#90 Paulo Gama Mota - O mito de que a evolução produz adaptações perfeitas & muito mais

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Como prometido, tenho aqui a segunda parte da conversa com o biólogo Paulo Gamamota. Desta vez, aproveitando o período de desconfinamento, gravámos presencialmente. Depois de, na primeira conversa, termos feito uma espécie de viagem de reconhecimento pela biologia evolutiva, nesta segunda parte podemos ir mais fundo em alguns aspectos deste fenómeno complexo. Começámos por falar de uma das áreas de investigação do Paulo, as causas evolutivas que explicam os comportamentos característicos de cada espécie, muitos deles em resultado da seleção sexual, e como vão ver a variedade de comportamentos é imensa, e isso levou-nos a fazer uma tangente para falar do desenvolvimento da inteligência nos seres vivos, e por exemplo do estranho caso de alguns cefaloptes como o polvo, que é um animal espantosamente inteligente, tendo em conta a sua árvore evolutiva e cujo ultimamente passado é incomum conosco, está tão, tão distante que há quem lhe chame o mais próximo de uma inteligência alienígena que podemos alguma vez encontrar. Na segunda metade da conversa falámos de aspectos mais gerais da evolução por seleção natural, onde as coisas nem sempre são o que parecem. Por exemplo, discutimos o mito de que a seleção natural produz sempre adaptações perfeitas, o que está longe de ser verdade, e discutimos também uma proposta muito contra-intuitiva. Será que há características que evoluíram não por seleção, mas apenas à falta de melhor expressão por acaso? Tudo isto devidamente condimentado por exemplos do Paulo, e foram vários, sendo que no final ficam várias perguntas que continuam por responder. E a piada de certa forma está aí. Aliás, devo dizer que se a primeira conversa já me tinha feito agradecer o momento em que decidi convidar o Paulo para o podcast, nesta segunda parte fiquei verdadeiramente impressionado com a proficiência dele nesta área, sobretudo tendo em conta a abrangência de conceitos e de temas que discutimos na conversa. E notem que a conversa, como quase sempre acontece no 45°, seguiu por terrenos completamente fora do guião inicial. Aliás, este episódio duplo com o Paulo, e também o episódio anterior com a Sofia Miguéns, fizeram-me voltar a pensar numa coisa que já várias vezes me ocorreu nestes 90 episódios que o 45° já leva. É incrível a quantidade de gente imensamente interessante que existe em Portugal e que muitas vezes está completamente fora dos holofotes. A propósito ainda da nossa conversa, no episódio anterior, como se devem lembrar, discutimos o enorme mistério evolutivo que é o facto do parto na espécie humana ser tão difícil. É necessária assistência e mesmo assim o risco de complicações era bem grande até há não muito tempo. Isto por comparação à maioria dos animais, primatas incluídos, que dão a luz sem assistência e com relativamente pouca dificuldade. A hipótese clássica para explicar esta especificidade humana é que se deve à tensão entre duas pressões evolutivas opostas no desenvolvimento da pélvis da mãe. A posição cada vez mais ereta gerou canais de nascimento mais estreitos, enquanto o desenvolvimento do cérebro, por outro lado, gerou crédios cada vez maiores nos bebés. No entanto, inspirado pela nossa primeira conversa, o Paulo verificou a literatura mais recente sobre o tema e parece que esta não é, pelo menos, a totalidade da resposta. Se tiverem curiosidade por uma explicação um pouco mais detalhada, podem encontrá-la na descrição deste episódio. Basta deslizar um bocadinho para baixo e encontram nele logo a seguir ao índice dos temas que discutiram, onde encontram também, já agora, links para uma série de coisas de que fomos falando. Ainda antes de vos deixar com o palco, queria aproveitar Para agradecer mais uma vez o contributo dos mecenas do 45 Graus, que têm sido fundamental não só para a continuidade deste projeto, mas também para poder ir aumentando de várias formas a qualidade da produção. Uma delas é tornar possível a edição dedicada de cada episódio. Um trabalho técnico que desde há quase um ano tem estado a cargo do Martim Cunha-Rego e que tem, já agora, feito um trabalho excelente. Cada episódio que vos chega tem por isso por trás este trabalho de edição técnica, que passa sobretudo por remover as gorduras, digamos assim, da gravação original e outros aspectos de melhoria, como por exemplo correções e acertos na qualidade do som. Tudo isto faz aumentar a qualidade do podcast e neste caso tornar melhores os episódios que vos chegam. Aliás, basta compararem com os episódios iniciais do podcast para sentirem alguma diferença. Se quiserem contribuir também para a continuidade e desenvolvimento deste projeto, visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para verem como podem contribuir para o podcast, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade. Mas por agora fiquem com Paulo Gamamota e esta segunda parte da nossa conversa sobre Biologia Evolutiva. Paulo, bem-vindo de novo. Obrigado. Ao 45°, agora... É um prazer. Agora ao vivo, agora presencialmente. Nós acabámos a última conversa, a última história primeira, a falar sobre seleção sexual, que é uma boa ponte para a tua investigação. A tua investigação é na área do comportamento e a ecologia comportamental. Se calhar mais fácil é pedir-te que expliques o que é que isto quer dizer, não é? Como é que se relaciona com aquilo que nós falámos na primeira parte da conversa?
Paulo Gama Mota
Eu tenho um enorme fascínio pelo comportamento, por compreender o comportamento dos animais, incluindo a nossa própria espécie, e isso foi uma coisa que foi emergindo... Na verdade, eu tinha vários interesses e a dada altura percebi, à posteriori, acho que isso que acontece com imensas pessoas, à posteriori percebem que estava lá tudo, aquilo em que vieram a especializar-se, ou a interessar-se, ou a investigar, e a sua vocação, mas é claro que no início, e antes disso materializar, isso não é nada evidente. Depois, à posteriori, é mais evidente, mas é verdade que nós, à posteriori, podemos construir uma história a partir do passado, não é? Mas, isto para dizer que eu sempre tive um enorme fascínio pelo estudo do comportamento e é claro que o estudo do comportamento animal teve um desenvolvimento enorme nos últimos 25 anos do século passado e tem continuado no século XXI. E, portanto, eu entrei, digamos, na altura certa do ponto de vista do interesse porque começaram a surgir não só ferramentas conceptuais, teóricas, como também do ponto de vista das ferramentas que se poderiam utilizar, que nos permitiram ir muito mais além na compreensão do comportamento. O estudo do comportamento, na verdade, compreende vários níveis e, portanto, há aspectos que se relacionam com a compreensão de como é que o comportamento acontece, o que é que origina o comportamento num determinado que isto é, como é que o animal reage numa determinada situação, o que é que o leva a ter um determinado comportamento, o que é que leva os cães a ladrar em determinadas circunstâncias e a banarem o rabo. O que é que leva em que sentido, desculpa, no sentido evolutivo ou o que é que leva... No sentido... Fisionomicamente. Fisiológico, da própria... Sim, fisiologicamente, sim. Estado interno do animal e isso é uma explicação do comportamento ao nível da mecânica do comportamento. Depois, por exemplo, nós sabemos que há animais que são capazes de realizar tarefas incríveis, por exemplo, corvos que são capazes de torcer um arame e fabricar um instrumento. Nós pensávamos que os únicos fabricantes de instrumentos, que era o homo faber, éramos nós. Nenhuma outra espécie fabricava. Entretanto, descobrimos que os chimpanzés eram capazes de fazer isso, mas pronto, foi um bocadinho uma amolgadela no ego, mas não muito, porque enfim, os chimpanzés são os nossos primos mais próximos mas depois começámos a descobrir que havia outras espécies que eram capazes de fazer coisas dessas e a coisa ficou muito mais estranha. E isso é, digamos, uma outra dimensão que tem a ver com saber como é que esses comportamentos surgem no indivíduo. Se ele os aprende, se são inatos, isto é um conceito genericamente complicado, mas simplificando, se eles têm uma base genética e estão pré-programados para acontecer. E, depois, uma outra dimensão que tem a ver com o saber porque é que esses comportamentos evoluíram, porque é que eles estão presentes e já não são tanto questões sobre saber como é que o comportamento acontece, mas saber porque é que o comportamento surgiu, porque é que ele evoluiu numa determinada espécie. E esta dimensão evolutiva foi aquela que mais me fascinou e mais me interessou, porque tem a ver com a evolução, tem a ver com uma teoria fortíssima para explicar a biologia em geral e vários aspectos, nomeadamente o comportamento. E isso foi, digamos que, a área em que eu quis trabalhar. Trabalhar sobre comportamento, especialmente nos seus aspectos evolutivos. E, do conjunto destes aspectos evolutivos, A dada altura... Eu não comecei por trabalhar em questões relacionadas com reprodução, mas a dada altura isso era uma coisa que estava muito hot, muito quente, que era saber, no caso das aves, por exemplo, se havia comportamentos a extrapar, se havia paternidade a extrapar, se havia estratégias e comportamentos mais complexos do que aquilo que a realidade parecia indicar. E, mais uma vez, há uma ferramenta nova que surge. O Alex Jeffreys desenvolve a técnica DNA Fingerprinting, em Leicester. Eu cheguei a visitar o laboratório dele, porque isso tinha sido descoberto há pouquinho tempo, e que era uma técnica que permitia identificar a paternidade com um rigor enorme, apenas com meia dúzia de gotas de sangue. E eu comecei a trabalhar sobre reprodução e, em seguida, comecei a interessar-me por questões relacionadas com a seleção de características ou comportamentos, nomeadamente coisas relacionadas com a comunicação animal, que, mais uma vez, iam, no caso das aves, iam bater em, por exemplo, o canto ou a coloração, e isso obviamente são traços que estão, digamos que do ponto de vista
José Maria Pimentel
da teoria, resultam da seleção sexual. E isso tem a ver com a diferenciação que estavas a fazer há bocadinho, só para voltar um bocadinho atrás, da causa mecânica, se quisermos, e da causa evolutiva. Isso tem que ver com aquela distinção que por vezes é feita entre a, não sei como é que se diz em português, mas a causa imediata e a causa... A causa última. E a causa última, exatamente. Sim, há várias... No fundo, a causa evolutiva é a causa última, nesse caso, não é?
Paulo Gama Mota
Há várias designações que são utilizadas. Eu acho que uma das primeiras pessoas que abordou esta questão da causalidade em biologia foi o Peter Medawar, que fala em três níveis na biologia e há uma pessoa muito importante no campo do comportamento animal, que é um holandês, que foi um dos fundadores e que foi prémio Nobel da Medicina, o Nick Timbergen, que propõe quatro níveis de abordagem do comportamento, o que ele chamou a causalidade imediata, o desenvolvimento, a função, que tem a ver com a evolução, e a história evolutiva de um comportamento. Nós estamos neste momento a emergir, está a emergir, digamos, uma nova perspectiva, que é aquilo a que se pode chamar uma perspectiva integrativa, em que as equipas de investigação começam a trabalhar mais em conjunto, abordando mais do que um nível. E já não há aquelas pessoas, ah eu só trabalho sobre como e outros trabalham no porquê e eu só quero saber qual é a mecânica dos processos e a mecânica dos processos em si é um processo em que uma pessoa consegue respostas mais diretas sobre o como ou o porquê as respostas são mais difíceis, porque nós temos sempre alguma dúvida que resta sobre... Claro. Nós não estamos exatamente a reconstituir o processo evolutivo, estamos a usar formas indiretas de determinar como é que ele aconteceu e, portanto, isso dificulta um pouco mais a atingir as respostas. E há pessoas que preferem trabalhar com coisas que lhes dão mais confiança, embora eu acho que em última análise O nível de confiança que se tem é igual em todas as áreas da ciência e é uma consequência bastante razoável, mas nunca absoluta. Sim, exatamente, isso
José Maria Pimentel
faz todo sentido. Tu falavas há bocadinho do estudo do comportamento, neste caso, pelas suas razões evolutivas, E se calhar até me importa falar disto. O comportamento pode ser explicado por várias coisas. Pode ser explicado como uma resposta ao meio ambiente, ao clima, à disponibilidade de alimento, por exemplo. Como resposta a eventuais predadores, no caso de ser um animal surreito a ser predado, não sei se diz assim, e também a seleção sexual, que nós falávamos, que entretanto se divide em seleção inter e intrassexual. Inter são comportamentos que visam atrair o sexo oposto e inter são comportamentos de competição entre animais do mesmo sexo para conseguir ter acesso ao sexo oposto e depois ainda tens uma vertente que, de certa forma, acho que inclui, eu diria que inclui a seleção sexual mas extravasa, que é um lado, no caso das espécies sociais, uma espécie de seleção social, não sei se pode dizer assim, mas tudo que seja comportamento de uma espécie social e que pode ter a ver com o comportamento especificamente dela, mas também com determinados atributos que, sei lá, a coloração dos pássaros, ou o modo como os pássaros cantam, por exemplo, que têm em vista fazer avançar os interesses daquele indivíduo, daquele animal em particular, numa hierarquia de dominação, por exemplo,
Paulo Gama Mota
de uma espécie social, não é? Sim, há várias coisas aí. De facto, nós empregamos o termo seleção social num contexto um pouquinho diferente e que tem a ver com a circunstância de determinados sinais que aparentemente poderiam funcionar num contexto essencialmente sexual, podem ter uma função mais abrangente. Os comportamentos sociais normalmente fazem parte de uma análise que envolve a seleção natural, ok? E a seleção deles é uma seleção natural, embora, neste caso, envolvendo comportamentos sociais dos animais. E é preciso dizer que, embora quando Darwin formula a teoria da seleção sexual, porque a teoria da seleção sexual também foi formulada pelo Darwin. Sim. E em que ele propõe a seleção intrassexual que corresponde a disputas dentro do mesmo sexo, normalmente os machos, pelo acesso às fêmeas, portanto é uma seleção que tem a ver com a reprodução dos indivíduos. Exato. E que dará origem à evolução de dimorfismo sexual de tamanho ou à evolução de armas de combate. Sim. E do outro lado a seleção intersexual. Os chifres nos viadutos, sim. Os chifres, por exemplo. E do outro lado a seleção intersexual que tem a ver com a evolução de ornamentos, em que há uma escolha do par, isto é, em que um dos sexos fizesse escolha sobre características no outro e uma vez que, neste caso, normalmente são as fêmeas, mas nem sempre, preferem determinadas características, essas características acabam por ser selecionadas no outro sexo porque os indivíduos têm mais sucesso se tiverem a característica certa e isso vai conduzir à evolução de estruturas exageradas, de ornamentos exagerados. Esta ideia foi uma ideia muito difícil de ser incorporada e demorou muito tempo até as pessoas começarem a aceitar esta ideia e, de facto, eu trabalho grandemente em coisas relacionadas com isso, porque, por exemplo, no caso do canto das aves, na maior parte das espécies das regiões temperadas, só os machos secos cantam. Nas regiões tropicais, normalmente, tem muitas espécies que têm duetos e em que os dois secos são capazes de cantar, mas nas espécies das regiões temperadas só os machos sexos cantam e isso tem a ver com um processo da neurogênese, tem a ver com os níveis hormonais e a forma como vai acontecer a neurogênese. E aliás,
José Maria Pimentel
no caso,
Paulo Gama Mota
no cérebro de um macho ou de uma fêmea. E na verdade tem a ver com a mortalidade dos neurónios. Os neurónios são produzidos e depois há uma mortalidade diferencial. Na fêmea morrem muito mais neurónios. Nas regiões que nos machos vão ser usados para controlar os músculos que têm a ver com o controle do canto, por exemplo. E é possível reverter este processo, o que permite perceber que é precisamente por causa dos níveis hormonais que há esta alteração e, portanto, nós temos um cérebro de macho e um cérebro de fêmea. E estas estruturas, que têm uma especificidade muito grande, que envolvem um controle motor finíssimo, que permitem produzir aqueles sons todos muito elaborados, com uma mudança temporal muito rápida, foram selecionados ao longo do tempo evolutivo. Aliás, só um grupo relativamente pequeno, quer dizer, são muitas as espécies, mas correspondem apenas a uma parte, digamos assim, da enorme diversidade de aves que existem, é que têm esta capacidade vocal, que se chamam as aves canoras, e que aliás sempre atraiu imenso as pessoas. Desde a Idade Média que há processos de domesticação de várias aves para terem canários em casa, raças de canários que foram selecionadas para terem cantos especiais que as pessoas achavam particularmente atrativas. O caso
José Maria Pimentel
como fizemos com os cães. Exatamente.
