#90 Paulo Gama Mota - O mito de que a evolução produz adaptações perfeitas & muito mais
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45°. Como prometido, tenho aqui a segunda parte da conversa com o
biólogo Paulo Gamamota. Desta vez, aproveitando o período de desconfinamento, gravámos presencialmente.
Depois de, na primeira conversa, termos feito uma espécie de viagem de
reconhecimento pela biologia evolutiva, nesta segunda parte podemos ir mais fundo em
alguns aspectos deste fenómeno complexo. Começámos por falar de uma das áreas
de investigação do Paulo, as causas evolutivas que explicam os comportamentos característicos
de cada espécie, muitos deles em resultado da seleção sexual, e como
vão ver a variedade de comportamentos é imensa, e isso levou-nos a
fazer uma tangente para falar do desenvolvimento da inteligência nos seres vivos,
e por exemplo do estranho caso de alguns cefaloptes como o polvo,
que é um animal espantosamente inteligente, tendo em conta a sua árvore
evolutiva e cujo ultimamente passado é incomum conosco, está tão, tão distante
que há quem lhe chame o mais próximo de uma inteligência alienígena
que podemos alguma vez encontrar. Na segunda metade da conversa falámos de
aspectos mais gerais da evolução por seleção natural, onde as coisas nem
sempre são o que parecem. Por exemplo, discutimos o mito de que
a seleção natural produz sempre adaptações perfeitas, o que está longe de
ser verdade, e discutimos também uma proposta muito contra-intuitiva. Será que há
características que evoluíram não por seleção, mas apenas à falta de melhor
expressão por acaso? Tudo isto devidamente condimentado por exemplos do Paulo, e
foram vários, sendo que no final ficam várias perguntas que continuam por
responder. E a piada de certa forma está aí. Aliás, devo dizer
que se a primeira conversa já me tinha feito agradecer o momento
em que decidi convidar o Paulo para o podcast, nesta segunda parte
fiquei verdadeiramente impressionado com a proficiência dele nesta área, sobretudo tendo em
conta a abrangência de conceitos e de temas que discutimos na conversa.
E notem que a conversa, como quase sempre acontece no 45°, seguiu
por terrenos completamente fora do guião inicial. Aliás, este episódio duplo com
o Paulo, e também o episódio anterior com a Sofia Miguéns, fizeram-me
voltar a pensar numa coisa que já várias vezes me ocorreu nestes
90 episódios que o 45° já leva. É incrível a quantidade de
gente imensamente interessante que existe em Portugal e que muitas vezes está
completamente fora dos holofotes. A propósito ainda da nossa conversa, no episódio
anterior, como se devem lembrar, discutimos o enorme mistério evolutivo que é
o facto do parto na espécie humana ser tão difícil. É necessária
assistência e mesmo assim o risco de complicações era bem grande até
há não muito tempo. Isto por comparação à maioria dos animais, primatas
incluídos, que dão a luz sem assistência e com relativamente pouca dificuldade.
A hipótese clássica para explicar esta especificidade humana é que se deve
à tensão entre duas pressões evolutivas opostas no desenvolvimento da pélvis da
mãe. A posição cada vez mais ereta gerou canais de nascimento mais
estreitos, enquanto o desenvolvimento do cérebro, por outro lado, gerou crédios cada
vez maiores nos bebés. No entanto, inspirado pela nossa primeira conversa, o
Paulo verificou a literatura mais recente sobre o tema e parece que
esta não é, pelo menos, a totalidade da resposta. Se tiverem curiosidade
por uma explicação um pouco mais detalhada, podem encontrá-la na descrição deste
episódio. Basta deslizar um bocadinho para baixo e encontram nele logo a
seguir ao índice dos temas que discutiram, onde encontram também, já agora,
links para uma série de coisas de que fomos falando. Ainda antes
de vos deixar com o palco, queria aproveitar Para agradecer mais uma
vez o contributo dos mecenas do 45 Graus, que têm sido fundamental
não só para a continuidade deste projeto, mas também para poder ir
aumentando de várias formas a qualidade da produção. Uma delas é tornar
possível a edição dedicada de cada episódio. Um trabalho técnico que desde
há quase um ano tem estado a cargo do Martim Cunha-Rego e
que tem, já agora, feito um trabalho excelente. Cada episódio que vos
chega tem por isso por trás este trabalho de edição técnica, que
passa sobretudo por remover as gorduras, digamos assim, da gravação original e
outros aspectos de melhoria, como por exemplo correções e acertos na qualidade
do som. Tudo isto faz aumentar a qualidade do podcast e neste
caso tornar melhores os episódios que vos chegam. Aliás, basta compararem com
os episódios iniciais do podcast para sentirem alguma diferença. Se quiserem contribuir
também para a continuidade e desenvolvimento deste projeto, visitem o site 45graus.parafuso.net
barra apoiar para verem como podem contribuir para o podcast, através do
Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade.
Mas por agora fiquem com Paulo Gamamota e esta segunda parte da
nossa conversa sobre Biologia Evolutiva. Paulo, bem-vindo de novo. Obrigado. Ao 45°,
agora... É um prazer. Agora ao vivo, agora presencialmente. Nós acabámos a
última conversa, a última história primeira, a falar sobre seleção sexual, que
é uma boa ponte para a tua investigação. A tua investigação é
na área do comportamento e a ecologia comportamental. Se calhar mais fácil
é pedir-te que expliques o que é que isto quer dizer, não
é? Como é que se relaciona com aquilo que nós falámos na
primeira parte da conversa?
Paulo Gama Mota
Eu tenho um enorme fascínio pelo comportamento, por compreender
o
comportamento dos animais, incluindo a nossa própria espécie, e isso foi uma
coisa que foi emergindo... Na verdade, eu tinha vários interesses e a
dada altura percebi, à posteriori, acho que isso que acontece com imensas
pessoas, à posteriori percebem que estava lá tudo, aquilo em que vieram
a especializar-se, ou a interessar-se, ou a investigar, e a sua vocação,
mas é claro que no início, e antes disso materializar, isso não
é nada evidente. Depois, à posteriori, é mais evidente, mas é verdade
que nós, à posteriori, podemos construir uma história a partir do passado,
não é? Mas, isto para dizer que eu sempre tive um enorme
fascínio pelo estudo do comportamento e é claro que o estudo do
comportamento animal teve um desenvolvimento enorme nos últimos 25 anos do século
passado e tem continuado no século XXI. E, portanto, eu entrei, digamos,
na altura certa do ponto de vista do interesse porque começaram a
surgir não só ferramentas conceptuais, teóricas, como também do ponto de vista
das ferramentas que se poderiam utilizar, que nos permitiram ir muito mais
além na compreensão do comportamento. O estudo do comportamento, na verdade, compreende
vários níveis e, portanto, há aspectos que se relacionam com a compreensão
de como é que o comportamento acontece, o que é que origina
o comportamento num determinado que isto é, como é que o animal
reage numa determinada situação, o que é que o leva a ter
um determinado comportamento, o que é que leva os cães a ladrar
em determinadas circunstâncias e a banarem o rabo. O que é que
leva em que sentido, desculpa, no sentido evolutivo ou o que é
que leva... No sentido... Fisionomicamente. Fisiológico, da própria... Sim, fisiologicamente, sim. Estado
interno do animal e isso é uma explicação do comportamento ao nível
da mecânica do comportamento. Depois, por exemplo, nós sabemos que há animais
que são capazes de realizar tarefas incríveis, por exemplo, corvos que são
capazes de torcer um arame e fabricar um instrumento. Nós pensávamos que
os únicos fabricantes de instrumentos, que era o homo faber, éramos nós.
Nenhuma outra espécie fabricava. Entretanto, descobrimos que os chimpanzés eram capazes de
fazer isso, mas pronto, foi um bocadinho uma amolgadela no ego, mas
não muito, porque enfim, os chimpanzés são os nossos primos mais próximos
mas depois começámos a descobrir que havia outras espécies que eram capazes
de fazer coisas dessas e a coisa ficou muito mais estranha. E
isso é, digamos, uma outra dimensão que tem a ver com saber
como é que esses comportamentos surgem no indivíduo. Se ele os aprende,
se são inatos, isto é um conceito genericamente complicado, mas simplificando, se
eles têm uma base genética e estão pré-programados para acontecer. E, depois,
uma outra dimensão que tem a ver com o saber porque é
que esses comportamentos evoluíram, porque é que eles estão presentes e já
não são tanto questões sobre saber como é que o comportamento acontece,
mas saber porque é que o comportamento surgiu, porque é que ele
evoluiu numa determinada espécie. E esta dimensão evolutiva foi aquela que mais
me fascinou e mais me interessou, porque tem a ver com a
evolução, tem a ver com uma teoria fortíssima para explicar a biologia
em geral e vários aspectos, nomeadamente o comportamento. E isso foi, digamos
que, a área em que eu quis trabalhar. Trabalhar sobre comportamento, especialmente
nos seus aspectos evolutivos. E, do conjunto destes aspectos evolutivos, A dada
altura... Eu não comecei por trabalhar em questões relacionadas com reprodução, mas
a dada altura isso era uma coisa que estava muito hot, muito
quente, que era saber, no caso das aves, por exemplo, se havia
comportamentos a extrapar, se havia paternidade a extrapar, se havia estratégias e
comportamentos mais complexos do que aquilo que a realidade parecia indicar. E,
mais uma vez, há uma ferramenta nova que surge. O Alex Jeffreys
desenvolve a técnica DNA Fingerprinting, em Leicester. Eu cheguei a visitar o
laboratório dele, porque isso tinha sido descoberto há pouquinho tempo, e que
era uma técnica que permitia identificar a paternidade com um rigor enorme,
apenas com meia dúzia de gotas de sangue. E eu comecei a
trabalhar sobre reprodução e, em seguida, comecei a interessar-me por questões relacionadas
com a seleção de características ou comportamentos, nomeadamente coisas relacionadas com a
comunicação animal, que, mais uma vez, iam, no caso das aves, iam
bater em, por exemplo, o canto ou a coloração, e isso obviamente
são traços que estão, digamos que do ponto de vista
José Maria Pimentel
da teoria, resultam da seleção sexual. E isso tem a ver com
a diferenciação que estavas a fazer há bocadinho, só para voltar um
bocadinho atrás, da causa mecânica, se quisermos, e da causa evolutiva. Isso
tem que ver com aquela distinção que por vezes é feita entre
a, não sei como é que se diz em português, mas a
causa imediata e a causa... A causa última. E a causa última,
exatamente. Sim, há várias... No fundo, a causa evolutiva é a causa
última, nesse caso, não é?
Paulo Gama Mota
Há várias designações que são utilizadas. Eu acho que uma das primeiras
pessoas que abordou esta questão da causalidade em biologia foi o Peter
Medawar, que fala em três níveis na biologia e há uma pessoa
muito importante no campo do comportamento animal, que é um holandês, que
foi um dos fundadores e que foi prémio Nobel da Medicina, o
Nick Timbergen, que propõe quatro níveis de abordagem do comportamento, o que
ele chamou a causalidade imediata, o desenvolvimento, a função, que tem a
ver com a evolução, e a história evolutiva de um comportamento. Nós
estamos neste momento a emergir, está a emergir, digamos, uma nova perspectiva,
que é aquilo a que se pode chamar uma perspectiva integrativa, em
que as equipas de investigação começam a trabalhar mais em conjunto, abordando
mais do que um nível. E já não há aquelas pessoas, ah
eu só trabalho sobre como e outros trabalham no porquê e eu
só quero saber qual é a mecânica dos processos e a mecânica
dos processos em si é um processo em que uma pessoa consegue
respostas mais diretas sobre o como ou o porquê as respostas são
mais difíceis, porque nós temos sempre alguma dúvida que resta sobre... Claro.
