#93 Alice Ramos - Estereótipos, preconceito e racismo

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José Maria Pimentel
Olá, meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Neste episódio, a convidada é Alice Ramos, doutorada em Ciências Sociais com especialidade em Sociologia pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, onde é também atualmente investigadora. A convidada tem-se dedicada a analisar o impacto conjugado de fatores individuais e de contextos sociais em aspectos como as atitudes face aos imigrantes e o preconceito racial. Desde 2018, a convidada é também a Coordenadora Nacional do Inquérito Social Europeu e do Estudo Europeu dos Valores. E foi sobretudo este último aspecto que me fez convidá-la para o 45°. O Inquérito Social Europeu é uma sondagem realizada a cada dois anos, desde 2001, e que tem como objetivo avaliar as atitudes e os comportamentos de cidadãos de 24 países europeus, entre os quais Portugal, sobre um leque muito variado de assuntos. Mas no caso português é sobretudo uma área muito específica que traz os resultados deste inquérito sempre para a ribalta. O nível do racismo. Porque o inquérito indica que ele é desconfortavelmente mais elevado do que gostamos de achar. Os resultados da versão mais recente do inquérito foram divulgados ainda há um mês e mostram que quase dois terços dos portugueses manifestam pelo menos uma forma de racismo e apenas cerca de 10% da população, repito, 10%, discorda de todas as crenças racistas da maneira como são definidas no inquérito. Como é fácil adivinhar, estes números são como uma bomba que cai no debate público e na discussão sobre a dimensão do racismo em Portugal, um debate antigo mas que tem ganho tração nos últimos anos, à beleia de estudos como estes, mas talvez mais ainda, de um ativismo crescente que vem chamando a atenção quer para as desigualdades estruturais, quer para a legada violência policial sobre minorias e crimes com motivações racistas. Foi isso precisamente que aconteceu no caso recente do assassinato do ator Bruno Candé, que aconteceu numa coincidência funesta poucos dias depois de termos gravado este episódio, sendo que neste caso tudo indica que o preconceito racista do homicida teve no mínimo influência no crime. Avaliar a dimensão do racismo em Portugal é evidentemente um exercício muito complexo, até por ter várias dimensões, mas claro, a discussão nas redes sociais rapidamente se encarrega, com a sua pulsão para o pensamento binário e para o comportamento tribal, de politizar esta discussão e de reduzir um debate entre dois campos antagónicos. O daqueles que garantem, mal se conhece qualquer notícia envolvendo uma minoria, que Portugal é um país racista, excluindo de preende-se os virtuosos autores do diagnóstico, e o campo dos continuam cegamente a negá-lo. Por isso decidi convidar Alice Ramos para o 45° para não só tentar compreender com a calma que um podcast proporciona a dimensão, as expressões e sobretudo as causas do racismo em Portugal, mas também de caminho fazê-lo como deve ser, ou seja, a partir da base, começando por tentar compreender porquê é que existem e como funcionam estes aspectos quase universais da psicologia humana e da sociedade, como os estereótipos, o preconceito e os comportamentos discriminatórios. Em relação especificamente à dimensão do racismo em Portugal, a minha intuição era, e continua a ser, que a verdade é complexa e ainda não a conhecemos bem. Por um lado, há hoje evidência que é impossível ignorar de que O racismo subliminar na sociedade é maior do que gostaríamos de admitir. E que fomos, a maioria de nós, habituados a ser algo complacentes em relação a este racismo sutil, incentivados pela ideia confortável do luso-tropicalismo, ou seja, de uma espécie de bondade intrínseca à cultura portuguesa. Para além disso, é por demais evidente a enorme desigualdade de oportunidades que continua a existir em várias minorias, vejam-se por exemplo os estudos da Cristina Roldão sobre este tema e que é simultaneamente consequência e causa do preconceito, num círculo vicioso que é preciso interromper. No entanto, também me parece, e discutimos nesta conversa, que o inquérito ao racismo lança uma rede demasiado larga sobre este tema. Uma rede que traz da raste declarações que provavelmente, em vários casos, na boca de quem as preferiu, não traduzem, na minha opinião, provavelmente racismo. Acrescem a isto vários sinais, que também não é possível ignorar, de que o preconceito racial existindo em Portugal tem cambiantes relevantes face a outros países. Veja-se, para dar um exemplo fácil e óbvio, o facto de a atual primeiro-ministro ter ascendência indiana e isso não o impedir de ser dos políticos mais populares e de andar próximo da maioria absoluta. Antes de vos deixar com a Alice Ramos, queria só esclarecer alguns conceitos que ela usa aqui e ali e que são palavras que usamos correntemente mas que nesta área têm um significado mais específico. A primeira são os valores. Os valores são basicamente princípios gerais com que orientamos a nossa vida, através dos quais vivemos o mundo, são aquilo que nos permite distinguir, por exemplo, o que é bom e o que é mau. Os nossos valores influenciam as nossas atitudes, que são predisposições para agir de uma determinada forma, são avaliações sobre uma situação específica. O preconceito, por exemplo, é uma atitude, mas também o é a nossa opinião face, por exemplo, à legalização do aborto ou face ao nível adequado da intervenção do Estado na economia. Finalmente, os comportamentos são as atitudes em ação, na prática, é o que verdadeiramente fazemos. A discriminação, lá está, É um comportamento, assim como é um comportamento, e certo, ouvir esta conversa. Aproveito para anunciar que o 45° vai de férias. Regressamos em meados de setembro. Até lá. Alícia, muito bem-vinda Ao 45°. Se calhar antes de começarmos a falar de coisas em mais detalhe, faz sentido começarmos por explicar aqui os conceitos que vamos falar porque eu próprio ainda tenho algumas dúvidas. Se calhar pelo menos a diferença entre estereótipo, preconceito e discriminação. Ok. Como é que eles comparam?
Alice Ramos
No fundo estão relacionados. Portanto, os estereótipos são traços que nós atribuímos às pessoas sem as conhecer. As louras são burras, é um estereótipo. Os alentejanos são preguiçosos, é um estereótipo. Atribuímos traços às pessoas por características que elas têm sem sequer as conhecermos. O preconceito é atribuirmos traços negativos às pessoas. É um estereótipo Negativo. E todas as atitudes preconceituosas, porque são atitudes, não são comportamentos, a discriminação é o preconceito em prática. É de facto tratar de maneira diferente as pessoas com base em ideias pré-concebidas que eu tenho delas, às vezes baseadas elas também em estereótipos. Pronto. Portanto
José Maria Pimentel
é... Muitas vezes ou sempre? Essa era uma dúvida que eu tinha. Sempre.
Alice Ramos
Sim. Se é um pré-conceito
José Maria Pimentel
tem que ser baseado... O estereótipo no fundo é uma generalização, não é? Nós dizermos a partir de informação parcial, dizemos isto é tudo assim e portanto qualquer pessoa que tenha esta característica, seja ela qual for, é quase uma explicação univarial para o mundo. Estou a dizer, dividindo o mundo entre a e b, as pessoas são desta cor. E aplica-se
Alice Ramos
a tudo, quer dizer, aplica-se a pessoas, aplica-se aos cães, olha, todos os pitbulls são
José Maria Pimentel
perigosos. Até se aplicar à natureza, não é? Claro. Aí não cria problemas, não é? Mas esse é o lado curioso, de certa forma, esse idioso da coisa, é o facto de os estereótipos, ou aquilo que dá... A heurística que constitui o estereótipo é uma heurística que não evoluiu por acaso e que é útil num monte de coisas. Ou seja, sem as quais nós não funcionaríamos
Alice Ramos
no mundo. Claro, ajuda-nos a classificar, ajuda-nos a arrumar a cabeça. E
José Maria Pimentel
ajuda a agir rápido, não é? Tu vês... Identificar... Ou seja, nós, sei lá, eu convidei-te para vires ao podcast, tu respondeste. No meio da nossa interação nós usámos dezenas de heurísticas deste género. Sim, claro. Através, sei lá, do nome da idade da outra pessoa, do percurso, num monte de outras coisas, e a pessoa foi estabelecendo esses padrões.
Alice Ramos
Vai construindo uma imagem do outro e reagir e criar a sua interação com essa pessoa. E
José Maria Pimentel
o problema é que a pessoa não tem noção disso. E depois também me parece que qualquer estereótipo é grosseiro, por fazer essa generalização.
Alice Ramos
Claro, porque não é fino.
José Maria Pimentel
Exatamente, isso Não há hipótese. Mas depois tu podes ter, acho eu, estereótipos que são grosseiros, mas acertados no sentido em que aquilo que responde à média, portanto não está enviasado, sei lá, Os miúdos sabem menos do que os adultos. É um estereótipo acertado no sentido em que em média os miúdos sabem menos do que os adultos. Embora seja grosseiro.
Alice Ramos
Não é bem um estereótipo porque não é um traço de caráter. Mas eu, por exemplo, dizer todos os taxistas são fogareiros, no sentido que são maus condutores, quer dizer, são
José Maria Pimentel
um porco consumal no trânsito.
Alice Ramos
Isto é um comportamento. Portanto, eu estou a atribuir um comportamento generalizado só porque é taxista. Conversa de taxista. Não
José Maria Pimentel
é um bom exemplo, exatamente, ou seja, a conversa de taxista existe. Portanto, o estereótipo é acertado no
Alice Ramos
sentido em que captura
José Maria Pimentel
uma tendência, embora seja grosseiro, porque coitados, há muitos taxistas que não fazem conversa de taxista.
Alice Ramos
É um traço de caráter, ou um traço de personalidade. Enquanto que uma criança saber menos do que um adulto é um traço de desenvolvimento.
José Maria Pimentel
Eu estava a lhe dar o sentido estereótipo mais amplo, mas para o nosso propósito interessa mais isso. A questão que eu queria fazer aqui, e esse exemplo do taxista é bom, porque o exemplo do taxista é um estereótipo limitado, como todos os estereótipos, e portanto grosseiro, mas acertado no sentido de capturar uma tendência real. Mas também há, e esse é o lado mais interessante, há estereótipos criados com menos adesão à realidade, que têm a ver com crenças, por ideologias ou por... Olha, o
Alice Ramos
simples facto de os portugueses são assim, os alemães são assados, já nem é um grupo de pessoas... Não cola com a realidade? Mas já é uma... Ah, sim! É tão grande? Um grupo, Os alemães são todos
José Maria Pimentel
sortinhos. Eram os franceses.
Alice Ramos
O problema da França é os franceses. Tiveste azar na vida que encontraste mal os franceses. Mas conseguimos até atribuir estereótipos a um conjunto de milhões de pessoas.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Sim, essas...
Alice Ramos
As espanholas! Exato! Não,
José Maria Pimentel
e essa pessoa foi no outro dia e estava a ouvir isso e estava a pensar, que estupidez! Não é que não haja diferenças culturais, mas uma coisa tão generalista para países com milhões de pessoas é
Alice Ramos
muito avisável. Pois é, o hábito do banho. Epá, os gajos do norte, do norte da Europa, não tomam banho. Depois a gente diz, lá se confirma o estereótipo, de vez em quando lá se confirma o estereótipo. Eu fui fazer um curso de análise de dados à Holanda e o tipo apareceu com uma camisa branca no primeiro dia e essa camisa ao fim de uma semana estava cinzenta, mas era a mesma. Isto cá seria impensável. Mas nós, com o calor que temos, habituamos-nos a tomar banho todos os dias. Será a nossa regra, dois em dois dias. Vem para cá, conheces um brasileiro que toma banho três vezes por dia. Porque a realidade dele é pensar, o quê? Tu só tomas banho uma vez por dia. Não tomar banho todos os dias é uma coisa do pior que há. Enquanto que para nós é o outro que deve mudar de camisa uma vez por semana.
José Maria Pimentel
Mas espera, deixa-me só fazer uma distinção. Tu agora estás a remeter para outra coisa que é o juízo valorativo que nós fazemos com o estereótipo, é dizer, isto é melhor ou pior do que eu faço. Mas isso é independente da validade do estereótipo. Pode ser um estereótipo, sim, claro. Esse estereótipo da preocupação com a higiene, embora seja ultra grosseiro, a verdade é que corresponde à experiência de... Corresponde
Alice Ramos
à experiência de...
José Maria Pimentel
Sim. Justamente na Holanda, eu estudei lá e lembro de uma coisa, que nós reparávamos todos que era estar... Mas isto não era só com holandeses, isto era com pessoas de vários países. Nós estávamos à mesa daqueles jantares de grupo, na residência, e de repente começávamos a olhar todos uns para os outros e começámos a dizer os guardanapos. E tínhamos que ir correr à casa de banho buscar papel higiênico porque ninguém tinha ocorrido os guardanapos. Esse no fundo é o problema. Mas
Alice Ramos
não é só na Holanda. Eu tenho uma amiga que foi viver para Londres e que diz desabituei-me de usar o guardanapo. E eu perguntei-me, mas como é que fazes para limpar a mão? E a Inglaterra. Mas isto são, o estereótipo, pronto, depois pode ser um bocadinho mais complicado. Isto são coisas divertidas.
José Maria Pimentel
E o difícil, acho eu, e depois tem a ver com o preconceito, é a pessoa conseguir ter o discernimento, e se calhar o discernimento não é a palavra certa, porque isso não acho que seja completamente controlável pelo nosso consciente, mas de utilizar os benefícios dos estereótipos enquanto teorística, que são incontornáveis e são úteis, sem criar um preconceito a partir disso e sem generalizar a enemasia e cair naquilo que tu aludias indiretamente há pouco no viés da confirmação, que é tu crias uma crença e depois tudo o que não confirma aquela crença, bem, isto é uma exceção. É uma exceção. E tudo o que confirma é, lá está. Está a ver. Cá está mais um. Cá está o holandês que não tomou banho. Não tomou
Alice Ramos
banho. E o preconceito é isso. O preconceito é um estereótipo negativo. É uma avaliação negativa das pessoas. Não é uma avaliação positiva.
José Maria Pimentel
É sempre negativo. É um preconceito. E tem uma componente emocional, não é? Tem
Alice Ramos
uma componente emocional no sentido daquilo que eu gosto e que eu não gosto.
