#92 Henrique Leitão - Os mitos surpreendentes da História da Ciência

Click on a part of the transcription, to jump to its video, and get an anchor to it in the address bar

José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45 Graus. Neste episódio estou a conversa com o Henrique Leitão, estudiador de Ciência e alguém com um percurso muito singular. Depois de se ter doutorado em Física, o convidado acabou por se tornar investigador na área da História da Ciência. Atualmente é investigador e docente na Universidade de Lisboa, onde tem feito um trabalho de investigação de relevo mundial, ligado por exemplo à revisitação do contributo ibérico ligado aos descobrimentos na transição da Europa para a Modernidade Científica. E como vamos ver mais à frente, é um contributo limitado no tempo, mas com papel fulcral. Este trabalho do Henrique tem sido reconhecido com vários prémios, como por exemplo o Prémio Pessoa que recebeu em 2014, o que já agora faz dele, juntamente com Carmo Fonseca e Frederico Lourenço, o terceiro Prémio Pessoa a vir ao 45°. Esta foi uma conversa fascinante e sobretudo surpreendente, uma daquelas que me fizeram olhar com outros olhos para a história, neste caso a da ciência, e até mesmo para o mundo em que vivemos. O Enrique já me tinha sido recomendado há muito tempo, mas confesso aqui que foi hesitando, basicamente por recear que a história da ciência fosse uma área já, digamos assim, concluída e que portanto, não deixando obviamente ser muito interessante, não desse muito tema para discussão no podcast. Mas não podia estar mais enganado. Na verdade a história da ciência e sobretudo a história de como a partir do século XVI houve uma transição para aquilo que hoje chamamos a ciência moderna, tem muito, muito que se lhe diga. Esta é uma área da Estorografia que ganhou uma nova vida nos últimos 50, 60 anos. Nova vida é essa que, falo por mim, pelo menos, tinha uma noção muito parcial. Neste último meio século, foi feita uma análise mais fina e ampliada da realidade daquela época, o que gerou novos factos, novas ideias e um debate intenso sobre uma série de fatores que sobressaem desta análise e que eram, até ali, desconhecidos, ignorados ou no mínimo subvalorizados. São aspectos que nos fazem perceber que as transformações que ocorreram naquele período são muito mais complexas do que a história que nos é habitualmente contada, que relata o surgimento, quase por geração espontânea, de uma maneira diferente de olhar e estudar o mundo natural. Durante a nossa conversa percorremos uma série desses aspectos. Por exemplo, será que os grandes nomes da chamada revolução científica pensavam da mesma forma dos cientistas atuais? O que dizer, por exemplo, da paixão de Newton pela alquimia ou pela cronologia bíblica, duas atividades hoje tidas como não científicas. E qual foi o motor daquela transição para a ciência moderna? Foi um pequeno número de génios a trabalhar quase sozinhos e com momentos brutais de inspiração? Ou foi uma mudança mais transversal na organização da sociedade que influenciou a maneira como muita gente passou a olhar o mundo. E essa transição ocorreu exclusivamente em alguns países específicos do centro da Europa ligados ao Protestantismo ou foi antes um fenómeno pan-europeu? E que influência tiveram, por exemplo, os descobrimentos ibéricos? E já agora, como é que áreas como a Astronomia já tinham dado o grande salto para a Modernidade em meados do século XVII, enquanto a Biologia, por exemplo, teve de esperar mais dois séculos para ter uma verdadeira mudança de paradigma? E finalmente, a pergunta que resulta de todas estas, se a história da transição para a modernidade científica é afinal tão complicada e com tantas matizes, será que ainda faz sentido falarmos de uma revolução científica ocorrida naquele período? Foram estas e outras perguntas que discutimos numa conversa que foi um pouco mais zigzaguianto do que o habitual, sorry, e como de costume encontro a lista de tópicos que abordámos e alguns links úteis na descrição do episódio. Até à próxima! Enrico, muito bem-vindo ao podcast. Bom dia, muito obrigado. Eu é que te agradeço o convite. Vamos falar de história da ciência e se calhar começamos já por aí. Que tipo de história é esta? A história da ciência.
Henrique Leitão
É uma história um bocadinho peculiar. A melhor maneira, talvez, de se perceber é olhar um bocadinho para como a disciplina começa e o que é que se tentou fazer. E isso mais ou menos define os objetivos desta estranha disciplina. Mais ou menos por finais do século XVIII, meios do século XVIII, alguns cientistas começaram nas obras científicas que escreviam a incorporar uma espécie de resumos históricos da sua disciplina. Faziam umas introduções históricas, etc. Eram, habitualmente, coisas muito disciplinares, portanto, era um historiador de matemática que falava um bocadinho como é que tinha sido a história da matemática, um historiador da biologia que falava um bocadinho como é que tinha sido a história da biologia. E esta é uma primeira origem E é talvez a origem mais importante são estes desvios históricos de profissionais de certas disciplinas a falarem das suas próprias disciplinas. Depois há outra origem também, que foi a filosofia. Também a certa altura também se começou a interessar pela ciência, enquanto uma certa forma de saber. Portanto, também há aqui outra linha. Mas só para olhar para a questão dos cientistas, isto começou a gerar um conjunto de textos e crescendo com o tempo, sobretudo depois no século XIX, que é um século muito importante para tudo o que seja atividades históricas, não é? Que começa a construir uma espécie de uma narrativa histórica sobre a evolução da ciência. O ponto importante, que é preciso sublinhar já, é que esta origem criou uma disciplina ou uma inspeção histórica com uma forma muito peculiar, porque são os profissionais de uma disciplina que olham para o passado dessa disciplina e o reinterpretam estando eles no fim dessa evolução. E, portanto, é uma descrição que tinha vários componentes que foram muito conhecidas. Uma era, por exemplo, do ponto de vista técnico, era muito forte. As pessoas que faziam isto, habitualmente, eram cientistas muito competentes e, portanto, faziam análises que eram, do ponto de vista técnico, muito fortes, muito exigentes. Era preciso mesmo saber muita matemática e muita biologia.
José Maria Pimentel
E eram pessoas já numa fase avançada da carreira.
Henrique Leitão
Já mais avançadas na carreira, faziam uma reflexão final e tal. Mas o problema principal é que era incrivelmente seletiva, porque este tipo de posição, um historiador que se ponha neste tipo de posição, imediatamente entra pela história adentro, digamos com uma hiper-selectividade naquilo que lhe interessa, porque tudo aquilo é julgado em função da posição onde ele está. Uma evolução para a qual tudo transporta, não é? Por exemplo, apareceu logo desde muito cedo um critério que se manteve durante muito tempo, teoria certa, teoria errada, digamos. Isto é um critério, como é que eu ia dizer, assim, é passível de um julgamento contra os factos da natureza, mas do ponto de vista histórico é um critério muito problemático, não é? Porque houve teorias erradas importantíssimas na história da ciência, não é? E, em certa medida, as teorias com maior sucesso de hoje em dia estarão erradas muito em breve, não é? Portanto, este tipo de temas de seleção foi muito importante e depois introduziram logo outras seleções do género, aquilo a que chamavam ciência e aquilo a que não chamavam ciência. E portanto, logo depois se vai configurar como os famosos problemas da demarcação, que aparece de uma maneira muito natural, porque os cientistas reconhecem aquilo que eles e a sua disciplina e os seus profissionais faziam como ciência e o resto como não sendo. E depois muitas outras características que isto tem, que este tipo de análise histórica tem. Outras duas muito importantes são, por exemplo, é uma história intelectual só? É muito raro neste tipo de abordagens haver interesse por qualquer outra questão que não seja de história intelectual ou de história mental. Às vezes um bocadinho as instituições, mas muito pouco. Esta é uma característica também importante. E depois é muito triunfalista. Estas narrativas acabam por ser uma história de um progresso inapelável que vai evoluindo, uma grande cavalgada em que o próprio agente que está a escrever, o próprio escritor que está a escrever, é o último a chegar e mesmo sem o dizer está naquela linha histórica. Outros elementos, mas isso tem a ver com tradições historiográficas ainda mais antigas, é muito baseado em pessoas isoladas. O modo de escrever, basicamente, consiste neste identificar um grupo incrivelmente selecionado de pessoas que foram os verdadeiros agentes do progresso científico, aquelas pessoas a que chamamos os génios. Portanto, para desaludar muito rápido, o que é claramente um tema mais complexo, é preciso perceber como a disciplina começa e A forma que este tipo de escrita histórica adquire, por causa do seu início, e surpreendentemente isto manteve-se durante muito tempo, e a forma mais ou menos é esta. A ciência é um grande empreendimento intelectual, um grande empreendimento intelectual em grande desenvolvimento com muito sucesso e o que faz mover isto, os agentes disto, são um grupo muito restrito de pessoas chamados génios que têm umas ideias extraordinárias e que pontualmente fazem estas grandes modificações da ciência. Este é o registro. E estudar ciência era estudar este fenómeno. Sim. Há uma série de coisas interessantes para onde pegar, mas começando
José Maria Pimentel
por esta última. O que me parece, apesar de tudo, é que o papel dos génios, quando falamos de génios estamos a falar daquelas figuras da primeira parte da ciência, ou seja, já lá vamos, mas desde o início da revolução científica, Copernic, Galileu, Newton, por aí fora, Kepler, por aí fora, esses génios tinham sobretudo um papel no início, porque a ciência contemporânea é um trabalho coletivo e propositadamente coletivo, É um trabalho cujos pilares são precisamente esse o lado coletivo, na lógica de que qualquer um de nós, por mais lá está genial que seja, não é omnisciente e portanto não pode saber tudo e não pode sozinho levar a ciência daí para frente. A ciência contemporânea, nesse sentido, até está em
Henrique Leitão
contraste com essa narrativa. Mas isso diz o José Maria porque é um personagem do século XXI, para o qual é natural dizer isso. Mas não é tão natural em todas as coisas. Você descreveria a matemática grega assim? Não, não, claro que não. Mas a matemática grega não foi uma atividade científica?
José Maria Pimentel
Não, o que eu quero dizer não é isso. É que agora se transformou numa coisa coletiva? Sim. E como é que isso aconteceu? Não, mas o meu ponto não é esse, é dizer, por exemplo, naquela questão de distinção entre ciência e não-ciência, há uma tentação para esses cientistas para, mais ou menos, ignorar as atividades não-científicas, por exemplo, até de algumas dessas figuras, como é o caso do Newton, que se dedicava, por exemplo, à alquimia, com tanto empenho como se dedicava à física. E isso percebe-se, Porque a pessoa quase que quer ignorar aquele lado, é como se Newton fosse igual a nós e portanto vamos ignorar aqueles devaneios que ele tinha, não é? Exatamente isso. Agora, a questão do individual versus coletivo, nesse sentido, aí já não acontece isso, não, porque a ciência atual é muito mais coletiva do que a protociência. Ou seja, aí não há... Reconhecer um trabalho mais coletivo não pôria em causa o nosso ego, se nós quisermos, ou o nosso papel do cientista na sociedade. Daria muito mais trabalho. Sim,
Henrique Leitão
mas apesar de tudo é uma posição muito moderna, digo eu. Analiticamente muito moderna. Seria muito estranho uma pessoa, digamos, no princípio do século XX ou a meio do século XX, insistir sobre essa dimensão. Não seria habitual, sobre a dimensão coletiva da ciência. Foi adquirido recentemente, digamos assim, e agora reconhecemos que sim, não nos questiona, não é? Mas já podemos ir lá porque tudo isto adquiriu depois configurações cada vez mais abrangentes, não é? Só para dizer que esta ciência quando começa, começa com esta forma, mais ou menos assim, que nós todos mais ou menos a reconhecemos, porque por razões complexas foi a que entrou no registro popular. E, portanto, a cultura popular, e inclui aqui o ensino secundário, por exemplo, mas inclui habitualmente os jornais, inclui habitualmente o que vê na televisão. Este é o modo científico que transmite, o modo de história científica que habitualmente transmite. Sim, continua a ser. Continua a ser. Portanto, é um grande empreendimento intelectual, é um grande empreendimento intelectual feito por não sei quantos e que é ativado por pessoas extraordinárias que são estes géneros e é um progresso imparável. E depois está muito bem definido, tem uma dinâmica interna tão imponente que, digamos, deita fora tudo o que hoje nós já não reconhecemos como ciência. O caso da alquimia é um bom exemplo. E pronto, isto era a história que domina todo o século XVIII e grande parte do século XIX como interpretação científica. E
José Maria Pimentel
mesmo hoje em dia, quer dizer, qualquer... Eu confesso que embora... Foi interessante para mim preparar este episódio porque embora eu conhecesse o interesse do Newton pela alquimia e obviamente o facto de todas aquelas personagens não pensarem como um cientista moderno, no sentido de... Desde logo pelo facto de, para eles, o papel de Deus, por exemplo, ter um peso muito maior do que tem na mundividência da maior parte dos cientistas contemporâneos, mas ainda assim não deixou de me surpreender o peso, por exemplo, no caso de Newton, que a alquimia tinha para ele, tanto como tinha a física e o facto disso significar... É destes casos que eu quero dizer. Por um lado eu já sabia, mas por outro lado nunca tinha pensado nisso desta forma. Isso significa que nós estamos a projetar na cabeça dele, na mente dele, uma série de maneiras da nossa mundividência atual que ele não tinha. Ele e outros personagens daquele tempo.
Henrique Leitão
Absolutamente. Portanto, toda a imagem que nós que até já falaremos quando é que isto começa a mudar mas que até meados do século XX se construiu dos cientistas, é uma imagem que são projeções modernas sobre aqueles personagens. Mas continua a ser, mas de verdadeiras caricaturas.
