#93 Alice Ramos - Estereótipos, preconceito e racismo
Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar
José Maria Pimentel
Olá, meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°.
Neste episódio, a convidada é Alice Ramos, doutorada em Ciências Sociais com
especialidade em Sociologia pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa,
onde é também atualmente investigadora. A convidada tem-se dedicada a analisar o
impacto conjugado de fatores individuais e de contextos sociais em aspectos como
as atitudes face aos imigrantes e o preconceito racial. Desde 2018, a
convidada é também a Coordenadora Nacional do Inquérito Social Europeu e do
Estudo Europeu dos Valores. E foi sobretudo este último aspecto que me
fez convidá-la para o 45°. O Inquérito Social Europeu é uma sondagem
realizada a cada dois anos, desde 2001, e que tem como objetivo
avaliar as atitudes e os comportamentos de cidadãos de 24 países europeus,
entre os quais Portugal, sobre um leque muito variado de assuntos. Mas
no caso português é sobretudo uma área muito específica que traz os
resultados deste inquérito sempre para a ribalta. O nível do racismo. Porque
o inquérito indica que ele é desconfortavelmente mais elevado do que gostamos
de achar. Os resultados da versão mais recente do inquérito foram divulgados
ainda há um mês e mostram que quase dois terços dos portugueses
manifestam pelo menos uma forma de racismo e apenas cerca de 10%
da população, repito, 10%, discorda de todas as crenças racistas da maneira
como são definidas no inquérito. Como é fácil adivinhar, estes números são
como uma bomba que cai no debate público e na discussão sobre
a dimensão do racismo em Portugal, um debate antigo mas que tem
ganho tração nos últimos anos, à beleia de estudos como estes, mas
talvez mais ainda, de um ativismo crescente que vem chamando a atenção
quer para as desigualdades estruturais, quer para a legada violência policial sobre
minorias e crimes com motivações racistas. Foi isso precisamente que aconteceu no
caso recente do assassinato do ator Bruno Candé, que aconteceu numa coincidência
funesta poucos dias depois de termos gravado este episódio, sendo que neste
caso tudo indica que o preconceito racista do homicida teve no mínimo
influência no crime. Avaliar a dimensão do racismo em Portugal é evidentemente
um exercício muito complexo, até por ter várias dimensões, mas claro, a
discussão nas redes sociais rapidamente se encarrega, com a sua pulsão para
o pensamento binário e para o comportamento tribal, de politizar esta discussão
e de reduzir um debate entre dois campos antagónicos. O daqueles que
garantem, mal se conhece qualquer notícia envolvendo uma minoria, que Portugal é
um país racista, excluindo de preende-se os virtuosos autores do diagnóstico, e
o campo dos continuam cegamente a negá-lo. Por isso decidi convidar Alice
Ramos para o 45° para não só tentar compreender com a calma
que um podcast proporciona a dimensão, as expressões e sobretudo as causas
do racismo em Portugal, mas também de caminho fazê-lo como deve ser,
ou seja, a partir da base, começando por tentar compreender porquê é
que existem e como funcionam estes aspectos quase universais da psicologia humana
e da sociedade, como os estereótipos, o preconceito e os comportamentos discriminatórios.
Em relação especificamente à dimensão do racismo em Portugal, a minha intuição
era, e continua a ser, que a verdade é complexa e ainda
não a conhecemos bem. Por um lado, há hoje evidência que é
impossível ignorar de que O racismo subliminar na sociedade é maior do
que gostaríamos de admitir. E que fomos, a maioria de nós, habituados
a ser algo complacentes em relação a este racismo sutil, incentivados pela
ideia confortável do luso-tropicalismo, ou seja, de uma espécie de bondade intrínseca
à cultura portuguesa. Para além disso, é por demais evidente a enorme
desigualdade de oportunidades que continua a existir em várias minorias, vejam-se por
exemplo os estudos da Cristina Roldão sobre este tema e que é
simultaneamente consequência e causa do preconceito, num círculo vicioso que é preciso
interromper. No entanto, também me parece, e discutimos nesta conversa, que o
inquérito ao racismo lança uma rede demasiado larga sobre este tema. Uma
rede que traz da raste declarações que provavelmente, em vários casos, na
boca de quem as preferiu, não traduzem, na minha opinião, provavelmente racismo.
Acrescem a isto vários sinais, que também não é possível ignorar, de
que o preconceito racial existindo em Portugal tem cambiantes relevantes face a
outros países. Veja-se, para dar um exemplo fácil e óbvio, o facto
de a atual primeiro-ministro ter ascendência indiana e isso não o impedir
de ser dos políticos mais populares e de andar próximo da maioria
absoluta. Antes de vos deixar com a Alice Ramos, queria só esclarecer
alguns conceitos que ela usa aqui e ali e que são palavras
que usamos correntemente mas que nesta área têm um significado mais específico.
A primeira são os valores. Os valores são basicamente princípios gerais com
que orientamos a nossa vida, através dos quais vivemos o mundo, são
aquilo que nos permite distinguir, por exemplo, o que é bom e
o que é mau. Os nossos valores influenciam as nossas atitudes, que
são predisposições para agir de uma determinada forma, são avaliações sobre uma
situação específica. O preconceito, por exemplo, é uma atitude, mas também o
é a nossa opinião face, por exemplo, à legalização do aborto ou
face ao nível adequado da intervenção do Estado na economia. Finalmente, os
comportamentos são as atitudes em ação, na prática, é o que verdadeiramente
fazemos. A discriminação, lá está, É um comportamento, assim como é um
comportamento, e certo, ouvir esta conversa. Aproveito para anunciar que o 45°
vai de férias. Regressamos em meados de setembro. Até lá. Alícia, muito
bem-vinda Ao 45°. Se calhar antes de começarmos a falar de coisas
em mais detalhe, faz sentido começarmos por explicar aqui os conceitos que
vamos falar porque eu próprio ainda tenho algumas dúvidas. Se calhar pelo
menos a diferença entre estereótipo, preconceito e discriminação.
Ok. Como
é que eles comparam?
José Maria Pimentel
ajuda a agir rápido, não é? Tu vês... Identificar... Ou seja, nós,
sei lá, eu convidei-te para vires ao podcast, tu respondeste. No meio
da nossa interação nós usámos dezenas de heurísticas deste género. Sim, claro.
Através, sei lá, do nome da idade da outra pessoa, do percurso,
num monte de outras coisas, e a pessoa foi estabelecendo esses padrões.