José Maria Pimentel
Sim, claro, ou seja, há uma série de estereótipos que são neutros, ou até positivos, não é?
Alice Ramos
Há estereótipos positivos, sim.
José Maria Pimentel
Muitas vezes até são o simétrico do
Alice Ramos
negativo. Sim, o estereótipo pode ser positivo, dizer que, exatamente, que os alentejanos são mais limpos
José Maria Pimentel
do que as pessoas do Norte. Muitas vezes a pessoa até vê na televisão, a pessoa diz, ah, és do alentejano, ah, eu adoro o alentejano. Na verdade aquilo é tão estereotipado quanto o teste a lente de género. Claro, os estereótipos
Alice Ramos
podem ser negativos, podem ser positivos. O preconceito é uma avaliação negativa.
José Maria Pimentel
E em relação ao preconceito há várias maneiras de medir, que é, entretanto, uma coisa interessante. Há a maneira explícita, que é a mais fácil de ver, mas a menos interessante do ponto de vista da investigação e também a mais contornável, porque, aparativamente, é que se cria uma norma. O racismo é mau e já vamos falar do racismo, obviamente que qualquer pessoa que esteja dentro dessa norma e que, em muitos casos, até acha que partilha, não vai ser racista explicitamente ou não vai ser porque não
Alice Ramos
se encontra explicitamente. Vai evitar.
José Maria Pimentel
Exatamente. Mas depois tens maneiras implícitas de ver, que é muito giro. Uma delas é aquela questão do Implicit association test, não é?
Alice Ramos
Do IAT. Sim.
José Maria Pimentel
Que é uma ideia genial. Não sei quem se lembrou daquilo, mas é uma ideia... Pois.
Alice Ramos
Eu devia saber, mas não sei. Isto é só... Lá estou eu, não é para vos justificar. Até parece que me estou a justificar, mas eu venho da Sociologia e caí na
José Maria Pimentel
Psicologia Social. E fiz um percurso interessante nesse sentido.
Alice Ramos
E principalmente apaixonei-me pelos métodos que a Psicologia Social me dava para trabalhar aquilo que eu gostava e que na Sociologia eu não encontrava.
José Maria Pimentel
E as duas áreas estão muito próximas. Embora não sejam a mesma coisa. Estão muito próximas.
Alice Ramos
São duas maneiras de olhar e, como tudo, se calhar olhar de dois lados há vantagens. E a psicologia deu-me o foco quantitativo e de análise de dados e de teste, que na psicologia ainda não era, porque a nossa sociologia ainda era muito, na altura em que eu fiz sociologia, era muito de tradição francesa
José Maria Pimentel
argumentativa.
Alice Ramos
Isto para dizer o quê? Que eu conheço algumas teorias da psicologia e principalmente da psicologia social, mas o meu background teórico não está todo aí. Não sei quem é que...
José Maria Pimentel
Ah, sim, mas isso não interessa para o caso.
Alice Ramos
Agora, a ideia de nós termos comportamentos automáticos inconscientes é extraordinário, de facto. E agora, como é que se luta contra isto?
José Maria Pimentel
O que nós temos comportamentos inconscientes era uma coisa que acho que sabia há muito tempo, mas o teste está feito de uma maneira... Já agora se quiser explicar como é que vai explicar melhor do que eu, a maneira como o teste funciona, porque é uma ideia genial de facto, porque no fundo o que tu queres fazer é conseguir aceder ao inconsciente, ou seja, detectar preconceitos que a pessoa não seja capaz de evitar exprimir.
Alice Ramos
Porque com o tempo de reação, Por exemplo, no exemplo que nós estávamos a falar um bocadinho sobre brancos, aliás, ele não diz brancos e negros, diz europeus e africanos. Ah é? Portanto, as fotografias aparecem sempre, estes são europeus e estes são africanos. E aparecem fotografias de europeus, fotografias de africanos. E depois tens que associar palavras boas e palavras más. Inteligente, feio, manhoso, criativo. Sim, sim, sim. E eles dizem assim, ok, então agora tem a tecla E e a tecla I. A tecla E vale para europeu e palavra má. A tecla I vale para africano e palavra boa.
José Maria Pimentel
E agora carrega
Alice Ramos
quando vir uma palavra boa, uma palavra má, ou associar, e depois troca. E depois troca de mãos. E depois troca de associação. Exatamente para testar todas as combinações possíveis.
José Maria Pimentel
Com base no tempo de reação, não é?
Alice Ramos
E o tempo de reação é que nos vai dizer onde é que está o nosso preconceito. E o que é interessante é ver que quando o alvo é branco, se eu sou branca, sendo eu branco, o alvo é branco, eu levo mais tempo a fazer a avaliação do que se o alvo for negro. Portanto, Uma pessoa relativamente à qual eu não tenho preconceito merece mais atenção do que uma pessoa relativamente à qual eu tenho preconceito. Por isso eu vou pensar melhor ao ver uma cara branca se vou dizer que é bom ou se vou dizer que é mau.
José Maria Pimentel
Sim, é muito giro aquilo. Está muito bem feito nesse sentido, porque a pessoa... Se tu tiveres, lá está, esses estereótipos aqui com uma carga valorativa mapeados e esses estereótipos, lá está, como nós estamos a dizer nisso, isso está feito para nos fazer raciocinar rapidamente, decidir rápido. Sobretudo em situações em que seja necessário decidir de forma rápida. Portanto, é praticamente impossível nós conseguirmos contornar essa diferença de velocidades, essa diferença...
Alice Ramos
Sim, não consegues. E se a outra que é o eye track, em que estás a olhar para um ecrã e o que eles medem é para onde é que o teu olhar se dirige. Ah, ok. E portanto, para onde o teu olhar se dirige mostra o que é que tu estás a evitar ou o que é que tu estás a prestar mais atenção. E aí também se consegue medir preconceito. E há várias maneiras de fazer isso, por exemplo, há
José Maria Pimentel
outra que é... Departamentos cardíacos também, há uma série de coisas... Mas diz-me, desculpa.
Alice Ramos
Esse não sei. Mas atribuir traços animais a brancos e a negros. E as pessoas atribuem mais traços animais a negros do que a brancos.
José Maria Pimentel
Infra-humanização, não é?
Alice Ramos
Às vezes as pessoas nem fazem isso. De propósito, é dizer que os negros são mais ágeis, que correm melhor, que dançam melhor, portanto que são mais
José Maria Pimentel
gazelas. Ou seja, podem ser coisas positivas, queres tu dizer? Aparentemente
Alice Ramos
são coisas positivas. Agora, vais usar características que usas para os animais para descrever uma pessoa.
José Maria Pimentel
Bem, mas isso nós fazemos com toda a gente. Aquele tipo é uma águia. Que é esperto. Sim, sim. Que é esperto. Nós fazemos isso.
Alice Ramos
Sim, mas a águia é um animal nobre.
José Maria Pimentel
Sim, há poucas, há poucas, há poucas classificações, há poucas comparações com animais que sejam abonatórios. Lobo, às vezes também funciona, mas não há muito mais. Tudo o resto é negativo, é uma cobra, um cabelo. Pois as
Alice Ramos
mulheres são felinas, porque é aquele ar misterioso. Quer dizer, a comparação, olha, a comparação que já não sei quem é que fez com a Van Doonand, que ela era parecida com a Orangotango. Pois
José Maria Pimentel
foi, já não sei quem foi.
Alice Ramos
Não me lembro quem foi, mas saem-se coisas destas, que é evidente que não é para dizer, olha, que
José Maria Pimentel
lindo o Orangotango. Claro, claro, claro. E a associação de negros a símios, por exemplo, é um insulto corrente e que obviamente não tem uma carga neutra. Ainda assim fazer um bocadinho de advogado do diabo nestes testes, embora eles tenham um grande rasgo de pessoa conseguir aceder ao consciente dessa forma, ainda assim não é completamente claro, ou pode não ser completamente claro, se tu estás a falar de um simples estereótipo sem uma carga valorativa ou de um preconceito em relação a pessoas. Por exemplo, nós estávamos a falar há bocadinho em OFF ainda da questão do branco e negro, tu dizias que eram europeus, não europeus, ou europeus africanos. Sim, europeus africanos. Bem, nesse caso é com caras. É com caras. Mas muitas vezes fala-se de expressões, por exemplo, de negrir a imagem de alguém. Sim, de negrir a imagem. E diz-se que é uma expressão racial. A questão é, nós podíamos, como de resto tudo indica que era a realidade há poucas dezenas de milhares de anos, nós podíamos ter todos a mesma cor da pele. Vimos todos da África. Vimos todos da África e ainda não tinha havido aquela mutação que tinha criado o tom de pele mais clara. Eu acho que nós continuaremos a ter uma metáfora com claro-escuro simplesmente porque as coisas brancas normalmente são as limpas e as coisas... O escuro é uma proxy para... Isso é o que nós dizemos agora. Achas que não?
Alice Ramos
Porque é que não havia de ser o escuro limpo e o branco?
José Maria Pimentel
Isso foi um... Mas na natureza, Na natureza, o branco é uma ótima proxy para limpo, independentemente da cor da pele, porque a nossa pele não é branca.
Alice Ramos
Claro, nós temos cor.
José Maria Pimentel
Mas o branco é em qualquer sítio. Na natureza, o branco é uma excelente proxy para isto estar limpo ou não estar limpo. Para nós humanos, criámos essa associação. O
Alice Ramos
branco é o limpo. Achas
José Maria Pimentel
que não teríamos criado essa associação sem...
Alice Ramos
Sei lá, não sei, mas acho que podíamos não ter criado essa associação. A camisa
José Maria Pimentel
do outro holandês, não é? Porque é que tu viste que não estava limpo? Estava a meia acinzentada. Porque para nós o branco é o limpo. Sim, mas mesmo que não houvesse diferentes cores de pele, a camisa do holandês tivesse aquela pele que tivesse... Todos tínhamos a pele, sei lá, meio da África, não é? Portanto, escura. Todos, em todo o mundo, desde a Islândia até a África do Sul. E já tínhamos inventado a camisa. Camisas usadas muito tempo tendem a ficar mais escuras.
Alice Ramos
Tendem a perder a brancura.
José Maria Pimentel
Mas é uma questão, eu não quero dizer que com isto é evidente que, por exemplo, neste caso quando comparas com caras a IGE já se torna muito difícil e independentemente destas nuances que se possa colocar nas conclusões, claramente aquilo toca em coisas que nós não gostamos de admitir e que muitas vezes estão lá que éramos nós que queramos que não, não é? E depois a visão complacente de dizer, ah não, talvez, mas eu não
Alice Ramos
faço nada a consequência disso. A questão é quando não é só uma pessoa que responde assim. Ah, claro, exato. É quando tu vês que há muita gente a responder da mesma maneira. Portanto, e confirmas esta associação.
José Maria Pimentel
E tu tens ideia, quer em relação ao mundo, quer em relação a Portugal, como é que comparam os vários tipos de preconceito? Porque aquilo eu lembro, eu na altura fiz dois testes, um acho que era esse da europeia ou africana e o outro era, Não sei como é que se chama, mas como homossexuais. Mas fiz esses dois na altura. E depois havia mais, até havia algumas coisas... Ah, imenso. Que a pessoa se pergunta... Ai, há uma discriminação. Há um preconceito baseado nisto. Tu tens ideia dos números? Ou seja, tens ideia de como é que comparam?
Alice Ramos
Não, mas a ideia que tenho, comparam, provavelmente é criada uma escala que tem a ver com tempos médios de reação. Mas o que é muito interessante é que nós já comparámos respostas dos nossos inquéritos à escala do racismo.
José Maria Pimentel
Sim, já lá vamos.
Alice Ramos
Ao IAT e as porcentagens são muito próximas. Portanto,
José Maria Pimentel
os valores são próximos. De portugueses, não é? De pessoas de Portugal que tenham respondido. Engraçado.
Alice Ramos
Não é igual igual, mas são valores
José Maria Pimentel
na mesma ordem. Eu não me admirava até que fosse superior. Já lá vamos, porque o inquérito ao racismo é uma resposta explícita e esta aqui é uma... Já lá vamos. Pronto, já lá vamos ao inquérito ao racismo. Ainda só em relação a isto, eu estava a pensar nisto a preparar o episódio e isso tem a ver com aquilo que falávamos há bocadinho da utilidade das heurísticas. E é muito engraçado porque se nós formos complacentes, nós podemos facilmente entrar nessa complacência e dizer, não, eu não sou preconceituoso, não sou racista, isso não interessa nada para mim. E depois é muito fácil fazer um tipo de discurso que eu ouço. No outro dia falava com, não vou dizer quem é, mas com o antigo convidado do podcast que me falava disso, ele falava a propósito de entrevistas de trabalho e eu dizia eu não gosto nada de ver currículos e ter coisas automáticas, gosto de reunir com a pessoa e aí eu vejo logo se a pessoa é boa ou má e normalmente não me arrependo. Eu percebo perfeitamente o que ele quer dizer, ele tem processos inconscientes de triagem de pessoas que lhe são úteis de certeza, de uma forma ou de outra, qual é o problema? Nesses processos inconscientes, inevitavelmente também estão preconceitos. Exatamente. Isso é que é tramado, não é? Porque nesses processos inconscientes que ele tem e todos nós temos, há coisas muito úteis, mas também há coisas profundamente injustas, não é? Porque estás a... Entra uma pessoa... E de tudo.
Alice Ramos
E não, e em casa de ferreiros pé de pau. Acontece-me isso e depois castigo-me. Mas é assim, imagina, tenho que selecionar pessoas para entrevistadores. E imagina que o currículo vem sem fotografia e eu começo a ler aquilo e vejo, epá, este deixa-me cá ver a cara.
José Maria Pimentel
Sim, exato. Aquela curiosidade. Aquela
Alice Ramos
curiosidade e depois... Depois não dá para esquecer. A reação é diferente se a cara agrada ou se a cara não agrada.
José Maria Pimentel
E depois não sabes porquê que agradou.
Alice Ramos
Não sabes porquê que agradou, ou se calhar até sabes. Até identificas. Até dizes, tem um ar de sonça.
