#91 Luís Aguiar-Conraria - A visão de um ‘liberal de esquerda’, a importância e apostar...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Desta vez estou à conversa com Luís Aguiar Conraria, professor de Economia na Universidade do Minho, doutorado pela Cornell University e com investigação nas áreas da macroeconomia e da economia política. Para além disso, tornou-se conhecido do grande público, como se diz normalmente, nos últimos anos como colunista, primeiro no observador, depois no público e mais recentemente no expresso. Este episódio é, de certa forma, duas conversas numa só. A primeira parte foi mais típica, falámos sobre alguma da investigação mais marcante do convidado nos últimos anos e que até é mais na área da ciência política do que da economia, por exemplo o efeito de diferentes tipos de quórums na participação dos eleitores em referendos ou, outro paper do convidado, a interação entre o desempenho da economia e a justiça procedimental enquanto fatores que influenciam o voto das pessoas nos governos. Assim dito, estes podem parecer temas algo áridos, mas garanto que as conclusões são interessantes e sobretudo têm muito que se lhe diga. Estes papers foram feitos, aliás, em conjunto com Pedro Magalhães, que foi também convidado do podcast logo no início, no episódio nº6. Já a segunda parte da conversa, que o que corresponde mais ou menos a dois terços do episódio, isoladamente podia ser um daqueles episódios da série de orientações políticas que tenho gravado para o podcast com diferentes convidados. Isto porque o mote foi a visão política do Luís, que se descreve como um liberal de esquerda. Uma combinação mais ou menos invulgar e que talvez explique porque é que ele consegue o feito raro de ter leitores de simpatias políticas muito diferentes. Isso, e na minha opinião, também o facto de resistir a cair num perfil muito típico de alguns colunistas da nossa praça, mesmo alguns dos melhores e mais persuasivos, que parece que apenas escrevem artigos de esquerda, ou apenas artigos de direita, ou apenas contra o PS, ou apenas a defender o governo, ou seja, ficam acantonados e escrevem apenas para a sua tribo e muitas vezes de uma posição moralmente superior, mas manicaísta e simplista e que tira francamente muita graça ao exercício desafiante que é analisar o mundo. Esta segunda parte foi por isso muito mais uma discussão de ideias sem um guião propriamente pré-definido. Falámos de temas tão diferentes como o salário mínimo e a flexibilidade do mercado de trabalho em Portugal, algumas das dificuldades menos óbvias de ser um cronista regular no jornal e ainda, naquela que foi a minha parte preferida da conversa, a importância da educação, que era um tema precisamente sobre o qual o Luís andava a escrever há umas semanas quando gravámos esta conversa. A educação é um tema que devia merecer ainda mais importância, se quisermos, porque ajuda a explicar mais ainda do que podemos achar o atraso relativo de Portugal face a vários países, europeus sobretudo, que nos servem de referência. Mas chega de conversa, agora deixo-vos com o Luís Aguiar Conrari. Luís, muito bem vindo ao podcast. Ora, muito obrigado pelo convite, é um gosto. Vamos começar por falar da tua investigação. Aqui ainda por cima, parte dela, aquela que vamos falar, foi feita com o Pedro Magalhães, que foi um dos convidados do podcast, mesmo no início, lá nos ids de 2017. E salvo erro, eu acho que falámos de parte disto. Já não lembro bem, mas tenho a ideia que falámos de parte disto com ele. Se calhar, começamos por aqueles papers que vocês fizeram sobre os referendos, que ainda por cima tem uma história interessante, se quiseres contar, e tem conclusões interessantes que depois também acho eu é interessante discutir, tendo em conta o propósito político dos referendos. Mas se calhar mais fácil é pedir-te para contar a história do... Quer dizer, não só a história como as conclusões para que vocês chegaram. É de facto uma história engraçada porque o tema são
Luís Aguiar-Conraria
os referendos, o meu doutoramento é em macroeconomia, o Pedro Magalhães trabalhava na altura em sondagens e em funções de popularidade dos governos, portanto isto fugia um bocadinho aos nossos temas de investigação. Mas eu na altura escrevia mensalmente na secção de economia do público e escrevia um artigo na altura do segundo referendo ao aborto. E na altura escrevia um artigo a criticar o sistema de quórum que nós tínhamos em Portugal, o quórum de participação, que basicamente diz que um referendo não é vingulativo se pelo menos metade das pessoas não
José Maria Pimentel
votarem. Sim, supostamente pelo menos, não é?
Luís Aguiar-Conraria
E o Pedro Magalhães escreveu também um artigo nessa altura, Ele na altura também era colunista do público. Também a fazer a mesma crítica ao quórum, ao sistema de quórum que temos em Portugal, mas ele criticava todos os tipos de quórum. Existe o quórum de participação que nós temos, mas existem outros tipos de quórum. E eu, no meu artigo, defendia um outro tipo de quórum, sem sequer os conhecer, porque na altura não conhecia a literatura, portanto, apenas me pareceu uma coisa que era intuitivamente correta, que fazia sentido. E perante aquela pequena divergência, eu e o Pedro não nos conhecíamos de lado nenhum, eu mandei-lhe um e-mail a perguntar, pá, tu és de ciência política, eu sou de economia, sei trabalhar com dados. Claro que ele também sabe trabalhar com dados tão bem como eu, mas havia aquele preconceito inicial de antes começar a trabalhar com um cientista político, portanto, aquele preconceito típico dos economistas. Portanto, tu dominas a teoria, eu domino os dados, vamos ver quem é que tem razão. E foi assim que de facto começámos a trabalhar. E foi muito engraçado, porque aquilo que começou quase como um hobby, Nós imediatamente dissemos que sim, que íamos trabalhar juntos, pois durante um ou dois anos não fizemos nada. O Pedro Magalhães teve de marcar uma conferência para nós obrigatoriamente termos uma primeira versão do paper feita para essa conferência. Portanto, aquilo começou como uma coisa perfeitamente lateral nas nossas investigações, acabou por se tornar, se calhar, uma das linhas de investigação mais importantes em cada um de nós. Não só na minha investigação, como na dele. Isto é algo que ocupa muito do nosso tempo de investigação. E depois, claro, começámos a trabalhar nas outras coisas, mais relacionadas com o voto económico. Mas aí já foi iniciativa do Pedro. Este, realmente, dos referendos foi iniciativa minha. E, portanto, a ideia é simples. Isto em Portugal não se aplica bem, porque nós já percebemos que os políticos respeitam o referendo mesmo quando o quórum não é atingido. Portanto, parte do raciocínio que eu vou expor não se aplica a Portugal. Portugal é quase como se não existisse um quórum. Na prática, se a Assembleia se compromete a respeitar o resultado, mesmo que o quórum não seja atingido, dado que isso é credível, porque até agora respeitou sempre, a verdade é que nós funcionamos como se não houvesse quórum. Mas há outros países onde não é assim. Há outros países onde, quando o quórum não é atingido, os votos são destruídos sem serem contados. Há países onde, se o quórum não é atingido, e portanto aqui esta é a parte interessante, o que acontece é que o referendo não é válido e portanto a lei não muda. O referendo geralmente é para criar uma lei ou para mudar uma lei. O referendo não é válido, não muda. Ponto final. Portanto o status quo mantém-se. Ora, isto dá uma hipótese muito engraçada a quem é contra, a quem é a favor do não no referendo, que é, em vez de ir votar não, pode-se abster contribuindo para que o quórum não seja atingido. Aliás, a situação é mesmo mais ridícula do que isso. Se nós olhamos para o resultado do referendo do aborto em Portugal, o quórum não foi atingido. Portanto, à partida, então a lei não deveria ter mudado. Mas, se houvesse mais 500 mil pessoas a votar não, o sim ganhava na mesma, o quórum já era atingido, o quórum já era atingido e portanto a lei tinha de mudar obrigatoriamente. Ou seja, quem de facto, quem foi votar não no nosso referendo ao aborto foi ajudar o Sim, foi contribuir para que o Sim conseguisse a maioria atingindo o quórum. E portanto, isto gera toda uma panóplia de situações perversas. Pois, um caso na altura que deu brado, em Portugal não se falou muito nisso, mas deu brado na imprensa internacional, até uns artigos de economy cedicados a isso, em que em Itália houve um referendo sobre a fertilização in vitro, em que se pretendia liberalizar algumas das restrições que existiam, como apenas serem postos três embriões no útero da mulher, o que é que se fazia aos embriões que sobram, o que é que se lhes fazia, como é que se destrói, se são obrigados a conservar. E a Igreja Católica, através do cardeal Ruini, fez uma campanha ativa, fortíssima, para as pessoas não votarem. Mesmo o Papa, o Bento XVI, quatro dias antes do referendo, tem um discurso onde tem uma pergunta fabulosa. As palavras são muito bem escolhidas. O discurso acabava assim. O que é que nos resta se não abstermos-nos daquilo que é odioso aos olhos de Deus? Portanto, não é combater o que é odioso aos olhos de Deus é abstermos-nos
José Maria Pimentel
Vocês citam essa frase no paper, aliás
Luís Aguiar-Conraria
O resultado é que 90% das pessoas foram votar sim, mas houve uma abstenção de 75% e, portanto, não ganhou. Portanto, a lei não mudou, manteve-se. E, portanto, nós começámos a trabalhar nisto porque há um outro tipo de quórum, que é o tal que eu propus no meu artigo, em que a ideia é que em vez de contar os votos todos, contam-se apenas os votos a favor do sim, de forma a que quem é contra abster-se ou não abster-se, deixa ter incentivo a abster-se. Portanto, vamos imaginar que há 100 pessoas. Podemos ter um quórum de participação de 50, que é o típico, o que quer dizer que se uma proposta ganhar por 49-0, o não ganha, mas se ganhar por 26-25, já ganhou. Então é melhor ganhar por 26-25 do que por 49-0. Portanto, um quórum alternativo é termos um quórum de aprovação em que apenas se diz, para uma proposta ganhar, ela tem de ter a maioria dos votos, obviamente, e tem de pelo menos atingir os 26 votos. Portanto, se a proposta ganhar por 26-0 ou 26-25 ou 49-0, ela é sempre aprovada. Sim, O que faz mais sentido. Exatamente. Eu não conhecia isto, aliás, nem conhecia os nomes técnicos. Isto é um quórum de aprovação ou um quórum de maioria. Quando escrevi o artigo do público foi só dizer que não se deviam contar os votos contra no quórum. E, portanto, quando nós vamos estudar isso, descobrimos também que há vários países que têm este tipo de quórum. Aliás, há países até que misturam os dois. Portanto, é preciso um número total de votos e um número total de votos a favor. E analisámos isso, os dados para referentes dos vários países da União Europeia desde os anos 70. Trabalhámos estatisticamente os dados. E a conclusão foi exatamente a que eu tinha previsto. Que o quórum de aprovação tem efeitos negativos, no sentido de promova a abstenção. Muito provavelmente há muitos referendos onde o quórum de participação não é atingido apenas e só porque existe um quórum de participação e quando há um quórum de aprovação os impactos são nulos. Portanto, as pessoas votam como iam votar de qualquer forma. Isto é o nosso resultado empírico, com base em dados observacionais dos vários referendos. E foi assim que começou a nossa investigação neste assunto, ou seja, eu tinha razão, não era o Pedro. Já agora, o Pedro... Certeza, se vocês falaram nisso, o Pedro não deve ter dito isso na entrevista anterior. Mas então...
José Maria Pimentel
Por acaso não me lembro. Aliás, agora estava a ouvir, eu acho que tenho a impressão que falámos é do paper, vamos falar assim, do voto económico.
Luís Aguiar-Conraria
Mas depois, nós continuámos a trabalhar nisto, porque apesar de tudo, os dados observacionais são sempre dados observacionais. Uma pessoa nunca tem a certeza se está a conseguir apanhar correlações ou causalidades. O paper foi bem publicado e tem muitas citações e por aí fora, mas não foi publicado numa revista ainda melhor. Foi publicado na Public Choice, mas foi rejeitado em revistas melhores, com o argumento de que vocês não conseguem estabelecer causalidade. E há uma pergunta que é sempre muito difícil de responder, que é como é que vocês garantem que a causalidade não funcione ao contrário? Se calhar é nos países onde os políticos já sabem que as pessoas têm tendência a abster, que vão impor um quórum de participação para garantir que apenas referentes com muita participação é que contam. Ora, isto inverte completamente a causalidade. Portanto, nós aí, os resultados que encontramos então é onde há quórum de participação, Há menor participação eleitoral, mas se calhar é o contrário. Se calhar existe o quórum porque havia menor participação eleitoral. Uma pessoa tenta sempre, e aliás, no voto económico, que vamos discutir a seguir, temos exatamente o mesmo tipo de problemas. Isto é sempre muito difícil de tratar, a não ser laboratorialmente. Portanto, nós a partir de determinada altura passamos para a fase da seguida investigação, começamos a trabalhar em teoria de jogos, pensar em voto estratégico e aí, repentinamente e para a minha surpresa, os modelos dão razão ao Pedro Magalhães. Ou seja, pelo menos
José Maria Pimentel
parcialmente, os dois tipos de quórum têm efeitos negativos. Isso eu não percebo. Porquê é que o da aprovação incentivava a abstenção também?
Luís Aguiar-Conraria
É mais sutil do que isso. O problema é que quando tu tens um quórum, portanto, nestes modelos matemáticos, nós admitimos que as pessoas votam apenas por egoísmo, portanto, votam apenas com o objetivo de ganhar. E se conseguirem ganhar sem votarem, melhor ainda. Portanto, aquela ideia do voto enquanto dever cívico não existe. E já lá vamos. Portanto, a pessoa vota, calculas a probabilidade do teu voto influenciar a eleição, vês o custo que tens de ir votar, a gasolina que gastas, a
José Maria Pimentel
probabilidade de teres um acidente... Certo, se não for necessário, não sares de casa.
Luís Aguiar-Conraria
E portanto, se houver um quórum, isto é um equilíbrio em teoria de jogos que é muito chato, que é se tu acreditas que mais ninguém vai votar, então não vale a pena tu ires votar, porque se ninguém mais vai votar, então tu ires votar ou não, não faz diferença porque o quórum não vai ser atingido de certeza absoluta.