José Maria Pimentel
Eu estava a lhe dar o sentido estereótipo mais amplo, mas para
o nosso propósito interessa mais isso. A questão que eu queria fazer
aqui, e esse exemplo do taxista é bom, porque o exemplo do
taxista é um estereótipo limitado, como todos os estereótipos, e portanto grosseiro,
mas acertado no sentido de capturar uma tendência real. Mas também há,
e esse é o lado mais interessante, há estereótipos criados com menos
adesão à realidade, que têm a ver com crenças, por ideologias ou
por... Olha, o
Alice Ramos
muito avisável. Pois é, o hábito do banho. Epá, os gajos do
norte, do norte da Europa, não tomam banho. Depois a gente diz,
lá se confirma o estereótipo, de vez em quando lá se confirma
o estereótipo. Eu fui fazer um curso de análise de dados à
Holanda e o tipo apareceu com uma camisa branca no primeiro dia
e essa camisa ao fim de uma semana estava cinzenta, mas era
a
mesma.
Isto cá seria impensável. Mas nós, com o calor que temos, habituamos-nos
a tomar banho todos os dias. Será a nossa regra, dois em
dois dias. Vem para cá, conheces um brasileiro que toma banho três
vezes por dia. Porque a realidade dele é pensar, o quê? Tu
só tomas banho uma vez por dia. Não tomar banho todos os
dias é uma coisa do pior que há. Enquanto que para nós
é o outro que deve mudar de camisa uma vez por semana.
José Maria Pimentel
E o difícil, acho eu, e depois tem a ver com o
preconceito, é a pessoa conseguir ter o discernimento, e se calhar o
discernimento não é a palavra certa, porque isso não acho que seja
completamente controlável pelo nosso consciente, mas de utilizar os benefícios dos estereótipos
enquanto teorística, que são incontornáveis e são úteis, sem criar um preconceito
a partir disso e sem generalizar a enemasia e cair naquilo que
tu aludias indiretamente há pouco no viés da confirmação, que é tu
crias uma crença e depois tudo o que não confirma aquela crença,
bem, isto é uma exceção.
É uma exceção.
E tudo o que confirma é, lá está. Está a ver. Cá
está mais um. Cá está o holandês que não tomou banho. Não
tomou
José Maria Pimentel
E em relação ao preconceito há várias maneiras de medir, que é,
entretanto, uma coisa interessante. Há a maneira explícita, que é a mais
fácil de ver, mas a menos interessante do ponto de vista da
investigação e também a mais contornável, porque, aparativamente, é que se cria
uma norma. O racismo é mau e já vamos falar do racismo,
obviamente que qualquer pessoa que esteja dentro dessa norma e que, em
muitos casos, até acha que partilha, não vai ser racista explicitamente ou
não vai ser porque não
Alice Ramos
Porque com o tempo de reação, Por exemplo, no exemplo que nós
estávamos a falar um bocadinho sobre brancos, aliás, ele não diz brancos
e negros, diz europeus e africanos. Ah é? Portanto, as fotografias aparecem
sempre, estes são europeus e estes são africanos. E aparecem fotografias de
europeus, fotografias de africanos. E depois tens que associar palavras boas e
palavras más. Inteligente, feio, manhoso, criativo.
Sim, sim, sim.
E eles dizem assim, ok, então agora tem a tecla E e
a tecla I. A tecla E vale para europeu e palavra má.
A tecla I vale para africano e palavra boa.
José Maria Pimentel
Sim, é muito giro aquilo. Está muito bem feito nesse sentido, porque
a pessoa... Se tu tiveres, lá está, esses estereótipos aqui com uma
carga valorativa mapeados e esses estereótipos, lá está, como nós estamos a
dizer nisso, isso está feito para nos fazer raciocinar rapidamente, decidir rápido.
Sobretudo em situações em que seja necessário decidir de forma rápida. Portanto,
é praticamente impossível nós conseguirmos contornar essa diferença de velocidades, essa diferença...
José Maria Pimentel
lindo o Orangotango. Claro, claro, claro. E a associação de negros a
símios, por exemplo, é um insulto corrente e que obviamente não tem
uma carga neutra. Ainda assim fazer um bocadinho de advogado do diabo
nestes testes, embora eles tenham um grande rasgo de pessoa conseguir aceder
ao consciente dessa forma, ainda assim não é completamente claro, ou pode
não ser completamente claro, se tu estás a falar de um simples
estereótipo sem uma carga valorativa ou de um preconceito em relação a
pessoas. Por exemplo, nós estávamos a falar há bocadinho em OFF ainda
da questão do branco e negro, tu dizias que eram europeus, não
europeus, ou europeus africanos. Sim, europeus africanos. Bem, nesse caso é com
caras.
É com caras.
Mas muitas vezes fala-se de expressões, por exemplo, de negrir a imagem
de alguém.
Sim, de negrir a imagem.
E diz-se que é uma expressão racial. A questão é, nós podíamos,
como de resto tudo indica que era a realidade há poucas dezenas
de milhares de anos, nós podíamos ter todos a mesma cor da
pele. Vimos
todos da África.
Vimos todos da África e ainda não tinha havido aquela mutação que
tinha criado o tom de pele mais clara. Eu acho que nós
continuaremos a ter uma metáfora com claro-escuro simplesmente porque as coisas brancas
normalmente são as limpas e as coisas... O escuro é uma proxy
para... Isso é o que nós dizemos agora. Achas que não?
José Maria Pimentel
E tu tens ideia, quer em relação ao mundo, quer em relação
a Portugal, como é que comparam os vários tipos de preconceito? Porque
aquilo eu lembro, eu na altura fiz dois testes, um acho que
era esse da europeia ou africana e o outro era, Não sei
como é que se chama, mas como homossexuais. Mas fiz esses dois
na altura. E depois havia mais, até havia algumas coisas... Ah, imenso.
Que a pessoa se pergunta... Ai, há uma discriminação. Há um preconceito
baseado nisto. Tu tens ideia dos números? Ou seja, tens ideia de
como é que comparam?
José Maria Pimentel
na mesma ordem. Eu não me admirava até que fosse superior. Já
lá vamos, porque o inquérito ao racismo é uma resposta explícita e
esta aqui é uma... Já lá vamos. Pronto, já lá vamos ao
inquérito ao racismo. Ainda só em relação a isto, eu estava a
pensar nisto a preparar o episódio e isso tem a ver com
aquilo que falávamos há bocadinho da utilidade das heurísticas. E é muito
engraçado porque se nós formos complacentes, nós podemos facilmente entrar nessa complacência
e dizer, não, eu não sou preconceituoso, não sou racista, isso não
interessa nada para mim. E depois é muito fácil fazer um tipo
de discurso que eu ouço. No outro dia falava com, não vou
dizer quem é, mas com o antigo convidado do podcast que me
falava disso, ele falava a propósito de entrevistas de trabalho e eu
dizia eu não gosto nada de ver currículos e ter coisas automáticas,
gosto de reunir com a pessoa e aí eu vejo logo se
a pessoa é boa ou má e normalmente não me arrependo. Eu
percebo perfeitamente o que ele quer dizer, ele tem processos inconscientes de
triagem de pessoas que lhe são úteis de certeza, de uma forma
ou de outra, qual é o problema? Nesses processos inconscientes, inevitavelmente também
estão preconceitos. Exatamente. Isso é que é tramado, não é? Porque nesses
processos inconscientes que ele tem e todos nós temos, há coisas muito
úteis, mas também há coisas profundamente injustas, não é? Porque estás a...