José Maria Pimentel
Se nós lermos um livro, ouvirmos uma série de divulgação científica, se for para crianças, então claramente, mas aí é compreensível de certa forma, mas continua a ser muito feita a volta disso. Agora, ainda há de qualquer forma aqui duas componentes, não é dizer, eles não eram como, não pensavam como nós pensamos hoje em dia, ou como muitos de nós pensam hoje em dia, portanto isso é um anacronismo, mas há outra coisa que o Enrico falou há bocadinho que é a questão do, independentemente disso, daquelas personagens individuais terem tido ou não terem tido um peso preponderante enquanto indivíduos, ou seja, terem sido eles a mover o carroço. Isso é inegável. É inegável
Henrique Leitão
que ainda há uma coisa chamada o contributo individual, apesar de todas as reavaliações. Gostava só fazer uma pequena reflexão, porque ainda não defendi bem a minha dama, porque é que a história da ciência é tão interessante. É porque esta afirmação simples de que aquelas pessoas não pensam como nós é absolutamente trivial quando nós estamos a falar de um escritor, de um poeta, mesmo de um filósofo, mas perturba-nos quando estamos a falar de um cientista. E, portanto, nós vemos, espera, aqui é uma classe de intelectuais acerca dos quais, quando nós revelamos que eles não são exatamente como nós, parece que ficamos perturbados. No caso do Newton, não foi só ele ter se dedicado muito à alquimia. É muito mais do que isso. É que foi o interesse principal de Newton. O interesse principal de Newton era a alquimia e era o que se chama cronologia bíblica. Fez muitos trabalhos sobre cronologia bíblica. Portanto, dois temas que nós nunca reconheceríamos hoje como temas, digamos, interessantes para a ciência. Mas qualquer tentativa de perceber Newton que não coloque isto no centro da mesa está a trabalhar com uma caricatura, não é? Agora, isto não nos perturbaria se fosse um poeta. Mas perturba-nos se fosse um cientista. Porquê é que diz isso, que não nos perturbaria
José Maria Pimentel
se fosse um poeta ou um filósofo?
Henrique Leitão
Porque a afirmação de que as pessoas são um produto do seu tempo é uma afirmação que é não problemática quando nós falamos de um artista, por exemplo. Todos estamos disportos a dizer sim, claro, estamos... Mas há qualquer coisa... Curioso, mas para mim seria ao contrário, por acaso. Há qualquer coisa no cientista que parece dizer... Não, não, porque... E qualquer coisa o quê? O qualquer coisa é que eles foram uma espécie de constituídos como uma espécie de exemplos de racionalidade ou exemplos de moralidade nossa, não é? E, portanto, nós esperamos encontrá-la igual no passado.
José Maria Pimentel
Mas é que eu estou curioso. Provavelmente não estou a ver a coisa bem. Ou seja, eu consigo perceber a implicação que isso tem para um cientista quando entramos num terreno, por exemplo, de questionar o conceito de verdade e dizer se até que ponto é que mesmo numa ciência como a física, por exemplo, existe aquilo que nós consideramos hoje em dia como determinados axiomas, não são produto de determinado contexto cultural. Aí eu percebo. Agora, no geral, eu até diria que me faz menos confusão saber que Newton tinha esses outros interesses, porque ele, enquanto cientista, aquilo que ele estava a postular era comprovável com dados e foi validado ao longo do tempo. Até me faz mais impressão do que quando a pessoa lê um filósofo antigo ou um autor antigo.
Henrique Leitão
Mas foi escondido durante séculos. No caso do Newton. Eu
José Maria Pimentel
sei que foi. Eu digo, pessoalmente faz menos impressão isso do que a dificuldade que me causa quando leio um autor antigo e estou a pensar, ok, esse tipo está a descrever uma coisa com que eu me posso estar a identificar, mas ele se calhar não está a querer dizer aquilo que eu penso que está a querer dizer, porque a mundividência dele
Henrique Leitão
era totalmente diferente. Talvez é porque o José Maria pensa diferente também à parte das pessoas, porque o que sucedeu foi o oposto disso. Se eu lhe disser que Fernando Pessoa fazia horóscopos e acreditava na astrologia, ninguém se perturba, que Galileu fazia horóscopos foi escondido durante décadas e décadas e décadas, porque um Galileu a fazer astrologia era uma coisa que de alguma maneira não encaixava. E num caso era não problemático e no outro caso revelou-se como imensamente problemático. Hoje felizmente superado. Portanto, vemos que há aqui qualquer coisa sobre o papel dos cientistas como uma espécie de exemplos ou de uma racionalidade ou qualquer coisa. Tem um papel exemplar nas nossas sociedades hoje que nem todos os intelectuais têm. Mas é o que me
José Maria Pimentel
parece.
Henrique Leitão
No caso do Newton, como sabe, foi só muito, muito recente, uma senhora, Betty Dobbs, que foi uma grande historiadora americana, começou a estudar a alquimia do Newton. Ninguém estudava a alquimia do Newton. Ainda hoje as pessoas acham que não há nada de interessante na alquimia de Newton. O que seria... O que é uma afirmação espantosa. Porque temos um homem supremamente inteligente, um homem absurdamente inteligente, incrivelmente inteligente e, portanto, quando se dedica à alquimia as pessoas acham que não só o tema é desinteressante à partida, mas acham que até aquilo que ele estaria a fazer seria de pouco interesse, como se a sua inteligência fosse desativada quando fazia alquimia, não é? O que é muito interessante e aqui tocamos neste ponto. Osmaria, talvez não seja assim, eu percebo, mas o que a história da ciência e a história da cultura foi assim, que a história da cultura foi assim, não há dúvida nenhuma. Foi ocultado. O
José Maria Pimentel
que eu estou no fundo aqui a tentar fazer é uma separação entre a história do conhecimento e aquela figura enquanto pessoa. A figura do Newton enquanto... Ou qualquer pessoa que não tenha vivido no nosso tempo. É evidente que tinha uma série de coisas com as quais não nos identificaríamos. Isso faz parte.
Henrique Leitão
Uma vez mais, isto é uma consideração muito recente na história da ciência, porque, por causa daquela descrição que eu expliquei antes, o que era a história da ciência, a ideia de que há seres humanos enquanto tal, praticamente não existia. As primeiras biografias de Galileu não são biografias de uma pessoa, são biografias de um cérebro em funcionamento. Não há ali... Ah, claro, claro. Está a perceber? Portanto, há uma destilação. E as primeiras biografias do Newton... E para todos os cientistas... E eram feitas pelos cientistas, provavelmente. Claro, claro. E, portanto, estas primeiras biografias, a gente olha e diz, bom, isto é muito interessante, mas não se pode chamar isto de uma biografia, não é? Claro, claro. E isto foi normal. E isto ainda hoje foi normal. E por isso, quando se revela algum aspecto humano de alguma destas pessoas, ainda causa surpresa hoje. Alguma. Cada vez menos. Eu reconheço. Já estamos muito diferentes. Porque a disciplina evoluiu assim. Era tão marcado que aquela atividade que eles trabalhavam era
José Maria Pimentel
uma caricatura. Era uma caricatura, não era aquilo
Henrique Leitão
que o público dizia. E que a ciência é uma coisa intelectual e que, portanto, está determinada intelectualmente. Em particular, que não é afetada por nenhuma circunstâncias externas. De vida, filosóficas, económicas, políticas, etc. Que não é afetada. E aqui já entramos numa questão mais fina, mas a produção científica é afetada por isso ou não? Claro.
José Maria Pimentel
Então, mas já, o Sr. Rigo, só antes de ir aí, só para terminar este tema, o que apesar de tudo me surpreende, mas que talvez também tem a ver com o facto de eu ter tido acesso a isso, é que não é preciso ir sequer a Newton, por exemplo. Basta pensarmos em Darwin. Darwin é um tipo... Claro. O Origem da Espécie é publicado em 1860, salvo erro. Darwin era um tipo genial, era um tipo muito aberto de ideias a vários níveis, portanto era até uma pessoa admirável a vários aspectos, mas era um tipo cheio de preconceito. Claro, absolutamente. Raciais nomeadamente. Claro,
Henrique Leitão
claro, tudo. Com qualquer um destes. E muito mais próximo do que nós. Claro, muito mais, evidentemente. Não é preciso ir tão tarde. Portanto,
José Maria Pimentel
nem sequer é preciso ir a Newton. Podemos estar a falar de alguém muito mais próximo. E ainda mais, há alguns modernos, há muitos modernos que fizeram grandes
Henrique Leitão
figuras, grandes figuras.
José Maria Pimentel
Sim, claro. Sim, podemos ir mais próximo, claro, é evidente que sim.
Henrique Leitão
Mas uma vez mais para dizer, mas esta constatação que estamos a fazer agora é ela própria muito moderna. Não a encontramos nos livros de história da ciência
José Maria Pimentel
antiga. Não a encontramos. E esse é que foi o problema. Mas há quem faça essa... O que quero dizer com isto, e isto tem a ver com o outro ponto que o Enrico levantou, há quem parta desta conclusão para tirar implicações sobre o próprio conhecimento que foi produzido? Ou seja, para dizer, por exemplo, em relação ao Darwin, dizer ok, ele era um tipo preconceituoso. Importante, se calhar, aquilo que ele disse, as conclusões que ele tirou, estão elas próprias influenciadas por esses preconceitos e não são válidas? Esse é um
Henrique Leitão
problema muito candente na história da ciência hoje. Não necessariamente acerca do Darwin, mas é um problema geral. Até que ponto e de que maneira é que a formulação de certas teorias científicas, certas ideias, dependeu de circunstâncias intelectuais, morais, políticas, filosóficas externas à própria atividade científica. Mas, por exemplo, no
José Maria Pimentel
caso daquilo que nós chamamos revolução científica, Já lá vamos, aquele conceito ele próprio também problemático, mas ocorrido, acho que canonicamente, entre 1500 e 1700. Que papel invisível, por exemplo, é que essas condicionantes culturais tiveram?
Henrique Leitão
Central. Por exemplo, como o José Maria há bocado mencionou, é totalmente impossível entender a revolução científica sem perceber que para estes homens era em grande medida um processo religioso. O conhecimento da natureza era um processo religioso, era um processo de entender a mente de Deus. Tentar entender estes homens sem perceber isto passa-se completamente ao lado.
José Maria Pimentel
É sabido, isso era ocultado de alguma forma.
Henrique Leitão
Bom, agora aqui temos que distinguir planos, digamos, da história da ciência. No plano popular, não. No plano popular, a caricatura é o discurso. Esta é uma das dificuldades que a gente tem com a história da ciência. E quando uma pessoa dá aulas tem este problema, é que os alunos que entram estão formatados pela cultura popular e, portanto, tem sobre estes assuntos todos estes preconceitos. No plano erudito, não. No plano académico erudito, toda a gente sabe isto. Toda a gente sabe isto, é discutido, claro. Mas no plano popular, dizer isto, afim, Como se sabe, a tendência dominante é a ideia, muito, muito, muito, muito moderna, digamos, no fundo tem décadas de facto, de que fazer atividade científica é uma coisa que é objetivamente contra a ciência. Esta ideia é uma ideia completamente disparatada... Contra a religião. Perdão, Contra a religião. Esta ideia é completamente disparatada em toda a história científica, toda. Até muito recentemente agora. E, no entanto, é da cultura popular e é com que os alunos aparecem. E é da cultura popular que é
José Maria Pimentel
o ambiente em que as pessoas vivem. Claro,
Henrique Leitão
claro. Portanto, a sua pergunta é, depende, depende, as pessoas sabem ou não sabem, ou depende. A nível do Vesúvio, claro que sabem, no nível académico, claro que sabem. Não, mas
José Maria Pimentel
é que nós, eu pergunto isto porque nós há bocadinho falávamos de aspectos que os próprios historiadores ignoravam ao fazer história, nomeadamente o que se passa, Passar um pano por cima dos interesses de Newton para a alquimia.
Henrique Leitão
Mas isso... Portanto, houve um processo histórico no qual adquirir esta visão que nós temos hoje demorou tempo e alguns destes elementos não foram sempre bem lidados com. O mais óbvio é o da complexidade destas personalidades para as quais, como nós dizíamos, fatores não científicos ou, que à luz moderna nós chamamos anti-científicos, foram de grande importância na atividade científica. Este foi muito complicado. Mas no coração disto há uma coisa, uma senhora, uma das grandes heroínas da história da ciência do século XX, uma senhora chamada Frances Yates, que nos anos 60, 50, 60, apresentou a sua famosa tese, a tese de Yeats. A tese de Yeats é preciso explicar, ela trabalhava no Warburg Instituto, ela é ligada ao grupo do Warburg Instituto, então são muitos historiadores de arte, muitos historiadores do simbolismo, muitos historiadores de astrologia, etc. Este tipo de pessoas. Mas ela estava interessada em história científica. A tese foi sempre muito polémica, mas mostrar como considerações puramente ocultistas foram centrais no desenvolvimento da ciência moderna. O ocultismo foi central. A magia, a magia negra. Pode imaginar quando isto aparece. Quando isto aparece foi um choque, não é? Ainda hoje é muito discutido. Mas há
José Maria Pimentel
aspectos... Mas, por exemplo, já... Consegue dar um exemplo disso? Escultos
Henrique Leitão
herméticos. Basicamente, agora para ir muito rápido no que é uma questão principal, ela diz que a magia tem uma tensão de manipulação da natureza que a mera ciência entendida como contemplação da natureza não tem. Certo. E, portanto, o argumento dela é que aparece um fator, e este fator é, digamos, identificável a partir do século XV, XVI, que é um desejo de uma intervenção e uma modificação da natureza. E isto é muito moderno e depois ela argumenta isto mais, muito mais sofisticadamente para dizer, pois, mas este elemento, este elemento vem do ocultismo. E assim teríamos um dos elementos mais importantes, digamos, da caracterização da ciência moderna, que não é meramente contemplar a natureza, mas é de facto mudá-la, um destes elementos e que teria vindo do ocultismo. Portanto, isto foi muito discutido, como pode imaginar. Mas só para dizer, este tipo de considerações que o desenvolvimento científico não é, não foi, esta estrutura linear, toda racionalizada, com as categorias modernas, com estas coisas, como nós entendemos, esta foi a grande modificação, não é? Foi claramente a grande modificação na história da ciência. Portanto, que outros fatores... Aqui nós só temos estado a falar de fatores de ordem intelectual, apesar de tudo mesmo, quer dizer, pode ser religião, pode ser a astrologia, pode ser o ocultismo, de ordem intelectual, mas de ordem prática, por exemplo, a interpretação marxista, não é? E nos anos 30 aparece uma interpretação marxista, diz que é tudo luta de classes. Como é óbvio, não é? Sem grande surpresa, não é? Sim, sim. Mas houve um homem muito importante em 31, Boris Hessen. Boris Hessen faz uma reinterpretação de Newton, dizendo, bom, mas este livro, a origem deste livro, é uma classe dominante a tentar impor-se sobre uma classe explorada, etc. E faz uma interpretação completamente marxista, em 31. A interpretação é um disparate. A interpretação marxista, em geral, É um projeto que falhou completamente, mas contém uma ideia interessante no meio, e essa preservou-se. E, digamos, foi o seu grande contributo, digamos assim. Foi o de reconhecer que mesmo no desenvolvimento da ciência as considerações de ordem social, económica, etc. Não podem ficar de fora. Claro, fazendo um bocadinho de advogado do diabo aí,
José Maria Pimentel
apesar de tudo duas coisas que me parecem diferentes, se calhar usando uma metáfora, aquela caricatura, não é? Que a pessoa vê, por exemplo, existir na Alemanha nazi, não é? Das pessoas muito preocupadas com não terem ascendências judia, por exemplo. Aquela coisa não faz sentido, não é? Mas para elas há ascendência que tinham, definias. E no entanto, isso aparentemente não faz sentido. O que faz sentido é o que a pessoa é, independentemente do que os seus antepassados foram. Aqui, o que me parece é uma situação mais ou menos análoga, que é, para mim, vamos supor, eu sou cientista, ou sou um defensor da ciência contemporânea, das virtudes epistemológicas e metodológicas da ciência contemporânea, eu compreendo que tenha havido muita gente a cair na tentação de se valorizar tanto mais quanto melhores fossem os seus custados, quanto melhores fossem os seus ascendentes, e nesse caso seria uma mancha, Seria como lá está de ser sangue judeu, sabe? Ou seja, o Newton ter-se dedicado à alquimia e o Kepler, por exemplo, ter aquele interesse na numerologia ptolemaica, sabe? Não, não, pitagórica, não é? Pitagórica.