José Maria Pimentel
E também podes ter o outro, o caso no outro extremo que é contares com tanta gente a ir votar que o teu voto pode não ser necessário. E isso também acontece. E o caso
Luís Aguiar-Conraria
é, ok, o sim vai ganhar, portanto eu que sou a favor do não fico em casa, e depois quem é a favor do sim, ok, os de não vão ficar em casa, portanto também não é preciso ir tanta gente a votar, basta irem alguns, basta irem os outros votar e de repente depois não vai ninguém. Há uma situação interessante já agora num referendo da Dinamarca, foi feito um referendo para alterar a linha dinástica, portanto aquilo até há pouco tempo era sempre o filho mais velho que sucedia, portanto o rei era sempre... Aliás em Espanha penso que ainda é assim, É o filho mais velho que se torna o rei. E, portanto, foi feito um referendo para que fosse a pessoa mais velha, rapaz ou rapariga. Portanto, acabam com a discriminação de género, mas mantém a discriminação da idade. E, então, aí na Dinamarca existe um quórum de aprovação. E de repente, à hora de almoço, saem as sondagens a dizer que o quórum não vai ser atingido. Portanto, estava toda a gente a votar sim, evidentemente, toda a gente, ninguém de bom senso queria manter a lei. Havia uns partidos que diziam, e também com alguma razão, que diminuir a discriminação num sistema dinástico é por si só absurdo, portanto isto é ridículo, se recusaram a votar e, portanto, promoveram a abstenção. Mas à hora de almoço é anunciado que o quórum não vai ser atingido, As pessoas em massa mobilizam-se durante a tarde e conseguiram mudar a lei. Conseguiram ter o quórum de 45% ou 46% e eles exigiam que 40% das pessoas fossem votar sim. Portanto, foi atingido. Mas, portanto, isto é um caso em que houve claramente manipulação das notícias. Se não tivesse havido manipulação das notícias, o quórum não tinha sido atingido e, portanto, tinha vestido mais um efeito perverso de um quórum, neste caso, de aprovação. Depois, passamos para o fase seguinte, que é mesmo testar isto experimentalmente. Que é por pessoas a jogar um jogo em que votam, em que pagamos às pessoas. Portanto, isto é pago, é remunerado. E, portanto, as pessoas têm incentivo a fazer o jogo da melhor forma possível e pagam. Portanto, um aluno que jogue bem, numa sessão de 45 minutos, sai de lá a ganhar 30 euros, 25 euros, portanto, para um miúdo da universidade, isto já é algum rendimento que é bom. Portanto, os incentivos estão lá. E, mais uma vez, os resultados a que nós chegamos são estes. Quorum de participação é horrível, quorum de aprovação que o Pedro dizia que era péssimo e eu dizia que era ótimo, é mau. Não é tão mau como o Pedro dizia, não é tão bom como eu dizia, mas estava lá esse resultado. E isso foi um passo seguinte. Mas nós nunca ficámos satisfeitos com aqueles resultados porque eram incompatíveis. Uma coisa é uma pessoa conseguir explicar os resultados empíricos a que chegava para estabelecer a causalidade. Outra coisa é chegarmos a resultados experimentais que são incompatíveis com os resultados observacionais que nós tínhamos. Uma pessoa não pode dizer que a realidade está errada. Não faz sentido. É uma coisa que os académicos fazem muitas vezes, não é? Exato. Que os académicos fazem muitas vezes. Mas não, aqui não... Nós nunca ficámos satisfeitos com isso. E de repente voltamos ao que é óbvio, que é, às vezes, uma pessoa precisa sair dos nossos modelos econômicos, que é as pessoas votam muitas vezes por sentido cívico, não só por calculismo. Nós não vamos estar aqui todos a calcular probabilidades. E então nós fizemos uma nova experiência onde introduzimos o gosto pelo voto. Basicamente é muito simples. Isto é tudo com incentivos e com dinheiro. Portanto, nós damos um bónus às pessoas para votarem. E ao darmos um pequeno bónus para as pessoas votarem, que nem um bónus que apenas altera... Não alterava grandemente as contas. É mais um efeito psicológico do que outra coisa. De repente, os nossos resultados experimentais ficaram exatamente iguais ao que tínhamos tido nos resultados observacionais. Ou seja, quorno participação, efeitos terríveis, portanto, aumenta a abstenção e promove mesmo os boicotes, portanto, situações em que os votantes da equipa conservadora que quer manter o status quo se mobilizam para não votar, de forma a boicotar a eleição mantinha-se, mas com a coorda de aprovação isto desaparece. Mesmo as pessoas que eram contra, agora como recebem um bónus por ir votar, já vão votar. Pelo menos algumas delas já vão votar. E isto faz com que as considerações estratégicas que os outros consideram tenham de ter em conta que afinal os do contra também vão votar e com isto aumentam a sua participação e no fim acaba por ter efeitos quase nulos. O que é bom aqui, ter efeitos quase nulos é bom. Portanto, não distorce os resultados. E portanto, voltamos à nossa resultado inicial que é quórum da participação, efeitos péssimos, quórum de aprovação, efeitos bastante mitigados e portanto se queremos ter um quórum devemos ter um quórum de aprovação. Isto é engraçado, uma pessoa que acaba por estar 10 anos a trabalhar num assunto para chegar ao ponto de partida, não
José Maria Pimentel
é? Basicamente é o ponto de
Luís Aguiar-Conraria
partida. Eu lembro de estar aqui com o Pedro. Pedro, mas... Isto tudo vem dizer os resultados que nós temos para confirmar o que fizemos há 10 anos. Claro que agora percebemos melhor, não é? Agora sabemos porquê. Agora sabemos porquê, mas isso não interessa muito. Sim,
José Maria Pimentel
se um amigo te ouve perguntar então o que é que ficaste à espera? O quórum da aprovação é o melhor, então não era o que achavas
Luís Aguiar-Conraria
antes? É, exatamente. Não é o que tinha escrito no público. Exatamente. Mas ainda não terminámos, porque há uma coisa que nós ainda não analisámos experimentalmente e queremos analisar. Já o teríamos feito este ano se não tivesse sido a porcaria da pandemia que interrompeu isto tudo, que é um dos argumentos a favor do quórum, é a ideia de proteger as maiorias de minorias muito ativas, muito vocais. As minorias muitas vezes têm a capacidade para impor a agenda. E, portanto, se fizerem um referendo que apenas interesse às minorias, se se conseguirem mobilizar para fazer um referendo que apenas interessa às minorias, isso, o que provavelmente vai acontecer é que a maioria se vai abster, a maioria, a minoria que é muito ativa consegue impor a sua vontade e isso também não faz sentido porque é onde as minorias vocais imporem sua agenda. Fragmentamente
Luís Aguiar-Conraria
há alguma coisa que se lhe diga. Tem, tem, tem.
Luís Aguiar-Conraria
E uma pessoa consegue arranjar exemplos para os dois lados. Consegue-se arranjar exemplos onde ainda bem que as minorias ganharam e como consegue-se arranjar exemplos é pá, estejam lá quietos. Mas isso depois também tem a ver com o nosso ponto de partida. Se és um gajo de esquerda ou se és um gajo de direita, se calhar vais ter opiniões diferentes sobre isto. Não, mas
José Maria Pimentel
tu tens nos referendos, por matérias de referendos, tu tens minorias ativas dos dois lados, sei lá. Tens. A minoria anti-aborto argumentava dizer que está mais preocupada com o tema Sim. Do que o outro lado. É-lhe um tema, se calhar,
Luís Aguiar-Conraria
Claramente. Mais caro, não é? Claramente, não tenho dúvidas disso. Quer dizer, quando eu... No início eu achava o mesmo que tu, mas depois quando soube que, sei lá, Isabel Moreira tem uma tatuagem com a data, quando vejo que isto é tão importante para muitas mulheres, no sentido mesmo de libertação das mulheres e questão de igualdade,
José Maria Pimentel
sim. Talvez o tema da eutanásia seja melhor
Luís Aguiar-Conraria
para isto.
José Maria Pimentel
Talvez se aplique mais.
Luís Aguiar-Conraria
Para testar se os quórums nos protegem das minorias ativas ou não, isso obriga-nos a introduzir a minoria ativa no nosso jogo, coisa que nós não fizemos. Ou seja, alguém com preferências muito mais fortes, mas que está em minoria, do que os outros. Isto na nossa experiência será uma coisa como, ok, tu estás em maioria, mas se vocês ganharem apenas recebes 20€, mas eu estou em minoria e se eu conseguir ganhar eu recebo 50 euros. Portanto, no jogo. Portanto, é que isso faz com que eu, de repente, apesar de saber que estou em minoria, me empenho muito mais em conseguir ganhar esta eleição. E portanto, esta é uma experiência que nós ainda queremos fazer, para ver qual é que é o melhor quórum para nos proteger deste tipo de situações, mas pronto, olha, não posso anunciar os resultados por causa da pandemia. Claro, claro.
José Maria Pimentel
Eu estava a pensar noutra coisa que está um bocadinho relacionada com isso e que é os referendos, lá está, têm geometrias muito variáveis em termos do grau de diluição, se quisermos, dos benefícios e dos custos, Ou seja, tu podes estar a referendar uma coisa que pode ter benefícios muito concentrados e os custos diluídos. Custos no sentido de qualquer alteração que um referendo venha a causar. Tem um custo que pode não ser um custo económico, quer dizer, altera o país em que tu vives, não é? Esse impacto pode ser muito diluído, mas o impacto negativo, mas o impacto positivo pode estar muito concentrado, lá está uma minoria de pessoas. Mas podes ter outro exemplo que é completamente diferente, o preventor até pode ser ao contrário, ou seja, o custo até pode ser imagina que estás a referendar, se retirar 90% da riqueza ao percentil 1 da população por exemplo, Aí o custo está concentrado naquele e o benefício está diluído no resto da malta toda. E, portanto, essa geometria variável também pode ser interessante explorar.
Luís Aguiar-Conraria
Mas, portanto, nós aí, isto agora parece mal, mas nós aí gostaríamos de um sistema de quórum que protegesse os 1% de serem expoliados. Exato. Portanto, uma coisa, agora claro, o que é aquele nível de expoliação? Todos nós somos a favor de impostos progressivos, que todos nós não. A iniciativa liberal não é, mas pronto, a maioria das pessoas é a favor de impostos progressivos. Agora, quão progressivo é? A partir de que ponto é que consideras espoliar algo? Mas
José Maria Pimentel
eu aqui estava a falar de riqueza, nem estava a falar de rendimento, que era mesmo ir tirar rendimento acumulado, a fatia maior, mas pronto, o que fosse, o que era que fosse.
Luís Aguiar-Conraria
Aqui vale sempre a pena olhar para o caso da Suíça, que esta aí muitos referendos, tem tantos referendos, uma pessoa nem sequer se dá conta. Mas quando eles fizeram referendos em que garantiam rendimentos básicos, universais, muito elevados, apesar de tudo, a maioria votou contra. Quer dizer, e isso é uma forma de transferir-se a riqueza dos mais ricos para os mais pobres. Não é exatamente o referendo que tinhas em
José Maria Pimentel
mente, mas é algo desse género. O que eu queria dizer com isto não é que isso ditasse o auto-interesse, o interesse próprio ditasse necessariamente o resultado do referendo. Cria incentivos. Pode influenciar, mas pode ganhar o outro lado da mesma.
Luís Aguiar-Conraria
Já agora, esse é outra discussão interessante, que é a vantagem de usar dados reais versus experiência de laboratório. Nós, no curso de dados reais, temos lá todos os tipos de referentes e todas as situações. Se tivesse havido um referente desses, também lá teríamos a nossa base de dados. Se tivéssemos referentes pela independência, por mudança de nome de países, tudo isso está na nossa base de dados. Quando nós olhamos para uma experiência, nós controlamos tudo e apenas mudamos uma coisinha. Temos dois grupos que têm exatamente o mesmo tratamento, exceto num ponto. E isso, portanto, no nosso caso, as experiências todas que nós fizemos, o empenho, digamos assim, quer de conservadores, quer de progressistas, portanto, quer os que são a favor do sim, quer os que são a favor do não, era o mesmo. Portanto, Nós não analisámos esta situação que estamos aqui a colocar, que é aquilo em que de facto há mais gente, ou há mais empenho de um dos lados do que do outro. Mas isso é o trabalho que vamos fazer a seguir. Já agora, só para acrescentar, por uma questão de... Para ficar completo, Este trabalho que vamos fazer a seguir já conta com a Sandra Maximiano do nosso grupo. Portanto, já sou eu, o Pedro Magalhães e a Sandra Maximiano. Porque nós até agora temos estado a trabalhar com o Laboratório Alemão, porque na Economia Experimental em Portugal era difícil de fazer, mas agora a Sandra Mank-Maximiano, no ISEG, em conjunto com o ICS, da Universidade de Lisboa, está neste momento à frente do Laboratório de Economia Experimental, portanto vamos trabalhar com ela. Para o ano, para o ano vamos ter resultados.
José Maria Pimentel
Sim, fui curioso em relação aos resultados dessa nova investigação. Olha, avançando para outra área de investigação que vocês exploraram e que tem a ver com o voto económico, e esta sim é a que eu acho que falei com o Pedro na altura, bem, eu ia explicar, mas o mais fácil é pedir-te para o fazeres que vais explicar melhor do que eu, o que é que é o voto económico e Como é que vocês incorporaram nessa equação de causalidade do voto económico pela aprovação dos governos o papel da justiça procedimental?
Luís Aguiar-Conraria
Essa investigação, portanto, aí já foi ao contrário. Já foi o Pedro que veio ter comigo. Já trabalhávamos juntos. Ele já tinha feito alguns trabalhos sozinho, onde explorava isso, mas depois a determinada altura, trabalhar em conjunto é muito melhor do que trabalhar sozinho. Precisa de alguém com quem dialogar e que diga quais são os erros. E isso é muito importante. Eu, aliás, eu trabalho sozinhos, devo ter um ou dois no meio dos meus 30, portanto, quer dizer, é mesmo muito raro. A ideia do voto económico é uma ideia que, simultaneamente, é muito simples, mas depois na prática não funciona de forma tão simples, que é mais ou menos intuitivo para toda a gente e é mais ou menos óbvio, é A forma como a economia está, melhor ou pior, influencia a forma como nós votamos. Isto é óbvio. E todos estamos de acordo com isto. E qualquer estudo de comportamento eleitoral que não tenha isto em consideração, está errado. Agora, A forma como a economia influencia a forma como nós votamos é que varia imenso e não é de forma alguma a mesma. E, portanto, apesar de ser óbvio que o voto económico é importante, torna-se muito difícil operacionalizá-lo e usá-lo para fazer previsões. É muito mais difícil do que seria óbvio. Por exemplo, houve um exemplo muito engraçado. Quando o desemprego é elevado, à partida as pessoas votam no partido da oposição. É porque não estão a gostar do governo. O governo não está a fazer um bom trabalho. Mas, de repente, em Espanha, os resultados apanhavam que, durante o governo do PSOE, quando o desemprego era elevado, as pessoas votavam ainda mais no PSOE, portanto votavam ainda mais no partido do governo. Porquê? Porque tinham medo que se o PSOE saísse do governo que baixassem os subsídios de desemprego. Basicamente.