Nós não estamos exatamente a reconstituir o processo evolutivo, estamos a usar
formas indiretas de determinar como é que ele aconteceu e, portanto, isso
dificulta um pouco mais a atingir as respostas. E há pessoas que
preferem trabalhar com coisas que lhes dão mais confiança, embora eu acho
que em última análise O nível de confiança que se tem é
igual em todas as áreas da ciência e é uma consequência bastante
razoável, mas nunca absoluta. Sim, exatamente, isso
José Maria Pimentel
faz todo sentido. Tu falavas há bocadinho do estudo do comportamento, neste
caso, pelas suas razões evolutivas, E se calhar até me importa falar
disto. O comportamento pode ser explicado por várias coisas. Pode ser explicado
como uma resposta ao meio ambiente, ao clima, à disponibilidade de alimento,
por exemplo. Como resposta a eventuais predadores, no caso de ser um
animal surreito a ser predado, não sei se diz assim, e também
a seleção sexual, que nós falávamos, que entretanto se divide em seleção
inter e intrassexual. Inter são comportamentos que visam atrair o sexo oposto
e inter são comportamentos de competição entre animais do mesmo sexo para
conseguir ter acesso ao sexo oposto e depois ainda tens uma vertente
que, de certa forma, acho que inclui, eu diria que inclui a
seleção sexual mas extravasa, que é um lado, no caso das espécies
sociais, uma espécie de seleção social, não sei se pode dizer assim,
mas tudo que seja comportamento de uma espécie social e que pode
ter a ver com o comportamento especificamente dela, mas também com determinados
atributos que, sei lá, a coloração dos pássaros, ou o modo como
os pássaros cantam, por exemplo, que têm em vista fazer avançar os
interesses daquele indivíduo, daquele animal em particular, numa hierarquia de dominação, por
exemplo,
Paulo Gama Mota
de uma espécie social, não é? Sim, há várias coisas aí. De
facto, nós empregamos o termo seleção social num contexto um pouquinho diferente
e que tem a ver com a circunstância de determinados sinais que
aparentemente poderiam funcionar num contexto essencialmente sexual, podem ter uma função mais
abrangente. Os comportamentos sociais normalmente fazem parte de uma análise que envolve
a seleção natural, ok? E a seleção deles é uma seleção natural,
embora, neste caso, envolvendo comportamentos sociais dos animais. E é preciso dizer
que, embora quando Darwin formula a teoria da seleção sexual, porque a
teoria da seleção sexual também foi formulada pelo Darwin. Sim. E em
que ele propõe a seleção intrassexual que corresponde a disputas dentro do
mesmo sexo, normalmente os machos, pelo acesso às fêmeas, portanto é uma
seleção que tem a ver com a reprodução dos indivíduos. Exato. E
que dará origem à evolução de dimorfismo sexual de tamanho ou à
evolução de armas de combate. Sim. E do outro lado a seleção
intersexual. Os chifres nos viadutos, sim. Os chifres, por exemplo. E do
outro lado a seleção intersexual que tem a ver com a evolução
de ornamentos, em que há uma escolha do par, isto é, em
que um dos sexos fizesse escolha sobre características no outro e uma
vez que, neste caso, normalmente são as fêmeas, mas nem sempre, preferem
determinadas características, essas características acabam por ser selecionadas no outro sexo porque
os indivíduos têm mais sucesso se tiverem a característica certa e isso
vai conduzir à evolução de estruturas exageradas, de ornamentos exagerados. Esta ideia
foi uma ideia muito difícil de ser incorporada e demorou muito tempo
até as pessoas começarem a aceitar esta ideia e, de facto, eu
trabalho grandemente em coisas relacionadas com isso, porque, por exemplo, no caso
do canto das aves, na maior parte das espécies das regiões temperadas,
só os machos secos cantam. Nas regiões tropicais, normalmente, tem muitas espécies
que têm duetos e em que os dois secos são capazes de
cantar, mas nas espécies das regiões temperadas só os machos sexos cantam
e isso tem a ver com um processo da neurogênese, tem a
ver com os níveis hormonais e a forma como vai acontecer a
neurogênese. E aliás,
Paulo Gama Mota
no cérebro de um macho ou de uma fêmea. E na verdade
tem a ver com a mortalidade dos neurónios. Os neurónios são produzidos
e depois há uma mortalidade diferencial. Na fêmea morrem muito mais neurónios.
Nas regiões que nos machos vão ser usados para controlar os músculos
que têm a ver com o controle do canto, por exemplo. E
é possível reverter este processo, o que permite perceber que é precisamente
por causa dos níveis hormonais que há esta alteração e, portanto, nós
temos um cérebro de macho e um cérebro de fêmea. E estas
estruturas, que têm uma especificidade muito grande, que envolvem um controle motor
finíssimo, que permitem produzir aqueles sons todos muito elaborados, com uma mudança
temporal muito rápida, foram selecionados ao longo do tempo evolutivo. Aliás, só
um grupo relativamente pequeno, quer dizer, são muitas as espécies, mas correspondem
apenas a uma parte, digamos assim, da enorme diversidade de aves que
existem, é que têm esta capacidade vocal, que se chamam as aves
canoras, e que aliás sempre atraiu imenso as pessoas. Desde a Idade
Média que há processos de domesticação de várias aves para terem canários
em casa, raças de canários que foram selecionadas para terem cantos especiais
que as pessoas achavam particularmente atrativas. O caso
Paulo Gama Mota
E nós sabemos hoje que, obviamente, este canto funciona num contexto da
seleção sexual, em que as fêmeas preferem determinadas características e os machos
vão sendo selecionados a produzir essas características. Isto quer dizer que há
um conjunto de genes que são responsáveis pela arquitetura do cérebro ou
pelos processos da modificação dessas estruturas ao longo da vida do próprio
animal e que vão ser mudados, vão haver mutações, vão ser selecionados.
Portanto, quando nós estamos a falar da evolução de um comportamento, estamos
a falar de um substrato, que são os genes, que mudaram ao
longo do tempo evolutivo. Portanto, em última análise, aquilo que nós falámos
na nossa primeira conversa, que é os genes são, na verdade, o
sistema de registro e que são a informação essencial, continuam a ser
a informação essencial. Porque nós estamos a falar da evolução dos comportamentos,
estamos a falar desta dimensão de genes que mudam e que permitem
determinados comportamentos. Agora, o comportamento tem já uma dimensão mais plástica do
que outro tipo de respostas, porque uma resposta fisiológica, do ponto de
vista da arquitetura do sistema fisiológico, ou uma resposta anatómica, por exemplo,
é uma coisa que é muito limitada. O comportamento é aquela forma
de responder aos problemas que tem uma enorme plasticidade e que pode
variar de um momento para outro. Quer dizer, plasticidade naquele ser
Paulo Gama Mota
E, portanto, temos aqui uma outra dimensão para a qual só estamos
a começar a levantar o véu, que é olhar para dentro da
caixa preta, que é o cérebro dos animais, e perceber de que
maneira é que essa plasticidade é instituída, de que maneira é que
a plasticidade comportamental que eles podem ter, que não é ilimitada, é
ela própria controlada pelos seus genes. E há coisas giríssimas que nós
estamos, por exemplo, a conseguir perceber com animais muito simples como uma
abelha. As abelhas são animais fascinantes por variedíssimos aspectos, nomeadamente por serem
uma coletividade extraordinariamente organizada. A vida dentro de uma colmeia é a
vida dentro de uma cidade, em que indivíduos diferentes desempenham tarefas diferentes.
E, por exemplo, nós sabemos que uma obreira que vive muito pouco
tempo e, portanto, tudo o que ela faz é essencialmente pré-programado, que
ela não tem muito espaço para aprender e, além disso, como tem
um cérebro minúsculo, também não tem muito espaço para guardar informação aprendida,
nem tem tempo para aprender, porque uma abelha vai viver dois meses
e acontece que nós sabemos que, por exemplo, metade da vida da
abelha é passada essencialmente dentro da colmeia e, a dada altura, ela
começa a ir buscar alimento. Portanto, na primeira metade da vida ela
desempenha essencialmente funções de manutenção, de limpeza, desopercular os opérculos, ver como
é que estão as larvas, fazer manutenção dentro da colmeia. E de
repente elas mudam para um comportamento completamente diferente. Recentemente descobriu-se como é
que isso acontece. E mais, começou-se a identificar os genes que mudam,
mas também as causas dessa mudança. Que
mudam, desculpa,
que mudam como? Há genes que passam a ser sobrespressos e genes
que passam a ser sub-expressos. Sim, sim, já estou a perceber. Genes
que deixam de funcionar e genes que passam a funcionar. Os nomes
estão lá todos, mas o seu funcionamento é muito mais controlado do
que aquilo que nós pensamos. A melhor analogia é pensarmos numa orquestra,
que tem um maestro e em que os naipes vão tocando de
acordo com as indicações do
maestro. O maestro
são os géneros reguladores. O maestro são os géneros reguladores, exato. Agora,
curiosamente aqui, a partitura pode ser mudada para o maestro e neste
caso das abelhas, a partitura é o ambiente delas. Ou seja, são
sinais ambientais que vão desencadear uma resposta que tem a ver com
alterações nas frequências de determinadas proteínas que vão fazer com que os
genes reguladores mudem todo aquele sistema. E isto é muito engraçado porque
nós tendíamos a pensar o comportamento como uma resposta unidirecional, ou seja,
nós temos os genes, temos as proteínas e depois temos o comportamento
que resulta daquela interação complexa, e isto costumava ser visto por nós
numa perspectiva unidirecional. E subitamente percebemos que há um loop, ou seja,
o ambiente que resulta do próprio comportamento dos indivíduos, e neste caso,
no caso das abelhas, é um ambiente social, vai afetar os genes
que vão depois afetar o comportamento dos indivíduos e, portanto, de repente,
todo o sistema é muito mais plástico do que nós pensávamos e
abriu-se aqui uma janela para nós percebermos como é que na realidade
a própria regulação dos genes pode ser afetada pela experiência dos próprios
indivíduos. Isso é
José Maria Pimentel
muito engraçado, isso tem aliás uma série de paralelos com os seres
humanos. Claro. Sabendo de nós que não somos uma tábua rasa, um
blank slate, sabe-se também que o nosso cérebro é muito plástico, até
em comportamentos evolutivamente selecionados, por exemplo, a selecção sexual até. Por exemplo,
a questão da testosterona, que é obviamente uma hormona com um papel
grande na seleção sexual. E já não sei que estudo é que
era, que mostrava que a preferência da parte da fêmea humana, das
mulheres por homens, como é a testosterona, era sobretudo mais prevalente em
ambientes de escassez. Se tu fosse para países nórdicos, por exemplo, ela
praticamente desaparecia. Porque tem muita piada e, pelo menos, lembra-me disso ao
ouvir-te falar, não é? Porque, no fundo, lá está, é o comportamento
a ser regulado pelo ambiente. Creio eu, não é? Desde que eu
estivesse a... Quer dizer, fazer aqui um aponto que não existe. É
verdade.
Paulo Gama Mota
Alguns desses resultados são, não direi paradoxais, mas desafiam a nossa forma
de entender que com plástica é a resposta e qual é o
grau de elasticidade que existe nessa resposta, mas é verdade que em
ambientes com mais incidência de parasitas, a preferência por caracteres sexuais secundários
mais desenvolvidos é mais forte. E isso está de acordo com a
teoria para os outros animais. E isso encontra-se também no caso humano.
Portanto, aquilo que estávamos a dizer, que se relaciona com a testosterona
e que tem a ver com uma hipótese que relaciona a testosterona
com a capacidade dos indivíduos terem um sistema imunitário particularmente forte. Porque
O problema é que a testosterona é imune à supressora, portanto, nenhum
animal consegue, neste caso estamos a falar de machos, embora as fêmeas
também tenham testosterona, mas em níveis muito baixos, digamos que a hormona
que existe em maior concentração no sexo feminino, neste caso, são os
estrogênios, é o estradiol. No caso da testosterona, nenhum animal consegue manter
níveis muito elevados de testosterona durante muito tempo. Há uma elevação e
depois a testosterona vem para baixo. Tem uma série de efeitos secundários,
não é? Tem. É imunoassupressora. E, portanto, os indivíduos podem acabar parasitados
e morrer vítimas dos níveis muito altos de testosterona.
José Maria Pimentel
é uma espécie de... Isto é bastante complexo, não é? E é
o que também o torna interessante. Por isso é que era aquilo
que eu dizia no início, acho que eu dou outra conversa, se
bem me lembro, que a evolução se descreve facilmente em traços gerais,
mas depois tem uma série de aspectos complexos, por exemplo, aquilo que
tu falavas há bocadinho da... Voltando ao caso das abelhas, da plasticidade
comportamental. A relação que eu tiro daí é que a pressão seletiva,
a partir desta altura, de certa forma diminui. Ou seja, se tu
consegues ter um genoma com essa flexibilidade, ele está menos sujeito a
pressões do meio ambiente.
