência do mundo vem para os Estados Unidos e não fica na Europa. Portanto ele tinha
José Maria Pimentel
essa consciência enorme. Essa frase é de uma consciência extraordinária.
Carlos Moedas
E eu penso que agora temos uma oportunidade contrária, que é puxar o centro de volta para a Europa, através exatamente da ciência, da inovação, como um polo de atração de talento que é a Europa, que é o único pelos nossos valores, pela nossa abertura, por aquilo que somos e que acreditamos e que eu acho que os grandes cientistas preferem, sem dúvida, estar numa Europa com estes valores do que noutras partes do mundo com valores muito diferentes que são, que não se condonem com a ciência. Depois o Brussels Effect da Anna Bradford, que é um livro que eu li este verão, fantástico, que fala a música, que é um livro muito interessante, que conta o poder da Europa. Vai sair um novo livro deste grande economista que é o Philippe Aguillon, mas ele ainda está a encontrar editor em Portugal, mas eu espero que ele consiga encontrar, que vai sair em vários países e que tenha a ver um bocadinho com as políticas para a inovação, para a produtividade e o que é que podemos fazer hoje para ajudar os políticos a tomarem essas medidas e que espero que saia rapidamente mas fiquem com este nome Filipe Aguion é um grande economista professor em Harvard e o que é que eu tenho estava a pensar o que é que tenho andado mais a ler Kishore Mabubani que tem vários livros sobre a Ásia e sobre a razão pela qual o centro do mundo sempre esteve na Ásia até basicamente a começo das descobertas portuguesas, até mais tarde até, mas as descobertas portuguesas seriam o turning point, mas sim até 1700, 1800 o centro ainda estaria na Ásia e porque é que esse centro se movimentou para a Europa e porque é que ele está a voltar para a Ásia, não é? O que chama a Bobani é um homem de Singapura, um grande embaixador. Já agora o que acho que vou fazer, um parênteses,
José Maria Pimentel
não sei se partir desta percepção, mas é incrível como nós na escola tínhamos pouquíssimo acesso à história. É inacreditável. É como se não existisse.
Carlos Moedas
E queria-lhe dar um último, que foi aquilo que eu falei ao princípio, que é uma breve história da Europa, do Jenkins, só estou aqui a confirmar o nome do autor, que é um livro extraordinário, que são 300 páginas, muito curto, que nos contam a história da Europa desde os primórdios, e em que sentimos no fundo o que é a nossa identidade e, ao mesmo tempo, o que foi a guerra constante. E isto veio-me porque estava a dizer no nosso ensino secundário, e eu acho que nós no ensino secundário em Portugal não falamos muito da história da Europa. Sim, para não falar nisso.
José Maria Pimentel
Exatamente. E que é um livro
Carlos Moedas
fantástico que eu depois mando aqui as referências para pôr lá no seu... Carlos, muito obrigado. Obrigado
José Maria Pimentel
eu. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Paulo Peralta, João Baltazar, Salvador Cunha, Tiago Leite, Joana Alves, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Gustavo, Filipe Caires, Gonçalo Monteiro, Nuno Costa, Miguel Marques, Rui Oliveira Gomes, Miguel Vassalo e Francisco Delgado. Até ao próximo episódio.