José Maria Pimentel
Ele era especialmente importante numa altura de desemprego
Luís Aguiar-Conraria
alto. Ou seja, o voto económico é obviamente importante, mas se tu fosse fazer previsões com base em que a economia está má, portanto o PSOE vai perder votos? Não, era ao contrário. E o raciocínio está errado? Não, não está, toda a gente percebe isto. Mas nem é isso que vocês exploram no paper. Não, não é isso, mas é só para dar a ideia de como a economia aparece, vai aparecer de forma diferente em países diferentes e em momentos do tempo diferentes. E, portanto, é difícil apanhar uma regularidade empírica. E, portanto, em determinada altura, a literatura económica começou a tentar... Económica e não só, a ediciência política, claro, a tentar perceber o que é que causa esta instabilidade. É uma coisa terrível para um cientista, esta instabilidade dos parâmetros, que é o que não nos permite fazer previsões. Se bem que neste caso, eu até acho que é bom que nós não consigamos fazer previsões. Ou só saber qual é que é o resultado das próximas eleições é uma chatice. E, portanto, ainda bem que não conseguimos. Depois, a última altura, se começou a perceber é que em alguns países há quem vote de forma prospetiva e quem vote de forma retrospetiva. Ou seja, Há quem use a economia para penalizar um governo ou premiá-lo. Se a economia funciona bem, tu votas por esse governo. Se funciona mal, votas pela oposição. Mas também há quem olhe para a frente e tente imaginar qual é que vai ser o melhor governo a resolver os problemas económicos no futuro. Portanto, uma visão mais preocupada com o futuro e menos com o passado. E, portanto, as coisas iam mudando e o comportamento dos eleitores em Portugal e na Suécia era diferente e, de repente, o Pedro tem uma ideia brilhante, que é a perceber-se. A perceber-se que há toda uma literatura na psicologia social que envolve mesmo partes jurídicas, tribunais e por aí fora, que nos diz que nós temos muito mais facilidade em aceitar um resultado negativo para nós quando todo o processo foi transparente. Portanto, tu vais a tribunal, és condenado, mesmo que te consideres inocente, mesmo que te consideres inocente, mesmo que sejas inocente, és condenado, mas se tu achares que o juiz ouviu as partes todas de forma imparcial, que a forma como chegou à decisão foi clara, tu aceitas muito melhor o resultado negativo que tu tiveste. Ora, e o Pedro teve a ideia brilhante, e aliás ele também tem alguns trabalhos sobre isto aplicado à justiça com o Nuno Garopa, em que os resultados mais uma vez apontam todos na mesma direção. O Pedro tem a ideia de, se calhar que o voto económico funciona da mesma forma. Se calhar em países onde é tudo mais transparente, onde se percebe melhor os processos políticos, as pessoas não ligam tanto ao resultado, à forma como são ou não beneficiadas, ou seja, ao lado económico, e nos países onde é tudo menos transparente, onde é mais difícil ter noção de que os políticos estão a ter políticas que nos favoreçam no futuro, as pessoas usam como indicador... A única coisa palpável que é a economia. A única coisa palpável que é a economia e quer saber se estão no desemprego ou não e quer saber se o seu salário aumentou ou não. Exato. Porque tu consegues muito facilmente imaginar políticas que no curto prazo são negativas e que no longo prazo são positivas. Mas para tu favoreceres uma política destas, tens de confiar de facto que a política de longo prazo que tem efeitos benéficos está a ser implementada e que não está a ser subvertida por grupos de interesse ou por outras coisas. E portanto, começámos a aplicar. Ele começou a fazer isto, fez um exército e confirmaram a ideia. No caso, ele era mais sobre o grau de satisfação da democracia. E começaram-se a aplicar isto à votação dos governos. A primeira coisa que fizemos foi pegar numa base dados dos países da OCDE, dados para várias eleições dos vários países, os indicadores típicos, a economia, se o governo era popular, se não era, se o desemprego estava baixo ou não e depois interagimos estas variáveis com o índice de justiça procedimental que acaba por estar muito correlacionado também com aqueles indicadores da corrupção Os países onde há mais justiça procedimental são também os países onde existe menos percepção de corrupção. Uma discussão muito que eu tive com o Pedro nisto foi que eu interpretava sempre as coisas como do lado da corrupção, ele interpretava sempre do lado da justiça procedimental. Até que resolvemos trabalhar um bocado e usarmos... Pois são coisas altamente correlacionais, é difícil de estrinçar, mas depois no fim concluímos que era ele que tinha razão, que era mesmo a questão da justiça procedimental e não tanto da corrupção. Mas pronto, se no futuro os resultados apontarem para a corrupção, não ficaríamos admirados. Mas à partida é mesmo a justiça procedimental. E vimos isso, que nos países onde há maior justiça procedimental, a economia não conta tanto, ao ponto de nem sequer influenciar o voto. E isso acabava por explicar porque é que, em alguns países, tu metias uma função voto com a economia e aquilo não dava nada e, em outros países, como Portugal, a economia era muito importante. Claro, exato. Cá está, a questão é que, em alguns países, como Portugal, a justiça procedimental é bastante baixa, por comparação, como estamos aqui a falar de países da Ocidente, se fossemos para países africanos ou da América Latina, a conclusão seria outra. Mas na Suécia e na Noruega ou na Dinamarca, a economia já não conta tanto. Portanto, a economia pode estar a funcionar mal, tu não culpas o governo por estar a funcionar mal. E se não culpas o governo por estar a funcionar mal, não tens motivos para deixar de votar no governo por estar a funcionar mal. Objetivamente, olha, o caso agora... Imagina que há eleições daqui a seis meses. Eu espero que ninguém vote ou deixe de votar neste governo porque a economia caiu neste ano ou não. Claro, sim. Quer dizer, a economia vai cair qualquer que fosse o governo. Claro,
José Maria Pimentel
é puramente exógeno, sim.
Luís Aguiar-Conraria
Agora, se concordam com as medidas do governo, então devem votar a favor do governo. Se não concordam com as medidas, devem votar contra. Mas isso, objetivamente, o efeito económico deste ano e do próximo é um desastre, qualquer que seja o governo. Não se pode estar a olhar para aí. E
José Maria Pimentel
quando tu falas em economia, o que se quer dizer aqui não é que os dinamarqueses não estejam preocupados com a economia, eles têm o conforto de poder olhar para longo prazo.
Luís Aguiar-Conraria
Essa é a nossa interpretação.
Luís Aguiar-Conraria
Agora, tínhamos de ir para o laboratório para ter a certeza. Mas a minha intuição é essa, é que a economia
José Maria Pimentel
é a única proxy razoável que um eleitor tem para o desempenho do governo porque tudo o resto está mais ou menos obscurecido pela essa falta de clareza de procedimento e
Luís Aguiar-Conraria
de justiça de procedimento. E é exatamente essa a minha interpretação e a do Pedro também. Se interpretares na forma de corrupção em vez de justiça procedimental, portanto, já agora aquilo que era o meu debate com o Pedro, o argumento é outro, é se há corrupção, então eu quero que calhe algum a mim. Exato. Portanto, se anda tudo a roubar, eu o beneficio com isso, então voto contra. É isso, é isso. Mas a partir da apontamos para a justiça procedimental. Depois, o que foi engraçado, é que... Portanto, isto foi feito um estudo com o país, ou CDE, e depois havia, apai, como é que isto funciona em Portugal? E, claro, tu não podes aplicar ao país, tu precisas ter várias unidades para comparar. Então, lembrámos de olhar para os municípios, para as eleições autárquicas. E há uns anos foi criado, pela Associação da Transparência e Integridade, foi criado um índice de transparência municipal. A transparência é apenas uma das coisas da justiça procedimental, mas é uma componente importante. E fomos ver como é que... Também já há muito trabalho feito em Portugal sobre o voto económico nos municípios, especialmente até aqui por dois colegas meus do Minho, o Francisco Veiga e a Linda Veiga, os apelidos são os mesmos porque são casados, têm muito trabalho sobre isso e, portanto, facilmente chegámos ao pé do Francisco. Oh, Francisco, nós temos aqui este índice de transparência municipal, que foi calculado por esta associação, com o contributo de vários académicos, incluindo alguns também aqui do Minho, e tu tens essa base de dados, portanto, dá-nos a base de dados, vamos correr e vamos experimentar e Vamos ver o que é que muda se introduzirmos nos teus modelos anteriores esta questão da transparência. E mais uma vez os resultados foram, para a minha surpresa, aqui manifesto mesmo a minha surpresa, eu acho que o Pedro aqui apanhou mesmo, foi um jackpot, uma ideia de um milhão. Foi um jackpot completo. Funciona na perfeição. O que foi? O que é que nós vimos? Que nos municípios onde há mais transparência, a performance económica é menos relevante. E mais, não só a performance económica, a performance económica nós aqui, não há os mesmos indicadores que há para os países, portanto aqui usámos como massa salarial do município e tal. E portanto isso não era assim tão importante, mas mais interessante do que isso, quando nós olhávamos para as variáveis que os autarcas costumam manipular para ganhar eleições, que são as despesas, investimentos em chafaricas e estradas e por aí fora, vimos que nos municípios com maior transparência eles chegavam a ser penalizados. Aquilo que tipicamente eles usavam, os autarcas usam para ganhar eleições, naquele caso, nas autarquias com maior transparência, eram penalizados. Portanto, aumentar despesas, aumentar a dívida, aumentar mesmo os seus trabalhadores, tinha efeitos ou nulos ou até negativos na probabilidade de reeleição. Diga-se passagem, diga-se aqui por uma questão de honestidade, que apenas tínhamos dados para uma eleição e conseguiu com uma eleição durante o tempo da Troika. Ok? Portanto, também temos de admitir que as pessoas estavam particularmente preocupadas com essa questão e, portanto, estavam particularmente atentas a não quererem que os autarcas a endividarem-se e a terem gastos superfluos. Claro. Portanto, esse efeito também existe. Mas outro aspecto que nós apanhámos, muito interessante, e que se calhar capta aquela ideia do olhar para o futuro do que tu estavas a falar, foi que nas autarquias com maior índice de transparência, aquelas cujos resultados escolares mais melhoravam, portanto, os resultados dos exames mais evoluíram, dos exames dos alunos mais evoluíram, eram aquelas onde os autarcas eram mais premiados. Ou seja, já fugimos completamente do puro ganho económico de curto prazo. Exato. Para estar a falar dos autarcas que de facto se preocupam com as escolas e a intervenção das autarquias é limitada nas escolas, como vocês dizem. É muito centralizado. Mas tem alguma. Mas tem alguma a nível pessoal e de instalações. Que apesar de tudo, aqueles que apostavam mais na escola ou onde os resultados escolares mais evoluíam eram beneficiados. Portanto, isto acaba por ser uma ideia bonita, não é? Que é o aumento da transparência torna-nos melhores eleitores. Exato. E ao nos tornar melhores eleitores torna os eleitos melhores autarcas, melhores governantes.
José Maria Pimentel
Sim, sim. É uma espécie de círculo virtuoso, não
Luís Aguiar-Conraria
é? É uma coisa que faz todo sentido. Agora, há sempre a possibilidade dos resultados serem ao contrário, da causalidade ser a oposta, que é, nos municípios onde as pessoas já são mais exigentes e as autarcas já são mais criteriosos, serem aqueles onde a transparência é maior. Portanto, a causalidade pode ser a contrária. Nós tentamos controlar para isto, olhando para o nível médio da educação das populações e por aí fora, e portanto estamos convencidos do nosso resultado. Mas convencidos é uma coisa, certeza, só se fizéssemos uma experiência laboratorial que não teve.
José Maria Pimentel
Claro, claro. Não ia argumentar, até dizer que é possível que exista nos dois sentidos, não é?
Luís Aguiar-Conraria
Sim, e de certeza que existe nos dois sentidos. Sim, exatamente. Pois isso é outro problema, não é? Que há sempre no... Exato. É sempre nos dois sentidos. Sim, sim, sim. Os efeitos reforçam-se. Mas vamos ver, isto foi um índice que apareceu e apanhou as eleições de 2013, nós ainda não analisámos as últimas autárquicas, vamos esperar que se acumulem algumas eleições e depois se calhar a partir daí que tendo várias eleições onde uma pessoa possa ver não só a diferença entre municípios, mas também para cada município a diferença ao longo do tempo, consigamos chegar a conclusões ainda mais fortes.
José Maria Pimentel
Fico curioso em relação a isso, até porque para analisar a realidade intra-país é interessante porque permite-se estabelecer diferenças dentro de uma realidade que faz parte do mesmo país, enquanto quando estás a comprar, e nós provavelmente vamos cair nesse erro agora ou nessa tentação, países diferentes, há tantas coisas que mudam que torna-se difícil tu... É um facto. Porque é que Portugal é menos desenvolvido do que Dinamarca?
Luís Aguiar-Conraria
Isso é um facto. Nós, econometricamente, temos métodos que gostamos de dizer que controlam por esses efeitos todos. Agora, é evidente que fazemos o melhor possível e não é possível... Isto é mesmo um terrorismo completo, lamento. Não é possível fazer melhor do que o melhor possível. Exatamente. Isto é um terrorismo completamente... É um terrorismo completo, mas é isso. Fazemos o melhor possível e, portanto, Esse tipo de problemas existe
José Maria Pimentel
sempre. Contribua para a continuidade e crescimento deste projeto no site 45graus.parafuso.net barra apoiar. Veja os benefícios associados a cada modalidade e como pode contribuir diretamente ou através do Patreon. Obrigado. Olha, eu queria falar agora do país. Eu gostava, tinha muita curiosidade em saber, ou em saber melhor e discutir contigo a tua visão em relação a várias matérias. Se calhar faz sentido antes disso, seja por disclaimer, seja porque acho que também é interessante explorar isso, falar da tua própria visão política, até porque esta conversa, até é interessante contar isso, eu já tenha convidado para o podcast em tempos e tu tinhas aceitado o convite, mas depois na altura acho que ambos devíamos ter outras coisas no prato e a coisa acabou por ficar mais ou menos a banho-maria e depois foi ressuscitado por uma coincidência engraçada e que tem a ver com isto, porque eu fiz uma pergunta no Twitter de quem eram os melhores colonistas primeiro de direita e depois de esquerda em Portugal, ou os colonistas que as pessoas preferiam e o teu nome, curiosamente, vinha nos dois, nas duas amostras, o que foi interessante pois na altura até motivou, ou foi um pretexto para uma crónica tua no Expresso. E tu quadras esse círculo dizendo, que acho que faz algum sentido, que tu és um liberal de esquerda, o que em certo sentido para muitas pessoas pode parecer um oxímoro, eu não acho que seja necessariamente, embora seja raro em Portugal. Eu próprio me revejo, não completamente, eu diria, eu me identifico mais se calhar como liberal de centro, mas revejo-me nessa visão de que não acho impossível afirmar-se como liberal na economia e ser progressista, se quisermos, ou partilhar vários desses ideais. Mas não sei sequer se é por isto que tu te definas assim. Eu imagino que tu te confrontes com essa visão das pessoas ficarem espantadas porque é isso, um liberal de esquerda. Liberal não é um tipo direita que quer despedir as pessoas e não sei o quê.
Luís Aguiar-Conraria
Houve uma altura que me incomodava isso, ter de me justificar para explicar porque é que sou de esquerda, mas já não me incomoda. Não me interessa. Portanto, basicamente a conclusão que eu cheguei a ser esquerda ou direita, nenhuma delas é um insulto.
José Maria Pimentel
E, portanto... Sim, não devia ser,
Luís Aguiar-Conraria
sim. É como dizerem que eu não sou branco, que de certeza tenho um avô ou bisavô que é negro, está bem, quero lá saber, deixei de dar importância a isso. Mas eu sou, eu considero-me de esquerda e toda a minha, mas eu acho que isto é quase uma questão de educação. Os meus pais eram comunistas e eu fui membro da juventude comunista até aos 18, 19 anos, até entrar na universidade. E, portanto, o meu coração está à esquerda, na volta da ix, faz parte do meu ser. Eu lembro-me, eu saí da juventude comunista, foi num congresso nacional que tivemos em 1992, em que eu participei, onde é votada uma moção a condenar o massacre de Tiananmen na China e essa moção é chumbada. E aí, uma pessoa, Eu lembro, éramos 200 votos a favor e 500 contra. E bem, o que é que eu estou aqui a fazer? Estes gajos são malucos. Foi a minha reação. Estes gajos são malucos. Portanto, quando chegámos a Coimbra, eu sou de Coimbra, quando chegámos a Coimbra entreguei a minha carta de missão e ponto final. E portanto, deixei de me preocupar com políticas. Ou deixei de estar envolvido em política. Agora, de esquerda sempre fui e penso que a minha formação em economia contribuiu para que eu considerasse que mercados livres, onde as pessoas tenham capacidade de ter livre iniciativa, são a melhor forma de organizar uma sociedade e é a forma que, à partida, dará o melhor resultado econômico e não só econômico. E, portanto, naturalmente foi-me tornando um liberal. E, à partida, e com o tempo, eu fui desconfiando sempre das soluções do Estado. Pois há dois ramos da economia. Há o ramo da economia pública, que estuda as falhas do mercado e, portanto, como é que o Estado intervém para corrigir as falhas do mercado. Isso é muito importante. Mas, depois, também há um outro lado, há um outro ramo da economia, este até na fronteira com a ciência política, que é public choice, ou escolha pública, que estuda as falhas do governo. E estas duas coisas só têm de ter em atenção os dois lados, quer dizer, olhar só para um lado é ser completamente de coxo. E portanto há falhas de mercado, há falhas de governo. As empresas capturam o mercado com oligopólios, monopólios e por aí fora de formas que prejudicam a população e prejudicam a economia como um todo. Mas também os governos são capturados e no próprio processo legislativo os governos são capturados e, portanto, os próprios governos, o que seria uma solução para algumas falhas de mercado, introduzem eles próprios outras falhas. E muitas vezes são os governos que atribuem oligopólios ou que dão poder de mercado a algumas empresas, as tais famosas rendas, ou que são capturados na forma de via orçamento de Estado por grupos de interesse. E, portanto, olhar só para um lado é uma visão coxa. Agora, eu considero-me sempre de esquerda porque, para mim, o lado da igualdade é muito importante. E acho que devemos mesmo fazer uma... Ter fortes políticas de redistribuição de rendimento que favoreçam as classes mais pobres. Agora, como é que isso é feito? É que eu não estou amarrado a dogmas. E não estou mesmo, não estou mesmo. E deixa-me dar-te um exemplo. Durante muito tempo, apesar de ser a favor da existência de um salário mínimo, portanto isso não está em questão, eu tive medo destes aumentos de salário mínimos que houve em Portugal. E, portanto, eu escrevi a alertar, é pá, tenham cuidado com isto de aumentar o salário mínimo em 4 ou 5 anos, de 500€ para 600€. Agora, claro que isto faz com que muita gente diga, esse gajo é de direita, é contra o aumento do salário mínimo. Eu não me consigo considerar de direita por ser contra o aumento do salário mínimo, Porque o motivo pelo qual eu era contra o aumento do salário mínimo era por ter medo que o desemprego aumentasse e, portanto, que as pessoas que queremos beneficiar ficassem prejudicadas.
