#92 Henrique Leitão - Os mitos surpreendentes da História da Ciência
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45 Graus. Neste episódio estou a conversa com o Henrique Leitão, estudiador
de Ciência e alguém com um percurso muito singular. Depois de se
ter doutorado em Física, o convidado acabou por se tornar investigador na
área da História da Ciência. Atualmente é investigador e docente na Universidade
de Lisboa, onde tem feito um trabalho de investigação de relevo mundial,
ligado por exemplo à revisitação do contributo ibérico ligado aos descobrimentos na
transição da Europa para a Modernidade Científica. E como vamos ver mais
à frente, é um contributo limitado no tempo, mas com papel fulcral.
Este trabalho do Henrique tem sido reconhecido com vários prémios, como por
exemplo o Prémio Pessoa que recebeu em 2014, o que já agora
faz dele, juntamente com Carmo Fonseca e Frederico Lourenço, o terceiro Prémio
Pessoa a vir ao 45°. Esta foi uma conversa fascinante e sobretudo
surpreendente, uma daquelas que me fizeram olhar com outros olhos para a
história, neste caso a da ciência, e até mesmo para o mundo
em que vivemos. O Enrique já me tinha sido recomendado há muito
tempo, mas confesso aqui que foi hesitando, basicamente por recear que a
história da ciência fosse uma área já, digamos assim, concluída e que
portanto, não deixando obviamente ser muito interessante, não desse muito tema para
discussão no podcast. Mas não podia estar mais enganado. Na verdade a
história da ciência e sobretudo a história de como a partir do
século XVI houve uma transição para aquilo que hoje chamamos a ciência
moderna, tem muito, muito que se lhe diga. Esta é uma área
da Estorografia que ganhou uma nova vida nos últimos 50, 60 anos.
Nova vida é essa que, falo por mim, pelo menos, tinha uma
noção muito parcial. Neste último meio século, foi feita uma análise mais
fina e ampliada da realidade daquela época, o que gerou novos factos,
novas ideias e um debate intenso sobre uma série de fatores que
sobressaem desta análise e que eram, até ali, desconhecidos, ignorados ou no
mínimo subvalorizados. São aspectos que nos fazem perceber que as transformações que
ocorreram naquele período são muito mais complexas do que a história que
nos é habitualmente contada, que relata o surgimento, quase por geração espontânea,
de uma maneira diferente de olhar e estudar o mundo natural. Durante
a nossa conversa percorremos uma série desses aspectos. Por exemplo, será que
os grandes nomes da chamada revolução científica pensavam da mesma forma dos
cientistas atuais? O que dizer, por exemplo, da paixão de Newton pela
alquimia ou pela cronologia bíblica, duas atividades hoje tidas como não científicas.
E qual foi o motor daquela transição para a ciência moderna? Foi
um pequeno número de génios a trabalhar quase sozinhos e com momentos
brutais de inspiração? Ou foi uma mudança mais transversal na organização da
sociedade que influenciou a maneira como muita gente passou a olhar o
mundo. E essa transição ocorreu exclusivamente em alguns países específicos do centro
da Europa ligados ao Protestantismo ou foi antes um fenómeno pan-europeu? E
que influência tiveram, por exemplo, os descobrimentos ibéricos? E já agora, como
é que áreas como a Astronomia já tinham dado o grande salto
para a Modernidade em meados do século XVII, enquanto a Biologia, por
exemplo, teve de esperar mais dois séculos para ter uma verdadeira mudança
de paradigma? E finalmente, a pergunta que resulta de todas estas, se
a história da transição para a modernidade científica é afinal tão complicada
e com tantas matizes, será que ainda faz sentido falarmos de uma
revolução científica ocorrida naquele período? Foram estas e outras perguntas que discutimos
numa conversa que foi um pouco mais zigzaguianto do que o habitual,
sorry, e como de costume encontro a lista de tópicos que abordámos
e alguns links úteis na descrição do episódio. Até à próxima! Enrico,
muito bem-vindo ao podcast. Bom dia, muito obrigado. Eu é que te
agradeço o convite. Vamos falar de história da ciência e se calhar
começamos já por aí. Que tipo de história é esta? A história
da ciência.
Henrique Leitão
É uma história um bocadinho peculiar. A melhor maneira, talvez, de se
perceber é olhar um bocadinho para como a disciplina começa e o
que é que se tentou fazer. E isso mais ou menos define
os objetivos desta estranha disciplina. Mais ou menos por finais do século
XVIII, meios do século XVIII, alguns cientistas começaram nas obras científicas que
escreviam a incorporar uma espécie de resumos históricos da sua disciplina. Faziam
umas introduções históricas, etc. Eram, habitualmente, coisas muito disciplinares, portanto, era um
historiador de matemática que falava um bocadinho como é que tinha sido
a história da matemática, um historiador da biologia que falava um bocadinho
como é que tinha sido a história da biologia. E esta é
uma primeira origem E é talvez a origem mais importante são estes
desvios históricos de profissionais de certas disciplinas a falarem das suas próprias
disciplinas. Depois há outra origem também, que foi a filosofia. Também a
certa altura também se começou a interessar pela ciência, enquanto uma certa
forma de saber. Portanto, também há aqui outra linha.
Mas
só para olhar para a questão dos cientistas, isto começou a gerar
um conjunto de textos e crescendo com o tempo, sobretudo depois no
século XIX, que é um século muito importante para tudo o que
seja atividades históricas,
não é?
Que começa a construir uma espécie de uma narrativa histórica sobre a
evolução da ciência. O ponto importante, que é preciso sublinhar já, é
que esta origem criou uma disciplina ou uma inspeção histórica com uma
forma muito peculiar, porque são os profissionais de uma disciplina que olham
para o passado dessa disciplina e o reinterpretam estando eles no fim
dessa evolução. E, portanto, é uma descrição que tinha vários componentes que
foram muito conhecidas. Uma era, por exemplo, do ponto de vista técnico,
era muito forte. As pessoas que faziam isto, habitualmente, eram cientistas muito
competentes e, portanto, faziam análises que eram, do ponto de vista técnico,
muito fortes, muito exigentes. Era preciso mesmo saber muita matemática e muita
biologia.
Henrique Leitão
Já mais avançadas na carreira, faziam uma reflexão final e tal. Mas
o problema principal é que era incrivelmente seletiva, porque este tipo de
posição, um historiador que se ponha neste tipo de posição, imediatamente entra
pela história adentro, digamos com uma hiper-selectividade naquilo que lhe interessa, porque
tudo aquilo é julgado em função da posição onde ele está. Uma
evolução para a qual tudo transporta, não é? Por exemplo, apareceu logo
desde muito cedo um critério que se manteve durante muito tempo, teoria
certa, teoria errada, digamos. Isto é um critério, como é que eu
ia dizer, assim, é passível de um julgamento contra os factos da
natureza, mas do ponto de vista histórico é um critério muito problemático,
não é? Porque houve teorias erradas importantíssimas na história da ciência, não
é? E, em certa medida, as teorias com maior sucesso de hoje
em dia estarão erradas muito em breve, não é? Portanto, este tipo
de temas de seleção foi muito importante e depois introduziram logo outras
seleções do género, aquilo a que chamavam ciência e aquilo a que
não chamavam ciência. E portanto, logo depois se vai configurar como os
famosos problemas da demarcação, que aparece de uma maneira muito natural, porque
os cientistas reconhecem aquilo que eles e a sua disciplina e os
seus profissionais faziam como ciência e o resto como não sendo. E
depois muitas outras características que isto tem, que este tipo de análise
histórica tem. Outras duas muito importantes são, por exemplo, é uma história
intelectual só? É muito raro neste tipo de abordagens haver interesse por
qualquer outra questão que não seja de história intelectual ou de história
mental. Às vezes um bocadinho as instituições, mas muito pouco. Esta é
uma característica também importante. E depois é muito triunfalista. Estas narrativas acabam
por ser uma história de um progresso inapelável que vai evoluindo, uma
grande cavalgada em que o próprio agente que está a escrever, o
próprio escritor que está a escrever, é o último a chegar e
mesmo sem o dizer está naquela linha histórica. Outros elementos, mas isso
tem a ver com tradições historiográficas ainda mais antigas, é muito baseado
em pessoas isoladas. O modo de escrever, basicamente, consiste neste identificar um
grupo incrivelmente selecionado de pessoas que foram os verdadeiros agentes do progresso
científico, aquelas pessoas a que chamamos os génios.
Portanto,
para desaludar muito rápido, o que é claramente um tema mais complexo,
é preciso perceber como a disciplina começa e A forma que este
tipo de escrita histórica adquire, por causa do seu início, e surpreendentemente
isto manteve-se durante muito tempo, e a forma mais ou menos é
esta. A ciência é um grande empreendimento intelectual, um grande empreendimento intelectual
em grande desenvolvimento com muito sucesso e o que faz mover isto,
os agentes disto, são um grupo muito restrito de pessoas chamados génios
que têm umas ideias extraordinárias e que pontualmente fazem estas grandes modificações
da ciência. Este é o registro. E estudar ciência era estudar este
fenómeno. Sim. Há uma série de coisas interessantes para onde pegar, mas
começando
José Maria Pimentel
por esta última. O que me parece, apesar de tudo, é que
o papel dos génios, quando falamos de génios estamos a falar daquelas
figuras da primeira parte da ciência, ou seja, já lá vamos, mas
desde o início da revolução científica, Copernic, Galileu, Newton, por aí fora,
Kepler, por aí fora, esses génios tinham sobretudo um papel no início,
porque a ciência contemporânea é um trabalho coletivo e propositadamente coletivo, É
um trabalho cujos pilares são precisamente esse o lado coletivo, na lógica
de que qualquer um de nós, por mais lá está genial que
seja, não é omnisciente e portanto não pode saber tudo e não
pode sozinho levar a ciência daí para frente. A ciência contemporânea, nesse
sentido, até está em
José Maria Pimentel
Não, o que eu quero dizer não é isso. É que agora
se transformou numa coisa coletiva? Sim. E como é que isso aconteceu?
Não, mas o meu ponto não é esse, é dizer, por exemplo,
naquela questão de distinção entre ciência e não-ciência, há uma tentação para
esses cientistas para, mais ou menos, ignorar as atividades não-científicas, por exemplo,
até de algumas dessas figuras, como é o caso do Newton, que
se dedicava, por exemplo, à alquimia, com tanto empenho como se dedicava
à física. E isso percebe-se, Porque a pessoa quase que quer ignorar
aquele lado, é como se Newton fosse igual a nós e portanto
vamos ignorar aqueles devaneios que ele tinha, não é? Exatamente isso. Agora,
a questão do individual versus coletivo, nesse sentido, aí já não acontece
isso, não, porque a ciência atual é muito mais coletiva do que
a protociência. Ou seja, aí não há... Reconhecer um trabalho mais coletivo
não pôria em causa o nosso ego, se nós quisermos, ou o
nosso papel do cientista na sociedade. Daria muito mais trabalho. Sim,
Henrique Leitão
mas apesar de tudo é uma posição muito moderna, digo eu. Analiticamente
muito moderna. Seria muito estranho uma pessoa, digamos, no princípio do século
XX ou a meio do século XX, insistir sobre essa dimensão. Não
seria habitual, sobre a dimensão coletiva da ciência. Foi adquirido recentemente, digamos
assim, e agora reconhecemos que sim, não nos questiona, não é? Mas
já podemos ir lá porque tudo isto adquiriu depois configurações cada vez
mais abrangentes, não é? Só para dizer que esta ciência quando começa,
começa com esta forma, mais ou menos assim, que nós todos mais
ou menos a reconhecemos, porque por razões complexas foi a que entrou
no registro popular. E, portanto, a cultura popular, e inclui aqui o
ensino secundário, por exemplo, mas inclui habitualmente os jornais, inclui habitualmente o
que vê na televisão. Este é o modo científico que transmite, o
modo de história científica que habitualmente transmite. Sim, continua a ser. Continua
a ser. Portanto, é um grande empreendimento intelectual, é um grande empreendimento
intelectual feito por não sei quantos e que é ativado por pessoas
extraordinárias que são estes géneros e é um progresso imparável. E depois
está muito bem definido, tem uma dinâmica interna tão imponente que, digamos,
deita fora tudo o que hoje nós já não reconhecemos como ciência.