Henrique Leitão
Pitagórica. Músicas,
José Maria Pimentel
astrologia, mete tudo. A partir disso seria o papel da magia e uma série de coisas seriam à partida manchas na nossa árvore genealógica. Mas na verdade não faz sentido que, desse ponto de vista, não faz muito sentido que sejam, quer dizer, o percurso foi o que foi, torna-o até mais interessante de certa forma, não afeta a validade epistemológica daquilo que seja a ciência hoje, o facto dela ter surgido num determinado contexto e influenciado por determinadas causas. Era evidente que aquela malta toda não começou a fazer aquilo que nós chamamos de ciência porque um dia amanheceram brilhantes e dizeram assim, agora hoje em dia vou começar a procurar a verdade. É evidente que isso não aconteceu assim. E há muita riqueza informativa em compreender qual era o objetivo deles, o papel central de compreender o mundo natural enquanto o mundo criado por Deus, isso é evidente, mas também o contexto em que eles surgiram, porque aquilo era especialmente interessante. Outro aspecto interessante também é porque é que quando o conhecimento começa a funcionar como uma alavanca social, ou seja, um tipo erudito não apenas na erudição clássica, mas um tipo dedicado a uma protociência, portanto à investigação do mundo natural, isso começa a ser valorizado como algo que lhe dá um... Que o valoriza para essa redundância socialmente, que torna uma pessoa interessante socialmente e uma pessoa que é valorizada naquele contexto social, por exemplo. Isso tudo são lados interessantes desta questão, não é? A pessoa perceber porque é que aquelas pessoas se dedicavam a aquelas atividades, que motivação é que elas tinham no fundo, não é? Claro,
Henrique Leitão
mas o problema aí é que Aquilo a que chamava os antepassados, digamos, dignos ou indignos, varia imenso e é culturalmente condicionado e pode ser perturbador. Se eu disser que a interpretação mais frequente, por exemplo, que a ciência moderna vem do Protestantismo ou que vem da Europa Central, há muitas dúvidas. Estes são, diríamos, os bons antepassados. E, portanto, dizer que a ciência moderna, se calhar, não vem do puritanismo, são teses, por trás de tudo isto. Estão grandes nomes. Está Merton, que fez uma tese muito importante sobre isto. E viria do puritanismo. Tinha que vir do puritanismo inglês, porque o puritanismo inglês tinha introduzido uma relação com o trabalho experimental diferente, etc. A famosa tese de Merton. Tudo isto está abandonado, mas quer dizer... É parecido
José Maria Pimentel
com aquela tese do Max Weber, não é?
Henrique Leitão
Aliás, o Merton é Weber que contava na história da ciência. Exatamente. Não é um discípulo direto, mas é claramente um discípulo intelectual. Mas, portanto, isto é uma definição dos antepassados bons desta história, não é? O incrível eurocentrismo em que a ciência ainda é contada. Quer dizer, Aqui labutamos num problema muito complicado, que é evidente que a trajetória da ciência ocidental, isto é, europeia, é completamente distinta de qualquer outra cultura. Não vale a pena iludi-lo. Uma pessoa que tente iludir isto não está a ser séria. Claro. Mas, por outro lado, isto não quer dizer que a ciência ocidental não tenha vivido e não tenha beneficiado de grandes inputs e de aquisições de outras culturas e que foram tradicionalmente apagadas ou esquecidas. Mas esse ponto é interessante. Quais foram as principais? No caso do século XVI astronómico, o que se passou foram duas que foram com a construção da ideia do que era uma ciência moderna e aqui ainda não chegamos à Revolução Científica. É feita de um modo que repete muitas das coisas que os historiadores em geral já tinham dito noutro âmbito, em particular na construção da ideia de renascimento, a Burckhardt, etc., não é? Que constrói uma certa ideia de renascimento e a ideia da Revolução Científica comungou de muitas destas ideias. Uma das coisas que fez de comum foi, como para os estudos sobre o Renascimento, limpou, fez uma, digamos, uma interpretação de terra queimada de tudo o que vinha antes. Em particular de dois aspectos. Da ciência medieval cristã e da ciência medieval árabe, por exemplo, que foram interpretadas como não existindo. Sobre a ciência medieval cristã eram os Dark Ages durante mil anos, mil anos de Dark Ages, em que os seres humanos teriam perdido as faculdades mentais. E sobre a ciência árabe, bem, o renascimento é implacável, elimina todo o input que vem da ciência árabe em áreas claríssimas, como na astronomia, como na medicina, coisas de farmacopeia, etc. Ou seja, não há
José Maria Pimentel
um corte pré e pós revolução científica?
Henrique Leitão
Claro, mas há uma construção destes antepassados, o que eu estou a dizer. Eu percebo que há estas coisas, só que a construção destes antepassados foi muito complexa e deixando muitas coisas de fora. Outro exemplo, e agora aqui já vai haver... Portanto, já vimos fatores intelectuais, mas também já vimos fatores sociais e económicos, que não falámos, mas é evidente que o modo como os cientistas se arrumam, a estrutura social dos cientistas passa a ser um critério importantíssimo. É crítico olhar para isto. Como assim, a estrutura social? Sim, hoje em dia, isto é perfeitamente percebido que o desenvolvimento da ciência está também associado a certas formas de sociabilidade. Mas
José Maria Pimentel
é agora ou
Henrique Leitão
na altura? Não, não, historicamente. Historicamente. Que esteve associado a certas formas de sociabilidade. E que, portanto, que a compreensão das formas de organização social dos cientistas é um problema histórico novo. E aqui isto rompe completamente com a ideia do género isolado, não é? Eu não lhe respondi à pergunta, mas há ou não um contributo individual. Não há a ver um contributo individual, mas o problema é que há inúmeros contributos que ocorrem ou não ocorrem dependendo da forma social que os cientistas adotam. E muitos outros, por exemplo, agentes de grande importância científica mas que foram completamente esquecidos, como por exemplo os níveis artesanais ou níveis de educativos baixos. A artesania, a craftsmanship e os artisans, que são um tópico muito importante nos últimos 20, 30 anos, porque percebeu-se que estes níveis técnicos não altamente instruídos tiveram um papel enorme. Então, hoje, esta é a situação da história da ciência. A situação da história da ciência tenta introduzir todos estes elementos, não é? Enfim, os estudadores acabam por se especializar mais numa área, mais noutra, mas têm de introduzir isto. O que não faz é uma história da ciência reduzida a categorias intelectuais e ativada por géneros isolados de três ou quatro países na Europa Central. E este é o problema. E que viveram todos no século XVII. Pronto, esta mitologia é que não há nenhum historiador de ciência sério que a aceite. Mas então vamos um por um. Se calhar voltando à questão do eurocentrismo e
José Maria Pimentel
um centrismo, uma centralização no século XVII, começando se calhar por essa questão cronológica. O que o Enrique está a dizer é que não há um corte, não só epistemológico, mas também de método lógico, entre o pré e o pós-Revolução Científica dessa forma, no sentido em que a ciência medieval informou e contribuiu para essa ciência pré-moderna, essa ciência do século
Henrique Leitão
XVII. Sim, esta é uma das maiores discussões na história da ciência, porque tem a ver com esta enorme construção social, chamada revolução científica, que se constrói nos anos 40 e 50, e que se tornou central e dominante na interpretação de toda a história científica. A tal ponto que, caricaturando, podemos dizer assim, diz-me o que é que achas da revolução científica e eu dir-te e é que historiadores. Porque tornou-se absolutamente central. Mas é uma construção teórica, quer dizer, A revolução científica não existiu.
José Maria Pimentel
Claro que é. É uma distórcia historiográfica.
Henrique Leitão
Toda a gente reconhecerá. Agora, quando se começa a ver, vê-se que é muito deliberadamente construída, construída como todas as construções historiográficas para servir certos propósitos e determinada por certas influências. Em particular, essa discussão é central. Houve ou não houve um corte? Então, os estudiantes de ciência agrupam-se em dois grandes blocos, não é? Os chamados descontinuistas, que acham que houve um corte e acham, ali mais, acham que a natureza do corte, a rotura, é o que é distintivo nesse fenómeno e os outros, os continuistas que dizem que não há corte nenhum, que há uma evolução progressiva ou então há um corte, mas é um corte ao longo de três séculos e que portanto é muito difícil chamar-lhe de corte. É uma evolução muito progressiva durante um certo período. São duas
José Maria Pimentel
escolas, duas interpretações.
Henrique Leitão
É impossível ter a certeza, digamos, do que habitualmente...
José Maria Pimentel
Mas a sua é mais a segunda. As pessoas
Henrique Leitão
que tiveram formação científica de base têm uma espécie de uma aversão natural às grandes roturas. Porque viram a ciência a ser feita e a ciência não funciona assim, não funciona de grandes roturas, funciona de avanços incrementais. E, portanto, introduzir como elemento explicativo um corte, porque o grande nome por trás disto é um homem chamado Alexandre Coiré, nos anos 60, 50, 60, com Kappa, afirma que há uma rotura. E isto tem uma pré-história anterior. Há filósofos que já tinham falado disto, não é? Corte epistemológico. Isto depois em Portugal foi muito popular e ainda é muito popular. A ideia de que há um corte epistemológico, uma rotura, uma coisa que corta, é uma interpretação muito bem definida, é uma interpretação que muitos, muitos historiadores não subscrevem, simplesmente. Os que tiveram formação científica, habitualmente, têm dificuldade, ou pelo menos em subscrever de uma maneira radical, o que eu me caracterizaria. Claro que concordo que tem todo o sentido em falar-se de uma coisa chamada modernidade científica e que esta modernidade científica é diferente do que havia antes, isto dou de barato e podíamos caracterizar porquê, mas que esse fenómeno foi um fenómeno crítico, cataclísmico, derrotura, tenho bastantes dúvidas que o tenha sido. A proposta de que ele tenha sido abrupto
José Maria Pimentel
parece difícil de secundar, porque mesmo que eu proponha o conceito, propõe-no como algo durando cerca de 200 anos. Olhe para
Henrique Leitão
o conceito que tem na cabeça. Eu tenho a certeza que o conceito que tem na cabeça é puramente intelectual. É a ideia de que havia uma imagem do mundo medieval, portanto uma entidade intelectual, e que foi substituída por uma imagem do mundo moderna. Sim. Está a ver que por detrás desta ideia, o que está é uma estereografia completamente antiga, que na ciência só vê um produto intelectual. Qualquer pessoa que entre no problema hoje diz, não, Eu quero saber, por exemplo, as formas sociais dos cientistas modificaram-se ou não? Claro que se modificaram. As exigências de prova modificaram-se? Claro que se modificaram. O ensino modificou-se? Claro que se modificou. O tipo de livros modificou-se? Os objetos materiais modificaram-se? Ou, para dar o exemplo muito interessante, a relevância e o papel de indivíduos não altamente educados na prática científica modificou-se, sim ou não? E claro que se modificou. Então o que nós vemos? Espera, Mesmo que tenha havido um corte, este corte não tem nada a ver, ou digamos uma modificação abrupta, não tem nada a ver com aquilo que na historiografia antiga aparece descrito como sendo apenas um corte intelectual, que é basicamente do mundo aristotélico, foi abandonado e...
José Maria Pimentel
Ah, mas isso então ainda aprofundou o corte, não é? No sentido em que o torna mais transversal, não é? Provavelmente. O que torna é de uma natureza incrivelmente mais
Henrique Leitão
complexa. Sim, claro, claro, claro. E, portanto, com ramificações e com um percurso cronológico muito mais complexo, não é? Sim. E, portanto, há aqui interpretações do ponto de vista sociológico interessantíssimas. Um homem sobre o qual tenho trabalhado e porque me interessa imenso, é um homem chamado Edgar Zilsel. Zilsel foi um homem que nos anos 30, Zilsel vem de uma clara filiação marxista e, portanto, olha para a atividade científica muito preocupado com a dimensão social da atividade científica e faz um argumento interessantíssimo. Ele diz que esta modernidade científica da Europa não está associada a nenhuma mutação intelectual profunda, mas está associada a mutações nas formas sociais. Basicamente o que ele diz é isto. Foi só quando os intelectuais de alto nível entraram em contacto e em trabalho comum com o nível baixo dos artesãos, quando dois grupos sociais que estavam originalmente completamente separados começaram a trabalhar juntos, é que então surge a ciência moderna nesta forma que nós a vemos, onde teoria e prática estão muito juntas. Faz algum sentido, sim. Faz imenso sentido. E, portanto, aqui temos uma interpretação que, apesar de ter uma noção de um certo corte, não é? Não tem nada a ver com isto. Tem a ver com o fenómeno de rearranjo social. E isto agora merece toda a atenção, toda a inspecção. E eu diria até que
José Maria Pimentel
o efeito até podia ser o mesmo, que não deixava de ser interessante perceber
Henrique Leitão
o porquê. Claro, eu acho que as ideias de Zilcel são importantíssimas, é a minha opinião. E depois já falaremos quando ao fim tivermos cinco minutos para falar sobre Portugal. Tem a ver com isto, não tem nada a ver com contributos intelectuais. Tem a ver com o rearranjo, profundíssimos rearranjos no modo de acumular informação sobre o mundo e que são rearranjos que têm uma implantação social completamente diferente. Então, mas esse é um ponto interessante para desenvolver.