Paulo Gama Mota
Exatamente. O próprio genoma é adaptável. Exatamente. É, digamos, uma resposta de
alto nível a variações muito rápidas do meio ambiente. Exato. Se nós
pensarmos nos animais todos, na natureza toda, nos seres vivos todos. Os
animais, à medida que aumentam a sua durabilidade e vivem mais tempo,
têm um problema, que é lidar com um ambiente que pode mudar
com alguma rapidez. Portanto, não é apenas a adaptação horizontal, mas é
também uma adaptação de tempo. Aquilo que é uma eternidade para uma
bactéria são poucos minutos para nós. E, portanto, a capacidade de responder
a um ambiente que muda e a condições que são diferentes, podemos
pensar, ok, havia ali um nicho que poderia ser ocupado por organismos
que tivessem capacidade de responder plasticamente aos problemas. É claro que para
isso acontecer, teve que evoluir um conjunto de células muito especializadas, que
são talvez as células mais especializadas que existem, demoraram imenso tempo a
serem descritas, que são os neurónios. O Ramón y Carral, que recebeu
o Prémio Nobel por descrever as estruturas dos neurónios, fez uns desenhos
lindíssimos, aquele trabalho é um trabalho meticuloso, dificílimo, porque com os meios
que ele tinha, conseguir ver a extensão de um axónio por ali
fora, uma coisa gigantesca que pode ser, é impressionante. Portanto, são células
extremamente especializadas que, quando evoluíram, permitiram aos animais saltar para um novo
patamar, que é serem capazes de integrar informação, nomeadamente terem sensores ambientais
que lhes dão informação, como por exemplo no nosso caso os olhos,
os ouvidos, mas também a pele, sensores térmicos, sensores visuais que vão
detectar fotões de luz ou as ondas sonoras e que, integrando essa
informação, lhe permite tomar decisões, responder perante uma situação. As coisas mais
simples é, por exemplo, um animal que só explora o seu meio
ambiente à noite vai ter, digamos, sensores para as variações do fotoperíodo
e só vai estar ativo à noite porque é a condição de
ser menos perdado. E esta possibilidade de responder plasticamente foi aumentando com
o desenvolvimento dos neurónios. Mas aí há um problema, que é, e
isto é muito interessante do ponto de vista evolutivo, os neurónios exigem
muita energia. Para as pessoas terem uma ideia, o nosso cérebro, que
é a estrutura mais complexa que nós conhecemos, pelo menos na natureza,
neste planeta, tem qualquer coisa como 80 mil milhões de neurônios, que
é um número astronómico. Cerca de 20 a 25%, à volta de
22% da energia que nós consumimos diariamente é para alimentar o funcionamento
do cérebro, que tem um peso diminuto relativamente ao resto do corpo,
mas aquilo é só açúcar a entrar por ali fora para alimentar
o seu funcionamento. É de tal ordem que quando não há um
fluxo suficiente de energia ao cérebro, o cérebro desliga as partes não
essenciais. E é por isso que as pessoas desmaiam, por exemplo, quando
não têm um fluxo suficiente de energia ao cérebro, porque há uma
série de funções vitais que têm de continuar a funcionar e que
o cérebro continua a fazer funcionar, mas aquelas que são mais exigentes
do ponto de vista energético, que é estar a conceptualizar, a pensar,
a construir cenários, etc., a antecipar situações, é desligado. E, portanto, todo
o estado de vigilância desaparece. E, portanto, nós temos a evolução de
cérebros grandes em animais que têm uma certa longevidade e depois em
animais que conseguem manter a temperatura corporal relativamente estável. E, por isso,
nós vamos ter cérebros maiores em aves, em mamíferos, que têm estas
particularidades. Esse
Paulo Gama Mota
muito grande. E nesse sentido há um paradoxo, que é o facto
de que há um ramo dos animais completamente diferente dos vertebrados. Nós
vamos ter cérebros nos vertebrados. Os vertebrados têm cérebros e têm cérebros
que se vão complexificando nos vários grupos, mas depois há um outro
grupo de animais que pertence a um ramo onde não há... Há
imensos animais sem cérebro ou praticamente sem uma estrutura, digamos assim, organizada,
neuronal forte, que são os moluscos. E que depois têm um ramo,
que são os cefalópolis, que são animais inteligentíssimos, como os chocos e
os polvos e as lulas, mas principalmente os chocos e os polvos.
Os chocos também, não sabia. Sim, sim. E que têm uma longevidade
curtíssima. Para um animal que tem aquelas faculdades todas, eles vivem poucos
anos. 4, 5 anos e o animal está a entrar em desnascência.
E há outro aspecto, desculpa interromper-te, que eu... Que
há
um paradoxo, nós não conseguimos explicar.
José Maria Pimentel
tens toda a razão. Até me estou a lembrar, a matematização desses
comportamentos, por exemplo, no caso das presas, dos animais herbívoros, basicamente basta
que eles tenham um algoritmo muito simples, em que estão sempre a
convergir para o meio, para o meio da manada e isso é
eficaz do ponto de vista da sobrevivência deles. Alguns vão ser mortos,
mas é... Por isso é que eles andam em manada, não é?
Porque todos eles têm um algoritmo muito simples que é... Converges para
o centro, converges para o centro, e estão todos a fazer isso
e mantêm-se juntos. Enquanto, por exemplo, uma cateia de lobos passa a
redundância, tem um comportamento muito mais sofisticado,
Paulo Gama Mota
tratamento vegetariano dá muito mais trabalho. Sim, mas é preciso adicionar aí
um outro elemento, do meu ponto de vista, que eu acho que
é muito, muito relevante, que tem a ver com a descoberta do
fogo e a possibilidade de processamento dos alimentos. Isso permitiu reduzir o
intestino e permitiu processar o alimento muito mais rapidamente e, portanto, nós
conseguimos absorver muito mais alimento e muito mais facilmente porque o processamos,
porque o cozinhamos. E isto é muito precoce do ponto de vista
da evolução humana.
E isso
ajudou imenso a ter alimento rico, proteínas e açúcares e gordura, lípidos
em geral necessários para vários processos, disponíveis em quantidade suficiente, mais do
que uma dieta, por exemplo, apenas frugívora. A dieta frugívora em si
já tem uma vantagem, porque tem muito mais energia do que uma
dieta folívora, apenas...
Paulo Gama Mota
Os antepassados humanos têm claramente uma dentição, e aliás os chimpanzés hoje
são muito frugívoros, têm uma dentição que é muito própria, muito característica
de animais que não comem essencialmente sementes ou outro tipo de alimentos
e que têm uma componente de dieta importante de frutos e isso
em si é já um aporte de energia muito significativo. Mas depois
na evolução humana há um passo que tem a ver com o
consumo de carne muito sistemático. Também nós pensávamos que os outros primatas
não consumiam carne e hoje sabe-se que os chimpanzés fazem caçadas e
que se alimentam também de carne, mas é claro que fazem numa
proporção muito inferior àquela que se pensa que seriam dos antepassados humanos.
E depois há uma outra passagem que tem a ver com a
invenção do fogo e que propiciou retirar muito mais energia e muito
mais alimento, digamos assim, dos alimentos que eram consumidos. Mas os predadores
até têm um intestino mais curto que o nosso, proporcionalmente, não é?
Se há um cão enquanto descendente de lobo, tem um intestino... Certo,
mas enquanto primata houve
José Maria Pimentel
uma redução. Isso é curioso, ou seja, evolutivamente, por exemplo, se os
lobos tivessem inventado o fogo, por absurdo, o intestino deles também tenderia,
ou os leões, ou o whatever, também tenderia a diminuir por conseguirem
tirar mais da comida, ou eles podem ter outra via para tirar
mais da... Já podem ter uma enzima qualquer...
Paulo Gama Mota
Depende. Normalmente a evolução de uma característica resulta de uma pressão seletiva
que tem a ver com... Por exemplo, no caso, se tu tens
uma pressão muito forte para desenvolver um cérebro maior, e no nosso
caso isso aconteceu, tudo o que sejam mutações que permitam poupar energia
em outras coisas vão também ser selecionadas, porque tu precisas de ter
energia para um cérebro maior. Portanto, só por si não é a
mudança de dieta que, numa primeira fase, irá implicar uma alteração, por
exemplo, na estrutura do intestino, a menos que isso signifique uma maior
eficácia. Pois, mas a questão é que as duas coisas terão sido
mais ou menos
José Maria Pimentel
Ou seja, nós não comíamos provavelmente muita carne antes e de repente
começámos a comer muito mais porque podíamos cozinhar, não é? E daí
o cérebro ter evoluído tanto. Sim, sim, a questão do cérebro e
do alimento tem piada. Agora lembro-me de uma coisa que não tem
nada a ver com isto, de uma investigação que fizeram, fizeram, aliás,
até pelo tipo de investigação se percebe que não foi feita hoje,
acho que foi feita na altura da Segunda Guerra Mundial em que
eles eram com objetos de consciência, salvo erro, portanto como não iam
para a frente de combate, voluntariavam-se para fazer outro tipo de coisas
e no caso era uma investigação em que eles eram privados de
alimento, imagina que a dose era uns 2000 ou 2500 calorias diárias
e eles davam-lhe tipo 1500 ao longo de meses e aquelas pessoas
passavam, e é uma coisa sempre-tipiada do ponto de vista do comportamento,
o dia inteiro a pensar em comida.
Paulo Gama Mota
de... Isso pode ser interpretado de uma forma mais complicada. É que
existe um outro aspecto a ter em consideração, é que nós somos
planificadores, por excelência. Nós antecipamos o que é que vai acontecer. Uma
das partes mais importantes, digamos, da evolução do cérebro humano tem a
ver com antecipar o futuro, com planear. E sabendo que não tens
o alimento, leva-te a pensar em alimento, porque naturalmente tu estás... Mesmo
antes de deixares de o ter, se calhar. Mesmo antes de deixares
de o ter. Só a sensação de que não tens leva-te a
ter a propensão para consumir mais. E aliás, é curioso verificar-se, e
isto é um facto conhecido, que nós temos muito mais elevados índices
de obesidade em populações que têm menos recursos, que vivem no mesmo
meio ambiente, do que em populações ou estratos sociais dentro da mesma
população que têm mais recursos. A obesidade é maior em ambientes em
que as pessoas têm menos recursos.
José Maria Pimentel
ratos ainda por cima estão relativamente próximos de nós, não é? Sim.
Portanto, explica isso. Estou agora a pensar que nós divergimos desse nosso
tronco inicial, mas valeu a pena, mas acho que vou, ainda antes
de passarmos aos outros pontos, vou voltar à questão da seleção sexóbica.
Havia aqui alguns aspectos que eu te queria perguntar. Por exemplo, imagina
o exemplo dos chifres dos veados, que nós estamos a falar há
bocadinho. Para quem não está a ouvir no Brasil, os chifres dos
cervos, para não causar confusões. Ah, ok. Eu tenho alguns ouvintes brasileiros.
Os chifres dos veados são um aspecto curioso, porque os chifres dos
veados têm um papel na seleção intersexual, ou seja, uma sinalização de,
independentemente da hipótese que nós compremos, há ali uma sinalização de um
atributo que interessa ao sexo oposto, em termos de seleção sexual, tem
também um papel no confronto físico entre os machos, portanto na seleção
intrassexual, e também pode ter um papel, para lá deste papel na
seleção sexual inter e intra, também pode ter um papel social mais
lato naquilo que tu chamavas há bocadinho de seleção sexual, que vai
para lá daí. Quer dizer, me acha se este exemplo que estou
a dar faz sentido ou não, mas acho que independentemente do cabimento
deste exemplo, isso faz com que deva ser muito difícil, e eu
sei que parte da tua investigação tem que ver com isso, destrinçar
qual é a causa, o que é que causa o quê. E
depois tens outro exemplo de outra faceta desta complicação, mas que não
é bem igual a este, que é de tu poderes ter determinadas
características que ocorrem por selecção sexual, por exemplo, os machos de um
pássaro qualquer terem as penas de uma determinada cor, e aquilo passar,
como é selecionado, passar também para as fêmeas, ou seja, para as
filhas, para os descendentes fêmeas, e tu não perceberes, ou não perceberes
imediatamente se aquilo passou porque foi uma espécie de seleção indireta, já
não sei qual era o nome disso, tem um termo técnico, se
é uma espécie de seleção indireta ou se é porque foi selecionado
diretamente nas fêmeas por algum motivo qualquer.