José Maria Pimentel
Claro. Eu acho que as pessoas não acreditavam que esse fosse um receio genuíno, não é? No fundo é
Luís Aguiar-Conraria
isso. Pronto, isso para mim é ser de esquerda, não é ser de direita. E eu propunho, e mais, eu nos artigos onde falei contra o salário mínimo, propus alternativas para favorecer as pessoas com rendimentos mais baixos. Basicamente aquilo que eu propunho é um esquema que existe em alguns países que é uma taxa de IRS, um primeiro escalão negativo, ou seja, se tu ganhares até um determinado salário, um determinado patamar, em vez de pagares impostos, recebes impostos, recebes um subsídio. Ok? Portanto, desta forma, imagina que o salário mínimo se mantinha nos 500€, mas quem ganhasse 500€ recebia 100€ do Estado. Imagina. Nesse caso, tinhas ainda mesmo aos 600€. A questão é como é que se financia. Mas, realmente, as pessoas depois não leem a segunda parte do artigo. Só leem o primeiro. Agora, não. Portanto, a minha preocupação era apenas e só o desemprego. E, como eu também não estou amarrado, ou pelo menos tento não estar amarrado às minhas ideias. O que nós vimos nos últimos anos foi que o aumento fortíssimo do salário mínimo não teve impacto
José Maria Pimentel
nenhum no desemprego.
Luís Aguiar-Conraria
E eu mudei de opinião. Pronto, ainda bem que ninguém fez o que eu disse. Tão simples como isso. Agora, apesar de defender políticas que muitas pessoas podem achar que são de direita, como esta coisa de ter sido, que já não sou contra, mas ter sido contra num determinado altura o aumento de salário mínimo, tão agressivos, a minha preocupação na minha cabeça é sempre a mesma, que é eu estava preocupado com o desemprego, portanto eu continuava a estar preocupado com a equidade.
José Maria Pimentel
Sim, era simplesmente ter uma visão de longo prazo, claro, e diga-se a um ponto da verdade que a tua posição, tendo em conta os dados que existiam na altura, eu acho que era a posição mais razoável. Depois a realidade provou, no fundo o que mostrou é que os dados eram incompletos, não é? Portanto, havia... Quer
Luís Aguiar-Conraria
dizer, sim, verdadeiro, eu concordo contigo, mas isso aí entramos naquele enviesamento cognitivo de termos tendência a ver os dados que nos favorecem, não é? Portanto, sim, eu acho que a minha opinião era a mais razoável, se não achasse não a teria tido. Depois, o argumento que era dado pelas pessoas a favor do aumento do salário mínimo, que eram os efeitos que ia ter na procura, eu nunca comprei esse argumento e continuo a não o comprar. Eu não acho de forma alguma que a economia tenha funcionado melhor porque as pessoas tiveram mais rendimentos e por causa disso gastam mais. E acho que não faz sentido estar a ver os dados aqui de talho a talho, mas eu não acho que os dados confirmem isso. O que me leva a outra questão, que é importante que voltamos a falar na questão das falhas de mercado, que é uma explicação muito razoável ou muito plausível, E também, interessantemente, há cada vez mais literatura a nível internacional a confirmar isso, é que as empresas têm um poder de mercado no mercado de trabalho, de tal forma que os salários, de facto, são abaixo daquilo que deveriam ser, abaixo da produtividade dos trabalhadores. E quando isto acontece, o salário mínimo até pode ter efeitos positivos no emprego. Deixa-me te explicar. Imagina que eu tenho aqui uma empresa aqui na aldeia e, portanto, eu domino o mercado de trabalho, faço o meu aqui na aldeia e, portanto, eu consigo pagar um salário mais baixo às pessoas e portanto apenas se pague imagina 500 euros por mês e que eu podia contratar mais uma pessoa e que essa pessoa me daria sei lá daria um lucro de 550. Portanto eu à partida estaria disposto a pagar 550 euros a essa pessoa para ter o lucro extra de 550, ou 525 para ter o lucro extra de 550. Mas não o vou fazer. Não vou fazer porquê? Porque provavelmente parou a contratar a ele por 525 e ia ter de aumentar todos os meus trabalhadores de 500 para 525. Apesar de tudo, as pessoas não aceitam, dentro da mesma empresa, salários muito diferentes. Ou seja, o meu custo extra por contratar este trabalhador não é 525, mas sim 525 e mais o aumento salarial de todos os outros. E portanto eu não o vou contratar. Agora imagina que vem um governo e diz salário mínimo é 525. Então os outros trabalhadores todos passam de 500 para 525, quer eu contrato este, quer eu não contrato. Exato, e o teu custo marginal baixa radicalmente. Ou seja, o meu custo é apenas, eu passo a voltar a raciocinar com este trabalhador apenas com base naquilo que ele me dá versus aquilo que eu lhe pago. Então, se ele me dá 550, eu lhe pago 525, então vale a pena contratá-lo. Ou seja, o salário mínimo fez com que eu contratasse esta pessoa em vez de a deixar de contratar. Portanto, neste caso, o salário mínimo, o aumento do salário mínimo teve um efeito positivo. Claro. E eu acredito que algo não tão caricatural como o que eu acabei de escrever, mas algo desse género existe em Portugal. Existem alguns trabalhos feitos pelo P de Portugal e pela Sónia Félix, que aliás foi minha aluna e que está agora também no Banco de Portugal, a comprovarem que existe um poder de... Já agora, quando é isto, no mercado de trabalho, chamamos poder de monopsónio, quando a empresa tem capacidade de manipular os salários. Que existe algum desse poder nas empresas em Portugal e, nesse caso, ainda bem que eu vou ao aumento de salário mínimo e isso, de facto, contribui para que as pessoas recebam de acordo com a sua objetividade.
José Maria Pimentel
Eu li a crónica em que tu falavas sobre isso e acho que essa explicação é difícil de comprovar completamente, mas faz todo o sentido. Lá está, não era que eu saiba, não foi um argumento invocado na altura, por isso é que eu digo que o teu raciocínio na altura fazia sentido e coincide com aquilo que nós conhecemos da realidade portuguesa. Claro que o ideal não seria resolver isso fixando preços, no fundo que é o salário mínimo, mas devolvendo a concorrência ao mercado de
Luís Aguiar-Conraria
trabalho. Aumentando a concorrência.
José Maria Pimentel
O ideal seria isso. Por
Luís Aguiar-Conraria
exemplo, uma coisa, não posso dizer nomes aqui, mas há aqui um store de uma empresa que desabafou com um colega meu a falar de uma empresa estrangeira quando se instala aqui, chega aqui e paga mais 40% ao nosso chefe da contabilidade. E eu respondo, mas ele não vale isso. É pá, vale, eu pagava-lhe, mas não posso. Preciso lhe pagar mais 40% ao chefe de contabilidade, depois tenho que pagar mais ao chefe da produção e tenho que pagar mais tanto ao chefe do pessoal e ao chefe disto e daquilo. Ou seja, é mesmo o raciocínio. É um caso em que, se o meu colega estivesse a gravar, eu podia usar aquilo nas aulas de economia de trabalho como exemplo do poder de Manopsoni, deste que eu tinha dito que não pensou no aumento deste trabalhador, mas também de todos os outros. É exatamente o caso. E ele dizia, bem, estes tipos não respeitam nada. Ora, eu nunca faria isso a uma empresa rival. Portanto, há aqui um acordo tácito das empresas de não irem buscar os trabalhadores aos outros. Quer dizer, podem ir buscar, mas não é pagando 40% mais.
José Maria Pimentel
É um acordo que parece benigno, mas é altamente perverso a longo prazo. Há
Luís Aguiar-Conraria
uns anos, valentes, havia um pacto de não agressão entre o Benfica e o Porto e o Sporting, de não irem buscar jogadores uns aos outros. E, exatamente, isso depois na altura foi violado quando o Porto contratou, acho que foi o Rui Águas ou o Benfica, uma coisa assim do género. Mas havia esse pacto e os salários eram mantidos artificialmente baixos no futebol. E isto foi público. Quando o Porto foi buscar o Rui Águas ou o Benfica, o Benfica cortou relações com o Porto, porque tinham violado o pacto e por aí fora. E muitos bem-ficuços acharam bem. Claro que isto agora não pode ser feito explicitamente, que seria legal, mas implicitamente é feito.
José Maria Pimentel
O curioso disso é que, na aparência, isso é uma relação de cooperação entre duas empresas, não é? Porque aquilo
Luís Aguiar-Conraria
é o... E é, cooperação para lixar o trabalhador. Exatamente. O problema, e esse é o lado quando o senhor estuda economia, que é essa coisa do livre mercado e por aí fora funciona melhor e funciona bem, mas tem vários pressupostos. Claro. Um deles é que nenhuma empresa tem poder de mercado para impor a sua vontade. Quer dizer, cada empresa é demasiado pequena para poder influenciar demasiado os outros e não existe este tipo de comportamento estratégico. Quase que São dois ramos da economia que cresceram em separado, mas que têm de trabalhar juntos, que é esta questão de... Os nossos modelos macroeconómicos que dizem que o livre mercado é o que dá o melhor resultado possível geralmente partem do princípio que as empresas são pequenas, que as pessoas são pequenas, portanto não influenciam os resultados finais e cada uma apenas se preocupa consigo. E depois temos toda uma teoria de jogos que é um ramo à parte onde se desenvolve o pensamento estratégico e a forma como as empresas, estrategicamente, colaboram entre elas. E como nós, ao termos pensamento estratégico, muitas vezes chegamos a soluções que não são as ótimas do ponto de vista social e é necessário combinar as duas literaturas. E quando isso começa a ser feito, percebe-se que é necessário obrigar as empresas a serem competitivas, que é um equilíbrio difícil. O equilíbrio difícil é que tu repara. Tu queres que as melhores empresas ganhem. Se aparece uma empresa com uma inovação qualquer, trabalha melhor que as outras, tu queres que essa empresa ganhe cota de mercado, não é? É bom? É uma empresa melhor? É bom? Mas o problema é que depois ela começa a ganhar poder de mercado e depois começa a ter este tipo de influências, não é? Portanto, tens uma fase em que o Bill Gates faz o investimento para a empresa crescer e depois tens uma segunda fase onde Bill Gates faz o investimento em lobbying para manter a empresa a salvo das Apples e das Oracles e da concorrência. Isso é
José Maria Pimentel
muito interessante o que estás a dizer, porque isso não se aplica só a empresas, acho que se aplica também aos indivíduos e à acumulação de riqueza tem certo sentido, porque por um lado tu queres ter um país ou uma economia onde as pessoas possam fazê-lo, porque isso vai criar prosperidade, mas ao mesmo tempo não queres que a jusante, os efeitos disso possam ser usados para as pessoas ganharem poder, ou para criar um nível de desigualdade incompatível.
Luís Aguiar-Conraria
Ou para não usarem o poder. E é um bocado, depois, ao juntarmos estas duas literaturas, que surge toda a teoria da regulação e de nós termos autoridades a concorrência, as ANACOMs, as leis antitrust, anti-cartel e esse tipo de coisas, que é para, ok, as empresas crescem, não há como evitar que cresçam, se uma empresa é bem sucedida ela cresce, as outras vão à falência e que ela cresce, isso é bom, nós queremos que as mais eficientes sejam as que ficam, mas depois temos de alguma forma de as obrigar a comportarem-se como se vivessem no mercado competitivo. Ou seja, a pagarem bem aos trabalhadores, a não cobrarem preços demasiado altos aos consumidores e é para isso nós temos a Anacomos e coisas assim. E por isso é que é tão importante. Pelo menos em teoria é uma boa ideia. Não, e funciona bem. Quando funciona, em alguns países funciona bem, mas depois claro, passamos à seguida que é a captura. Claro que as empresas passam a tentar capturar esses reguladores para terem as suas influências. E isso depois é o
José Maria Pimentel
outro lado, que é o lado das instituições. E outros fenómenos, como por exemplo, esses reguladores também têm incentivos para se tornarem cada vez maiores, porquanto maiores, mais importantes. Sim. Há uma série... Tudo isto é altamente complexo.
Luís Aguiar-Conraria
Mas andamos sempre a dizer, pá, a sociedade também é isto. Andamos sempre numa... Portanto, isto do salário mínimo fez-me pensar que havia poder de monopsónio, que é uma falha de mercado que deve ser combatida. Mas isto depois tem outra consequência grave. O salário mínimo apenas se aplica a 20 ou 30% dos trabalhadores. Aquelas pessoas que ganham 1.500€ ou 2.000€... Ok, se calhar deviam ganhar mais 1000 euros do que ganham, só que o salário mínimo é esse, não as beneficia. Ou seja, o salário mínimo, de facto, pode resolver algum problema cá em baixo, mas todos os outros, se calhar, continuam a ser igualmente prejudicados. Se os engenheiros, claro que os engenheiros a partir de determinada idade e determinada categoria, recebem muito acima do mínimo. Epá, mas não quer dizer que recebam de acordo com o que deviam receber, de acordo com a sua oportunidade.
José Maria Pimentel
Exatamente, eu ia comentar mesmo uma coisa relacionada com isso porque uma coisa é nós dizermos ou admitirmos que, como parece hoje evidente, que O aumento do salário mínimo não me parece ser a melhor opção mais eficiente, até por causa disso.
Luís Aguiar-Conraria
É exatamente isso que estás a dizer. Neste caso o salário mínimo apenas resolve uma pequena parte e resolve-a não é da melhor forma. Claro que era melhor resolvê-la simplesmente obrigada às empresas a se competirem.
José Maria Pimentel
Claro, claro. O meu ponto é esse, não é? No fundo parece que a direita nunca esteve muito preocupada com o assunto, a esquerda estava preocupada com o salário mínimo. Continua a querer, obviamente, subir o salário mínimo, não é? O céu é um bocado limite aí, mas não parece haver ninguém sucessivamente preocupado com o problema que está na raiz e que tem a ver com, lá está, a concorrência entre empresas em alguns setores, porque há setores onde não existe isso. Todos nós conhecemos casos de pessoas que são muito requisitadas e muitas vezes mudam de trabalho e vão
Luís Aguiar-Conraria
ganhar bastante melhor e setores muito dinâmicos a esse nível, mas há outros que não são nada. Mas Há muitas pessoas para receberem verdadeiros aumentos salariais têm de sair do país.
Luís Aguiar-Conraria
Sim. E depois isso tem um custo enorme para nós. Exatamente.
José Maria Pimentel
Para o país como um todo. Como sempre, eu acho que a resposta é abertura económica, não é? É isso
Luís Aguiar-Conraria
e melhor regulação, porque este é o papel. Se isto está a acontecer, os reguladores económicos estão a falhar. Portanto, as autoridades de supervisão estão a falhar. E por isso é que também nos meus escritos tantas vezes falo na questão da captura dos reguladores. E por isso é que é tão grave nós vermos uma porta giratória entre empresas reguladas e os reguladores. Porque, obviamente, o que eles para lá vão fazer não é defender os trabalhadores, é defender quem lhes pagou e quem lhes irá pagar quando saírem do regulador, fazendo uso da
José Maria Pimentel
porta giratória. E acaba por prejudicar, acho eu, também, empresas pequenas que estejam a começar, que é outro efeito perverso. Por exemplo, até justamente ao nível dos salários e dos impostos que são pagos pelos salários em que as empresas muito grandes têm uma facilidade, até a nível fiscal, de gestão fiscal, que não existe nas empresas pequenas que facilmente se sentem atrofiadas legitimamente por algo que as afeta desproporcionadamente, faça empresas
Luís Aguiar-Conraria
grandes, por exemplo. Esse é o outro lado, não é? Sim.