O caso da alquimia é um bom exemplo. E pronto, isto era
a história que domina todo o século XVIII e grande parte do
século XIX como interpretação científica. E
José Maria Pimentel
mesmo hoje em dia, quer dizer, qualquer... Eu confesso que embora... Foi
interessante para mim preparar este episódio porque embora eu conhecesse o interesse
do Newton pela alquimia e obviamente o facto de todas aquelas personagens
não pensarem como um cientista moderno, no sentido de... Desde logo pelo
facto de, para eles, o papel de Deus, por exemplo, ter um
peso muito maior do que tem na mundividência da maior parte dos
cientistas contemporâneos, mas ainda assim não deixou de me surpreender o peso,
por exemplo, no caso de Newton, que a alquimia tinha para ele,
tanto como tinha a física e o facto disso significar... É destes
casos que eu quero dizer. Por um lado eu já sabia, mas
por outro lado nunca tinha pensado nisso desta forma. Isso significa que
nós estamos a projetar na cabeça dele, na mente dele, uma série
de maneiras da nossa mundividência atual que ele não tinha. Ele e
outros personagens daquele tempo.
José Maria Pimentel
Se nós lermos um livro, ouvirmos uma série de divulgação científica, se
for para crianças, então claramente, mas aí é compreensível de certa forma,
mas continua a ser muito feita a volta disso. Agora, ainda há
de qualquer forma aqui duas componentes, não é dizer, eles não eram
como, não pensavam como nós pensamos hoje em dia, ou como muitos
de nós pensam hoje em dia, portanto isso é um anacronismo, mas
há outra coisa que o Enrico falou há bocadinho que é a
questão do, independentemente disso, daquelas personagens individuais terem tido ou não terem
tido um peso preponderante enquanto indivíduos, ou seja, terem sido eles a
mover o carroço. Isso é inegável. É inegável
Henrique Leitão
que ainda há uma coisa chamada o contributo individual, apesar de todas
as reavaliações. Gostava só fazer uma pequena reflexão, porque ainda não defendi
bem a minha dama, porque é que a história da ciência é
tão interessante. É porque esta afirmação simples de que aquelas pessoas não
pensam como nós é absolutamente trivial quando nós estamos a falar de
um escritor, de um poeta, mesmo de um filósofo, mas perturba-nos quando
estamos a falar de um cientista. E, portanto, nós vemos, espera, aqui
é uma classe de intelectuais acerca dos quais, quando nós revelamos que
eles não são exatamente como nós, parece que ficamos perturbados. No caso
do Newton, não foi só ele ter se dedicado muito à alquimia.
É muito mais do que isso. É que foi o interesse principal
de Newton. O interesse principal de Newton era a alquimia e era
o que se chama cronologia bíblica. Fez muitos trabalhos sobre cronologia bíblica.
Portanto, dois temas que nós nunca reconheceríamos hoje como temas, digamos, interessantes
para a ciência. Mas qualquer tentativa de perceber Newton que não coloque
isto no centro da mesa está a trabalhar com uma caricatura, não
é? Agora, isto não nos perturbaria se fosse um poeta. Mas perturba-nos
se fosse um cientista. Porquê é que diz isso, que não nos
perturbaria
Henrique Leitão
Porque a afirmação de que as pessoas são um produto do seu
tempo é uma afirmação que é não problemática quando nós falamos de
um artista, por exemplo. Todos estamos disportos a dizer sim, claro, estamos...
Mas há qualquer coisa... Curioso, mas para mim seria ao contrário, por
acaso. Há qualquer coisa no cientista que parece dizer... Não, não, porque...
E qualquer coisa o quê? O qualquer coisa é que eles foram
uma espécie de constituídos como uma espécie de exemplos de racionalidade ou
exemplos de moralidade nossa, não é? E, portanto, nós esperamos encontrá-la igual
no passado.
José Maria Pimentel
Mas é que eu estou curioso. Provavelmente não estou a ver a
coisa bem. Ou seja, eu consigo perceber a implicação que isso tem
para um cientista quando entramos num terreno, por exemplo, de questionar o
conceito de verdade e dizer se até que ponto é que mesmo
numa ciência como a física, por exemplo, existe aquilo que nós consideramos
hoje em dia como determinados axiomas, não são produto de determinado contexto
cultural. Aí eu percebo. Agora, no geral, eu até diria que me
faz menos confusão saber que Newton tinha esses outros interesses, porque ele,
enquanto cientista, aquilo que ele estava a postular era comprovável com dados
e foi validado ao longo do tempo. Até me faz mais impressão
do que quando a pessoa lê um filósofo antigo ou um autor
antigo.
Henrique Leitão
No caso do Newton, como sabe, foi só muito, muito recente, uma
senhora, Betty Dobbs, que foi uma grande historiadora americana, começou a estudar
a alquimia do Newton. Ninguém estudava a alquimia do Newton. Ainda hoje
as pessoas acham que não há nada de interessante na alquimia de
Newton. O que seria... O que é uma afirmação espantosa. Porque temos
um homem supremamente inteligente, um homem absurdamente inteligente, incrivelmente inteligente e, portanto,
quando se dedica à alquimia as pessoas acham que não só o
tema é desinteressante à partida, mas acham que até aquilo que ele
estaria a fazer seria de pouco interesse, como se a sua inteligência
fosse desativada quando fazia alquimia, não é? O que é muito interessante
e aqui tocamos neste ponto. Osmaria, talvez não seja assim, eu percebo,
mas o que a história da ciência e a história da cultura
foi assim, que a história da cultura foi assim, não há dúvida
nenhuma. Foi ocultado. O
Henrique Leitão
Uma vez mais, isto é uma consideração muito recente na história da
ciência, porque, por causa daquela descrição que eu expliquei antes, o que
era a história da ciência, a ideia de que há seres humanos
enquanto tal, praticamente não existia. As primeiras biografias de Galileu não são
biografias de uma pessoa, são biografias de um cérebro em funcionamento. Não
há ali... Ah, claro, claro. Está a perceber? Portanto, há uma destilação.
E as primeiras biografias do Newton... E para todos os cientistas... E
eram feitas pelos cientistas, provavelmente. Claro, claro. E, portanto, estas primeiras biografias,
a gente olha e diz, bom, isto é muito interessante, mas não
se pode chamar isto de uma biografia, não é? Claro, claro. E
isto foi normal. E isto ainda hoje foi normal. E por isso,
quando se revela algum aspecto humano de alguma destas pessoas, ainda causa
surpresa hoje. Alguma. Cada vez menos. Eu
reconheço. Já
estamos muito diferentes. Porque a disciplina evoluiu assim. Era tão marcado que
aquela atividade que eles trabalhavam era
José Maria Pimentel
Então, mas já, o Sr. Rigo, só antes de ir aí, só
para terminar este tema, o que apesar de tudo me surpreende, mas
que talvez também tem a ver com o facto de eu ter
tido acesso a isso, é que não é preciso ir sequer a
Newton, por exemplo. Basta pensarmos em Darwin. Darwin é
um tipo...
Claro. O Origem da Espécie é publicado em 1860, salvo erro. Darwin
era um tipo genial, era um tipo muito aberto de ideias a
vários níveis, portanto era até uma pessoa admirável a vários aspectos, mas
era um tipo cheio de preconceito. Claro, absolutamente. Raciais nomeadamente. Claro,
José Maria Pimentel
antiga. Não a encontramos. E esse é que foi o problema. Mas
há quem faça essa... O que quero dizer com isto, e isto
tem a ver com o outro ponto que o Enrico levantou, há
quem parta desta conclusão para tirar implicações sobre o próprio conhecimento que
foi produzido? Ou seja, para dizer, por exemplo, em relação ao Darwin,
dizer ok, ele era um tipo preconceituoso. Importante, se calhar, aquilo que
ele disse, as conclusões que ele tirou, estão elas próprias influenciadas por
esses preconceitos e não são válidas? Esse é um
Henrique Leitão
Bom, agora aqui temos que distinguir planos, digamos, da história da ciência.
No plano popular, não. No plano popular, a caricatura é o discurso.
Esta é uma das dificuldades que a gente tem com a história
da ciência. E quando uma pessoa dá aulas tem este problema, é
que os alunos que entram estão formatados pela cultura popular e, portanto,
tem sobre estes assuntos todos estes preconceitos. No plano erudito, não. No
plano académico erudito, toda a gente sabe isto. Toda a gente sabe
isto, é discutido, claro. Mas no plano popular, dizer isto, afim, Como
se sabe, a tendência dominante é a ideia, muito, muito, muito, muito
moderna, digamos, no fundo tem décadas de facto, de que fazer atividade
científica é uma coisa que é objetivamente contra a ciência. Esta ideia
é uma ideia completamente disparatada... Contra a religião. Perdão, Contra a religião.
Esta ideia é completamente disparatada em toda a história científica, toda. Até
muito recentemente agora. E, no entanto, é da cultura popular e é
com que os alunos aparecem. E é da cultura popular que é
Henrique Leitão
Mas isso... Portanto, houve um processo histórico no qual adquirir esta visão
que nós temos hoje demorou tempo e alguns destes elementos não foram
sempre bem lidados com. O mais óbvio é o da complexidade destas
personalidades para as quais, como nós dizíamos, fatores não científicos ou, que
à luz moderna nós chamamos anti-científicos,
foram
de grande importância na atividade científica. Este foi muito complicado. Mas no
coração disto há uma coisa, uma senhora, uma das grandes heroínas da
história da ciência do século XX, uma senhora chamada Frances Yates, que
nos anos 60, 50, 60, apresentou a sua famosa tese, a tese
de Yeats. A tese de Yeats é preciso explicar, ela trabalhava no
Warburg Instituto, ela é ligada ao grupo do Warburg Instituto, então são
muitos historiadores de arte, muitos historiadores do simbolismo, muitos historiadores de astrologia,
etc. Este tipo de pessoas. Mas ela estava interessada em história científica.
A tese foi sempre muito polémica, mas mostrar como considerações puramente ocultistas
foram centrais no desenvolvimento da ciência moderna. O ocultismo foi central. A
magia, a magia negra. Pode imaginar quando isto aparece. Quando isto aparece
foi um choque, não é? Ainda hoje é muito discutido. Mas há
Henrique Leitão
herméticos. Basicamente, agora para ir muito rápido no que é uma questão
principal, ela diz que a magia tem uma tensão de manipulação da
natureza que a mera ciência entendida como contemplação da natureza não tem.