Paulo Gama Mota
Depois eles assumem o tamanho máximo, entretanto o tecido necrosa e ficam
em pontas. E eles ficam em pontas no final de Agosto até
Outubro, que é a altura da reprodução. E é a altura em
que os machos lutam entre si pelas fêmeas têm um sistema poligínico
e, portanto, só uma percentagem, talvez 10, 15, 20% dos machos é
que a casalam. Os outros não conseguem. E isto faz com que
haja uma pressão seletiva muito forte para a evolução de armas de
combate entre os machos. E, a seguir, os chifres perdem-se. Portanto, os
chifres não servem como defesa contra predadores
Paulo Gama Mota
portanto é um caso muito claro de que aquelas estruturas evoluíram por
seleção sexual para disputas entre os machos. Mas, por exemplo, nós podemos
pensar em outras características como seja, por exemplo, uma cor específica nas
fêmeas de um animal em que essa cor funciona também na interação
com outras fêmeas ou funciona dentro de um ambiente social e isso
ajuda ou facilita ou não o animal a ter mais acesso a
recursos relativamente a outros, e isso já sai fora, digamos assim, da
seleção sexual, e já cai num âmbito, digamos assim, de uma, poderíamos
chamar uma espécie de seleção social. E digamos que já neste século,
esta teoria, esta ideia, que é uma ideia do West Hubbard, que
é uma bióloga americana, que formulou isto uns bons anos antes, mas
a ideia ficou no ar, nunca ninguém a pegou, e a partir
de 2010 começou a haver alguns trabalhos que chamam a atenção para
isto, e ok, temos também olhar para esta vertente. Será que a
evolução de determinadas características tem apenas a ver com a reprodução ou
também tem a ver com a sobrevivência e outros aspectos relacionados com
a sobrevivência e, portanto, já não é só seleção sexual? No caso
em particular, quando, por exemplo, um ornamento ou uma cor é selecionada
nos machos, muitas vezes ela acaba por se expressar também nas fêmeas.
Porque o género está presente nos dois sexos e muitas vezes ele,
embora não tenha o mesmo grau de expressão, o sinal também aparece
nas fêmeas. Acontece que, em algumas espécies, o sinal tende a perder-se,
tende a desaparecer, e eu disse nós podemos testar isso. Eu próprio
já fiz uma investigação em que testei essa ideia, e isto pode
parecer muito estranho para as pessoas, mas nós pegamos, na realidade que
existe, pegamos num grupo de animais, num determinado grupo, do qual nós
sabemos a sua história evolutiva e agora começamos a saber mais graças,
nomeadamente, à análise molecular, portanto, à análise genética que nos permite fazer
a reconstituição daquela filogenia, daqueles grupos, e podemos gerar cenários, ou seja,
fazer simulações, e usando determinados constrangimentos, por exemplo, determinar se a evolução
do ornamento nas fêmeas ocorre naqueles grupos todos, por exemplo, há uma
linhagem em que as várias espécies, o traço vai aumentando nos machos
e também aumenta nas fêmeas, por exemplo. Mas noutra linhagem aumenta nos
machos, mas não aumenta nas fêmeas. Então nós podemos combinar estas linhagens,
uma data delas, e testar se de facto a evolução do ornamento
ocorreu por arrasto, ou seja, está presente nas fêmeas porque foi selecionada
nos machos e não foi perdida, ou se, pelo contrário, há uma
evolução independente nas fêmeas e tem uma função qualquer. E, por exemplo,
no caso do grupo em que nós experimentámos isto, que é o
grupo dos pintacílicos e dos canários, por exemplo, verifica-se que, quando está
presente nas fêmeas, ela foi puxada por arrasto. O que tende a
acontecer, muitas vezes, é um desacoplamento entre o desenvolvimento dessa característica entre
os machos e as fêmeas. Ou seja, há depois genes que vão
regular a não-expressão do gene nas fêmeas, ou seja, há uma mutação
que vai fazer com que um gene impede que aquela cor se
exprima nas fêmeas e, portanto, deixa de estar presente nas fêmeas, só
está presente nos machos. Ah,
Paulo Gama Mota
E, aliás, se a fêmea mostrar que está lá, pode perder a
parogenia toda, que está naquele ninho, e portanto o custo é elevadíssimo.
E o benefício é zero. E o benefício é zero, e portanto
há uma seleção forte para as fêmeas serem crípticas. E portanto, em
muitas espécies há esta evolução contrária, e nós podemos testar isso. Noutros
casos não, por exemplo, há uma espécie de um airo, as pessoas
que visitaram as berlingas conhecem, era uma espécie que havia e que
desapareceu das berlingas, que era a espécie mais exótica que nós tínhamos,
que é uma daquelas aves marinhas com um aspecto muito bonito, pretos
e brancos. E há uma ave destas no Alasca em que os
machos e as fêmeas têm uma crista. E a crista está presente
nos dois sexos. E, neste caso, sabe-se que os machos preferem as
fêmeas com cristas e as fêmeas preferem machos com cristas. E, portanto,
há uma seleção bidirecional nesta espécie. Portanto, também pode acontecer esta situação.
Depois também tem que ver com o tipo de reprodução que exige
naquela espécie, provavelmente, não é? Sim. Um dos problemas que é difícil
para as pessoas perceberem em relação à biologia é que, na verdade,
a trajetória de cada espécie é uma trajetória única e aquilo que
pode ser verdade para um grupo pode não ser verdade para o
outro e o que não quer dizer que isso, no entanto, não
esteja de acordo, digamos,
José Maria Pimentel
com a teoria. Claro, claro. Sim, porque, relacionado a isto, a complexidade
é imensa. O tipo de padrão reprodutivo daquela espécie, o meio ambiente
em que está, o clima, o acesso a comida, se existem ou
não predadores, há uma série de variáveis aqui que mudou isso, e
que implica que numa espécie essa característica possa desaparecer nas fêmeas e
na outra ela não só possa persistir como até passar a ter
um papel nessa seleção sexual, e ela passar a ser bidirecional. E
por teres outros exemplos é engraçado, estava a pensar ainda relacionado com
a questão de características físicas ou comportamentos que tenham um papel sinalizador,
por exemplo. Temos também outro exemplo engraçado, que é de uma espécie
de gazela, chavo-leiro, cujo comportamento sinaliza, portanto, da mesma forma, mas não
para o sexo oposto, não por seleção sexual, mas para os predadores,
ou pelo menos essa é uma das hipóteses. Porque estas espécies de
gajelas, basicamente, têm um comportamento aparentemente bastante absurdo. Enquanto estão a ser
perseguidas por predadores, começam a dar uns saltos que, pelo menos, a
meu ver, têm dois efeitos perniciosos. O primeiro é que as atrasa,
se elas tiverem fugido dos predadores, e a segunda é que chama
a atenção aos predadores. Portanto, aparentemente, não faria sentido nenhum. A explicação
que se dá é que elas estão a ter esse comportamento para
sinalizar aos predadores que os géneros delas são tão bons ou que
elas estão em tão boa condição física que não vale a pena
o predador a escolher, mas vale escolher outro indivíduo daquela espécie que
provavelmente será mais fácil. E esse é outro aspecto ainda engraçado, não
é? Quer dizer, é de novo comportamento, sinalização, mas que não tem
nada a ver com a própria espécie. Existe
Paulo Gama Mota
E fazem isso, mas elas não fazem isso quando estão a ser
perseguidas, fazem isso antes da perseguição iniciar. Porque a partir do momento
em que a perseguição inicia, elas fogem.
Ah, ok.
A questão é que elas já estão a dizer ao predador eu
já te vi, e além disso eu estou em muito boa condição
física, não vale a pena vires atrás de mim. Ok, isto é
a interpretação que nós damos, naturalmente, a este comportamento, O que é
verdade é que há muito menos ataques de cheetahs ou outros predadores
a gazelas depois de elas terem feito este comportamento, do que quando
elas não fazem este comportamento. Ou seja, na verdade aquilo tem algum
efeito de dissuasão relativamente à perseguição por parte do predador. E é
um caso incrível. Há outros casos que também são muito interessantes que
têm a ver com animais que imitam predadores para afastarem a concorrência.
A sério? A sério. Há umas aves que parecem uma espécie de
corvos, entre um melre e um corvo, na Austrália, chamados drongos, em
que eles imitam vocalizações de predadores, para afastarem outras espécies.
José Maria Pimentel
Sim, sim. Não, isso tem muita piada, sim. Sim, e depois tem
uma série de outras dimensões, porque depois também podes ter comportamentos alternativos
a subsistir dentro da mesma espécie. Claro. Ou seja, não tens só
um padrão, mas vários padrões, e em equilíbrio, que é uma coisa
com muita piada, até em termos de comportamento sexual, no comportamento reprodutivo.
Já não sei, havia um exemplo qualquer, agora não me acordo.
Paulo Gama Mota
São pequenos peixes do intertidal, isto é, daquela zona das marés, e
que midificam nos braços das rochas. E os machos ficam a guardar
o ninho. E nestes peixes há unidades parentais, monoparentais, são os machos
que... Os machos na verdade o que fazem é proteger os ovos
que as fêmeas vão pondo, portanto eles cortejam as fêmeas que aparecem
e as fêmeas podem ou não entrar lá dentro e depositar os
ovos. Os ovos têm umas estruturas aderentes e ficam lá dentro. E
os machos fazem o erejamento, ou seja, provocam oxigenação dos ovos e
protegem os ovos. Acontece que nesta espécie, e aliás várias espécies, deste
grupo, Existem sneakers, batuteiros, isto é, indivíduos que parecem fêmeas, que se
aproximam dos machos, aceitam ser cortejados pelos machos, cortejam os machos e
os machos deixam-nos entrar lá dentro e sabe-se que são machos, ok?
Eles têm gónadas, produzem espermatozoides e...
Paulo Gama Mota
nós. Uma vez que a fecundação é externa, os ovos que não
estejam fecundados, eventualmente podem ser fecundados por estes machos. Este sistema está
muito, muito estudado, está muito bem estudado e sabe-se que neste caso,
nas populações algarvias, é uma tática que está dependente da idade. Isto
é, os machos mais jovens desenvolvem este comportamento e depois, à medida
que eles crescem, se tornam territoriais e deixam de ter este comportamento.
Ah, curioso. Mas isso nem sempre é assim. Nos salmões, por exemplo,
já não é assim. Mas eu diria, o Corrige-me
José Maria Pimentel
diria tão bem, mas é isso sim. É isso basicamente. Olha, Eu
queria falar de outros aspectos, agora de uma maneira mais geral da
evolução, e isso leva-nos de volta a muito o que falámos na
primeira conversa, é que nós falámos de vários aspectos gerais da evolução,
entre os quais a seleção sexual, mas não só, quer dizer, falámos
sobretudo de uma visão mais geral da seleção natural, provavelmente dita, que,
lá está, é relativamente fácil de definir em traços gerais, mas depois
tem vários aspectos que não são óbvios e tem vários aspectos até
que podem ser mal compreendidos. Um deles, e acho que faz sentido
começar por aí, é o mito, se quiseres, que eu acho que
corresponde muito à maneira como a evolução é entendida pelo senso comum,
de que a evolução procura uma adaptação perfeita. Quando, na prática, nós
temos várias evidências de que o objetivo da evolução é aquilo que
se chama o just good enough, ou seja, produzir uma adaptação que
é suficientemente boa é o suficiente para ela ser... Para ela passar
para as gerações seguintes. Ou seja, aquele género não tem que produzir
uma adaptação perfeita daquela espécie ao meio ambiente, basta produzir uma adaptação
suficientemente boa. Nós temos vários exemplos, um exemplo, salvo erro dos mais
conhecidos para isto, não nos seres humanos, é a questão do polegar
do panda. Acho que era o Steven Jay Gould que dava esse
exemplo, que tu explicarás isso melhor do que eu, mas o polegar
basicamente está a ser usado para outra coisa qualquer e portanto eles
usam para agarrar nas folhas uma coisa que não é bem um
polegar, mas que serve. E aquilo foi a adaptação que ficou, é
uma coisa altamente imperfeita, mas que foi selecionada. Sim. E eles vivem
com aquilo. Claro. É de facto um
Paulo Gama Mota
erro da apreciação nossa, muito típico. Nós pensarmos nas características da natureza,
naturalmente é natural que nós olhemos para a natureza e nos maravilhemos
com a enorme sofisticação que encontramos na natureza. E essa sofisticação é
tão grande que nos leva, a dada altura, a pensar que as
adaptações são adaptações perfeitas. E essa ideia, na verdade, não está certa
e nós temos milhares de exemplos de que não está certa e
vou talvez começar por esses exemplos e depois explicar porque é que
isso faz sentido. Por exemplo, pelo lugar do panda, na verdade, o
panda é um urso, ok? E os ursos são plantígrados, o que
quer dizer que têm os dedos todos virados para a frente e
por isso não têm condição para criar uma estrutura anatómica que gera
oponibilidade. E então, o que aconteceu é que há um osso do
Tarso, que é o sesamoide radial, que acabou por crescer do ponto
de vista evolutivo, não é? E depois teve, obviamente, musculatura para o
fazer funcionar, e ele tem um polegar que é oponível, mas que
na verdade é um sexto dedo. Ele tem os cinco dedos na
mesma virados para a frente, e depois tem um sexto dedo que
é uma transformação, e é assim uma coisa enjeitada, digamos assim, mal
amanhada. E é engraçado que há um livro muito bonito de um
pré-binóbel da medicina, o François Jacob, juntamente com o Jacques Monod e
o André Louvre, que descodificaram, digamos assim, o processo de transcrição dos
genes. Portanto, o processo de transcrição genética foram importantíssimos, digamos, no início
da revolução molecular. E ele tem um livrinho chamado O Jogo dos
Possíveis, que
é,
aliás, o primeiro livro da coleção Ciência Aberta da Gradiva, portanto, começou
em grande, porque o livro é fantástico, embora esteja executado. E são
textos, três textos muito pequenos, escritos com uma capacidade de síntese, de
simplicidade na escrita absolutamente extraordinária, só acessível a poucas pessoas, o texto
que ele escreve é fantástico, e um dos textos chama-se A Bricolage
do Ser Vivo, em francês percebe-se melhor, não é? La bricolage du
vivant, e em que ele diz que a evolução não funciona como
um engenheiro que desenha em cima de uma mesa. É melhor pensá-la
como um bricoleur, isto é, alguém que tem uma garagem cheia de
brilharias e porcarias que foi acumulando e que depois vai lá dentro
buscar qualquer coisa para funcionar, para adaptar e na verdade...