José Maria Pimentel
Olha que sonça.
Alice Ramos
O gajo tem 60 anos. Enquanto estivemos só a ler, estivemos num processo mais objetivo. Quando quero ver a cara da pessoa, para ver o que se bate a bota com a perdigota. Então aí já começa a fazer, a puxar do estereótipo.
José Maria Pimentel
Claro, que giro.
Alice Ramos
E portanto evito, mas às vezes a curiosidade é mais forte do que a razão.
José Maria Pimentel
E porque tu sentes intuitivamente e com alguma razão, o problema é esse, que aquilo te é útil. Claro, até
Alice Ramos
porque melhora tu trabalhar com uma pessoa que visualmente te é agradável.
José Maria Pimentel
Ah, claro, sim, sim, sim. Não falo nem sequer disso. Mas eu, por exemplo, quando corrijo exames, tento normalmente fazer, às vezes não é muito fácil de fazer, mas tentares esconder o nome, e aí nem tens fotografia, mas mesmo o nome... Ver se é menino ou menina. Ou o nome da pessoa... Bem, a letra não tens hipótese, porque essa está à tua frente. Embora também possa haver aí o interesse de ter exames feitos no computador para não criar essa discriminação, mas a nossa mente heurística está à procura de padrões em tudo, portanto mesmo o nome da pessoa, por exemplo, pode ter lá uma série de padrões que tu consegues traçar inconscientemente e dizer isto tem nome de bom aluno, isto tem nome de mau aluno.
Alice Ramos
Este é filho de não sei quem.
José Maria Pimentel
Exato, diz assim, estou em Portugal. Portanto, é muito fácil isso acontecer.
Alice Ramos
São grandes ratueiras.
José Maria Pimentel
Sim, sim, isso é ultra desafiante. Quer dizer, eu acho que o desafio para a pessoa média, a pessoa normal, digamos assim, é não ser complacente, ou seja, é ter noção de que tem preconceitos que quer queira que quer não. E portanto, tentar resguardar-se em relação a isso, sem também ao mesmo tempo ter a inocência de achar que essas heurísticas não servem para nada e que pode viver sem elas, portanto é um mundo difícil de gerir. É uma coisa um bocado complicado.
Alice Ramos
Principalmente, ou pelo menos, tentar identificá-las, percebê-las e combatê-las individualmente.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Eu ia falar de outro teste, isto é, de outra proxy que vocês usam, Esta até mais da área da Sociologia, para medir o preconceito, que é a questão da distância social, que é outra muito engenhosa. Que é tomar como proxy para os preconceitos que existem o facto de as pessoas viverem distantes de pessoas diferentes delas. É uma espécie de segregação natural. Sim.
Alice Ramos
As pessoas que eu não quero que vivam ao pé de mim. E quanto mais desenvolvo ou não gosto daquele grupo de pessoas, porque ainda por cima nós não estamos a dizer o Manel que é cigano, não, estamos a dizer ciganos. Não estou a dizer a Maria que é lésbica e vive com uma mulher, Não, estou a dizer lésbicas em geral. Portanto, estou a atribuir, lá está. Sim, sim. Estou a tomar o grupo e a dizer que aquele grupo tem aquelas características. Há um que é interessantíssimo nessa escala que é as famílias numerosas. Não querer viver perto de uma família numerosa. Porque naturalmente uma família numerosa é barulhenta. Deve ser isso. Curioso.
José Maria Pimentel
Ou são as famílias numerosas que não querem viver ao pé dos outros.
Alice Ramos
Pois se calhar também, mas aqui não sabemos. Seria interessante ver das pessoas que estão a responder quando se é que têm uma família numerosa.
José Maria Pimentel
Sim, essa não estava à espera.
Alice Ramos
O que é que se encontra aqui? O que é interessante também é ver que se encontra um padrão. As pessoas que dizem que não querem viver com negros ou com imigrantes, a gente nunca diz negros, com imigrantes também São as pessoas que não querem viver com homossexuais, são as pessoas que não querem viver com alcoólicos, com toxicodependentes. Ah, mas eu ia-te
José Maria Pimentel
perguntar isso. São as mesmas pessoas porque os preconceitos não são todos os mesmos. Não apelam todos ao mesmo tipo de emoção, por exemplo. E portanto tu tens preconceitos baseados no nojo, por exemplo, que são preconceitos. Não sei se nojo é, espécie de disgusto, não sei se essa tradução em português é nojo, mas que tem a ver com... Repulsa. Repulsa, exatamente. Que no fundo são proxias evolutivas para doenças, não é? Pessoas do grupo diferente que possam ser fontes de... Quer dizer, não estás a pensar nisso, não é? Mas esse no fundo é o... Caminho inconsciente. Tens emoções de medo, estes vêm roubar-nos o emprego ou estes vêm tirar a ordem social, vêm estragar o equilíbrio e tens raiva ou de ódio. Diz-diz. Ódio. De ódio que é tipo, estes vêm-me tirar o emprego, vêm-me...
Alice Ramos
Ou é criminoso, vem matar, vem violar as ninas...
José Maria Pimentel
Eu estaria mais no medo, não é? O do criminoso. Mas, dependendo da distinção, tu podes ter uma pessoa que seja muito preconceituosa na primeira, portanto, de próxios de repulsa por mirantes, porque têm maneiras de ser diferentes e têm hábitos diferentes com que não me identifico e vão... Até pode ser uma ameaça simbólica, também já vamos a essa, mas que não seja particularmente preconceituosa, pelo menos em teoria. A minha curiosidade é se isso existe depois na prática ou não. Que não seja particularmente preconceituosa em relação à emoção medo, medo de vêm roubar-nos o emprego ou uma coisa qualquer do género. Em teoria eu sei que há alguma investigação que estuda isso, mas não estou dentro disso para saber, mas pelo que me pareceu que estavas a dizer há bocadinho, na prática há uma grande correlação entre os tipos de preconceito, ou seja, uma pessoa
Alice Ramos
que é preconceituada... Entre alguns tipos de preconceito e outros. Uma coisa é as características individuais, por exemplo, o ser cigano, o ser imigrante. Porque? Porque quando a pessoa... Em Portugal houve imigrante, veio um negro, não veio um alemão. Sim. Na cabeça da pessoa, quando eu falo em imigrante a imagem... Claro,
José Maria Pimentel
sim. Até porque quando vejo no telejornal falar de imigrantes não é um contingente alemão.
Alice Ramos
Exatamente. Não é... Exato. Homossexuais... Portanto, há uma parte que tem a ver com... Por acaso, aqui estou a dizer mal porque eu acho que os homossexuais estavam do lado dos comportamentos.
José Maria Pimentel
Portanto, há... E lá da repulsa, por exemplo, falando das emoções.
Alice Ramos
Os conceitos que têm a ver... As pessoas que são contra ou que não gostam, não é serem contra, que não gostam das pessoas porque elas têm determinados comportamentos e as pessoas que não gostam de outras porque pertencem a determinado grupo, porque são diferentes de mim. E se encontra, se eu encontro, quer dizer, está mais que estudado que as pessoas que são preconceituosas relativamente aos nicos, são preconceituosas relativamente aos homossexuais, são preconceituosas relativamente às mulheres, são preconceituosas relativamente a tudo o
José Maria Pimentel
que é. Ok.
Alice Ramos
Minoria, diferente. Ou
José Maria Pimentel
seja, há uma correlação grande. É. E entre, por exemplo, esses dois tipos de preconceito, O preconceito, aquilo que tu és e o preconceito, os hábitos que
Alice Ramos
tens. Há quem lhe chame o síndrome do preconceito. Porque é todo um quadro mental que te faz rejeitar aquilo que tu não conheces e que de alguma maneira pode ameaçar a tua identidade, o teu mundo, o teu equilíbrio, o teu bem-estar. Mas, Justina,
José Maria Pimentel
quando tu falas de preconceito em relação a hábitos, por exemplo, eu lembro que nos papeiros que tu me enviaste falava-se de drogados, alcoólicos, não sei... O que é que isso quer dizer na prática? Ou seja, nenhum de nós achou que eu gostava de ser drogada e portanto todos nós temos uma espécie de preconceito em relação ao hábito da pessoa se drogar, vemos-no como uma coisa negativa, não é? Mas o que tu estás a falar parece-me que não é bem isso.
Alice Ramos
Não, eu não quero que eles vivam perto de mim. Ok. Não os quero ter como vizinhos. Mas
José Maria Pimentel
isso faz algum sentido, eu não queria ter um drogado como vizinho. E acho que tu também não, não é? Pronto, se calhar... Quer dizer, coisa diferente, não é? Fazer um autosfeu, uma coisa do género, não é? Ou seja, comparar ter um drogado como vizinho, que é obviamente, quer dizer, uma pessoa que tem nenhuma família, é evidentemente uma fonte de perigo real, com, tipo, não querer um homossexual como vizinho ou um negro como vizinho são... Pá,
Alice Ramos
sabes lá se o homossexual não é drogado também? Não, claro! O que eu quero dizer é, um dos
José Maria Pimentel
problemas do preconceito contra a homossexualidade, e acho que também é por isso que ele, pelo menos à superfície, diminuiu tanto nas últimas décadas, é o princípio do dano. Não é que não faz dano nenhum. O homossexual não faz mal a... Faz
Alice Ramos
o mesmo dano que outra pessoa qualquer. Faz dano simbólico, não é? Faz o mesmo dano que outra pessoa qualquer. Agora, se fosse assim tão fácil na cabeça das pessoas... Ah,
José Maria Pimentel
não estou a dizer que é, atenção. As pessoas
Alice Ramos
também, quando se diz, então isso o seu filho...
José Maria Pimentel
Claro, claro, claro. Se
Alice Ramos
revelasse homossexual, isso incomodava. Aqui é esta distância social, é manter afastado de mim aquilo que eu não quero, aquilo que eu rejeito. E isso é uma maneira indireta de medir preconceito.
José Maria Pimentel
Sim, é uma excelente maneira, na verdade.
Alice Ramos
Porque é evidente que ninguém vai perguntar maneiras diretas.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Eu também estou a acrescentar aqui um juízo valorativo em relação a vários tipos de preconceito, que não é necessariamente o objetivo da investigação. Porque, em certo sentido, é até bom que a investigação não faça isso. Mas aquilo que nós estamos a fazer quando vamos de preconceitos, no fundo, são predisposições com as quais nós evoluímos, heurísticas, que até podem ter sido úteis em algum momento e que neste momento são injustas e desajustadas em muitas realidades da vida. E o preconceito em relação a homossexuais, preconceito em relação a negros, por exemplo, é um exemplo disso, em relação às mulheres ou o que for. Quando a pessoa diz ter um drogado a viver na casa do lado, é que se fosse um bocado drogado o diabo, é um preconceito útil. Não é útil no sentido em dizer a pessoa eu não vou olhar sequer para a pessoa não ponho sequer hipótese mas é evidente que está ali no fundo. O preconceito é que
Alice Ramos
tu estás a dizer todos os toxicodependentes e qual é a imagem que tu tens do toxicodependente o gajo do casal ventoso as pessoas deixam de ser pessoas e passam a ser toxicodependentes e o preconceito é isso é a pessoa o indivíduo desaparece aquela pessoa
José Maria Pimentel
desaparece não me interessa saber
Alice Ramos
porque é que ele é toxicodependente Não me interessa saber se já se tentou tratar, se não. Não me interessa saber o que é que ele sofre. Toma-lo
José Maria Pimentel
pela aquela única característica.
Alice Ramos
Aquela característica define o todo. E é evidente, a resposta não é sim ou não. Não, por acaso naquele caso é, a pessoa tem que escolher. Por isso também este tipo de perguntas é mal ser feito assim, quando tu só tens duas hipóteses de resposta. O ideal é sempre ter uma escala para tu poderes gradar a tua atitude relativamente a essa pessoa. E se calhar as pessoas podem dizer, não, tenho a certeza que não queria viver com um criminoso ao pé de mim, ou um ex-presidiário. Tenho a certeza que não. Relativamente a um toxicodependente, podes ter uma atitude mais entre o não sei ou depende.
José Maria Pimentel
O ex-presidiário, na verdade, tem um exemplo melhor. Como
Alice Ramos
ex-presidiário, quem fez uma, faz duas, faz três e vai ser sempre um criminoso.
José Maria Pimentel
Mas por lá também não é justo defini-lo só por isso. Claro. A pessoa também tem direito a ter... A ser reabilitada. Não dá devida. Claro, claro, claro. Aqui a decisão que eu estava a tentar fazer, se calhar o exemplo do presidiário é Bom, é que no exemplo do presidiário é injusto defini-lo apenas por essa característica, mas é inconcebível achar que nós vamos ignorar essa característica. No exemplo, nos dias de hoje, o exemplo de uma pessoa homossexual, essa característica é quase irrelevante. É irrelevante, não é? Ou seja, Para mim, ter um homossexual como vizinho não é indiferente. É
Alice Ramos
para ti. Para muita gente não é.
José Maria Pimentel
Mas devia ser, no fundo é o que eu quero dizer. Devia ser. No fundo é isso. Ou seja, não é justificável. Conscientemente, não dá bem para justificar. A gente
Alice Ramos
continua a dizer aos miúdos e não sei o quê, não sejas maricas.
José Maria Pimentel
Sim, Mas esse é outro aspecto engraçado. Nós estamos
Alice Ramos
permanentemente, seja questões que vão para a homossexualidade, para o racismo, estamos permanentemente a usar expressões com as crianças, a mostrar-lhes que nós dizemos não somos racistas, mas utilizamos expressões que são racistas.
José Maria Pimentel
Como o quê? Como por exemplo? Estás a falar daquela de negrir? Trabalhar é bom para o preto. No meu
Alice Ramos
tempo, em miúda, era o... Mas
José Maria Pimentel
acho que essa já não se usa...