Certo. E,
portanto, o argumento dela é que aparece um fator, e este fator
é, digamos, identificável a partir do século XV, XVI, que é um
desejo de uma intervenção e uma modificação da natureza. E isto é
muito moderno e depois ela argumenta isto mais, muito mais sofisticadamente para
dizer, pois, mas este elemento, este elemento vem do ocultismo. E assim
teríamos um dos elementos mais importantes, digamos, da caracterização da ciência moderna,
que não é meramente contemplar a natureza, mas é de facto mudá-la,
um destes elementos e que teria vindo do ocultismo. Portanto, isto foi
muito discutido, como pode imaginar. Mas só para dizer, este tipo de
considerações que o desenvolvimento científico não é, não foi, esta estrutura linear,
toda racionalizada, com as categorias modernas, com estas coisas, como nós entendemos,
esta foi a grande modificação, não é? Foi claramente a grande modificação
na história da ciência. Portanto, que outros fatores... Aqui nós só temos
estado a falar de fatores de ordem intelectual, apesar de tudo mesmo,
quer dizer, pode ser religião, pode ser a astrologia, pode ser o
ocultismo, de ordem intelectual, mas de ordem prática, por exemplo, a interpretação
marxista, não é? E nos anos 30 aparece uma interpretação marxista, diz
que é tudo luta de classes. Como é óbvio, não é? Sem
grande surpresa, não é? Sim, sim. Mas houve um homem muito importante
em 31, Boris Hessen. Boris Hessen faz uma reinterpretação de Newton, dizendo,
bom, mas este livro, a origem deste livro, é uma classe dominante
a tentar impor-se sobre uma classe explorada, etc. E faz uma interpretação
completamente marxista, em 31. A interpretação é um disparate. A interpretação marxista,
em geral, É um projeto que falhou completamente, mas contém uma ideia
interessante no meio, e essa preservou-se. E, digamos, foi o seu grande
contributo, digamos assim. Foi o de reconhecer que mesmo no desenvolvimento da
ciência as considerações de ordem social, económica, etc. Não podem ficar de
fora. Claro, fazendo um bocadinho de advogado do diabo aí,
José Maria Pimentel
apesar de tudo duas coisas que me parecem diferentes, se calhar usando
uma metáfora, aquela caricatura, não é? Que a pessoa vê, por exemplo,
existir na Alemanha nazi, não é? Das pessoas muito preocupadas com não
terem ascendências judia, por exemplo. Aquela coisa não faz sentido, não é?
Mas para elas há ascendência que tinham, definias. E no entanto, isso
aparentemente não faz sentido. O que faz sentido é o que a
pessoa é, independentemente do que os seus antepassados foram. Aqui, o que
me parece é uma situação mais ou menos análoga, que é, para
mim, vamos supor, eu sou cientista, ou sou um defensor da ciência
contemporânea, das virtudes epistemológicas e metodológicas da ciência contemporânea, eu compreendo que
tenha havido muita gente a cair na tentação de se valorizar tanto
mais quanto melhores fossem os seus custados, quanto melhores fossem os seus
ascendentes, e nesse caso seria uma mancha, Seria como lá está de
ser sangue judeu, sabe? Ou seja, o Newton ter-se dedicado à alquimia
e o Kepler, por exemplo, ter aquele interesse na numerologia ptolemaica, sabe?
Não, não, pitagórica, não é? Pitagórica.
José Maria Pimentel
astrologia, mete tudo. A partir disso seria o papel da magia e
uma série de coisas seriam à partida manchas na nossa árvore genealógica.
Mas na verdade não faz sentido que, desse ponto de vista, não
faz muito sentido que sejam, quer dizer, o percurso foi o que
foi, torna-o até mais interessante de certa forma, não afeta a validade
epistemológica daquilo que seja a ciência hoje, o facto dela ter surgido
num determinado contexto e influenciado por determinadas causas. Era evidente que aquela
malta toda não começou a fazer aquilo que nós chamamos de ciência
porque um dia amanheceram brilhantes e dizeram assim, agora hoje em dia
vou começar a procurar a verdade. É evidente que isso não aconteceu
assim. E há muita riqueza informativa em compreender qual era o objetivo
deles, o papel central de compreender o mundo natural enquanto o mundo
criado por Deus, isso é evidente, mas também o contexto em que
eles surgiram, porque aquilo era especialmente interessante. Outro aspecto interessante também é
porque é que quando o conhecimento começa a funcionar como uma alavanca
social, ou seja, um tipo erudito não apenas na erudição clássica, mas
um tipo dedicado a uma protociência, portanto à investigação do mundo natural,
isso começa a ser valorizado como algo que lhe dá um... Que
o valoriza para essa redundância socialmente, que torna uma pessoa interessante socialmente
e uma pessoa que é valorizada naquele contexto social, por exemplo. Isso
tudo são lados interessantes desta questão, não é? A pessoa perceber porque
é que aquelas pessoas se dedicavam a aquelas atividades, que motivação é
que elas tinham no fundo, não é? Claro,
Henrique Leitão
mas o problema aí é que Aquilo a que chamava os antepassados,
digamos, dignos ou indignos, varia imenso e é culturalmente condicionado e pode
ser perturbador. Se eu disser que a interpretação mais frequente, por exemplo,
que a ciência moderna vem do Protestantismo ou que vem da Europa
Central, há muitas dúvidas. Estes são, diríamos, os bons antepassados. E, portanto,
dizer que a ciência moderna, se calhar, não vem do puritanismo, são
teses, por trás de tudo isto. Estão grandes nomes. Está Merton, que
fez uma tese muito importante sobre isto. E viria do puritanismo. Tinha
que vir do puritanismo inglês, porque o puritanismo inglês tinha introduzido uma
relação com o trabalho experimental diferente, etc. A famosa tese de Merton.
Tudo isto está abandonado, mas quer dizer... É parecido
Henrique Leitão
Aliás, o Merton é Weber que contava na história da ciência. Exatamente.
Não é um discípulo direto, mas é claramente um discípulo intelectual. Mas,
portanto, isto é uma definição dos antepassados bons desta história, não é?
O incrível eurocentrismo em que a ciência ainda é contada. Quer dizer,
Aqui labutamos num problema muito complicado, que é evidente que a trajetória
da ciência ocidental, isto é, europeia, é completamente distinta de qualquer outra
cultura. Não vale a pena iludi-lo. Uma pessoa que tente iludir isto
não está a ser séria. Claro. Mas, por outro lado, isto não
quer dizer que a ciência ocidental não tenha vivido e não tenha
beneficiado de grandes inputs e de aquisições de outras culturas e que
foram tradicionalmente apagadas ou esquecidas. Mas esse ponto é interessante. Quais foram
as principais? No caso do século XVI astronómico, o que se passou
foram duas que foram com a construção da ideia do que era
uma ciência moderna e aqui ainda não chegamos à Revolução Científica. É
feita de um modo que repete muitas das coisas que os historiadores
em geral já tinham dito noutro âmbito, em particular na construção da
ideia de renascimento, a Burckhardt, etc., não é? Que constrói uma certa
ideia de renascimento e a ideia da Revolução Científica comungou de muitas
destas ideias. Uma das coisas que fez de comum foi, como para
os estudos sobre o Renascimento, limpou, fez uma, digamos, uma interpretação de
terra queimada de tudo o que vinha antes. Em particular de dois
aspectos. Da ciência medieval cristã e da ciência medieval árabe, por exemplo,
que foram interpretadas como não existindo. Sobre a ciência medieval cristã eram
os Dark Ages durante mil anos, mil anos de Dark Ages, em
que os seres humanos teriam perdido as faculdades mentais. E sobre a
ciência árabe, bem, o renascimento é implacável, elimina todo o input que
vem da ciência árabe em áreas claríssimas, como na astronomia, como na
medicina, coisas de farmacopeia, etc. Ou seja, não há
Henrique Leitão
Claro, mas há uma construção destes antepassados, o que eu estou a
dizer. Eu percebo que há estas coisas, só que a construção destes
antepassados foi muito complexa e deixando muitas coisas de fora. Outro exemplo,
e agora aqui já vai haver... Portanto, já vimos fatores intelectuais, mas
também já vimos fatores sociais e económicos, que não falámos, mas é
evidente que o modo como os cientistas se arrumam, a estrutura social
dos cientistas passa a ser um critério importantíssimo. É crítico olhar para
isto. Como assim, a estrutura social? Sim, hoje em dia, isto é
perfeitamente percebido que o desenvolvimento da ciência está também associado a certas
formas de sociabilidade. Mas
Henrique Leitão
na altura? Não, não, historicamente. Historicamente. Que esteve associado a certas formas
de sociabilidade. E que, portanto, que a compreensão das formas de organização
social dos cientistas é um problema histórico novo. E aqui isto rompe
completamente com a ideia do género isolado, não é? Eu não lhe
respondi à pergunta, mas há ou não um contributo individual. Não há
a ver um contributo individual, mas o problema é que há inúmeros
contributos que ocorrem ou não ocorrem dependendo da forma social que os
cientistas adotam. E muitos outros, por exemplo, agentes de grande importância científica
mas que foram completamente esquecidos, como por exemplo os níveis artesanais ou
níveis de educativos baixos. A artesania, a craftsmanship e os artisans, que
são um tópico muito importante nos últimos 20, 30 anos, porque percebeu-se
que estes níveis técnicos não altamente instruídos tiveram um papel enorme. Então,
hoje, esta é a situação da história da ciência. A situação da
história da ciência tenta introduzir todos estes elementos, não é? Enfim, os
estudadores acabam por se especializar mais numa área, mais noutra, mas têm
de introduzir isto. O que não faz é uma história da ciência
reduzida a categorias intelectuais e ativada por géneros isolados de três ou
quatro países na Europa Central. E este é o problema. E que
viveram todos no século XVII. Pronto, esta mitologia é que não há
nenhum historiador de ciência sério que a aceite. Mas então vamos um
por um. Se calhar voltando à questão do eurocentrismo e
Henrique Leitão
XVII. Sim, esta é uma das maiores discussões na história da ciência,
porque tem a ver com esta enorme construção social, chamada revolução científica,
que se constrói nos anos 40 e 50, e que se tornou
central e dominante na interpretação de toda a história científica. A tal
ponto que, caricaturando, podemos dizer assim, diz-me o que é que achas
da revolução científica e eu dir-te e é que historiadores. Porque tornou-se
absolutamente central. Mas é uma construção teórica, quer dizer, A revolução científica
não existiu.
Henrique Leitão
Toda a gente reconhecerá. Agora, quando se começa a ver, vê-se que
é muito deliberadamente construída, construída como todas as construções historiográficas para servir
certos propósitos e determinada por certas influências. Em particular, essa discussão é
central. Houve ou não houve um corte? Então, os estudiantes de ciência
agrupam-se em dois grandes blocos, não é? Os chamados descontinuistas, que acham
que houve um corte e acham, ali mais, acham que a natureza
do corte, a rotura, é o que é distintivo nesse fenómeno e
os outros, os continuistas que dizem que não há corte nenhum, que
há uma evolução progressiva ou então há um corte, mas é um
corte ao longo de três séculos e que portanto é muito difícil
chamar-lhe de corte. É uma evolução muito progressiva durante um certo período.
São duas
Henrique Leitão
que tiveram formação científica de base têm uma espécie de uma aversão
natural às grandes roturas. Porque viram a ciência a ser feita e
a ciência não funciona assim, não funciona de grandes roturas, funciona de
avanços incrementais. E, portanto, introduzir como elemento explicativo um corte, porque o
grande nome por trás disto é um homem chamado Alexandre Coiré, nos
anos 60, 50, 60, com Kappa, afirma que há uma rotura. E
isto tem uma pré-história anterior. Há filósofos que já tinham falado disto,
não é? Corte epistemológico. Isto depois em Portugal foi muito popular e
ainda é muito popular. A ideia de que há um corte epistemológico,
uma rotura, uma coisa que corta, é uma interpretação muito bem definida,
é uma interpretação que muitos, muitos historiadores não subscrevem, simplesmente. Os que
tiveram formação científica, habitualmente, têm dificuldade, ou pelo menos em subscrever de
uma maneira radical, o que eu me caracterizaria. Claro que concordo que
tem todo o sentido em falar-se de uma coisa chamada modernidade científica
e que esta modernidade científica é diferente do que havia antes, isto
dou de barato e podíamos caracterizar porquê, mas que esse fenómeno foi
um fenómeno crítico, cataclísmico, derrotura, tenho bastantes dúvidas que o tenha sido.
A proposta de que ele tenha sido abrupto
Henrique Leitão
o conceito que tem na cabeça. Eu tenho a certeza que o
conceito que tem na cabeça é puramente intelectual. É a ideia de
que havia uma imagem do mundo medieval, portanto uma entidade intelectual, e
que foi substituída por uma imagem do mundo moderna. Sim. Está a
ver que por detrás desta ideia, o que está é uma estereografia
completamente antiga, que na ciência só vê um produto intelectual. Qualquer pessoa
que entre no problema hoje diz, não, Eu quero saber, por exemplo,
as formas sociais dos cientistas modificaram-se ou não? Claro que se modificaram.