José Maria Pimentel
O que é que mudou? Se tem sido de uma forma mais continuada, mais descontinuada, mais paulatina, mais gradual, é uma coisa em maior rotura. O que é que mudou naquele período? Mudou, o Henrique falava agora, da relação entre os intelectuais e os artesãos, de certa forma, que no fundo traz os intelectuais para o mundo prático e dá aos artesãos
Henrique Leitão
a hipótese de... Trabalhar com ideias
José Maria Pimentel
muito avançadas. Exatamente. Eu diria, mas não tenho a certeza, que também houve uma modificação no papel, como é que eu diria, na importância social, de certa forma, se calhar, do intelectual. Que esse é o tranacronismo que nós fazemos. Há muitas figuras do passado que nós consideramos geniais e que no tempo deles eram figuras perfeitamente secundárias, por exemplo, na corda em que estavam inseridas. Aliás, esse é um paradoxo curioso da história. Há nomes que nos chegam... Que na época ninguém ligava. E que na época ninguém ligava. Exatamente. Que eram, sei lá, eram servos de um monarca qualquer relativamente obscuro, que hoje em dia...
Henrique Leitão
Isso é importantíssimo. E agora já vai ver porque é que de repente isto agora começa a ficar interessante em relação ao que nós temos para dizer sobre nós, não é? É possível pensar que certos acontecimentos históricos, de ordem geral histórica, tornaram de repente as pessoas com competências técnicas socialmente muito mais relevantes? Uma ótima pergunta, não é? Sim, sim. E a minha resposta é que eu acho que sim. Eu acho que sim, é óbvio. Houve acontecimento. Que mudanças? Já falaremos mais à frente. Ainda temos coisas para falar. Mas o que você está a dizer tem toda a razão. Começamos a ver arrearranjos sociais, portanto, quando intelectuais de alto nível têm que entrar em contato com artesãos. Isto é o Zilcel que diz. Outra consideração que me diz bom mas qual é o papel social do homem de ciência, digamos, a pessoa que sabe de ciência. Pode de repente ter se tornado importante por razões de outra ordem qualquer, política, económica, não sei quantos, pode. E a resposta dos estudiadores de ciência é sim. Portanto, o desenvolvimento teve a ver com fatores exógenos, não é, que de repente os tornaram socialmente muito mais relevantes. E podíamos continuar a somar aqui razões que nos começam a mostrar que a modernidade científica foi obtida de uma forma muito complexa. Mas ao fazer este exercício, de repente, podíamos vir parar ao centro da mesa tópicos, temas, assuntos ou regiões da Europa que até este momento não tinham sido consideradas. Dá para perceber? E é aqui que a Península Ibérica aparece. É quando, de repente, se percebe que o fenómeno da constituição de uma modernidade científica não é um puro fenómeno intelectual, com aquelas características todas que já disse, mas que tem a ver com isto tudo. Por exemplo, outra ideia, a ideia de um progresso. A literatura antiga científica não contém de uma maneira muito explícita a ideia de um progresso. Muitas vezes as pessoas atribuem esta ideia, digamos, ao iluminismo e é verdade. O iluminismo é certa e depois no século XIX ainda mais. Mas a pergunta, mas quando é que os cientistas se começam a apresentar como agentes de progresso? Como agentes? Bom, e há várias respostas para isto, mas é claro, uma vez mais este Sr. Zilsel também o diz, é claro que há um momento histórico em que, por causa desta configuração social, se começa a falar de progresso científico, tema que até então era muito pouco falado, e isto pode-se localizar em torno do século XVI. E depois em Inglaterra vai aparecer um homem chamado Bacon, muito importante, mas muito antes de Bacon. As circunstâncias para a prática científica já tinham conspirado de tal maneira que as pessoas que estavam a envolver no estudo da natureza estavam claramente, mas claramente, a falar de progresso em ciência. Temos que fazer progresso em ciência. A ciência traz
José Maria Pimentel
progresso. Antes falava-se pouco disso porque também não havia massa crítica. Posso estar enganado, mas o que me parece até ser uma das grandes diferenças entre o pré e o pós-revolução científica, ou pré-pós-mudança, esta mudança que nós estamos a falar, justamente não é a existência ou não de indivíduos uniais, mas a existência de uma comunidade de pessoas que se influenciam mutuamente, porque senão é muito fácil nós olharmos para pessoas que existiram antes de Copérnico e encontrar pessoas que tiveram, há um tipo agora, não lembro o nome dele, que chegou a conclusões muito parecidas com as de Copérnico 200 anos antes. Só que na altura não influenciou ninguém. Sim. E porventura terá a ver com isso. Hoje tem sido muito discutido, não é? Portanto,
Henrique Leitão
hoje as redes de correspondência de intelectuais, ou as redes em que cada um destes homens trabalha, hoje são tópico de grande importância. Porque já se percebeu que aquilo que tinha, até há pouco tempo, sido atribuído como um contributo individual, não foi um contributo individual, mas foi uma espécie de um mix teórico que foi gerado num ambiente socialmente importante. E aqui somos obrigados a introduzir o homem que mudou toda esta maneira... Isto é um processo complexo, esta nova visão do que é a atividade científica. Mas se há um nome que se deve sublinhar é de facto Thomas Kuhn, não é? Porque Thomas Kuhn em 1962, quando publica o seu livro sobre a estrutura das revoluções científicas... Bem, primeiro Kuhn influencia-se muito num autor dos anos 30, que assim tinha passado despercebido, chamado Ludwig Fleck. E Fleck tinha falado sobre a construção de um facto científico. Então Kuhn conta que um dia vê numa biblioteca um livro que diz construção de um facto científico. Isto é estranhíssimo, mas os factos científicos não existem. Precisam ser construídos. E ele leu o livro e ficou fascinado. E o livro, Fleck, hoje em dia está outra vez muito na moda por causa desta importância que teve. E Fleck diz isto que nós estávamos a dizer. Pois, mas O problema é que aquilo que muitas vezes nós atribuímos como descoberta de uma pessoa só já vivia num caldo social muito bem definido. Já era parcialmente partilhado por outros. Que às vezes é bastante difícil fazer uma atribuição individualizada de uma coisa que quando olhamos em pormenor vemos que é o resultado de ou pessoas que dizem de consciências coletivas, talvez um bocadinho extremado, mas pessoas que dizem não, não, é resultado de interações sociais entre pessoas. Portanto é muito difícil dizer que foi uma descoberta daquele
José Maria Pimentel
senhor. Mas mesmo no... É evidente que isso acontece sempre, mas mesmo no início... Por exemplo, nós falamos do exemplo de Galileu, é mais conhecido. Eu imagino que a história seja um bocadinho simplificada, não é? Mas a ideia que dá é que Galileu era um tipo mais ou menos a pensar sozinho, entre outras coisas, fica em reclusão durante... Essa é a fábula. Não é? Nada
Henrique Leitão
de tudo. Não tem nada a ver. Nada de tudo. De tudo. Zero. Hoje o que sabemos é... Galileu tem uma enorme dependência de pessoas antes. Enorme dependência de pessoas antes. E viveu sempre a interação muito estreita com inúmeras outras pessoas, em particular, em particular, mas só para dar o exemplo mais, em particular com artesãos. O grupo mais original de estudos galileanos hoje em dia é o grupo da Universidade, do Instituto Max Planck em Berlim E o que eles defendem é que todas as contribuições de Galileu sob teoria do movimento foram adquiridas trabalhando com artilheiros, com pessoas que faziam canhões. Galileu visitava muito o famoso Arsenal de Veneza e era um visitante habitual do Arsenal de Veneza. Teve muitas discussões com os homens que trabalhavam com canhões. E é evidente que os tipos que trabalhavam com canhões já sabiam que a trajetória de uma bola Era estranha. O que depois Galileu vai mostrar que é parabólica. E, portanto, hoje em dia é claro para toda a gente que é impossível fazer uma história da compreensão deste fenómeno, que é muito importante na história da ciência, sem perceber estas relações de Galileu com estes homens de nível baixo. Mas é exatamente a este tempo. As pessoas têm ideias, ainda hoje têm ideias completamente erradas. No telescópio, as interações que Galileu tem com colegas são contínuas, mas nada disto diminui o gênio de Galileu. O que faz é obriga-nos a reformular aquilo que achávamos ser um gênio. Era uma espécie de uma criação ex nihilo, não? Era do nada eu criei e agora não, nós percebemos não. É a capacidade de, com coisas que estão mais ou menos formuladas, conseguir dar-lhes um twist, dar uma volta. E a Galília faz isto supremamente. É difícil. É um grande gênio da história da ciência, não há dúvida nenhuma. Agora, o que não é, é um pensador isolado. Claro. Mas ainda assim, não deixa de sobrar a pergunta. Ele estava
José Maria Pimentel
ou não estava sozinho quando publica, ou quer dizer, quando publica o livro, quando defende determinadas ideias, quando defende o heliocentrismo, aí ele está sozinho ou não está sozinho? Bom, a
Henrique Leitão
questão do heliocentrismo é muito mais complexa. Eu estava a usar o exemplo dos movimentos, é muito mais complexa. Não estava totalmente sozinho, estava muito isolado, sim, mas não estava totalmente
José Maria Pimentel
sozinho. É mais complexo, mas é que ficou para a história, não é? Por isso é que ficou para a história, pelo menos do ponto de vista... Sim, sim. Não, mas é só uma
Henrique Leitão
história muito complicada, é só uma história muito complexa, mas tem que ser inscrita num conjunto de acontecimentos que estão a suceder desde o meio do século XVI e que vão desembocar no princípio do século XVII. Não foi uma coisa que apareceu do nada. Ou seja, Galileu, ao falar do heliocentrismo, está a se inscrever num conjunto de discussões que estavam... Agora, inscreve-se de uma maneira muito original e muito inovadora e muito corajosa. Tudo isto ninguém duvida, mas de repente vemos é que... Como é que eu ia dizer? O que eu queria talvez dizer, talvez uma vez mais, talvez não seja o seu caso, mas infeta-nos a todos ainda a visão antiga da historiografia, não é? Porque é uma narrativa super atraente, a do gênio isolado que está só com os seus pensamentos. E quando a gente vê que na realidade não foi bem assim... Então nos anos 60, e agora para chegar ao ponto que estava desde o princípio, mas ainda bem que demos estas voltas todas, por razões várias, isto tem muitas mudanças aqui pelo meio, mas a partir dos anos 50, 60, a história da ciência abre-se em leque, porque começa-se a perceber, bom, mas se não é isto que nós dizíamos, se os fatores econômicos são importantes, se a organização social é importante, se os sistemas de ensino são importantíssimos. Os sistemas de ensino são importantíssimos, como calcula. Como Kuhn chama muito bem a atenção, em cada época nem todos os problemas em aberto são relevantes. Há uma seleção do que é que são os problemas relevantes. E o que é que faz isso? Os sistemas de ensino. Os sistemas de ensino o que fazem no treino de um cientista é também definido o que é que é o problema relevante de quem cadê a época. E, portanto, a história da ciência, a partir dos anos 60 e 70, abriu completamente em leque e tudo isto se tornou importante. E muitas outras coisas, a formação da autoridade, a confirmação da evidência, os mecanismos pelo qual a credibilidade científica... Como toda a gente sabe, a ciência, antes de mais nada, é uma operação de fé. Nós acreditamos uns nos outros. E, portanto, tem a ver com o sentimento, não é? E o sentimento baseado em formas de credibilidade e de autoridade. Estas formas de credibilidade e de autoridade modificaram-se imenso, não é? E pronto, então, é esta coisa agora, muito complexa, que claramente tem que transportar dentro saberes que nós rejeitamos como não científicos, mas os quais é impossível fazerem, é impossível ter qualquer possibilidade de compreender a história da astronomia sem astrologia, completamente impossível, não é? E hoje isto é banal, todos os estudadores o aceitam. É isto que é a história da ciência hoje, não é? E, portanto, é de uma riqueza imensa, é de uma riqueza imensa, permite pontos de entrada muito diferentes, permite pessoas com formação muito diferente contribuírem meritoriamente, porque antes não, só os cientistas é que podiam falar de ciência, mas hoje em dia não, ninguém diz tal coisa, não é? E agora tem implicações muito mais profundas do que se podia pensar. E recoloca problemas que não têm nada a ver, digamos, a forma que estes problemas tinham nos anos 30, 40 ou 50, não é? Portanto, tudo isto é muito vivo. Então, eles
José Maria Pimentel
colocam problemas no sentido de perguntas de investigação
Henrique Leitão
ou colocam problemas contemporâneos? Não, não, perguntas de investigação. Colocam perguntas de investigação completamente inovadoras, não é? A relação, no caso da história da Europa, a relação com a Idade Média e com o mundo árabe foram dois campos que se desenvolveram imenso a partir dos anos 60. Nós hoje não passa pela cabeça de ninguém dizer que a Idade Média não tem um papel absolutamente central na formação da modernidade científica na Europa, que tem. Nós temos pressuposições sobre a nossa relação com a natureza que são claramente medievais, não é? Que vêm todos da Idade Média e que estão mais ou menos imutáveis e que fazem a história da Europa um pouco diferente das outras
José Maria Pimentel
pressuposições. Por exemplo?
Henrique Leitão
De que o mundo natural é bom, de que o mundo natural é racional, estas pressuposições. Há culturas em que a ideia de que o mundo natural é bom não é verdade. O mundo natural é uma forma... O que é que isso quer dizer? O mundo natural ser bom? Que a realidade material não é uma forma degradada de existência. Isto é por influência deste mix muito próprio dos ocidentais, que é cultura grega e depois tradição judaico-cristã. Este mix de cultura grega e pensamento judaico-cristão introduziu-nos a um ponto que é uma segunda pele para nós. É impossível de abandonar. Nós todos achamos que o mundo natural é bom, mas há culturas que não o acham. Acham que a realidade material é uma forma degradada da verdadeira realidade que seria espiritual, ideal, o que seja. Mas que não era esta. Mas também tem tradição no mundo ocidental. Sim, claro que teve. São os períodos em que a ciência se vem abaixo. Claro. Portanto, o outro é ainda mais do que racional, do que é cognitivamente acessível, não é?