Paulo Gama Mota
E nós sabemos hoje que, obviamente, este canto funciona num contexto da seleção sexual, em que as fêmeas preferem determinadas características e os machos vão sendo selecionados a produzir essas características. Isto quer dizer que há um conjunto de genes que são responsáveis pela arquitetura do cérebro ou pelos processos da modificação dessas estruturas ao longo da vida do próprio animal e que vão ser mudados, vão haver mutações, vão ser selecionados. Portanto, quando nós estamos a falar da evolução de um comportamento, estamos a falar de um substrato, que são os genes, que mudaram ao longo do tempo evolutivo. Portanto, em última análise, aquilo que nós falámos na nossa primeira conversa, que é os genes são, na verdade, o sistema de registro e que são a informação essencial, continuam a ser a informação essencial. Porque nós estamos a falar da evolução dos comportamentos, estamos a falar desta dimensão de genes que mudam e que permitem determinados comportamentos. Agora, o comportamento tem já uma dimensão mais plástica do que outro tipo de respostas, porque uma resposta fisiológica, do ponto de vista da arquitetura do sistema fisiológico, ou uma resposta anatómica, por exemplo, é uma coisa que é muito limitada. O comportamento é aquela forma de responder aos problemas que tem uma enorme plasticidade e que pode variar de um momento para outro. Quer dizer, plasticidade naquele ser
José Maria Pimentel
vivo, naquele indivíduo.
Paulo Gama Mota
E, portanto, temos aqui uma outra dimensão para a qual só estamos a começar a levantar o véu, que é olhar para dentro da caixa preta, que é o cérebro dos animais, e perceber de que maneira é que essa plasticidade é instituída, de que maneira é que a plasticidade comportamental que eles podem ter, que não é ilimitada, é ela própria controlada pelos seus genes. E há coisas giríssimas que nós estamos, por exemplo, a conseguir perceber com animais muito simples como uma abelha. As abelhas são animais fascinantes por variedíssimos aspectos, nomeadamente por serem uma coletividade extraordinariamente organizada. A vida dentro de uma colmeia é a vida dentro de uma cidade, em que indivíduos diferentes desempenham tarefas diferentes. E, por exemplo, nós sabemos que uma obreira que vive muito pouco tempo e, portanto, tudo o que ela faz é essencialmente pré-programado, que ela não tem muito espaço para aprender e, além disso, como tem um cérebro minúsculo, também não tem muito espaço para guardar informação aprendida, nem tem tempo para aprender, porque uma abelha vai viver dois meses e acontece que nós sabemos que, por exemplo, metade da vida da abelha é passada essencialmente dentro da colmeia e, a dada altura, ela começa a ir buscar alimento. Portanto, na primeira metade da vida ela desempenha essencialmente funções de manutenção, de limpeza, desopercular os opérculos, ver como é que estão as larvas, fazer manutenção dentro da colmeia. E de repente elas mudam para um comportamento completamente diferente. Recentemente descobriu-se como é que isso acontece. E mais, começou-se a identificar os genes que mudam, mas também as causas dessa mudança. Que mudam, desculpa, que mudam como? Há genes que passam a ser sobrespressos e genes que passam a ser sub-expressos. Sim, sim, já estou a perceber. Genes que deixam de funcionar e genes que passam a funcionar. Os nomes estão lá todos, mas o seu funcionamento é muito mais controlado do que aquilo que nós pensamos. A melhor analogia é pensarmos numa orquestra, que tem um maestro e em que os naipes vão tocando de acordo com as indicações do maestro. O maestro são os géneros reguladores. O maestro são os géneros reguladores, exato. Agora, curiosamente aqui, a partitura pode ser mudada para o maestro e neste caso das abelhas, a partitura é o ambiente delas. Ou seja, são sinais ambientais que vão desencadear uma resposta que tem a ver com alterações nas frequências de determinadas proteínas que vão fazer com que os genes reguladores mudem todo aquele sistema. E isto é muito engraçado porque nós tendíamos a pensar o comportamento como uma resposta unidirecional, ou seja, nós temos os genes, temos as proteínas e depois temos o comportamento que resulta daquela interação complexa, e isto costumava ser visto por nós numa perspectiva unidirecional. E subitamente percebemos que há um loop, ou seja, o ambiente que resulta do próprio comportamento dos indivíduos, e neste caso, no caso das abelhas, é um ambiente social, vai afetar os genes que vão depois afetar o comportamento dos indivíduos e, portanto, de repente, todo o sistema é muito mais plástico do que nós pensávamos e abriu-se aqui uma janela para nós percebermos como é que na realidade a própria regulação dos genes pode ser afetada pela experiência dos próprios indivíduos. Isso é
José Maria Pimentel
muito engraçado, isso tem aliás uma série de paralelos com os seres humanos. Claro. Sabendo de nós que não somos uma tábua rasa, um blank slate, sabe-se também que o nosso cérebro é muito plástico, até em comportamentos evolutivamente selecionados, por exemplo, a selecção sexual até. Por exemplo, a questão da testosterona, que é obviamente uma hormona com um papel grande na seleção sexual. E já não sei que estudo é que era, que mostrava que a preferência da parte da fêmea humana, das mulheres por homens, como é a testosterona, era sobretudo mais prevalente em ambientes de escassez. Se tu fosse para países nórdicos, por exemplo, ela praticamente desaparecia. Porque tem muita piada e, pelo menos, lembra-me disso ao ouvir-te falar, não é? Porque, no fundo, lá está, é o comportamento a ser regulado pelo ambiente. Creio eu, não é? Desde que eu estivesse a... Quer dizer, fazer aqui um aponto que não existe. É verdade.
Paulo Gama Mota
Alguns desses resultados são, não direi paradoxais, mas desafiam a nossa forma de entender que com plástica é a resposta e qual é o grau de elasticidade que existe nessa resposta, mas é verdade que em ambientes com mais incidência de parasitas, a preferência por caracteres sexuais secundários mais desenvolvidos é mais forte. E isso está de acordo com a teoria para os outros animais. E isso encontra-se também no caso humano. Portanto, aquilo que estávamos a dizer, que se relaciona com a testosterona e que tem a ver com uma hipótese que relaciona a testosterona com a capacidade dos indivíduos terem um sistema imunitário particularmente forte. Porque O problema é que a testosterona é imune à supressora, portanto, nenhum animal consegue, neste caso estamos a falar de machos, embora as fêmeas também tenham testosterona, mas em níveis muito baixos, digamos que a hormona que existe em maior concentração no sexo feminino, neste caso, são os estrogênios, é o estradiol. No caso da testosterona, nenhum animal consegue manter níveis muito elevados de testosterona durante muito tempo. Há uma elevação e depois a testosterona vem para baixo. Tem uma série de efeitos secundários, não é? Tem. É imunoassupressora. E, portanto, os indivíduos podem acabar parasitados e morrer vítimas dos níveis muito altos de testosterona.
José Maria Pimentel
Em certo sentido terá também justamente essa função de sinalização, aquele costal signalling que nós falávamos na primeira conversa, no sentido de eu tenho géneros tão bons como posso dar ao luxo. Sim,
Paulo Gama Mota
é uma hipótese tipo handicap. Exatamente,
José Maria Pimentel
é uma espécie de... Isto é bastante complexo, não é? E é o que também o torna interessante. Por isso é que era aquilo que eu dizia no início, acho que eu dou outra conversa, se bem me lembro, que a evolução se descreve facilmente em traços gerais, mas depois tem uma série de aspectos complexos, por exemplo, aquilo que tu falavas há bocadinho da... Voltando ao caso das abelhas, da plasticidade comportamental. A relação que eu tiro daí é que a pressão seletiva, a partir desta altura, de certa forma diminui. Ou seja, se tu consegues ter um genoma com essa flexibilidade, ele está menos sujeito a pressões do meio ambiente.
Paulo Gama Mota
Exatamente. O próprio genoma é adaptável. Exatamente. É, digamos, uma resposta de alto nível a variações muito rápidas do meio ambiente. Exato. Se nós pensarmos nos animais todos, na natureza toda, nos seres vivos todos. Os animais, à medida que aumentam a sua durabilidade e vivem mais tempo, têm um problema, que é lidar com um ambiente que pode mudar com alguma rapidez. Portanto, não é apenas a adaptação horizontal, mas é também uma adaptação de tempo. Aquilo que é uma eternidade para uma bactéria são poucos minutos para nós. E, portanto, a capacidade de responder a um ambiente que muda e a condições que são diferentes, podemos pensar, ok, havia ali um nicho que poderia ser ocupado por organismos que tivessem capacidade de responder plasticamente aos problemas. É claro que para isso acontecer, teve que evoluir um conjunto de células muito especializadas, que são talvez as células mais especializadas que existem, demoraram imenso tempo a serem descritas, que são os neurónios. O Ramón y Carral, que recebeu o Prémio Nobel por descrever as estruturas dos neurónios, fez uns desenhos lindíssimos, aquele trabalho é um trabalho meticuloso, dificílimo, porque com os meios que ele tinha, conseguir ver a extensão de um axónio por ali fora, uma coisa gigantesca que pode ser, é impressionante. Portanto, são células extremamente especializadas que, quando evoluíram, permitiram aos animais saltar para um novo patamar, que é serem capazes de integrar informação, nomeadamente terem sensores ambientais que lhes dão informação, como por exemplo no nosso caso os olhos, os ouvidos, mas também a pele, sensores térmicos, sensores visuais que vão detectar fotões de luz ou as ondas sonoras e que, integrando essa informação, lhe permite tomar decisões, responder perante uma situação. As coisas mais simples é, por exemplo, um animal que só explora o seu meio ambiente à noite vai ter, digamos, sensores para as variações do fotoperíodo e só vai estar ativo à noite porque é a condição de ser menos perdado. E esta possibilidade de responder plasticamente foi aumentando com o desenvolvimento dos neurónios. Mas aí há um problema, que é, e isto é muito interessante do ponto de vista evolutivo, os neurónios exigem muita energia. Para as pessoas terem uma ideia, o nosso cérebro, que é a estrutura mais complexa que nós conhecemos, pelo menos na natureza, neste planeta, tem qualquer coisa como 80 mil milhões de neurônios, que é um número astronómico. Cerca de 20 a 25%, à volta de 22% da energia que nós consumimos diariamente é para alimentar o funcionamento do cérebro, que tem um peso diminuto relativamente ao resto do corpo, mas aquilo é só açúcar a entrar por ali fora para alimentar o seu funcionamento. É de tal ordem que quando não há um fluxo suficiente de energia ao cérebro, o cérebro desliga as partes não essenciais. E é por isso que as pessoas desmaiam, por exemplo, quando não têm um fluxo suficiente de energia ao cérebro, porque há uma série de funções vitais que têm de continuar a funcionar e que o cérebro continua a fazer funcionar, mas aquelas que são mais exigentes do ponto de vista energético, que é estar a conceptualizar, a pensar, a construir cenários, etc., a antecipar situações, é desligado. E, portanto, todo o estado de vigilância desaparece. E, portanto, nós temos a evolução de cérebros grandes em animais que têm uma certa longevidade e depois em animais que conseguem manter a temperatura corporal relativamente estável. E, por isso, nós vamos ter cérebros maiores em aves, em mamíferos, que têm estas particularidades. Esse
José Maria Pimentel
aspecto eu nunca tinha ouvido. Há uma causalidade entre a longevidade e o desenvolvimento de cérebro? Faz todo sentido, à luz da explicação que tu deste, mas
Paulo Gama Mota
eu nunca ouvi. Não há uma causalidade direta e não foi estabelecida, mas a questão é que um animal que vive pouco tempo não precisa,
José Maria Pimentel
não beneficia muito de ter um cérebro
Paulo Gama Mota
muito grande. E nesse sentido há um paradoxo, que é o facto de que há um ramo dos animais completamente diferente dos vertebrados. Nós vamos ter cérebros nos vertebrados. Os vertebrados têm cérebros e têm cérebros que se vão complexificando nos vários grupos, mas depois há um outro grupo de animais que pertence a um ramo onde não há... Há imensos animais sem cérebro ou praticamente sem uma estrutura, digamos assim, organizada, neuronal forte, que são os moluscos. E que depois têm um ramo, que são os cefalópolis, que são animais inteligentíssimos, como os chocos e os polvos e as lulas, mas principalmente os chocos e os polvos. Os chocos também, não sabia. Sim, sim. E que têm uma longevidade curtíssima. Para um animal que tem aquelas faculdades todas, eles vivem poucos anos. 4, 5 anos e o animal está a entrar em desnascência. E há outro aspecto, desculpa interromper-te, que eu... Que um paradoxo, nós não conseguimos explicar.