As exigências de prova modificaram-se? Claro que se modificaram. O ensino modificou-se?
Claro que se modificou. O tipo de livros modificou-se? Os objetos materiais
modificaram-se? Ou, para dar o exemplo muito interessante, a relevância e o
papel de indivíduos não altamente educados na prática científica modificou-se, sim ou
não? E claro que se modificou. Então o que nós vemos? Espera,
Mesmo que tenha havido um corte, este corte não tem nada a
ver, ou digamos uma modificação abrupta, não tem nada a ver com
aquilo que na historiografia antiga aparece descrito como sendo apenas um corte
intelectual, que é basicamente do mundo aristotélico, foi abandonado e...
Henrique Leitão
complexa. Sim, claro, claro, claro. E, portanto, com ramificações e com um
percurso cronológico muito mais complexo, não é? Sim. E, portanto, há aqui
interpretações do ponto de vista sociológico interessantíssimas. Um homem sobre o qual
tenho trabalhado e porque me interessa imenso, é um homem chamado Edgar
Zilsel. Zilsel foi um homem que nos anos 30, Zilsel vem de
uma clara filiação marxista e, portanto, olha para a atividade científica muito
preocupado com a dimensão social da atividade científica e faz um argumento
interessantíssimo. Ele diz que esta modernidade científica da Europa não está associada
a nenhuma mutação intelectual profunda, mas está associada a mutações nas formas
sociais. Basicamente o que ele diz é isto. Foi só quando os
intelectuais de alto nível entraram em contacto e em trabalho comum com
o nível baixo dos artesãos, quando dois grupos sociais que estavam originalmente
completamente separados começaram a trabalhar juntos, é que então surge a ciência
moderna nesta forma que nós a vemos, onde teoria e prática estão
muito juntas. Faz algum sentido, sim. Faz imenso sentido. E, portanto, aqui
temos uma interpretação que, apesar de ter uma noção de um certo
corte, não é? Não tem nada a ver com isto. Tem a
ver com o fenómeno de rearranjo social. E isto agora merece toda
a atenção, toda a inspecção. E eu diria até que
José Maria Pimentel
muito avançadas. Exatamente. Eu diria, mas não tenho a certeza, que também
houve uma modificação no papel, como é que eu diria, na importância
social, de certa forma, se calhar, do intelectual. Que esse é o
tranacronismo que nós fazemos. Há muitas figuras do passado que nós consideramos
geniais e que no tempo deles eram figuras perfeitamente secundárias, por exemplo,
na corda em que estavam inseridas. Aliás, esse é um paradoxo curioso
da história. Há nomes que nos chegam... Que na época ninguém ligava.
E que na época ninguém ligava. Exatamente. Que eram, sei lá, eram
servos de um monarca qualquer relativamente obscuro, que hoje em dia...
Henrique Leitão
Isso é importantíssimo. E agora já vai ver porque é que de
repente isto agora começa a ficar interessante em relação ao que nós
temos para dizer sobre nós, não é? É possível pensar que certos
acontecimentos históricos, de ordem geral histórica, tornaram de repente as pessoas com
competências técnicas socialmente muito mais relevantes? Uma ótima pergunta, não é? Sim,
sim. E a minha resposta é que eu acho que
sim. Eu acho
que sim, é óbvio. Houve acontecimento. Que mudanças? Já falaremos mais à
frente. Ainda temos coisas para falar. Mas o que você está a
dizer tem toda a razão. Começamos a ver arrearranjos sociais, portanto, quando
intelectuais de alto nível têm que entrar em contato com artesãos. Isto
é o Zilcel que diz. Outra consideração que me diz bom mas
qual é o papel social do homem de ciência, digamos, a pessoa
que sabe de ciência. Pode de repente ter se tornado importante por
razões de outra ordem qualquer, política, económica, não sei quantos, pode. E
a resposta dos estudiadores de ciência é sim. Portanto, o desenvolvimento teve
a ver com fatores exógenos, não é, que de repente os tornaram
socialmente muito mais relevantes. E podíamos continuar a somar aqui razões que
nos começam a mostrar que a modernidade científica foi obtida de uma
forma muito complexa. Mas ao fazer este exercício, de repente, podíamos vir
parar ao centro da mesa tópicos, temas, assuntos ou regiões da Europa
que até este momento não tinham sido consideradas. Dá
para
perceber? E é aqui que a Península Ibérica aparece. É quando, de
repente, se percebe que o fenómeno da constituição de uma modernidade científica
não é um puro fenómeno intelectual, com aquelas características todas que já
disse, mas que tem a ver com isto tudo. Por exemplo, outra
ideia, a ideia de um progresso. A literatura antiga científica não contém
de uma maneira muito explícita a ideia de um progresso. Muitas vezes
as pessoas atribuem esta ideia, digamos, ao iluminismo e é verdade. O
iluminismo é certa e depois no século XIX ainda mais. Mas a
pergunta, mas quando é que os cientistas se começam a apresentar como
agentes de progresso? Como agentes? Bom, e há várias respostas para isto,
mas é claro, uma vez mais este Sr. Zilsel também o diz,
é claro que há um momento histórico em que, por causa desta
configuração social, se começa a falar de progresso científico, tema que até
então era muito pouco falado, e isto pode-se localizar em torno do
século XVI. E depois em Inglaterra vai aparecer um homem chamado Bacon,
muito importante, mas muito antes de Bacon. As circunstâncias para a prática
científica já tinham conspirado de tal maneira que as pessoas que estavam
a envolver no estudo da natureza estavam claramente, mas claramente, a falar
de progresso em ciência. Temos que fazer progresso em ciência. A ciência
traz
José Maria Pimentel
progresso. Antes falava-se pouco disso porque também não havia massa crítica. Posso
estar enganado, mas o que me parece até ser uma das grandes
diferenças entre o pré e o pós-revolução científica, ou pré-pós-mudança, esta mudança
que nós estamos a falar, justamente não é a existência ou não
de indivíduos uniais, mas a existência de uma comunidade de pessoas que
se influenciam mutuamente, porque senão é muito fácil nós olharmos para pessoas
que existiram antes de Copérnico e encontrar pessoas que tiveram, há um
tipo agora, não lembro o nome dele, que chegou a conclusões muito
parecidas com as de Copérnico 200 anos antes. Só que na altura
não influenciou ninguém. Sim. E porventura terá a ver com isso. Hoje
tem sido muito discutido, não é? Portanto,
Henrique Leitão
hoje as redes de correspondência de intelectuais, ou as redes em que
cada um destes homens trabalha, hoje são tópico de grande importância. Porque
já se percebeu que aquilo que tinha, até há pouco tempo, sido
atribuído como um contributo individual, não foi um contributo individual, mas foi
uma espécie de um mix teórico que foi gerado num ambiente socialmente
importante. E aqui somos obrigados a introduzir o homem que mudou toda
esta maneira... Isto é um processo complexo, esta nova visão do que
é a atividade científica. Mas se há um nome que se deve
sublinhar é de facto Thomas Kuhn, não é? Porque Thomas Kuhn em
1962, quando publica o seu livro sobre a estrutura das revoluções científicas...
Bem, primeiro Kuhn influencia-se muito num autor dos anos 30, que assim
tinha passado despercebido, chamado Ludwig Fleck. E Fleck tinha falado sobre a
construção de um facto científico. Então Kuhn conta que um dia vê
numa biblioteca um livro que diz construção de um facto científico. Isto
é estranhíssimo, mas os factos científicos não existem. Precisam ser construídos. E
ele leu o livro e ficou fascinado. E o livro, Fleck, hoje
em dia está outra vez muito na moda por causa desta importância
que teve. E Fleck diz isto que nós estávamos a dizer. Pois,
mas O problema é que aquilo que muitas vezes nós atribuímos como
descoberta de uma pessoa só já vivia num caldo social muito bem
definido. Já era parcialmente partilhado por outros. Que às vezes é bastante
difícil fazer uma atribuição individualizada de uma coisa que quando olhamos em
pormenor vemos que é o resultado de ou pessoas que dizem de
consciências coletivas, talvez um bocadinho extremado, mas pessoas que dizem não, não,
é resultado de interações sociais entre pessoas. Portanto é muito difícil dizer
que foi uma descoberta daquele
Henrique Leitão
de tudo. Não tem nada a ver. Nada de tudo. De tudo.
Zero. Hoje o que sabemos é... Galileu tem uma enorme dependência de
pessoas antes. Enorme dependência de pessoas antes. E viveu sempre a interação
muito estreita com inúmeras outras pessoas, em particular, em particular, mas só
para dar o exemplo mais, em particular com artesãos. O grupo mais
original de estudos galileanos hoje em dia é o grupo da Universidade,
do Instituto Max Planck em Berlim E o que eles defendem é
que todas as contribuições de Galileu sob teoria do movimento foram adquiridas
trabalhando com artilheiros, com pessoas que faziam canhões. Galileu visitava muito o
famoso Arsenal de Veneza e era um visitante habitual do Arsenal de
Veneza. Teve muitas discussões com os homens que trabalhavam com canhões. E
é evidente que os tipos que trabalhavam com canhões já sabiam que
a trajetória de uma bola Era estranha. O que depois Galileu vai
mostrar que é parabólica. E, portanto, hoje em dia é claro para
toda a gente que é impossível fazer uma história da compreensão deste
fenómeno, que é muito importante na história da ciência, sem perceber estas
relações de Galileu com estes homens de nível baixo. Mas é exatamente
a este tempo. As pessoas têm ideias, ainda hoje têm ideias completamente
erradas. No telescópio, as interações que Galileu tem com colegas são contínuas,
mas nada disto diminui o gênio de Galileu. O que faz é
obriga-nos a reformular aquilo que achávamos ser um gênio. Era uma espécie
de uma criação ex nihilo, não? Era do nada eu criei e
agora não, nós percebemos não. É a capacidade de, com coisas que
estão mais ou menos formuladas, conseguir dar-lhes um twist, dar uma volta.
E a Galília faz isto supremamente. É difícil. É um grande gênio
da história da ciência, não há dúvida nenhuma. Agora, o que não
é, é um pensador isolado. Claro. Mas ainda assim, não deixa de
sobrar a pergunta. Ele estava
Henrique Leitão
história muito complicada, é só uma história muito complexa, mas tem que
ser inscrita num conjunto de acontecimentos que estão a suceder desde o
meio do século XVI e que vão desembocar no princípio do século
XVII. Não foi uma coisa que apareceu do nada. Ou seja, Galileu,
ao falar do heliocentrismo, está a se inscrever num conjunto
de
discussões que estavam... Agora, inscreve-se de uma maneira muito original e muito
inovadora e muito corajosa. Tudo isto ninguém duvida, mas de repente vemos
é que... Como é que eu ia dizer? O que eu queria
talvez dizer, talvez uma vez mais, talvez não seja o seu caso,
mas infeta-nos a todos ainda a visão antiga da historiografia, não é?
Porque é uma narrativa super atraente, a do gênio isolado que está
só com os seus pensamentos. E quando a gente vê que na
realidade não foi bem assim... Então nos anos 60, e agora para
chegar ao ponto que estava desde o princípio, mas ainda bem que
demos estas voltas todas, por razões várias, isto tem muitas mudanças aqui
pelo meio, mas a partir dos anos 50, 60, a história da
ciência abre-se em leque, porque começa-se a perceber, bom, mas se não
é isto que nós dizíamos, se os fatores econômicos são importantes, se
a organização social é importante, se os sistemas de ensino são importantíssimos.
Os sistemas de ensino são importantíssimos, como calcula. Como Kuhn chama muito
bem a atenção, em cada época nem todos os problemas em aberto
são relevantes. Há uma seleção do que é que são os problemas
relevantes. E o que é que faz isso? Os sistemas de ensino.