Entra uma pessoa... E de tudo.
José Maria Pimentel
Ah, claro, sim, sim, sim. Não falo nem sequer disso. Mas eu,
por exemplo, quando corrijo exames, tento normalmente fazer, às vezes não é
muito fácil de fazer, mas tentares esconder o nome, e aí nem
tens fotografia, mas mesmo o nome... Ver se é menino ou menina.
Ou o nome da pessoa... Bem, a letra não tens hipótese, porque
essa está à tua frente. Embora também possa haver aí o interesse
de ter exames feitos no computador para não criar essa discriminação, mas
a nossa mente heurística está à procura de padrões em tudo, portanto
mesmo o nome da pessoa, por exemplo, pode ter lá uma série
de padrões que tu consegues traçar inconscientemente e dizer isto tem nome
de bom aluno, isto tem nome de mau aluno.
José Maria Pimentel
Sim, sim, isso é ultra desafiante. Quer dizer, eu acho que o
desafio para a pessoa média, a pessoa normal, digamos assim, é não
ser complacente, ou seja, é ter noção de que tem preconceitos que
quer queira que quer não. E portanto, tentar resguardar-se em relação a
isso, sem também ao mesmo tempo ter a inocência de achar que
essas heurísticas não servem para nada e que pode viver sem elas,
portanto é um mundo difícil de gerir. É uma coisa um bocado
complicado.
José Maria Pimentel
perguntar isso. São as mesmas pessoas porque os preconceitos não são todos
os mesmos. Não apelam todos ao mesmo tipo de emoção, por exemplo.
E portanto tu tens preconceitos baseados no nojo, por exemplo, que são
preconceitos. Não sei se nojo é, espécie de disgusto, não sei se
essa tradução em português é nojo, mas que tem a ver com...
Repulsa. Repulsa, exatamente. Que no fundo são proxias evolutivas para doenças, não
é? Pessoas do grupo diferente que possam ser fontes de... Quer dizer,
não estás a pensar nisso, não é? Mas esse no fundo é
o... Caminho inconsciente. Tens emoções de medo, estes vêm roubar-nos o emprego
ou estes vêm tirar a ordem social, vêm estragar o equilíbrio e
tens raiva ou de ódio. Diz-diz. Ódio. De ódio que é tipo,
estes vêm-me tirar o emprego, vêm-me...
José Maria Pimentel
Eu estaria mais no medo, não é? O do criminoso. Mas, dependendo
da distinção, tu podes ter uma pessoa que seja muito preconceituosa na
primeira, portanto, de próxios de repulsa por mirantes, porque têm maneiras de
ser diferentes e têm hábitos diferentes com que não me identifico e
vão... Até pode ser uma ameaça simbólica, também já vamos a essa,
mas que não seja particularmente preconceituosa, pelo menos em teoria. A minha
curiosidade é se isso existe depois na prática ou não. Que não
seja particularmente preconceituosa em relação à emoção medo, medo de vêm roubar-nos
o emprego ou uma coisa qualquer do género. Em teoria eu sei
que há alguma investigação que estuda isso, mas não estou dentro disso
para saber, mas pelo que me pareceu que estavas a dizer há
bocadinho, na prática há uma grande correlação entre os tipos de preconceito,
ou seja, uma pessoa
José Maria Pimentel
isso faz algum sentido, eu não queria ter um drogado como vizinho.
E acho que tu também não, não é? Pronto, se calhar... Quer
dizer, coisa diferente, não é? Fazer um autosfeu, uma coisa do género,
não é? Ou seja, comparar ter um drogado como vizinho, que é
obviamente, quer dizer, uma pessoa que tem nenhuma família, é evidentemente uma
fonte de perigo real, com, tipo, não querer um homossexual como vizinho
ou um negro como vizinho são... Pá,
José Maria Pimentel
Claro, claro. Eu também estou a acrescentar aqui um juízo valorativo em
relação a vários tipos de preconceito, que não é necessariamente o objetivo
da investigação. Porque, em certo sentido, é até bom que a investigação
não faça isso. Mas aquilo que nós estamos a fazer quando vamos
de preconceitos, no fundo, são predisposições com as quais nós evoluímos, heurísticas,
que até podem ter sido úteis em algum momento e que neste
momento são injustas e desajustadas em muitas realidades da vida. E o
preconceito em relação a homossexuais, preconceito em relação a negros, por exemplo,
é um exemplo disso, em relação às mulheres ou o que for.
Quando a pessoa diz ter um drogado a viver na casa do
lado, é que se fosse um bocado drogado o diabo, é um
preconceito útil. Não é útil no sentido em dizer a pessoa eu
não vou olhar sequer para a pessoa não ponho sequer hipótese mas
é evidente que está ali no fundo. O preconceito é que
José Maria Pimentel
Mas por lá também não é justo defini-lo só por isso. Claro.
A pessoa também tem direito a ter... A ser reabilitada. Não dá
devida. Claro, claro, claro. Aqui a decisão que eu estava a tentar
fazer, se calhar o exemplo do presidiário é Bom, é que no
exemplo do presidiário é injusto defini-lo apenas por essa característica, mas é
inconcebível achar que nós vamos ignorar essa característica. No exemplo, nos dias
de hoje, o exemplo de uma pessoa homossexual, essa característica é quase
irrelevante. É irrelevante, não é? Ou seja, Para mim, ter um homossexual
como vizinho não é indiferente. É
José Maria Pimentel
exemplo. Não sejas semítico. Tempo de até ser sumítico. É impossível que
inconscientemente eu já tivesse percebido antes daquilo ter surgido na consciência, ter
emergido na consciência, mas pronto, é difícil dizer, na verdade não sei
muito bem. Mas é questão das crianças, portanto é muito giro, eu
estava a pensar nisso até a preparar este episódio. Nós socialmente vivemos
uma série de contrassensos no que diz respeito a estereótipos, porque nós
tendemos a rejeitar estereótipos e estamos sempre a usá-los, mesmo abertamente. Por
exemplo, a história dos miúdos, nós estamos sempre a dizer meninas e
meninos, não é? O rapaz vai para aí. E no outro dia
estava a circular uma fotografia da minha filha que tem um ano
e meio agora, não sei se descobriu, no Whatsapp, e alguém dizia
Ah, está mesmo com a perna mesmo a menina, não sei... A
elogiar-se! Sim, Sim. É impensável imaginar que não se vá dizer isso,
não é? Mas ao mesmo tempo é um contrassenso, não é? Porque
tu estás a elogiá-la, dizendo, ah, ela está mesmo com a ar
de menina, como quem diz, está a Corresponder ao sexo dela. Depois
como é que podes crer, depois ajusante, que isso seja uma variável
irrelevante?