Luís Aguiar-Conraria
Mas aí não sei se é de propósito. Mas, de facto, nós vivemos com um labirinto fiscal que só empresas consigam contratar bons fiscalistas e bons contabilistas. E quando digo bons contabilistas não é para fazer aquela contabilidadezinha, é mesmo para pensar, fazer planeamento fiscal é que se conseguem mexer aqui. Eu vejo, não sei se isso não é específico de Portugal, mas eu vejo, sempre que eu discuto algum detalhezinho, mesmo impostos como o IVA, coisa que é quase banal e todos nós pagamos, a quantidade de ramificações que aquilo tem e como estás isento se fizeres isto e se não fizeres isto não estás e como é que deves fazer para conseguir a isenção do IVA num determinado produto ou num determinado serviço, isso é evidente que prejudica imenso as pequenas empresas. Não há volta a dar, mas esse é o papel das grandes empresas. O papel das grandes empresas, uma vez conseguido o poder, é manterem-se lá. Claro que uma
José Maria Pimentel
Apple não quer ser desafiada. Claro, sim, sim. E é normal. Aí não acho que seja preciso fazer um julgamento moral em relação a isso para achar que é preciso intervir, claro.
Luís Aguiar-Conraria
Pois, isso é o outro lado. Evitar fazer julgamentos morais, não é? Mas isso é sempre difícil. É difícil.
José Maria Pimentel
Sim. Mas esse aspecto, esse aspecto dos julgamentos morais, estava a ouvir falar disso e lembrava-me daquilo que falávamos há bocadinho da tua visão política. Porque uma coisa que eu noto, até nas tuas crónicas, e que é uma das razões pelas quais eu gosto de te ler, e eu identifico muito com isso, não encontro lá um peso e uma gravidade e uma indignação que muitas vezes existem na maior parte dos cronistas de um lado ou do outro, não é? Essa carga moral. E eu diria, e tu dirias-me, acho que isto faz sentido ou não, mas eu diria que essa tua visão racional e não excessivamente importada com fazer julgamentos morais antes de excluir todas as outras hipóteses, quer dizer, no fundo perceber racionalmente o que é que está em causa, teria sido difícil, sobretudo tendo em conta o teu ambiente familiar que tu descrevias, se tu não tivesse estudado economia. Ou seja, eu acho que isso é uma das coisas... Agora quem nos estiver a ouvir e não for economista se calhar está a ficar um bocado indignado com isto.
Luís Aguiar-Conraria
Não sei.
Luís Aguiar-Conraria
Os economistas são de facto amorais ou pretendem ser amorais. Agora, eu não sei se isso não será imoral, não é?
José Maria Pimentel
Eu não diria amorais. Eu acho que é contrariar uma tendência humana que é pôr a moralidade à frente do resto.
Luís Aguiar-Conraria
Eu lembro-me uma vez de estar num debate aqui na Rádio Universidade do Minho, em que eu de repente estava a falar em comprar votos. E eu estava a falar em comprar votos sem qualquer carga pejorativa. Estava a dizer, não, agora o governo vai fazer isso para comprar votos. E a pessoa, o quê? Comprar votos? Não, mas eu estava a dizer, não, Então, se está... Tem uma mera descrição factual. Se os governos só aumentaram os salários e para as pessoas votarem nele, se isso é comprar votos. Eu estava a dizer isto sem qualquer carga pejorativa na minha cabeça. Estava a dizer isto é normal e todos fazem, portanto não nos podemos queixar disso.
José Maria Pimentel
Eu identifico-me muito com essa fracasca. Nunca
Luís Aguiar-Conraria
mais, nunca mais usei esse termo para falar do assunto, claro. Não,
José Maria Pimentel
mas é abjuro porque a indignação que isso suscitou no teu interlocutor é quase como se tu estivesse a falar uma coisa, tipo matar criancinhas, não é uma coisa... Como? Comprar votos? Pois. Você está a falar disso com esse tom leviano. Mas depois nós observamos isso, não é? Quando
Luís Aguiar-Conraria
nós vimos o... Pois há formas sofisticadas de fazer isto e menos sofisticadas. Quando nós vimos o Valentim Loureiro em campanha eleitoral oferecer frigoríficos e máquinas de lavar. Nós só não podemos dizer que é comprar votos porque o voto é secreto e apesar de tudo eu posso dizer ao Valentim Loureiro que vou votar nele e portanto dê-me lá o raio da máquina de lavar e depois o voto é secreto e eu não voto nele. Mas tirando isso do voto ser secreto, isto não é comprar votos.
José Maria Pimentel
Claro, é evidente. Ele até pode não estar a comprar o teu, mas no global está a comprar votos, não é? Isto é isso aí.
Luís Aguiar-Conraria
Não, eu não sei, pois eu não sei se isso é uma coisa boa ou má. Essa coisa de pôr as emoções de parte. Mas sim, mas é, mas tenho algum esforço, faço algum esforço por isso. E também acho que é por isso que depois os meus artigos têm muito mais impacto quando eu mostro a minha indignação.
José Maria Pimentel
Ah, ok, pensava que queres dizer outra coisa. Não, quando eu mostro a minha
Luís Aguiar-Conraria
indignação também acho que eles têm mais impacto por isso. Mas também há uma coisa que Agora estou a escrever duas vezes por semana e é difícil escrever duas vezes por semana. É mesmo difícil. E começa a pensar naquelas pessoas que escrevem todos os dias, como o Henrique Raposo ou Daniel Oliveira. E a única forma de tu conseguires escrever todos os dias é mostrar-te a indignação. Se não, não consegues fazer nada. E isto é uma coisa complicada. Eu penso que o nosso espaço público se está a deteriorar um bocado por isso é um bocado ridículo, tu pegas ali em 15 crónicas do Daniel Oliveira, eu gosto do Daniel Oliveira
José Maria Pimentel
Eu também gosto muito dele, estou
Luís Aguiar-Conraria
a falar dele precisamente porque eu o leio. Claro. Ok? Eu podia se calhar dar outros exemplos, mas eu não posso porque eu não os leio. E é um bocado absurdo, como é que em 10 dias ele tem 8 indignações diferentes? Portanto, ele fala sempre com muitas indignações sobre aquele assunto, sobre outro, sobre outro. E não há outra forma de tu conseguires escrever diariamente que não essa. Como é que consegues escrever de forma desapaixonada todos os dias? A não ser que sejas um escritor fabuloso, como, sei lá, o Esteves Cardoso, ou como seria, se calhar, em tempos, o Lidevalente. Nem digo, quantos sabem boa forma. Não sei que tenhas a arte da escrita, a única forma que tens de agarrar o leitor...
José Maria Pimentel
Mas ele era bastante indignado, sim.
Luís Aguiar-Conraria
A única forma que tens de agarrar o leitor... Sim, mas o Lido Valente era sempre bastante indignado, mas eu acho que ele tinha qualidade escrita suficiente para nos poder agarrar de outra forma. Ele era dos melhores escritores. Eu acho que a forma como ele dominava a língua portuguesa era extraordinária. E portanto ele podendo-nos ir agarrar de outra forma. Agora, eu não. Eu começo a escrever todos os dias, eu tenho de andar indignado todos os dias, senão não consigo agarrar ninguém, senão não consigo agarrar nenhum leitor.
José Maria Pimentel
Agora que dizes isso, isso faz muito sentido. Estou-me a lembrar, por exemplo, de um caso de um tipo que faz muito isso, que é o João Miguel Tavares. É muito giro tu veres que ele anda, e o Daniel Oliveira terá a mesma coisa, eles andam à procura de temas e depois exploram as ramificações dos temas e tu percebes claramente que aquilo é porque começa a faltar material. Tu exploras o tempo, depois alguém se indigna quanto à tua indignação e tu exploras a indignação da outra pessoa. Ves andas ali numa matrioshka de indignações e tens crónicas para duas semanas.
Luís Aguiar-Conraria
Pois, não, é isso. Tens uma matrioshka de indignações. É isso mesmo. E no caso do João Miguel Tabarça é três vezes por semana. Não, três vezes
José Maria Pimentel
por semana, mais o Governo de Sombra, mais... E o Zoninho Oliveira, acho que ainda mais. O
Luís Aguiar-Conraria
Zoninho Oliveira tem uma participação.
Luís Aguiar-Conraria
Nos prece é todos os dias. É todos os dias? É todos os dias, exceto ao domingo. Mais
José Maria Pimentel
dois programas, pelo menos, de comentário político.
Luís Aguiar-Conraria
Que é o... O
José Maria Pimentel
Eixo do Mal e o... Eu até ouço o outro, não? O Eixo do Mal, mas agora não me estou a lembrar. O Sem Moderação.
Luís Aguiar-Conraria
Ah, pois eu esse não costumo ver. Que
José Maria Pimentel
é da TSF, sim. Esse não costumo ver. Esse
Luís Aguiar-Conraria
tinha lá o Galamba e eu não gosto do Galamba e, portanto, deixei de ver. Pois, eu sei, mas já não me agarraram. Sim. E, portanto, eu se calhar nem devia estar aqui a dizer isto, mas acho que no verão vou falar novamente com a direção do Expresso para pôr a hipótese de escrever só uma vez por semana. Escrever duas vezes por semana...
José Maria Pimentel
Percebo isso, sim, sim. Imagino que seja muito ingrato.
Luís Aguiar-Conraria
Quer dizer, é fácil se tu ganhares uma técnica, mas uma questão é se a pessoa pode não crer aquela técnica. Claro.
José Maria Pimentel
Se tivesse alguns prioridades, quer dizer, alguma vontade de dar um contributo verdadeiramente válido, quer dizer, é difícil que a pessoa... Em alguns períodos de tempo sim, mas de forma continuada.
Luís Aguiar-Conraria
Não podes todos os dias, nem todas as semanas. Sim, já todas as semanas imagino que seja difícil.
Luís Aguiar-Conraria
Quando às vezes as pessoas me dizem que eu gosto de todos os seus artigos, olha, você gosta mais do que eu. Eu não gosto de todos os meus artigos, não há volta a dar. E há mesmo aquelas alturas em que um só acabou de escrever e não tem vontade de o mandar e tem de mandar, porque o jornal sai no dia a
José Maria Pimentel
seguir. Pois é, imagino que sim. Eu às vezes faço esse exercício, tentar perceber onde é que o autor
Luís Aguiar-Conraria
foi buscar aquele artigo. Aquilo é o lombo? É bife do lombo? Ou aquilo já é carne triturada? Mas depois também há esse outro lado engraçado, é que tu podes ter
Luís Aguiar-Conraria
uma ideia muito pensada e que tu queres muito comunicar e esse artigo não tem impacto nenhum e outras vezes acontecem que eu me sento à quinta-feira para escrever de manhã e não tenho nenhuma ideia e, portanto, às oito da noite ainda não consigo escrever e depois tenho de escrever até às dez da noite que é a altura de mandar o artigo para o Expresso e, de repente, esse artigo tem muito impacto. Curioso. E, de repente, esse artigo tem muito impacto e as pessoas gostam muito ou detestam muito, quer dizer, o ter muito impacto pode ser das duas formas que me apanham bastante de surpresa e às vezes frustrado quando é o contrário. Às vezes uma pessoa tem uma ideia engraçada e está a trabalhá-la e a pensar nela até durante algumas semanas até que finalmente tenha as ideias solidificadas e escrevo aquilo que eu considero um grande artigo. É pá, um grande artigo, excelente. Este é um artigo que me honra. E depois, pronto, está publicado. E não tem impacto, isso acontece. E se
José Maria Pimentel
calhar até por causa disso, até por ser mais sólido ou menos... Até de forma inconsciente usar menos essa...
Luís Aguiar-Conraria
Estar menos na espuma dos dias, não sei.
José Maria Pimentel
Exato, exato. Sim, que é o que eu tento fazer no podcast e às vezes também tenho essa... Quer dizer, não posso queixar, mas às vezes também tenho essa impressão. Mas à bocada eu ia dizer... Achei que ias dizer uma coisa e não disseste. Eu acho que, voltando àquela sondagem do Twitter, eu acho que tu és um tipo de esquerda bem querida à direita, precisamente por norma, escreves dessa forma, que tu chamas a moral, eu não acho a moral, acho mais objetiva, se quisermos. Eu acho que tem muito a ver com
Luís Aguiar-Conraria
isso. Sim, eu acho que pode ter a ver com isso, mas também acho que tem a ver com outra coisa. O facto de haver gente que me considera de esquerda e gente que me considera de direita, que é, neste momento, de facto, existe uma grande polarização. E as pessoas só lêem o que querem. E, portanto, o que eu vejo é que eu quando escrevo um artigo mais de esquerda, eu tenho as pessoas de esquerda a partilhar. Quando eu escrevo um artigo mais de direita, eu tenho as pessoas de direita a partilhar. Depois as pessoas de esquerda nem sequer sabem que eu escrevi o artigo de direita e as pessoas de direita nem sequer sabem que eu escrevi o artigo de esquerda, porque cada uma... Os de direita só lêem os meus artigos mais à direita e os de esquerda só lêem os meus artigos mais à esquerda. Às vezes, eu somente tenho essa sensação.
José Maria Pimentel
E faz sentido, sim, partilhado por outro.
Luís Aguiar-Conraria
Quando comecei a ver isso, vi amizades do Facebook. Eu escrevia um artigo, sei lá, contra as desigualdades. E, de repente, eu tinha ali 30 ou 40 pedidos de amizade e depois eu só vai aos amigos comuns e os amigos comuns eram o Daniel Oliveira, a Isabel Moreira, o Fernando Acâncio, um tanto malta de esquerda. Eu escrevo um artigo mais liberal e de repente tenho uma série de pessoas a pedir amizade e vou ver e os amigos comuns é o Carlos Guimarães Pinto da Iniciativa Liberal, é o Nuno Garopa, e portanto, ou seja, às vezes venho para aqui enganado, às vezes venho a pensar que eu sou este artigo e este artigo é apenas um dos meus lados. Portanto, eu acho que o que estás a dizer é verdade. Porque eu ao tentar ser mais objetivo, se calhar devido à formação económica que tenho, acabo se calhar por ter alguma visão com que... Ou defender algumas políticas com que a malta direita concorda. Mas eu acho que este efeito das pessoas lerem só o que querem é muito forte. E não esquecer ainda por cima que eu comecei no Observador. Não comecei no Observador, mas escrevi semanalmente, foi no Observador. Isso automaticamente atua em etiqueta, não é? É direita. Ponto final. Se escreve no observador, é direita. E a etiqueta está lá. E eu notei muito essa diferença quando mudei do observador para o público. O blog dos ladrões de bicicletas, sempre que queriam falar mal de mim, limitavam-se a dizer escreve no observador, não é preciso dizer mais nada. Quando eu passei a escrever para o público, eles passaram a argumentar e a explicar porque é que aquilo que eu dizia estava errado ou não sei o quê. Ou seja, eu notei claramente essa diferença. Mas o facto de eu escrever no absorvedor faz com que automaticamente eu tenha um rótulo de direita. E eu sabia quando para lá fui escrever, portanto não é nada agora que eu me possa queixar ou vitimizar. E portanto as pessoas pois... É isto, é isto tudo, é sem psicologia, não é? As pessoas têm esta âncora e precisam de motivos para deixar de ter opinião. Eu lembro uma vez, da primeira vez que fui ao Oeixo do Mal, não ao Oeixo do Mal, fui ao Express da Meia-Noite. Eu fui ao Express da Meia-Noite, estava lá o Daniel Oliveira, e só me fizeram perguntas sobre o PSD. E as respostas eram, pá, não sei, sei lá, se o passo escolho vai sair, se não vai sair, quais são os caminhos que o PSD tem. Eu não sabia responder nada daquilo, deve ter sido das minhas piores participações televisivas de sempre. Eu depois cá fora perguntei ao Daniel, mas o que é isto? Fizeram de mim um porta-voz de PSD, mas não sei nada de PSD. Mas não és de PSD? Eu não. Epá, eu pensei que tu eras. Eu estou a revelar uma conversa privada, mas o Daniel não vai fechar. Epá, eu não te conhecia. Ele conhecia-me dos blocos que eu uma vez tinha defendido numa determinada situação. E portanto, ele tinha guardado lá o meu nome como sendo uma pessoa decente. Portanto, de direita, mas decente.