José Maria Pimentel
E parece-me um paradoxo ainda por outra razão, que costuma ser associado ao desenvolvimento do cérebro, que é espécies sociais. E os polvos...
Paulo Gama Mota
Não são, exatamente. É outro aspecto muito curioso. Então, porquê? Não sabemos. Eu acho que isso é uma das perguntas que está em aberto. Primeiro, demorou algum tempo a perceber-se que esses animais eram muito inteligentes, precisamente porque eles viviam num ambiente sensorial pouco importante, não era uma espécie social, portanto à partida ninguém esperava que eles tivessem um cérebro muito desenvolvido. Há uma história muito engraçada de uns investigadores que tinham uns pólvores num tanque num laboratório e estava a acontecer sistematicamente as lâmpadas fundirem-se durante a noite. Eles tinham lâmpadas por cima dos aquários para manter aquilo iluminado e então decidiram filmar. E quando filmaram foi para de surpresa, uma surpresa dos investigadores, descobrirem que durante a noite os polvos projetavam a água contra as lâmpadas e eventualmente as lâmpadas fundiam-se por contacto.
José Maria Pimentel
A sério? Isso é muito bom!
Paulo Gama Mota
É incrível, incrível, absolutamente extraordinário. Agora, porquê que evoluiu neste ramo de animais que ainda por
José Maria Pimentel
cima não são sociais, cérvos complexos, nós não temos uma boa resposta? Sim, é extraordinário, até o próprio ecossistema deles não é composto por outros animais?
Paulo Gama Mota
Não, não é muito propício. O único aspecto que é relevante é que eles são predadores, são caçadores. E nós sabemos, por exemplo, nos mamíferos, que os cérebros dos predadores são maiores do que os cérebros
José Maria Pimentel
dos herbívoros. São. E porquê? Já agora não deveria haver um runaway seleccionado?
Paulo Gama Mota
Bom, há dois aspectos. Primeiro, eles alimentam-se de uma dieta mais rica e, portanto, podem evoluir cérebros mais complexos, mas, por outro lado, como eles são predadores, a sua fonte de alimento é mais difícil de apanhar. Um herbívoro tem que procurar o alimento no sítio. Mas
José Maria Pimentel
tem que fugir do predador, caramba!
Paulo Gama Mota
Ok, essa é outra dimensão. Mesmo assim, ele não depende para se alimentar de um alimento que é muito exigente do ponto de vista da sua aprendizagem. Ele não tem que aprender muito para comer. Um predador, por contrário, morre logo se não tiver desenvolvida as capacidades e as faculdades necessárias para poder alimentar-se. E o que é verdade é que muitos animais usam uma estratégia que é agregarem-se para evitarem ser comidos, portanto, um efeito de diluição no meio do grupo. Claramente os cérebros dos predadores são maiores do que os cérebros dos herbívoros. Tu
José Maria Pimentel
tens toda a razão. Até me estou a lembrar, a matematização desses comportamentos, por exemplo, no caso das presas, dos animais herbívoros, basicamente basta que eles tenham um algoritmo muito simples, em que estão sempre a convergir para o meio, para o meio da manada e isso é eficaz do ponto de vista da sobrevivência deles. Alguns vão ser mortos, mas é... Por isso é que eles andam em manada, não é? Porque todos eles têm um algoritmo muito simples que é... Converges para o centro, converges para o centro, e estão todos a fazer isso e mantêm-se juntos. Enquanto, por exemplo, uma cateia de lobos passa a redundância, tem um comportamento muito mais sofisticado,
Paulo Gama Mota
em que cada um tem que ter o seu papel e uma série de coisas. E em que o animal tem que aprender uma série de coisas até ter o mínimo de eficácia para poder. E, por exemplo, nós verificamos que os animais predadores ou os animais sociais dedicam-se muito mais a comportamentos de jogo...
José Maria Pimentel
Ah, entre eles. Entre eles. Como os cães. Como
Paulo Gama Mota
os cães, do que os animais herbívoros, que não têm tanto este jogo. Uma parte do jogo tem a ver com a aprendizagem do manuseamento de potenciais presas ou de combates para aceder ao alimento.
José Maria Pimentel
Engraçado, porque nunca tinha pensado nisso. Tem muita piada isto. E ainda há a questão da carne, que tu aludiste logo no início. Porque também há a hipótese da carne para o desenvolvimento do cérebro humano, que é justamente o nosso cérebro ter se desenvolvido a partir do momento em que nós tivemos acesso à proteína animal, que é muito mais rica e muito mais densa em calorias. Uma dieta vegetariana, hoje em dia, não nos causa tanta estranheza porque felizmente temos acesso, mas na natureza, uma dieta de
Paulo Gama Mota
tratamento vegetariano dá muito mais trabalho. Sim, mas é preciso adicionar aí um outro elemento, do meu ponto de vista, que eu acho que é muito, muito relevante, que tem a ver com a descoberta do fogo e a possibilidade de processamento dos alimentos. Isso permitiu reduzir o intestino e permitiu processar o alimento muito mais rapidamente e, portanto, nós conseguimos absorver muito mais alimento e muito mais facilmente porque o processamos, porque o cozinhamos. E isto é muito precoce do ponto de vista da evolução humana. E isso ajudou imenso a ter alimento rico, proteínas e açúcares e gordura, lípidos em geral necessários para vários processos, disponíveis em quantidade suficiente, mais do que uma dieta, por exemplo, apenas frugívora. A dieta frugívora em si já tem uma vantagem, porque tem muito mais energia do que uma dieta folívora, apenas...
José Maria Pimentel
Frugívora é de frutas. Frutas.
Paulo Gama Mota
Os antepassados humanos têm claramente uma dentição, e aliás os chimpanzés hoje são muito frugívoros, têm uma dentição que é muito própria, muito característica de animais que não comem essencialmente sementes ou outro tipo de alimentos e que têm uma componente de dieta importante de frutos e isso em si é já um aporte de energia muito significativo. Mas depois na evolução humana há um passo que tem a ver com o consumo de carne muito sistemático. Também nós pensávamos que os outros primatas não consumiam carne e hoje sabe-se que os chimpanzés fazem caçadas e que se alimentam também de carne, mas é claro que fazem numa proporção muito inferior àquela que se pensa que seriam dos antepassados humanos. E depois há uma outra passagem que tem a ver com a invenção do fogo e que propiciou retirar muito mais energia e muito mais alimento, digamos assim, dos alimentos que eram consumidos. Mas os predadores até têm um intestino mais curto que o nosso, proporcionalmente, não é? Se há um cão enquanto descendente de lobo, tem um intestino... Certo, mas enquanto primata houve
José Maria Pimentel
uma redução. Isso é curioso, ou seja, evolutivamente, por exemplo, se os lobos tivessem inventado o fogo, por absurdo, o intestino deles também tenderia, ou os leões, ou o whatever, também tenderia a diminuir por conseguirem tirar mais da comida, ou eles podem ter outra via para tirar mais da... Já podem ter uma enzima qualquer...
Paulo Gama Mota
Depende. Normalmente a evolução de uma característica resulta de uma pressão seletiva que tem a ver com... Por exemplo, no caso, se tu tens uma pressão muito forte para desenvolver um cérebro maior, e no nosso caso isso aconteceu, tudo o que sejam mutações que permitam poupar energia em outras coisas vão também ser selecionadas, porque tu precisas de ter energia para um cérebro maior. Portanto, só por si não é a mudança de dieta que, numa primeira fase, irá implicar uma alteração, por exemplo, na estrutura do intestino, a menos que isso signifique uma maior eficácia. Pois, mas a questão é que as duas coisas terão sido mais ou menos
José Maria Pimentel
concomitantes no nosso caso. No nosso caso. Mas por causa da enorme
Paulo Gama Mota
pressão seletiva para a evolução de um cérebro melhor.
José Maria Pimentel
Ou seja, nós não comíamos provavelmente muita carne antes e de repente começámos a comer muito mais porque podíamos cozinhar, não é? E daí o cérebro ter evoluído tanto. Sim, sim, a questão do cérebro e do alimento tem piada. Agora lembro-me de uma coisa que não tem nada a ver com isto, de uma investigação que fizeram, fizeram, aliás, até pelo tipo de investigação se percebe que não foi feita hoje, acho que foi feita na altura da Segunda Guerra Mundial em que eles eram com objetos de consciência, salvo erro, portanto como não iam para a frente de combate, voluntariavam-se para fazer outro tipo de coisas e no caso era uma investigação em que eles eram privados de alimento, imagina que a dose era uns 2000 ou 2500 calorias diárias e eles davam-lhe tipo 1500 ao longo de meses e aquelas pessoas passavam, e é uma coisa sempre-tipiada do ponto de vista do comportamento, o dia inteiro a pensar em comida.
Paulo Gama Mota
Ah, pois. Ou
José Maria Pimentel
seja, era o cérebro em red alert, não é? E as pessoas estavam a fantasiar com comida, uma coisa quase pornográfica com comida, não é? Imaginar jantares opulentos e não sei o quê, porque estavam todos a emagrecer, basicamente. Não é que eles não tivessem acesso à comida, não era como se nos cortassem a dose
Paulo Gama Mota
de... Isso pode ser interpretado de uma forma mais complicada. É que existe um outro aspecto a ter em consideração, é que nós somos planificadores, por excelência. Nós antecipamos o que é que vai acontecer. Uma das partes mais importantes, digamos, da evolução do cérebro humano tem a ver com antecipar o futuro, com planear. E sabendo que não tens o alimento, leva-te a pensar em alimento, porque naturalmente tu estás... Mesmo antes de deixares de o ter, se calhar. Mesmo antes de deixares de o ter. Só a sensação de que não tens leva-te a ter a propensão para consumir mais. E aliás, é curioso verificar-se, e isto é um facto conhecido, que nós temos muito mais elevados índices de obesidade em populações que têm menos recursos, que vivem no mesmo meio ambiente, do que em populações ou estratos sociais dentro da mesma população que têm mais recursos. A obesidade é maior em ambientes em que as pessoas têm menos recursos.
José Maria Pimentel
Sim, que é um paradoxo da contemporaneidade. Exatamente, e porque
Paulo Gama Mota
tem a ver com a tua sensação de... Eu preciso de... Sim, ou eu posso não ter isto para sempre, não é? Sim, há uma antecipação do futuro, mesmo que isso não seja consciente, há um processo que vai, digamos que, levar-te a ter mais propensão para esse... Eu
José Maria Pimentel
nunca tinha interpretado dessa forma, eu interpretava mais do... E as pessoas comem mais junk food. Exato, sim.
Paulo Gama Mota
Também é verdade.
José Maria Pimentel
Também pode ser interpretado na mesma linha, mas tem tempo e há da isso, eu tinha pensado dessa forma.
Paulo Gama Mota
Eu lembro-me agora de uma experiência que foi feita, creio que foi feita com ratinhos, e acho que também chegou a ser feita com aves, uma coisa parecida, em que eles eram mantidos em situações de falta de alimento, e continuada falta de alimento. E acontece que esses animais desenvolviam níveis de cortisol mais altos e quando começavam a ter acesso a alimento engordavam mais e ficavam mais gordos do que os outros. Sobre como pensavam, não é? E os
José Maria Pimentel
ratos ainda por cima estão relativamente próximos de nós, não é? Sim. Portanto, explica isso. Estou agora a pensar que nós divergimos desse nosso tronco inicial, mas valeu a pena, mas acho que vou, ainda antes de passarmos aos outros pontos, vou voltar à questão da seleção sexóbica. Havia aqui alguns aspectos que eu te queria perguntar. Por exemplo, imagina o exemplo dos chifres dos veados, que nós estamos a falar há bocadinho. Para quem não está a ouvir no Brasil, os chifres dos cervos, para não causar confusões. Ah, ok. Eu tenho alguns ouvintes brasileiros. Os chifres dos veados são um aspecto curioso, porque os chifres dos veados têm um papel na seleção intersexual, ou seja, uma sinalização de, independentemente da hipótese que nós compremos, há ali uma sinalização de um atributo que interessa ao sexo oposto, em termos de seleção sexual, tem também um papel no confronto físico entre os machos, portanto na seleção intrassexual, e também pode ter um papel, para lá deste papel na seleção sexual inter e intra, também pode ter um papel social mais lato naquilo que tu chamavas há bocadinho de seleção sexual, que vai para lá daí. Quer dizer, me acha se este exemplo que estou a dar faz sentido ou não, mas acho que independentemente do cabimento deste exemplo, isso faz com que deva ser muito difícil, e eu sei que parte da tua investigação tem que ver com isso, destrinçar qual é a causa, o que é que causa o quê. E depois tens outro exemplo de outra faceta desta complicação, mas que não é bem igual a este, que é de tu poderes ter determinadas características que ocorrem por selecção sexual, por exemplo, os machos de um pássaro qualquer terem as penas de uma determinada cor, e aquilo passar, como é selecionado, passar também para as fêmeas, ou seja, para as filhas, para os descendentes fêmeas, e tu não perceberes, ou não perceberes imediatamente se aquilo passou porque foi uma espécie de seleção indireta, já não sei qual era o nome disso, tem um termo técnico, se é uma espécie de seleção indireta ou se é porque foi selecionado diretamente nas fêmeas por algum motivo qualquer.
Paulo Gama Mota
Exatamente, mas há maneiras de testar isso. O caso dos chifres dos veados não é talvez um bom exemplo. O caso dos chifres destes animais é muito curioso porque eles perdem os chifres no final da época reprodutiva. É. Assim, caem. E voltam a desenvolvê-los na época reprodutiva seguinte, portanto aquilo demora uma data de meses, primeiro está coberto com um véu de tecido
José Maria Pimentel
de pele. Pois é, tem razão.