José Maria Pimentel
Ah, racional nesse sentido. Racional,
Henrique Leitão
acessível à mente humana. Nós não temos a mais pequena dúvida disto, não é? Nós não temos a mais pequena dúvida. A origem disto é religiosa, não é? Toda a gente sabe, não é? Até de um mundo que é feito para nós. O cristianismo transporta esta ideia. Este mundo está feito para nós. E, portanto, como está feito para nós, está comensurado com a mente humana. E, portanto, o Cristianismo, digamos, resolve o problema da cognoscibilidade do mundo. Claro que tudo é cognoscível. Porquê? Porque está feito para tal. Ou os cientistas partilham desta ideia como uma segunda pele de que não se duvida, ou a ciência acaba. No dia em que as pessoas duvidam da capacidade da mente humana para conhecer o mundo natural, nesse dia a ciência acaba e hoje temos, temos formas culturais hoje em dia, há certas formas do pós-modernismo que duvidam disto. Isto é o fim da ciência.
José Maria Pimentel
Por causa da relativização da verdade.
Henrique Leitão
Claro, claro. Até da realidade. Não é só da verdade, de que existe um mundo fora, de que existe uma coisa
José Maria Pimentel
fora. Mas esse não é um perigo da relativização que a estereografia tem estado muitas vezes a fazer. Por exemplo, o Enrique estava a falar há bocadinho, e isso é uma coisa mais ou menos consensual, de que a mundividência europeia, ou quer que isso seja, vai beber simultaneamente ao mundo grego e à influência judaico-cristã. Muita gente dirá, bem, não só questionará isto, como dirá, mas o que é isso, influência judaico-cristã? Não estava lá antes, Porque facilmente se encontra coisas que lá estavam. O que é que isso quer dizer? Como
Henrique Leitão
é que funciona? Ou seja... Não, não, não, não. O que eu quero dizer é... O que eu quero dizer é quanto se tornou sociologicamente relevante, socialmente relevante. Torna-se socialmente relevante por causa de uma religião, não é? Quer dizer, que haja pessoas isoladas, em qualquer cultura, na África, na Ásia, na Oceania, onde queira, e que isoladamente achem que o mundo é bom e que o mundo é racional, eu nunca tenho a mais pequena dúvida que houve pessoas. Mas o problema não é esse. O problema é que estas ideias sejam socialmente relevantes, se tornem o padrão de uma cultura inteira. Isto sucedeu de maneira suprema na Europa.
José Maria Pimentel
Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. O que eu quero dizer é, não há um perigo também da vertigem relativizadora, da estereografia que se percebe, porque é um dos papéis da estereografia, é justamente ajudar-nos a perceber as matizes que existem no passado, também ela própria alimentar, ou ter alimentado essa relativização da verdade, ou a relativização do conhecimento. Porque se nós olharmos para trás e dissermos, não, mas todos aqueles cientistas, bem, logo eram todos homens, eram todos ocidentais, eram todos pessoas mais ou menos privilegiadas, de repente podemos facilmente dar por nós a relativizar o próprio conhecimento que eles produziram. Sim,
Henrique Leitão
claro. Quer dizer, que a história pode ser usada para fazer tudo entre as quais isto, relativizar a possibilidade de conhecer, a resposta é sim. Como A historiografia, por definição, é feita de uma maneira mais qualitativa do que
José Maria Pimentel
quantitativa, porque tem que ser, porque a realidade não só é infinitamente complexa, como estamos a falar do passado, pode abrir a porta a isso, porque todas as conjeturas são possíveis. Nós falámos há bocadinho daquele livro que o Enrico falava há bocadinho, que eu já não sei qual é que era, tinha uma tese muito conjetural, mas que teria lá alguma validade. A história permite-nos fazer. Se nós escolhermos o ângulo certo, nós conseguimos estar a conjeturar com alguma liberdade, não é? Conseguimos estar a conjeturar sobre tudo, não é? Por tudo em que... No caso da Revolução Científica, podemos pôr em causa o corte que houve face ao que aconteceu a seguir, podemos pôr em causa a velocidade com que esse corte aconteceu e encontrar exceções por tudo isso, podemos pôr em causa o que é que motivou aquelas pessoas a pensar daquela forma, quem é que contribuiu para aquilo o facto de ele ter ocorrido em áreas diferentes, a ritmos diferentes E podemos pôr em causa até o progresso de conhecimento que foi feito desde então. Basta para isso citar uma série de aspectos do mundo natural que nós hoje em dia continuamos sem conhecer. E há vários.
Henrique Leitão
Claro. O que vai ficar tudo
José Maria Pimentel
errado. O Enrico sabe muito melhor isso do que eu da física. Tudo
Henrique Leitão
aquilo que nós acreditamos hoje, daqui a 100 anos, vai ser risível. Exato. Risível, não é?
José Maria Pimentel
Claro. O que eu não acho que seja verdade. O que eu
Henrique Leitão
não acho que seja verdade dessa forma. Certo. Mas, quer dizer, o que me está a dizer... No sentido de terraplanar e voltar a... Terraplanar e voltar. Não é assim que acontece. Mas não vamos ter esta adesão que temos agora, porque teremos coisas melhores, digamos, como explicação do mundo. Isso não é dúvida. Mas, quer dizer, o que o Jair Marim está a dizer é uma coisa que é, de certa maneira, óbvia. Quer dizer, quem quer ter certezas muito, muito, muito, muito absolutas não se deve meter pela história. Não se deve meter pelo humano, a história tenta captar aqui um humano. O que havia era uma espécie de uma descrição histórica e que ainda, insisto, ainda é muito popular, que é muito sólida, muito segura, muito standard, em que está cheia destas certezas, porque como foi importada da ciência, parece que estas certezas da ciência também afetaram o discurso histórico, não é? E era tudo muito claro, muito não sei onde. E isso desapareceu, não é? Isso desapareceu. Hoje em dia os nossos personagens científicos são muito mais complexos. A formação da evidência científica, percebemos que é um fenómeno muito mais complexo, que não são demonstrações, não é? Adesão às teorias científicas, não é? As teorias científicas, como se sabe, contêm imensos problemas internos, não é? Não há nenhuma teoria científica que seja irrepreensível e perfeita. E no entanto as pessoas aderem. Então o que é que faz? Isto é uma pergunta tipicamente kuniana. Então o que é que faz uma pessoa aceitar uma teoria científica da qual vê os erros óbvios ou, posto de outra maneira, o que é que faz uma pessoa rejeitar aquilo em que acredita, não é? E o que nós sabemos, e nós sabemos isto historicamente, empiricamente confirmado, é que os cientistas vivem com teorias científicas que sabem que estão erradas durante muito tempo, até que há um momento, uma vez mais uma interpretação coneana, em que as apurias, os problemas, as dificuldades são inaceitáveis. E então neste momento há uma transição. Este é o famoso argumento
José Maria Pimentel
de Kuhn.
Henrique Leitão
Mas que se vive com teorias científicas que nós sabemos que são problemáticas... Eu venho da física teórica, portanto a gente sabe há umas coisas em física teórica chamadas de renormalização. A gente faz uma conta e aquilo dá infinito, o que é o sinal de uma teoria que está errada. A conta devia dar um número e deu infinito. Portanto, a teoria tem um problema gravíssimo, não é? E esta teoria toda a gente aceita, sabendo que tem este problema lá dentro. Que um dia se resolverá, um dia se perceberá, ninguém sabe bem como, se poderá tirar, mas continua a ser uma das melhores teorias que nós temos em física.
José Maria Pimentel
Há uma coisa da tese de Kuhn que eu nunca percebi também, porque nunca li o livro dele, mas o que ele dizia, sabe o erro, era que as mudanças de paradigma ocorriam quando, no fundo, as reações à regra se acumulavam, não é? Evidência no sentido oposto se acumulava de uma forma tão conspícua que havia uma mudança forçada. O que eu não percebo é se ele diz que o progresso científico acontece desta forma, ou seja, acontece de uma maneira impura, acontece porque as pessoas convivem com erros, ou se ele está a relativizar o próprio progresso científico. Eu nunca percebi essa parte. O
Henrique Leitão
problema mais importante é que, na formulação dele, a transição é uma transição essencialmente irracional. Mas várias coisas. Primeiro tem que existir uma espécie de um segundo paradigma. Enquanto não existe formado um segundo paradigma não há sentido ponto transitar. E portanto, enquanto não existe um segundo paradigma, nós vivemos com todos os problemas. Todos os problemas. Mas, quando há um segundo paradigma, há um momento em que se torna insustentável isto. Só que não há maneira de o medir. Não há maneira de o medir. E a transição é gastal de teoria. É uma mudança. É uma mudança que ele diz que é essencialmente irracional e nós passamos a fazer as coisas de outra maneira. E ele acha que, por exemplo, geracionalmente, uma geração não se consegue libertar, a geração seguinte muda. É aquele euforismo da ciência evolui...
José Maria Pimentel
À medida que as pessoas vão morrendo. Exatamente. Há uma maneira mais engraçada de dizer isso, mas é isso. Uma morte cada vez. É uma coisa tão gente.
Henrique Leitão
O que é que faz introduzir? Faz introduzir. Primeiro, questiona. Porque Kun nunca o negou completamente e tem muitos textos a defender-se da acusação de que o teria feito. Nunca negou que não houvesse progresso em ciência. Há progresso em ciência. Mas o progresso tem esta dinâmica que é muito... É mais sujo do que a pessoa pode ser levada a acreditar. E isto corresponde bastante melhor ao que acontece em ciência, quando a gente examina as comunidades científicas. O grande mérito é que todo o estudo do que era a ciência era feito... Há uma grande tradição em filosofia de estudar o fenómeno ciência, não é? Mas é estudado como um fenómeno já terminado, acabado. Tenho ali uma teoria científica e eu olho para aquele conjunto de afirmações, etc., muito complexo, e vou tentar identificar coisas próprias desse conjunto de afirmações. Porquê é que é ciência? Porquê é que a evidência se faz assim? Porquê é que é verdade? Etc., etc. O que é que aconteceu a partir dos anos 60? Esta deixou de ser a pergunta mais importante. A pergunta mais importante não é olhar para um corpo teórico científico já constituído, mas fazer a pergunta como é que isto, como é que se chegou lá? Que é a pergunta de Kuhn, não é? A pergunta de Kuhn é, ok, eu não quero olhar para a ciência feita, eu quero olhar para o processo pelo qual se faz. E isto tem implicações filosóficas, mas tem sobretudo implicações históricas. As implicações históricas de Kuhnek foram muito importantes, porque abriu a história da ciência de uma maneira muito mais interessante. A influência externa. A influência externa, todas, tudo, todo o tipo, não
José Maria Pimentel
é? Temos aqui uma série de pontos que ficaram abertos, agora queria ver se conseguíamos fechá-los. Foi um bocado caótico, não foi? Sim, foi um bocado, mas é normal. Antes disso, alguma coisa que não tínhamos falado, importante. Acho que não falámos muita
Henrique Leitão
coisa, mas enfim, mas diga, é melhor nós... Não,
José Maria Pimentel
não, vamos, então vamos fechando os parênteses. Uma coisa que à bocado não chegámos a fechar e o Henrique disse que ligava com a questão do papel da Península Ibérica, ou seja, de Portugal e Espanha, é a questão da mudança do papel ou do posicionamento social do cientista, do intelectual, e acho que o cientista no cientista. O que é que mudou naquele período? Porque desde logo há um paradoxo que me ocorre. Por exemplo, na interligação nas redes de ideias ou nas redes de debates. E de certa forma nunca tinha ocorrido isto, mas é quase um paradoxo deste período. É que este era justamente um período de maior fechamento, aparentemente, pelo menos parece-me, do que existia antes. Na Idade Média, sobretudo na Idade Média pré-protestantismo, a Europa, embora tivesse vários reinos, primeiro era uma Europa feudal, Olhar para aquilo como Estados é em si mesmo um anacronismo, não é? Não tinham o Estado centralizado como existe hoje em dia. E para além disso, todas aquelas pessoas eram cristãs. Daí vários intelectuais portugueses teriam andado pela Europa, iam e vinham, quer dizer, isso era muito normal, sobretudo quando se começam a criar as universidades. E portanto, certa forma, nesse período da Idade Média, que já é baixa a Idade Média, mas nesse período da Idade Média, haveria até uma maior interligação do que no período em que ocorre, ou terá ocorrido a Revolução Científica, que é um período já marcado pela cisão, protestantismo, catolicismo, com uma série de barreiras criadas na Europa que até terão dificultado o processo. Portanto, é quase, parece-me, pelo menos intuitivamente, quase um paradoxo que se tenham conseguido gerar essa massa crítica para catapultar uma mudança de paradigma, inicialmente na metodologia e depois no conhecimento científico, numa altura em que até era menos propícia. Parece-me, provavelmente, isto tem mais que se liga.
Henrique Leitão
Mas na interpretação tradicional e hoje muito desacreditada, digamos, a Revolução Científica é um fenómeno... Dos países protestantes. E incrivelmente localizado geograficamente. É de uma zona minúscula da Europa onde sai tudo. Englaterra e Holanda. Englaterra e Holanda com uns pozinhos talvez da França, umas coisinhas nada. A Itália só numa fase inicial, mas mais nada. É uma coisa dali.
José Maria Pimentel
E a Alemanha também?
Henrique Leitão
Pouquíssimo. Tem lá Kepler. Os nomes são cuidadosamente escolhidos. Tem um alemão, um polaco, um italiano, um inglês. Para toda a gente estar contente. E portanto, esta é uma narrativa que se faz e que a gente ensina aos miúdos e toda a gente percebe porquê. É uma narrativa de auto-interpretação dos países fortíssima. Os ingleses dizem, nós fomos daqui a que se originou
José Maria Pimentel
tudo. Pensando dessa forma estará surgindo na altura do nacionalismo, da criação dos Estados-nação.