Luís Aguiar-Conraria
Exato. Apesar de...
Luís Aguiar-Conraria
Mas ele diz... Epá, o que me disseram foi que tu eras um gajo inteligente e que eras o gajo mais à esquerda do observador. Portanto, mais à esquerda do observador, pensei que eras a PSD. E pronto, e a âncora fica. Isso é muito bom. Eu acho que no vlog de ladrões de bicicletas o único que não me considera direita será o Ricardo Paes Mameto, precisamente porque eu com ele interajo-lhe mais vezes, não por outro motivo. Mas isso não interessa.
José Maria Pimentel
Mais do que o teu caso em particular, o que é interessante aqui é que mostra quão feitos estamos nós para catalogar as pessoas de uma maneira binária e quão predispostas estão as pessoas para, de uma maneira quase tribal, entrarem nessas gavetas. Quer dizer, a questão do liberal de esquerda, ou o que quer que nós queiramos chamar eu não acho
Luís Aguiar-Conraria
minimamente que seja um oxímoro. Não é, não é, como dizer que a África fica a sul ou a norte da América Latina, não faz sentido, depende dos pontos. Claramente se olhares no mapa eurocentrado a África está à direita da América Latina. Agora, se está ao norte ou ao sul, depende do ponto em que estás.
José Maria Pimentel
Mas a questão, eu acho que é diferente disso. Eu acho que trata-se de combinar duas coisas que tu não vês combinadas, que eu não acho que sejam minimamente antídosses uma da outra, ou incompatíveis, mesmo não sendo antídosses, mas que tu normalmente não vês. Tu vês, por exemplo, numa tradição mais anglo-saxónica vê-lo, mas em Portugal não tens, não é? Por isso é que há uma coisa que eu digo várias vezes, que eu tenho muita pena de como, quer dizer, é uma pesquadinha de rabo na boca, mas como a nossa esquerda é anti-business, não é? Anti-empresas, depois a nossa direita, liberal, em vez de ser pro-market, é pro-business, ou seja, em vez de defender o mercado, tende a ir defender as empresas, quando não é esse o objetivo, não é? O objetivo não é ser contra, mas
Luís Aguiar-Conraria
é ser neutro. E muitas vezes confundimos um bom Ministro da Economia com o Ministro dos Negócios. Exato. Isso acontece agora com... Não quero estar a dizer nomes, mas foi a sensação que eu tive com o atual Ministro da Economia, quando substituíram o Manel Caldeira Cabral por um homem dos negócios, um advogado que era um homem de negócios, tal como se sentia no governo anterior quando substituíram o Álvaro de Santos Pereira pelo... Aquele do CDS, como é que se chamava? O Pires de Lima. O Pires de Lima. Claramente substituíram alguém de economia para alguém dos negócios. E acho que em Portugal se confunde muito isso. O que é bom para a economia não tem de ser bom para os negócios e muito menos para alguns negócios. A questão é essa, não é? O problema é que quando falas em negócios,
José Maria Pimentel
tendes a falar das empresas
Luís Aguiar-Conraria
maiores. São coisas diferentes, de facto.
José Maria Pimentel
Houve uma coisa que eu também te queria perguntar em relação ao mercado de trabalho. É simultaneamente um tema interessante em si mesmo e para mim também tem que ver com esta porvez incapacidade de discutir os problemas racionalmente. O que tu tens no mercado de trabalho, falámos do exemplo do salário mínimo, outro exemplo é o exemplo da flexibilidade do mercado de trabalho. E tu tens, se falares com alguém da direita liberal, dir-te que ainda hoje o mercado é muito rígido, é pouco flexível e vai citar números da OCDE e por aí, se falares com alguém à esquerda dizes não, não, as empresas podem despedir o que se quiserem e isto já, ele nunca foi sequer rígido e agora de todo não é. E eu sempre tive essa dúvida, eu sempre senti-me um bocadinho dividido entre esses dois campos e a certo ponto vi um texto do Ricardo Reis, economista português, dos mais conhecidos, que me marcou na altura porque ele faz uma... Como é que eu quero dizer? Introduz aí uma visão matizada que parece retratar o problema da maneira correta. Até porque acho que coincido com a experiência que nós temos e com a visão que nós temos da realidade. O que ele diz é que ver as coisas assim é demasiado simplista. O que nós temos mesmo hoje em dia é que tu tens uma parte da população empregada que tem um contrato sem termo e portanto está bastante protegida, e em alguns casos até poderá ter um salário acima da sua produtividade, outros não, mas o ponto é que está bastante protegida e depois tens uma porcentagem da população que é tanto maior quanto mais novas forem as pessoas diria que seria sempre assim mas se calhar no caso português é especialmente assim por razões históricas que ou têm um contrato a prazo ou estão puramente precários e é através dessas que se faz o ajustamento do mercado de trabalho. Ou seja, tu tens de certa forma o benefício do
Luís Aguiar-Conraria
ajustamento do mercado de trabalho. Ou
José Maria Pimentel
seja, ele pode ajustar, mas não ajusta de uma maneira eficiente, porque não ajusta pelas pessoas que devia, nem de uma maneira justa porque há uns que se lixam, passam a expulsão e estão na corda-bamba, e há outros que estão numa posição confortável, também com todos os incentivos perversos que isso possa ter, porque têm contratos sem termo. E eu achei muito interessante esta visão, gostava de saber o que é que tu achas em relação a isso, mas é um tema que eu vejo ser poucas vezes discutido desta forma nuanciada.
Luís Aguiar-Conraria
A especialidade do Mário Centeno, Apesar de ele vir do Banco de Portugal, a especialidade dele é mercado de trabalho.
José Maria Pimentel
Exatamente. Ele tinha propostas muito interessantes, por acaso.
Luís Aguiar-Conraria
E ele, não vou dizer que ele foi o que mais estudou, porque não é verdade, mas é das pessoas que mais estudava o mercado de trabalho português, e ele sempre apontou esse problema, que é o mercado altamente dual. Em termos de um lado, trabalhadores super protegidos, muito mais protegidos do que se calhar do que seria razoável, onde é quase impossível despedir... Quer dizer, eu lembro da minha mulher trabalhar numa empresa onde não conseguiram despedir um condutor, um condutor de caminhões que levava queijos. O homem estava sempre bêbado e já tinha sido parado em operações de stop várias vezes com excesso de álcool e despediram-no e perderam. Quer dizer... Eu conheço casos desses também. Porque não fizeram, não devem ter sido algum procedimento correto, quer dizer, no processo que levantaram, mas entramos no domínio do absurdo.
José Maria Pimentel
Claro, é o absurdo. Entramos
Luís Aguiar-Conraria
no domínio do absurdo. E outro dia, há dois ou três anos, houve uma coisa dessas, não houve. Eram os trabalhadores de lixo que alguém foi despedido por estar bêbado e depois não fazia parte do contrato de trabalho que ele não podia estar bêbado, ou uma coisa assim do género, e portanto foi mandar-no reintegrar. Portanto, isso temos um lado. E depois temos outro lado, que é uma flexibilidade que não existe em lado nenhum do mundo, que é recibos verdes, obviamente, falsos recibos verdes. Há os recibos verdes corretos, mas também há os falsos recibos verdes. E os salários e os contratos a prazo, que basicamente permitem às empresas, agora com algumas restrições, já não tanto como há uns anos, mas... E, portanto, obviamente, todo o ajustamento do mercado de trabalho era feito ali. Era feito com base nestas pessoas. E não, isso não é nada eficiente, porque depois as empresas, quando, se por qualquer motivo, tiverem de reduzir a força de trabalho, mesmo que os trabalhadores mais ineficientes sejam os mais velhos, eles não vão poder despedir os mais velhos porque isso implica inimizações brutais De vários anos dos seus salários. E, portanto, o ajustamento é feito à custa sempre dos mesmos, dos mais novos, e isso é injusto do ponto de vista social e é pouco eficiente do ponto de vista económico. E isso fazia parte do programa do PS o anterior, do governo que foi substituir o Passos Coelho. A proposta do PS para as eleições de 2015 era exatamente o de tentar juntar estes dois mercados num só, era a ideia do contrato único e que era a ideia que era defendida por Mário Centeno e que resulta dos trabalhos que ele fez. Agora, é sempre... Em Portugal é muito difícil conseguires mexer com direitos adquiridos. Não consegues, não é? Não consegues. As pessoas
José Maria Pimentel
já têm os direitos, não o abdicam deles. Sim, é uma situação tramada, mas quer dizer, mas estás a dar direitos a outros que não têm, não é?
Luís Aguiar-Conraria
É, é isso, mas quem tem não os quer perder. Isso é sempre o problema de quem já lá está. Eu na minha carreira universitária tenho muito a sensação de que eu fui o último, eu faço parte da última geração que entrou na carreira universitária tendo uma vida relativamente fácil. Onde entravas, então te equipavas de alteramento, passavas a professor auxiliar, ficavas no quadro e acabou-se. Mas alguém que seja 5 anos mais novo do que eu, tem uma vida horrível. Vai de pós-doutoramento em pós-doutoramento, ou seja, de trabalho em trabalho, altamente precário, de projeto de investigação a projeto de investigação. Mesmo aqueles que gostam de fazer investigação também não gostam disto, porque eu gosto de fazer investigação, mas gosto de fazer investigação como é que potece. Não é estar a concorrer a bolsas, onde sou obrigado a inserir-me na investigação que os outros estão a fazer. E aquela gente mais nova está nessa situação e depois as universidades ainda por cima abusam indecentemente dessa classe laboral e põem-nos a dar aulas e por aí fora, portanto aquilo e são pessimamente pagos. Agora isso resolve-se como? Era o que o Centeno tinha proposto, que era tentar-se ter um contrato único, tentar harmonizar as coisas, mas é difícil. É difícil e não tens sindicatos em Portugal à altura dessas circunstâncias. Isso resolve-se. Daqui a 20 anos estamos todos reformados e pronto. Deixas passar o tempo. Portanto, isso com o tempo resolve-se, mas claro, mas durante este tempo, isso é uma rigidez...
José Maria Pimentel
É difícil lidar com esta rigidez. Quer dizer, e até lá estás a beneficiar-te proporcionalmente algumas pessoas e mais um pouco. E estás a prejudicar os outros. Exatamente. Ou seja, devia ser um... Isto é provavelmente ingénuo da minha parte, mas de ser numa situação em que há beneficiados e prejudicados, e do ponto de vista marginal até os prejudicados são mais prejudicados do que os beneficiados são beneficiados, de certa forma, seria de esperar que houvesse alguma mobilização nesse sentido. É difícil, os sindicatos são compostos por gente mais velha. Pois, exatamente. É difícil. Esse é que é o
Luís Aguiar-Conraria
problema. E os sindicatos são compostos por pessoas que têm contratos de trabalho.
José Maria Pimentel
Sim, por definição. Mesmo as empresas,
Luís Aguiar-Conraria
na universidade, claro que não tem esse problema, Mas mesmo a nível das empresas, há empresas que não gostam de ter os seus trabalhadores sindicalizados e, portanto, evitam que haja sindicalizados e, obviamente, a consequência disso é que aqueles que estão em situação mais precária não se sindicalizam. O impacto que isto depois tem, é o impacto perverso, é que depois os sindicatos, obviamente, são geridos pelos seus associados.
José Maria Pimentel
E as pessoas percebem sempre melhor os seus problemas do que os problemas dos outros. Sim, sim, claro. Então, Luís, vamos passar a outro tema que está, quer dizer, de certa forma está relacionado com algumas coisas de que falámos, que é um tema que eu sei que é importante para ti e para mim também, que é a questão da educação e está relacionado com o desenvolvimento do país e está relacionado com a igualdade de falavas há bocadinho. Aliás, a educação é um espanta-até como não há uma prioridade maior, quer dizer, seria injusto dizer que não é um assunto importante em Portugal, mas A educação é quase o jogo de soma positiva por excelência, porque se nós pensarmos no que é que significa o Estado apoiar a educação às pessoas mais desfavorecidas económicamente e socialmente, ou seja, que não teriam acesso à educação de qualidade se não fosse subsidiada ou prestada pelo Estado, nós falamos de uma situação que é simultaneamente o Estado social a agir enquanto rede de amparo a determinadas pessoas e ao mesmo tempo um investimento no futuro, porque aquelas pessoas, quanto mais educação tiverem aquelas pessoas, quanto mais educação de cada um de nós tivermos, mais prosperidade será gerada e, portanto, mais o bolo crescerá e, portanto, será de certa forma melhor para todos. Nesse sentido, o elevador social, nesse sentido, não é a partir de uma coisa nem de esquerda nem de direita. Embora depois, obviamente, isto na prática tenha algumas nuances, mas é um caso... O que eu quero dizer com isto é que é um caso em que o aumento dos gastos do Estado Social são um investimento, não é um participamento ideológico de um subsídio, mas é um investimento no futuro.
Luís Aguiar-Conraria
Claramente, eu acho que mesmo quando se fala do atraso português e do pouco crescimento português, E aqui eu estou incluído na crítica que estou a fazer. Nos livros se escrevem, por aí fora, a explicar porque é que Portugal deixou de crescer a partir de 2000, 2001. E eu acho que se dá muito pouca importância à questão da educação. Se calhar as pessoas não têm noção disto, mas o nosso nível de educação é mesmo incrivelmente baixo. Quando nós olhamos para as qualificações médias da população portuguesa, da população trabalhadora, portanto, gente entre os 20 e os 65 anos, na média, nós estamos mais próximos da Turquia do que da Dinamarca. E isso olhando para a média, em que nós sabemos perfeitamente que abaixo dos 40 anos os níveis de qualificação são muito maiores do que acima dos 40 anos. Então, se nós recuárssemos 20 anos, e Se fossem as pessoas de 45 anos agora com 25 e, portanto, as pessoas de 70 com 50, o que nós vemos é que os nossos níveis de educação eram iguais aos da Turquia e aos do México. Iguais! Os indicadores eram os mesmos, os grandes indicadores, a percentagem de pessoas que acuou superior, o número de anos médios de estudo. Portanto, nós no ano 2000 estávamos ao nível do México e da Turquia. Aliás, há um indicador engraçado. Quando nós olhamos para o nível, para as taxas de analfabetismo, portanto, a percentagem de pessoas que não sabem ler nem escrever, nós no ano 2000 tínhamos os mesmos indicadores que os países desenvolvidos tinham em 1900. Exatamente na mesma mudança de século. A diferença é que é num século diferente.
José Maria Pimentel
E hoje, desculpa interromper-te, julgo que estes dados são recentes, o que eu apanhei. Que mesmo hoje, 40% da população residente não tem mais do que o 6º ano.