Paulo Gama Mota
Depois eles assumem o tamanho máximo, entretanto o tecido necrosa e ficam em pontas. E eles ficam em pontas no final de Agosto até Outubro, que é a altura da reprodução. E é a altura em que os machos lutam entre si pelas fêmeas têm um sistema poligínico e, portanto, só uma percentagem, talvez 10, 15, 20% dos machos é que a casalam. Os outros não conseguem. E isto faz com que haja uma pressão seletiva muito forte para a evolução de armas de combate entre os machos. E, a seguir, os chifres perdem-se. Portanto, os chifres não servem como defesa contra predadores
José Maria Pimentel
neste caso em particular. E
Paulo Gama Mota
portanto é um caso muito claro de que aquelas estruturas evoluíram por seleção sexual para disputas entre os machos. Mas, por exemplo, nós podemos pensar em outras características como seja, por exemplo, uma cor específica nas fêmeas de um animal em que essa cor funciona também na interação com outras fêmeas ou funciona dentro de um ambiente social e isso ajuda ou facilita ou não o animal a ter mais acesso a recursos relativamente a outros, e isso já sai fora, digamos assim, da seleção sexual, e já cai num âmbito, digamos assim, de uma, poderíamos chamar uma espécie de seleção social. E digamos que já neste século, esta teoria, esta ideia, que é uma ideia do West Hubbard, que é uma bióloga americana, que formulou isto uns bons anos antes, mas a ideia ficou no ar, nunca ninguém a pegou, e a partir de 2010 começou a haver alguns trabalhos que chamam a atenção para isto, e ok, temos também olhar para esta vertente. Será que a evolução de determinadas características tem apenas a ver com a reprodução ou também tem a ver com a sobrevivência e outros aspectos relacionados com a sobrevivência e, portanto, já não é só seleção sexual? No caso em particular, quando, por exemplo, um ornamento ou uma cor é selecionada nos machos, muitas vezes ela acaba por se expressar também nas fêmeas. Porque o género está presente nos dois sexos e muitas vezes ele, embora não tenha o mesmo grau de expressão, o sinal também aparece nas fêmeas. Acontece que, em algumas espécies, o sinal tende a perder-se, tende a desaparecer, e eu disse nós podemos testar isso. Eu próprio já fiz uma investigação em que testei essa ideia, e isto pode parecer muito estranho para as pessoas, mas nós pegamos, na realidade que existe, pegamos num grupo de animais, num determinado grupo, do qual nós sabemos a sua história evolutiva e agora começamos a saber mais graças, nomeadamente, à análise molecular, portanto, à análise genética que nos permite fazer a reconstituição daquela filogenia, daqueles grupos, e podemos gerar cenários, ou seja, fazer simulações, e usando determinados constrangimentos, por exemplo, determinar se a evolução do ornamento nas fêmeas ocorre naqueles grupos todos, por exemplo, há uma linhagem em que as várias espécies, o traço vai aumentando nos machos e também aumenta nas fêmeas, por exemplo. Mas noutra linhagem aumenta nos machos, mas não aumenta nas fêmeas. Então nós podemos combinar estas linhagens, uma data delas, e testar se de facto a evolução do ornamento ocorreu por arrasto, ou seja, está presente nas fêmeas porque foi selecionada nos machos e não foi perdida, ou se, pelo contrário, há uma evolução independente nas fêmeas e tem uma função qualquer. E, por exemplo, no caso do grupo em que nós experimentámos isto, que é o grupo dos pintacílicos e dos canários, por exemplo, verifica-se que, quando está presente nas fêmeas, ela foi puxada por arrasto. O que tende a acontecer, muitas vezes, é um desacoplamento entre o desenvolvimento dessa característica entre os machos e as fêmeas. Ou seja, há depois genes que vão regular a não-expressão do gene nas fêmeas, ou seja, há uma mutação que vai fazer com que um gene impede que aquela cor se exprima nas fêmeas e, portanto, deixa de estar presente nas fêmeas, só está presente nos machos. Ah,
José Maria Pimentel
ela começa por aparecer nas fêmeas, mas depois desaparece do fenótipo porque tem um género que faz com que. Porquê?
Paulo Gama Mota
Porque as fêmeas precisam de ser muito mais miméticas, precisam de ser muito mais crípticas para não serem vistas pelos predadores, por exemplo, no caso das aves que têm que fazer a incubação dos ovos, etc. E elas perdem imenso se forem muito visíveis. É claro que os machos também perdem, mas perdem menos. Porque têm comportamentos menos arriscados, têm que ficar menos tempo parados num sítio, as fêmeas têm que ficar mais
José Maria Pimentel
tempo.
Paulo Gama Mota
E, aliás, se a fêmea mostrar que está lá, pode perder a parogenia toda, que está naquele ninho, e portanto o custo é elevadíssimo. E o benefício é zero. E o benefício é zero, e portanto há uma seleção forte para as fêmeas serem crípticas. E portanto, em muitas espécies há esta evolução contrária, e nós podemos testar isso. Noutros casos não, por exemplo, há uma espécie de um airo, as pessoas que visitaram as berlingas conhecem, era uma espécie que havia e que desapareceu das berlingas, que era a espécie mais exótica que nós tínhamos, que é uma daquelas aves marinhas com um aspecto muito bonito, pretos e brancos. E há uma ave destas no Alasca em que os machos e as fêmeas têm uma crista. E a crista está presente nos dois sexos. E, neste caso, sabe-se que os machos preferem as fêmeas com cristas e as fêmeas preferem machos com cristas. E, portanto, há uma seleção bidirecional nesta espécie. Portanto, também pode acontecer esta situação. Depois também tem que ver com o tipo de reprodução que exige naquela espécie, provavelmente, não é? Sim. Um dos problemas que é difícil para as pessoas perceberem em relação à biologia é que, na verdade, a trajetória de cada espécie é uma trajetória única e aquilo que pode ser verdade para um grupo pode não ser verdade para o outro e o que não quer dizer que isso, no entanto, não esteja de acordo, digamos,
José Maria Pimentel
com a teoria. Claro, claro. Sim, porque, relacionado a isto, a complexidade é imensa. O tipo de padrão reprodutivo daquela espécie, o meio ambiente em que está, o clima, o acesso a comida, se existem ou não predadores, há uma série de variáveis aqui que mudou isso, e que implica que numa espécie essa característica possa desaparecer nas fêmeas e na outra ela não só possa persistir como até passar a ter um papel nessa seleção sexual, e ela passar a ser bidirecional. E por teres outros exemplos é engraçado, estava a pensar ainda relacionado com a questão de características físicas ou comportamentos que tenham um papel sinalizador, por exemplo. Temos também outro exemplo engraçado, que é de uma espécie de gazela, chavo-leiro, cujo comportamento sinaliza, portanto, da mesma forma, mas não para o sexo oposto, não por seleção sexual, mas para os predadores, ou pelo menos essa é uma das hipóteses. Porque estas espécies de gajelas, basicamente, têm um comportamento aparentemente bastante absurdo. Enquanto estão a ser perseguidas por predadores, começam a dar uns saltos que, pelo menos, a meu ver, têm dois efeitos perniciosos. O primeiro é que as atrasa, se elas tiverem fugido dos predadores, e a segunda é que chama a atenção aos predadores. Portanto, aparentemente, não faria sentido nenhum. A explicação que se dá é que elas estão a ter esse comportamento para sinalizar aos predadores que os géneros delas são tão bons ou que elas estão em tão boa condição física que não vale a pena o predador a escolher, mas vale escolher outro indivíduo daquela espécie que provavelmente será mais fácil. E esse é outro aspecto ainda engraçado, não é? Quer dizer, é de novo comportamento, sinalização, mas que não tem nada a ver com a própria espécie. Existe
Paulo Gama Mota
uma dimensão muito interessante do comportamento, no caso da comunicação animal, que tem a ver com a comunicação interespecífica. E esse é um caso de comunicação interespecífica. Há pelo menos dois tipos de gazelas, a gazela de Thompson e a gazela de Grant, que fazem esse comportamento. Elas parecem que têm umas molas nas patas
José Maria Pimentel
e dão saltos. É isso mesmo.
Paulo Gama Mota
E fazem isso, mas elas não fazem isso quando estão a ser perseguidas, fazem isso antes da perseguição iniciar. Porque a partir do momento em que a perseguição inicia, elas fogem. Ah, ok. A questão é que elas já estão a dizer ao predador eu já te vi, e além disso eu estou em muito boa condição física, não vale a pena vires atrás de mim. Ok, isto é a interpretação que nós damos, naturalmente, a este comportamento, O que é verdade é que há muito menos ataques de cheetahs ou outros predadores a gazelas depois de elas terem feito este comportamento, do que quando elas não fazem este comportamento. Ou seja, na verdade aquilo tem algum efeito de dissuasão relativamente à perseguição por parte do predador. E é um caso incrível. Há outros casos que também são muito interessantes que têm a ver com animais que imitam predadores para afastarem a concorrência. A sério? A sério. Há umas aves que parecem uma espécie de corvos, entre um melre e um corvo, na Austrália, chamados drongos, em que eles imitam vocalizações de predadores, para afastarem outras espécies.
José Maria Pimentel
E ficam lá elas a comer sozinhas. Ou seja, é a sinalização... Como é que tu disseste há bocado? Extra-específica? Inter-específica. Inter-específica, mas não para predadores, mas sim para concorrentes. Exato,
Paulo Gama Mota
neste caso para concorrentes. Essa eu não conhecia por acaso. O mundo natural está cheio de histórias fascinantes.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Não, isso tem muita piada, sim. Sim, e depois tem uma série de outras dimensões, porque depois também podes ter comportamentos alternativos a subsistir dentro da mesma espécie. Claro. Ou seja, não tens só um padrão, mas vários padrões, e em equilíbrio, que é uma coisa com muita piada, até em termos de comportamento sexual, no comportamento reprodutivo. Já não sei, havia um exemplo qualquer, agora não me acordo.
Paulo Gama Mota
Há um grupo português, aliás, um dos meus colegas do ISPA, o Rui Oliveira, o Emanuel Gonçalves, que têm trabalhado com cabosos, com blenidios no
José Maria Pimentel
agarvo. Não percebi uma palavra do que tu disseste. Blenidios.
Paulo Gama Mota
São pequenos peixes do intertidal, isto é, daquela zona das marés, e que midificam nos braços das rochas. E os machos ficam a guardar o ninho. E nestes peixes há unidades parentais, monoparentais, são os machos que... Os machos na verdade o que fazem é proteger os ovos que as fêmeas vão pondo, portanto eles cortejam as fêmeas que aparecem e as fêmeas podem ou não entrar lá dentro e depositar os ovos. Os ovos têm umas estruturas aderentes e ficam lá dentro. E os machos fazem o erejamento, ou seja, provocam oxigenação dos ovos e protegem os ovos. Acontece que nesta espécie, e aliás várias espécies, deste grupo, Existem sneakers, batuteiros, isto é, indivíduos que parecem fêmeas, que se aproximam dos machos, aceitam ser cortejados pelos machos, cortejam os machos e os machos deixam-nos entrar lá dentro e sabe-se que são machos, ok? Eles têm gónadas, produzem espermatozoides e...
José Maria Pimentel
Sabemos nós, não é? Sabemos
Paulo Gama Mota
nós. Uma vez que a fecundação é externa, os ovos que não estejam fecundados, eventualmente podem ser fecundados por estes machos. Este sistema está muito, muito estudado, está muito bem estudado e sabe-se que neste caso, nas populações algarvias, é uma tática que está dependente da idade. Isto é, os machos mais jovens desenvolvem este comportamento e depois, à medida que eles crescem, se tornam territoriais e deixam de ter este comportamento. Ah, curioso. Mas isso nem sempre é assim. Nos salmões, por exemplo, já não é assim. Mas eu diria, o Corrige-me
José Maria Pimentel
se eu estiver enganado, os indivíduos associados a cada comportamento podem alterar, mas o rácio entre os que têm um comportamento e os que têm outro, há de ser mais ou
Paulo Gama Mota
menos constante e num equilíbrio. Não se sabe o suficiente para saber se está em equilíbrio ou não, mas é evidente que a estratégia alternativa depende de haver muitos machos territoriais. Porque se houver poucos machos territoriais, não há muitos machos para enganar,
José Maria Pimentel
digamos assim. Exato, exato, sim, sim, sim. É isso mesmo, é por isso que eu estava a dizer isso. Ou, quer dizer, pode oscilar, mas há de ter... É aquilo que nós
Paulo Gama Mota
chamamos de uma estratégia que depende negativamente da sua própria frequência. Ela é tão mais vantajosa quanto menos os praticantes. Não
José Maria Pimentel
diria tão bem, mas é isso sim. É isso basicamente. Olha, Eu queria falar de outros aspectos, agora de uma maneira mais geral da evolução, e isso leva-nos de volta a muito o que falámos na primeira conversa, é que nós falámos de vários aspectos gerais da evolução, entre os quais a seleção sexual, mas não só, quer dizer, falámos sobretudo de uma visão mais geral da seleção natural, provavelmente dita, que, lá está, é relativamente fácil de definir em traços gerais, mas depois tem vários aspectos que não são óbvios e tem vários aspectos até que podem ser mal compreendidos. Um deles, e acho que faz sentido começar por aí, é o mito, se quiseres, que eu acho que corresponde muito à maneira como a evolução é entendida pelo senso comum, de que a evolução procura uma adaptação perfeita. Quando, na prática, nós temos várias evidências de que o objetivo da evolução é aquilo que se chama o just good enough, ou seja, produzir uma adaptação que é suficientemente boa é o suficiente para ela ser... Para ela passar para as gerações seguintes. Ou seja, aquele género não tem que produzir uma adaptação perfeita daquela espécie ao meio ambiente, basta produzir uma adaptação suficientemente boa. Nós temos vários exemplos, um exemplo, salvo erro dos mais conhecidos para isto, não nos seres humanos, é a questão do polegar do panda. Acho que era o Steven Jay Gould que dava esse exemplo, que tu explicarás isso melhor do que eu, mas o polegar basicamente está a ser usado para outra coisa qualquer e portanto eles usam para agarrar nas folhas uma coisa que não é bem um polegar, mas que serve. E aquilo foi a adaptação que ficou, é uma coisa altamente imperfeita, mas que foi selecionada. Sim. E eles vivem com aquilo. Claro. É de facto um
Paulo Gama Mota
erro da apreciação nossa, muito típico. Nós pensarmos nas características da natureza, naturalmente é natural que nós olhemos para a natureza e nos maravilhemos com a enorme sofisticação que encontramos na natureza. E essa sofisticação é tão grande que nos leva, a dada altura, a pensar que as adaptações são adaptações perfeitas. E essa ideia, na verdade, não está certa e nós temos milhares de exemplos de que não está certa e vou talvez começar por esses exemplos e depois explicar porque é que isso faz sentido. Por exemplo, pelo lugar do panda, na verdade, o panda é um urso, ok? E os ursos são plantígrados, o que quer dizer que têm os dedos todos virados para a frente e por isso não têm condição para criar uma estrutura anatómica que gera oponibilidade. E então, o que aconteceu é que há um osso do Tarso, que é o sesamoide radial, que acabou por crescer do ponto de vista evolutivo, não é? E depois teve, obviamente, musculatura para o fazer funcionar, e ele tem um polegar que é oponível, mas que na verdade é um sexto dedo. Ele tem os cinco dedos na mesma virados para a frente, e depois tem um sexto dedo que é uma transformação, e é assim uma coisa enjeitada, digamos assim, mal amanhada. E é engraçado que há um livro muito bonito de um pré-binóbel da medicina, o François Jacob, juntamente com o Jacques Monod e o André Louvre, que descodificaram, digamos assim, o processo de transcrição dos genes. Portanto, o processo de transcrição genética foram importantíssimos, digamos, no início da revolução molecular. E ele tem um livrinho chamado O Jogo dos Possíveis, que é, aliás, o primeiro livro da coleção Ciência Aberta da Gradiva, portanto, começou em grande, porque o livro é fantástico, embora esteja executado. E são textos, três textos muito pequenos, escritos com uma capacidade de síntese, de simplicidade na escrita absolutamente extraordinária, só acessível a poucas pessoas, o texto que ele escreve é fantástico, e um dos textos chama-se A Bricolage do Ser Vivo, em francês percebe-se melhor, não é? La bricolage du vivant, e em que ele diz que a evolução não funciona como um engenheiro que desenha em cima de uma mesa. É melhor pensá-la como um bricoleur, isto é, alguém que tem uma garagem cheia de brilharias e porcarias que foi acumulando e que depois vai lá dentro buscar qualquer coisa para funcionar, para adaptar e na verdade...