Não vai ser. Ou
a da idade, por exemplo, houve-se tantas vezes a história da idade
do... Aquela ou aquele... Veste-se de uma maneira que já não é
para a idade dela. Essa, por exemplo. O que é que isso
quer dizer na prática? Ou seja, se a idade não interessa... A
Alice Ramos
aquilo é uma manifestação de racismo, que aquilo não deve... E em
vez de fingir às crianças que as coisas não existem, ou que
estão só na nossa cabeça, ou que estão só na cabeça dos
outros, das outras pessoas, é que são assim, nós não somos os
outros, é que são, é falar com eles sobre os assuntos e
expor. Portanto, eu acho que nós não ensinamos os nossos filhos a
não serem racistas, a não
José Maria Pimentel
tudo. Sim. Mas sabendo o efeito que produz, o meu ponto é
esse. Porque dizer simplesmente não há problema e pôr a coisa de
lado, como se não criasse efeito nenhum, isso obviamente é uma coisa
que não faz sentido. Pois. Crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra
apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir
diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Ainda bem que puxaste o tema
do racismo, que era um tema que eu queria falar contigo, até
por causa do caso português e do inquérito do Cordenas, do inquérito
social europeu. Exato. E aquilo aparece sempre nas notícias e gera sempre
uma grande celema.
Sempre.
De repente a pessoa vê... Se nós considerarmos todas as definições que
estão lá colocadas, há apenas pouco mais de 10% da população que
não preenche nenhuma das caixinhas do racismo. Apenas 10%, apenas 1 milhão
de pessoas não preenche nenhuma delas. Se considerarmos o racismo mais estrito,
biológico, mesmo assim, 40%... 40%. Na pergunta sobre se há grupos étnicos
ou raciais mais inteligentes, apenas 60% discordam. Há 40% que implicitamente concordam,
ou pelo menos colocam essa possibilidade, vamos dizer assim. E sobre a
crença de que há grupos étnicos ou raciais, por natureza, mais trabalhadores,
aí a percentagem ainda é mais baixa, é um terço. Então, aí
tu tens dois terços que implicitamente concordam. E tu dizias há bocadinhos,
para mim são perguntas explícitas, mas tu dizias há pouco que isto
na verdade não é puramente explícito. Porque não diz negros.
Alice Ramos
A questão é que quando eles dizem sim, são mais inteligentes, sim,
são menos trabalhadoras, não, não os quero cá, sim, tiram-me o trabalho,
percebe? Portanto, isto depois tudo... As perguntas não valem sozinhas. E o
que interessa é ver como é que elas se associam, as respostas
das pessoas se associam umas às outras. A outra da civilização, uma
das perguntas era há grupos étnicos,
José Maria Pimentel
Sim, mas em relação eu queria desafiar nessa porque é evidente que,
e eu percebo perfeitamente isso, que por um lado há esse etnocentrismo
e por outro também há a parte do racismo biológico que vai
sendo filtrado, que não é apanhado na primeira categoria, que ainda não
é apanhado na segunda, porque as pessoas percebem que eu não posso
dizer isto, e depois acaba por ser apanhado nesta rede porque a
pessoa pensa que aqui tem uma desculpa para poder dizer aquilo que
acredita, que é uma espécie de racismo subjacente. Agora, nós podemos dizer
que há culturas melhores do que outras, não vamos dizer que uma
cultura racista é igual a uma cultura não racista, ou o Talibã
se é uma cultura tão legítima como, sei lá, a cultura marroquina,
por exemplo, ou até a da Paquistão, ou dandia, ou a sitos
relativamente próximos. Portanto, a hierarquização entre culturas não é necessariamente racismo.
José Maria Pimentel
Não, eu percebo isso. O que eu quero dizer é, uma pessoa
pode responder que sim a esta pergunta. Há culturas... Culturas mais civilizadas.
Civilizadas é uma palavra que é capiciosa propositalmente. Por exemplo, há culturas
melhores do que outras. A pessoa pode responder que sim a esta
pergunta. Eu responderia que sim a esta pergunta, no geral, de que
há culturas melhores do que outras, com todas as nuances que existem
e sabendo, obviamente, que todos nós ao dizer isto estamos a incorrer
em algum tipo de etnocentrismo, porque obviamente estamos a usar o nosso
combitola, mas isso é um... E
José Maria Pimentel
O que tu dizes, E obviamente que isso é defensável neste caso,
é quando a pessoa está a pensar… Eu quando penso em cultura
estou a pensar nos talibã, nos Estados do Sul dos Estados Unidos
e nas fisiões genital feminina. Se calhar, ao invés de as pessoas
quando falarem de culturas pensam nos imigrantes, sei lá, do norte da
África que estão a entrar pelas fronteiras. Se calhar em Portugal não
tanto, que é um país cheio de imigração, mas se fores a
França quando se fala em cultura estão a pensar nos muçulmanos. Não
há hipótese. Nesse sentido, obviamente, cai uma causalidade, ou seja, cai um
preconceito por trás. E
José Maria Pimentel
Claro que sim, é evidente. No fundo isto é uma discussão quase
filosófica. Tu podes dizer se há culturas melhores do que outras, remete-te
até para o campo dos valores e do campo da ética, e
se pode haver alguma objetividade na hierarquização de culturas. Eu acho que
sim, mas mesmo isso também não te legitima tomar toda a gente
daquela cultura como se fosse... Como se fosse... Que aí entra o
estereótipo, como se correspondesse àquela norma. Que esse é o malabarismo que
é difícil fazer, estar entre as duas coisas. Mas agora, voltando atrás,
à pergunta que tu disseste que faziam muitas vezes, de porquê que
há racismo em Portugal, Isto suscita sempre um debate enorme, com pessoas
a dizer Portugal não é racista, e outras a dizer Portugal é
muito racista. Parece-me evidente que Portugal tem racismo, um, e dois, tem
mais racismo do que nós gostamos de admitir. Isso parece-me evidente. Isso,
claro. Isso não é contornável. Eu acho que a taxa de conversão
do nosso preconceito em discriminação não é tão alta como, por exemplo,
noutros países, mas não é tão baixa como se calhar nós achamos
à primeira vez. Nós pensamos. Porque depois vais ver uma série de
efeitos sistémicos, né, de subrepetícios e de... Mas é só ensino, trabalho,
uma série de coisas e... Tudo, depois vim. E sobretudo cria um
círculo vicioso. Mas antes de ir aí, respondendo a essa pergunta, tu
dirias o quê? Qual é que achas que é a agenda do
nosso racismo? Tu dizias há pouco que tem a ver com não
ser contrariada em casa. Mas de onde é que ele vem? É
José Maria Pimentel
Uma das razões porque eu acho que não se fala mais de
racismo, fala-se muito quando sai estas notícias, mas não está tanto no
debate político como devia estar, é o facto de, e isso é
uma das coisas que causam racismo, na minha opinião, já lá vou,
se tu pensares na classe média alta ou se pensares nas elites
culturais, políticas, económicas, whatever, tu encontras muito poucas pessoas que não sejam
brancas, na nossa definição de brancos, não é possível? Sim. Não tem
o aspecto de... Sim. De que nós chamamos português, de tonto de
pele. Sim,
José Maria Pimentel
universidade, colegas de universidade, por exemplo. Sim. Era uma ou duas pessoas
que em si também muitas vezes eram identificadas por isso, até esse
efeito perverso tem. E eu acho que essa é uma das coisas
que, porque até politicamente, os partidos políticos podem ter a ideologia que
tiverem e a boa vontade que tiverem, Mas lá não há procura
de votos, é assim que funciona a democracia, com as suas qualidades
e defeitos. Se as pessoas que participam no debate da sociedade civil
são 99, 9% brancas, mesmo que algumas delas tenham
preocupações... E homens.
