#89 Paulo Gama Mota - Uma viagem pela teoria da evolução: Darwin, genes, selecção sexual e...
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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o
45°. O convidado deste episódio é Paulo Gamamota, biólogo, doutorado e professor
na Universidade de Coimbra. A investigação do Paulo é na área da
Biologia Evolutiva, sobretudo relacionado com o comportamento animal e a compreensão das
suas causas evolutivas. O convidado foi também diretor do Museu da Ciência
da Universidade de Coimbra até 2015 e é atualmente presidente da Sociedade
Portuguesa de Etologia. Na nossa conversa fizemos uma viagem pela biologia evolutiva.
A evolução é um bom candidato à área mais fascinante da ciência.
Como dizia o filósofo Daniel Dennett, de quem falámos, aliás, no episódio
passado, a descoberta de Darwin da evolução por seleção natural é provavelmente
a melhor ideia que alguém já alguma vez teve. Uma ideia muito
simples de explicar, mas na prática, com a imensa variedade que existe
na árvore da vida, incrivelmente complexa. Compreender como funciona na prática a
evolução é interessante por si só, mas também nos ajuda a compreender
melhor uma série de outros aspectos, seja em outras áreas da ciência,
seja, sobretudo, no nosso comportamento humano. Por isso é um tema que
já veio a propósito de vários assuntos que abordei no podcast. Assuntos
tão diferentes como genética, inteligência artificial, antropologia, psicologia evolutiva, doenças psiquiátricas, nutrição
e podia continuar por aqui. Por isso, é uma grande lacuna ainda
não ter convidado alguém para falar especificamente de Biologia Evolutiva e fazer
uma viagem completa pela Teoria da Evolução. Este episódio preenche essa lacuna
e, para compensar, não fica por aqui. No próximo episódio, o Paulo
regressa para uma segunda parte, em que depois de termos feito esta
panorâmica, falaremos de vários outros aspectos e mistérios que tornam o modo
de funcionamento da evolução na prática tão complexo. Nesta primeira parte da
conversa com o Paulo Gamamota, fizemos então uma viagem pela evolução. Falámos
da teoria original de Darwin e do modo como foi depois complementada
já no século XX pela visão da seleção como ocorrendo primariamente ao
nível dos genes e não apenas do indivíduo e falámos também da
chamada seleção de grupo, uma área controversa da biologia que propõe que
a evolução pode também ocorrer um nível acima, não só entre diferentes
genes, não só entre diferentes indivíduos, mas também entre grupos diferentes. Mas
para haver seleção não basta um indivíduo ter maiores probabilidades de sobreviver
e por mais tempo tem que conseguir passar os seus genes para
a geração seguinte. E é aqui que entra a seleção sexual de
que falámos na última parte da conversa e que é precisamente uma
das áreas de investigação do convidado. Antes de vos deixar com o
convidado, acho que vale a pena dar mais algum contexto em relação
a alguns destes conceitos de que falámos. Se preferirem saltar este introito
e mergulhar já na conversa, é só saltar os próximos 3 minutos.