Os
sistemas de ensino o que fazem no treino de um cientista é
também definido o que é que é o problema relevante de quem
cadê a época. E, portanto, a história da ciência, a partir dos
anos 60 e 70, abriu completamente em leque e tudo isto se
tornou importante. E muitas outras coisas, a formação da autoridade, a confirmação
da evidência, os mecanismos pelo qual a credibilidade científica... Como toda a
gente sabe, a ciência, antes de mais nada, é uma operação de
fé. Nós acreditamos uns nos outros. E, portanto, tem a ver com
o sentimento, não é? E o sentimento baseado em formas de credibilidade
e de autoridade. Estas formas de credibilidade e de autoridade modificaram-se imenso,
não é? E pronto, então, é esta coisa agora, muito complexa, que
claramente tem que transportar dentro saberes que nós rejeitamos como não científicos,
mas os quais é impossível fazerem, é impossível ter qualquer possibilidade de
compreender a história da astronomia sem astrologia, completamente impossível, não é? E
hoje isto é banal, todos os estudadores o aceitam. É isto que
é a história da ciência hoje, não é? E, portanto, é de
uma riqueza imensa, é de uma riqueza imensa, permite pontos de entrada
muito diferentes, permite pessoas com formação muito diferente contribuírem
meritoriamente,
porque antes não, só os cientistas é que podiam falar de ciência,
mas hoje em dia não, ninguém diz tal coisa, não é? E
agora tem implicações muito mais profundas do que se podia pensar. E
recoloca problemas que não têm nada a ver, digamos, a forma que
estes problemas tinham nos anos 30, 40 ou 50, não é? Portanto,
tudo isto é muito vivo. Então, eles
Henrique Leitão
De que o mundo natural é bom, de que o mundo natural
é racional, estas pressuposições. Há culturas em que a ideia de que
o mundo natural é bom não é verdade. O mundo natural é
uma forma... O que é que isso quer dizer? O mundo natural
ser bom? Que a realidade material não é uma forma degradada de
existência. Isto é por influência deste mix muito próprio dos ocidentais, que
é cultura grega e depois tradição judaico-cristã. Este mix de cultura grega
e pensamento judaico-cristão introduziu-nos a um ponto que é uma segunda pele
para nós. É impossível de abandonar. Nós todos achamos que o mundo
natural é bom, mas há culturas que não o acham. Acham que
a realidade material é uma forma degradada da verdadeira realidade que seria
espiritual, ideal, o que seja. Mas que não era esta. Mas também
tem tradição no mundo ocidental. Sim, claro que teve. São os períodos
em que a ciência se vem abaixo. Claro. Portanto, o outro é
ainda mais do que racional, do que é cognitivamente acessível, não é?
Henrique Leitão
acessível à mente humana. Nós não temos a mais pequena dúvida disto,
não é? Nós não temos a mais pequena dúvida. A origem disto
é religiosa, não é? Toda a gente sabe, não é? Até de
um mundo que é feito para nós. O cristianismo transporta esta ideia.
Este mundo está feito para nós. E, portanto, como está feito para
nós, está comensurado com a mente humana. E, portanto, o Cristianismo, digamos,
resolve o problema da cognoscibilidade do mundo. Claro que tudo é cognoscível.
Porquê? Porque está feito para tal. Ou os cientistas partilham desta ideia
como uma segunda pele de que não se duvida, ou a ciência
acaba. No dia em que as pessoas duvidam da capacidade da mente
humana para conhecer o mundo natural, nesse dia a ciência acaba e
hoje temos, temos formas culturais hoje em dia, há certas formas do
pós-modernismo que duvidam disto. Isto é o fim da ciência.
José Maria Pimentel
fora. Mas esse não é um perigo da relativização que a estereografia
tem estado muitas vezes a fazer. Por exemplo, o Enrique estava a
falar há bocadinho, e isso é uma coisa mais ou menos consensual,
de que a mundividência europeia, ou quer que isso seja, vai beber
simultaneamente ao mundo grego e à influência judaico-cristã. Muita gente dirá, bem,
não só questionará isto, como dirá, mas o que é isso, influência
judaico-cristã? Não estava lá antes, Porque facilmente se encontra coisas que lá
estavam. O que é que isso quer dizer? Como
Henrique Leitão
é que funciona? Ou seja... Não, não, não, não. O que eu
quero dizer é... O que eu quero dizer é quanto se tornou
sociologicamente relevante, socialmente relevante. Torna-se socialmente relevante por causa de uma religião,
não é? Quer dizer, que haja pessoas isoladas, em qualquer cultura, na
África, na Ásia, na Oceania, onde queira, e que isoladamente achem que
o mundo é bom e que o mundo é racional, eu nunca
tenho a mais pequena dúvida que houve pessoas. Mas o problema não
é esse. O problema é que estas ideias sejam socialmente relevantes, se
tornem o padrão de uma cultura inteira. Isto sucedeu de maneira suprema
na Europa.
José Maria Pimentel
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diretamente ou através do Patreon. Obrigado. O que eu quero dizer é,
não há um perigo também da vertigem relativizadora, da estereografia que se
percebe, porque é um dos papéis da estereografia, é justamente ajudar-nos a
perceber as matizes que existem no passado, também ela própria alimentar, ou
ter alimentado essa relativização da verdade, ou a relativização do conhecimento. Porque
se nós olharmos para trás e dissermos, não, mas todos aqueles cientistas,
bem, logo eram todos homens, eram todos ocidentais, eram todos pessoas mais
ou menos privilegiadas, de repente podemos facilmente dar por nós a relativizar
o próprio conhecimento que eles produziram. Sim,
José Maria Pimentel
quantitativa, porque tem que ser, porque a realidade não só é infinitamente
complexa, como estamos a falar do passado, pode abrir a porta a
isso, porque todas as conjeturas são possíveis. Nós falámos há bocadinho daquele
livro que o Enrico falava há bocadinho, que eu já não sei
qual é que era, tinha uma tese muito conjetural, mas que teria
lá alguma validade. A história permite-nos fazer. Se nós escolhermos o ângulo
certo, nós conseguimos estar a conjeturar com alguma liberdade, não é? Conseguimos
estar a conjeturar sobre tudo, não é? Por tudo em que... No
caso da Revolução Científica, podemos pôr em causa o corte que houve
face ao que aconteceu a seguir, podemos pôr em causa a velocidade
com que esse corte aconteceu e encontrar exceções por tudo isso, podemos
pôr em causa o que é que motivou aquelas pessoas a pensar
daquela forma, quem é que contribuiu para aquilo o facto de ele
ter ocorrido em áreas diferentes, a ritmos diferentes E podemos pôr em
causa até o progresso de conhecimento que foi feito desde então. Basta
para isso citar uma série de aspectos do mundo natural que nós
hoje em dia continuamos sem conhecer. E há vários.
Henrique Leitão
não acho que seja verdade dessa forma. Certo. Mas, quer dizer, o
que me está a dizer... No sentido de terraplanar e voltar a...
Terraplanar e voltar. Não é assim que acontece. Mas não vamos ter
esta adesão que temos agora, porque teremos coisas melhores, digamos, como explicação
do mundo. Isso não é dúvida. Mas, quer dizer, o que o
Jair Marim está a dizer é uma coisa que é, de certa
maneira, óbvia. Quer dizer, quem quer ter certezas muito, muito, muito, muito
absolutas não se deve meter pela história. Não se deve meter pelo
humano, a história tenta captar aqui um humano. O que havia era
uma espécie de uma descrição histórica e que ainda, insisto, ainda é
muito popular, que é muito sólida, muito segura, muito standard, em que
está cheia destas certezas, porque como foi importada da ciência, parece que
estas certezas da ciência também afetaram o discurso histórico, não é? E
era tudo muito claro, muito não sei onde. E isso desapareceu, não
é? Isso desapareceu. Hoje em dia os nossos personagens científicos são muito
mais complexos. A formação da evidência científica, percebemos que é um fenómeno
muito mais complexo, que não são demonstrações, não é? Adesão às teorias
científicas, não é? As teorias científicas, como se sabe, contêm imensos problemas
internos, não é? Não há nenhuma teoria científica que seja irrepreensível e
perfeita. E no entanto as pessoas aderem. Então o que é que
faz? Isto é uma pergunta tipicamente kuniana. Então o que é que
faz uma pessoa aceitar uma teoria científica da qual vê os erros
óbvios ou, posto de outra maneira, o que é que faz uma
pessoa rejeitar aquilo em que acredita, não é? E o que nós
sabemos, e nós sabemos isto historicamente, empiricamente confirmado, é que os cientistas
vivem com teorias científicas que sabem que estão erradas durante muito tempo,
até que há um momento, uma vez mais uma interpretação coneana, em
que as apurias, os problemas, as dificuldades são inaceitáveis. E então neste
momento há uma transição. Este é o famoso argumento
José Maria Pimentel
Há uma coisa da tese de Kuhn que eu nunca percebi também,
porque nunca li o livro dele, mas o que ele dizia, sabe
o erro, era que as mudanças de paradigma ocorriam quando, no fundo,
as reações à regra se acumulavam, não é? Evidência no sentido oposto
se acumulava de uma forma tão conspícua que havia uma mudança forçada.
O que eu não percebo é se ele diz que o progresso
científico acontece desta forma, ou seja, acontece de uma maneira impura, acontece
porque as pessoas convivem com erros, ou se ele está a relativizar
o próprio progresso científico. Eu nunca percebi essa parte. O
Henrique Leitão
problema mais importante é que, na formulação dele, a transição é uma
transição essencialmente irracional. Mas várias coisas. Primeiro tem que existir uma espécie
de um segundo paradigma. Enquanto não existe formado um segundo paradigma não
há sentido ponto transitar. E portanto, enquanto não existe um segundo paradigma,
nós vivemos com todos os problemas. Todos os problemas. Mas, quando há
um segundo paradigma, há um momento em que se torna insustentável isto.
Só que não há maneira de o medir. Não há maneira de
o medir. E a transição é gastal de teoria. É uma mudança.
É uma mudança que ele diz que é essencialmente irracional e nós
passamos a fazer as coisas de outra maneira. E ele acha que,
por exemplo, geracionalmente, uma geração não se consegue libertar, a geração seguinte
muda. É aquele euforismo da ciência evolui...
Henrique Leitão
O que é que faz introduzir? Faz introduzir. Primeiro, questiona. Porque Kun
nunca o negou completamente e tem muitos textos a defender-se da acusação
de que o teria feito. Nunca negou que não houvesse progresso em
ciência. Há progresso em ciência. Mas o progresso tem esta dinâmica que
é muito... É mais sujo do que a pessoa pode ser levada
a acreditar. E isto
corresponde
bastante melhor ao que acontece em ciência, quando a gente examina as
comunidades científicas. O grande mérito é que todo o estudo do que
era a ciência era feito... Há uma grande tradição em filosofia de
estudar o fenómeno ciência, não é? Mas é estudado como um fenómeno
já terminado, acabado. Tenho ali uma teoria científica e eu olho para
aquele conjunto de afirmações, etc., muito complexo, e vou tentar identificar coisas
próprias desse conjunto de afirmações. Porquê é que é ciência? Porquê é
que a evidência se faz assim? Porquê é que é verdade? Etc.,
etc. O que é que aconteceu a partir dos anos 60? Esta
deixou de ser a pergunta mais importante. A pergunta mais importante não
é olhar para um corpo teórico científico já constituído, mas fazer a
pergunta como é que isto, como é que se chegou lá?
Que é
a pergunta de Kuhn, não é? A pergunta de Kuhn é, ok,
eu não quero olhar para a ciência feita, eu quero olhar para
o processo pelo qual se faz. E isto tem implicações filosóficas, mas
tem sobretudo implicações históricas. As implicações históricas de Kuhnek foram muito importantes,
porque abriu a história da ciência de uma maneira muito mais interessante.
A influência externa.