Henrique Leitão
Claro. E portanto tem a ver com esta história. Mas não foi assim que se começou? Então como é que se passou? Pois, mas o fenómeno é muito mais interessante. O fenómeno é muito mais interessante. O fenómeno é claramente um fenómeno europeu. Aliás, europeu, mas cheio de influências extra-europeias, mas ativado na Europa, com todo o tipo de pessoas na Europa, todo o tipo de regiões, todo o tipo de nações envolvidos em profundas transformações sobre a relação entre as pessoas com a natureza e estas transformações foram ativadas por razões geoestratégicas completamente externas, como foi a expansão marítima, não é? O contacto com a América, o contacto com novos continentes, com novos mundos, com novas coisas. Mas essa é uma pergunta interessante. Qual foi o papel que os descobrimentos tiveram? Absolutamente central. Mas vamos agora perceber porquê. É que, quando eu digo absolutamente central, não estou a dizer com nenhuma das categorias antigas. Ou seja, não estou a dizer, e isto é causa de infinita confusão, eu não estou a dizer que do ponto de vista de história intelectual tenha ocorrido alguma coisa particularmente extraordinária na Península Ibérica. Ou para dizer de uma maneira caricata que as pessoas percebem. Não há Newton na Península Ibérica e não vale a pena ir à procura. Não há. Não há o grande teórico. O problema é que a história da ciência hoje não é isso que procura. A história da ciência hoje procura muitas outras questões e essas questões nós vemos-las primeiro a surgir não no século XVII mas no século XVI, o primeiro facto. Vemos-las a surgir não em resultado da atividade de pessoas isoladas, mas como grandes movimentos coletivos, em grande medida. Segundo, vemos-las a surgir não só nos níveis académicos altos, mas vemos a surgir em níveis artesanais baixos. Então, por ser todas estas coisas, nós começamos a vê-las a surgir na Península Ibérica. E a razão qualquer, alguma coisa especial em português ou espanhol, nada de todo, O que acontece é que estão-se a confrontar com uma situação única. E a situação é o quê? Por exemplo, imagine esta situação. Descrever as plantas da América. Descrever as plantas do Brasil. Não há nada comparável disto antes, não é? E nós sabemos que a partir de 1520, 30, há quer portugueses, quer espanhóis, que têm na cabeça esta ideia louca. Vou descrever a flora das Américas. Uma ideia completamente impossível, não é? Coisa que eles começam logo a dizer. Mas começam-se a propor fazer coisas de modo completamente diferente. Estas pessoas não são académicos, muitos deles, não são académicos standard, portanto têm... O fundamento da sua credibilidade é completamente outro, não é o puramente educativo, têm outros fundamentos de credibilidade e o fundamento de credibilidade tem a ver com autopsia, com o facto de terem visto as coisas, não é? E de repente aparece em história, aparece no curso da ciência esta ideia de que o que fundamenta a opinião certa sobre a natureza é a operação de ver a natureza e não a operação de estudá-la num livro. Mas muitas outras, muitas outras. Obriga, obrigou claramente aos níveis altos a colaborarem com níveis baixos, nós temos, em Portugal e Espanha. E depois, mas não nada típico de Portugal e Espanha, em Portugal e Espanha primeiro, mas depois logo a seguir na Inglaterra, na Holanda, também na Frância, também na Itália, mas sobretudo depois na Inglaterra e na Holanda, nós começamos a ver o aparecimento destas comunidades híbridas de intelectuais de alto nível a trabalhar em coartesãos. Pois, e o Enrique Alcá disse que ia explicar isso. Porquê é que isso surge? Porque as necessidades que se o colocam só são resolúveis com este tipo de colaborações. Enquanto não tivemos matemáticos a trabalhar com pilotos, não foi possível fazer as linhas comerciais.
José Maria Pimentel
Sim, e o papel dos descobrimentos é...
Henrique Leitão
Porque a situação geoestórica força rearranjos sociais que não existiam antes. Não tem nada a ver com qualquer coisa especial que as pessoas tivessem. É algo que surge em resposta a uma situação histórica que força estes rearranjos todos. A noção de progresso fica claríssima, não é? A noção de que a ciência está na base da grandeza imperial aparece aqui. O primeiro texto que eu conheço é um texto de Pedro Nunes, em que o diz com toda a claridade. Os portugueses fizeram umas grandes navegações, conquistaram o oceano, faz um elogio enorme nas navegações portuguesas. E depois diz uma coisa extraordinária. E porquê que isto foi assim? Porque os pilotos portugueses sabiam mais, sabiam mais matemática, sabiam mais astronomia e os instrumentos de navegação portugueses eram melhores. Ou seja, associa a grandeza imperial a uma mais-valia técnica. Nós não temos nada assim antes. Não há na história da Europa, em momento nenhum que eu conheça, adorava que me trouxessem uma contraprova, não há, até ao século XVI, eu não conheço, nenhum registro que mostre isto, que na grandeza imperial nós hoje chamaríamos de desenvolvimento, que o que Está na base, uma das coisas que está na base, é vantagem técnica e científica. Mas isto está claríssimo nos textos portugueses. Claríssimo. Mas não é só Pedro Nunes, Freitor Pinto. Freitor Pinto escreve os diálogos da vida cristã, que é um grande best-seller do século XVI. Em certa altura, um jurista, lá no diálogo, dialoga com o matemático. E o jurista diz, levámos as leis, a lei de Cristo, penso eu, outras coisas. E o matemático responde. Mas como é que levaríamos sem matemática? Mas o que é que são andar no mar se não matemática? E as cartas náuticas, o que é que são senão geometria. E portanto, o que ele está a dizer é, vocês falam da grandeza da expansão, mas isto é o que é? Isto era voz corrente no país, voz corrente no país, depois voz corrente a Espanha também, voz corrente a Inglaterra, na Holanda, e no caso da Inglaterra e Holanda, depois é institucionalmente agarrado com muito mais força e torna-se central. E depois aparecem, digamos, interpretações programáticas disto, como a de Francis Bacon. Este é o grande programa baconiano, que é do século XVII, 1640. É repetir coisas que neste ambiente marítimo se diziam na Europa marítima 100 anos antes. Mas isso
José Maria Pimentel
é muito interessante, ou seja, Bacon não teria sido possível, digamos assim, sem os
Henrique Leitão
descobrimentos, ou seja, sem a abertura... Completamente, sem navegações marítimas, Não havia bacon. Claro que não. Podemos fazer um exercício, um exercício engraçado. O que é que acha que transforma mais a história científica da Europa? O facto de que meia dúzia de pessoas com um telescópio tenham visto satélites em Júpiter? Meia dúzia de pessoas com um telescópio tenham visto satélites em Júpiter? Ou o facto de que milhares e milhares de pessoas tenham ficado a saber da existência de todos os outros continentes com novas plantas, nova fauna, novos fenómenos meteorológicos, tudo isto. É um bom ponto, sim. É uma questão
José Maria Pimentel
de escalabilidade. Claro,
Henrique Leitão
é uma torrente social que a evidência documentada confirma. O problema é que o discurso histórico-científico foi selecionado, selecionou, quer dizer, há meia dúzia de aristocratas no século 17 que se reúnem na Royal Society e que das reuniões de meia dúzia de aristocratas na Royal Society a ciência da Europa tenha toda mudado, é preciso fazer um acto de fé enorme, não é? É a causa mais próxima. O bom ponto não é este, o ponto é que ao mesmo tempo e antes, aconteceram sucessos de um impacto brutal e que estão esquecidos.
José Maria Pimentel
Que estão lá
Henrique Leitão
por trás. Só que o ponto, e é isto que a historiografia portuguesa nunca trabalhou, por isso às vezes as pessoas dizem ah mas estás a estudar ciências e descobrimentos, ah mas o professor Albuquerque ou o professor não sei o quanto já fizeram mas eu digo mas é que eu não estou a fazer nada do que eles estão a fazer, nada, zero. Quer dizer, eu e os meus colegas e outros, muitas outras pessoas que escrevemos sobre estes assuntos, e fora de Portugal, não somos só portugueses, que escrevemos sobre estes assuntos hoje, escrevemos nos últimos 30 anos. Portanto, com modos de análise que não têm nada a ver com o que se fez antes. Eu não estou muito preocupado se tem a ver com o experimentalismo ou outra categoria destas mentais. Não é que não tenham razão. Podem ter razão, mas isso para mim não é o problema principal. O problema principal é que o modo habitual de relação com a natureza foi profundamente modificado. Na Europa marítima, e esta profunda modificação é o substrato que permite aquilo que nós chamamos de ciência
José Maria Pimentel
moderna. Sim, o RIC está preocupado com uma causa mais última, com uma causa mais... Sabem que há aqui um cruzamento de uma série de influências. Evidente. Porque, por exemplo, no caso de Inglaterra, no caso de Londres, apesar de tudo, e é muito interessante perceber as influências que estão mais ou menos ocultas, havia uma sociedade pujante em que estes assuntos eram discutidos de uma maneira que me parece que não existia nos reinos ibéricos. Em que datas? No século XVII.
Henrique Leitão
Pronto, mas Eu estou a falar do século XVI, são 100 anos de diferença.
José Maria Pimentel
Ou, e se calhar já no século XVI
Henrique Leitão
também, não terá surgido nada. O problema é que em Portugal e Espanha as pessoas estão a só confrontar com este problema nas últimas décadas do século XV e na primeira metade do século XVI. E 100 anos depois...
José Maria Pimentel
Mas o aspecto cronológico
Henrique Leitão
não é menor. É que quando ingleses e holandeses entram nesta história, o que é que eles vão fazer logo? Toda a gente sabe, vão copiar o que a polícia liberdica tinha feito. Copiar as instituições. Copiar os cargos. Começam a aparecer, não sei se sabe, começam a aparecer na Península Ibérica cargos intermédios, que são pessoas que não são nem académicos, nem artesãos, mas estão ali a meio, isto é, tiveram formação avançada, mas têm que trabalhar com pilotos. Estes cargos intermédios vão aparecendo em toda a Europa, mas no primeiro sítio onde aparecem, na Península Ibérica, são chamados pilotos maiores, cosmógrafos maiores, etc. Há modificações na estrutura profissional da prática científica. Aparecem novas instituições. Em Espanha aparece uma instituição chamada Casa de la Contratación, que é uma instituição logística, mas que se torna a zona de acumulação de toda a informação. E em Portugal, aos armazéns dandia e da Guiné também há o equivalente. Estas instituições são depois todas replicadas e copiadas nos outros países. Aparecem formas novas de recolher informação. Por exemplo, estas viagens de longa distância precisam para ser feitas, são muito técnicas, e portanto precisam para ser feitas não só de grande preparação como da acumulação de imensa informação. Mas a informação é de escala planetária, porque repara, uma pessoa sai de Lisboa e vai até Goa, E às vezes continua, depois vai para Nagasaki, não é? E então é recolhida durante toda a viagem informação sobre correntes, ventos, pássaros, magnetismo, tudo isso. Sim, sim, sim. E isto tudo é recolhido, guardado, compilado e analisado. Os primeiros documentos que mostram recolha de informação sobre o mundo natural à escala do planeta são estes, são portugueses e espanhóis. Porque a recolha de informação até aqui, a medieval, do século XIV, XV, é profundamente local. Mas agora aparece uma vez mais este elemento de escalabilidade, como lhe chamou, um argumento de escala completamente novo. Não, eu não tenho que descrever as plantazinhas aqui do meu bairro ou do meu país. O meu problema é descrever as plantas todas daqui quando vou até outro lado. É outro problema. Ninguém se tinha confrontado com este problema. Como é que se faz isto? Isso é muito interessante.
José Maria Pimentel
É totalmente inovador. A pergunta que eu estava a levantar é, isto de facto é muito interessante, quer dizer, é quase o primeiro capítulo da história que é preciso arrumar antes do primeiro capítulo que lá estava antes. Certo. Agora, a pergunta, que não é nova, mas que é interessante reinterpretar à luz disto, é porquê que com esse começo depois não se gerou na Península Ibérica socialmente, para lá dos descobrimentos, até porque os descobrimentos, a ideia que eu tenho é que duas realidades conviviam de certa forma, o Portugal dos descobrimentos e o Portugal continental, que ainda era muito medieval e que não deu depois o salto para o tipo de sociedade, o tipo de troca de ideias, que aí sim existiu, por exemplo, na Inglaterra no século XVII. Com este começo auspicioso, porquê é que isso depois não aconteceu? Claro que esta é uma pergunta muito mais ampla do que estamos a falar.
Henrique Leitão
Mas podemos aqui, enfim, num podcast, tratá-la não ao nível de estudos académicos, mas ao nível destas intuições que são tão ilícitas. Eu não diminuo a conversa de café. Mas essa pergunta é importante perceber que só se põe quando se aceitou a primeira. Isto é, quando
José Maria Pimentel
se aceita a primeira. Mas ela torna-se mais permissiva quando se aceita a primeira. Certo,
Henrique Leitão
mas já estou muito contente que o José Marinho me faça esta pergunta porque isso quer dizer que é da primeira, de facto. E, portanto, o que deve dizer, que é o que eu digo, nós temos que olhar para a primeira parte com muito mais atenção do que olhámos até agora. Há muito mais a dizer. E é isto que os estudos mostram nos últimos 20 anos, não é? O chamado studies sobre Iberian science, que é uma coisa mundial, não tem nada a ver, tem a ver com isto. De repente percebeu-se que o que tinha sucedido na Península Ibérica era muito mais interessante do que se pensava. Ok. Agora vamos à segunda. A segunda pergunta é de facto muito importante porque eu acho que é objetivo, que é confirmado. Eu durante um tempo pensei que tivesse também a ver com fatores económicos, hoje em dia porque há estudos económicos sobre isto, já estou convencido que não. Não tem a ver com um desalinhamento económico. Portugal está relativamente bem alinhado com os outros países até a segunda metade do século XVIII, só... Portanto não pode ser a razão. Eu hoje estou, penso, estou mais tendente a crer que tem a ver com os sistemas educativos, com as instituições educativas. Porquê? Repare, isto são séculos a passar. Uma coisa é as ideias, as teorias e os conteúdos científicos do século XV-XVI. Outra coisa muito diferente são as ideias e conteúdos do século XVII. Ora, sucede que a ciência no século XVII não sobrevive sem instituições de ensino boas, Ao passo que no século XVI é possível imaginar, e eu acho que há confirmação histórica para isto, que um certo nível de informalidade educativa fosse suficiente para capacitar uma pessoa. Mas no século XVII isso é completamente fora de questão. O avanço científico tornou as teorias científicas tão mais avançadas, tão mais complexas, que estão criticamente dependentes dos sistemas de ensino. Isso é uma coisa que nós podemos dizer na história portuguesa, é que tem um problema gravíssimo com os sistemas de ensino até hoje, não é? E, portanto, o que é que acontece? Parece-me a mim, mas ofereço tentativamente, provisoriamente, como uma ideia que me ocorre, eu penso que a partir do século XVII Portugal não consegue acompanhar as exigências a nível de sistema de ensino que são pré-condição para se poder ser cientistas. O que é o problema hoje? Faz sentido,
José Maria Pimentel
sim. No fundo há uma mudança de... O arsenal de conhecimento que passa a ser necessário e conceptual deixa de poder ser adquirido de uma forma ou autodidata ou mais superficial.