José Maria Pimentel
É o tinkerer, não é? O tinkerer.
Paulo Gama Mota
Portanto, a analogia que ele usa é uma analogia belíssima para explicar esta questão que é a evolução da maior parte das estruturas resulta da transformação de estruturas pré-existentes. Exato. Nem sempre é assim, mas na esmagadoria, na maioria dos casos, acontece. E, portanto, muitas vezes nós vamos encontrar as marcas dessas pré-estruturas na modificação dos órgãos. Quando nós vamos olhar realmente para a estrutura do órgão, vamos perceber que ele está imperfeitamente desenhado. É claro que ele não é ineficiente, é bom, e por isso foi selecionado, mas não é perfeito. E eu, nas minhas aulas, eu costumo usar o exemplo do olho humano como um exemplo de imperfeição porque por um lado todos nós achamos que é bastante perfeito, embora saibamos que não é, não é? Precisamos de óculos, etc. Para ver melhor, alguns sempre, outros a partir de determinada idade mas o que é verdade é que o nosso olho consegue funcionar melhor do que qualquer câmera que tenha sido até hoje concebida. E com todo o software que as câmeras têm hoje e que são já bastante eficazes, nós continuamos a tentar tirar uma fotografia contra a luz e aquilo é uma chatice, não resulta tão bem quanto aquilo nós conseguimos ver. Portanto, o nosso olho é extremamente eficaz. E, no entanto, anatomicamente está mal desenhado, porque tem um ponto cego onde nós não o vemos. E isso só resulta da forma como o olho foi construído, isto é, como o olho evoluiu. Porque, digamos que o fechamento daquelas camadas de células, de tecidos, foi feito ao contrário, na medida em que os neurónios, isto é, as células que vão captar a luz, estão atrás das células que vão transmitir a luz até ao cérebro. Os neurónios estão à frente das células fotorreceptoras. E, portanto, isso é um mau desenho, não é um bom desenho. Há um sem número de outros exemplos... Desculpa,
José Maria Pimentel
mas o que é que isso provoca? Isso faz com que,
Paulo Gama Mota
uma vez que os neurónios estão todos do lado de dentro, eles têm que passar para fora para levar a informação para o cérebro. Ah, ok. E então há um sítio, que é um poço, onde os neurónios convergem todos para saírem para fora da retina. Isso chama-se o nervo óptico, nessa zona, e a zona da retina é interrompida nessa zona. Chama-se o ponto cego. E nós não vemos nessa zona. E, aliás, há umas experiências muito giras, que as pessoas podem, se quiserem, inclusive procurar na internet, vão encontrar, que dá para cada um de nós experienciar que há uma zona onde nós não vemos, o que é uma coisa incrível. Eu sempre que mostro isto aos meus alunos, aquilo é uma experiência de vida. De repente, eles percebem que o nosso cérebro engana-nos a nós próprios. Sim, compõe o que falta, não é? Porque compõe aquilo que falta, a informação que não está lá. Outro facto, porque é que nós compreendemos que as adaptações podem não ser perfeitas? O conceito mais importante a este nível foi desenvolvido por uma das grandes figuras da biologia evolutiva, da evolução, do início do século XX, um americano, Sewell Wright, que propôs o conceito de paisagem adaptativa. Imaginemos uma paisagem que é composta por vales e por montanhas. Os vales são, digamos, as zonas cá embaixo, onde os indivíduos estão no início, as espécies, os organismos estão no início. E os montes são, digamos, os picos adaptativos, isto é, as soluções
José Maria Pimentel
para os problemas. E,
Paulo Gama Mota
ora, esses picos não são todos iguais, uns são mais altos do que outros, e nós podemos dizer que os picos mais altos são as adaptações mais perfeitas. Mas é claro que um animal que está próximo de uma montanha pequena vai começar a subir a montanha pequena. E para chegar à montanha maior ele tem que descer para um val. E isso não vai acontecer, porque descer para um val significa diminuir o seu valor adaptativo. E, portanto, ele vai convergir para uma solução que é uma solução parcial, mas que, desde que funcione, ela vai ser selecionada e vai servir para o organismo viver bem. Mas está longe de ser perfeita e, na verdade, a evolução não conduz à perfeição, conduz à melhoria, digamos assim, da capacidade adaptativa de uma determinada espécie, desde que haja variabilidade genética, para isso poder acontecer, naturalmente. E nós sabemos que na esmagadora maioria das espécies isso não aconteceu ao longo do tempo evolutivo e, portanto, a esmagadora maioria, mais de 90% das espécies que já alguma vez existiram, já se extinguiram. Por isso, muitas espécies, inevitavelmente, aliás, o futuro mais previsível de uma espécie é a sua extinção, incluindo a nossa.
José Maria Pimentel
Sim, isso faz todo sentido. Até porque tu, do ponto de vista evolutivo, primeiro não te interessa o indivíduo. O indivíduo em particular pode... É mais ou menos irrelevante o que lhe acontece. O que lhe interessa são os grandes números. E depois o indivíduo, quer dizer, por absurdo até pode... Por exemplo, o panda pode ter aquela existência miserável em que está a grande parte do dia a comer, porque ele come vegetais, uma coisa mais ou menos absurda para um urso, mas come vegetais, lá está, porque são menos ricos em nutrientes, têm que estar sempre a comer, mas no entanto, apesar daquela existência bastante indesejável, embora depois tenha aquele ar fofinho que se faz com que os seres humanos gostem deles, a verdade é que eles conseguem sobreviver e reproduzir-se, e do ponto de vista evolutivo é isso que interessa, independentemente de eles terem ido para aquele caminho, não é terem subido aquela montanha, que é uma montanhita, não é aquilo? Eles vão para uma montanhita, não é aquilo? E com riscos enormes. Depois tem que estar sempre a mudar de alimentação, não é? Mudam de... Mudam o habitat ligeiramente. Aliás, os pandas
Paulo Gama Mota
demoram muito tempo a terem descendentes, é difícil, mesmo na natureza a reprodução é lenta, é difícil, e portanto, como são animais também muito pacíficos, eles viveram bem até serem muito caçados.
José Maria Pimentel
Sim, mas é um bom exemplo nesse sentido porque é uma montanha de facto muito frágil, não é? Nessa paisagem das montanhas não daria nada nas vistas.
Paulo Gama Mota
Mas é engraçado que, aliás, quanto mais especializadas as espécies são, mais arriscada, digamos assim, é a sua trajetória. Porque, se qualquer coisa mudar, e um dos exemplos conhecidos é o da Calvária Major, que é uma planta das Ilhas Maurícias que deixou de se reproduzir desde que os Dodós, que é uma ave emblemática, do qual só existem imagens, pinturas e existem uns ossos no Museu Britânico, no Museu de História Natural. Na verdade era um pombo muito grande que já não voava. Há um fenómeno que acontece muito em ilhas, que é os animais crescerem muito, ficarem muito grandes e, no caso das aves, por exemplo, perderem a capacidade
José Maria Pimentel
de voo. Porque deixam de ser
Paulo Gama Mota
provados por todas as formas. Os portugueses que os batizaram, não é? Que era uma ave doda, não é? Dodo, porque deixava-se apanhar facilmente e os barcos atracavam ali quando estavam nas rotas para andia e capturavam-nos em quantidade industrial e, portanto, nós iniciámos a extinção dos dodós, mas foram os holandeses que acabaram com eles no final. Acontece que os dodós consumiam os frutos da Calvária Major e partiam as sementes no seu papo. E as sementes deixaram de ser partidas por uma ave que já lá não estava, e a escalvária major deixaram de se reproduzir. Portanto, têm 200 e tal anos as últimas árvores daquela espécie naquela ilha, ou naquele conjunto
José Maria Pimentel
de ilhas. Sim, engraçado.
Paulo Gama Mota
Portanto, há muitas espécies que tendem a evoluir processos de muito grande especialização. Por exemplo, há um outro exemplo muito engraçado que tem a ver com uma orquídea e com a previsão da evolução. O Darwin gostava imenso de orquídeas e fez muitas experiências com plantas e trouxeram-lhe uma orquídea que tinha, digamos, uma parte da corola muito comprida e que tem no fundo néctar. E ele olhou para aquilo e disse, deve haver... E era de Madagáscar... E ele disse, deve haver um inseto que tem um proboscis, isto é, que tem uma tromba tão comprida quanto esta estrutura, para poder chegar cá ao fundo. E essa espécie só foi descoberta 40 anos depois, mas descobriram essa espécie. E ali existe uma interdependência, porque aquela orquídea só é polinizada por aquela traça. E aquela traça só se alimenta naquela orquídea. Dependem muito uma da outra. Há benefícios do ponto de vista da planta, porque assim ela garante que todo o seu pólen só vai para plantas da sua própria espécie e que não se perde pelo caminho, mas também há um risco evolutivo de, se uma desaparece, a outra também pode desaparecer. Portanto, muitas vezes os processos de especialização acabam por dar origem a rua sem saída,
José Maria Pimentel
do ponto de vista evolutivo. Sim, e uma especialização de um pano simbióso tão grande que não é diferente de tu estares dependente de um determinado meio ambiente, não é? É que ali estás adaptado ao meio ambiente, incluindo as outras espécies que lá vivem. Nós estávamos a falar da questão de não ser necessária a perfeição para a seleção e há um outro lado, há um reverso da medalha, se nós quisermos aí, que é também que a imperfeição, se não for justivamente incomodativa, também não ser selected away, não ser removida. O caso mais óbvio, se calhar, é o do nosso apêndice, que é um órgão vestigial, aparentemente, que dá problemas a alguns de nós, sobretudo durante grande parte da nossa evolução, deu problemas sérios, porque não havia provavelmente ninguém para fazer uma... Como é que se diz? Apendicectomia. Apendicectomia, exatamente. E no entanto, nós continuamos a tê-lo. Do ponto de vista da evolução é compreensível que ele não seja especialmente mau, porque lá está, do ponto de vista da evolução não é especialmente problemático que haja alguns indivíduos a morrerem de apendicite, desde que a maioria deles não morra. Depois acho que há outras teorias, que tem a ver com o aprendizamento de que vai ficando mais pequeno. Se percebe, há outro aspecto interessante, que é se vai ficando mais pequeno, imagino que a evolução vai fazendo o apêndice encolher, encolher, encolher há uma correlação entre os apêndices mais pequenos e a maior probabilidade de um apendicite e portanto... Não sei. Eu apanhei isso há alguns e, portanto... Não sei. E admito que, independentemente do caso do apêndice, faz sentido que isso exista até em outros casos. E portanto tu acabas por estar ali numa espécie de cat-stunt-it-doing que tu nunca te vais livrar do apêndice, porque se ele encolhe mais, vais ter mais gente a morrer do apêndice. Ok, mas nesse
Paulo Gama Mota
caso tens uma pressão seletiva a impedir que ele encolha mais. Exatamente, sim. De alguma maneira há uma pressão seletiva, mas nós temos um sem número de exemplos. É muito curioso o caso dos órgãos vestigiais, não é? Por exemplo, as baleias. As baleias têm uma parte da bacia, o ischion, e o osso do fémur,
José Maria Pimentel
dois ossos do fémur. Apesar do fémur de uma baleia, curioso. Dentro do corpo.
Paulo Gama Mota
Que são minúsculos, muito pequenos, mas estão dentro do corpo da baleia e não têm expressão exterior.
José Maria Pimentel
Não servem para nada do ponto de vista. Não se vêem,
Paulo Gama Mota
mas essa estrutura anatómica que está lá. Acontece que, obviamente, nós sabemos que as baleias evoluíram de mamíferos, ou seja, de vertebrados tetrápodos, portanto com 4 membros, e que perderam 2 dos seus membros posteriores e os anteriores foram transformados em barbatanas. Mas a perda desses membros não foi completa, Houve uma redução desses membros até um ponto em que aquelas estruturas deixaram de ser funcionais e, portanto, de alguma maneira, tornaram-se transparentes para a seleção natural. São neutras. E vão, digamos, vão-se perdendo, eventualmente perdem-se, outras vezes não. Mas é muito curioso verificar que os órgãos vestigiais muitas vezes também mostram o poder da seleção natural, o enorme poder da seleção natural. Por exemplo, há alguns animais que se adaptam a um modo de vida diferente, por exemplo, animais que se adaptam a modos de vida cavernícolas e que são animais diurnos, um inseto ou até um vertebrado, que é um animal que tem olhos e depois adapta-se a uma vida cavernícola. Os olhos deles tornam-se disfuncionais e vão perdendo capacidade e isso acontece, pensamos nós, por causa da acumulação de mutações que não são eliminadas por seleção natural e uma vez que os órgãos não têm função as mutações vão se acumulando, a seleção natural não elimina essas mutações porque os órgãos não funcionam e rapidamente eles perdem funcionalidade, o que nos mostra o valor que a seleção natural tem do ponto de vista de manter as estruturas a funcionar na medida em que, se surgem mutações que tornam aquele sistema não funcional, essas mutações são rapidamente eliminadas.