Paulo Gama Mota
Portanto, a analogia que ele usa é uma analogia belíssima para explicar
esta questão que é a evolução da maior parte das estruturas resulta
da transformação de estruturas pré-existentes. Exato. Nem sempre é assim, mas na
esmagadoria, na maioria dos casos, acontece. E, portanto, muitas vezes nós vamos
encontrar as marcas dessas pré-estruturas na modificação dos órgãos. Quando nós vamos
olhar realmente para a estrutura do órgão, vamos perceber que ele está
imperfeitamente desenhado. É claro que ele não é ineficiente, é bom, e
por isso foi selecionado, mas não é perfeito. E eu, nas minhas
aulas, eu costumo usar o exemplo do olho humano como um exemplo
de imperfeição porque por um lado todos nós achamos que é bastante
perfeito, embora saibamos que não é, não é? Precisamos de óculos, etc.
Para ver melhor, alguns sempre, outros a partir de determinada idade mas
o que é verdade é que o nosso olho consegue funcionar melhor
do que qualquer câmera que tenha sido até hoje concebida. E com
todo o software que as câmeras têm hoje e que são já
bastante eficazes, nós continuamos a tentar tirar uma fotografia contra a luz
e aquilo é uma chatice, não resulta tão bem quanto aquilo nós
conseguimos ver. Portanto, o nosso olho é extremamente eficaz. E, no entanto,
anatomicamente está mal desenhado, porque tem um ponto cego onde nós não
o vemos. E isso só resulta da forma como o olho foi
construído, isto é, como o olho evoluiu. Porque, digamos que o fechamento
daquelas camadas de células, de tecidos, foi feito ao contrário, na medida
em que os neurónios, isto é, as células que vão captar a
luz, estão atrás das células que vão transmitir a luz até ao
cérebro. Os neurónios estão à frente das células fotorreceptoras. E, portanto, isso
é um mau desenho, não é um bom desenho. Há um sem
número de outros exemplos... Desculpa,
Paulo Gama Mota
uma vez que os neurónios estão todos do lado de dentro, eles
têm que passar para fora para levar a informação para o cérebro.
Ah, ok. E então há um sítio, que é um poço, onde
os neurónios convergem todos para saírem para fora da retina. Isso chama-se
o nervo óptico, nessa zona, e a zona da retina é interrompida
nessa zona. Chama-se o ponto cego. E nós não vemos nessa zona.
E, aliás, há umas experiências muito giras, que as pessoas podem, se
quiserem, inclusive procurar na internet, vão encontrar, que dá para cada um
de nós experienciar que há uma zona onde nós não vemos, o
que é uma coisa incrível. Eu sempre que mostro isto aos meus
alunos, aquilo é uma experiência de vida. De repente, eles percebem que
o nosso cérebro engana-nos a nós próprios. Sim, compõe o que falta,
não é? Porque compõe aquilo que falta, a informação que não está
lá. Outro facto, porque é que nós compreendemos que as adaptações podem
não ser perfeitas? O conceito mais importante a este nível foi desenvolvido
por uma das grandes figuras da biologia evolutiva, da evolução, do início
do século XX, um americano, Sewell Wright, que propôs o conceito de
paisagem adaptativa. Imaginemos uma paisagem que é composta por vales e por
montanhas. Os vales são, digamos, as zonas cá embaixo, onde os indivíduos
estão no início, as espécies, os organismos estão no início. E os
montes são, digamos, os picos adaptativos, isto é, as soluções
Paulo Gama Mota
ora, esses picos não são todos iguais, uns são mais altos do
que outros, e nós podemos dizer que os picos mais altos são
as adaptações mais perfeitas. Mas é claro que um animal que está
próximo de uma montanha pequena vai começar a subir a montanha pequena.
E para chegar à montanha maior ele tem que descer para um
val. E isso não vai acontecer, porque descer para um val significa
diminuir o seu valor adaptativo. E, portanto, ele vai convergir para uma
solução que é uma solução parcial, mas que, desde que funcione, ela
vai ser selecionada e vai servir para o organismo viver bem. Mas
está longe de ser perfeita e, na verdade, a evolução não conduz
à perfeição, conduz à melhoria, digamos assim, da capacidade adaptativa de uma
determinada espécie, desde que haja variabilidade genética, para isso poder acontecer, naturalmente.
E nós sabemos que na esmagadora maioria das espécies isso não aconteceu
ao longo do tempo evolutivo e, portanto, a esmagadora maioria, mais de
90% das espécies que já alguma vez existiram, já se extinguiram. Por
isso, muitas espécies, inevitavelmente, aliás, o futuro mais previsível de uma espécie
é a sua extinção, incluindo a nossa.
José Maria Pimentel
Sim, isso faz todo sentido. Até porque tu, do ponto de vista
evolutivo, primeiro não te interessa o indivíduo. O indivíduo em particular pode...
É mais ou menos irrelevante o que lhe acontece. O que lhe
interessa são os grandes números. E depois o indivíduo, quer dizer, por
absurdo até pode... Por exemplo, o panda pode ter aquela existência miserável
em que está a grande parte do dia a comer, porque ele
come vegetais, uma coisa mais ou menos absurda para um urso, mas
come vegetais, lá está, porque são menos ricos em nutrientes, têm que
estar sempre a comer, mas no entanto, apesar daquela existência bastante indesejável,
embora depois tenha aquele ar fofinho que se faz com que os
seres humanos gostem deles, a verdade é que eles conseguem sobreviver e
reproduzir-se, e do ponto de vista evolutivo é isso que interessa, independentemente
de eles terem ido para aquele caminho, não é terem subido aquela
montanha, que é uma montanhita, não é aquilo? Eles vão para uma
montanhita, não é aquilo? E com riscos enormes. Depois tem que estar
sempre a mudar de alimentação, não é? Mudam de... Mudam o habitat
ligeiramente. Aliás, os pandas
Paulo Gama Mota
Mas é engraçado que, aliás, quanto mais especializadas as espécies são, mais
arriscada, digamos assim, é a sua trajetória. Porque, se qualquer coisa mudar,
e um dos exemplos conhecidos é o da Calvária Major, que é
uma planta das Ilhas Maurícias que deixou de se reproduzir desde que
os Dodós, que é uma ave emblemática, do qual só existem imagens,
pinturas e existem uns ossos no Museu Britânico, no Museu de História
Natural. Na verdade era um pombo muito grande que já não voava.
Há um fenómeno que acontece muito em ilhas, que é os animais
crescerem muito, ficarem muito grandes e, no caso das aves, por exemplo,
perderem a capacidade
Paulo Gama Mota
Portanto, há muitas espécies que tendem a evoluir processos de muito grande
especialização. Por exemplo, há um outro exemplo muito engraçado que tem a
ver com uma orquídea e com a previsão da evolução. O Darwin
gostava imenso de orquídeas e fez muitas experiências com plantas e trouxeram-lhe
uma orquídea que tinha, digamos, uma parte da corola muito comprida e
que tem no fundo néctar. E ele olhou para aquilo e disse,
deve haver... E era de Madagáscar... E ele disse, deve haver um
inseto que tem um proboscis, isto é, que tem uma tromba tão
comprida quanto esta estrutura, para poder chegar cá ao fundo. E essa
espécie só foi descoberta 40 anos depois, mas descobriram
essa espécie.
E ali existe uma interdependência, porque aquela orquídea só é polinizada por
aquela traça. E aquela traça só se alimenta naquela orquídea. Dependem muito
uma da outra. Há benefícios do ponto de vista da planta, porque
assim ela garante que todo o seu pólen só vai para plantas
da sua própria espécie e que não se perde pelo caminho, mas
também há um risco evolutivo de, se uma desaparece, a outra também
pode desaparecer. Portanto, muitas vezes os processos de especialização acabam por dar
origem a rua sem saída,
José Maria Pimentel
do ponto de vista evolutivo. Sim, e uma especialização de um pano
simbióso tão grande que não é diferente de tu estares dependente de
um determinado meio ambiente, não é? É que ali estás adaptado ao
meio ambiente, incluindo as outras espécies que lá vivem. Nós estávamos a
falar da questão de não ser necessária a perfeição para a seleção
e há um outro lado, há um reverso da medalha, se nós
quisermos aí, que é também que a imperfeição, se não for justivamente
incomodativa, também não ser selected away, não ser removida. O caso mais
óbvio, se calhar, é o do nosso apêndice, que é um órgão
vestigial, aparentemente, que dá problemas a alguns de nós, sobretudo durante grande
parte da nossa evolução, deu problemas sérios, porque não havia provavelmente ninguém
para fazer uma... Como é que se diz? Apendicectomia. Apendicectomia, exatamente. E
no entanto, nós continuamos a tê-lo. Do ponto de vista da evolução
é compreensível que ele não seja especialmente mau, porque lá está, do
ponto de vista da evolução não é especialmente problemático que haja alguns
indivíduos a morrerem de apendicite, desde que a maioria deles não morra.
Depois acho que há outras teorias, que tem a ver com o
aprendizamento de que vai ficando mais pequeno. Se percebe, há outro aspecto
interessante, que é se vai ficando mais pequeno, imagino que a evolução
vai fazendo o apêndice encolher, encolher, encolher há uma correlação entre os
apêndices mais pequenos e a maior probabilidade de um apendicite e portanto...
Não sei. Eu apanhei isso há alguns e, portanto... Não sei. E
admito que, independentemente do caso do apêndice, faz sentido que isso exista
até em outros casos. E portanto tu acabas por estar ali numa
espécie de cat-stunt-it-doing que tu nunca te vais livrar do apêndice, porque
se ele encolhe mais, vais ter mais gente a morrer do apêndice.
Ok, mas nesse
Paulo Gama Mota
mas essa estrutura anatómica que está lá. Acontece que, obviamente, nós sabemos
que as baleias evoluíram de mamíferos, ou seja, de vertebrados tetrápodos, portanto
com 4 membros, e que perderam 2 dos seus membros posteriores e
os anteriores foram transformados em barbatanas. Mas a perda desses membros não
foi completa, Houve uma redução desses membros até um ponto em que
aquelas estruturas deixaram de ser funcionais e, portanto, de alguma maneira, tornaram-se
transparentes para a seleção natural.
São neutras.
E vão, digamos, vão-se perdendo, eventualmente perdem-se, outras vezes não. Mas é
muito curioso verificar que os órgãos vestigiais muitas vezes também mostram o
poder da seleção natural, o enorme poder da seleção natural. Por exemplo,
há alguns animais que se adaptam a um modo de vida diferente,
por exemplo, animais que se adaptam a modos de vida cavernícolas e
que são animais diurnos, um inseto ou até um vertebrado, que é
um animal que tem olhos e depois adapta-se a uma vida cavernícola.
Os olhos deles tornam-se disfuncionais e vão perdendo capacidade e isso acontece,
pensamos nós, por causa da acumulação de mutações que não são eliminadas
por seleção natural e uma vez que os órgãos não têm função
as mutações vão se acumulando, a seleção natural não elimina essas mutações
porque os órgãos não funcionam e rapidamente eles perdem funcionalidade, o que
nos mostra o valor que a seleção natural tem
do ponto de
vista de manter as estruturas a funcionar na medida em que, se
surgem mutações que tornam aquele sistema não funcional, essas mutações são rapidamente
eliminadas.