Henrique Leitão
Isso mesmo. Enquanto se nós pensarmos os desenvolvimentos geográficos, cartográficos, aquela matemática da cosmografia, aquelas coisas, consegue-se aprender num ambiente muito informal. Mas quando nós passamos para a astronomia matemática avançada do século XVII, já não. E as disciplinas da física, já não. E técnicas avançadas, já não. E depois entramos num problema deste, o problema da matemática até hoje, o problema da ciência hoje. Às vezes as pessoas perguntam qual é o problema da ciência hoje. Eu digo não há de qualquer jeito um problema com a ciência hoje. É que qualquer cientista em Portugal é uma espécie de um milagre. É um milagre, não é? Porque o país não se orientou educativamente para os produzir, não é? Quer dizer, o país está montado para produzir grandes jogadores de futebol e produlos, mas não está montado para produzir grandes cientistas. E de facto tem alguns bons. E o que é que acontece? Acontece que esses são exceções que venceram o sistema. E onde é que está a chave? A chave está no sistema educativo, toda a gente sabe isto.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Exatamente. Ainda no outro dia falava disso. Eu estava aqui a pensar numa coisa que tinha ficado em aberto, o propósito dos descobrimentos. Fico curioso em relação ao papel que terá tido, porque uma das coisas que os descobrimentos permitiram fazer foi trazer, nomeadamente através, por exemplo, do papel dos jesuítas na China e no Japão, foi, ou poderá ter sido também trazer algum conhecimento que existia lá. Ou seja, da mesma forma que nós falámos da influência da ciência medieval, da influência da ciência árabe, que ela própria tinha ido beber à ciência grega, no fundo tinha mantido essa tradição mais viva e tinha a complementado. Também houve uma influência da ciência ou da protociência do Oriente, da China e do Japão?
Henrique Leitão
Nas ciências europeias tradicionais, que se saiba, a resposta é não. E isso tem sido estudado nos últimos anos, nas últimas décadas, com alguma atenção. Se o fenómeno foi bidirecional, não parece ter sido assim tão bidirecional. É claramente um fenómeno de transporte de ciência europeia para lá. Agora, o que houve foi uma ideia de um respeito por culturas altamente sofisticadas, não é? E com moldes sociais completamente diferentes dos nossos, não é? E que isso também era válido para os cientistas ou para o papel social dos intelectuais. Isto é uma coisa que choca muito os primeiros observadores, por exemplo, com a China, não é? O enorme respeito que as pessoas letradas têm. Portanto, há aqui modos indiretos. De certa forma estava à frente do tempo. Que na Europa muitas vezes não seria assim, talvez, em alguns âmbitos. Há aqui uma bidirecionalidade, mas não é nos conteúdos científicos. Nos conteúdos científicos só muito episodicamente pode ter acontecido. Quer dizer, a história da ciência europeia a espalhar-se pelo mundo é uma história de domínio total. Quer dizer, porque As formas locais são abandonadas quando vêm as europeias. O Japão e a China têm matemáticas próprias. Até que viram os elementos de Euclides. Quando se vê os elementos de Euclides, o que é que fizeram? Em poucas décadas abandonam as formas normais. O Japão abandonou as formas normais e a China abandonou, com o tempo, a tal ponto que a gente entra hoje numa instituição de investigação em qualquer ponto do mundo e mimeticamente copiaram os modos ocidentais. Sim, sim, sim. Portanto, isto não se pode negar. Claro,
José Maria Pimentel
é evidente. E o ilho de Santa Teresa, se a pessoa não entrar numa relativização extrema... Claro, claro, isso é o que é interessante. Há um aspecto que nós não falámos há bocadinho, ou que falámos um bocadinho e que não chegámos a fechar e em relação ao qual tenho alguma curiosidade, Que tem que ver justamente com o papel social do intelectual ou do cientista. E lá está. A China é um exemplo interessante porque a China tem uma espécie de burocracia estatal muito antes da Europa. E daí, quer dizer, o exemplo do Confúcio, por exemplo, era um tipo formado para ser uma espécie de burocrata estatal no bom sentido, que é uma coisa que só existe na China.
Henrique Leitão
Só na China. O sistema de exames, o sistema educativo todo montado, todo montado e exigentíssimo. Na Europa
José Maria Pimentel
é uma coisa que surge há poucos séculos. Agora, o que se altera naquele período é que, pelo menos creio eu, é que se nós fôssemos a uma corte medieval o intelectual lá está era uma figura mais ou menos secundária com um papel naquela estrutura social que não era especialmente privilegiado, aquilo que falávamos há bocadinho, comparativamente com o estatuto de um nobre de baixa fidelidade, por exemplo, era perfeitamente secundarizado. Mas depois há uma mudança, não é? E surge até quase uma moda que depois, eu creio que atinge o pico, até no século XIX, de muitos aristocratas ou pessoas, pelo menos, com posses, se dedicarem à ciência. O que é que aconteceu para isso ter surgido? O que é que mudou?
Henrique Leitão
É difícil dar uma resposta... Mas um elemento foi que precisamente por causa deste movimento expansionista em que a Europa se envolve toda e que este movimento expansionista exige tecnologia, de repente estas pessoas com competências técnicas adquiriram um estatuto social que não tinham antes. E nós começamos a ver nas cortes portuguesas e nas espanholas e nas inglesas e nas holandesas, em todas, começamos a ver que os homens que sabem de mapas, de astronomia, não sei quantos, têm uma relevância social que não tinham antes. Antes era só o astrólogo da corte e o físico da corte, ao mesmo tempo astrólogo e médico, mas agora não, ele já se pronuncia sobre geografia, ele é tutor dos príncipes e os príncipes têm que aprender estas disciplinas todas. Portanto, há aqui fenómenos que não são únicos, insisto, o fenómeno é claramente mais complexo, mas este elemento parece-me indiscutível, observa-se bem. Mas eu não sei se estou a falar exatamente do mesmo. E, portanto, eles passam a ter uma proeminência social que não tinham antes. Portanto o técnico, o homem que tem um saber técnico, passa a ter uma proeminência social que não tinham antes, de ter um saber que é socialmente mais maluco. Mas nós vivemos mais... E mais economicamente também, porque o tipo que sabe de plantas, não é? A farmacopeia, que tornam-se grandes redes comerciais, não é? E, portanto, a pessoa que sabe mais deste assunto toma-se. Eu percebo isso, mas eu não sei se estou
José Maria Pimentel
a falar exatamente disso. O que eu quero dizer é, claro que existe isso e existe a exceção da burguesia, que claramente é um fator que também teve muita influência aqui na Inglaterra e nos países do centro da Europa. Ou seja, também foi uma das mudanças que contribuíram para isto. Mas ainda assim, o que eu vejo é, dentro de uma sociedade onde continuava a existir uma nobreza, que é no fundo uma realidade que se altera, creio eu, já na passagem do século XIX para o XX a sério, que existem ainda aristocratas, esses aristocratas interessam-se imenso por ciência. Mas isso é muito mais tarde. Ah! Isto é um fenómeno do século XVIII. Sim, sim, é verdade. Isso é muito mais tarde.
Henrique Leitão
Eu estava a falar já do século XVIII. Não, não, não, isso é a famosa gentleman science. Isso é muito mais complicado. Eu acho que há fatores, há claros fatores intelectuais, não é? O programa Iluminista é muito importante aqui. As pessoas educadas começam a olhar para a ciência com outro... Sim, mas isso é Uma coisa que as valoriza socialmente. Uma coisa que as valoriza. Como é também uma coisa de gosto. Exato. De usar a alabordia, uma coisa de distinção social. Sim, sim. Saber ciência. Sim, sim. Sou nobre e não só tenho roupas caras, mas além disso sei comentar o Sr. Newton.
José Maria Pimentel
Exato. Que é curioso, porque hoje em dia até não é assim tanto.
Henrique Leitão
Hoje não, mas menos, não é? Mas por outro lado, as sociedades europeias hoje continuam a ter o sempre que tiveram, que é esta quase anormal interesse pela natureza. A cultura europeia transporta isto, transporta um interesse pelos fenómenos da natureza muito incomum. Quando passa um cometa na Europa, cometa é uma coisa, digamos, frequente de se observar, quando passa um cometa na Europa toda a gente fala, toda a gente escreve, os pintores pintam, os poetas poetam, os filósofos, os teólogos, toda a gente, não é? Quer dizer, é aquela pergunta. Houve grandes debates. O debate do heliocentrismo. O debate do heliocentrismo não teve réplica em nenhuma outra zona do globo, não é? O debate do heliocentrismo é um debate europeu ponto final. Mas o
José Maria Pimentel
que é que as outras zonas do globo pensavam? Não ligaram meia. Eu tinha a ideia que na Mesoamérica, por exemplo, eles tinham noção do
Henrique Leitão
mas o que não é inscrição social. É preciso ter muito cuidado com esta distinção. Ninguém nega os níveis, a competência e o valor dos níveis científicos altos de outras
José Maria Pimentel
culturas. Esse é um ponto muito importante. O que é muito
Henrique Leitão
distinto é a inscrição social da ciência. E o que se passa na Europa foi muito diferente. A Europa está permanentemente em debates científicos. Esse é um ponto fundamental. Nós estamos permanentemente em debates científicos, mas não há mais de lado nenhum do mundo. Mas se eu caro um debate sobre alterações climáticas noutras zonas do mundo, terem as influenciadas pelo ocidente, não há. Mas não houve antes, não houve também sobre o evolucionismo. Não houve. O evolucionismo pode dizer-se que é tão problemático para o islamismo como é problemático para certas denominações protestantes muito literalistas. Ou seja, pode dizer-se isto de uma maneira muito rápida e isto é mais ou menos aceite. Mas a verdade é que num caso gerou debate e num
José Maria Pimentel
outro não gerou debate. Pois nunca tinha pensado sobre isso. Não gerou?
Henrique Leitão
Não. É menor. É um debate muito mínimo. Há um livro muito bom, de Ronald Numbers, chamado The Creationists, em que ele analisa estes debates sobre o criacionismo no mundo inteiro. E ele próprio reconhece. Bom, o que nós temos de reconhecer, embora isto tenha implicações com imensas outras coisas, isto só gerou discussões profundas no Ocidente. E na China, por exemplo? Que eu saiba, não. E portanto, isto tem a ver com esta inscrição social. Mas, por exemplo, na Turquia seria uma coisa complicada, no mundo árabe seria... Mas tem a ver com a inscrição social, que é claramente diferente. É preciso dar-nos pinotes à evidência histórica para não reconhecer isto, não é? E isto é o que torna fascinante a história da Europa. E por isso é que a história da ciência, de facto, é uma disciplina... Enfim, estou muito contente, porque é muito rica, porque deteta um fenómeno que é um fenómeno muito peculiar no mundo ocidental, digamos, embora toda a gente tenha interessado pelo mundo, que é o da participação social das pessoas no discurso sobre a natureza. E a participação dos ocidentais nas discussões sobre a natureza é muito diferente de outras regiões do globo. Muito diferente. Eu acho que isso tem a ver com muitas coisas. Tem a ver com as universidades, por exemplo.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente. Com o sistema educativo, não é? Sim, sim. Tem a ver com o sistema
Henrique Leitão
educativo também. E depois tem a ver com os feitos substratos, que eu dizia, há substratos filosóficos ou religiosos muito peculiares do Ocidente e que tornam a relação com o mundo, com a natureza muito diferente.
José Maria Pimentel
Este é um parêntese, mas esse ponto da importância da massa crítica é um ponto muito importante. Nós muitas vezes tendemos a valorizar a qualidade intelectual de um determinado meio, seja ele qual for, pelo percentile 99, quando é isso que faz sentido. Faz sentido jogá-lo pelo... O percentile 50, ou no mínimo, vai pelo 70, porque
Henrique Leitão
isso é que cria massa crítica. Há um historiador chamado Toby Huff. Toby Huff é um historiador americano, fez estudos comparativos. Europa, China, mundo islâmico. Fez estudos comparativos e usou alguns exemplos. Pode-se discutir e eu acho que é perfeitamente lícito discutir algumas coisas, mas é interessante ver o que ele diz. Ele usou o exemplo do telescópio. O telescópio aparece na Europa e o telescópio incendeia a Europa em discussões. Toda a gente discute, nobres, ricos, baixos, etc. O telescópio vai para o mundo islâmico, não há polêmicas. O telescópio vai para a China, não gerou interesse nenhum. E, portanto, o problema de base científico seria mais ou menos o mesmo. E o mundo islâmico teve astrónomos extraordinários e a China, astrónomos extraordinários. Mas a inscrição social não tem nada a ver. Enquanto nós vemos aqui, no colégio de Santantão, aqui em Lisboa, no colégio de telescópio, o Galileo faz observações entre 1608, mas há certas observações que ele só fez em 1214 e que estão a ser feitas aqui em Lisboa entre 1516 e 17. Três anos, dois anos depois.
José Maria Pimentel
Ah é? Curioso. Dois anos depois. Mas isso lá está, é uma coisa que muda se nós recuarmos 200 anos, por exemplo, aí a diferença já não seria... Essa diferença já não existiria entre essas geografias, ou existia
Henrique Leitão
também? O quê? As diferenças de tempo?
José Maria Pimentel
Não, não, as diferenças de massa crítica e a implantação social da...