José Maria Pimentel
Sim, sim, é engraçado isso, nunca tinha pensado nisso. Ou seja, não só a seleção faz evoluir aquela característica, mas também depois garante que ela não degenera, de certa forma.
Paulo Gama Mota
Obviamente que isso não resulta de nenhuma visão teleológica nem nenhuma previsão da seleção, porque a seleção obviamente é um processo, não é uma entidade. Isso resulta do simples facto de que se um organismo tem uma mutação que é altamente disfuncional, essa mutação é rapidamente eliminada porque esse organismo não vai conseguir reproduzir-se. E, portanto, embora o mecanismo seja este, quase parece que a seleção natural está a fazer uma função boa, digamos assim, ao eliminar ou a manter, digamos assim, a funcionar as estruturas. Em última análise é isso que acontece, mas obviamente que é por um processo meramente mecanístico e não teleológico.
José Maria Pimentel
Sim, sim, até me dá piada isso. Eu estava agora a lembrar de outro exemplo que me andei há bocadinho, não sei se conheces este, a propósito desta questão das características não terem de ser perfeitas, que é o exemplo dos tubarões chavo-erro, que não têm uma característica que existe na maior parte dos peixes e que os faz, como é que eu ia dizer, com que eles estando inertes estejam, não é boiar à tona d'água, mas se mantenham na posição em que estão na água. E os peixes têm isso, aparentemente.
Paulo Gama Mota
É uma piscina natatória.
José Maria Pimentel
Exato, é isso mesmo. E os tubarões não, o que significa que eles, para estarem nessa posição, têm que estar ativamente a nadar. Ou seja, é muito menos eficiente do que... No entanto, não houve nenhuma pressão selectiva para eles desenvolverem isso porque é good enough,
Paulo Gama Mota
é o suficiente. Os tubarões fazem parte de um grupo relativamente antigo de peixes que evoluíram ainda no Paleozoico muito cedo, se não estou em erro, no Devonic, não tenho bem a certeza, mas... E o que nós chamamos de peixes, os outros peixes, são todos peixes ósseos, que é um grupo mais recente e que tem um conjunto de características que são mais sofisticadas do ponto de vista evolutivo, do ponto de vista da adaptação ao meio aquático, do que os tubarões. Algumas delas, não é? Não quer dizer que os tubarões não sejam o grande predador dos oceanos. Portanto, são sempre animais predadores, extremamente eficazes, mas há algumas características que só evoluíram em grupos mais recentes, e os peixes ósseos são um grupo mais recente. E a bexiga natatória, isto é, a capacidade deles controlarem, através da concentração de gás dentro do corpo, o seu nível de pressão interna e externa, que lhes permite ficar a uma determinada profundidade, e não irem para aí abaixo, como acontece com os tubarões. Nem para ali acima, já agora. Ou nem para ali acima, exatamente. É algo que evoluiu mais tarde. Engraçado,
José Maria Pimentel
isso tem a ver com aquela analogia da paisagem que davas há pouco, não é? O tubarão, no fundo, já estava no monte, não é? E, portanto, não podia, para usar essa analogia. Exatamente. Porque as analogias são sempre limitadas, mas tem essa característica. E há outro aspecto, ainda da evolução, outro mito, se quisermos, E este, para mim, é muito interessante porque eu não o conhecia até não há muito tempo, lembro-me de ter ficado surpreendido com isso. E tem alguma coisa a ver com o que nós estamos a falar agora, que é aquela questão da deriva genética. Que é, tu tens mutações, como tu já sabias, há um bocadinho de aludidas às mutações nos olhos do já não sei que espécie é que era que se tornava cavernícola e portanto isso acontece e se essas mutações forem prejudiciais, na verdade tem muito a ver com aquilo que falavas, Fou prejudiciais há uma opção seletiva para as remover. Se elas forem neutras elas manter-seão. E portanto tu podes estar a assumir, por exemplo, nesse caso é tão evidente que porventura não passaria pela cabeça de ninguém dizer que aquilo é uma adaptação, mas tu podes ter muitos casos que tendes a interpretar, nos seres humanos por exemplo, há um terreno fértil para isso, que tu podes interpretar como sendo uma adaptação e na prática aquilo não é uma adaptação, aquilo foi deriva genética, ou seja, houve mutações que fizeram que acontecesse aquilo, as mutações foram neutras, entretanto, eu julgo que também pode ter aqui um efeito importante, é também alterações do próprio ambiente, ou seja, de teres um bottleneck qualquer da espécie ou não sei o que, que seleciona aquelas características e faz com que aquilo evolua, mas não em resultado de seleção. Absolutamente. Eu não sei, de resto, se existem alguns casos nos seres humanos que sejam fortes
Paulo Gama Mota
candidatos a isso. Os grupos sanguíneos. O primeiro fator dos grupos sanguíneos, o A, B, 0, daquilo que nós sabemos, é completamente irrelevante do ponto de vista funcional, se o indivíduo é A, se é B, se é zero. Ou seja, são neutros entre si. E a sua existência é apenas explicada por processos de deriva genética. Há populações onde o B é... Creio que os índios americanos têm uma frequência muito elevada de Bs, os índios têm uma frequência muito alta de As, e isso vai oscilando, ok? Nós não vemos muitos efeitos da driva genética, porque as populações humanas são muito grandes e a deriva genética tem uma particularidade, é que ela é... Produz tão mais efeitos quanto mais pequena for a população, ok? Portanto, os efeitos da deriva genética são muito mais intensos em populações mais pequenas. Daí a questão do bottleneck, não é? O bottleneck é um fenómeno diferente, porque o bottleneck tanto pode afetar genes que estão a ser selecionados como outros. Na verdade, o que acontece é que há uma perda brutal de população num determinado momento. E
José Maria Pimentel
nós tivemos eventos desses na nossa evolução. Sim.
Paulo Gama Mota
Sei lá, por exemplo, agora tem-se falado muito da peste negra. A peste negra está marcada no genoma dos europeus, porque nós tivemos uma redução de variabilidade genética muito grande e, portanto, somos muito homogéneos, os europeus são muito homogéneos do ponto de vista genético, por exemplo, comparativamente com outros continentes, outros grupos, e isso resulta de, primeiro, terem sido constituídas por populações relativamente pequenas, inicialmente, e depois, quando cresceram, sofreram vários gargalos de garrafa.
José Maria Pimentel
Foram batalhadas, sim.
Paulo Gama Mota
E, portanto, isso eliminou uma parte da variabilidade genética que não é imediatamente recuperada, nem a médio prazo, só eventualmente a longo prazo. E isso tem como consequência que, quando tu olhas para o genoma dessas populações, verificas que elas têm as marcas desses bottlenecks que falaste. Mas Isso não tem necessariamente a ver com a driva genética. Ok. Agora, a driva genética, ok, nós sabíamos que ela existia. Há uma teorização muito importante feita nos anos 60 por um japonês, o Motoki Mura, que vai desenvolver aquilo que é chamada a teoria naturalista de evolução, isto é, ele vai dizer que há muitos genes que não estão a ser afetados pela situação natural e há muitas mutações, digamos assim, e ele propôs que havia muitas mutações nos vários nucleótidos que constituem o ADN, que não produzem efeitos, que são neutros, e que, portanto, podem-se acumular. E, na verdade, nós hoje sabemos que sim, por variedíssimas razões, uma delas é que existe redundância no código genético e, portanto, há mais do que uma sequência que codifica a mesma proteína. E, portanto, tu podes ter uma mutação e, portanto, normalmente... Não tem a ver com termos de duas cópias, estás a dizer que há mesmo... Sim, tu podes combinar os quatro nucleótidos que são a adenina, timina, citosina e guanina, portanto as três letras A, T, C e G, quatro letras em grupos de três dão 64 combinações, mas só há 20 aminoácidos e essas combinações estão todas preenchidas. Há 3 que são codões de stop, que é fim da leitura, mas o resto é praticamente constituído por sequências, combinações que codificam um aminoácido. Sim, e várias codificam o mesmo. Sim, a lisina ou a serina são codificadas por mais de uma sequência. Tu podes ter o CCC, que é o aminoácido, mas o CCA também codifica o mesmo aminoácido. Ora, se tu tiveres uma mutação naquela posição em que o C é trocado por um A, embora isso no genoma seja uma mutação, do ponto de vista do indivíduo, do fenótipo, continua a ser produzido o mesmo aminoácido. E, portanto, do ponto de vista da seleção natural, aquela mutação é transparente, porque o indivíduo é o mesmo. Ora, nós agora, que temos acesso à informação base, lendo a sequência do ADN, com a resolução molecular, conseguimos ler esses transcritos da sequência e ver onde é que essas mutações estão. E podemos comparar essas mutações, e aliás, muitas das análises comparativas sobre tempo de evolução, como é que nós sabemos a separação evolutiva, por exemplo, entre os humanos e os nidartais. Nós hoje temos datações que são já datações moleculares, que estão paraladas, datações baseadas apenas nos fósseis. E nós conseguimos fazer isso em relação a qualquer espécie. É claro que vamos conseguir estimativas que obviamente têm um determinado intervalo de erro, têm uma margem de erro, Mas conseguimos estimar um valor e a margem de erro desse valor para o tempo de divergência entre quaisquer duas espécies. E isso usámo-lo precisamente com base na deriva genética, na ideia de que as mutações podem ocorrer aleatoriamente em qualquer parte do genoma, mas quando vamos fazer essas comparações, vamos à procura das partes do genoma que só são afetadas pela deriva genética. Porquê? Porque aí nós sabemos que a probabilidade de uma determinada variante se fixar ou ser eliminada é constante. Nas que são afetadas pela seleção natural, não, porque a seleção natural pode acelerar ou desacelerar. Claro, claro, claro. E é muito interessante que, de repente, a deriva genética tornou-se um elemento importantíssimo na teoria evolutiva. Sim, sim,
José Maria Pimentel
isso faz todo sentido. Mas a velocidade é constante em cada espécie, varia entre espécies. Muito pouco. Não varia
Paulo Gama Mota
com o metabolismo. Não, não. Se tu quiseres comparar fungos com animais, há diferenças. Mas, por exemplo, se tu pegares nos vertebrados todos, não há grandes diferenças. Naquilo a que nós chamamos o relógio molecular. Sim, exatamente. Que é o número de mutações estimadas que é qualquer coisa como 10 levantado a menos 7 por nucleótide por geração. Ah, este número não diz nada, na verdade, às pessoas, mas é com base nestes números que nós conseguimos estimar qual é o tempo de divergência entre quaisquer duas espécies olhando para as sequências de ADN que elas têm hoje. E isto dá um poder à teoria evolutiva brutal, porque tu podes pegar na variação que tu consegues medir hoje e conseguir estimar o que é que aconteceu no passado. De facto é extraordinário. E eu, agora que
José Maria Pimentel
levantei este tema, não estava a pensar sequer nisso. Não estava a pensar no papel da deriva genética em medir a velocidade da evolução e naqueles genes que não têm, no fundo, são os genes que não têm um impacto no fenótipo. Exatamente. Independentemente da questão que tu dizias, não sofrerem pressões seletivas. Eu estava a pensar justamente ao contrário, eu estava a pensar em genes que tinham um impacto no fenómeno, ou seja, no aspecto e nas características daquele indivíduo. Sim, variantes genéticas que podem impactar. E o ângulo que eu lhe estava a dar até era um ângulo diferente, quer dizer, parece-me que são duas questões relevantes, não é? Por exemplo, pegando se calhar no nosso exemplo, foi por isso que eu achei que isto até podia ser interessante para pensar nos seres humanos, não é? Os nossos primos mais próximos são os chimpanzés e os bórnobos, não é? Nós divergimos, a nossa árvore diverge há quantos milhões de anos deles? Sete. Sete milhões de anos. Nós olhamos para eles, olhamos para nós e tendemos a achar que tudo o que nós temos e eles não têm, ou vice-versa, resulta de evolução. O que eu estava a propor é que algumas dessas coisas podem não resultar de evolução, mas sim de mutações neutras, evolutivamente, e portanto que nós, os seres humanos, temos e os empresários não, ou vice-versa, não porque tenha sido adaptativo, mas simplesmente porque ocorreu. Mas não sei se isto faz sentido. A questão do pelo, por exemplo... Certo.