Ainda aí? Ora bem, como dizia há pouco, a lógica da evolução
por seleção natural é muito, muito simples de explicar. Funciona mais ou
menos assim. Em qualquer população de organismos existem mutações nos genes que
fazem com que cada indivíduo seja um pouco diferente dos outros. E
algumas dessas diferenças vão dar a alguns indivíduos uma vantagem de sobrevivência
e, portanto, também mais hipóteses de reprodução. E, portanto, esse gene, essa
característica, vai tornar-se mais comum na geração a seguir. E basicamente é
isto. Agora é repetir este processo durante muitas muitas gerações e em
algumas centenas de milhões de anos, onde no início tínhamos amíbas, podemos
ter uma população de elefantes ou, já agora, de homo sapiens. Como
referi à pouco, a teoria de Darwin foi complementada já no século
XX pela descoberta de que é sobretudo ao nível dos genes que
se joga a evolução. Uma das coisas que esta revolução da evolução
centrada nos genes veio permitir explicar é o, até aí, mistério de
como é que algumas espécies podem ter evoluído para terem indivíduos altruístas,
quando isso aparentemente está em contradição óbvia com a lógica competitiva da
evolução. Olhando para os genes, conseguimos resolver este puzzle. A lógica é,
se houver uma espécie de gene do altruísmo que influencia um comportamento
de organismo para ajudar e proteger os seus parentes e os seus
filhos, esse comportamento vai aumentar a sobrevivência deles e a capacidade de
se reproduzirem e, portanto, esse gene do altruísmo vai tornar-se mais comum
na geração a seguir porque é muito provável que esses parentes partilhem
esse mesmo gene com o indivíduo altruísta. Ainda assim, há uma outra
teoria que ressurgiu recentemente e há uma fação de biólogos que acreditam
que esta explicação não é suficiente para explicar o grau de cooperação
tão elevado que existe em algumas espécies sociais como desde logo a
nossa. E é aqui então que entra a chamada seleção de grupos.
Aqueles que defendem que este tipo de seleção existe argumentam que ela
pode ocorrer quando alguns grupos têm mais indivíduos altruístas do que outros
e quando a competição entre grupos é mais importante para a sobrevivência
do que a competição entre os indivíduos dentro de cada grupo. Já
agora, a propósito do altruísmo em grupos e de um caso extremo
da nossa própria história, quando a certo ponto falamos de Egas Muniz,
queremos obviamente dizer Martim Muniz. Finalmente falamos então da seleção sexual, que
é relevante obviamente só para aquelas formas de vida que se reproduzem
de forma sexuada. A seleção sexual também é uma forma de seleção
natural, mas aqui não diz respeito ao meio ambiente, aos predadores ou
à competição por recursos com outros indivíduos, mas sim à forma como
membros de um sexo escolhem parceiros do outro sexo para acasalar, ou
seja, a seleção intersexual, ou ao modo como membros de um mesmo
sexo competem pelo acesso a membros do sexo oposto, a chamada seleção
intrasexual. Na natureza, este modo de seleção dá origem, consoante a espécie,
a traços e comportamentos muito variados e por isso mesmo é uma
área de investigação em que ainda hoje existem muitas interrogações, o que
só a torna mais interessante, claro. E pronto, deixo-vos com a primeira
parte desta conversa com Paulo Gamamota. Paulo, muito bem vindo ao podcast,
obrigado por teres aceitado o meu convite.
Paulo Gama Mota
teoria da evolução que o Darwin formulou há mais de 150 anos
é de facto a mais poderosa e mais forte ideia em biologia,
e é a teoria mais consistente e mais sólida que existe em
biologia, e que informa o essencial do pensamento biológico em todas as
áreas, e não só, até para fora do próprio pensamento biológico, em
áreas como por exemplo a medicina ou a agricultura, porque os organismos
evoluem, e porque se nós não tivermos a compreensão dessa evolução não
percebemos o que é que está a acontecer no mundo vivo. E
de facto o Dário Nã percebeu-se que as espécies mudavam e que
havia uma transformação e nós hoje temos uma quantidade enorme de evidências,
nomeadamente fósseis, da transformação que a vida foi tendo ao longo de
muitos milhões de anos na Terra e que decorre da circunstância de
que os organismos têm uma informação que os ajuda a estruturar, que
é a informação genética, e que é uma informação absolutamente essencial para
que um organismo que tem alguma complexidade e alguns têm muita complexidade,
como por exemplo nós e os mamíferos em geral, são organismos plurissolares,
com órgãos diferentes, em que tudo tem que funcionar, inclusivamente dentro de
parâmetros extraordinariamente limitados e as pessoas até perguntam como é que uma
coisa destas tão complexa pode ter surgido por acaso. Porque essa é
uma das ideias associadas à ideia de evolução que a evolução é
um processo ao acaso. Que não é verdade, e aliás o próprio
Darwin nunca propôs tal coisa. Portanto a evolução acontece porque há hereditariedade
em primeiro lugar. E uma vez que há hereditariedade existe uma informação
que é guardada, neste caso de uma molécula extraordinariamente resistente e estável,
que é o DNA, para quase todos os organismos. Alguns não têm
propriamente a DNA, têm a RNA, que é também uma molécula com
uma natureza semelhante, mas muito mais frágil e perecível. E acontece que
essa informação é passada... Quando um organismo se multiplica e vai produzir
outros organismos, ele tem que produzir uma cópia. Isto é, aquela informação
tem que ser duplicada. E este processo de duplicação, como em qualquer
processo de duplicação, ocorrem erros. E mesmo a maquinaria celular da duplicação
do DNA tem sistemas de rectificação dos erros, mesmo assim não rectifica
os erros todos. Portanto, acontecem erros inevitavelmente em qualquer sistema de cópia.