Paulo Gama Mota
Obviamente que isso não resulta de nenhuma visão teleológica nem nenhuma previsão
da seleção, porque a seleção obviamente é um processo, não é uma
entidade. Isso resulta do simples facto de que se um organismo tem
uma mutação que é altamente disfuncional, essa mutação é rapidamente eliminada porque
esse organismo não vai conseguir reproduzir-se. E, portanto, embora o mecanismo seja
este, quase parece que a seleção natural está a fazer uma função
boa, digamos assim, ao eliminar ou a manter, digamos assim, a funcionar
as estruturas. Em última análise é isso que acontece, mas obviamente que
é por um processo meramente mecanístico e não teleológico.
José Maria Pimentel
Sim, sim, até me dá piada isso. Eu estava agora a lembrar
de outro exemplo que me andei há bocadinho, não sei se conheces
este, a propósito desta questão das características não terem de ser perfeitas,
que é o exemplo dos tubarões chavo-erro, que não têm uma característica
que existe na maior parte dos peixes e que os faz, como
é que eu ia dizer, com que eles estando inertes estejam, não
é boiar à tona d'água, mas se mantenham na posição em que
estão na água. E os peixes têm isso, aparentemente.
Paulo Gama Mota
é o suficiente. Os tubarões fazem parte de um grupo relativamente antigo
de peixes que evoluíram ainda no Paleozoico muito cedo, se não estou
em erro, no Devonic, não tenho bem a certeza, mas... E o
que nós chamamos de peixes, os outros peixes, são todos peixes ósseos,
que é um grupo mais recente e que tem um conjunto de
características que são mais sofisticadas do ponto de vista evolutivo, do ponto
de vista da adaptação ao meio aquático, do que os tubarões. Algumas
delas, não é? Não quer dizer que os tubarões não sejam o
grande predador dos oceanos. Portanto, são sempre animais predadores, extremamente eficazes, mas
há algumas características que só evoluíram em grupos mais recentes, e os
peixes ósseos são um grupo mais recente. E a bexiga natatória, isto
é, a capacidade deles controlarem, através da concentração de gás dentro do
corpo, o seu nível de pressão interna e externa, que lhes permite
ficar a uma determinada profundidade, e não irem para aí abaixo, como
acontece com os tubarões. Nem para ali acima, já agora. Ou nem
para ali acima, exatamente. É algo que evoluiu mais tarde. Engraçado,
José Maria Pimentel
isso tem a ver com aquela analogia da paisagem que davas há
pouco, não é? O tubarão, no fundo, já estava no monte, não
é? E, portanto, não podia, para usar essa analogia. Exatamente. Porque as
analogias são sempre limitadas, mas tem essa característica. E há outro aspecto,
ainda da evolução, outro mito, se quisermos, E este, para mim, é
muito interessante porque eu não o conhecia até não há muito tempo,
lembro-me de ter ficado surpreendido com isso. E tem alguma coisa a
ver com o que nós estamos a falar agora, que é aquela
questão da deriva genética. Que é, tu tens mutações, como tu já
sabias, há um bocadinho de aludidas às mutações nos olhos do já
não sei que espécie é que era que se tornava cavernícola e
portanto isso acontece e se essas mutações forem prejudiciais, na verdade tem
muito a ver com aquilo que falavas, Fou prejudiciais há uma opção
seletiva para as remover. Se elas forem neutras elas manter-seão. E portanto
tu podes estar a assumir, por exemplo, nesse caso é tão evidente
que porventura não passaria pela cabeça de ninguém dizer que aquilo é
uma adaptação, mas tu podes ter muitos casos que tendes a interpretar,
nos seres humanos por exemplo, há um terreno fértil para isso, que
tu podes interpretar como sendo uma adaptação e na prática aquilo não
é uma adaptação, aquilo foi deriva genética, ou seja, houve mutações que
fizeram que acontecesse aquilo, as mutações foram neutras, entretanto, eu julgo que
também pode ter aqui um efeito importante, é também alterações do próprio
ambiente, ou seja, de teres um bottleneck qualquer da espécie ou não
sei o que, que seleciona aquelas características e faz com que aquilo
evolua, mas não em resultado de seleção.
Absolutamente.
Eu não sei, de resto, se existem alguns casos nos seres humanos
que sejam fortes
Paulo Gama Mota
candidatos a isso. Os grupos sanguíneos. O primeiro fator dos grupos sanguíneos,
o A, B, 0, daquilo que nós sabemos, é completamente irrelevante do
ponto de vista funcional, se o indivíduo é A, se é B,
se é zero. Ou seja, são neutros entre si. E a sua
existência é apenas explicada por processos de deriva genética. Há populações onde
o B é... Creio que os índios americanos têm uma frequência muito
elevada de Bs, os índios têm uma frequência muito alta de As,
e isso vai oscilando, ok? Nós não vemos muitos efeitos da driva
genética, porque as populações humanas são muito grandes e a deriva genética
tem uma particularidade, é que ela é... Produz tão mais efeitos quanto
mais pequena for a população, ok? Portanto, os efeitos da deriva genética
são muito mais intensos em populações mais pequenas. Daí a questão do
bottleneck, não é? O bottleneck é um fenómeno diferente, porque o bottleneck
tanto pode afetar genes que estão a ser selecionados como outros. Na
verdade, o que acontece é que há uma perda brutal de população
num determinado momento. E
Paulo Gama Mota
Sei lá, por exemplo, agora tem-se falado muito da peste negra. A
peste negra está marcada no genoma dos europeus, porque nós tivemos uma
redução de variabilidade genética muito grande e, portanto, somos muito homogéneos, os
europeus são muito homogéneos do ponto de vista genético, por exemplo, comparativamente
com outros continentes, outros grupos, e isso resulta de, primeiro, terem sido
constituídas por populações relativamente pequenas, inicialmente, e depois, quando cresceram, sofreram vários
gargalos de garrafa.
Paulo Gama Mota
E, portanto, isso eliminou uma parte da variabilidade genética que não é
imediatamente recuperada, nem a médio prazo, só eventualmente a longo prazo. E
isso tem como consequência que, quando tu olhas para o genoma dessas
populações, verificas que elas têm as marcas desses bottlenecks que falaste. Mas
Isso não tem necessariamente a ver com a driva genética. Ok. Agora,
a driva genética, ok, nós sabíamos que ela existia. Há uma teorização
muito importante feita nos anos 60 por um japonês, o Motoki Mura,
que vai desenvolver aquilo que é chamada a teoria naturalista de evolução,
isto é, ele vai dizer que há muitos genes que não estão
a ser afetados pela situação natural e há muitas mutações, digamos assim,
e ele propôs que havia muitas mutações nos vários nucleótidos que constituem
o ADN, que não produzem efeitos, que são neutros, e que, portanto,
podem-se acumular. E, na verdade, nós hoje sabemos que sim, por variedíssimas
razões, uma delas é que existe redundância no código genético e, portanto,
há mais do que uma sequência que codifica a mesma proteína. E,
portanto, tu podes ter uma mutação e, portanto, normalmente...
Não tem a ver com
termos de duas cópias, estás a dizer que há mesmo... Sim, tu
podes combinar os quatro nucleótidos que são a adenina, timina, citosina e
guanina, portanto as três letras A, T, C e G, quatro letras
em grupos de três dão 64 combinações, mas só há 20 aminoácidos
e essas combinações estão todas preenchidas. Há 3 que são codões de
stop, que é fim da leitura, mas o resto é praticamente constituído
por sequências, combinações que codificam um aminoácido. Sim, e várias codificam o
mesmo. Sim, a lisina ou a serina são codificadas por mais de
uma sequência. Tu podes ter o CCC, que é o aminoácido, mas
o CCA também codifica o mesmo aminoácido. Ora, se tu tiveres uma
mutação naquela posição em que o C é trocado por um A,
embora isso no genoma seja uma mutação, do ponto de vista do
indivíduo, do fenótipo, continua a ser produzido o mesmo aminoácido. E, portanto,
do ponto de vista da seleção natural, aquela mutação é transparente, porque
o indivíduo é o mesmo. Ora, nós agora, que temos acesso à
informação base, lendo a sequência do ADN, com a resolução molecular, conseguimos
ler esses transcritos da sequência e ver onde é que essas mutações
estão. E podemos comparar essas mutações, e aliás, muitas das análises comparativas
sobre tempo de evolução, como é que nós sabemos a separação evolutiva,
por exemplo, entre os humanos e os nidartais. Nós hoje temos datações
que são já datações moleculares, que estão paraladas, datações baseadas apenas nos
fósseis. E nós conseguimos fazer isso em relação a qualquer espécie. É
claro que vamos conseguir estimativas que obviamente têm um determinado intervalo de
erro, têm uma margem de erro, Mas conseguimos estimar um valor e
a margem de erro desse valor para o tempo de divergência entre
quaisquer duas espécies. E isso usámo-lo precisamente com base na deriva genética,
na ideia de que as mutações podem ocorrer aleatoriamente em qualquer parte
do genoma, mas quando vamos fazer essas comparações, vamos à procura das
partes do genoma que só são afetadas pela deriva genética. Porquê? Porque
aí nós sabemos que a probabilidade de uma determinada variante se fixar
ou ser eliminada é constante. Nas que são afetadas pela seleção natural,
não, porque a seleção natural pode acelerar ou
desacelerar. Claro, claro,
claro. E é muito interessante que, de repente, a deriva genética tornou-se
um elemento importantíssimo na teoria evolutiva. Sim, sim,
Paulo Gama Mota
com o metabolismo. Não, não. Se tu quiseres comparar fungos com animais,
há diferenças. Mas, por exemplo, se tu pegares nos vertebrados todos, não
há grandes diferenças. Naquilo a que nós chamamos o relógio molecular. Sim,
exatamente. Que é o número de mutações estimadas que é qualquer coisa
como 10 levantado a menos 7 por nucleótide por geração. Ah, este
número não diz nada, na verdade, às pessoas, mas é com base
nestes números que nós conseguimos estimar qual é o tempo de divergência
entre quaisquer duas espécies olhando para as sequências de ADN que elas
têm hoje. E isto dá um poder à teoria evolutiva brutal, porque
tu podes pegar na variação que tu consegues medir hoje e conseguir
estimar o que é que aconteceu no passado. De facto é extraordinário.
E eu, agora que
José Maria Pimentel
levantei este tema, não estava a pensar sequer nisso. Não estava a
pensar no papel da deriva genética em medir a velocidade da evolução
e naqueles genes que não têm, no fundo, são os genes que
não têm um impacto no fenótipo. Exatamente. Independentemente da questão que tu
dizias, não sofrerem pressões seletivas. Eu estava a pensar justamente ao contrário,
eu estava a pensar em genes que tinham um impacto no fenómeno,
ou seja, no aspecto e nas características daquele indivíduo. Sim, variantes genéticas
que podem impactar. E o ângulo que eu lhe estava a dar
até era um ângulo diferente, quer dizer, parece-me que são duas questões
relevantes, não é? Por exemplo, pegando se calhar no nosso exemplo, foi
por isso que eu achei que isto até podia ser interessante para
pensar nos seres humanos, não é? Os nossos primos mais próximos são
os chimpanzés e os bórnobos, não é? Nós divergimos, a nossa árvore
diverge há quantos milhões de anos deles? Sete. Sete milhões de anos.
Nós olhamos para eles, olhamos para nós e tendemos a achar que
tudo o que nós temos e eles não têm, ou vice-versa, resulta
de evolução. O que eu estava a propor é que algumas dessas
coisas podem não resultar de evolução, mas sim de mutações neutras, evolutivamente,
e portanto que nós, os seres humanos, temos e os empresários não,
ou vice-versa, não porque tenha sido adaptativo, mas simplesmente porque ocorreu. Mas
não sei se isto faz sentido. A questão do pelo, por exemplo...
Certo.