Henrique Leitão
De interesse. De interesse. Não, eu acho que isto é típico, já na Idade Média, são claras, muito claras. Ah é? Sim, na Idade Média nós vemos com as observações astronómicas. Mas daí,
José Maria Pimentel
por exemplo, não era mais no mundo árabe que havia esse... Não,
Henrique Leitão
na inscrição social... Espero não estar a dizer uma coisa porque eu não sou especialista no mundo árabe, mas, de que sei, o que nós vemos é, nós vemos, por exemplo, os níveis altos, os grandes astrónomos, todos a fazerem teorias, matemáticas, e há algumas indicações a nível popular de algum fenómeno, uma supernova, um cometa, um fenómeno assim. Mas no mundo ocidental não é assim, no mundo ocidental é contínuo, não é? Os fenómenos astronómicos, as pessoas estão todas a escrever sobre aquilo e escreve toda a gente.
José Maria Pimentel
Sim, é um ponto engraçado.
Henrique Leitão
É o artista, é o cientista, é o que sabe, é o que não sabe, todos os níveis sociais, todos os níveis educativos. E obviamente é os teólogos, é toda a gente. Portanto, toda a gente na Europa se acha habilitada a ter discurso sobre a natureza. Isto é uma característica muito europeia. Isso é até
José Maria Pimentel
muito interessante, nunca tinha pensado nisso dessa forma. Sim,
Henrique Leitão
portanto às vezes a gente vê comparações muito rápidas entre a tradição, a ciência, digamos, a ciência europeia e a ciência de outros países. E é preciso ter um bocadinho cuidado, porque nós isto não temos, quer dizer, não há comparativo a isto, não é?
José Maria Pimentel
É claro, e é importante a pessoa olhar para as causas últimas, porque senão é preciso perguntar porque é que aqueles nomes foram possíveis, não é? E não é só aquela questão de eles terem colaborado com muitos outros, mas porquê que havia essa colaboração já de início, não é? Porque
Henrique Leitão
havia essa implantação social que é diferente. Agora, repare, isto torna-se cada vez mais importante quando nós dizemos que o que faz andar a ciência já não é só o tipo isolado. Porque se fosse o tipo isolado, Nós encontramos em todas as culturas, todas, todas as culturas, há, tem géneros científicos. Claro. Esse não é o problema. O problema é que a ciência tem muito mais a ver com isso. Claro, claro. Como nós já insistimos várias vezes. E é por causa disso que de repente, um pouco paradoxalmente, a trajetória ocidental se revela muito distinta. Os
José Maria Pimentel
géneros científicos não fazem nada, não é? E por isso é uma tentação da pessoa olhar e pensar... Na Antiguidade havia um filósofo que dizia alguma coisa. Ou... Na China havia dois ou três tipos que diziam qualquer coisa. Ou na Mesoamérica. Mas isso em si não faz nada. Até porque não permite brilhar aquela ideia. Porque se é só uma ideia que alguém teve, está cheia de imperfeições. Exatamente. Esse ponto é interessante. A pergunta
Henrique Leitão
é como é que isto se pode tornar socialmente relevante. Sim. O que é que é preciso que uma cultura tenha para que, de repente, estas ideias sejam socialmente relevantes? É um exercício, é muito simples e pode-se fazer hoje. É pegar um jornal de um país ocidental, não é? Pegar um jornal e ver que o jornal está recheado de notícias de fundamento científico, base. Ou porque é poluição, ou porque é alterações climáticas, ou porque é vacinas, ou porque é o Covid, ou porque é não sei quando. Está cheio, é impossível, cheio. E está cheio há décadas. Jornais estão a termos assim. Faça uma comparação com qualquer outra zona do globo e não é isto que se tem. As notícias são de outro tipo. Ainda hoje há uma tensão sobre o mundo natural que é muito... Quero sublinhar para que fique muito, muito claro. Não estou a dizer qualquer diferença de capacidades, não estou a dizer que não houve grandes desenvolvimentos científicos feitos noutras regiões, porque houve, extraordinários. Aliás, não digo mais, como eu dizia há pouco, a história da ciência da trajetória europeia não pode também ser escrita sem estas influências exteriores, sobretudo no caso da Europa do século XVI, quando nós falávamos do mundo islâmico, mas mesmo assim, tendo dito isto tudo, é preciso reconhecer que há uma prática diferente na Europa, há uma inscrição social muito diferente.
José Maria Pimentel
Claro, E a tónica nessa diferença da inscrição social eu acho muito relevante. Eu queria só falar duas coisas antes de acabarmos. Uma coisa que eu tinha nos primeiros pontos da agenda e que vamos para não falar. Não tem nada especial, mas já agora faz sentido falarmos disso, porque outro dos desafios ao conceito historiográfico da revolução científica é o facto de as mudanças de paradigma, se nós quisermos, terem ocorrido em ritmos diferentes e terem ocorrido em alturas diferentes consoante as áreas da ciência. Inicialmente dava-se um peso muito grande à matemática e à física, creio eu que só mais tarde se descobriu que na anatomia também tinha havido um progresso muito grande naquela altura, mas depois há, por exemplo, a química, é um século depois. A biologia, se... Quer dizer, há vários progressos antes disso, mas se nós considerarmos que o grande salto paradigma na biologia ocorre com Darwin, estamos a falar já na segunda metade do século XIX, portanto já ocorreu muito mais tarde e isso
Henrique Leitão
em si mesmo também é um desafio àquele conceito. Absolutamente. E exatamente isso é o que aconteceu. Essa foi uma das primeiras linhas de ataque ao conceito. Ah, mas isto é muito diferente disciplina para disciplina, não é? E sobretudo as disciplinas, digamos, exatas, sobretudo a astronomia. Porque a astronomia era o exemplo supremo, ainda faz parte da grande narrativa
José Maria Pimentel
antiga. Que eu disse física é mais a astronomia.
Henrique Leitão
Mas o que ativou as mudanças todas foi a astronomia. Por isso é que tem o Galileu, o Kepler, Copérnico, etc. São todos astrónomos, não é, Bruno? Mas depois as pessoas começaram a reparar, então mas e a medicina? A medicina não está aqui. Então mas e a biologia? A biologia não está aqui. Mas como é que será possível? Depois apareceu a matemática só como matemática. E hoje há uma espécie de um consenso, há uns artigos muito famosos sobre isto, Are there revolutions in mathematics? Que é um consenso que não há revoluções em matemática. Hoje estamos todos de acordo. Não há revoluções em matemática, portanto a categoria não se aplica. A matemática é esta cumulativamente...
José Maria Pimentel
Eu ia justamente perguntar isso, não é? Matemática para mim é um caso à parte, um caso incremental. Um caso
Henrique Leitão
à parte de incremental e de vez em quando tem uns incrementos um bocadinho mais... Mas este temos de acordo. E por causa disto, e diz-me de bem, por causa disto, houve vários historiadores que começaram a dizer vamos abandonar o conceito, vamos deita-lo fora. E houve aqui um período, nos anos 70, em que as pessoas, os historiadores tentaram abandonar o conceito. E dizer, acabou, nós inventámos isto a certa altura, isto começa a revelar-se com tantas deficiências que traz muito mais desvantagens do que vantagens, isto é, de entendimento do passado, que é a única coisa para que serve um conceito historiográfico. Portanto, fomos abandoná-lo. E o que é que sucedeu? Sucedeu que o resultado foi muito mau. Sucedeu que os historiadores deram-se conta, os historiadores de ciência, que era pior não ter o conceito do que tê-lo sabendo os seus problemas. E esta é a situação atual. Mas porquê? Porquê que era pior? Porque quando nós olhamos para o que era interessar-se pela natureza, ciência de maneira muito lata, interessar-se pela natureza no século 14 ou 15. E quando nós olhamos para o que era interessar-se pela natureza no século 18... Não
José Maria Pimentel
tem nada a ver. Não tem nada a ver. Portanto, aconteceu qualquer coisa. Exato. Era o que eu ia perguntar. A minha intuição é que o que aconteceu pode não ter tido um
Henrique Leitão
reflexo direto do conhecimento, por faltarem dados, por faltarem ferramentas. Mas aconteceu qualquer coisa. Toda a gente percebe. É melhor ter uma noção historiográfica que é incrivelmente defeituosa, mas capta este facto, aconteceu qualquer coisa, do que porque tem defeitos de tal a fora e perdermos esta ideia. E este é o entendimento hoje. Não sei o que será daqui a 50 anos. Mas hoje é o que... É uma espécie de cinte entre os dois. E portanto os cientistas hoje, por isso a maneira de escrever, há de reparar muitas vezes que os cientistas falam, dizem, the so-called scientific revolution, ou os outros, que há nos anos 50, não, diziam, foi a revolução científica, parecia que tinha haver tiros nas ruas, não é? Exato. Como revolução. Portanto, esta é a posição hoje. Hoje há um entendimento mais ou menos tácito que de facto, com todos os seus defeitos, nos diz qualquer coisa sobre o que aconteceu mesmo. E portanto, se perde-se o tirar.
José Maria Pimentel
Claro, claro. E a minha intuição também vai por aí. Faz todo sentido. A última coisa que eu queria perguntar, na verdade não tem a ver com isto diretamente, mas ocorreu-me a preparar esta conversa. Eu digo que não tenho diretamente a ver com isto, porque já diz respeito a um período posterior, diz respeito à Revolução Industrial, e o Lula me mandou ouvir a certo ponto, não me lembro quem, mas era um historiador económico, tinha escrito um livro sobre a Revolução Industrial, e ele chamou a atenção para uma coisa que nunca me tinha ocorrido. O mistério da Revolução Industrial é o facto de ela ter surgido tanto tempo depois dos saltos da ciência e ter sido levada a cabo muito por tinkerers, muito por pessoas no terreno, muitas delas, digo eu, sem conhecimentos científicos por aí além desenvolvidos e não por cientistas e não em resultado direto aparentemente da revolução científica. Eu dizia que isso era um puzzle que até hoje nunca tínhamos conseguido resolver. Perceber porque aquilo surge naquele momento, porque é só ali e porque é ali
Henrique Leitão
no fundo. Eu não sei se... Não, não sei, não. Mas a pergunta é muito boa. A pergunta é muito boa E estas são perguntas muito típicas de história da ciência. A para a revolução industrial, para a revolução científica, porque só aqui naquela tempo, e para a revolução, porque este delay não é? Eu acho que há, no caso das coisas mais de revolução industrial, há uma conexão muito direta com fatores económicos. Acho eu. E, portanto, tem a ver com instituições, tem a ver com a possibilidade, sei lá, sistemas financeiros saudáveis, linhas de crédito a funcionar, disponibilidades. Quer dizer, eu acho que terá a ver com outros fatores. E depois também, provavelmente, com esta, com uma certa valorização do trabalho manual, que tem mais uma interpretação mais de história da cultura. Mas não sei, é uma boa pergunta. Não sei responder. É
José Maria Pimentel
uma boa pergunta. Vou ficar a pensar nisso mais algum tempo. Ok, Henrique, vamos terminar
Henrique Leitão
com o livro. Ah, sim,
José Maria Pimentel
o livro.
Henrique Leitão
Estava a pensar num livro e surgiu um livro que é um livro que também habitualmente surgiram aos meus alunos numa cadeira de mestrado que dou. É um livro polêmico, portanto, e eu quero já dizer, não estou a dizer que subscreva tudo o que o livro diz. É só a primeira coisa que eu queria dizer.
José Maria Pimentel
Não, não, e nem é uma pré-condição para recomendar
Henrique Leitão
um livro aqui. Nem é uma pré-condição, mas é um livro que eu recomendo imenso. Se alguém quiser perceber, num livro absolutamente fascinante, o que é fazer história da ciência hoje. Chama-se Galileu Cortezão, Galileu Cortier, de um homem chamado Mário Biagioli e foi uma verdadeira revolução nos estudos sobre Galileu. O livro é dos anos 80 ou 90, quando Biagioli, que é o sr. Mário Biagioli, toda a gente pensava que já tínhamos compreendido Galileu, não é? Galileu tem uma scholarship quase infinita, está estudado imensamente e de repente aparece esta obra que nos mostra um Galileu como social climber ou a revista talvez seja um bocadinho de mais mas um galileu como um manobrador social muito muito inteligente e segundo a ótica de biagioli a ciência que Galileu fez estava ao serviço desta operação social.
José Maria Pimentel
Tem que ver com muitas coisas que falámos aqui.
Henrique Leitão
O livro, por causa disto, foi muito polémico. Há muitas pessoas, muitos historiadores de ciência consagrados que o detestam, mas há muitos historiadores de ciência consagrados que o acham uma obra extraordinária. Seja como for, e eu ofereço em aberto à interpretação de quem eu queira ler, o que não ofereço como aberto, mas aqui faço uma afirmação categórica, estão a ler um livro que é brilhante, brilhante na análise, brilhante no uso da documentação disponível e maravilhosamente bem escrito e que obriga a repensar muitas coisas que as pessoas pensavam que conheciam acerca desta figura. E, além disso, transporta para o leitor moderno muitas das ideias que são hoje ideias muito importantes em história da ciência, mecanismos de mecenato, quem é que paga a ciência, representação,
José Maria Pimentel
poder simbólico, etc.
Henrique Leitão
Questões simbólicas, mas também questões de produção. Portanto, esta seria a minha sugestão. Boa, não é a próxima sugestão. Existe em tradução portuguesa? Sim. Galileu Cortesão, não sei se é muito fácil de encontrar, mas em inglês Galileu Cortier, foi escrito originalmente em inglês.
José Maria Pimentel
E parece-me que a tese até, lá está, tem a ver com várias coisas que falámos aqui, porque diz que Galileu, no fundo, já naquela altura, ainda no mundo, quer dizer, já no medieval, mas no fundo, recém saído da Idade Média, numa corte que ainda obedeceria à partida a esse tipo de organização, ele podia usar já a ciência enquanto meio de
Henrique Leitão
promoção. Exatamente. O que é interessante, o que é curioso. E depois isto com certas regras de convivência social, etc, etc. Mas exatamente isso. Engraçado.
José Maria Pimentel
Está bem. Ok, excelente. Henrique, muito obrigado. Muito obrigado. Tenho a sensação de que foi
Henrique Leitão
um bocadinho caótico, mas espero que se passe. Não, não se faz parte. Muito obrigado pelo convite, foi um gosto.
José Maria Pimentel
Para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Paulo Peralta, Eduardo Correia de Mato, João Baltazar, Rui Oliveira Gomes, Salvador Cunha, Tiago Leite, Joana Faria Alves, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Gustavo e Gonçalo Machado Monteiro. Até ao próximo episódio. Legendas pela comunidade Amara.org