Mesmo quando nós copiamos um CD a partir de outro CD, há
sempre alguns erros que são introduzidos, embora não sejam perceptíveis, mas eles
acontecem sempre. O segundo aspecto importante da ideia é que os organismos
são capazes de se multiplicar a um ritmo muito elevado, todos eles.
Mesmo os animais que têm uma multiplicação muito lenta, como por exemplo
os humanos ou os elefantes. O Darwin fez uma conjetura em relação
aos elefantes. E ele até fez mal as contas, não foi? Sim,
mas não foi muito mal. O cálculo é muito difícil, porque aquilo
é uma série tripla de Fibonacci. É mais complicada do que se
possa pensar fazer aquele cálculo. Porque a presunção era de que cada
fêmea tinha um filho de 20 em 20 anos, uma fêmea reproduzia-se
a 3 vezes, mas depois cada uma das séries estaria desfasada porque
cada filho nascia um ao fim de 20 anos, um ao fim
de 40, um ao fim de 60 e depois cada uma das
séries iria multiplicar dessa forma, que haveria qualquer coisa como em 800...
Em mil anos haveria mais de 8000 elefantes, que era mais do
que todos os elefantes, muitíssimo mais do que todos os elefantes existentes
na Terra, e portanto o Darwin disse, os organismos multiplicam-se muito mas
poucos dos seus descendentes atingem a idade adulta e chegam a reproduzir-se.
Só por uma analogia, uma das nossas espécies mais próximas com a
qual nós temos uma relação especial, o bacalhau. Uma fêmea de bacalhau
põe em cada época reprodutiva qualquer coisa como 2 milhões de ovos.
Na vida reprodutiva de uma fêmea de bacalhau ela irá pôr à
volta de 10 milhões de ovos, em média. E em média, desses
10 milhões de ovos, apenas 2 atingirão a idade reprodutiva e conseguirão
reproduzir-se. 2 descendentes dessa fêmea. E eu digo em média porque a
população de bacalhaus não está a crescer. Aliás, o valor até é
um bocadinho inferior a 2 porque as populações de bacalhaus estão em
contração. Portanto, nós dizemos, ok, há um grande desperdício na natureza, mas
a questão crucial aqui é porquê é que não se reproduzem todos?