Alice Ramos
Agora já não se usa, não. Hoje em dia já nem se atira o pau ao gato. Mas, pronto, há muitas que já não se usam. O com os ciganos, o estar com o olho no bolo entre os ciganos. Ah, não dos ciganos, sim, sim. Para não sejas
José Maria Pimentel
ciganito. Sim, sim, sim. Ciganito é o... Sim, sim, não é o do cigano, ainda é muito... Fazer judiarias. Sim. Mas os judiarias, por exemplo, essa já não tem adesão à realidade, porque Portugal nem sequer tem praticamente comunidades judaicas.
Alice Ramos
Não tem, mas se a gente perguntar, ainda há preconceito contra os judeus.
José Maria Pimentel
Curioso. E achas que tem a ver com isso?
Alice Ramos
Não é que tenha a ver. O que eu acho é que há coisas que não se desmontam e que continuam. Por exemplo,
José Maria Pimentel
eu lembro só muito tarde ter percebido que judiaria... Pronto. Se calhar inconscientemente já tinha percebido. É possível.
Alice Ramos
A palavra já lá está. Ou não sejas semítico, por
José Maria Pimentel
exemplo. Não sejas semítico. Tempo de até ser sumítico. É impossível que inconscientemente eu já tivesse percebido antes daquilo ter surgido na consciência, ter emergido na consciência, mas pronto, é difícil dizer, na verdade não sei muito bem. Mas é questão das crianças, portanto é muito giro, eu estava a pensar nisso até a preparar este episódio. Nós socialmente vivemos uma série de contrassensos no que diz respeito a estereótipos, porque nós tendemos a rejeitar estereótipos e estamos sempre a usá-los, mesmo abertamente. Por exemplo, a história dos miúdos, nós estamos sempre a dizer meninas e meninos, não é? O rapaz vai para aí. E no outro dia estava a circular uma fotografia da minha filha que tem um ano e meio agora, não sei se descobriu, no Whatsapp, e alguém dizia Ah, está mesmo com a perna mesmo a menina, não sei... A elogiar-se! Sim, Sim. É impensável imaginar que não se vá dizer isso, não é? Mas ao mesmo tempo é um contrassenso, não é? Porque tu estás a elogiá-la, dizendo, ah, ela está mesmo com a ar de menina, como quem diz, está a Corresponder ao sexo dela. Depois como é que podes crer, depois ajusante, que isso seja uma variável irrelevante? Não vai ser. Ou a da idade, por exemplo, houve-se tantas vezes a história da idade do... Aquela ou aquele... Veste-se de uma maneira que já não é para a idade dela. Essa, por exemplo. O que é que isso quer dizer na prática? Ou seja, se a idade não interessa... A
Alice Ramos
idade não interessa, mas... E todos nós estamos a ver que isso sui... Acontece sempre o mas.
José Maria Pimentel
Mesmo que não verbalizemos, nós traçamos aquele padrão. Está-se a vestir de uma maneira estranha para a idade que tem.
Alice Ramos
Ou então fazemos isso também para as miúdas mais novas. Se as miúdas com 11, 12 anos se andam vestidas como se fossem adolescentes, também dizemos que não têm idade para andar vestidas dessa maneira. Agora
José Maria Pimentel
já pode.
Alice Ramos
Porque as pessoas julgam pela aparência e, portanto, se a pessoa anda vestida de uma determinada maneira, se anda com uma mini saia aos 70 anos, não deve ser boa da cabeça.
José Maria Pimentel
Exato. E coitada da pessoa. É
Alice Ramos
muito difícil e eu tenho estado a pensar nisto que é... Jornalistas às vezes fazem uma pergunta que é porquê que as pessoas são racistas?
José Maria Pimentel
É uma coisa que eu queria também discutir contigo. Quer dizer, no fundo estamos a discutir um bocado isso, mas...
Alice Ramos
Sabes, Eu penso nisto e eu acho que as pessoas começam por ser racistas porque são ensinadas, principalmente a não ser racistas. Não é que sejam ensinadas a ser. Nós aprendemos tudo. Quer dizer, ser racista ou não ser racista não é genético, não é hereditário, não é genético, não está na nossa
José Maria Pimentel
ADN. Mas a tendência para separar grupos está?
Alice Ramos
Nós somos ensinados desde muito pequeninos a separar, a classificar, a arrumar os brinquedos, os legumes.
José Maria Pimentel
Nós temos uma série de heurísticas evolutivas para... Não racistas, até porque o que nós chamamos de raças não existiam até há poucos milhares, dezenas de milhares de anos. Mas para separar o in-group e o out-group, o end-group e o ex-group.
Alice Ramos
Sim, mas isso tudo nós aprendemos. Quando nós nascemos, os nossos filhos nascem e não sabem o que é que é um in-group e um out-group.
José Maria Pimentel
Mas já vêm com essa predisposição. Se nós somos
Alice Ramos
brancos, não, nós é que os ensinamos. Acho que não vêm com essa predisposição.
José Maria Pimentel
Achas que não? Esse é um tema vivo da psicologia, mas não.
Alice Ramos
Acho que não. Acho que são socializados para ser assim. E mesmo com pais que não são preconceituosos ou que acham que as pessoas devem ser todas tratadas da mesma maneira e que não são racistas. Mesmo não ensinando os meninos a ser racistas, eu acho que mais é importante é não ensinarmos a não ser. O
José Maria Pimentel
problema é não ensinarmos a não ser.
Alice Ramos
Ou seja, calamos as coisas, não falamos sobre as coisas.
José Maria Pimentel
Sim, estou a perceber.
Alice Ramos
Não identificamos...
José Maria Pimentel
Significa que aquilo fica sempre no inconsciente, não é?
Alice Ramos
Fica sempre... Quer dizer, pronto, eu sei que não deve ser racista, mas quando faço algum comportamento ou vejo... Não converso sobre isso com os meus filhos. O ver na televisão e arranjar todas as oportunidades para mostrar que...
José Maria Pimentel
Implicitamente, não é? Que
Alice Ramos
aquilo é uma manifestação de racismo, que aquilo não deve... E em vez de fingir às crianças que as coisas não existem, ou que estão só na nossa cabeça, ou que estão só na cabeça dos outros, das outras pessoas, é que são assim, nós não somos os outros, é que são, é falar com eles sobre os assuntos e expor. Portanto, eu acho que nós não ensinamos os nossos filhos a não serem racistas, a não
José Maria Pimentel
serem conceitualistas. Acho que nos falta ensiná-los a não serem. E eu acho que também ensinamos, acho que temos alguma condescendência também com o racismo, ou seja, mesmo as pessoas desclassidas, digamos assim. Se calhar hoje em dia já não é bem assim, mas aqui há uns anos e quando eu era miúdo não... Acho que havia uma certa condescendência. Ela não contava uma andota, não sei o quê, não há problema.
Alice Ramos
Sim, não há problema, é só uma brincadeira. Sim, exato, exato. É só uma brincadeira, as andotas do Samara Marshall...
José Maria Pimentel
Não é que eu ache que é necessariamente um problema, mas não ter noção do efeito que aquilo cria e depois não tentar compensar.
Alice Ramos
Exatamente. E é inconsciente. Isso é outra coisa, é o humor. Pode-se brincar com tudo. Pronto, eu apesar de tudo acho que há coisas com que não se brinca, mas em princípio acho que se pode brincar com
José Maria Pimentel
tudo. Sim. Mas sabendo o efeito que produz, o meu ponto é esse. Porque dizer simplesmente não há problema e pôr a coisa de lado, como se não criasse efeito nenhum, isso obviamente é uma coisa que não faz sentido. Pois. Crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Ainda bem que puxaste o tema do racismo, que era um tema que eu queria falar contigo, até por causa do caso português e do inquérito do Cordenas, do inquérito social europeu. Exato. E aquilo aparece sempre nas notícias e gera sempre uma grande celema. Sempre. De repente a pessoa vê... Se nós considerarmos todas as definições que estão lá colocadas, há apenas pouco mais de 10% da população que não preenche nenhuma das caixinhas do racismo. Apenas 10%, apenas 1 milhão de pessoas não preenche nenhuma delas. Se considerarmos o racismo mais estrito, biológico, mesmo assim, 40%... 40%. Na pergunta sobre se há grupos étnicos ou raciais mais inteligentes, apenas 60% discordam. Há 40% que implicitamente concordam, ou pelo menos colocam essa possibilidade, vamos dizer assim. E sobre a crença de que há grupos étnicos ou raciais, por natureza, mais trabalhadores, aí a percentagem ainda é mais baixa, é um terço. Então, aí tu tens dois terços que implicitamente concordam. E tu dizias há bocadinhos, para mim são perguntas explícitas, mas tu dizias há pouco que isto na verdade não é puramente explícito. Porque não diz negros.
Alice Ramos
Quer dizer, estás a dizer grupos étnicos ou raciais e estás a dizer que são mais inteligentes por natureza.
José Maria Pimentel
Sim.
Alice Ramos
E a questão do ser por natureza aqui é muito
José Maria Pimentel
importante. Ou seja, biológico.
Alice Ramos
É biológico. Genético, não podíamos dizer. Genético. E porquê que no outro, nos trabalhadores, tens mais gente? Exatamente porque as pessoas não estão a associar que a pessoa a ser mais ou menos trabalhadora, se disser isso está a ser preconceituosa ou está a ser racista.
José Maria Pimentel
Parece uma coisa mais leve, não é?
Alice Ramos
A questão é que quando eles dizem sim, são mais inteligentes, sim, são menos trabalhadoras, não, não os quero cá, sim, tiram-me o trabalho, percebe? Portanto, isto depois tudo... As perguntas não valem sozinhas. E o que interessa é ver como é que elas se associam, as respostas das pessoas se associam umas às outras. A outra da civilização, uma das perguntas era há grupos étnicos,
José Maria Pimentel
há culturas por natureza mais civilizadas.
Alice Ramos
Com o que é que nós comparamos? Com a nossa civilização. Portanto, estamos a criar uma bitola e a comparar os outros. É claro que nós é que somos os civilizados.
José Maria Pimentel
Sim, mas em relação eu queria desafiar nessa porque é evidente que, e eu percebo perfeitamente isso, que por um lado há esse etnocentrismo e por outro também há a parte do racismo biológico que vai sendo filtrado, que não é apanhado na primeira categoria, que ainda não é apanhado na segunda, porque as pessoas percebem que eu não posso dizer isto, e depois acaba por ser apanhado nesta rede porque a pessoa pensa que aqui tem uma desculpa para poder dizer aquilo que acredita, que é uma espécie de racismo subjacente. Agora, nós podemos dizer que há culturas melhores do que outras, não vamos dizer que uma cultura racista é igual a uma cultura não racista, ou o Talibã se é uma cultura tão legítima como, sei lá, a cultura marroquina, por exemplo, ou até a da Paquistão, ou dandia, ou a sitos relativamente próximos. Portanto, a hierarquização entre culturas não é necessariamente racismo.
Alice Ramos
Não é necessariamente racismo, só que essa hierarquização é uma hierarquização que vai basear ou justificar discriminação e vai suportar dizer que eles são piores do que nós, do que eu, e que, portanto, se são piores do que eu, têm menos direitos do que eu e qualquer pessoa que pertence a essa cultura está dentro do pacote.
José Maria Pimentel
Não, eu percebo isso. O que eu quero dizer é, uma pessoa pode responder que sim a esta pergunta. Há culturas... Culturas mais civilizadas. Civilizadas é uma palavra que é capiciosa propositalmente. Por exemplo, há culturas melhores do que outras. A pessoa pode responder que sim a esta pergunta. Eu responderia que sim a esta pergunta, no geral, de que há culturas melhores do que outras, com todas as nuances que existem e sabendo, obviamente, que todos nós ao dizer isto estamos a incorrer em algum tipo de etnocentrismo, porque obviamente estamos a usar o nosso combitola, mas isso é um... E
Alice Ramos
é natural, quer dizer, como é que eu posso considerar uma cultura onde se pratica a excisão feminina como uma cultura boa? Porque põe em causa os meus valores, porque põe
José Maria Pimentel
em causa os meus princípios. Na altura da guerra civil nos Estados Unidos, a cultura do Norte era melhor que a do Sul, não tenho nenhum problema em dizer isto e acho que também não. Pronto,
Alice Ramos
agora, eu acho que isto nos levava para uma conversa sem fim que é, então, o que é que é cultura? Sim, sim. Quer dizer, é cultura... Não,
José Maria Pimentel
e a cultura incorpora algum tipo de preconceito semirracista, eu não tenho dúvida em relação a isso, atenção.
Alice Ramos
Isso é... Porque depois nós gostamos muito de absorver o folclore, quer dizer, a parte da cultura que é folclore e podemos dizer que eles têm uma cultura pior do que a nossa, mas depois, ai, mas têm uma comida muito boa e têm umas roupas muito giras, muito coloridas e têm, portanto, tudo o folclore nós integramos. Não
José Maria Pimentel
é necessariamente mal. E aí é o tipo. Muitas vezes começa pelo folclore.
Alice Ramos
Pois, mas depois o que nós, quer dizer, avaliamos a cultura toda, quando falamos em cultura, por algumas práticas. Sim.
José Maria Pimentel
Que definem Essa cultura.
Alice Ramos
E é evidente que há culturas diferentes, com certeza. Quando eu começo a dizer que há uns melhores do que outros, já estou a atribuir direitos a uma série de coisas a uns e a retirar a outros.
José Maria Pimentel
O que tu dizes, E obviamente que isso é defensável neste caso, é quando a pessoa está a pensar… Eu quando penso em cultura estou a pensar nos talibã, nos Estados do Sul dos Estados Unidos e nas fisiões genital feminina. Se calhar, ao invés de as pessoas quando falarem de culturas pensam nos imigrantes, sei lá, do norte da África que estão a entrar pelas fronteiras. Se calhar em Portugal não tanto, que é um país cheio de imigração, mas se fores a França quando se fala em cultura estão a pensar nos muçulmanos. Não há hipótese. Nesse sentido, obviamente, cai uma causalidade, ou seja, cai um preconceito por trás. E
Alice Ramos
nós em nome da nossa cultura também fizemos milhares de barbaridades.