Paulo Gama Mota
Eu acho que faz muito sentido as pessoas colocarem essa questão, porque
obviamente se nos dizem ok, mas há coisas que podem acontecer por
acaso, e isso faz todo o sentido. Eu acho que aliás funciona
como uma reserva de hipótese nula, ou seja, isto será que foi
selecionado ou aconteceu simplesmente por mera casa. E aliás houve um debate
importante que envolveu o Stephen Jay Gould, o Richard Lewontin e aquilo
que eles chamaram os adaptacionistas nos anos 70, uma coisa bastante acesa,
eles escreveram um artigo, ficou muito conhecido sobre os ornamentos da Catedral
de São Marcos de Veneza, em que eles diziam, ok, a Catedral
tem uma arquitetura e os arcos das ogivas servem para sustentação, mas
os ornamentos com que elas são ornamentadas não contribuem em nada para
sustentar a... Também
Paulo Gama Mota
como os cientistas adoram usar analogias e metáforas para construir discursos e
hipóteses e teorias. Isso é muito engraçado. Mas o que é verdade
é que eu não partilho da opinião deles e acho que a
perspectiva que evoluiu dentro da comunidade científica nos últimos anos foi completamente
nesse sentido. Isto é, É perfeitamente possível que coisas aconteçam não por
seleção, mas em resultado de deriva genética. O problema é que todos
os órgãos que têm alguma função, todas as estruturas que têm alguma
função, não resultam apenas da mudança de um ou dois genes, resultam
da mudança de uma série de genes. E isso implica que há
uma alteração concomitante, isto é, aquela mudança não ocorreu só de uma
vez. Exato. E o facto de tu precisares de uma série de
alterações, todas no mesmo sentido, já começas a baixar enormemente a probabilidade
disso acontecer só por acaso. E, portanto, aquilo que nós pensamos hoje
é que, ok, é perfeitamente possível nós termos variantes genéticos na população
que são neutros e que existem, e que têm o mesmo efeito
fenotípico e que, portanto, podem existir neutralmente. Agora, uma característica que dá
uma maneira, uma adaptação, ou que pode ser uma adaptação, é difícil
de ser explicada a não ser... Se ela tem uma função, nós
podemos dizer, ok, mas Por exemplo, nós perdemos o pelo, tornámos o
macaco nu, como dizia o Desmond Morris, não completamente nu, mas enfim,
não temos o corpo completamente coberto de pelo. Exceto algumas pessoas que
sofrem de uma doença raríssima chamada hipertricose lanoginosa e que ficam com
o corpo que parecem lobisomens, correto? Sim. E podemos dizer, ok, isso
foi, digamos que, uma perda de função. Nós tendemos a reagir negativamente
a esta forma de pensar e dizer, ok, pode ser uma perda
de função, mas também pode ser uma seleção por uma nova característica,
que é, por exemplo, o facto de que a posição vertical não
tem tanto problema relativamente à insulação, e repara que na cabeça nós
continuamos
Paulo Gama Mota
e, portanto, pode facilitar. Depois, se é uma espécie muito social, eventualmente
perder o pelo pode ter vantagens do ponto de vista de diminuir
a transmissão de ácaros, que obviamente estão muito presentes nestes outros primatas,
e há um conjunto de hipóteses, ok? Nenhuma delas está firmemente comprovada.
Mas há um conjunto de hipóteses para tentar explicar porque é que
eventualmente nós perdemos o pelo. Não por ser por acaso, ok? O
por acaso está lá como uma possibilidade, mas estão lá outras hipóteses
e elas são confrontadas entre si para, enfim, dentro de algum tempo,
alguém que tenha uma ideia brilhante que consiga realmente separar estas hipóteses.
Agora, é muito difícil mostrar que alguma coisa aconteceu por acaso. É
sempre mais fácil mostrar que ela teve uma causa.
José Maria Pimentel
Sim, sim, claramente. Mas o argumento que tu levantas faz-me sentido. Tu
precisarias de vários acasos cumulativos. Absolutamente. E não bastava um só. Mas,
ainda assim, será que Nós podemos argumentar que o homo sapiens pode
ser uma exceção a essa regra, ou seja, que a regra que
tu enunciaste pode-se aplicar a maior parte das espécies, mas que no
nosso caso, por sermos uma espécie social e cultural, aquilo que nós
falámos no primeiro episódio, somos de certa forma mais resistentes a mutações
que não sejam especialmente negativas. Nós temos uma capacidade, mesmo pré-revolução agrícola,
nós temos capacidade de nos espalhar por todo o globo, desde os
sítios mais quentes aos sítios mais frios. O que significa que nos
conseguimos adaptar, talvez o pelo tivesse dado algum jeito no Ártico, mas
a verdade é que nós nos conseguimos adaptar e conseguimos superar uma
mini-idade do gelo e não sei o que, portanto conseguimos... Mini-idade do
gelo? Não, idade do gelo. Idade do gelo e depois mini-idade, e
várias mini-idades do gelo. Na idade média. Na Idade Média, exatamente. E,
portanto, nós temos uma capacidade de tolerar mutações que não sejam especialmente
negativas, que se calhar as outras espécies não têm. Eu estou aqui
a fazer um bocadinho de advogado do diabo dessa... Não, mas eu
acho que sim, acho que isso faz sentido. Não sou capaz de
Paulo Gama Mota
dar um exemplo concreto em que isso esteja demonstrado, mas para mim
faz sentido, porque se nós somos capazes de desenvolver práticas culturais que
são completamente desadaptativas, como por exemplo aqueles saltos que os homens realizam
em Vanuatu, presos por umas lianas de uma coisa com 50 ou
60 metros de altura para ficarem de suspenso. É uma espécie de
bungee jumping, mas sem elástico. É claro, com muito álcool antes. Aquilo
não faz bem à saúde a ninguém. Ou, por exemplo, a prática
de, na Nova Guiné, algumas sociedades comerem o cérebro dos adversários depois
de lutarem contra eles, e que é interpretado como uma espécie de
homenagem à bravura dos próprios adversários, pelo menos isso é uma das
narrativas construídas em torno disso, mas que tem como consequência a proliferação
de uma encefalopatia esponjiforme, portanto, uma espécie de doença das vacas loucas,
a van la letre, porque não foi pelas vacas, mas que é
um prião que causa essa doença e que obviamente destrói os cérebros
daqueles indivíduos e que é passada porque eles consomem o cérebro dos
outros. Ou seja, nós fomos capazes de evoluir práticas culturais que são
desadaptativas e mesmo assim somos capazes de sobreviver com elas, alterações fisiológicas
que podem ser ligeiramente prejudiciais, mas não tremendamente prejudiciais, podem ser mantidas
por causa de nós sermos capazes de as contrariar de alguma forma
culturalmente e eu acho que é possível, acho que é perfeitamente possível.
Mas há limites para isso, naturalmente. Sim,
claro,
claro. Mas acho que temos mais capacidade para aguentar, digamos assim, esse
tipo de situações. Exato, sim. Eu estou-me a lembrar, por exemplo, há
um arquipélago, um atol no Pacífico, que é o atol de Pingelap,
que é também chamada a Ilha Sem Cor. Aliás, há um livro
do Oliver Sacks sobre a viagem que ele fez a essa ilha,
em que mais de 10% da população tem cegueira total das cores,
tem acromatópsia, não vêem cores nenhumas. Curioso. Acontece que, por exemplo, na
Noruega havia uma pessoa com acromatópsia, uma pessoa, em toda a Noruega.
Ou seja, é uma condição genética em que há mutações entre pelo
menos 3 genes, raríssima, mas em Pingleap há imensos. Ora, acontece que
Pingleap sofreu um bottleneck, portanto houve um efeito fundador, naturalmente, que as
populações que foram para lá, alguém levava aquela mutação, e depois houve
um gargalo de garrafa e de repente uma porcentagem enorme da população
passou a ter cegueira total das cores, uma porcentagem elevadíssima, porque obviamente
10 ou 15% da população é um número elevadíssimo. E isso é
o que é, já agora, desculpe, é ver o mundo tipo a
preto e branco? Só vês a preto e branco, mas não só.
O que acontece é que tu não tens células no centro da
retina, naquilo que se chama fóvea. Portanto, tu não tens boa visão.
A tua visão é essencialmente uma visão periférica, porque os bastonetes, que
são funcionais, estão nas zonas mais periféricas da retina. Portanto, essas pessoas
veem mal.
Eu sei.
E, aliás, elas veem melhor à noite e sentem-se melhor à noite
do que durante o dia. Provavelmente, numa outra espécie, este gene tinha
sido rapidamente eliminado.
Mas nos
humanos não foi. Naquela população não foi.
José Maria Pimentel
Portanto, sim, é possível. Eu não conhecia esse exemplo, mas esse exemplo
é muito bom. Não me ocorreria nenhum exemplo melhor para transmitir esta
ideia. E há outra coisa que eu não sei se tem alguma
coisa a ver com isto, cujo nome, se eu não me saber
errar, é heterocronia, que é o facto dos seres humanos, ou seja,
o homo sapiens, de ser uma espécie que tem a particularidade de
reter características físicas da juventude na idade adulta. Eu não sei o
que é que isto é na nossa espécie, presumo que seja o
mesmo que existe nos cães face aos lobos, provavelmente a maioria das
pessoas que nos estão a ouvir não sabem disso, mas os cães
são uma espécie de um lobo jovem a vida toda. Aquilo que
a domesticação provocou foi, entre outras coisas, obviamente, é que eles retenham
uma série de características que os lobos têm normalmente só enquanto lobos
jovens, depois os adultos tornam-se muito mais violentos, perdem uma série de
características, aquela questão da brincadeira, por exemplo. Se não estou em erro,
é exatamente um exemplo disso. A brincadeira nos lobos é uma coisa,
sobretudo, da juventude. Os cães retém a brincadeira, obviamente, menos, mas retém
até à idade adulta e depois, quando ficam velhos, têm menos. No
nosso caso, não sei que exemplos temos, faça outros primatas, por exemplo,
dessa heterocronia.
Paulo Gama Mota
E considera-se que é, digamos, que aquilo que terá acontecido, embora isto
não seja consensual, aquilo que terá acontecido no processo de evolução humana,
ou seja, nós somos uma espécie de primata para alguns autores, isso
foi proposto, somos uma espécie de primata juvenil que acabou por não
atingir, digamos assim, o estado adulto definitivo e portanto teve um desenvolvimento
mais lento.
Paulo Gama Mota
Portanto, tem uma cabeça muito maior relativamente ao corpo. Eu acho que
o exemplo mais terminal disso é a Mónica, não é? Do Maurício,
aquela banda desenhada, em que metade, quer dizer, a cabeça era duas
vezes o tamanho do corpo. Mas, aqui, passando a brincadeira ao lado.
Isto não é consensual, porque há outras maneiras para explicar esta evolução
na espécie humana. Não é garantido, por exemplo, que tenha sido por
um processo de heterocronia que o cérebro humano foi ficando progressivamente maior.
Mas hoje estamos em condições de tentar saber isso, nomeadamente analisando os
genes que afetam o processo de desenvolvimento e de que forma é
que eles vão alterar esse processo de desenvolvimento. Mas um dos casos
clássicos é o de uma salamandra, um axolote mexicana, que retém em
estado adulto guelras por fora, que é um estado juvenil. Portanto, há
espécies que evoluem secundariamente características que já foram perdidas no grupo. Ou
melhor, perdidas não foram perdidas. Essas características existem em estado juvenil, mas
depois perdem-se no estado adulto. E depois há uma espécie que evolui,
atrasando o processo de desenvolvimento e, portanto, retendem adulto características dos estados
juvenis do seu grupo de onde elas são derivadas, do ponto de
vista ancestral.
José Maria Pimentel
seja, porque a hipótese é difícil de explicar. Por isso é que
eu estou a tentar perceber melhor. No caso humano, a hipótese seria
que, por analogia com essa salamandra, o que acontecia é que Os
outros primatas, a seleção tinha ditado que eles deixavam de ter determinadas
características em adultos, porque já não eram úteis, mas para nós houve
uma mutação que trouxe essas características, neste caso não é de volta,
mas as fez persistir ao longo da vida, e eles foram úteis
para nós. Sim, a ideia é essa. A ideia é essa.
Paulo Gama Mota
Por exemplo, ter menos pelo no corpo ou termos um cérebro maior.
Por outro lado, parece haver, claramente, a heteroquirurnia no processo de desenvolvimento,
porque, por exemplo, os bebés humanos nascem, do ponto de vista de
desenvolvimento, muito mais atrasados do que qualquer outro primata. Um bebê humano
atinge a capacidade de mutilidade, etc, de um chimpanzé com 18 meses,
portanto, quer dizer que ele nasceu 18 meses antes, mas é claro
que ele não podia continuar a desenvolver-se dentro da mãe, segundo uns,
por causa da pélvis, segundo outros, por causa da energia e do
consumo de energia do bebê, que é uma teoria alternativa para explicar
estes... Aquilo
Paulo Gama Mota
Esta alteração, não é? Mas o que é verdade é que... O
que é facto é que nasce cedo, não é? Nasce muito cedo.
E a cabeça está mesmo, mesmo, mesmo no tamanho da pélvis, ok?