Paulo Gama Mota
Eu acho que faz muito sentido as pessoas colocarem essa questão, porque obviamente se nos dizem ok, mas há coisas que podem acontecer por acaso, e isso faz todo o sentido. Eu acho que aliás funciona como uma reserva de hipótese nula, ou seja, isto será que foi selecionado ou aconteceu simplesmente por mera casa. E aliás houve um debate importante que envolveu o Stephen Jay Gould, o Richard Lewontin e aquilo que eles chamaram os adaptacionistas nos anos 70, uma coisa bastante acesa, eles escreveram um artigo, ficou muito conhecido sobre os ornamentos da Catedral de São Marcos de Veneza, em que eles diziam, ok, a Catedral tem uma arquitetura e os arcos das ogivas servem para sustentação, mas os ornamentos com que elas são ornamentadas não contribuem em nada para sustentar a... Também
José Maria Pimentel
não fazem mal, mas não sabem contribuir para o seu... Exatamente. É muito engraçado
Paulo Gama Mota
como os cientistas adoram usar analogias e metáforas para construir discursos e hipóteses e teorias. Isso é muito engraçado. Mas o que é verdade é que eu não partilho da opinião deles e acho que a perspectiva que evoluiu dentro da comunidade científica nos últimos anos foi completamente nesse sentido. Isto é, É perfeitamente possível que coisas aconteçam não por seleção, mas em resultado de deriva genética. O problema é que todos os órgãos que têm alguma função, todas as estruturas que têm alguma função, não resultam apenas da mudança de um ou dois genes, resultam da mudança de uma série de genes. E isso implica que há uma alteração concomitante, isto é, aquela mudança não ocorreu só de uma vez. Exato. E o facto de tu precisares de uma série de alterações, todas no mesmo sentido, já começas a baixar enormemente a probabilidade disso acontecer só por acaso. E, portanto, aquilo que nós pensamos hoje é que, ok, é perfeitamente possível nós termos variantes genéticos na população que são neutros e que existem, e que têm o mesmo efeito fenotípico e que, portanto, podem existir neutralmente. Agora, uma característica que dá uma maneira, uma adaptação, ou que pode ser uma adaptação, é difícil de ser explicada a não ser... Se ela tem uma função, nós podemos dizer, ok, mas Por exemplo, nós perdemos o pelo, tornámos o macaco nu, como dizia o Desmond Morris, não completamente nu, mas enfim, não temos o corpo completamente coberto de pelo. Exceto algumas pessoas que sofrem de uma doença raríssima chamada hipertricose lanoginosa e que ficam com o corpo que parecem lobisomens, correto? Sim. E podemos dizer, ok, isso foi, digamos que, uma perda de função. Nós tendemos a reagir negativamente a esta forma de pensar e dizer, ok, pode ser uma perda de função, mas também pode ser uma seleção por uma nova característica, que é, por exemplo, o facto de que a posição vertical não tem tanto problema relativamente à insulação, e repara que na cabeça nós continuamos
José Maria Pimentel
a manter,
Paulo Gama Mota
e, portanto, pode facilitar. Depois, se é uma espécie muito social, eventualmente perder o pelo pode ter vantagens do ponto de vista de diminuir a transmissão de ácaros, que obviamente estão muito presentes nestes outros primatas, e há um conjunto de hipóteses, ok? Nenhuma delas está firmemente comprovada. Mas há um conjunto de hipóteses para tentar explicar porque é que eventualmente nós perdemos o pelo. Não por ser por acaso, ok? O por acaso está lá como uma possibilidade, mas estão lá outras hipóteses e elas são confrontadas entre si para, enfim, dentro de algum tempo, alguém que tenha uma ideia brilhante que consiga realmente separar estas hipóteses. Agora, é muito difícil mostrar que alguma coisa aconteceu por acaso. É sempre mais fácil mostrar que ela teve uma causa.
José Maria Pimentel
Sim, sim, claramente. Mas o argumento que tu levantas faz-me sentido. Tu precisarias de vários acasos cumulativos. Absolutamente. E não bastava um só. Mas, ainda assim, será que Nós podemos argumentar que o homo sapiens pode ser uma exceção a essa regra, ou seja, que a regra que tu enunciaste pode-se aplicar a maior parte das espécies, mas que no nosso caso, por sermos uma espécie social e cultural, aquilo que nós falámos no primeiro episódio, somos de certa forma mais resistentes a mutações que não sejam especialmente negativas. Nós temos uma capacidade, mesmo pré-revolução agrícola, nós temos capacidade de nos espalhar por todo o globo, desde os sítios mais quentes aos sítios mais frios. O que significa que nos conseguimos adaptar, talvez o pelo tivesse dado algum jeito no Ártico, mas a verdade é que nós nos conseguimos adaptar e conseguimos superar uma mini-idade do gelo e não sei o que, portanto conseguimos... Mini-idade do gelo? Não, idade do gelo. Idade do gelo e depois mini-idade, e várias mini-idades do gelo. Na idade média. Na Idade Média, exatamente. E, portanto, nós temos uma capacidade de tolerar mutações que não sejam especialmente negativas, que se calhar as outras espécies não têm. Eu estou aqui a fazer um bocadinho de advogado do diabo dessa... Não, mas eu acho que sim, acho que isso faz sentido. Não sou capaz de
Paulo Gama Mota
dar um exemplo concreto em que isso esteja demonstrado, mas para mim faz sentido, porque se nós somos capazes de desenvolver práticas culturais que são completamente desadaptativas, como por exemplo aqueles saltos que os homens realizam em Vanuatu, presos por umas lianas de uma coisa com 50 ou 60 metros de altura para ficarem de suspenso. É uma espécie de bungee jumping, mas sem elástico. É claro, com muito álcool antes. Aquilo não faz bem à saúde a ninguém. Ou, por exemplo, a prática de, na Nova Guiné, algumas sociedades comerem o cérebro dos adversários depois de lutarem contra eles, e que é interpretado como uma espécie de homenagem à bravura dos próprios adversários, pelo menos isso é uma das narrativas construídas em torno disso, mas que tem como consequência a proliferação de uma encefalopatia esponjiforme, portanto, uma espécie de doença das vacas loucas, a van la letre, porque não foi pelas vacas, mas que é um prião que causa essa doença e que obviamente destrói os cérebros daqueles indivíduos e que é passada porque eles consomem o cérebro dos outros. Ou seja, nós fomos capazes de evoluir práticas culturais que são desadaptativas e mesmo assim somos capazes de sobreviver com elas, alterações fisiológicas que podem ser ligeiramente prejudiciais, mas não tremendamente prejudiciais, podem ser mantidas por causa de nós sermos capazes de as contrariar de alguma forma culturalmente e eu acho que é possível, acho que é perfeitamente possível. Mas há limites para isso, naturalmente. Sim, claro, claro. Mas acho que temos mais capacidade para aguentar, digamos assim, esse tipo de situações. Exato, sim. Eu estou-me a lembrar, por exemplo, há um arquipélago, um atol no Pacífico, que é o atol de Pingelap, que é também chamada a Ilha Sem Cor. Aliás, há um livro do Oliver Sacks sobre a viagem que ele fez a essa ilha, em que mais de 10% da população tem cegueira total das cores, tem acromatópsia, não vêem cores nenhumas. Curioso. Acontece que, por exemplo, na Noruega havia uma pessoa com acromatópsia, uma pessoa, em toda a Noruega. Ou seja, é uma condição genética em que há mutações entre pelo menos 3 genes, raríssima, mas em Pingleap há imensos. Ora, acontece que Pingleap sofreu um bottleneck, portanto houve um efeito fundador, naturalmente, que as populações que foram para lá, alguém levava aquela mutação, e depois houve um gargalo de garrafa e de repente uma porcentagem enorme da população passou a ter cegueira total das cores, uma porcentagem elevadíssima, porque obviamente 10 ou 15% da população é um número elevadíssimo. E isso é o que é, já agora, desculpe, é ver o mundo tipo a preto e branco? Só vês a preto e branco, mas não só. O que acontece é que tu não tens células no centro da retina, naquilo que se chama fóvea. Portanto, tu não tens boa visão. A tua visão é essencialmente uma visão periférica, porque os bastonetes, que são funcionais, estão nas zonas mais periféricas da retina. Portanto, essas pessoas veem mal. Eu sei. E, aliás, elas veem melhor à noite e sentem-se melhor à noite do que durante o dia. Provavelmente, numa outra espécie, este gene tinha sido rapidamente eliminado. Mas nos humanos não foi. Naquela população não foi.
José Maria Pimentel
Portanto, sim, é possível. Eu não conhecia esse exemplo, mas esse exemplo é muito bom. Não me ocorreria nenhum exemplo melhor para transmitir esta ideia. E há outra coisa que eu não sei se tem alguma coisa a ver com isto, cujo nome, se eu não me saber errar, é heterocronia, que é o facto dos seres humanos, ou seja, o homo sapiens, de ser uma espécie que tem a particularidade de reter características físicas da juventude na idade adulta. Eu não sei o que é que isto é na nossa espécie, presumo que seja o mesmo que existe nos cães face aos lobos, provavelmente a maioria das pessoas que nos estão a ouvir não sabem disso, mas os cães são uma espécie de um lobo jovem a vida toda. Aquilo que a domesticação provocou foi, entre outras coisas, obviamente, é que eles retenham uma série de características que os lobos têm normalmente só enquanto lobos jovens, depois os adultos tornam-se muito mais violentos, perdem uma série de características, aquela questão da brincadeira, por exemplo. Se não estou em erro, é exatamente um exemplo disso. A brincadeira nos lobos é uma coisa, sobretudo, da juventude. Os cães retém a brincadeira, obviamente, menos, mas retém até à idade adulta e depois, quando ficam velhos, têm menos. No nosso caso, não sei que exemplos temos, faça outros primatas, por exemplo, dessa heterocronia.
Paulo Gama Mota
A heterocronia é um termo geral que envolve alterações do processo de desenvolvimento, e que tanto podem ser acelerações como retardamentos. A heterocronia é a alteração do tempo.
José Maria Pimentel
Sim, um desfazamento, não é? Sim, desfazamento temporal relativamente ao passado. Ou seja,
Paulo Gama Mota
por exemplo, uma espécie em que os animais se desenvolvem mais rapidamente e atingem mais rapidamente o estado de adulto. E isso é uma forma de heterocronia, que é a pedomorfose. Há vários nomes, não interessa. Outro é desenvolverem-se mais lentamente e reterem em adulto características juvenis, que era isso que tu estavas a referir. Exato. E, normalmente, chama-se esse fenómeno neotenia e considera-se que os humanos... Portanto, a neotenia é um caso
José Maria Pimentel
de neotenia. Sim, é o termo mais familiar, realmente.
Paulo Gama Mota
E considera-se que é, digamos, que aquilo que terá acontecido, embora isto não seja consensual, aquilo que terá acontecido no processo de evolução humana, ou seja, nós somos uma espécie de primata para alguns autores, isso foi proposto, somos uma espécie de primata juvenil que acabou por não atingir, digamos assim, o estado adulto definitivo e portanto teve um desenvolvimento mais lento.
José Maria Pimentel
E isso manifesta-se em que? O que é que nós temos? Bom, para
Paulo Gama Mota
já, porque tu não tens pelos na pele, tens uma taxa de encefalização maior, tu tens um cérebro muito maior do que o resto do corpo.
José Maria Pimentel
Ah, e isso pode ser interpretado à luz da neotinia?
Paulo Gama Mota
Sim, porque os infantes têm uma taxa de encefalização maior. Um bebê é um ser humano cabeçudo, não
José Maria Pimentel
é? Sim, sim, sim.
Paulo Gama Mota
Portanto, tem uma cabeça muito maior relativamente ao corpo. Eu acho que o exemplo mais terminal disso é a Mónica, não é? Do Maurício, aquela banda desenhada, em que metade, quer dizer, a cabeça era duas vezes o tamanho do corpo. Mas, aqui, passando a brincadeira ao lado. Isto não é consensual, porque há outras maneiras para explicar esta evolução na espécie humana. Não é garantido, por exemplo, que tenha sido por um processo de heterocronia que o cérebro humano foi ficando progressivamente maior. Mas hoje estamos em condições de tentar saber isso, nomeadamente analisando os genes que afetam o processo de desenvolvimento e de que forma é que eles vão alterar esse processo de desenvolvimento. Mas um dos casos clássicos é o de uma salamandra, um axolote mexicana, que retém em estado adulto guelras por fora, que é um estado juvenil. Portanto, há espécies que evoluem secundariamente características que já foram perdidas no grupo. Ou melhor, perdidas não foram perdidas. Essas características existem em estado juvenil, mas depois perdem-se no estado adulto. E depois há uma espécie que evolui, atrasando o processo de desenvolvimento e, portanto, retendem adulto características dos estados juvenis do seu grupo de onde elas são derivadas, do ponto de vista ancestral.
José Maria Pimentel
Mas isso acontece? Acontece porque há uma mutação
Paulo Gama Mota
num género que... Géneros que regulam o processo de
José Maria Pimentel
desenvolvimento. E qual é a causalidade aí? É uma mutação neutra? Não.
Paulo Gama Mota
São mutações altamente funcionais, porque este animal está adaptado a uma vida aquática.
José Maria Pimentel
Mas elas não eram funcionais antes? Porque senão tinham sido...
Paulo Gama Mota
Não eram porque aquele grupo está adaptado a uma vida terrestre.
José Maria Pimentel
Ou seja, há hipóteses para os... Mas
Paulo Gama Mota
eles estão adaptados a uma vida terrestre, mas os juvenis têm uma vida aquática.
José Maria Pimentel
Ah, e eles passam a ter uma vida aquática do curo.
Paulo Gama Mota
E eles passam, exatamente. Há uma adaptação ao novo habitat que resulta de uma mutação que vai fazer uma reengenharia do processo de desenvolvimento garantindo que eles retém adulto características juvenis que lhes permitem explorar um nicho ecológico que estava disponível e que as outras salamandras não estavam a explorar.
José Maria Pimentel
Certo, é quase como quando acontece uma reversão, não é? Quando há uma característica anterior na evolução que volta a ser usada. Ok, mas faz parte do sentido. Pois, como digo, no
Paulo Gama Mota
caso humano isso não é consensual. Mas a hipótese não é consensual e faz sentido que não
José Maria Pimentel
seja, porque a hipótese é difícil de explicar. Por isso é que eu estou a tentar perceber melhor. No caso humano, a hipótese seria que, por analogia com essa salamandra, o que acontecia é que Os outros primatas, a seleção tinha ditado que eles deixavam de ter determinadas características em adultos, porque já não eram úteis, mas para nós houve uma mutação que trouxe essas características, neste caso não é de volta, mas as fez persistir ao longo da vida, e eles foram úteis para nós. Sim, a ideia é essa. A ideia é essa.
Paulo Gama Mota
Por exemplo, ter menos pelo no corpo ou termos um cérebro maior. Por outro lado, parece haver, claramente, a heteroquirurnia no processo de desenvolvimento, porque, por exemplo, os bebés humanos nascem, do ponto de vista de desenvolvimento, muito mais atrasados do que qualquer outro primata. Um bebê humano atinge a capacidade de mutilidade, etc, de um chimpanzé com 18 meses, portanto, quer dizer que ele nasceu 18 meses antes, mas é claro que ele não podia continuar a desenvolver-se dentro da mãe, segundo uns, por causa da pélvis, segundo outros, por causa da energia e do consumo de energia do bebê, que é uma teoria alternativa para explicar estes... Aquilo
José Maria Pimentel
que falavas no primeiro episódio.