José Maria Pimentel
Claro que sim, é evidente. No fundo isto é uma discussão quase filosófica. Tu podes dizer se há culturas melhores do que outras, remete-te até para o campo dos valores e do campo da ética, e se pode haver alguma objetividade na hierarquização de culturas. Eu acho que sim, mas mesmo isso também não te legitima tomar toda a gente daquela cultura como se fosse... Como se fosse... Que aí entra o estereótipo, como se correspondesse àquela norma. Que esse é o malabarismo que é difícil fazer, estar entre as duas coisas. Mas agora, voltando atrás, à pergunta que tu disseste que faziam muitas vezes, de porquê que há racismo em Portugal, Isto suscita sempre um debate enorme, com pessoas a dizer Portugal não é racista, e outras a dizer Portugal é muito racista. Parece-me evidente que Portugal tem racismo, um, e dois, tem mais racismo do que nós gostamos de admitir. Isso parece-me evidente. Isso, claro. Isso não é contornável. Eu acho que a taxa de conversão do nosso preconceito em discriminação não é tão alta como, por exemplo, noutros países, mas não é tão baixa como se calhar nós achamos à primeira vez. Nós pensamos. Porque depois vais ver uma série de efeitos sistémicos, né, de subrepetícios e de... Mas é só ensino, trabalho, uma série de coisas e... Tudo, depois vim. E sobretudo cria um círculo vicioso. Mas antes de ir aí, respondendo a essa pergunta, tu dirias o quê? Qual é que achas que é a agenda do nosso racismo? Tu dizias há pouco que tem a ver com não ser contrariada em casa. Mas de onde é que ele vem? É
Alice Ramos
uma coisa que não é falada. Sim. Mas
José Maria Pimentel
parece que está algo social. E por isso
Alice Ramos
é que cada vez que sai um resultado do inquérito, já tinha saído um resultado semelhante há quatro anos, que foi o inquérito de 2017, onde tínhamos estes dados e nada mudou. O racismo fala-se quando acontece qualquer coisa.
José Maria Pimentel
Sim, sim, o meu gosto. É que era estranho, não é? Era bom. Ou seja, seria bom, mas era estranho.
Alice Ramos
Fala-se de racismo quando morre alguém às mãos da polícia, um negro. Fala-se de racismo quando há dados do inquérito. Fala-se de racismo quando há um acontecimento. Quando há uma notícia, no final. Quando há uma notícia. A notícia passa e o racismo acaba e não se fala mais nisso. E por isso é que eu acho que a educação é evidente que é muito importante, educar os meninos e ir na escola, não só contra o racismo como outras formas de discriminação, mas se Não se fala nas coisas. Não vamos falar de coisas más. Vamos fingir que não existem. Até porque nós não somos racistas, portanto não vamos falar de coisas que nós não fazemos. E vai continuar tudo na mesma. E cada vez que aparece um dado destes, cá cai o carmo, cá é trindade, cá é tudo.
José Maria Pimentel
Uma das razões porque eu acho que não se fala mais de racismo, fala-se muito quando sai estas notícias, mas não está tanto no debate político como devia estar, é o facto de, e isso é uma das coisas que causam racismo, na minha opinião, já lá vou, se tu pensares na classe média alta ou se pensares nas elites culturais, políticas, económicas, whatever, tu encontras muito poucas pessoas que não sejam brancas, na nossa definição de brancos, não é possível? Sim. Não tem o aspecto de... Sim. De que nós chamamos português, de tonto de pele. Sim,
Alice Ramos
e vais para as empresas, para lugares de gestão ou de topo... E não tens ninguém. Também não tens ninguém. Vais para as universidades, também tens muito pouco. Quer dizer, os lugares de decisão, os lugares importantes. Não tens ninguém. Importante não é no sentido importante, importante no sentido de intervenção. Claro, e mesmo na
José Maria Pimentel
universidade, colegas de universidade, por exemplo. Sim. Era uma ou duas pessoas que em si também muitas vezes eram identificadas por isso, até esse efeito perverso tem. E eu acho que essa é uma das coisas que, porque até politicamente, os partidos políticos podem ter a ideologia que tiverem e a boa vontade que tiverem, Mas lá não há procura de votos, é assim que funciona a democracia, com as suas qualidades e defeitos. Se as pessoas que participam no debate da sociedade civil são 99, 9% brancas, mesmo que algumas delas tenham preocupações... E homens. E homens, agora sim. Mesmo que algumas delas tenham preocupações em relação à discriminação racial, dificilmente vai corresponder ao peso que isso tem na população, que também não se sabe, é aquele problema de nós não termos
Alice Ramos
dados. Não temos estatísticas, não se pode perguntar
José Maria Pimentel
quem foi. Mas, pronto, eu diria, não sei qual é o número que tu achas, mas afrodescendentes, seria 200 mil pessoas, 300 mil, uma coisa por aí, não faço ideia. A minha explicação provisória para o racismo em Portugal passa por duas coisas que estão relacionadas. Primeiro tem que ver com desigualdade de acesso ao ensino, ou seja, o que acontece é que tu tens, se fores, lá está, tu não consegues fazer isto, mas tu medires o grau de escolaridade média da população afrodescendente, tenho a certeza que é inferior ao do resto da população. E isso por desigualdades de acesso ao ensino. E, portanto, gera pessoas menos qualificadas e, portanto, tu, com trabalhos menos qualificados, tu vais mapear intuitivamente o resto da sociedade dessa forma. Claro, Estás marcado
Alice Ramos
desde o início. O teu trajeto está marcado desde o início. Não, e as pessoas com quem tu convives?
José Maria Pimentel
Ou seja, quer queiramos, quer não. Quando o nosso cérebro estereotípico pensa, e quando pensa em pessoas negras em Portugal, está a vê-las, tipo empregadas de limpeza, empregados de café, tipo, trabalham nas obras. Não há hipótese.
Alice Ramos
O brasileiro está nos restaurantes. O
José Maria Pimentel
brasileiro está nos restaurantes, exatamente. Isso gera duas coisas, acho eu, que eram os dois fatores que eu falava. Por um lado, gera uma segregação natural que faz com que o nosso cérebro crie esse padrão. Criamos esse padrão, quer queres, queres não. Qualquer pessoa criou esse padrão. E depois gera também, ao gerar pessoas menos... Esta é um bocadinho mais dura de dizer, mas isto é evidentemente verdade. Ou seja, se tu tens menos oportunidades de ensino, tu vais gerar pessoas menos qualificadas, menos educadas. Por exemplo, eu estava a pensar numa história, quando estava a preparar este programa. Uma vez estava a falar com um... Vou tentar dizer isto de uma maneira genérica, mas estava a falar com um tipo que fez umas obras e eu estava a lhe mostrar uma coisa mal feita e ele dizia, desculpe lá, mas isto é mesmo coisa à preto. E eu fiquei, sou como se fosse... Desculpa, é que o homem tem de acordo com ele e não sei o quê. E ele disse, desculpe lá, não é para ser racista, mas é mesmo assim. E a pessoa vê isto logo e... Eu percebo que ele tem aquele estereótipo, porque provavelmente dos empregados que ele tem, os afrodescendentes têm menos acesso à educação e portanto são menos educados, se quiseres, não é? Portanto têm menos ferramentas intelectuais para gerir. Não por qualquer diferença genética, obviamente, mas porque tiveram menos acesso ao ensino. E ele, quer dizer, pessoas menos sofisticadas, se nós quisermos, ou com menos preocupações nesse sentido, facilmente se prendem àquele estereótipo. Tipo, está-se nas tintas, aquilo é... O que interessa é aquilo que responde à realidade que ele vive, não é? Eu acho que há muito do racismo. E
Alice Ramos
principalmente deixa-o confortável, porque encontra uma boa razão. Porque
José Maria Pimentel
não é culpa dele também.
Alice Ramos
Não é culpa dele e está explicado porque o outro é preto e nós já todos sabemos que os pretos são piores a trabalhar. E portanto a coisa está explicada.
José Maria Pimentel
Depois é o círculo vicioso, porque Se ele deteta aquele padrão, depois aquele padrão vai
Alice Ramos
reforçar... São todos. Pronto, é o mesmo com os ciganos. Sim. Os ciganos são negociantes. É a expressão de estar com o olho no burro e outro no cigano. Sim, sim. Portanto, ou seja, estar a ver os dentes ao burro para ver se o burro é bom ou não é e estar com o olho no cigano para ver como é que ele vende
José Maria Pimentel
o burro. Ah, a expressão vem daí, porque assim nunca tinha pensado nisso.
Alice Ramos
É isso aí que são os criminosos. Então não sempre que te faca tudo que é rixa é cigano. E portanto, quando temos um... Lembras-te quando foi o primeiro governo do Costa que era... Chegou a vir nos jornais um indiano, um cigano e uma cega no governo.
José Maria Pimentel
Ah, um indiano, um cigano e uma cega. O indiano é quem? Eu?
Alice Ramos
O indiano é o Costa.
José Maria Pimentel
Sim. Tínhamos um... De onde é que isso vinha? A sério?
Alice Ramos
Não sei, no público, no expresso, assim, num jornal... Não sei se era no Correio da Manhã, se calhar era, não me lembro, mas era. Era um indiano, uma negra, uma cega, negra e um cigano. Portanto, ele via... É um tipo que tinha de facto origem cigana, ascendência cigana. E estas categorias. O problema não é elas existirem, o problema é quando elas servem para definir as pessoas e para caracterizar as pessoas e serem a coisa mais importante que se tem a dizer sobre essas pessoas. Claro, claro. Portanto, isto é possível.
José Maria Pimentel
E em relação à... Tu estavas a falar dos ciganos. Eu acho que por acaso há uma diferença apesar de tudo o que é preciso fazer. A comunidade cigana tem problemas, por exemplo, de casamentos feitos, programados, as meninas obrigadas a casar. Ou seja, há ali um problema que tem que ser resolvido. Não é resolvido a André Ventura, não é dizer, são todos assim, são todos iguais, não sei o quê. Mas ignorar o problema também parece que pode ser perigoso, porque depois alimenta juventura, justamente, não é? Enquanto, por exemplo, um dos paradoxos do racismo em relação aos negros é que ao contrário do que existe, por exemplo, para mim, pelo menos ao contrário do que existe, sei lá, em França com os muçulmanos, que falámos há bocadinho, que existem diferenças culturais. Em Portugal eu não acho que existem diferenças culturais. Ou seja, eu acho que a maioria da população afro-ascendente que nós temos veio na altura do 25 de Abril, se não me engano, ou pouco antes disso, mas veio nessa altura. Sim, vieram muitos. Portanto, nem é muito antiga, mas há diferenças culturais, não me parece. Quer dizer, todos nós, certo ou errado, nós temos mais ou menos as mesmas práticas culturais. Sim, as mesmas práticas culturais, sim. Temos valores, portanto não há, como é que eu dizer, aquela teoria, nós não falámos disso, mas a questão da ameaça simbólica, não é? Atribuir
Alice Ramos
diferenças culturais e justificar a discriminação ou a separação com base em diferenças culturais, é uma maneira subtil e mais confortável para o ego de manifestar...
José Maria Pimentel
Legitimar o racismo. Legitimar o racismo.
Alice Ramos
Justifica o racismo. Eu não posso dizer não os quero ao pé de mim porque são pretos, mas posso dizer eu não os quero ao pé de mim porque eles são muito diferentes, têm uma cultura muito diferente. Só que depois a gente vai ver e de facto, como dizes, não tem. Do ponto de vista cultural.
José Maria Pimentel
Sim, mas depois tu estás a ver isso desse ponto de vista. Eu estou a pensar também que é um puzzle. Este racismo existe independentemente da sua dimensão, mas claramente existe. A minha explicação é que ele tem muito a ver com aqueles fatores que eu sugeri. Porque tu estás a dizer que as vezes culturais são legitimadoras, mas também são... Quer dizer, a causalidade vai nos dois sentidos, porque também alimentam, ou seja, as pessoas não reagem da mesma forma a um tipo de imigração que é vista como partilhando a nossa cultura e outro tipo de imigração que é vista como não partilhando. Depois, obviamente, que isso também serve do outro lado para justificar uma aversão que já existia a priori. Sim. Mas as duas coisas existem. E, por exemplo, em Portugal, portanto, tem vários puzzles, porque fazendo aqui um bocadinho de advogado do diabo a história do António Costa, não é? Isto é o que muitas vezes as pessoas dizem quando acontregar esta tese. Se o país é racista, como é que o primeiro-ministro é descendente de goezes?
Alice Ramos
Não tem nada a ver uma coisa como...
José Maria Pimentel
Tem a ver, não é? Quer dizer, quando o Barack Obama se tornou presidente dos Estados Unidos foi
Alice Ramos
um feito porque ninguém achou que... E o país deixou de ser racista? Não deixou. Mesmo durante o Obama
José Maria Pimentel
continuou a ser. Alissa, claro que sim, mas o Obama nunca poderia ter existido há 50 anos, isso concordamos. Sim. Ou seja, é óbvio que o racismo continua a existir lá, mas não é o mesmo que existia antes. E em Portugal nós temos um bocadinho esta coisa de uma dissonância cognitiva coletiva, porque nós por um lado há várias evidências de abertura, A Ministra da Justiça é negra também, acho eu que ninguém pensa nisso.
Alice Ramos
Pois, mas foi tal que veio...
José Maria Pimentel
Veio lá no jornal. E haverá algumas pessoas que aquilo faz
Alice Ramos
diferença. Faz. Faz, olha, no... Bem,
José Maria Pimentel
atenção, eu estou a dizer isto, ela já tem sentido ao longo da vida várias vezes. Claro. Não quero dizer o contrário, mas...
Alice Ramos
No campo pequeno, numa das entradas para as galerias, está escrito, eu vejo isto todos os dias, vou passear os quentes e está escrito, a ministra Wandunen que se vai embora porque não percebe nada das nossas leis.
José Maria Pimentel
É sério? E faz ideia da fonte daquilo? Não, é
Alice Ramos
aquelas pinchagens. Assim como havia um apé do Filipe, continua lá, havia um apé do Filipe que foi apagado, o Filipe é o seu, foi apagado a várias vezes e foi posto a várias vezes que era o indiano costa ao drabão não sei quê e então eles passavam tinta branca naquele muro no dia seguinte já lá estava escrito outra vez. Nos anda a roubar. E as pessoas usam estas características exatamente para dizer mal, para criticar, para lançar, é ódio?