A influência externa, todas, tudo, todo o tipo, não
José Maria Pimentel
não, vamos, então vamos fechando os parênteses. Uma coisa que à bocado
não chegámos a fechar e o Henrique disse que ligava com a
questão do papel da Península Ibérica, ou seja, de Portugal e Espanha,
é a questão da mudança do papel ou do posicionamento social do
cientista, do intelectual, e acho que o cientista no cientista. O que
é que mudou naquele período? Porque desde logo há um paradoxo que
me ocorre. Por exemplo, na interligação nas redes de ideias ou nas
redes de debates. E de certa forma nunca tinha ocorrido isto, mas
é quase um paradoxo deste período. É que este era justamente um
período de maior fechamento, aparentemente, pelo menos parece-me, do que existia antes.
Na Idade Média, sobretudo na Idade Média pré-protestantismo, a Europa, embora tivesse
vários reinos, primeiro era uma Europa feudal, Olhar para aquilo como Estados
é em si mesmo um anacronismo, não é? Não tinham o Estado
centralizado como existe hoje em dia. E para além disso, todas aquelas
pessoas eram cristãs. Daí vários intelectuais portugueses teriam andado pela Europa, iam
e vinham, quer dizer, isso era muito normal, sobretudo quando se começam
a criar as universidades. E portanto, certa forma, nesse período da Idade
Média, que já é baixa a Idade Média, mas nesse período da
Idade Média, haveria até uma maior interligação do que no período em
que ocorre, ou terá ocorrido a Revolução Científica, que é um período
já marcado pela cisão, protestantismo, catolicismo, com uma série de barreiras criadas
na Europa que até terão dificultado o processo. Portanto, é quase, parece-me,
pelo menos intuitivamente, quase um paradoxo que se tenham conseguido gerar essa
massa crítica para catapultar uma mudança de paradigma, inicialmente na metodologia e
depois no conhecimento científico, numa altura em que até era menos propícia.
Parece-me, provavelmente, isto tem mais que se liga.
Henrique Leitão
Claro. E portanto tem a ver com esta história. Mas não foi
assim que se começou? Então como é que se passou? Pois, mas
o fenómeno é muito mais interessante. O fenómeno é muito mais interessante.
O fenómeno é claramente um fenómeno europeu. Aliás, europeu, mas cheio de
influências extra-europeias, mas ativado na Europa, com todo o tipo de pessoas
na Europa, todo o tipo de regiões, todo o tipo de nações
envolvidos em profundas transformações sobre a relação entre as pessoas com a
natureza e estas transformações foram ativadas por razões geoestratégicas completamente externas, como
foi a expansão marítima, não é? O contacto com a América, o
contacto com novos continentes, com novos mundos, com novas coisas. Mas essa
é uma pergunta interessante. Qual foi o papel que os descobrimentos tiveram?
Absolutamente central. Mas vamos agora perceber porquê. É que, quando eu digo
absolutamente central, não estou a dizer com nenhuma das categorias antigas. Ou
seja, não estou a dizer, e isto é causa de infinita confusão,
eu não estou a dizer que do ponto de vista de história
intelectual tenha ocorrido alguma coisa particularmente extraordinária na Península Ibérica. Ou para
dizer de uma maneira caricata que as pessoas percebem. Não há Newton
na Península Ibérica e não vale a pena ir à procura. Não
há. Não há o grande teórico. O problema é que a história
da ciência hoje não é isso que procura. A história da ciência
hoje procura muitas outras questões e essas questões nós vemos-las primeiro a
surgir não no século XVII mas no século XVI, o primeiro facto.
Vemos-las a surgir não em resultado da atividade de pessoas isoladas, mas
como grandes movimentos coletivos, em grande medida. Segundo, vemos-las a surgir não
só nos níveis académicos altos, mas vemos a surgir em níveis artesanais
baixos. Então, por ser todas estas coisas, nós começamos a vê-las a
surgir na Península Ibérica. E a razão qualquer, alguma coisa especial em
português ou espanhol, nada de todo, O que acontece é que estão-se
a confrontar com uma situação única. E a situação é o quê?
Por exemplo, imagine esta situação. Descrever as plantas da América. Descrever as
plantas do Brasil. Não há nada comparável disto antes, não é? E
nós sabemos que a partir de 1520, 30, há quer portugueses, quer
espanhóis, que têm na cabeça esta ideia louca. Vou descrever a flora
das Américas. Uma ideia completamente impossível, não é? Coisa que eles começam
logo a dizer. Mas começam-se a propor fazer coisas de modo completamente
diferente. Estas pessoas não são académicos, muitos deles, não são académicos standard,
portanto têm... O fundamento da sua credibilidade é completamente outro, não é
o puramente educativo, têm outros fundamentos de credibilidade e o fundamento de
credibilidade tem a ver com autopsia, com o facto de terem visto
as coisas, não é? E de repente aparece em história, aparece no
curso da ciência esta ideia de que o que fundamenta a opinião
certa sobre a natureza é a operação de ver a natureza e
não a operação de estudá-la num livro. Mas muitas outras, muitas outras.
Obriga, obrigou claramente aos níveis altos a colaborarem com níveis baixos, nós
temos, em Portugal e Espanha. E depois, mas não nada típico de
Portugal e Espanha, em Portugal e Espanha primeiro, mas depois logo a
seguir na Inglaterra, na Holanda, também na Frância, também na Itália, mas
sobretudo depois na Inglaterra e na Holanda, nós começamos a ver o
aparecimento destas comunidades híbridas de intelectuais de alto nível a trabalhar em
coartesãos. Pois, e o Enrique Alcá disse que ia explicar isso. Porquê
é que isso surge? Porque as necessidades que se o colocam só
são resolúveis com este tipo de colaborações. Enquanto não tivemos matemáticos a
trabalhar com pilotos, não foi possível fazer as linhas comerciais.
Henrique Leitão
Porque a situação geoestórica força rearranjos sociais que não existiam antes. Não
tem nada a ver com qualquer coisa especial que as pessoas tivessem.
É algo que surge em resposta a uma situação histórica que força
estes rearranjos todos. A noção de progresso fica claríssima, não é? A
noção de que a ciência está na base da grandeza imperial aparece
aqui. O primeiro texto que eu conheço é um texto de Pedro
Nunes, em que o diz com toda a claridade. Os portugueses fizeram
umas grandes navegações, conquistaram o oceano, faz um elogio enorme nas navegações
portuguesas. E depois diz uma coisa extraordinária. E porquê que isto foi
assim? Porque os pilotos portugueses sabiam mais, sabiam mais matemática, sabiam mais
astronomia e os instrumentos de navegação portugueses eram melhores. Ou seja, associa
a grandeza imperial a uma mais-valia técnica. Nós não temos nada assim
antes. Não há na história da Europa, em momento nenhum que eu
conheça, adorava que me trouxessem uma contraprova, não há, até ao século
XVI, eu não conheço, nenhum registro que mostre isto, que na grandeza
imperial nós hoje chamaríamos de desenvolvimento, que o que Está na base,
uma das coisas que está na base, é vantagem técnica e científica.
Mas isto está claríssimo nos textos portugueses. Claríssimo. Mas não é só
Pedro Nunes, Freitor Pinto. Freitor Pinto escreve os diálogos da vida cristã,
que é um grande best-seller do século XVI. Em certa altura, um
jurista, lá no diálogo, dialoga com o matemático. E o jurista diz,
levámos as leis, a lei de Cristo, penso eu, outras coisas. E
o matemático responde. Mas como é que levaríamos sem matemática? Mas o
que é que são andar no mar se não matemática? E as
cartas náuticas, o que é que são senão geometria. E portanto, o
que ele está a dizer é, vocês falam da grandeza da expansão,
mas isto é o que é? Isto era voz corrente no país,
voz corrente no país, depois voz corrente a Espanha também, voz corrente
a Inglaterra, na Holanda, e no caso da Inglaterra e Holanda, depois
é institucionalmente agarrado com muito mais força e torna-se central. E depois
aparecem, digamos, interpretações programáticas disto, como a de Francis Bacon. Este é
o grande programa baconiano, que é do século XVII, 1640. É repetir
coisas que neste ambiente marítimo se diziam na Europa marítima 100 anos
antes. Mas isso
Henrique Leitão
por trás. Só que o ponto, e é isto que a historiografia
portuguesa nunca trabalhou, por isso às vezes as pessoas dizem ah mas
estás a estudar ciências e descobrimentos, ah mas o professor Albuquerque ou
o professor não sei o quanto já fizeram mas eu digo mas
é que eu não estou a fazer nada do que eles estão
a fazer, nada, zero. Quer dizer, eu e os meus colegas e
outros, muitas outras pessoas que escrevemos sobre estes assuntos, e fora de
Portugal, não somos só portugueses, que escrevemos sobre estes assuntos hoje, escrevemos
nos últimos 30 anos. Portanto, com modos de análise que não têm
nada a ver com o que se fez antes. Eu não estou
muito preocupado se tem a ver com o experimentalismo ou outra categoria
destas mentais. Não é que não tenham razão. Podem ter razão, mas
isso para mim não é o problema principal. O problema principal é
que o modo habitual de relação com a natureza foi profundamente modificado.
Na Europa marítima, e esta profunda modificação é o substrato que permite
aquilo que nós chamamos de ciência
Henrique Leitão
não é menor. É que quando ingleses e holandeses entram nesta história,
o que é que eles vão fazer logo? Toda a gente sabe,
vão copiar
o
que a polícia liberdica tinha feito. Copiar as instituições. Copiar os cargos.
Começam a aparecer, não sei se sabe, começam a aparecer na Península
Ibérica cargos intermédios, que são pessoas que não são nem académicos, nem
artesãos, mas estão ali a meio, isto é, tiveram formação avançada, mas
têm que trabalhar com pilotos. Estes cargos intermédios vão aparecendo em toda
a Europa, mas no primeiro sítio onde aparecem, na Península Ibérica, são
chamados pilotos maiores, cosmógrafos maiores, etc. Há modificações na estrutura profissional da
prática científica. Aparecem novas instituições. Em Espanha aparece uma instituição chamada Casa
de la Contratación, que é uma instituição logística, mas que se torna
a zona de acumulação de toda a informação. E em Portugal, aos
armazéns dandia e da Guiné também há o equivalente. Estas instituições são
depois todas replicadas e copiadas nos outros países. Aparecem formas novas de
recolher informação. Por exemplo, estas viagens de longa distância precisam para ser
feitas, são muito técnicas, e portanto precisam para ser feitas não só
de grande preparação como da acumulação de imensa informação. Mas a informação
é de escala planetária, porque repara, uma pessoa sai de Lisboa e
vai até Goa, E às vezes continua, depois vai para Nagasaki, não
é? E então é recolhida durante toda a viagem informação sobre correntes,
ventos, pássaros, magnetismo, tudo isso. Sim, sim, sim. E isto tudo é
recolhido, guardado, compilado e analisado. Os primeiros documentos que mostram recolha de
informação sobre o mundo natural à escala do planeta são estes, são
portugueses e espanhóis. Porque a recolha de informação até aqui, a medieval,
do século XIV, XV, é profundamente local. Mas agora aparece uma vez
mais este elemento de escalabilidade, como lhe chamou, um argumento de escala
completamente novo. Não, eu não tenho que descrever as plantazinhas aqui do
meu bairro ou do meu país. O meu problema é descrever as
plantas todas daqui quando vou até outro lado. É outro problema. Ninguém
se tinha confrontado com este problema. Como é que se faz isto?
Isso é muito interessante.
José Maria Pimentel
É totalmente inovador. A pergunta que eu estava a levantar é, isto
de facto é muito interessante, quer dizer, é quase o primeiro capítulo
da história que é preciso arrumar antes do primeiro capítulo que lá
estava antes. Certo. Agora, a pergunta, que não é nova, mas que
é interessante reinterpretar à luz disto, é porquê que com esse começo
depois não se gerou na Península Ibérica socialmente, para lá dos descobrimentos,
até porque os descobrimentos, a ideia que eu tenho é que duas
realidades conviviam de certa forma, o Portugal dos descobrimentos e o Portugal
continental, que ainda era muito medieval e que não deu depois o
salto para o tipo de sociedade, o tipo de troca de ideias,
que aí sim existiu, por exemplo, na Inglaterra no século XVII. Com
este começo auspicioso, porquê é que isso depois não aconteceu? Claro que
esta é uma pergunta muito mais ampla do que estamos a falar.