E homens, agora sim. Mesmo que algumas delas tenham preocupações em relação
à discriminação racial, dificilmente vai corresponder ao peso que isso tem na
população, que também não se sabe, é aquele problema de nós não
termos
José Maria Pimentel
quem foi. Mas, pronto, eu diria, não sei qual é o número
que tu achas, mas afrodescendentes, seria 200 mil pessoas, 300 mil, uma
coisa por aí, não faço ideia. A minha explicação provisória para o
racismo em Portugal passa por duas coisas que estão relacionadas. Primeiro tem
que ver com desigualdade de acesso ao ensino, ou seja, o que
acontece é que tu tens, se fores, lá está, tu não consegues
fazer isto, mas tu medires o grau de escolaridade média da população
afrodescendente, tenho a certeza que é inferior ao do resto da população.
E isso por desigualdades de acesso ao ensino. E, portanto, gera pessoas
menos qualificadas e, portanto, tu, com trabalhos menos qualificados, tu vais mapear
intuitivamente o resto da sociedade dessa forma. Claro, Estás marcado
José Maria Pimentel
brasileiro está nos restaurantes, exatamente. Isso gera duas coisas, acho eu, que
eram os dois fatores que eu falava. Por um lado, gera uma
segregação natural que faz com que o nosso cérebro crie esse padrão.
Criamos esse padrão, quer queres, queres não. Qualquer pessoa criou esse padrão.
E depois gera também, ao gerar pessoas menos... Esta é um bocadinho
mais dura de dizer, mas isto é evidentemente verdade. Ou seja, se
tu tens menos oportunidades de ensino, tu vais gerar pessoas menos qualificadas,
menos educadas. Por exemplo, eu estava a pensar numa história, quando estava
a preparar este programa. Uma vez estava a falar com um... Vou
tentar dizer isto de uma maneira genérica, mas estava a falar com
um tipo que fez umas obras e eu estava a lhe mostrar
uma coisa mal feita e ele dizia, desculpe lá, mas isto é
mesmo coisa à preto. E eu fiquei, sou como se fosse... Desculpa,
é que o homem tem de acordo com ele e não sei
o quê. E ele disse, desculpe lá, não é para ser racista,
mas é mesmo assim. E a pessoa vê isto logo e... Eu
percebo que ele tem aquele estereótipo, porque provavelmente dos empregados que ele
tem, os afrodescendentes têm menos acesso à educação e portanto são menos
educados, se quiseres, não é? Portanto têm menos ferramentas intelectuais para gerir.
Não por qualquer diferença genética, obviamente, mas porque tiveram menos acesso ao
ensino. E ele, quer dizer, pessoas menos sofisticadas, se nós quisermos, ou
com menos preocupações nesse sentido, facilmente se prendem àquele estereótipo. Tipo, está-se
nas tintas, aquilo é... O que interessa é aquilo que responde à
realidade que ele vive, não é? Eu acho que há muito do
racismo. E
Alice Ramos
Não sei, no público, no expresso, assim, num jornal... Não sei se
era no Correio da Manhã, se calhar era, não me lembro, mas
era. Era um indiano, uma negra, uma cega, negra e um cigano.
Portanto, ele via... É um tipo que tinha de facto origem cigana,
ascendência cigana. E estas categorias. O problema não é elas existirem, o
problema é quando elas servem para definir as pessoas e para caracterizar
as pessoas e serem a coisa mais importante que se tem a
dizer sobre essas pessoas. Claro, claro. Portanto, isto é possível.
José Maria Pimentel
E em relação à... Tu estavas a falar dos ciganos. Eu acho
que por acaso há uma diferença apesar de tudo o que é
preciso fazer. A comunidade cigana tem problemas, por exemplo, de casamentos feitos,
programados, as meninas obrigadas a casar. Ou seja, há ali um problema
que tem que ser resolvido. Não é resolvido a André Ventura, não
é dizer, são todos assim, são todos iguais, não sei o quê.
Mas ignorar o problema também parece que pode ser perigoso, porque depois
alimenta juventura, justamente, não é? Enquanto, por exemplo, um dos paradoxos do
racismo em relação aos negros é que ao contrário do que existe,
por exemplo, para mim, pelo menos ao contrário do que existe, sei
lá, em França com os muçulmanos, que falámos há bocadinho, que existem
diferenças culturais. Em Portugal eu não acho que existem diferenças culturais. Ou
seja, eu acho que a maioria da população afro-ascendente que nós temos
veio na altura do 25 de Abril, se não me engano, ou
pouco antes disso, mas veio nessa altura. Sim, vieram muitos. Portanto, nem
é muito antiga, mas há diferenças culturais, não me parece. Quer dizer,
todos nós, certo ou errado, nós temos mais ou menos as mesmas
práticas culturais. Sim, as mesmas
práticas culturais,
sim. Temos valores, portanto não há, como é que eu dizer, aquela
teoria, nós não falámos disso, mas a questão da ameaça simbólica, não
é? Atribuir
José Maria Pimentel
Sim, mas depois tu estás a ver isso desse ponto de vista.
Eu estou a pensar também que é um puzzle. Este racismo existe
independentemente da sua dimensão, mas claramente existe. A minha explicação é que
ele tem muito a ver com aqueles fatores que eu sugeri. Porque
tu estás a dizer que as vezes culturais são legitimadoras, mas também
são... Quer dizer, a causalidade vai nos dois sentidos, porque também alimentam,
ou seja, as pessoas não reagem da mesma forma a um tipo
de imigração que é vista como partilhando a nossa cultura e outro
tipo de imigração que é vista como não partilhando. Depois, obviamente, que
isso também serve do outro lado para justificar uma aversão que já
existia a priori. Sim. Mas as duas coisas existem. E, por exemplo,
em Portugal, portanto, tem vários puzzles, porque fazendo aqui um bocadinho de
advogado do diabo a história do António Costa, não é? Isto é
o que muitas vezes as pessoas dizem quando acontregar esta tese. Se
o país é racista, como é que o primeiro-ministro é descendente de
goezes?