José Maria Pimentel
Sim, e também é quando tu queres insultar, tu, isto é, nós, quando queremos insultar, temos uma tendência para pegar na característica mais distintiva da pessoa e que é a pessoa. Sim. Por exemplo, estás
Alice Ramos
no trânsito. Sim, mas o trânsito é um
José Maria Pimentel
microcosmo, já não é? Mas o trânsito é um excelente exemplo para isso. O trânsito é um sítio onde as pessoas vêm todas lá de cima. O velho não sei quem, não é?
Alice Ramos
Só pode ser uma gaja. Exato. O trânsito é tudo. Pois não é. Sim. O trânsito... Mas isso... Todos nós... Quer dizer, não. O trânsito é um... Aliás, há filmes sobre isso, não é? Ah, é? Ah, eu lembro-me de ver, pá, não sei se é... Esse é um filme francês, que é exatamente sobre o tráfico e como é que as pessoas se comportam quando estão dentro dos carros a ir para o trabalho, no trânsito e vê diferentes tipos de pessoas desde a miúda que está a pintar, a ir, ou a mãe que vai com os filhos ou tipo engravatado e tudo aquilo se passa dentro dos carros e no
José Maria Pimentel
trânsito. Sim, aquilo é um microcosmos muito especial. E onde as
Alice Ramos
pessoas de facto saem dali o pior que há delas.
José Maria Pimentel
Sim, e há pessoas muito calmas que... Por exemplo, olha, um truque para não ser tão... Eu não tenho muita tendência para isso, mas uma coisa que me faz ser mais calmo no carro é ir ouvir podcast. Não, não estou a brincar, porque isso coloca... A não ser que esteja de compressa de facto, faz com que o que se passa na estrada passe a ser mais ou menos secundário. O que
Alice Ramos
não convém também. Não convém...
José Maria Pimentel
Não convém
Alice Ramos
ir com atenção. Sim, não
José Maria Pimentel
convém ouvir coisas muito exigentes. 45 euros está mais ou menos no limiar da exigência. Vou ouvir naturalmente. Mas o que é que eu te queria... Ah, em relação ainda ao racismo em Portugal. Em relação a António Costa, curiosamente eu lembro-me de ouvir há muitos anos, muitos anos mesmo, se lá para aí há 10, 15 anos, lembro-me de ouvir dizer que ele tinha ambições de primeiro-ministro e que ele não era aceito no PS porque as pessoas achavam que ele não era elegível. Tem sido alguém do PS que comentou com alguém, com alguém, não sei o quê. Mas pronto, o ponto aqui é, isso não mostra que não há racismo em Portugal, mas não deixa de ser uma coisa boa o facto de a maioria das pessoas nem sequer pensarem nisso, não estarem a pensar se ele tem ascendência indiana ou não tem ascendência indiana. Eu acho que a maior parte das pessoas, se calhar pensam mais do que eu acho, mas não...
Alice Ramos
Pois é isso, eu não sei o que é que as pessoas pensam ou não pensam.
José Maria Pimentel
E sabes que há uma coisa gira, eu acho que foi feito um... Isto é um bocado politicamente incorreto de dizer, mas eu acho que foi feito um retrocesso. Na democracia foi de certa forma feito um retrocesso, porque tu, como Estado Novo, estava ligado àquela ideia de Portugal colonial, de que Portugal se estendia a todo lado, e no retorno eu estava a ouvir um podcast sobre isso, eles tinham o incentivo para tentar, de certa forma, fabricar, mas tentar mostrar uma espécie de comunidade multiétnica. E portanto, tu tinhas várias pessoas de ascendência africana, afrodescendentes, que tu tinhas fazendo parte das elites no sentido lá. Não estou a falar sequer do Eusébio que era jogador de futebol, mas tinhas pessoas conhecidas que faziam parte, foram deputados à Assembleia, não sei se alguns chegaram a ser ministro, não tenho a certeza. Curiosamente, hoje em dia estás pior, acho eu, do que estavas na altura, por causa daquilo que nós falámos há pouco. Hoje em dia não temos... Bem, hoje temos duas deputadas negras, sabe o erro? Tinhas antes disso aquele tipo do CDS, mas não tens mais ninguém? O Narana? Não, o Narana, que eu souro. Mas o Narana que eu souro é indiano. Eu estava a falar
Alice Ramos
do LDR... Ah, sim, eu estou a ver a cara dele, desse que estás a
José Maria Pimentel
dizer. LDR qualquer coisa, do CDS, que acho que já não é. Agora tens a Joacim Catar-Moré e tens uma deputada do Bloco, mas não tens mais ninguém. E durante muito tempo não tiveste ninguém, não é? E se foresse às universidades tiveste pouca gente, se foresse às empresas tiveste pouca gente. Aquilo que falávamos há bocadinho. Portanto, é curioso como, de certa forma, quer dizer, é um bocado uma vergonha, não é? A pessoa olhar e pensar na ditadura. Eu não sei se isto é objetivo, não é?
Alice Ramos
Mas isso explica-se, eu acho que a explicação está aí, é a questão das desigualdades sociais. E que acompanham essas desigualdades raciais, chamemos-lhe assim, ou de cor de pele, uma vez que, quer dizer, é sempre este problema de dizer que de facto não há raças, não há raça
José Maria Pimentel
humana. Sim, exatamente.
Alice Ramos
E esta associação é que é letal, que é as pessoas que vivem, vais ver onde é que vivem as pessoas, era a questão das oportunidades que tu estavas a dizer. Portanto, quando há desigualdades sociais de base é natural que as pessoas que são de... Não fazem parte da maioria, apesar de serem muitas, não têm oportunidades para chegar aos lugares mais visíveis.
José Maria Pimentel
Uma coisa que eu estava a pensar em relação a isto, não sei se já foi feita essa investigação, mas seria uma maneira interessante de tentar distinguir, isso também surge muitas vezes no debate, o que é que é efeito de preconceito racializante e o que é que é efeito de desigualdade de oportunidades. E de tentares, por exemplo, medir o acesso, por exemplo, tanto à educação como ao emprego, de pessoas de bairros, definir determinados bairros e dizer, Estas pessoas têm uma característica distintiva que permite serem racializadas, porque têm a pele mais escura, mas depois há estas pessoas que vivem no mesmo bairro, com as mesmas oportunidades, nas mesmas escolas, mas têm o aspecto dos outros portugueses, digamos assim, e tentar comparar, isso seria um exercício muito giro, tentar comparar e tentar perceber se há uma diferença, se há diferença estatisticamente significativa, porque a ser, à partida, é por discriminação, não é?
Alice Ramos
É por discriminação. Não existe. O grande efeito
José Maria Pimentel
é da desigualdade de oportunidades.
Alice Ramos
Provavelmente vai ser, por exemplo, no acesso ao emprego. Apesar de virem os dois do mesmo bairro, um está racializado, o outro não está. Porque
José Maria Pimentel
uma pessoa, essa é uma coisa que também surge muitas vezes no meu debate, uma pessoa mais defensora da questão económica, dir-te não há muita diferença entre um pobre branco e um pobre negro. Pobre é pobre, antes de tudo é pobre. Eu não sei se é ou não. Na verdade eu gostava de ver alguma investigação sobre isso. Porque, por exemplo, esta coisa da ausência quase da classe média alta e do trabalho. Eu lembro de uma pessoa, de uma diretora de recursos humanos de uma empresa, que há muitos anos estava a comentar comigo. Aquela era uma multinacional e, portanto, é como sempre acontecem estas regras de fora de tentar criar diversidade. E ela dizia assim, senhor, diversidade. Então vou tentar contratar pessoas que não tenham este aspecto de... Eu não sei como é que se define, tenho sempre medo de usar a palavra errada, não é caucasiana mas português branco. Não tenho este aspecto dito normal. E tentou, não recebeu nenhum clico. Não conseguiu. Porque não há pessoas, exatamente. Porque
Alice Ramos
as desigualdades que vêm de base não permitiram a essas pessoas chegar e concorrer a esses lugares. É o exemplo,
José Maria Pimentel
isto não faz prova, mas ela não conseguiu. Não foi sequer ter uma pessoa que não tinha qualificações. Não teve ninguém, não teve uma única pessoa a aparecer porque nas universidades, aquilo foi mandado para as universidades, estas coisas tipo um estágio, houve de facto muita gente a candidatar-se, mas como nas universidades estudantes de não sei o que é que seria, dos licitores que alimentavam aquela área, ninguém se candidatou. Ou seja, deveria haver pouca gente, Não sabemos, não é? Ou não havia ou depois elas próprias não se candidataram.
Alice Ramos
Exatamente. Portanto, o problema de fundo são as desigualdades. Sim,
José Maria Pimentel
eu concordo absolutamente com a relação a isso. A minha tese também tem a ver com isso. Até porque nós falámos que não existe, pelo menos na minha opinião, não sei se isto é absolutamente certo ou comprovável, mas não existe uma tensão de culturas e também não existe outro fator legitimador, do que também vinha na investigação que me enviaste, de outros países, que é a competição por recursos, ou seja, empregos. Isso não existe em Portugal, ninguém é racista porque tem medo que o emprego seja roubado. Não.
Alice Ramos
Não é como...
José Maria Pimentel
Não quero que haja os mexicanos porque vêm roubar
Alice Ramos
o emprego na fábrica. Não, não vão. Não vão roubar. Não existe, não é? Portanto, esses
José Maria Pimentel
dois fatores muito comuns, que são os fatores de... São alavancas, não é? De certa forma. Cá não existem.
Alice Ramos
O que acontece em relação a isso e o que estás a falar é da percepção da ameaça.
José Maria Pimentel
Sim, percepção da ameaça. Se calhar se viesse a existir seria muito pior.
Alice Ramos
Portanto, dois tipos de ameaça. A ameaça económica ou realista, portanto a ameaça aos recursos
José Maria Pimentel
materiais. Sim, do emprego e a simbólica. Do
Alice Ramos
emprego, da segurança social, de tudo o que tem a ver, e a simbólica mais para a cultura. E durante muito tempo o que a investigação estudava era de que maneira a ameaça era ela uma explicação do preconceito, ou seja, as pessoas têm preconceitos relativamente aos outros porque se sentem ameaçadas. O que num desses papers se mostrou é que exatamente a ameaça é uma justificação, portanto em termos estatísticos é um mediador entre o preconceito e a discriminação. Portanto, é o próprio preconceito que faz com que as pessoas utilizem justificações como eles vêm para cá e tiram-me o trabalho, eles abusam da segurança social, eles fazem aumentar o crime. Ao dizer isto, Eu estou-me a sentir bem, eu não estou a pôr em causa os valores democráticos da igualdade, enquanto que se eu for racista estou a
José Maria Pimentel
quebrar a norma. Só estás preocupada com o
Alice Ramos
teu emprego. Só estou preocupada com o meu e com o dos outros. Portanto, são preocupações legítimas e, através dessas preocupações legítimas, eu justifico, sinto-me bem a discriminar, enquanto que não me sentiria bem comigo mesmo a discriminar alguém sabendo que estou a ir contra uma norma que é a norma do antirracismo das sociedades, olha, civilizadas.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente.
Alice Ramos
Portanto, a ameaça não é. As pessoas não são preconceituosas porque se sentem ameaçadas. É claro que há uma associação entre as duas, mas o que a investigação nos mostrou é que não, não. As pessoas que são preconceituosas usam
José Maria Pimentel
a ameaça para
Alice Ramos
como fator legitimador. Eu
José Maria Pimentel
acho que a ameaça, por exemplo, eu acho que o racismo em Portugal nunca saberemos quão forte ele é até o dia em que surja uma ameaça de 16 anos, esperemos que não surja, não é? Mas, ou seja, o que eu quero dizer é, no dia em que surgisse uma ameaça, fosse ela simbólica ou realista, no dia em que essa ameaça surgisse é que nós perceberíamos quanto deste racismo basal, subjacente, ia aderir a essa placa agregadora. Ou não, ou se calhar já existe essa ameaça e eu não sei.
Alice Ramos
A ameaça existe na cabeça das pessoas, não existe na realidade. Porquê? Porque o trabalho que eles vêm fazer para cá é o trabalho que os que estão cá não querem fazer. Estás a dizer em Portugal? Sim, em Portugal. É assim como tu a dizer os portugueses que foram para a França na década dos anos 60
José Maria Pimentel
e 70. Claro, claro, ou seja, espera aí, espera, tu podes dizer que a ameaça é muito exagerada mas que ainda assim tem alguma adusão à realidade, não tem de ter necessariamente, mas lá nos Estados Unidos a versão em relação aos imigrantes hispânicos e não sei o que que vão roubar os empregos. Claro que aquilo é uma coisa muito simplista porque na verdade esses empregos estão a aparecer muito mais por automação ou por importações de coisas que passam a ser feitas na China, por exemplo, do que propriamente por estarem a ser roubados por... Sim. Mas as pessoas veem de facto mexicanos a entrar e há de haver... Ou seja, aquele efeito existe. Ele é insuflado numa ameaça que tem alguma adesão a uma ameaça real, mas que está insuflada em dimensão. Mas pode não ser assim em alguns casos. Sim, mas por exemplo,
Alice Ramos
olha, lucranianos, muita gente que veio do leste. Vem trabalhar para onde? Para as obras? Sim. Quem é que quer ir trabalhar para as obras? Por alguma razão os pais dizem, se não estudas vais trabalhar para as obras. Trabalhar para as obras é um castigo, é uma coisa horrível, é um trabalho que ninguém quer. Portanto, quando eu digo eles vêm tirar trabalho, eles vêm, na maior parte das
José Maria Pimentel
vezes, os trabalhadores que as pessoas
Alice Ramos
não querem, os não qualificados. Então,
José Maria Pimentel
mas tu achas que isso cria a versão... Por exemplo, visto que eu estava a falar dos Estados Unidos, aquilo que cria a versão é nos antigos trabalhadores das fábricas. Sim. Não é na classe média, não é? São pessoas a quem de facto... Eles foram, na percepção deles, roubar o emprego. Roubar isto é uma coisa valorativa, não é? Mas foram substituí-los no emprego em parte truído, em grande parte foi causado por fatores exógenos, mas ainda assim era o emprego deles. Sim,
Alice Ramos
era o emprego deles e o que acontece é, se começarmos a descascar a cebola de quem é que é a culpa? E fazem baixar os salários. Porquê? Porque os patrões pagam menos a essas pessoas e portanto essas pessoas precisam de trabalhar para viver e aceitam trabalhar por salários mais baixos.