Luís Aguiar-Conraria
Mais do que o 6º, duvido, mas mais do que o 9º, de certeza. Mas agora teríamos de ver os dados, não é? Mas sim, é extraordinário. Fui aluno em Coimbra e sou professor aqui no Minho, eu vejo perfeitamente a formação dos pais dos meus alunos. Isto aqui no Minho, a porcentagem de alunos que eu tenho, que têm pelo menos um dos pais licenciado, é baixíssima. Então ter os dois, o senhor já nem conta. E isto, penso eu, explica muito, ou pode explicar muito, os nossos padrões de desenvolvimento. O mundo tem-se vindo a abrir e quando o mundo se abre, de facto, os países aproximam. O comércio livre, à partida, aproxima os países. Quando nós entramos na CEE, que é a Comunidade Económica Europeia, em 1985, nós entramos num grupo fechado de meninos ricos, que eram os 12 países da CEE, em que havia dois pobres, que era Portugal e Grécia e se calhar a Espanha, entre nós e os outros. E os outros. Ora, e à partida, os outros países puxam por nós. E, portanto... E puxaram ou não? E puxaram. E, portanto, nós crescemos imenso até o ano 2000 e mesmo antes de 85 nós tínhamos aderido à EFTA nos anos 60. Portanto, nós entre 60 e 2000 fazíamos parte de clubes de países ricos onde nós éramos o país pobre. E, portanto, nós tínhamos muito por onde crescer e estes países puxaram por nós. Mas a partir de 2000 há uma enorme abertura das fronteiras a nível mundial. Nós deixamos de estar fechados no grupo da União Europeia, portanto, no ano 2000 já era a União Europeia, para passarmos a confrontarmos com o mundo global. E isso é a China, é andia, mas é o resto do mundo também. Ora, e se nós temos as qualificações do México e as qualificações da Turquia, então à partida nós vamos nos aproximar do México e da Turquia. E, portanto, esses países crescem mais, mas nós começamos a crescer menos. Nós começamos a nos aproximar desses outros países. O motivo é que nós estávamos protegidos no nosso casulo, no nosso clube, e esse clube abriu-se. E eu penso que aí o efeito da... Há todos os problemas que nós falámos. Problemas institucionais, de captura das instituições, de captura dos reguladores, tudo isso. E todos eles são importantes. Mas não me parece que seja razoável esperar que seja muito melhor do que aquilo que somos. A nível mundial, se compararmos os países que têm as mesmas qualificações que nós temos, a nível mundial, nós continuamos a ser, para as qualificações que temos, os mais desenvolvidos. Aliás, basta dizer que nós estamos mais próximos do México e da Turquia do que da... Olha, do que... De Espanha ou de Itália. E nós vivemos melhor nesses países. Nenhum de nós quer emigrar para o... Quer dizer, tirando situações pessoais atendíveis, nenhum de nós quer emigrar para esses países. Por algum motivo é. E, portanto, a educação, eu acho que nós temos mesmo de investir muito na educação, não é sequer já com a promessa de que vamos crescer imenso se apostarmos na educação. É investir na educação para não cairmos mais numa primeira fase e depois, mais tarde, sim, convergir. Todos os indicadores mostram que é um investimento que vale a pena. Por exemplo, estavas a falar de que todos beneficiam e, por exemplo, um dado interessante, e estes são dados, são estudos para Portugal, feitos aqui por alunos de doutoramento, aqui na minha escola, mostram, por exemplo, que empresas onde existem mais pessoas com doutoramento e com licenciatura, que nessas empresas pagam melhor aos outros trabalhadores. Aos outros. Ok? Portanto, um trabalhador que apenas tenha o nono ano, ganha mais se estiver a trabalhar numa empresa com quadros qualificados, do que se estiver a trabalhar numa empresa com quadros pouco qualificados. Portanto, esta pessoa também ganha com a educação dos outros. Há esse lado. E depois há o outro lado, que é, obviamente, se todos formos mais educados, aí sim, todos à partida somos mais produtivos, mas eu não queria limitar isto à aportividade, porque acho que a educação é muito mais do que isso, não é?
José Maria Pimentel
Pois claro que não, claro que é muito mais. Todos somos
Luís Aguiar-Conraria
melhores. Agora, esse é um lado onde eu acho que de facto tu tens razão, e esse era o ponto do meu artigo quando eu falei, em dizer que isto deve juntar a esquerda e a direita por esse motivo. Se nós fizemos aquela dicotomia da direita preocupa-se com a liberdade e a esquerda com a igualdade, este aqui é daqueles domínios onde as duas coisas estão casadas. Portanto, a educação é a forma de nós promovermos a longo prazo a subida, o nível de vida dos mais pobres, portanto, é o nível da desigualdade, mas também é a educação que nos dá a liberdade. Nós, para sermos livres, temos de ter opções e para termos opções no mundo atual obriga a que sejamos divulgados, obviamente.
José Maria Pimentel
E materializa, eu acho, ou não é materializa, desculpa, espelha um dos debates em que eu acho que se materializa essa dicotomia de igualdade e liberdade, se quisermos chamar-lhe assim, que é o que é que as pessoas acham que está errado em Portugal e normalmente se tu falares com alguém de esquerda ela estará especialmente preocupada com o que está errado em Portugal é o nível de igualdade brutal, é a pobreza, quer dizer, falar-te há desse tipo de coisas e alguém de direita o que tenderá muitas vezes a falar-te é o grau de desenvolvimento que pode não ser económico, pode ser um desenvolvimento cultural se quisermos, portanto, tenderá a dizer comparemos-nos com outros países europeus, quer dizer, há aqui uma série de coisas que estão erradas, que são duas perspetivas, obviamente, parcialmente válidas, e a educação casa as duas. Era
Luís Aguiar-Conraria
o que podia juntar as duas, sim.
José Maria Pimentel
Exatamente. E há aqui uma componente deste debate interessante, porque eu lembro de, a certa altura, estar a falar com um amigo que tu também conheces, mas não vou dizer porque não sei se ele queria partilhar, imagino que não houvesse problema, mas estávamos a falar sobre isto e ele estava a enfatizar muito a questão da qualidade da educação e a dizer, tudo bem, nós podemos ter estes níveis de, em termos de quantidade, não em termos de número de pessoas com determinados graus, os níveis até podem ser baixos, mas eu acho que o principal problema de Portugal é o nível de qualidade, a nossa educação é fraca, os professores são complacentes, as escolas são geridas de maneira demasiado centralizada, etc, etc, etc. E embora isso seja verdade, inegavelmente, e acho que há um debate para ter aí, a questão é que tem a ver com aquilo que tu dizias há bocadinho. Quando tu começas a olhar para os números, e sobretudo a pessoa tendo muitas vezes a tentação de cair nestes debates da qualidade das instituições, que nós falávamos há bocadinho, da endogamia e por aí em diante, A variável última provavelmente está na educação e se nós olharmos simplesmente para a parte da quantidade, mesmo sem considerar a qualidade, estamos tão abaixo. A decalagem é tão grande que era aquilo que tu dizias há bocado, como é que nós queríamos que a coisa fosse de maneira diferente? Olhamos para as nossas empresas, vemo-nos as nossas empresas que têm um determinado grau de competitividade internacional. Como é que elas podiam ter mais, não é?
Luís Aguiar-Conraria
É difícil. E olhamos para as nossas empresas e muitas vezes os trabalhadores são mais qualificados do que os donos. Mas isso, pronto. E essas empresas já temos de dar o mérito aos donos, não é? Que percebem que têm de contratar pessoas mais qualificadas do que eles. Em relação à qualidade, eu também não tenho dúvida nenhuma, ao contrário do que muitas vezes, do discurso, que não direi que é dominante, mas que se ouve muitas vezes, que a qualidade agora é muito melhor do que há 20 anos. Ah, claro, claro. Não tenho dúvida nenhuma. E acho que os meus alunos têm muito melhores professores do que eu tive quando fui aluno. Têm a mim como professor, mas também têm muitos outros e não há qualquer comparação. Não há qualquer comparação.
José Maria Pimentel
E nós temos, desculpa interromper-te, nós temos a particularidade de termos andado nas mesmas escolas. Descobriam no outro dia. Com alguns
Luís Aguiar-Conraria
anos de esforçamento. Eu fiz o curso em Coimbra entre 92 e 97. Eu acho que professores de doutorado com doutoramento concluído, não sei, era... Teria de olhar para trás e contar, mas deviam ser 10, qualquer coisa ao todo, e grande parte das aulas teóricas e práticas eram dadas por assistentes, pessoas que sabiam fazer tese de mestrado ou fazer tese de doutoramento, mas que não tinham doutoramento. Os meus alunos hoje, todos os professores, sem exceção, são doutorados. E depois vamos para a qualidade do ensino. Eu sou doutorado, muito poucos são doutorados em Portugal. Tenho dois colegas que são doutorados em Oxford. Tenho dois que são em Florença. Eu sou da Cornell. Tenho outros de Timberland. Portanto, são doutorados nas melhores universidades do mundo e da Europa. Portanto, temos a mesma qualidade que os outros têm. Quer dizer, os meus coautores... Falámos com o Pedro Magalhães, mas tem coautores alemães, tem coautores chineses, tem coautores americanos. Portanto, o nosso nível, pelo menos a nível dos docentes, o nosso nível nas universidades é muito bom. Agora, temos muitos problemas. Os problemas da endogamia temos imensos. Isso aí não há volta a dar. E é um problema sério e também não sei muito bem como é que se resolve. Isso é um problema. E quando falamos, eu acho, nesta questão da esquerda-direita... Desculpa estar a puxar um bocadinho a conversa para o outro lado, mas é um assunto em que eu tenho que pensar. Sim, sim. Podemos concordar que o investir na educação é um assunto quer de esquerda, quer de direita, mas a forma como se investe na educação já devido às duas equipas. Tens claramente...
José Maria Pimentel
Público versus privado. Público versus privado. Tenho que perguntar
Luís Aguiar-Conraria
isso. E a forma como se financia o público e como se financia o privado e se devem estar em concorrência ou não. E eu sobre isso tenho-me dado bastante opinião e...
José Maria Pimentel
Então diz porque eu tenho muita curiosidade em saber a tua opinião sobre isso. Ia-te perguntar isso mesmo. Gostava de
Luís Aguiar-Conraria
participar em estudos que estudassem isto melhor. Porque à partida a posição mais liberal seria, e posição que eu subscrevo na grande maioria das vezes, é cada um à partida sabe melhor de si do que sabe o Estado. E, portanto, a liberdade de escolha à partida costuma ser a solução correta. E, nesse caso, um esquema como um cheque-ensino, um cheque-ensino que é atribuído às pessoas e depois cada pessoa podia escrever os seus filhos, ou na pública, ou com o cheque-ensino numa privada, a sua escolha, deixar as escolas concorrerem entre elas, à partida seria a solução ótima. E essa era a solução que eu, há uns tempos, se calhar, há uns 10, 15 anos, provável, não sei, na altura não pensei muito, não pensava profundamente nisto. Mas com o que eu simpatizaria? Temos outra visão de esquerda, se chamemos de assim, vamos aqui usar as etiquetas todas, que vê, não, isto deve ser a escola pública, é o ensino público e deve ser a escola pública. E apenas quando não é possível, por qualquer motivo, levar a escola pública, podemos aceitar os privados como complementares. E estes foi os argumentos que se levaram para acabar com uma série de contratos de associação, por exemplo, das escolas. E eu cada vez mais penso que o meio-termo em que nós vivemos atualmente não é razoável. Concordo. Ou vais para um extremo ou vais para o outro. Neste momento, o que nós, o que eu sinto... Tiras o pior dos dois mundos, de certa forma. Já agora, isto é importante. Porquê que a livre escolha, para mim, não me seduz tanto no caso da educação como em tudo o resto? Porque no caso da educação estamos a falar de menores de 18 anos. Exatamente. A escolha não é deles. E se estamos a falar de menores de 18 anos, portanto, alguém de 30 anos escolhe mal, esse alguém lixa-se. Tudo bem. O problema dele é a questão da autorresponsabilização. Alguém de 30 anos escolhe mal, a criança de 7 anos ou de 8 anos é que se lixa, já não parece mal. Portanto, nós temos aqui uma... A sociedade tem de proteger as crianças das más decisões dos pais. E, portanto, nós não podemos simplesmente dizer os pais decidem. E todos estamos de acordo. Quando dizem, ah, tens uma visão soviética, não sei o quê... Ouça, nós estamos a falar de uma coisa que tem uma escolaridade mínima obrigatória de 12 anos. Ora, se a escolaridade é obrigatória 12 anos, é precisamente porque nós não acreditamos nas escolhas dos pais. Se nós acreditássemos nas escolhas dos pais não era preciso haver escolaridade obrigatória. Claro, sim. Então, para que é que é escolaridade obrigatória? Não era preciso obrigar, os pais punham lá as crianças. E, portanto, nós estamos a admitir que os pais fazem escolhas erradas para os filhos. Senão, não era necessário impormos essas regras. E isso é o que me faz pensar que o argumento liberal pode não se justificar aqui completamente. O liberal no sentido de livre escolha da escola. E a partir do momento em que temos livre escolha de escola, quer queiramos, quer não, e há vários estudos que mostram, até há estudos genéticos que começam a mostrar isto para a Inglaterra. As escolas agrupam pessoas que são iguais entre elas. Neste momento já há estudos genéticos, genéticos para colégios privados ingleses, onde se mostra que tu realmente pões os teus filhos em escolas de pessoas que são parecidas a ti, que são iguais ou parecidas de alguma forma geneticamente. Ou seja, tu vais criando clubes fechados, vais criando boias fechadas.