Naturalmente que alguns são comidos, etc, Mas depois, além disso, há a
questão da competição. Os recursos não são ilimitados. E nós vemos isso,
por exemplo, quando uma espécie coloniza um habitat novo, uma ilha, inicialmente
há um crescimento exponencial e depois se estabiliza. E estabiliza por uma
razão. Há um fator crítico qualquer, há um recurso qualquer, que pode
ser um recurso alimentar, geralmente é um recurso alimentar, mas nem sempre,
que vai limitar a progressão. O que quer dizer que isso vai
gerar competição, ora os indivíduos vão competir entre si. E essa competição
vai fazer com que alguns consigam ter mais sucesso do que os
outros e uma parte desse sucesso pode ser aleatória, mas há uma
parte que não é aleatória. Tem a ver com a configuração genética
que esses indivíduos têm e que, havendo diferença entre eles, uns têm
uma configuração genética que é mais vantajosa do que os outros. Isso
vai fazer com que esses indivíduos, pela natureza do processo, vão produzir
mais descendentes do que os outros. Isso vai significar que na geração
seguinte vai haver mais cópias dos variantes genéticos dos indivíduos mais bem
sucedidos e menos dos menos bem sucedidos. Nós podemos pensar, por exemplo,
em girafas com um pescoço grande e girafas com um pescoço pequeno
e temos uma mutação, ok? As girafas têm todos o pescoço do
mesmo tamanho e de repente há uma mutação, há umas girafas que
têm um pescoço um bocadinho maior. Essas girafas conseguem aceder a um
alimento a que as outras não conseguem. E portanto, a representação dessa
mutação na geração seguinte vai ser um pouquinho maior porque ela consegue
reproduzir-se melhor do que as outras, e assim sucessivamente. Até que o
outro variante alélico, ou outro variante desse gene, acaba por ser eliminado,
portanto o mais pequeno, e elas ficam com o pescoço um pouquinho
maior. E na verdade, isto é o processo de evolução por selecção
natural, como Darwin imaginou. A ideia é extraordinariamente poderosa. É tão poderosa
que é usada noutros domínios. As pessoas não sabem, mas usa-se em
algoritmos genéticos, por exemplo, para desenhar algoritmos, para conceber os sistemas extremamente
complexos dos pipelines que são usados, mecanismos de seleção baseados na seleção
natural. O desenho de turbinas de aviões, de reatores dos aviões, é
também desenvolvido aplicando o mecanismo da seleção natural que assenta basicamente em
dois processos, que é um processo que gera alguma variação, portanto, temos
os indivíduos todos iguais, mas há um mecanismo que gera alguma variação,
que são as tais mutações. E aí sim, essas mutações ocorrem ao
acaso, e o acaso está aí. Depois, os variantes não vão ter
todos o mesmo impacto. Uns funcionam melhores do que os outros, e
os que funcionam melhores vão se multiplicar. Aí o sucesso já não
é acaso. E o sucesso já não é a casa, exatamente. Esse
José Maria Pimentel
exemplo tem muita piada, Vesco. Começaste por dizer que era a ideia
mais poderosa na biologia, há quem diga, que foi a melhor ideia
que alguma vez alguém já teve, o que não anda muito longe
da realidade, tendo em conta a quantidade de implicações que tem, e
de facto isso é interessante. Tu estavas a explicar a maneira como
funciona e no fundo a ideia inicial de Darwin, mas depois houve
uma uma revolução, uma mudança de paradigma, digamos assim, que no fundo
melhorou a ideia original dele, que surgiu entre os anos 60 e
70, não é? E que no fundo passou a haver o modo
primário pelo qual ocorre este processo não apenas ao nível do indivíduo,
mas sobretudo ao nível dos nossos genes. O que concorre, no fundo,
não são os indivíduos, mas são sobretudo os genes. Ou pelo menos
a concorrência entre genes ocorre a um nível abaixo do que a
concorresse entre indivíduos, não é assim?