Alice Ramos
Só pode ser uma gaja. Exato. O trânsito é tudo. Pois não
é. Sim. O trânsito... Mas isso... Todos nós... Quer dizer, não. O
trânsito é um... Aliás, há filmes sobre isso, não é?
Ah, é?
Ah, eu lembro-me de ver, pá, não sei se é... Esse é
um filme francês,
que
é exatamente sobre o tráfico e como é que as pessoas se
comportam quando estão dentro dos carros a ir para o trabalho, no
trânsito e vê diferentes tipos de pessoas desde a miúda que está
a pintar, a ir, ou a mãe que vai com os filhos
ou tipo engravatado e tudo aquilo se passa dentro dos carros e
no
José Maria Pimentel
convém ouvir coisas muito exigentes. 45 euros está mais ou menos no
limiar da exigência. Vou ouvir naturalmente. Mas o que é que eu
te queria... Ah, em relação ainda ao racismo em Portugal. Em relação
a António Costa, curiosamente eu lembro-me de ouvir há muitos anos, muitos
anos mesmo, se lá para aí há 10, 15 anos, lembro-me de
ouvir dizer que ele tinha ambições de primeiro-ministro e que ele não
era aceito no PS porque as pessoas achavam que ele não era
elegível. Tem sido alguém do PS que comentou com alguém, com alguém,
não sei o quê. Mas pronto, o ponto aqui é, isso não
mostra que não há racismo em Portugal, mas não deixa de ser
uma coisa boa o facto de a maioria das pessoas nem sequer
pensarem nisso, não estarem a pensar se ele tem ascendência indiana ou
não tem ascendência indiana. Eu acho que a maior parte das pessoas,
se calhar pensam mais do que eu acho, mas não...
José Maria Pimentel
E sabes que há uma coisa gira, eu acho que foi feito
um... Isto é um bocado politicamente incorreto de dizer, mas eu acho
que foi feito um retrocesso. Na democracia foi de certa forma feito
um retrocesso, porque tu, como Estado Novo, estava ligado àquela ideia de
Portugal colonial, de que Portugal se estendia a todo lado, e no
retorno eu estava a ouvir um podcast sobre isso, eles tinham o
incentivo para tentar, de certa forma, fabricar, mas tentar mostrar uma espécie
de comunidade multiétnica. E portanto, tu tinhas várias pessoas de ascendência africana,
afrodescendentes, que tu tinhas fazendo parte das elites no sentido lá. Não
estou a falar sequer do Eusébio que era jogador de futebol, mas
tinhas pessoas conhecidas que faziam parte, foram deputados à Assembleia, não sei
se alguns chegaram a ser ministro, não tenho a certeza. Curiosamente, hoje
em dia estás pior, acho eu, do que estavas na altura, por
causa daquilo que nós falámos há pouco. Hoje em dia não temos...
Bem, hoje temos duas deputadas negras, sabe o erro? Tinhas antes disso
aquele tipo do CDS, mas não tens mais ninguém? O Narana? Não,
o Narana, que eu souro. Mas o Narana que eu souro é
indiano. Eu estava a falar
José Maria Pimentel
dizer. LDR qualquer coisa, do CDS, que acho que já não é.
Agora tens a Joacim Catar-Moré e tens uma deputada do Bloco, mas
não tens mais ninguém. E durante muito tempo não tiveste ninguém, não
é? E se foresse às universidades tiveste pouca gente, se foresse às
empresas tiveste pouca gente. Aquilo que falávamos há bocadinho. Portanto, é curioso
como, de certa forma, quer dizer, é um bocado uma vergonha, não
é? A pessoa olhar e pensar na ditadura. Eu não sei se
isto é objetivo, não é?
José Maria Pimentel
Uma coisa que eu estava a pensar em relação a isto, não
sei se já foi feita essa investigação, mas seria uma maneira interessante
de tentar distinguir, isso também surge muitas vezes no debate, o que
é que é efeito de preconceito racializante e o que é que
é efeito de desigualdade de oportunidades. E de tentares, por exemplo, medir
o acesso, por exemplo, tanto à educação como ao emprego, de pessoas
de bairros, definir determinados bairros e dizer, Estas pessoas têm uma característica
distintiva que permite serem racializadas, porque têm a pele mais escura, mas
depois há estas pessoas que vivem no mesmo bairro, com as mesmas
oportunidades, nas mesmas escolas, mas têm o aspecto dos outros portugueses, digamos
assim, e tentar comparar, isso seria um exercício muito giro, tentar comparar
e tentar perceber se há uma diferença, se há diferença estatisticamente significativa,
porque a ser, à partida, é por discriminação, não é?
José Maria Pimentel
uma pessoa, essa é uma coisa que também surge muitas vezes no
meu debate, uma pessoa mais defensora da questão económica, dir-te não há
muita diferença entre um pobre branco e um pobre negro. Pobre é
pobre, antes de tudo é pobre. Eu não sei se é ou
não. Na verdade eu gostava de ver alguma investigação sobre isso. Porque,
por exemplo, esta coisa da ausência quase da classe média alta e
do trabalho. Eu lembro de uma pessoa, de uma diretora de recursos
humanos de uma empresa, que há muitos anos estava a comentar comigo.
Aquela era uma multinacional e, portanto, é como sempre acontecem estas regras
de fora de tentar criar diversidade. E ela dizia assim, senhor, diversidade.
Então vou tentar contratar pessoas que não tenham este aspecto de... Eu
não sei como é que se define, tenho sempre medo de usar
a palavra errada, não é caucasiana mas português branco. Não tenho este
aspecto dito normal. E tentou, não recebeu nenhum clico. Não conseguiu. Porque
não há pessoas, exatamente. Porque
José Maria Pimentel
isto não faz prova, mas ela não conseguiu. Não foi sequer ter
uma pessoa que não tinha qualificações. Não teve ninguém, não teve uma
única pessoa a aparecer porque nas universidades, aquilo foi mandado para as
universidades, estas coisas tipo um estágio, houve de facto muita gente a
candidatar-se, mas como nas universidades estudantes de não sei o que é
que seria, dos licitores que alimentavam aquela área, ninguém se candidatou. Ou
seja, deveria haver pouca gente, Não sabemos, não é? Ou não havia
ou depois elas próprias não se candidataram.