José Maria Pimentel
Ah, sim, os imigrantes. Os imigrantes.
Alice Ramos
Sim, claro. Outra das críticas é, das razões é, fazem baixar os salários. Mas a culpa não é deles.
José Maria Pimentel
Sim, claro, é evidente. Estão a fazer uma coisa completamente ilogística.
Alice Ramos
Eles estão a trabalhar. Não são eles que fazem baixar os salários, são os patrões que fazem baixar os salários, é o sistema económico que faz baixar os salários, não são eles. O abuso onde a segurança social...
José Maria Pimentel
Sou o voto expiatório no fundo.
Alice Ramos
Sou o voto expiatório. Abusam da segurança social, no sentido que recebem muito mais do que dão. É mentira. A gente vai ver as contas da Segurança Social. Os imigrantes são os que contribuem menos, mas são os mais certinhos
José Maria Pimentel
a contribuir. Até porque têm medo de irem embora. Porque têm a obrigação de contribuir. Esse é um bom exemplo de um estereótipo, um preconceito com o que ocasiona a realidade. Aliás, toda a gente diz isso, não sei se já comentaram isto contigo, mas pessoas que têm casas arrendadas, por exemplo, dizem sempre, arrendar-se um imigrante é ótimo, é um estereótipo quase positivo depois da pessoa na prática. Porque, como tu dizias, Essas pessoas tendem a ser ultra certas porque têm medo de ir embora, enquanto um português está a vontade. Lei pro tesmo, quero lá saber. Exato. E portanto acaba por... Esse é particularmente curioso porque é ao contrário. Eu queria-te perguntar uma coisa que não chegámos a falar há bocadinho, em relação ao inquérito ainda. Às variáveis explicativas das respostas que houve, ou seja, porquê que as pessoas que se revelaram racistas revelaram-se porquê e as que não se revelaram revelaram-se porquê? O que eu apanhei nas notícias, uma variável com poder explicativo grande é a questão da idade, ou seja, pessoas mais velhas tendem a mostrar-se mais racistas aqui. Isso acontece porquê na tua
Alice Ramos
opinião? E com menos educação. São as duas grandes variadas.
José Maria Pimentel
E rendimentos também, não é? Ou não?
Alice Ramos
Menos. Não. O rendimento não, esquerda e direita não, religião não. Não. Idade. Idade e educação, que é não a par. Ah, ou seja, quando tu dizes... As camadas mais novas tendem a ser mais escolarizadas do que os mais velhos. Quer dizer, lá chegará a altura em que, quando atingirmos um nível de escolaridade médio elevado, mas nós somos dos países da Europa que têm um nível médio de escolaridade
José Maria Pimentel
mais baixo. Sim, eu sei. Recentemente soube disso. Portanto, quando tu dizes escolaridade, quando essa análise foi feita não controlou para variabilidade? São análises separadas? Não,
Alice Ramos
não. Isto é uma análise de regressão, portanto os efeitos estão a ser todos controlados.
José Maria Pimentel
Ah, portanto mesmo considerando a diferença de idades a educação também conta?
Alice Ramos
A educação conta. Porque a escola faz algum efeito e há uma coisa que é a desabilidade social, Ou seja, se calhar as camadas mais jovens sabem melhor, identificam melhor e sabem melhor o que é que é onde dizer, o que é que é correto e o que é que é a norma e o que é que não é.
José Maria Pimentel
Portanto, num teste implícito, se calhar, essas diferenças batem um bocadinho. Não passavam. No mínimo. Se
Alice Ramos
calhar não passavam. E uma das dos exemplos que nós temos para a educação é que quando as perguntas são muito explícitas a educação tem um efeito enorme. Quando as perguntas são menos explícitas o efeito da educação desaparece. E é uma coisa que eu costumo dizer é, eu não sei se a educação elimina o efeito, ou seja, as pessoas serem educadas deixam de ser racistas ou se as pessoas educadas passam a saber que não podem ser racistas. E, portanto, aprendem a camuflar, aprendem a identificar quais são as opiniões que devem ou não devem preferir, porque eles podem identificar como ou não racistas e, pronto, se chamando isto da desejabilidade social que é a vontade que eu tenho de, pronto, agradar ao outro e ir de acordo com a norma. Os mais velhos, quer por educação, quer porque já estão mais velhos, a gente até diz que os mais velhos perdem o filtro, que ficam com mais crianças, dizem o que lhes apetece. Também
José Maria Pimentel
perdem, por exemplo, uma das variáveis da personalidade, até não falarmos disso, mas não sei se isso já foi medido a este respeito, mas uma das variáveis daquele framework mais conhecido, que é dos cinco fatores, é a abertura à experiência. A abertura à experiência diminui com a idade. Sim,
Alice Ramos
mas isso, por exemplo, nos valores nós também vemos isso. Os valores como grandes guias da nossa vida, orientadores da nossa vida, não é? E os mais jovens têm muito mais adesão aos valores da abertura à mudança, das experiências novas, da aventura, de... E os mais velhos mais à tradição, à segurança, ao conformismo.
José Maria Pimentel
Mas só para eu perceber, o que tu queres dizer é que a mesma pessoa, qualquer que seja o seu grau de apertura enquanto jovem, ele vai diminuir provavelmente com a idade?
Alice Ramos
Provavelmente. Há aqui um efeito que não é só... Apesar dos valores serem muito estáveis, mudarem pouco ao longo da nossa vida porque nos orientam. Também tem jovens que são altamente conservadores. Conservadores no sentido
José Maria Pimentel
político. Eu estou a perceber, estou a perceber. Conservador no sentido descritivo. Conformista. Sim. No
Alice Ramos
sentido de eu quero é estar aqui quieto, não é preciso... E às vezes a mesma família. E isto é uma orientação que tu tens para enfrentar o desconhecido ou para te sentires mais seguro.
José Maria Pimentel
Quer dizer, as características de personalidade, todas elas têm trade-offs. Essa baixa abertura à experiência tem várias coisas que são úteis a uma pessoa que seja assim na vida, não é? Porque não se dispersa, será mais focada, tende a agir mais rapidamente, mas, por exemplo, no que toca a preconceitos, tem uma correlação com... Correlação, não é causalidade, obviamente, mas
Alice Ramos
tem uma correlação. Sim, tem uma associação. Voltando
José Maria Pimentel
à questão da idade. A questão da idade pode ter que ver com esta diminuição da abertura à experiência ou pode ter que ver com coisas geracionais. Por exemplo, eu não sei se tem que ver com... Uma pessoa que cresceu num determinado período onde o racismo era mais abertamente discutido, por exemplo, pode guardar esses valores? Porque lá estão os nossos valores, são criados enquanto jovens, não é? Maioritariamente.
Alice Ramos
Mais abertamente discutido, não. Quer dizer, mais abertamente
José Maria Pimentel
aceito. Mais abertamente aceito, era o que eu queria
Alice Ramos
dizer. Sim, onde não era discutido, onde era normal. Onde
José Maria Pimentel
era normal, e eu não sei lá. Onde o racismo era normal. E onde não havia uma norma antirracista, pelo menos, tão forte.
Alice Ramos
E não havia, mesmo. Eu morava com a minha mãe por cima, por baixo de nós, morava o filho do Marcelo Caetano. E Eu lembro-me que uma ou duas vezes fui lá à casa. Sim. E lembro-me de ficar muito espantada, porque ele tinha... E, pá, isto marcou-me de tal maneira que eu ainda me lembro disto, que era um desenho grande, pá, um quadro assim do tamanho deste, do pai, Marcelo Caetano, vestido... Só me faz lembrar a história da estátua do António Padre Vieira. De fato, não sei o quê, com um pretinho no plamão. É sério? E eles tinham aquilo ali. E eu, na minha ingenuidade e ignorância de criança, só dizia, mas porquê? E não consegui. Quando eu comecei a estudar e a ver e a ter experiência de vida e comecei a juntar os pontos percebi que aquilo é a manifestação de racismo mais aberta que uma pessoa pode pôr na parede.
José Maria Pimentel
Sim, isso é bastante bizarro. E ficou curioso.
Alice Ramos
Essa geração, isto era anos 60 e muitos 70, esta geração agora imagina 10 anos antes com guerra colonial, com matar os pretos,
José Maria Pimentel
com... Sim, as pessoas que lá tiveram, não sei o quê, sim, sim, sim. Não, exatamente, exatamente. Ou seja, é difícil destrinçar esses dois efeitos, não é? O efeito mais velho, menos aberto, mas... E a geração. E o efeito geracional. Sim,
Alice Ramos
se é uma coisa de percurso de vida, se é uma questão de geração. E
José Maria Pimentel
depois tem outro efeito que eu não sei se é, imagino que já tenha sido estudado, que é uma coisa é a personalidade, outra coisa é a inteligência, ou seja, o que é ir da pessoa. Os estereótipos são nos úteis precisamente por facilitarem a vida. E eu creio que já li isto a alguns e faz algum sentido, não é que quanto mais capacidade cognitiva a pessoa tiver, mais capacidade tem para não estereotipar. Ou seja, para ter uma visão mais fina, se tu quiseres, da realidade. Enquanto que se tu fosse uma pessoa um bocado mais limitada intelectualmente, tu tenderás a usar mais estereótipos. Eu
Alice Ramos
acho que isso em si é um estereótipo também, porque era quase como dizer que todas as pessoas que são racistas são estúpidas. Eu
José Maria Pimentel
não disse todas, disse uma correlação.
Alice Ramos
Uma correlação, pronto. Dizer, ah não, o gajo é assim porque é estúpido. Não é. O André Ventura não é estúpido.
José Maria Pimentel
Mas eu não estou a dizer, atenção, eu não estou a dizer que... Eu estou a dizer é... Será que a inteligência é uma das variáveis explicativas que... Eu também não estou a dizer que todas as pessoas velhas são racistas, não é? Nem tu, não é?
Alice Ramos
Não, mas eu acho que... Não sei.
José Maria Pimentel
Talvez não, atenção, talvez não.
Alice Ramos
A inteligência dá-nos...
José Maria Pimentel
É que a inteligência explica uma série de coisas. É um bocadinho politicamente incorreto dizer isto, mas explica montes de coisas.
Alice Ramos
A inteligência dá-nos instrumentos para nós utilizarmos e sabermos mais e aprendermos mais, dá-nos capacidades. Agora, o que é que nós fazemos com essas capacidades? Acho que já não é uma questão de inteligência.
José Maria Pimentel
Mas uma lógica aqui a existir até era mais no contrário, mais no sentido de uma pessoa com menos cabeça e até menos instruído e isso também te faz ser mais heurístico, se calhar, ser mais estereotipante, mais... Aquele comentário nós... Vou fazer um estereótipo, atenção, mas vou fazer um metastereótipo naquele comentário dos espanhóis, ou espanholas, os franceses. De quem é que a pessoa normalmente ouve isso? Nem sempre, mas normalmente ouve de pessoas com menos claridade. Digo eu, pelo menos pode ser um estereótipo errado.
Alice Ramos
Não, não. Porque
José Maria Pimentel
é uma coisa tão crua, tão grosseira.
Alice Ramos
Pois é, mas nós depois dizemos, não, não, estamos só a brincar. Nestas redes internacionais, não é? Somos todos super chiques do ponto de vista da educação, não é? É tudo doutorado, é tudo,
José Maria Pimentel
pronto. Mas depois?
Alice Ramos
Mas depois, não deixamos de brincar e de fazer estereótipos, ou porque é francês, ou porque é espanhola. Continuamos a fazer. Portanto, não deixamos de fazer. Dizemos é que é só a brincar.
José Maria Pimentel
E atenção, a verdade é que isso muitas vezes tem poder explicativo. O comentário para que eu estava a remeter era mais grosseiro do que esse, é aquela coisa do detesto franceses. Detesto franceses. Que isso é de um nível tão básico, não é? Sim. Que é bastante diferente de tu dizeres, os franceses são um bocado snobes, não é? Ou os franceses têm tendência para ser cenobres. É um nível diferente, não é? É um nível... A pessoa quando diz
Alice Ramos
isso, tu sabes que aquilo é uma coisa... É um nível mais aceitável. Achou, que é uma
José Maria Pimentel
coisa tendencial.
Alice Ramos
É um nível mais aceitável, mas à mesma é um preconceito.
José Maria Pimentel
Não, lá que é um preconceito à mesma, sim, sim, sim. Se calhar não é menos grosseiro, estava a dizer que era menos grosseiro, em certo sentido não é.
Alice Ramos
Mas isto só é grave. Nós também não podemos cair no polo oposto que é não podemos falar de nada, não podemos utilizar expressões, qualquer dia não podemos ter espontaneidade absolutamente nenhuma, porque qualquer coisa que a gente diga é preconceito, é discriminação, é não sei o quê. Apesar de tudo, eu acho que temos que pensar melhor naquilo que dizemos, se calhar, e pensar nas origens daquelas coisas que dizemos. Sim, Eu
José Maria Pimentel
diria não ser complacente. Eu acho que a palavra complacência resume um bocadinho aquilo que... Pelo menos a minha visão e acho que pelo que estavas a dizer é um bocado a tua também. Não é ser absolutamente intolerante com coisas que fazem parte da vida e da sociedade, mas ter noção do efeito que isso pode ter. E, por exemplo, o efeito de segunda ordem. Por exemplo, qual é o problema do preconceito? A gente falava há bocadinho, é a questão do círculo vicioso. Existe um preconceito, ele gera discriminação. Essa discriminação
Alice Ramos
vai alimentar o preconceito.