José Maria Pimentel
Até porque é a nossa
Luís Aguiar-Conraria
tentação. E, inevitavelmente, o que vai acontecer é que as pessoas com menos capacidade de escolha e menos visão, vão ter os seus filhos agrupados em escolhas de má qualidade uns com os outros. Mesmo que a escola seja ótima, se todos os teus colegas são maus, tens um peer effect, desculpa, não sei qual é o termo em português, tens um peer effect que te vai prejudicar, não há volta a dar. E se pôs o teu filho numa boa escola onde todos os colegas são de classes sociais elevadas, tens um peer effect que te beneficia. E se puseres uma criança pobre numa turma de ricos, essa criança pobre beneficia. Aqui pobre estamos a pensar em termos sociais, aqui já não é só de dinheiro. E, portanto, eu imagino aqui uma livre escolha a levar a uma situação onde tens escolas de má qualidade ou que agrupam todas as crianças mais desfavorecidas. Eu não vejo como conseguir fugir a isso. A situação atual ainda é pior. Eu há dois anos apercebi-me que no meu departamento de Economia, ou seja, no meu departamento, todos, sem exceção, todos os meus colegas têm os filhos em escolas privadas. Não há um que tenha escolas públicas. Só eu é que tenho uma filha na escola pública. E quando te apercebeste da história dos contratos de associação, de repente tens a secretária de Estado da Alexandra Leitão, não acho que era assim que se chamava, a Secretária de Estado, a justificar. E quando o jornalista lhe pergunta onde é que você tem os seus filhos, e ela diz-me que tem os filhos na escola alumna. Ou seja... Que é a escola privada para a malta de esquerda. E de repente tu começas a perceber, e isto não tem mal nenhum, Mas a partir do momento em que não é uma ou outra pessoa que tem os filhos na escola privada, mas são todos e 90% da classe política tem os filhos na escola privada, esses problemas da escola pública deixam de fazer parte do imaginário deles. Quando é um a escolher não há problema nenhum, quando são todos e passa a haver um padrão, começa a ter consequências. Eu acho que neste momento a classe média alta saiu da escola pública, e mesmo a classe média já saiu, mas a classe média alta já saiu quase toda da escola pública, e isso traz um problema muito grave, que é as pessoas com capacidade reivindicativa para exigir melhores condições, já lá não estão. Eu, na minha escola, na Martim de Freitas, em Coimbra, havia as turmas de manhã que eram dos doutores e as turmas de tarde que eram dos filhos dos que não eram doutores. Que é uma segregação absurda e errada e por aí fora. Mas ao menos a escola era a mesma. Quando os pais dos meninos da manhã se mobilizavam para exigir um ginásio, se mobilizavam porque havia um professor que estava em falta e que tinham de substituir o professor e se mobilizavam porque havia um professor que era parvo e que tratava mal os alunos, os alunos da Tarte dos Povos beneficiavam disto também. A partir do momento em que os pais dos meninos da manhã os põem a final nos colégios privados, no Reinha Santa, no São Teutónio e noutros, esta capacidade reivindicativa desaparece. Eu acho que isto foi muito, muito, muito visível agora durante a pandemia na questão da desigualdade e do problema que foi criado com o mandar as crianças para casa. De facto, as pessoas, a classe, os opinion makers e a classe política não estavam minimamente preocupados com as desigualdades que estavam a cavar, com o facto de grande parte do ensino público não estar a responder devidamente aos desafios que a situação lhe descolocava. E eu também não me posso anomear isso. Quando tenho aqui uma discussão com os colegas meus a dizer é pá, tem que ter aulas no verão de recuperação para os alunos e eu tenho pessoas a dizer é pá, não, não pode ser. Então eu tive a minha mulher, que por acaso era professora, a minha mulher também casa a tratar do meu filho e a estudar com ele. Agora tem direito a férias. Na minha escola funcionou tudo bem. Os alunos tiveram as aulas todas. Mas, portanto, havia claramente um alheamento das classes de dirigentes e classe de opinion makers em relação aos problemas que estavam a acontecer na escola pública. E a única forma que eu vejo aqui de fugir a isto é ter os dois extremos. Ou é tudo público e ponto final e isso tem a desvantagem de tirar as liberdades de escolha às pessoas e tem a grande vantagem de aqueles que sabem e que procuram que os seus filhos tenham melhores condições de beneficiem todos os outros ou então é tudo privado e então vives num mercado de concorrência e aí o mercado de concorrência de cada escola tentará ser melhor do que as outras e, portanto, também naturalmente as coisas melhorarão. Como está neste momento, está mesmo na situação em que é um processo de auto-seleção de ricos que põem os filhos nas escolas privadas, ricos e classe média alta, e depois dirigentes políticos que, sim, que se preocupam muito e que põem a mão no coração quando falam da escola pública, mas que não sentem os problemas que têm. Quando um professor falta 3 meses ou 4 meses, é completamente diferente se um professor falta 3 meses seguidos, se na turma que está, que ele está a faltar, está lá o filho do presidente da câmara ou não. Se estiver lá o presidente, o filho do presidente da câmara, o professor não vai faltar de três meses seguidos. Vão resolver o problema antes. E se não estiver, falta, falta três
José Maria Pimentel
meses seguidos e demoram muito tempo a substituí-lo. Isso que tu falas coincide muito com a minha intuição, que também não era a minha intuição original, é a minha intuição dos últimos anos e também depois de falar algumas vezes sobre isso no podcast. E até há um aspecto aí interessante de que tu falaste à passagem, que é o facto disto não estar só relacionado com o poder económico da família, porque também está relacionado com o teu grau de formação, se quiseres, ou o teu grau cultural, que é o que queremos chamar, também influencia a tua visão em relação à educação, ou seja, tu até podes ser um tipo que não ganha particularmente bem, Mas se tu souberes quão importante é a educação, vais canalizar, vais afetar uma parte do teu rendimento, que até pode ser muito grande, para a educação dos teus filhos e podes pô-lo ou pô-la numa escola privada,
Luís Aguiar-Conraria
mesmo que isso te custe. Mesmo que isso te custe. Agora, esse era o ponto, não é? Eu há bocado quando disse, eu acho, eu sempre acho referido, mas sublinhar. Eu Quando falei aqui em ricos e pobres e classes médias altas e baixas, eu não estou a falar da parte económica. Estou a falar do ponto de vista social, incluindo tudo. A económica também, claro, mas tudo o resto. A parte cultural, educacional e social. Porque é claro, aqui a situação a mim incomodou-me mesmo. Olha, cá está, foram aqueles artigos onde eu já escrevi com alguma indignação, onde se calhar pus alguma objetividade de parte, foi sobre estes assuntos, porque a determinada altura, no início escrevia com... Escrevia, portanto, os artigos que eu escrevia em março e em abril eram construtivos e eram e eram a dizer, oh, se tomem atenção, vocês precisam de um plano para recuperar as crianças, isto tem impactos sérios, há estudos que mostram, por exemplo, há estudos que existem, e portanto, isto é uma questão estudada que mostra que 3 meses sem aulas têm um impacto ao longo da tua carreira médio em que, portanto, o impacto era de... O teu salário médio ia ser 3 ou 4% inferior todos os anos. Então, tu recebeste todos os anos menos de 3 ou 4% é um impacto enorme. Se calculares o efeito de riqueza disto. E, pois é, o médio. O que quer dizer que por cada um que não tem impacto nenhum, há outro que tem o dobro. Ou por cada dois que não têm impacto nenhum, há um que tem o triplo. Ou seja, e inclusive há estudos que mostram que isso depois passa para os filhos. O efeito disto de longo prazo é tão forte que
José Maria Pimentel
passa para os filhos. Os filhos
Luís Aguiar-Conraria
depois também são prejudicados. Os filhos daqueles que agora tiveram sem aulas.
José Maria Pimentel
É a versão do círculo vicioso do círculo virtuoso que nós falámos há bocado.
Luís Aguiar-Conraria
Exatamente. E portanto, eu no início, disse, estamos a ver, Hudson, existem estes estudos, existem estas consequências, portanto, venham, anunciem um plano de recuperação, pelo menos, anunciem que têm a intenção de pensar sobre o assunto. E o silêncio era completo, era eu e o Alexandre Homem de Cristo, sozinhos, na opinião publicada, a defender isto, bem, isto na minha altura começa-me a passar. Quando eu escrevo aqueles artigos a dizer que isto é um crime o que estão a fazer, a dizer que parecem malucos, porque de facto aí perdi a capacidade de manter a racionalidade, porque acho que era mesmo aqui uma questão de falta de empatia e é inadmissível e é inadmissível em gente de esquerda especialmente. Não, isto é inadmissível em todo lado, nem é de esquerda, isto é admissível para todos, esquerda e direita. Não faz sentido. Certo, certo. Mas quem bate com a mão no coração de cada vez que fala em igualdade é de facto é mais grave.
José Maria Pimentel
Sim. E nós temos, eu estava a ver os números no outro dia, nós temos 17% dos alunos no ensino secundário no privado, que é o número mais alto da União Europeia, o que por si só, e Não é necessariamente um mau número, nós achamos que não há problema nenhum no privado, mas num país que não é especialmente rico é estranho.
Luís Aguiar-Conraria
Mas é quando são os 20% de cima, e mais alguns do meio que se esforçam mais. Mas de facto é complicado. E este ano, tenho a minha filha em mudança cívica, está agora a acabar o sexto ano. Epá, a minha mulher me sofriu na dúvida. Não é fácil. De facto, as pessoas estão a ser empurradas para o privado. E não é
José Maria Pimentel
fácil. E o público, atenção, é muito mal gerido
Luís Aguiar-Conraria
em muitos casos. É pessimomente
José Maria Pimentel
gerido. A questão é essa, não é?
Luís Aguiar-Conraria
Uma pessoa está a ser empurrada para o privado, seja por falta de instrumentos de gestão do público, seja também, o que eu acho que este efeito é muito forte. Eu acho que o efeito de teres uma clientela que não é exigente é um efeito gravíssimo. Porque, de facto, é o cliente que tem de exigir a qualidade, não há volta a dar. Mas a questão é que o
José Maria Pimentel
cliente exigente existirá sempre e o cliente não exigente também. Ou seja, tu não consegues influenciar isto a tus pais.
Luís Aguiar-Conraria
Agora, se tu tens o cliente exigente a ir para outra escola, ele deixa de exigir na escola onde está o filho da criança menos... Onde está o filho da pessoa menos exigente. E, isso não teria problema nenhum não fossem serem crianças. E, portanto, que é injusto responsabilizá-las ou elas arcarem com as consequências as más decisões dos pais. Portanto, eu aqui tenho muitas dúvidas e, olha, não sei. E ao outro
José Maria Pimentel
lado, só para determinar que a conversa já vai longa, mas ao outro lado, Para dar o outro lado desta questão e que tem a ver com o público, eu partilho um bocado a tua perspectiva em relação a isto, embora há outras vantagens no privado, como a questão de inovação no ensino e de poder... Escolas especialmente inovadoras podem, no fundo, estar a planear o futuro, mas neste caso eu também como tu privilegio mais a liberdade dos filhos do que a liberdade dos pais, se quisermos, não é, nesse caso. Agora, da minha experiência no público, presumo que tu tenhas a mesma, e estou-me a lembrar de um caso que eu já falei aqui no podcast, é engraçado porque foi numa outra escola que nós os dois andámos, no José Falcão, em que eu tive um episódio muito caricato, porque eu tive, estamos a falar no secundário, portanto, décimo, décimo primeiro, décimo segundo, e na disciplina de história eu tive no décimo primeiro o melhor professor da minha vida, então eu incluí professores universitários, um tipo genial, incrivelmente de esquerda, incrivelmente iconoclástico, quer dizer, um tipo que me ensinou um monte de coisas, estas coisas que eu me lembro várias vezes ao longo da vida, quer dizer, uma maneira diferente de olhar para a realidade, e tive outro professor ou uma professora, no caso, no décimo e na décima e primeira, desculpa, no décimo e na décima e segunda, péssima, destas pessoas que estão a ler o livro. Péssima. E eu penso, eles dois coexistiram, este tipo foi uma professora no décimo e primeiro, não fazia parte dos quadros, era lá que estava alguém que andava, coitado, ela andava, tinha chegado a dar aulas na universidade, mas também não fazia parte dos quadros, não era professor associado e portanto depois foi para o secundário, mas também lá não fazia parte, acabou por sair e ela, como qualquer outra pessoa, aqui o caso dela em particular não é especialmente importante, mas como era alguém que estava nos quadros, estava perfeitamente protegida, portanto a inépsia dela enquanto professora não influenciou minimamente a carreira dela, tanto não influenciou que ela voltou no 12º. E este é um problema que eu falava a certa altura com o convidado aqui no podcast que falava de um exemplo de semelhante e aqui, quer dizer, é preciso admitir que esta é uma fraqueza do público, não é? Pelo menos da maneira como ele está
Luís Aguiar-Conraria
desenhado. Não tinha que ser, a questão é essa, não é? É uma fraqueza do público por causa da forma como está desenhado, claro.
José Maria Pimentel
Exatamente. Claro, evidentemente. Se os colos tivessem mais autonomia, por exemplo.
Luís Aguiar-Conraria
Evidentemente, evidentemente. Mas isso é, de facto, é difícil. Tu tens de garantir, claro que num sistema público a garantia de emprego é maior do que num privado. Mas não é admissível isso? Não é admissível que os bons professores tenham uma carreira em quase tudo igual à dos maus professores? Sim, justamente. Há filtros na carreira. Há filtros na carreira dos professores no início, antes de fazer o estágio, que de facto não funcionam. E se calhar a única forma de tu conseguires ir eliminando os maus professores e mantendo apenas os bons é realmente criar sistemas de quotas. Porque se não houver um sistema de quotas, é muito difícil a um colega dizer que o outro colega vai ser despedido ou que não vai progredir na carreira. Mas é o que se tem de fazer, não é? Mas pode ser feito. Se houver vontade política para isso, é feito. Mas realmente concordo que é difícil e essa é a desvantagem sempre que tu traz sempre do público verso o privado. Tens essa que estavas a referir, a questão da escolha dos professores, e tens a outra que também disseste há bocado, a questão da inovação. Claro que é muito mais fácil para uma escola privada apresentar um projeto inovador do que para uma pública, por mais autonomia que a pública tenha. Mas pronto, mas podes na mesma tentar aproximar as coisas, podes tentar ter uma escola pública em que haja mais instrumentos de gestão por parte da escola e onde haja maior capacidade de selecionar melhores professores e separar os melhores dos piores. Mesmo a questão, quer dizer, essa professora se calhar... E
José Maria Pimentel
incentivar os piores a serem melhores também, não é? Que também se trata disso, não é? Porque isto não é...
Luís Aguiar-Conraria
É, isso é sempre importante, mas eu também acho que a nível de ensino exige uma certa vocação e, portanto, acho que alguém que seja mesmo mau consegue melhorar alguma coisa, mas não consegue melhorar muito. Mas isto é uma opinião muito... Nada fundamentada. Mas o que eu te queria dizer, mesmo resolver esses problemas, pode não implicar, despedir pessoas. As escolas têm pessoas que estão nas bibliotecas o tempo inteiro, portanto, os piores professores podem estar nas bibliotecas. Pessoas que não têm jeito para dar aulas a 30 alunos ou 20 alunos são ótimos explicadores, portanto, aquele trabalho de tutoria, de estarem a acompanhar alunos em pequenos grupos de 2 ou 3, podem perfeitamente funcionar. Eu conhecia algumas pessoas que eram maus professores e que a nível das explicações com grupos pequenos funcionavam muito bem. Porque aí, claro, com três alunos não estás a ler o livro. Se tens três alunos sentados à tua frente, não tens o problema de conseguir dominar a sala e de conseguir que os alunos sejam mais ou menos atentos e mais ou menos entusiasmados. E é um conjunto de problemas que não se colocam quando tens pequenas pessoas. Portanto, se calhar com instrumentos de gestão flexíveis, tu consegues resolver esses problemas sem ter de despedir as pessoas, pelo menos grande parte delas.
José Maria Pimentel
É verdade, é verdade, até porque o problema, quer dizer, mesmo o bem-estar dessas pessoas também é relevante para esta equação, portanto o problema é complexo.
Luís Aguiar-Conraria
É evidente, mas também ninguém tem um grande bem-estar, ninguém vive feliz se for um mau professor e a sua profissão for ser. Se alguém quer professor e sente que os alunos não gostam dela, ninguém é feliz assim,
José Maria Pimentel
não é? É evidente, é evidente. Esta pessoa que estou a falar teria várias frustrações, quer dizer, aquilo não era casual, não é? Aquilo era uma falta de motivação, no fundo. Um terço da nossa vida é trabalhar, não é? Nós trabalhamos 8 horas por dia, o dia tem 24 horas, portanto isto é... Não
Luís Aguiar-Conraria
é isso, é isso. O livro que eu estou a ler neste momento é um livro de um antigo professor meu da Cornell, que se chama Beyond the Invisible Hand, Groundwork for a New Economics. Portanto, para além da mão invisível, a famosa mão invisível do Adam Smith, que basicamente nos diz que cada um de nós, à procura do seu próprio interesse, gera um ótimo social, digamos assim, muito resumidamente. Portanto, faz parte, digamos, da economia mainstream e da economia neoclássica. São as fundações da economia neoclássica, de que eu faço parte. Portanto, um problema que eu tenho tido sempre que leio críticos, ou quase sempre que leio críticos e pessoas que desafiam a economia neoclássica, ou a economia mainstream, é que geralmente sabem muito pouco daquilo que criticam. Muitas vezes eu leio críticas e penso, isto já não se aplica desde os anos 70, esta crítica é inválida desde os anos 80. Olha, quantas vezes é que tu já não ouviste aquela coisa quando há um estudo económico e dizes, lá estão estes gajos a confundir correlação com causalidade. É para o puro amor de Deus, já ninguém confunde correlação com causalidade, Quer dizer, há métodos para lidar com isso. E quando uma pessoa não os tem, qualquer autor reconhece imediatamente as limitações do seu trabalho quando fala nessas questões. E esta é a grande vantagem de uma pessoa que é... Uma pessoa importante, ela é desconhecida do grande público, mas já foi economista-chefe do Banco Mundial, portanto é uma pessoa que está numa universidade clássica, como a Cornell, e, portanto, conhece o sistema por dentro, conhece os teoremas por dentro e é dos melhores professores que havia. Quem o teve como professor, há muitos dos que o tiveram como professor dizem que foi o professor da vida deles. Portanto, conhece bem, bem, bem o sistema e, portanto, as críticas são muito profundas e difíceis de ler, mas muito profundas e é um livro que para quem quer criticar a economia neoclássica e ao mesmo tempo ficar a perceber a economia neoclássica é um ótimo livro.
José Maria Pimentel
Fico muito curioso de ler. Por acaso estava aqui a ver até a descrição na net. Boa, excelente. Olha, Luís, muito obrigado por teres... Não, muito obrigado pelo convite e
Luís Aguiar-Conraria
pela conversa.
José Maria Pimentel
Deixem-me lembrar-vos que podem dar o vosso contributo para a continuidade e desenvolvimento deste projeto. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra Apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Horaos é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Paulo Peralta, Eduardo Correia de Mato, João Baltazar, Salvador Cunha, Tiago Leite, Joana Faria Alves, Carlos Martins, Corto Lemos, Margarida Varela, Gustavo e Gonçalo Machado Monteiro. Até ao próximo episódio.