Alice Ramos
emprego, da segurança social, de tudo o que tem a ver, e
a simbólica mais para a cultura. E durante muito tempo o que
a investigação estudava era de que maneira a ameaça era ela uma
explicação do preconceito, ou seja, as pessoas têm preconceitos relativamente aos outros
porque se
sentem ameaçadas. O que num desses papers se mostrou é que exatamente
a ameaça é uma justificação, portanto em termos estatísticos é um mediador
entre o preconceito e a discriminação. Portanto, é o próprio preconceito que
faz com que as pessoas utilizem justificações como eles vêm para cá
e tiram-me o trabalho, eles abusam da segurança social, eles fazem aumentar
o crime. Ao dizer isto, Eu estou-me a sentir bem, eu não
estou a pôr em causa os valores democráticos da igualdade, enquanto que
se eu for racista estou a
José Maria Pimentel
acho que a ameaça, por exemplo, eu acho que o racismo em
Portugal nunca saberemos quão forte ele é até o dia em que
surja uma ameaça de 16 anos, esperemos que não surja, não é?
Mas, ou seja, o que eu quero dizer é, no dia em
que surgisse uma ameaça, fosse ela simbólica ou realista, no dia em
que essa ameaça surgisse é que nós perceberíamos quanto deste racismo basal,
subjacente, ia aderir a essa placa agregadora. Ou não, ou se calhar
já existe essa ameaça e eu não sei.
José Maria Pimentel
e 70. Claro, claro, ou seja, espera aí, espera, tu podes dizer
que a ameaça é muito exagerada mas que ainda assim tem alguma
adusão à realidade, não tem de ter necessariamente, mas lá nos Estados
Unidos a versão em relação aos imigrantes hispânicos e não sei o
que que vão roubar os empregos. Claro que aquilo é uma coisa
muito simplista porque na verdade esses empregos estão a aparecer muito mais
por automação ou por importações de coisas que passam a ser feitas
na China, por exemplo, do que propriamente por estarem a ser roubados
por... Sim. Mas as pessoas veem de facto mexicanos a entrar e
há de haver... Ou seja, aquele efeito existe. Ele é insuflado numa
ameaça que tem alguma adesão a uma ameaça real, mas que está
insuflada em dimensão. Mas pode não ser assim em alguns casos. Sim,
mas por exemplo,
José Maria Pimentel
a contribuir. Até porque
têm medo de irem embora. Porque têm a
obrigação de contribuir. Esse é um bom exemplo de um estereótipo, um
preconceito com o que ocasiona a realidade. Aliás, toda a gente diz
isso, não sei se já comentaram isto contigo, mas pessoas que têm
casas arrendadas, por exemplo, dizem sempre, arrendar-se um imigrante é ótimo, é
um estereótipo quase positivo depois da pessoa na prática. Porque, como tu
dizias, Essas pessoas tendem a ser ultra certas porque têm medo de
ir embora, enquanto um português está a vontade. Lei pro tesmo, quero
lá saber. Exato. E portanto acaba por... Esse é particularmente curioso porque
é ao contrário. Eu queria-te perguntar uma coisa que não chegámos a
falar há bocadinho, em relação ao inquérito ainda. Às variáveis explicativas das
respostas que houve, ou seja, porquê que as pessoas que se revelaram
racistas revelaram-se porquê e as que não se revelaram revelaram-se porquê? O
que eu apanhei nas notícias, uma variável com poder explicativo grande é
a questão da idade, ou seja, pessoas mais velhas tendem a mostrar-se
mais racistas aqui. Isso acontece porquê na tua
Alice Ramos
calhar não passavam. E uma das dos exemplos que nós temos para
a educação é que quando as perguntas são muito explícitas a educação
tem um efeito enorme. Quando as perguntas são menos explícitas o efeito
da educação desaparece. E é uma coisa que eu costumo dizer é,
eu não sei se a educação elimina o efeito, ou seja, as
pessoas serem educadas deixam de ser racistas ou se as pessoas educadas
passam a saber que não podem ser racistas. E, portanto, aprendem a
camuflar, aprendem a identificar quais são as opiniões que devem ou não
devem preferir, porque eles podem identificar como ou não racistas e, pronto,
se chamando isto da desejabilidade social que é a vontade que eu
tenho de, pronto, agradar
ao outro e ir
de acordo com a norma. Os mais velhos, quer por educação, quer
porque já estão mais velhos, a gente até diz que os mais
velhos perdem o filtro, que ficam com mais crianças, dizem o que
lhes apetece. Também
José Maria Pimentel
Quer dizer, as características de personalidade, todas elas têm trade-offs. Essa baixa
abertura à experiência tem várias coisas que são úteis a uma pessoa
que seja assim na vida, não é? Porque não se dispersa, será
mais focada, tende a agir mais rapidamente, mas, por exemplo, no que
toca a preconceitos, tem uma correlação com... Correlação, não é causalidade, obviamente,
mas
Alice Ramos
E não havia, mesmo. Eu morava com a minha mãe por cima,
por baixo de nós, morava o filho do Marcelo Caetano. E Eu
lembro-me que uma ou duas vezes fui lá à casa.
Sim.
E lembro-me de ficar muito espantada, porque ele tinha... E, pá, isto
marcou-me de tal maneira que eu ainda me lembro disto, que era
um desenho grande, pá, um quadro assim do tamanho deste, do pai,
Marcelo Caetano, vestido... Só me faz lembrar a história da estátua do
António Padre Vieira. De fato, não sei o quê, com um pretinho
no plamão.
É sério?
E eles tinham aquilo ali. E eu, na minha ingenuidade e ignorância
de criança, só dizia, mas porquê? E não consegui. Quando eu comecei
a estudar e a ver e a ter experiência de vida e
comecei a juntar os pontos percebi que aquilo é a manifestação de
racismo mais aberta que uma pessoa pode pôr na parede.
José Maria Pimentel
com... Sim, as pessoas que lá tiveram, não sei o quê, sim,
sim, sim. Não, exatamente, exatamente. Ou seja, é difícil destrinçar esses dois
efeitos, não é? O efeito mais velho, menos aberto, mas... E a
geração. E o efeito geracional. Sim,
José Maria Pimentel
depois tem outro efeito que eu não sei se é, imagino que
já tenha sido estudado, que é uma coisa é a personalidade, outra
coisa é a inteligência, ou seja, o que é ir da pessoa.
Os estereótipos são nos úteis precisamente por facilitarem a vida. E eu
creio que já li isto a alguns e faz algum sentido, não
é que quanto mais capacidade cognitiva a pessoa tiver, mais capacidade tem
para não estereotipar. Ou seja, para ter uma visão mais fina, se
tu quiseres, da realidade. Enquanto que se tu fosse uma pessoa um
bocado mais limitada intelectualmente, tu tenderás a usar mais estereótipos. Eu
José Maria Pimentel
Mas uma lógica aqui a existir até era mais no contrário, mais
no sentido de uma pessoa com menos cabeça e até menos instruído
e isso também te faz ser mais heurístico, se calhar, ser mais
estereotipante, mais... Aquele comentário nós... Vou fazer um estereótipo, atenção, mas vou
fazer um metastereótipo naquele comentário dos espanhóis, ou espanholas, os franceses. De
quem é que a pessoa normalmente ouve isso? Nem sempre, mas normalmente
ouve de pessoas com menos claridade. Digo eu, pelo menos pode ser
um estereótipo errado.