Paulo Gama Mota
Sim, eu diria que sim. Nem toda a gente concordou com essa
abordagem, por exemplo, há figuras muito conhecidas como o Ernst Mayr, que
era uma das grandes figuras da chamada ciência moderna, ou o neo-darwinismo,
que correspondeu, na verdade, à confirmação da teoria do Darwin, tendo por
base a genética que, entretanto, tinha sido descoberta, e, portanto, isso permitiu
o desenvolvimento da genética de populações e na verdade criar uma formalização
matemática da teoria evolutiva. A evolução é das áreas mais matizadas de
toda a biologia. Como tem uma teoria muito forte é possível desenvolver
modelos com graus de previsão muito grande, mas toda a gente, digamos
assim, ou praticamente toda a gente imaginava a evolução pensando as espécies
como unidade, e aliás esse é um pensamento que está presente em
muitas pessoas e falam-se muitas vezes, ok, a espécie tem este desafio
e portanto a espécie responde e adapta-se, E que é um raciocínio
que funciona até um certo ponto, porque às vezes a espécie não
se adapta. E depois, essa lógica de raciocínio é uma lógica de
raciocínio circular. Ok, a espécie adapta-se quando se adapta, e a espécie
não se adapta quando não se adapta. E daqui já não saímos
mais. Porque na verdade a espécie não é uma entidade. Já o
organismo é um bocadinho diferente, ok? Porque o organismo é um conjunto
de células, ou pode ser só uma, mas pensando num organismo pluricelular,
uma planta, um animal, é um conjunto de células que todas elas
cooperam, porque têm exatamente a mesma informação genética e, portanto, digamos que
é uma colónia de células.
Paulo Gama Mota
Cooperam quase sempre a 100%, exceto quando deixam de cooperar. E nós
temos o cancro, por exemplo, que é uma situação precisamente em que
há células que deixaram de cooperar dentro do sistema e isso acontece
por mutações que ocorreram e que alteraram normas de funcionamento dessas células
e dizia eu que o organismo reage como um todo, digamos assim,
no seu meio ambiente. E isso é uma coisa que é muito
perceptível para nós. E na verdade, grande parte das adaptações que nós
vemos são adaptações que nós vemos nos organismos. Sei lá, nós vemos
um cato adaptado a um ambiente muito seco, sem água, e tem
estruturas para reservar água, como os camelos também têm estruturas para preservar
e reservar água, ou uma gazela que evoluiu mecanismos para poder correr
muito rapidamente, ou por exemplo um colibri que tem inclusivamente uma alteração
metabólica nos músculos peitorais que lhe permite bater asas 40 ou 50
vezes por segundo de forma a que ele possa ficar como um
inseto, como se fosse um helicóptero parado no ar, mesmo em frente
à flor, para poder introduzir o bico dentro da flor para poder
ir buscar o néctar. E quando nós vemos estas adaptações pensamos obviamente
que o organismo deve ser a unidade de seleção, porque as adaptações
nós vêmo-las nos organismos. O que acontece é que algumas destas formas
de raciocínio conduzem a becos sem saída problemáticos. Por exemplo, quando estamos
a pensar na espécie, é injustificável a ocorrência de infanticídio. Porque, por
exemplo, o infanticídio que é praticado nos leões e que é muito
comum nos primatas, os primatas são do grupo dos mamíferos, aquele onde
o infanticídio é mais comum, e isto era quase um crime, que
há 40 anos atrás, dizer que há infanticídio nos primatas e ele
é adaptativo. Isto seria uma coisa para alguém ser crucificado. A primeira
vez que uma antropóloga sugeriu esta ideia, uma americana, ela foi atacadíssima
nas conferências onde ela foi sugerir isso. Porque obviamente isso era prejudicial
para a espécie. E é, de facto. E não é por isso
que ele é selecionado. Ele é selecionado porque é benéfico para os
machos que o praticam. E as fêmeas não têm como impedir que
esse comportamento aconteça. E portanto, um raciocínio baseado na espécie não ajudaria
a explicar uma coisa destas. Portanto, há qualquer coisa
Paulo Gama Mota
modo a que ela pudesse ser os filhos deles e esse xin
se depois se propagasse. Normalmente isso acontece quando há um takeover, isto
é, quando um macho, por exemplo, num sistema poligênico, em Langouros, por
exemplo, corre com os outros, corre com o outro macho e fica
com as fêmeas. Só que as fêmeas têm crias. E enquanto as
fêmeas estão a amamentar, elas não ovulam. Então esses machos matam as
crias dos outros machos e obviamente que isto não tem nada de
consciente, não tem que ter. Evolutivamente é vantajoso para os machos aumentar