Henrique Leitão
mas já estou muito contente que o José Marinho me faça esta
pergunta porque isso quer dizer que é da primeira, de facto. E,
portanto, o que deve dizer, que é o que eu digo, nós
temos que olhar para a primeira parte com muito mais atenção do
que olhámos até agora. Há muito mais a dizer. E é isto
que os estudos mostram nos últimos 20 anos, não é? O chamado
studies sobre Iberian science, que é uma coisa mundial, não tem nada
a ver, tem a ver com isto. De repente percebeu-se que o
que tinha sucedido na Península Ibérica era muito mais interessante do que
se pensava. Ok. Agora vamos à segunda. A segunda pergunta é de
facto muito importante porque eu acho que é objetivo, que é confirmado.
Eu durante um tempo pensei que tivesse também a ver com fatores
económicos, hoje em dia porque há estudos económicos sobre isto, já estou
convencido que não. Não tem a ver com um desalinhamento económico. Portugal
está relativamente bem alinhado com os outros países até a segunda metade
do século XVIII, só... Portanto não pode ser a razão. Eu hoje
estou, penso, estou mais tendente a crer que tem a ver com
os sistemas educativos, com as instituições educativas. Porquê? Repare, isto são séculos
a passar. Uma coisa é as ideias, as teorias e os conteúdos
científicos do século XV-XVI. Outra coisa muito diferente são as ideias e
conteúdos do século XVII. Ora, sucede que a ciência no século XVII
não sobrevive sem instituições de ensino boas, Ao passo que no século
XVI é possível imaginar, e eu acho que há confirmação histórica para
isto, que um certo nível de informalidade educativa fosse suficiente para capacitar
uma pessoa. Mas no século XVII isso é completamente fora de questão.
O avanço científico tornou as teorias científicas tão mais avançadas, tão mais
complexas, que estão criticamente dependentes dos sistemas de ensino. Isso é uma
coisa que nós podemos dizer na história portuguesa, é que tem um
problema gravíssimo com os sistemas de ensino até hoje, não é? E,
portanto, o que é que acontece? Parece-me a mim, mas ofereço tentativamente,
provisoriamente, como uma ideia que me ocorre, eu penso que a partir
do século XVII Portugal não consegue acompanhar as exigências a nível de
sistema de ensino que são pré-condição para se poder ser cientistas. O
que é o problema hoje? Faz sentido,
Henrique Leitão
Isso mesmo. Enquanto se nós pensarmos os desenvolvimentos geográficos, cartográficos, aquela matemática
da cosmografia, aquelas coisas, consegue-se aprender num ambiente muito informal. Mas quando
nós passamos para a astronomia matemática avançada do século XVII, já não.
E as disciplinas da física, já não. E técnicas avançadas, já não.
E depois entramos num problema deste, o problema da matemática até hoje,
o problema da ciência hoje. Às vezes as pessoas perguntam qual é
o problema da ciência hoje. Eu digo não há de qualquer jeito
um problema com a ciência hoje. É que qualquer cientista em Portugal
é uma espécie de um milagre. É um milagre, não é? Porque
o país não se orientou educativamente para os produzir, não é? Quer
dizer, o país está montado para produzir grandes jogadores de futebol e
produlos, mas não está montado para produzir grandes cientistas. E de facto
tem alguns bons. E o que é que acontece? Acontece que esses
são exceções que venceram o sistema. E onde é que está a
chave? A chave está no sistema educativo, toda a gente sabe isto.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Exatamente. Ainda no outro dia falava disso. Eu estava
aqui a pensar numa coisa que tinha ficado em aberto, o propósito
dos descobrimentos. Fico curioso em relação ao papel que terá tido, porque
uma das coisas que os descobrimentos permitiram fazer foi trazer, nomeadamente através,
por exemplo, do papel dos jesuítas na China e no Japão, foi,
ou poderá ter sido também trazer algum conhecimento que existia lá. Ou
seja, da mesma forma que nós falámos da influência da ciência medieval,
da influência da ciência árabe, que ela própria tinha ido beber à
ciência grega, no fundo tinha mantido essa tradição mais viva e tinha
a complementado. Também houve uma influência da ciência ou da protociência do
Oriente, da China e do Japão?
Henrique Leitão
Nas ciências europeias tradicionais, que se saiba, a resposta é não. E
isso tem sido estudado nos últimos anos, nas últimas décadas, com alguma
atenção. Se o fenómeno foi bidirecional, não parece ter sido assim tão
bidirecional. É claramente um fenómeno de transporte de ciência europeia para lá.
Agora, o que houve foi uma ideia de um respeito por culturas
altamente sofisticadas, não é? E com moldes sociais completamente diferentes dos nossos,
não é? E que isso também era válido para os cientistas ou
para o papel social dos intelectuais. Isto é uma coisa que choca
muito os primeiros observadores, por exemplo, com a China, não é? O
enorme respeito que as pessoas letradas têm. Portanto, há aqui modos indiretos.
De certa forma estava à frente do tempo. Que na Europa muitas
vezes não seria assim, talvez, em alguns âmbitos. Há aqui uma bidirecionalidade,
mas não é nos conteúdos científicos. Nos conteúdos científicos só muito episodicamente
pode ter acontecido. Quer dizer, a história da ciência europeia a espalhar-se
pelo mundo é uma história de domínio total. Quer dizer, porque As
formas locais são abandonadas quando vêm as europeias. O Japão e a
China têm matemáticas próprias. Até que viram os elementos de Euclides. Quando
se vê os elementos de Euclides, o que é que fizeram? Em
poucas décadas abandonam as
formas
normais. O Japão abandonou as formas normais e a China abandonou, com
o tempo, a tal ponto que a gente entra hoje numa instituição
de investigação em qualquer ponto do mundo e mimeticamente copiaram os modos
ocidentais. Sim, sim, sim. Portanto, isto não se pode negar. Claro,
José Maria Pimentel
é evidente. E o ilho de Santa Teresa, se a pessoa não
entrar numa relativização extrema... Claro, claro, isso é o que é interessante.
Há um aspecto que nós não falámos há bocadinho, ou que falámos
um bocadinho e que não chegámos a fechar e em relação ao
qual tenho alguma curiosidade, Que tem que ver justamente com o papel
social do intelectual ou do cientista. E lá está. A China é
um exemplo interessante porque a China tem uma espécie de burocracia estatal
muito antes da Europa. E daí, quer dizer, o exemplo do Confúcio,
por exemplo, era um tipo formado para ser uma espécie de burocrata
estatal no bom sentido, que é uma coisa que só existe na
China.
José Maria Pimentel
é uma coisa que surge há poucos séculos. Agora, o que se
altera naquele período é que, pelo menos creio eu, é que se
nós fôssemos a uma corte medieval o intelectual lá está era uma
figura mais ou menos secundária com um papel naquela estrutura social que
não era especialmente privilegiado, aquilo que falávamos há bocadinho, comparativamente com o
estatuto de um nobre de baixa fidelidade, por exemplo, era perfeitamente secundarizado.
Mas depois há uma mudança, não é? E surge até quase uma
moda que depois, eu creio que atinge o pico, até no século
XIX, de muitos aristocratas ou pessoas, pelo menos, com posses, se dedicarem
à ciência. O que é que aconteceu para isso ter surgido? O
que é que mudou?
Henrique Leitão
É difícil dar uma resposta... Mas um elemento foi que precisamente por
causa deste movimento expansionista em que a Europa se envolve toda e
que este movimento expansionista exige tecnologia, de repente estas pessoas com competências
técnicas adquiriram um estatuto social que não tinham antes. E nós começamos
a ver nas cortes portuguesas e nas espanholas e nas inglesas e
nas holandesas, em todas, começamos a ver que os homens que sabem
de mapas, de astronomia, não sei quantos, têm uma relevância social que
não tinham antes. Antes era só o astrólogo da corte
e o
físico da corte, ao mesmo tempo astrólogo e médico, mas agora não,
ele já se pronuncia sobre geografia, ele é tutor dos príncipes e
os príncipes têm que aprender estas disciplinas todas. Portanto, há aqui fenómenos
que não são únicos, insisto, o fenómeno é claramente mais complexo, mas
este elemento parece-me indiscutível, observa-se bem. Mas eu não sei se estou
a falar exatamente do mesmo. E, portanto, eles passam a ter uma
proeminência social que não tinham antes. Portanto o técnico, o homem que
tem um saber técnico, passa a ter uma proeminência social que não
tinham antes, de ter um saber que é socialmente mais maluco. Mas
nós vivemos mais... E mais economicamente também, porque o tipo que sabe
de plantas, não é? A farmacopeia, que tornam-se grandes redes comerciais, não
é? E, portanto, a pessoa que sabe mais deste assunto toma-se. Eu
percebo isso, mas eu não sei se estou
José Maria Pimentel
a falar exatamente disso. O que eu quero dizer é, claro que
existe isso e existe a exceção da burguesia, que claramente é um
fator que também teve muita influência aqui na Inglaterra e nos países
do centro da Europa. Ou seja, também foi uma das mudanças que
contribuíram para isto. Mas ainda assim, o que eu vejo é, dentro
de uma sociedade onde continuava a existir uma nobreza, que é no
fundo uma realidade que se altera, creio eu, já na passagem do
século XIX para o XX a sério, que existem ainda aristocratas, esses
aristocratas interessam-se imenso por ciência. Mas isso é muito mais tarde. Ah!
Isto é um fenómeno do século XVIII. Sim, sim, é verdade. Isso
é muito mais tarde.
Henrique Leitão
Eu estava a falar já do século XVIII. Não, não, não, isso
é a famosa gentleman science. Isso é muito mais complicado. Eu acho
que há fatores, há claros fatores intelectuais, não é? O programa Iluminista
é muito importante aqui. As pessoas educadas começam a olhar para a
ciência com outro... Sim, mas isso é Uma coisa que as valoriza
socialmente. Uma coisa que as valoriza. Como é também uma coisa de
gosto. Exato. De usar a alabordia, uma coisa de distinção social. Sim,
sim. Saber ciência. Sim, sim. Sou nobre e não só tenho roupas
caras, mas além disso sei comentar o Sr. Newton.
Henrique Leitão
Hoje não, mas menos, não é? Mas por outro lado, as sociedades
europeias hoje continuam a ter o sempre que tiveram, que é esta
quase anormal interesse pela natureza. A cultura europeia transporta isto, transporta um
interesse pelos fenómenos da natureza muito incomum. Quando passa um cometa na
Europa, cometa é uma coisa, digamos, frequente de se observar, quando passa
um cometa na Europa toda a gente fala, toda a gente escreve,
os pintores pintam, os poetas poetam, os filósofos, os teólogos, toda a
gente, não é? Quer dizer, é aquela pergunta. Houve grandes debates. O
debate do heliocentrismo. O debate do heliocentrismo não teve réplica em nenhuma
outra zona do globo, não é? O debate do heliocentrismo é um
debate europeu ponto final. Mas o
Henrique Leitão
Não. É menor. É um debate muito mínimo. Há um livro muito
bom, de Ronald Numbers, chamado The Creationists, em que ele analisa estes
debates sobre o criacionismo no mundo inteiro. E ele próprio reconhece. Bom,
o que nós temos de reconhecer, embora isto tenha implicações com imensas
outras coisas, isto só gerou discussões profundas no Ocidente. E na China,
por exemplo? Que eu saiba, não. E portanto, isto tem a ver
com esta inscrição social. Mas, por exemplo, na Turquia seria uma coisa
complicada, no mundo árabe seria... Mas tem a ver com a inscrição
social, que é claramente diferente. É preciso dar-nos pinotes à evidência histórica
para não reconhecer isto, não é? E isto é o que torna
fascinante a história da Europa. E por isso é que a história
da ciência, de facto, é uma disciplina... Enfim, estou muito contente, porque
é muito rica, porque deteta um fenómeno que é um fenómeno muito
peculiar no mundo ocidental, digamos, embora toda a gente tenha interessado pelo
mundo, que é o da participação social das pessoas no discurso sobre
a natureza. E a participação dos ocidentais nas discussões sobre a natureza
é muito diferente de outras regiões do globo. Muito diferente. Eu acho
que isso tem a ver com muitas coisas. Tem a ver com
as universidades, por exemplo.