É a mesma pele. Ao contrário do que acontece, por exemplo, nos
chimpanzés. De tal maneira que, por exemplo, nos humanos, o bebê nasce
virado para trás, ao passo que nos outros primatas o bebê nasce
virado para a mãe. A mãe pode puxar o bebê para ela,
e nos seres humanos não pode fazer isso.
Precisa de assistência.
Precisa de assistência. Claramente o parto precisa de assistência, porque a mãe
podia partir a coluna ao bebê se o puxasse, porque ele nasce
virado para trás, não virado para a frente, não virado para a
mãe. Certo, certo, sim, sim. Ser um golpe de coelho, uma coisa
terrível. E, Portanto, pensa-se que aí há um processo de desaceleração do
desenvolvimento. O desenvolvimento é muito mais lento e isto é um processo
de heterocronia. Nessa fase, muito provavelmente, a evolução foi uma evolução por
heterocronia. É a heterocronia porque tu atrasas o ponto de partida. Não
o ponto de partida, atrasas o tempo, a duração, ok? Todo o
processo desenrola-se a uma velocidade, alteras a velocidade.
Paulo Gama Mota
Ou estou a entender mal? Não sei o que é que... O
que eu estou a dizer é que se um bebê humano se
desenvolvesse como um chimpanzé, das duas uma, ou nascia pequenino, com o
cérebro muito mais pequeno, ao fim de 9 meses, ou então teria
que, para ser como um chimpanzé, teria que esperar até 9 mais
18 para encher. Sim, sim, exatamente, é isso. Portanto, se é preciso
estes 9 mais 18, significa que todo o processo de desenvolvimento foi
muito mais lentificado, muito mais desacelerado. E depois há um momento em
que aquilo não dá mais. E essa desaceleração, provavelmente, tem a ver
com a formação do cérebro, com a formação dos neurônios. Porque, ao
contrário de outros... E não só do estabelecimento de ligações mínimas entre
eles, porque ao contrário de outros tecidos, a grande particularidade dos tecidos
neuronais é que eles precisam de tempo para se organizarem, porque a
sua função resulta não da sua existência, mas da sua interação, de
eles estarem ligados entre eles. E, obviamente, isto requer tempo. O que
José Maria Pimentel
tu disseste agora tem a ver ainda com outro ponto, quanto à
especificidade da evolução, que é o facto de haver... Nós já falámos
disto quando falámos da seleção sexual, de haver uma seleção no macho
que depois passa para a fêmea, que é o facto de a
seleção poder ocorrer por via indireta, por exemplo. E vamos imaginar, por
exemplo, nesse caso da heterocronia, que... Isto é uma hipótese, obviamente, não
é, mas o exemplo dos pelos, que nós já falámos várias vezes,
era uma consequência indireta de uma evolução causada pelo cérebro. Não tem
muita piada, é isso? Sim, pode ser o resultado de uma heterocróplica.
Em teoria não é impossível que... Não é.
Paulo Gama Mota
Então, tu atrasaste o processo e ao atrasar o processo... Sim, aliás,
era isso que o Gould e o Leontien estavam a sugerir, precisamente,
que uma característica podia ser selecionada por arrasto relativamente à outra. E
nós temos exemplos, medidos inclusivamente na natureza, quando existe uma correlação fenotípica
entre traços, nomeadamente, isso acontece muito em traços anatómicos, porque existe uma
correlação muito grande entre determinadas características, sei lá, por exemplo, embora exista
uma variação grande, o comprimento e a largura de uma mão estão
fortemente correlacionadas. E acontece que se houver uma seleção, por exemplo, sobre
o comprimento, a largura muda simplesmente por causa da seleção sobre o
comprimento. E desde que isso não seja muito negativo, e portanto não
haja uma seleção que leve a desacoplar uma coisa em relação à
outra, elas tendem a manter-se, só que uma vai evoluir por arrasto
puxado pela
Paulo Gama Mota
Mas eu acho que é uma coisa relativamente à qual, há 20
ou 30 anos atrás, nós diríamos ok, isto vai ser sempre só
teorias.
E agora
já não é impossível testá-las, porque nós podemos, por exemplo, analisar que
genes é que intervêm em processos de regulação relacionados com essas características,
ver se existe alguma relação entre uma coisa e outra, ver de
que maneira é que esses genes mudaram no nosso desenvolvimento relativamente ao
desenvolvimento, por exemplo, de um outro primata e tirar conclusões sobre se
existe uma relação entre uma e a outra e, portanto, a seleção
numa afetou a evolução na outra. Não vai ser já, mas é
uma coisa relativamente à qual nós conseguimos, vamos conseguir responder. Eu acho
isto absolutamente extraordinário, porque eu lembro-me de dar aula sobre evolução e
de ouvir às vezes estudantes dizer, ah, isto é muito interessante e
não sei o quê, porque nós podemos especular e é só especulação
e, portanto, não, não, a ciência não se faz só com especulação,
é preciso testar as ideias e mesmo neste campo em que nós
estamos a reconstituir um processo que já aconteceu e que uma pessoa
dirá, ok, mas pronto, nunca vamos saber como é que aconteceu. Na
verdade nós hoje temos ferramentas para saber como é que realmente aconteceu
e eu acho isto fantástico. Pois é, e sobretudo num caso destes
em que não é um por menor, não é? Tu consegues
Paulo Gama Mota
o... Vou-te dar um exemplo que, aliás, é uma publicação relativamente recente,
que tem 3 anos. Uns investigadores puseram em cima da mesa a
hipótese de que a seleção de características anatómicas no nosso corpo é
diferente no rosto, porque nós somos muito variados, ok? Nós olhamos para
o rosto das pessoas e conseguimos identificá-las. Existe uma enormíssima variabilidade. E,
sendo nós uma espécie altamente social, ainda por cima, uma espécie... Somos
o único primata em que a esclerótica é branca e, portanto, isso
permite ver para onde é que as pessoas estão a olhar. Exatamente,
essa tem muita piada. Por exemplo, os chimpanzés raramente olham diretamente uns
para os
outros, raramente, e isso é muito comum, muito importante nos humanos, não
é? E nós percebemos à distância, inclusivamente, se uma pessoa está a
olhar diretamente para nós ou está a olhar para o lado, ok?
Precisamente
Paulo Gama Mota
olhos. Claro. Um lobo já mais frio é isso. Foram muito selecionados
por parecerem companheiro. E então, eles puseram a hipótese de que, por
exemplo, os genes que afetam a morfologia da cabeça, nomeadamente do rosto,
têm mais variabilidade do que qualquer outra parte do corpo. Então, eles
pegaram na mão, na palma da mão, e pegaram, por exemplo, no
nariz. Mediram o comprimento e a largura das asas do nariz. Só
isto. E pegaram uma amostra de pessoas e verificaram que há muito
mais variabilidade nas asas do nariz e mais, não há qualquer correlação
entre o comprimento e a largura. Está desacomplado. Mas na mão está
completamente relacionado. Ok? Pronto. A seguir eles foram à procura de genes
e encontraram. Genes que mostram que há muito mais variabilidade em características
que afetam o rosto, do que em características que afetam outros traços
anatómicos do corpo. Ok? Isso
Paulo Gama Mota
Tenho-os aqui comigo. Eu pensei em coisas que pudessem interessar naturalmente as
pessoas que estariam interessadas em um tema como este, sobre a evolução,
e, portanto, eu pensei num livro relativamente geral de introdução à evolução,
que está muitíssimo bem escrito, por um biólogo evolutivo conhecido, que é
o Jerry Coyne, que tem uma tradução portuguesa pela tinta da China,
também com o Sibiu, e que se chama A Evidência da Evolução.
Porque é que Darwin tinha razão? Além do mais, está muito bem
editado, o livro até é muito bonito, bom de manusear, e na
verdade explica, digamos, as ideias principais da evolução, da teoria evolutiva, dos
fundamentos, da informação que nós temos, quais são as evidências de que
o Darwin tinha razão, não é? Portanto, eu acho que, para uma
introdução ao tema, recomendaria sempre este livro, em primeiro lugar. E a
edição dele é relativamente recente, e a edição portuguesa também é. O
outro livro é um livro ainda mais recente, e que foi escrito
por um outro biólogo evolutivo, que tem trabalhado com lagartixas, na Jamaica
e
Paulo Gama Mota
E que decidiu escrever um livro sobre uma discussão fortíssima que tem
existido em termos da evolução acerca de quão repetível é o processo
evolutivo. Não falamos sobre isso. Não falamos sobre isso. Será que a
evolução é extremamente previsível ou a evolução é extremamente imprevisível? O Stéphane
Jagulle dizia que era altamente imprevisível e que, portanto, se a fita
da vida fosse posta a correr de novo, os resultados seriam diferentes.
Portanto, não teríamos um impacto meteorita há 65 milhões de anos, não
teria havido a extinção dos dinossauros e tudo o que teria acontecido
a seguir seria diferente. Do outro lado, também um outro paleontólogo, o
Simon Conway Morris, defende o contrário, que a evolução é extremamente previsível
e, portanto, há enormes situações de convergência evolutiva em grupos diferentes que
convergem para soluções semelhantes. E ele procura discutir este problema a partir
de estudos sobre evolução experimental, que é uma coisa muito difícil de
fazer, que é experimentar a evolução usando sistemas reais, fazendo experiências, o
que é sempre problemático, nós temos um tempo de vida relativamente curto
para estarmos a simular processos evolutivos. Mas nos últimos anos tem havido
uma série de experiências, as experiências do Richard Lenski com bactérias, que
é a Icacoli, ou do John Endler com os Guppies, e o
que o Jonathan Lozos faz, neste livro que se chama Improbable Destinies,
e que não está traduzido para português, e que tem como subtítulo
How Predictable is Evolution? Faz uma viagem por estes projetos. E o
livro está muitíssimo bem escrito, e é muito giro, as histórias que
ele vai buscar, nomeadamente porque ele vai nos falar do processo da
investigação, das dificuldades que os investigadores tiveram. Porquê é que eles pegaram
naquela ideia? Porquê é que eles decidiram fazer? O que é que
um precalce, por exemplo, e um erro deu origem a uma descoberta
e lhes permitiu compreender coisas novas? Eu achei fascinante a forma como
ele me foi falar de, inclusivamente, trabalhos de investigação, muitos dos quais
eu conhecia, outros não, mas os que eu conhecia, eu não conhecia
estas histórias. E eu acho que o livro é muito giro também
porque conta estas histórias sobre o processo da própria investigação, ao mesmo
tempo que tenta ajudar a encontrar uma resposta para uma pergunta, que
é obviamente uma pergunta fortíssima sobre o processo evolutivo. E qual é
a resposta que ele encontra? A resposta que ele encontra, Eles publicaram
na Science, o ano passado, um artigo em que juntam esses dados
e em que, basicamente, eles dizem que a evolução é relativamente previsível
em pequena escala
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. A minha intuição seria essa, não é? Ou seja,
tu pegas espécies diferentes, diferentes mas próximas, quer dizer, todas as lagartos,
por exemplo, e vais pô-las ao mesmo ambiente e elas tenderão a
evoluir com atrizes convergentes e, no entanto, se tu fizeres um zoom
out e fosses a toda a história da evolução isso de repente
já é bastante divertido, até porque há uma lógica incremental de pequenos
desvios, ou seja, aquilo pode parecer convergente ali, mas ter pequenos desvios
e se tu, de repente, puseres aquilo ao longo de milhões
Paulo Gama Mota
de anos ou até milhares de milhões... Um organismo que desenvolve um
processo metabólico que lhe permite explorar ou metabolizar uma determinada substância e
há outro organismo que desenvolve esse processo. Se eles forem espécies muito
próximas, provavelmente tu estás a ver uma reativação de um gene que
tinha sido silenciado nos dois. Exato. E, portanto, tens a mesma mutação,
eventualmente. Se são organismos muito diferentes, a solução que parece ser a
mesma, provavelmente envolve ou genes diferentes, ou inclusivamente mutações diferentes no mesmo
gene, mas que não têm a ver uma com a outra e,
portanto, do ponto de vista evolutivo, na verdade, são soluções diferentes.
José Maria Pimentel
Exato. E depois entra em jogo tudo aquilo que nós falámos na
conversa que torna isto tudo muito mais complexo. Boa, excelente. Então, olha,
terminamos assim. Obrigado. De nada. Deixem-me lembrar-vos que podem dar o vosso
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divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado
possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram
na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Carlos Martins, Gustavo Pimenta,
Eduardo Correia de Matos, Duarte Dória, Joana Monteiro, Rui Oliveira Gomes, Corto
Lemos, Joana Farialve, João Baltazar, Mafalda Lopes da Costa, Rogério Jorge, Salvador
Cunha e Tiago Leite. Até ao próximo episódio.