o seu tempo de reprodução. E, portanto, quando esse comportamento surgiu, ele
foi selecionado porque era vantajoso para os machos. E as fêmeas não
conseguiam impedir esse comportamento
Paulo Gama Mota
ela seja muito elevada, mas é ordens de magnitude acima dos filhos
próprios. Exatamente. Felizmente não é muito elevada, infelizmente acontece, e acontece bastante,
mas é, como dizias, é ordens de magnitude mais elevada do que
o infanticídio ou os maus-tratos envolvendo relações filiais, parentesco genético. E depois
surgiu a ideia do altruísmo. E a ideia do altruísmo não se
conseguia explicar com base na teoria... Quer dizer, a teoria é a
teoria estándar, mas era a maneira como as pessoas olhavam para ela
que era as adaptações têm que beneficiar os indivíduos. Então como é
que um indivíduo se beneficia a si próprio se não se reproduz
e vai ajudar outros a reproduzirem-se. Isto aqui gera... Era um problema.
Aliás, o próprio Darwin disse que este assunto está envolto numa nuvem
e eu não consigo entender porque é que isto acontece. O Darwin
era extraordinário porque ele era capaz não só de dissecar as ideias
todas, como as suas próprias ideias. E de pôr à luz do
dia aquilo que ele achava que eram inconsistências das suas próprias ideias.
O que requer uma atitude intelectual extraordinária, diga-se de passagem, não é?
Sim, sim, sim. É notável.
E então há um fulano, o Hamilton, que nasceu na Nova Zelândia
mas foi educado em Inglaterra, que decide ter esta ideia de pensar
o altruísmo ao nível dos géneros. Havia algumas pessoas que já andavam
a pensar nisto. Aparentemente, cerca de 10 anos antes, o Alde Hain,
que era professor em Oxford e que, para muitos, é uma espécie
de primeiro bioquímico da história e que foi uma das figuras, digamos,
da síntese moderna, formula uma ideia que aparentemente terá sido dita numa
conversa num pub. Ele disse, eu estou disposto a dar a minha
vida por dois filhos, quatro sobrinhos ou oito primos. Isto tem um
bocado de anecdótico, porque não está nada escrito, mas o que é
verdade... É capaz de ser apócrifo, sim. Sim, mas há muita gente
que diz que ele disse isso, que rabiscou umas coisas num papel
e sendo um tipo completamente idiosincrático como era o Aldeine, não é
impossível, ok? Que ele tivesse dito isto. Houve até pessoas que puseram
uma data lá, não sei onde é que foram buscar porque eu
não conheço bem essa história e não sabia que havesse datas relacionadas
com o tempo em que isso aconteceu. E então em 63 o
Hamilton produz uma pequena equação em que ele tenta justificar a evolução
do altruísmo e ele diz Imaginemos que há um gene que é
neutro e que surge uma mutação que torna os indivíduos mais propensos
para ter um comportamento altruístico. Aquilo que determina se esse gene, se
essa forma genética, nós dizemos em jargão biológico esse variante alélico, mas
vamos continuar a dizer gene que é para ser mais simples. Se
essa forma desse gene será selecionada, não se o comportamento que o
gene torna mais provável acontecer for benéfico para o indivíduo, mas se
ele for benéfico para o gene propriamente dito, para si próprio. E
ele diz isto pode acontecer se a interação acontecer entre parentes. Porque
se um indivíduo que é portador de um gene sacrificar-se a si
próprio para ajudar a salvar três irmãos ou cinco sobrinhos, se nós
multiplicarmos o sacrifício pelo ganho, ou melhor, se dividirmos o benefício pelo
ganho, ele é maior do que o coeficiente parentesco entre ele e
esses indivíduos. Portanto, a equação é uma equação muito simples e que
teve um impacto enorme na nossa maneira de pensar e levou as
pessoas a começar a olhar para o género como a unidade de
facto de seleção. E há uma série de coisas que mudaram, por
exemplo, com base nisso houve uma série de programas de investigação que
surgiram, o próprio Lúcia Dawkins sugere a existência de genes egoístas e
há uma série de genes egoístas que começaram a ser encontrados. Encontraram-se
genes que, quando estão presentes num genoma de um indivíduo, sacrificam uma
parte da descendência desse indivíduo. E só deixam que esse indivíduo tenha
descendentes que transportam essa mesma forma e iluminam a outra. Isto chama-se
enviesamento de namaiose e pode ter várias formas e está conhecido em
várias espécies. Os primeiros casos eram muito surpreendentes, ninguém sabia muito bem
explicar o que é que estava a acontecer e depois descobriu-se que
havia elementos genéticos que eram egoístas. Por outro lado...