Henrique Leitão
isso é que cria massa crítica. Há um historiador chamado Toby Huff.
Toby Huff é um historiador americano, fez estudos comparativos. Europa, China, mundo
islâmico. Fez estudos comparativos e usou alguns exemplos. Pode-se discutir e eu
acho que é perfeitamente lícito discutir algumas coisas, mas é interessante ver
o que ele diz. Ele usou o exemplo do telescópio. O telescópio
aparece na Europa e o telescópio incendeia a Europa em discussões. Toda
a gente discute, nobres, ricos, baixos, etc. O telescópio vai para o
mundo islâmico, não há polêmicas. O telescópio vai para a China, não
gerou interesse nenhum. E, portanto, o problema de base científico seria mais
ou menos o mesmo. E o mundo islâmico teve astrónomos extraordinários e
a China, astrónomos extraordinários. Mas a inscrição social não tem nada a
ver. Enquanto nós vemos aqui, no colégio de Santantão, aqui em Lisboa,
no colégio de telescópio, o Galileo faz observações entre 1608, mas há
certas observações que ele só fez em 1214 e que estão a
ser feitas aqui em Lisboa entre 1516 e 17. Três anos, dois
anos depois.
Henrique Leitão
na inscrição social... Espero não estar a dizer
uma coisa porque
eu não sou especialista no mundo árabe, mas, de que sei, o
que nós vemos é, nós vemos, por exemplo, os níveis altos, os
grandes astrónomos, todos a fazerem teorias, matemáticas, e há algumas indicações a
nível popular de algum fenómeno, uma supernova, um cometa, um fenómeno assim.
Mas no mundo ocidental não é assim, no mundo ocidental é contínuo,
não é? Os fenómenos astronómicos, as pessoas estão todas a escrever sobre
aquilo e escreve toda a gente.
Henrique Leitão
havia essa implantação social que é diferente. Agora, repare, isto torna-se cada
vez mais importante quando nós dizemos que o que faz andar a
ciência já não é só o tipo isolado. Porque se fosse o
tipo isolado, Nós encontramos em todas as culturas, todas, todas as culturas,
há, tem géneros científicos. Claro. Esse não é o problema. O problema
é que a ciência tem muito mais a ver com isso. Claro,
claro. Como nós já insistimos várias vezes. E é por causa disso
que de repente, um pouco paradoxalmente, a trajetória ocidental se revela muito
distinta. Os
Henrique Leitão
é como é que isto se pode tornar socialmente relevante. Sim. O
que é que é preciso que uma cultura tenha para que, de
repente, estas ideias sejam socialmente relevantes? É um exercício, é muito simples
e pode-se fazer hoje. É pegar um jornal de um país ocidental,
não é? Pegar um jornal e ver que o jornal está recheado
de notícias de fundamento científico, base. Ou porque é poluição, ou porque
é alterações climáticas, ou porque é vacinas, ou porque é o Covid,
ou porque é não sei quando. Está cheio, é impossível, cheio. E
está cheio há décadas. Jornais estão a termos assim. Faça uma comparação
com qualquer outra zona do globo e não é isto que se
tem. As notícias são de outro tipo. Ainda hoje há uma tensão
sobre o mundo natural que é muito... Quero sublinhar para que fique
muito, muito claro. Não estou a dizer qualquer diferença de capacidades, não
estou a dizer que não houve grandes desenvolvimentos científicos feitos noutras regiões,
porque houve, extraordinários. Aliás, não digo mais, como eu dizia há pouco,
a história da ciência da trajetória europeia não pode também ser escrita
sem estas influências exteriores, sobretudo no caso da Europa do século XVI,
quando nós falávamos do mundo islâmico, mas mesmo assim, tendo dito isto
tudo, é preciso reconhecer que há uma prática diferente na Europa, há
uma inscrição social muito diferente.
José Maria Pimentel
Claro, E a tónica nessa diferença da inscrição social eu acho muito
relevante. Eu queria só falar duas coisas antes de acabarmos. Uma coisa
que eu tinha nos primeiros pontos da agenda e que vamos para
não falar. Não tem nada especial, mas já agora faz sentido falarmos
disso, porque outro dos desafios ao conceito historiográfico da revolução científica é
o facto de as mudanças de paradigma, se nós quisermos, terem ocorrido
em ritmos diferentes e terem ocorrido em alturas diferentes consoante as áreas
da ciência. Inicialmente dava-se um peso muito grande à matemática e à
física, creio eu que só mais tarde se descobriu que na anatomia
também tinha havido um progresso muito grande naquela altura, mas depois há,
por exemplo, a química, é um século depois. A biologia, se... Quer
dizer, há vários progressos antes disso, mas se nós considerarmos que o
grande salto paradigma na biologia ocorre com Darwin, estamos a falar já
na segunda metade do século XIX, portanto já ocorreu muito mais tarde
e isso
Henrique Leitão
à parte de incremental e de vez em quando tem uns incrementos
um bocadinho mais... Mas este temos de acordo. E por causa disto,
e diz-me de bem, por causa disto, houve vários historiadores que começaram
a dizer vamos abandonar o conceito, vamos deita-lo fora. E houve aqui
um período, nos anos 70, em que as pessoas, os historiadores tentaram
abandonar o conceito. E dizer, acabou, nós inventámos isto a certa altura,
isto começa a revelar-se com tantas deficiências que traz muito mais desvantagens
do que vantagens, isto é, de entendimento do passado, que é a
única coisa para que serve um conceito historiográfico. Portanto, fomos abandoná-lo. E
o que é que sucedeu? Sucedeu que o resultado foi muito mau.
Sucedeu que os historiadores deram-se conta, os historiadores de ciência, que era
pior não ter o conceito do que tê-lo sabendo os seus problemas.
E esta é a situação atual. Mas porquê? Porquê que era pior?
Porque quando nós olhamos para o que era interessar-se pela natureza, ciência
de maneira muito lata, interessar-se pela natureza no século 14 ou 15.
E quando nós olhamos para o que era interessar-se pela natureza no
século 18... Não
Henrique Leitão
reflexo direto do conhecimento, por faltarem dados, por faltarem ferramentas. Mas aconteceu
qualquer coisa. Toda a gente percebe. É melhor ter uma noção historiográfica
que é incrivelmente defeituosa, mas capta este facto, aconteceu qualquer coisa, do
que porque tem defeitos de tal a fora e perdermos esta ideia.
E este é o entendimento hoje. Não sei o que será daqui
a 50 anos. Mas hoje é o que... É uma espécie de
cinte entre os dois. E portanto os cientistas hoje, por isso a
maneira de escrever, há de reparar muitas vezes que os cientistas falam,
dizem, the so-called scientific revolution, ou os outros, que há nos anos
50, não, diziam, foi a revolução científica, parecia que tinha haver tiros
nas ruas, não é? Exato. Como revolução. Portanto, esta é a posição
hoje. Hoje há um entendimento mais ou menos tácito que de facto,
com todos os seus defeitos, nos diz qualquer coisa sobre o que
aconteceu mesmo. E portanto, se perde-se o tirar.
José Maria Pimentel
Claro, claro. E a minha intuição também vai por aí. Faz todo
sentido. A última coisa que eu queria perguntar, na verdade não tem
a ver com isto diretamente, mas ocorreu-me a preparar esta conversa. Eu
digo que não tenho diretamente a ver com isto, porque já diz
respeito a um período posterior, diz respeito à Revolução Industrial, e o
Lula me mandou ouvir a certo ponto, não me lembro quem, mas
era um historiador económico, tinha escrito um livro sobre a Revolução Industrial,
e ele chamou a atenção para uma coisa que nunca me tinha
ocorrido. O mistério da Revolução Industrial é o facto de ela ter
surgido tanto tempo depois dos saltos da ciência e ter sido levada
a cabo muito por tinkerers, muito por pessoas no terreno, muitas delas,
digo eu, sem conhecimentos científicos por aí além desenvolvidos e não por
cientistas e não em resultado direto aparentemente da revolução científica. Eu dizia
que isso era um puzzle que até hoje nunca tínhamos conseguido resolver.
Perceber porque aquilo surge naquele momento, porque é só ali e porque
é ali
Henrique Leitão
no fundo. Eu não sei se... Não, não sei, não. Mas a
pergunta é muito boa. A pergunta é muito boa E estas são
perguntas muito típicas de história da ciência. A para a revolução industrial,
para a revolução científica, porque só aqui naquela tempo, e para a
revolução, porque este delay não é? Eu acho que há, no caso
das coisas mais de revolução industrial, há uma conexão muito direta com
fatores económicos. Acho eu. E, portanto, tem a ver com instituições, tem
a ver com a possibilidade, sei lá, sistemas financeiros saudáveis, linhas de
crédito a funcionar, disponibilidades. Quer dizer, eu acho que terá a ver
com outros fatores. E depois também, provavelmente, com esta, com uma certa
valorização do trabalho manual, que tem mais uma interpretação mais de história
da cultura. Mas não sei, é uma boa pergunta. Não sei responder.
É
Henrique Leitão
um livro aqui. Nem é uma pré-condição, mas é um livro que
eu recomendo imenso. Se alguém quiser perceber, num livro absolutamente fascinante, o
que é fazer história da ciência hoje. Chama-se Galileu Cortezão, Galileu Cortier,
de um homem chamado Mário Biagioli e foi uma verdadeira revolução nos
estudos sobre Galileu. O livro é dos anos 80 ou 90, quando
Biagioli, que é o sr. Mário Biagioli, toda a gente pensava que
já tínhamos compreendido Galileu, não é? Galileu tem uma scholarship quase infinita,
está estudado imensamente e de repente aparece esta obra que nos mostra
um Galileu como social climber ou a revista talvez seja um bocadinho
de mais mas um galileu como um manobrador social muito muito inteligente
e segundo a ótica de biagioli a ciência que Galileu fez estava
ao serviço desta operação social.
Henrique Leitão
O livro, por causa disto, foi muito polémico. Há muitas pessoas, muitos
historiadores de ciência consagrados que o detestam, mas há muitos historiadores de
ciência consagrados que o acham uma obra extraordinária. Seja como for, e
eu ofereço em aberto à interpretação de quem eu queira ler, o
que não ofereço como aberto, mas aqui faço uma afirmação categórica, estão
a ler um livro que é brilhante, brilhante na análise, brilhante no
uso da documentação disponível e maravilhosamente bem escrito e que obriga a
repensar muitas coisas que as pessoas pensavam que conheciam acerca desta figura.
E, além disso, transporta para o leitor moderno muitas das ideias que
são hoje ideias muito importantes em história da ciência, mecanismos de mecenato,
quem é
que paga a ciência, representação,
José Maria Pimentel
E parece-me que a tese até, lá está, tem a ver com
várias coisas que falámos aqui, porque diz que Galileu, no fundo, já
naquela altura, ainda no mundo, quer dizer, já no medieval, mas no
fundo, recém saído da Idade Média, numa corte que ainda obedeceria à
partida a esse tipo de organização, ele podia usar já a ciência
enquanto meio de
José Maria Pimentel
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deste episódio. Agradeço em particular a Paulo Peralta, Eduardo Correia de Mato,
João Baltazar, Rui Oliveira Gomes, Salvador Cunha, Tiago Leite, Joana Faria Alves,
Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Gustavo e Gonçalo Machado Monteiro. Até
ao próximo episódio. Legendas pela comunidade Amara.org