Paulo Gama Mota
Esta alteração, não é? Mas o que é verdade é que... O que é facto é que nasce cedo, não é? Nasce muito cedo. E a cabeça está mesmo, mesmo, mesmo no tamanho da pélvis, ok? É a mesma pele. Ao contrário do que acontece, por exemplo, nos chimpanzés. De tal maneira que, por exemplo, nos humanos, o bebê nasce virado para trás, ao passo que nos outros primatas o bebê nasce virado para a mãe. A mãe pode puxar o bebê para ela, e nos seres humanos não pode fazer isso. Precisa de assistência. Precisa de assistência. Claramente o parto precisa de assistência, porque a mãe podia partir a coluna ao bebê se o puxasse, porque ele nasce virado para trás, não virado para a frente, não virado para a mãe. Certo, certo, sim, sim. Ser um golpe de coelho, uma coisa terrível. E, Portanto, pensa-se que aí há um processo de desaceleração do desenvolvimento. O desenvolvimento é muito mais lento e isto é um processo de heterocronia. Nessa fase, muito provavelmente, a evolução foi uma evolução por heterocronia. É a heterocronia porque tu atrasas o ponto de partida. Não o ponto de partida, atrasas o tempo, a duração, ok? Todo o processo desenrola-se a uma velocidade, alteras a velocidade.
José Maria Pimentel
Ah, o que tu estás a dizer não é que a gravidez demoraria mais tempo, é que o mesmo tempo de gravidez produziria um bebê mais desenvolvido.
Paulo Gama Mota
Ou estou a entender mal? Não sei o que é que... O que eu estou a dizer é que se um bebê humano se desenvolvesse como um chimpanzé, das duas uma, ou nascia pequenino, com o cérebro muito mais pequeno, ao fim de 9 meses, ou então teria que, para ser como um chimpanzé, teria que esperar até 9 mais 18 para encher. Sim, sim, exatamente, é isso. Portanto, se é preciso estes 9 mais 18, significa que todo o processo de desenvolvimento foi muito mais lentificado, muito mais desacelerado. E depois há um momento em que aquilo não dá mais. E essa desaceleração, provavelmente, tem a ver com a formação do cérebro, com a formação dos neurônios. Porque, ao contrário de outros... E não só do estabelecimento de ligações mínimas entre eles, porque ao contrário de outros tecidos, a grande particularidade dos tecidos neuronais é que eles precisam de tempo para se organizarem, porque a sua função resulta não da sua existência, mas da sua interação, de eles estarem ligados entre eles. E, obviamente, isto requer tempo. O que
José Maria Pimentel
tu disseste agora tem a ver ainda com outro ponto, quanto à especificidade da evolução, que é o facto de haver... Nós já falámos disto quando falámos da seleção sexual, de haver uma seleção no macho que depois passa para a fêmea, que é o facto de a seleção poder ocorrer por via indireta, por exemplo. E vamos imaginar, por exemplo, nesse caso da heterocronia, que... Isto é uma hipótese, obviamente, não é, mas o exemplo dos pelos, que nós já falámos várias vezes, era uma consequência indireta de uma evolução causada pelo cérebro. Não tem muita piada, é isso? Sim, pode ser o resultado de uma heterocróplica. Em teoria não é impossível que... Não é.
Paulo Gama Mota
Então, tu atrasaste o processo e ao atrasar o processo... Sim, aliás, era isso que o Gould e o Leontien estavam a sugerir, precisamente, que uma característica podia ser selecionada por arrasto relativamente à outra. E nós temos exemplos, medidos inclusivamente na natureza, quando existe uma correlação fenotípica entre traços, nomeadamente, isso acontece muito em traços anatómicos, porque existe uma correlação muito grande entre determinadas características, sei lá, por exemplo, embora exista uma variação grande, o comprimento e a largura de uma mão estão fortemente correlacionadas. E acontece que se houver uma seleção, por exemplo, sobre o comprimento, a largura muda simplesmente por causa da seleção sobre o comprimento. E desde que isso não seja muito negativo, e portanto não haja uma seleção que leve a desacoplar uma coisa em relação à outra, elas tendem a manter-se, só que uma vai evoluir por arrasto puxado pela
José Maria Pimentel
outra. Só que essa é relativamente intuitiva, não é? Porque fazem parte de uma mesma característica física. Agora, tu dizeres que duas coisas estão diferentes quanto a dimensão do cérebro e o grau de pilusidade do corpo? Pois, é mais difícil. É mais difícil, mas ao mesmo tempo é mais fascinante, porque mostra...
Paulo Gama Mota
Mas eu acho que é uma coisa relativamente à qual, há 20 ou 30 anos atrás, nós diríamos ok, isto vai ser sempre só teorias. E agora já não é impossível testá-las, porque nós podemos, por exemplo, analisar que genes é que intervêm em processos de regulação relacionados com essas características, ver se existe alguma relação entre uma coisa e outra, ver de que maneira é que esses genes mudaram no nosso desenvolvimento relativamente ao desenvolvimento, por exemplo, de um outro primata e tirar conclusões sobre se existe uma relação entre uma e a outra e, portanto, a seleção numa afetou a evolução na outra. Não vai ser já, mas é uma coisa relativamente à qual nós conseguimos, vamos conseguir responder. Eu acho isto absolutamente extraordinário, porque eu lembro-me de dar aula sobre evolução e de ouvir às vezes estudantes dizer, ah, isto é muito interessante e não sei o quê, porque nós podemos especular e é só especulação e, portanto, não, não, a ciência não se faz só com especulação, é preciso testar as ideias e mesmo neste campo em que nós estamos a reconstituir um processo que já aconteceu e que uma pessoa dirá, ok, mas pronto, nunca vamos saber como é que aconteceu. Na verdade nós hoje temos ferramentas para saber como é que realmente aconteceu e eu acho isto fantástico. Pois é, e sobretudo num caso destes em que não é um por menor, não é? Tu consegues
José Maria Pimentel
comprovar isto, abrir-te a luz para uma série de... Porque o efeito é brutal, não é? Não sei se esta é a terminologia correta, mas se dividires o funcionamento entre processos high level e low level, esta lá muito em cima. Este é um que tu mudas ligeiramente
Paulo Gama Mota
o... Vou-te dar um exemplo que, aliás, é uma publicação relativamente recente, que tem 3 anos. Uns investigadores puseram em cima da mesa a hipótese de que a seleção de características anatómicas no nosso corpo é diferente no rosto, porque nós somos muito variados, ok? Nós olhamos para o rosto das pessoas e conseguimos identificá-las. Existe uma enormíssima variabilidade. E, sendo nós uma espécie altamente social, ainda por cima, uma espécie... Somos o único primata em que a esclerótica é branca e, portanto, isso permite ver para onde é que as pessoas estão a olhar. Exatamente, essa tem muita piada. Por exemplo, os chimpanzés raramente olham diretamente uns para os outros, raramente, e isso é muito comum, muito importante nos humanos, não é? E nós percebemos à distância, inclusivamente, se uma pessoa está a olhar diretamente para nós ou está a olhar para o lado, ok? Precisamente
José Maria Pimentel
por causa desse contraste. Exatamente. E de resto, deixam-me só fazer um parêntese aí, por exemplo, os cães diferenciam-se dos lobos, entre outras coisas, por te olharem nos
Paulo Gama Mota
olhos. Claro. Um lobo já mais frio é isso. Foram muito selecionados por parecerem companheiro. E então, eles puseram a hipótese de que, por exemplo, os genes que afetam a morfologia da cabeça, nomeadamente do rosto, têm mais variabilidade do que qualquer outra parte do corpo. Então, eles pegaram na mão, na palma da mão, e pegaram, por exemplo, no nariz. Mediram o comprimento e a largura das asas do nariz. Só isto. E pegaram uma amostra de pessoas e verificaram que há muito mais variabilidade nas asas do nariz e mais, não há qualquer correlação entre o comprimento e a largura. Está desacomplado. Mas na mão está completamente relacionado. Ok? Pronto. A seguir eles foram à procura de genes e encontraram. Genes que mostram que há muito mais variabilidade em características que afetam o rosto, do que em características que afetam outros traços anatómicos do corpo. Ok? Isso
José Maria Pimentel
tem muita piada. Faz todo o sentido. Faz todo o sentido.
Paulo Gama Mota
E, na verdade, nós hoje estamos a comear a ter ferramentas que nos permitem testar. A hipótese é que nós, só nos sonhos mais loucos, pensávamos que poderíamos algum dia vir a testar. Sim, sim.
José Maria Pimentel
Olha, excelente maneira para terminarmos a conversa. Obrigado mais uma vez por teres alinhado. Foi excelente. Mas antes de irmos embora, vamos saber os livros que vais recomendar, que estou a ver que são dois. É verdade, são dois.
Paulo Gama Mota
Tenho-os aqui comigo. Eu pensei em coisas que pudessem interessar naturalmente as pessoas que estariam interessadas em um tema como este, sobre a evolução, e, portanto, eu pensei num livro relativamente geral de introdução à evolução, que está muitíssimo bem escrito, por um biólogo evolutivo conhecido, que é o Jerry Coyne, que tem uma tradução portuguesa pela tinta da China, também com o Sibiu, e que se chama A Evidência da Evolução. Porque é que Darwin tinha razão? Além do mais, está muito bem editado, o livro até é muito bonito, bom de manusear, e na verdade explica, digamos, as ideias principais da evolução, da teoria evolutiva, dos fundamentos, da informação que nós temos, quais são as evidências de que o Darwin tinha razão, não é? Portanto, eu acho que, para uma introdução ao tema, recomendaria sempre este livro, em primeiro lugar. E a edição dele é relativamente recente, e a edição portuguesa também é. O outro livro é um livro ainda mais recente, e que foi escrito por um outro biólogo evolutivo, que tem trabalhado com lagartixas, na Jamaica e
José Maria Pimentel
em outras ilhas.
Paulo Gama Mota
E que decidiu escrever um livro sobre uma discussão fortíssima que tem existido em termos da evolução acerca de quão repetível é o processo evolutivo. Não falamos sobre isso. Não falamos sobre isso. Será que a evolução é extremamente previsível ou a evolução é extremamente imprevisível? O Stéphane Jagulle dizia que era altamente imprevisível e que, portanto, se a fita da vida fosse posta a correr de novo, os resultados seriam diferentes. Portanto, não teríamos um impacto meteorita há 65 milhões de anos, não teria havido a extinção dos dinossauros e tudo o que teria acontecido a seguir seria diferente. Do outro lado, também um outro paleontólogo, o Simon Conway Morris, defende o contrário, que a evolução é extremamente previsível e, portanto, há enormes situações de convergência evolutiva em grupos diferentes que convergem para soluções semelhantes. E ele procura discutir este problema a partir de estudos sobre evolução experimental, que é uma coisa muito difícil de fazer, que é experimentar a evolução usando sistemas reais, fazendo experiências, o que é sempre problemático, nós temos um tempo de vida relativamente curto para estarmos a simular processos evolutivos. Mas nos últimos anos tem havido uma série de experiências, as experiências do Richard Lenski com bactérias, que é a Icacoli, ou do John Endler com os Guppies, e o que o Jonathan Lozos faz, neste livro que se chama Improbable Destinies, e que não está traduzido para português, e que tem como subtítulo How Predictable is Evolution? Faz uma viagem por estes projetos. E o livro está muitíssimo bem escrito, e é muito giro, as histórias que ele vai buscar, nomeadamente porque ele vai nos falar do processo da investigação, das dificuldades que os investigadores tiveram. Porquê é que eles pegaram naquela ideia? Porquê é que eles decidiram fazer? O que é que um precalce, por exemplo, e um erro deu origem a uma descoberta e lhes permitiu compreender coisas novas? Eu achei fascinante a forma como ele me foi falar de, inclusivamente, trabalhos de investigação, muitos dos quais eu conhecia, outros não, mas os que eu conhecia, eu não conhecia estas histórias. E eu acho que o livro é muito giro também porque conta estas histórias sobre o processo da própria investigação, ao mesmo tempo que tenta ajudar a encontrar uma resposta para uma pergunta, que é obviamente uma pergunta fortíssima sobre o processo evolutivo. E qual é a resposta que ele encontra? A resposta que ele encontra, Eles publicaram na Science, o ano passado, um artigo em que juntam esses dados e em que, basicamente, eles dizem que a evolução é relativamente previsível em pequena escala
José Maria Pimentel
e em grupos muito próximos. Era o que eu estava a imaginar, sim. Mas
Paulo Gama Mota
altamente imprevisível se nós considerarmos grupos muito diferentes e escalas muito maiores.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. A minha intuição seria essa, não é? Ou seja, tu pegas espécies diferentes, diferentes mas próximas, quer dizer, todas as lagartos, por exemplo, e vais pô-las ao mesmo ambiente e elas tenderão a evoluir com atrizes convergentes e, no entanto, se tu fizeres um zoom out e fosses a toda a história da evolução isso de repente já é bastante divertido, até porque há uma lógica incremental de pequenos desvios, ou seja, aquilo pode parecer convergente ali, mas ter pequenos desvios e se tu, de repente, puseres aquilo ao longo de milhões
Paulo Gama Mota
de anos ou até milhares de milhões... Um organismo que desenvolve um processo metabólico que lhe permite explorar ou metabolizar uma determinada substância e há outro organismo que desenvolve esse processo. Se eles forem espécies muito próximas, provavelmente tu estás a ver uma reativação de um gene que tinha sido silenciado nos dois. Exato. E, portanto, tens a mesma mutação, eventualmente. Se são organismos muito diferentes, a solução que parece ser a mesma, provavelmente envolve ou genes diferentes, ou inclusivamente mutações diferentes no mesmo gene, mas que não têm a ver uma com a outra e, portanto, do ponto de vista evolutivo, na verdade, são soluções diferentes.
José Maria Pimentel
Exato. E depois entra em jogo tudo aquilo que nós falámos na conversa que torna isto tudo muito mais complexo. Boa, excelente. Então, olha, terminamos assim. Obrigado. De nada. Deixem-me lembrar-vos que podem dar o vosso contributo para a continuidade e desenvolvimento deste projeto. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra Apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Carlos Martins, Gustavo Pimenta, Eduardo Correia de Matos, Duarte Dória, Joana Monteiro, Rui Oliveira Gomes, Corto Lemos, Joana Farialve, João Baltazar, Mafalda Lopes da Costa, Rogério Jorge, Salvador Cunha e Tiago Leite. Até ao próximo episódio.