José Maria Pimentel
Aquilo que nós falámos há bocadinho, se as pessoas negras estão em empregos diferentes, isso vai alimentar o preconceito. Se as pessoas negras têm um grau de escolaridade mais baixo, isso vai alimentar o preconceito. Há
Alice Ramos
uma corrente conhecida da escola de Chicago, que é o labeling approach do Goffman, que diz que a partir do momento em que te põem uma etiqueta, tu vais te comportar de acordo com aquela etiqueta. Tanto
José Maria Pimentel
se tu é pequenina, te
Alice Ramos
começam a dizer que tu és mal comportado, que tu és mau que tu não sei o quê, que não vais chegar longe, tu assim não consegues. Este discurso, a probabilidade é mesmo que tu não consigas e que tu não chegues e que tu integres na tua personalidade aquele papel, aquela etiqueta que te puseram.
José Maria Pimentel
Um exemplo mais neutro disso é a questão dos signos. Que a malta gosta dos signos porque fica ah não sou capricórnio, não sei o que,
Alice Ramos
pois ah és mesmo assim. E uma
José Maria Pimentel
coisa que tem de zero de adição à realidade, por isso é que é um exemplo gírio, as pessoas começam ao longo da vida a arranjar fatores e a
Alice Ramos
colarem-se às coisas boas. Não é que tem o seu signo E
José Maria Pimentel
se calhar achar que também têm
Alice Ramos
as más, não é? Achar que têm... Pronto, é.
José Maria Pimentel
Mas há outras experiências que... Embora
Alice Ramos
os signos são inóculos na vida. Será? Não, na vida, no dia-a-dia. Quer dizer, uma pessoa não perde um emprego por ser
José Maria Pimentel
balança.
Alice Ramos
São inóculos nesse
José Maria Pimentel
sentido. Sim, sim, sim. Não, até, são um caso de estudo giro até, por isso.
Alice Ramos
Não causam desigualdade social.
José Maria Pimentel
Claro, claro, que eu saiba que ninguém foi discriminado.
Alice Ramos
Se calhar há alguém. Eu tive um emprego, não queremos carangueiros. Primeiro, Antes de saber se casa com alguém quero saber o signo porque há uns que eu não
José Maria Pimentel
quero. Talvez, ou talvez em termos... Portanto, deve haver. Eu achei que ias falar até de outras experiências que têm a ver com a ativação dessas etiquetas, que também é outro fenómeno giro. Ou seja, todos nós temos, por exemplo, nós que circulamos pela Europa temos uma espécie de estigma de sermos portugueses. Não, um estigma enorme. Mas se fomos para a Europa Central nós temos uma noção de que há uma decalage entre Portugal e... Se formos para a Europa de Leste já será ao contrário, ou se fomos para, sei lá, para a América Latina ou para a África já será ao contrário. Mas para a Europa Central claramente. E nós temos esse estigma. E portanto, se um de nós for fazer um exame, não estou a dizer eu e tu necessariamente, mas em média, e nos perguntarem alguma coisa antes do exame que ativa a nossa nacionalidade, nós em média, vamos ter a pior nota. Que é muito giro. Sim. Algumas experiências fatais com isso, já não sei. Acho que tem a ver com a questão... Mas A própria
Alice Ramos
Jane Elliot fez isso e os miúdos que tinham boas notas desceram rapidamente o seu desempenho escolar a partir do momento em que começaram a usar o colar e que eles começaram a dizer tu mereces menos, tu não bebes água, tu não não sei o quê, tu és pior do que os outros. Porque toda a gente sabe que os meninos de olhos castanhos são mais inteligentes do que os meninos de olhos azuis. E basta dizer isto que o desempenho escolar baixou logo.
José Maria Pimentel
Claro. Não foi preciso muito tempo. Sim, sim. Não, essa experiência é genial porque não tem a dizer nenhuma realidade, lá está, Ou seja, aquilo é uma coisa completamente aleatória. Eu depois ponho, só para quem nos está a ouvir, isto é uma experiência conhecida de uma professora americana, eu depois ponho nas referências do episódio. Mas de facto é incrível isso, porque é pegar numa variável que não adere de maneira nenhuma à realidade e as pessoas começam
Alice Ramos
a se comportar... É quem ninguém
José Maria Pimentel
liga, não é? Não há nenhum estereótipo a construir a
Alice Ramos
partir dali. No fundo, não ligas à cor dos olhos, mas ligas à cor da pele.
José Maria Pimentel
Desculpa interromper-te, mas nós falámos aqui da questão da cor da pele, etnia, mas há discriminações mais leves, acho eu admissivelmente, mas que... Nós quando começamos a pensar em discriminações há um sem fim, não é? E há, sei lá, as pessoas mais altas são beneficiadas, porque nós também temos uma heurística que favorece as pessoas mais bonitas, como dizes há pouco. Em Portugal, por exemplo, existe claramente uma discriminação contra a norma de sotaque centralizado, não é? Não é bem Lisboeta, mas vem da norma Lisboeta e, portanto, alguém que venha com sotaque beirão a falar, lá, deixa aí, mas é óbvio que não. Se Eu vejo uma pessoa a falar assim, quer queiramos que é, não estou a dizer nem a orientou-se especificamente, se calhar sim, mas claramente existe essa normatividade, portanto, também nesses casos tu tens preconceito.
Alice Ramos
Pode haver, pode acontecer, preconceito em relação a... Agora
José Maria Pimentel
a questão da cor dos olhos de facto acho que não existe. Eu até me lembrei de um exemplo, antes de ver isso no outro dia, que era... Bastava, por exemplo, tu calhares, que lá tens umas... Como se de repente Portugal se dividisse em pessoas que só o cabelo e os olhos cresciam na parte direita da cara e o outro só na parte esquerda. Deixavas passar umas décadas e se calhar começavas a criar preconceitos à volta daquilo que as pessoas calhavam os do cabelo à direita. Porque
Alice Ramos
o arranjas é categorias que diferenciem. E nós desde pequeninos que aprendemos a... Para arrumar a cabeça, para ser mais fácil viver, arrumar em caixinhas e depois, quer dizer, que é este processo de categorização, que é onde tudo começa, processo de categorização e depois vem um processo de diferenciação, quer dizer, sim senhor, estas categorias existem, mas elas não são todas iguais, elas são diferentes. No passo seguinte dizes, ok, elas para além de serem diferentes, há uma hierarquia, há umas que são melhores do que outras e depois para além disso, para além de serem melhores do que outras, há uma questão de essencialização, que é, tu não
José Maria Pimentel
podes passar de uma categoria para a outra. Ah, sim, sim, sim. São estanques.
Alice Ramos
São estanques. E todas as pessoas que pertencem àquela categoria são iguais. E a partir daqui já estás a discriminar. Mas tudo começa no processo de categorização.
José Maria Pimentel
Sim. Essa sequência que fizeste é muito interessante. Os vários passos.
Alice Ramos
Portanto, nunca ninguém... Pois é,
José Maria Pimentel
que a questão da cor da pele é tão insidiosa, porque é absolutamente estanque.
Alice Ramos
Olha, por acaso, outro dia estava a ver um episódio do Botched. Não conheço. São dois médicos que resolvem problemas a pessoas que fizeram operações e que correram mal e não sei o que, plásticas, e apareceu uma fulana que era sueca e que passou a preta. Injetou-se com melanina e com não sei o que, o cabelo ficou... Sim, portanto até isso hoje em dia já se pode. O Michael Jackson ao contrário, não é? Branqueou-se completamente. Mas aqui é... O problema é que não estamos a falar de indivíduos, estamos a falar sempre de grupos, nunca estamos a falar de indivíduos. E o que estamos a dizer é que um indivíduo que pertence a um grupo que é pior do que outro nunca terá a possibilidade de passar ao grupo melhor.
José Maria Pimentel
Exatamente. Olha, até é uma boa maneira de terminarmos, de certa forma voltamos ao ponto de começar. E com a recomendação do livro, não sei
Alice Ramos
qual é, estou curioso. Eu por acaso trouxe dois e que são dois que não têm nada a ver com isto, tanto quanto as coisas não têm nada a ver umas com as outras, porque têm, e um chama-se The finer points of sausage dogs, que é uma paródia ao mundo universitário. É uma paródia à arrogância, à falsidade e que ainda por cima tem duplamente piada porque um dos personagens ou o personagem principal é um famoso professor alemão que escreveu um livro que é Portuguese Irregular Verbs e que fez um sucesso brutal, que é a obra supra sumo da filologia.
José Maria Pimentel
É sério? Curioso.
Alice Ramos
Portuguese irregular verbs. E, portanto, tem referências, é, para um lado a gozar com uma coisa que é super desinteressante. Quem é que se interessa por verbos irregulares portugueses? Quer dizer, ninguém. Nem nós quase. Nem nós. Para nós isso é um problema, não é? Exato. É motivo de interesse. E depois as situações, o Hilariante, a história toda começa porque é um tipo que diz, ah eu não quero ir aos Estados Unidos, eu conto só o início, só para deixar o interesse para ler o livro. E ele diz, não, não, eu não sei, isso passa-se em Inglaterra, eu não vou para os Estados Unidos porque eu sou um professor inglês e, portanto, eu estou aqui. Até ao momento em que ele sabe que um tipo mais novo do que ele foi convidado para ir aos Estados Unidos e ele aí diz, não pode ser, aquele tipo não pode ir aos Estados Unidos antes de mim. E então ele vai ao departamento das Regulações Internacionais, lá da faculdade dele, e diz, arrangem, se faz favor, um colóquio, uma coisa qualquer, nos Estados Unidos, para eu ir falar, mas tem que ser nos próximos 15 dias, tem que ser antes dele. As gajas fazem isto e não sei o que, e assim, a senhora arranja lá um sítio para ele ir fazer uma comunicação. E eles chegam e convidam-no a ver estábulos, quintas, e ele acha aquilo tudo muito picturesco, acha tudo muito interessante, mas não percebe muito bem Se ele vai fazer uma talk sobre verbos irregulares portugueses, porquê é que lhes estão a mostrar porcos e porquê é que lhes estão a mostrar cães e porquê é que lhes estão... E depois levam-no para uma sala onde ele vai fazer a sua preleção e tem 10 minutos para falar sobre cães-salsicha. Porquê? Porque enganaram-se no nome e em vez de ser o Eaglefeld estavam a convidar o Eaglefold. E o Eaglefold é um conhecido veterinário especializado em cães-salsicha. Isto começa aqui e depois o desenrolar de peripécias desde uma caixa que ele tem que guardar com os ossos do pai natal, com as ossadas do pai natal que acabam se preencher comidas também para um cão salsicha. O livro é muito divertido. Engraçado. O outro é de uma triologia do Italo Calvino que é o Visconde Cortado ao Meio. E é uma triologia que é o Visconde Cortado ao Meio, o Barão Trepador e o Cavaleiro Inexistente. Tu
José Maria Pimentel
pensaste que já foi recomendado no podcast? Eu acho que livros dele já foram, não sei se...
Alice Ramos
O Visconde Cortado ao Meio é também uma história entre a realidade, porque as pessoas não podem andar cortadas ao meio, mas este anda, este é cortado ao meio numa batalha e fica o lado bom e o lado mau. E então há uma metade que é péssima e há uma metade que é muito boazinha. E no fim do livro chegamos à conclusão que o que é que é pior, o que é que é mais irritante é o bonzinho. Quer dizer, o tipo que é sempre bom, que só faz sempre bem, que acaba por ser muito pior do que...
José Maria Pimentel
Há umas ressumeças com a conversadora, que devem ter sentido.
Alice Ramos
Que é mau. Portanto, eu acho que são dois livros que não têm muito a ver com isto, que são livros divertidos,
José Maria Pimentel
bem dispostos. Excelentes recomendações, por acaso. E
Alice Ramos
são livros... São ótimos livros de verão. Boa.
José Maria Pimentel
Não, exatamente, sobretudo... Bem, sobretudo, se calhar foi por teres dito primeiro, mas o dos Salsa dos Dogues fiquei... E também
Alice Ramos
existe o primeiro que é os Portuguese Irregular Verbs. Ah, curioso. Que é importante, tem que se ler os... Ah,
José Maria Pimentel
não, estou a ver aqui. Sim, isso deve ter muita piada. Agora lembraste-me de uma coisa que não tem nada a ver com isso. Há um livro, não sei se já apanhaste isso, há um livro que é uma espécie de mini-dicionário que foi publicado no século 18 ou 19 e que andou a circular pela Europa, de um tipo que não prestou nada de inglês, um português e que ninguém sabe bem quem era e que fez um dicionário, uma espécie de dicionário português-inglês com tudo estropiado, tudo trocado, as traduções. Então ele inventou aquilo tudo e andou a circular pela Europa. Acho que até o Mark Twain escreveu sobre aquilo, porque tornou-se uma coisa de gozo. Eu tenho até, depois comprei aquilo na Amazon, que é muito pequenino, mas não faz sentido nenhum. Aquilo são palavras inventadas.
Alice Ramos
Mas isso existe, não é? Isso
José Maria Pimentel
é um sistema mesmo. Ele terá feito uso de um dicionário francês e inglês e de um português francês, mas muito mal correspondido.
Alice Ramos
Se é um José Camarinha,
José Maria Pimentel
não é? Sim, mas muito pior do que os Ecamarinhas, muito pior. É incrível. Há coisas que não percebes sequer de onde é que vem. São traduções literais misturadas, do português misturadas com traduções do francês, mas aquilo não faz de mim, mas tem muito sequeiro. Deve
Alice Ramos
ser super divertido.
José Maria Pimentel
Eu depois manto o link e ponho lá nas referências. Olha, Alice, obrigado.
Alice Ramos
Obrigada, eu.
José Maria Pimentel
Foi uma conversa, foi ultra-informativa mesmo, foi para mim foi muito útil.
Alice Ramos
E ficam sempre muitas coisas por dizer. Ficam imensas
José Maria Pimentel
por dizer, sim. Mas, embora já tivesse abordado algumas coisas destas, já tardava a trazer este tema específico ao podcast, portanto, foi ótimo.
Alice Ramos
Ótimo, obrigada também.
José Maria Pimentel
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