José Maria Pimentel
quero. Talvez, ou talvez em termos...
Portanto, deve haver.
Eu achei que ias falar até de outras experiências que têm a
ver com a ativação dessas etiquetas, que também é outro fenómeno giro.
Ou seja, todos nós temos, por exemplo, nós que circulamos pela Europa
temos uma espécie de estigma de sermos portugueses. Não, um estigma enorme.
Mas se fomos para a Europa Central nós temos uma noção de
que há uma decalage entre Portugal e... Se
formos para a Europa de
Leste já será ao contrário, ou se fomos para, sei lá, para
a América Latina ou para a África já será ao contrário. Mas
para a Europa Central claramente. E nós temos esse estigma. E portanto,
se um de nós for fazer um exame, não estou a dizer
eu e tu necessariamente, mas em média, e nos perguntarem alguma coisa
antes do exame que ativa a nossa nacionalidade, nós em média, vamos
ter a pior nota. Que é muito giro. Sim. Algumas experiências fatais
com isso, já não sei. Acho que tem a ver com a
questão... Mas A própria
José Maria Pimentel
Desculpa interromper-te, mas nós falámos aqui da questão da cor da pele,
etnia, mas há discriminações mais leves, acho eu admissivelmente, mas que... Nós
quando começamos a pensar em discriminações há um sem fim, não é?
E há, sei lá, as pessoas mais altas são beneficiadas, porque nós
também temos uma heurística que favorece as pessoas mais bonitas, como dizes
há pouco. Em Portugal, por exemplo, existe claramente uma discriminação contra a
norma de sotaque centralizado, não é? Não é bem Lisboeta, mas vem
da norma Lisboeta e, portanto, alguém que venha com sotaque beirão a
falar, lá, deixa aí, mas é óbvio que não. Se Eu vejo
uma pessoa a falar assim, quer queiramos que é, não estou a
dizer nem a orientou-se especificamente, se calhar sim, mas claramente existe essa
normatividade, portanto, também nesses casos tu tens preconceito.
Alice Ramos
o arranjas é categorias que diferenciem. E nós desde pequeninos que aprendemos
a... Para arrumar a cabeça, para ser mais fácil viver, arrumar em
caixinhas e depois, quer dizer, que é este processo de categorização, que
é onde tudo começa, processo de categorização e depois vem um processo
de diferenciação, quer dizer, sim senhor, estas categorias existem, mas elas não
são todas iguais, elas são diferentes. No passo seguinte dizes, ok, elas
para além de serem diferentes, há uma hierarquia, há umas que são
melhores do que outras e depois para além disso, para além de
serem melhores do que outras, há uma questão de essencialização, que é,
tu não
Alice Ramos
Portuguese irregular verbs. E, portanto, tem referências, é, para um lado a
gozar com uma coisa que é super desinteressante. Quem é que se
interessa por verbos irregulares portugueses? Quer dizer, ninguém. Nem nós quase. Nem
nós. Para nós isso é um problema,
não
é? Exato. É motivo de interesse. E depois as situações, o Hilariante,
a história toda começa porque é um tipo que diz, ah eu
não quero ir aos Estados Unidos, eu conto só o início, só
para deixar o interesse para ler o livro. E ele diz, não,
não, eu não sei, isso passa-se em Inglaterra, eu não vou para
os Estados Unidos porque eu sou um professor inglês e, portanto, eu
estou aqui. Até ao momento em que ele sabe que um tipo
mais novo do que ele foi convidado para ir aos Estados Unidos
e ele aí diz, não pode ser, aquele tipo não pode ir
aos Estados Unidos antes de mim. E então ele vai ao departamento
das Regulações Internacionais, lá da faculdade dele, e diz, arrangem, se faz
favor, um colóquio, uma coisa qualquer, nos Estados Unidos, para eu ir
falar, mas tem que ser nos próximos 15 dias, tem que ser
antes dele. As gajas fazem isto e não sei o que, e
assim, a senhora arranja lá um sítio para ele ir fazer uma
comunicação. E eles chegam e convidam-no a ver estábulos, quintas, e ele
acha aquilo tudo muito picturesco, acha tudo muito interessante, mas não percebe
muito bem Se ele vai fazer uma talk sobre verbos irregulares portugueses,
porquê é que lhes estão a mostrar porcos e porquê é que
lhes estão a mostrar cães e porquê é que lhes estão... E
depois levam-no para uma sala onde ele vai fazer a sua preleção
e tem 10 minutos para falar sobre cães-salsicha. Porquê? Porque enganaram-se no
nome e em vez de ser o Eaglefeld estavam a convidar o
Eaglefold. E o Eaglefold é um conhecido veterinário especializado em cães-salsicha. Isto
começa aqui e depois o desenrolar de peripécias desde uma caixa que
ele tem que guardar com os ossos do pai natal, com as
ossadas do pai natal que acabam se preencher comidas também para um
cão salsicha. O livro é muito divertido.
Engraçado.
O outro é de uma triologia do Italo Calvino que é o
Visconde Cortado ao Meio. E é uma triologia que é o Visconde
Cortado ao Meio, o Barão Trepador e o Cavaleiro Inexistente. Tu
José Maria Pimentel
não, estou a ver aqui. Sim, isso deve ter muita piada. Agora
lembraste-me de uma coisa que não tem nada a ver com isso.
Há um livro, não sei se já apanhaste isso, há um livro
que é uma espécie de mini-dicionário que foi publicado no século 18
ou 19 e que andou a circular pela Europa, de um tipo
que não prestou nada de inglês, um português e que ninguém sabe
bem quem era e que fez um dicionário, uma espécie de dicionário
português-inglês com tudo estropiado, tudo trocado, as traduções. Então ele inventou aquilo
tudo e andou a circular pela Europa. Acho que até o Mark
Twain escreveu sobre aquilo, porque tornou-se uma coisa de gozo. Eu tenho
até, depois comprei aquilo na Amazon, que é muito pequenino, mas não
faz sentido nenhum. Aquilo são palavras inventadas.
José Maria Pimentel
Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para
o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários
benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente,
podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais
plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus
é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia
e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a
Paulo Peralta, Eduardo Corrêa de Mato, João Baltazar, Rui Oliveira Gomes, Salvador
Cunha, Tiago Leite, Joana Faria Alves, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela,
Gustavo e Gonçalo Machado Monteiro. Até o próximo episódio.