Paulo Gama Mota
pode acontecer de várias formas e por vários níveis e alguns dos
mecanismos são conhecidos, outros não são. Isto é, sabe-se quando é que
isso acontece em algumas dessas espécies, não se sabe exatamente como é
que essa interação gera essa aniquilação, mas ela gera essa aniquilação. Por
outro lado, uma outra ideia de elementos genéticos egoístas são as estruturas
autorreplicantes que se multiplicam, por exemplo, dentro do genoma dos outros organismos.
Por exemplo, uma parte muito substancial do nosso genoma é constituído por
transposões. Os transposões são sequências genéticas, não muito longas, que se vão
multiplicando dentro do nosso genoma. Não têm qualquer função para as nossas
células e para o nosso funcionamento enquanto seres vivos e em alguns
cromossomos mais de metade da informação genética que lá está são transposões.
Quase metade do nosso genoma é constituído por transposões que são na
sua essência elementos genéticos egoístas. Egoístas não no sentido que nós utilizamos
a palavra egoísta para caracterizar o comportamento das pessoas porque obviamente na
natureza não há moral, ok? A moral é um conceito humano. Mas
egoístas no sentido em que eles estão a trabalhar pelo seu interesse
próprio. São free riders, claro. E a natureza tem tudo isto. E,
na verdade, esta perspectiva centrada no género, de repente, abriu um novo
horizonte de pesquisa e permitiu descobrir coisas que nós não imaginávamos possível.
José Maria Pimentel
Sim. Tal como, já agora fazendo um paralelo, já lá vamos, eu
acho que o maior indicador contra o chamado design inteligente, não é
a favor da evolução, não é quando a evolução produz os melhores
resultados, mas quando produz resultados defeituosos.
Que é um
bocado... Também tem alguns paralelos com isso, né? Quando há resultados defeituosos,
sei lá, como a nossa coluna, que se percebe que nós obviamente
não fomos objeto de design inteligente, mas tendo um processo que sendo
muito poderoso tem limitações inerentes como não podia
Paulo Gama Mota
É, a girafa tem uma coisa curiosa, que nós também temos, aliás,
que é a nossa laringe, que é fundamental para nós falarmos, mas
para emitirmos sons, e os mamíferos são bastante vocais, não muito vocais,
as aves são mais, mas são razoavelmente vocais, precisam de ter um
controlo nervoso da laringe. Esse controlo nervoso é feito a partir de
uma ramificação do nervo vago, que vem diretamente do cérebro e que
vai pelo corpo para aí abaixo. Acontece que esta ramificação passa por
baixo da aorta, que também é um mau desenho. O que quer
dizer que vai até ao pé do coração, passa por baixo da
aorta e depois sopra o nosso pescoço até à laringe. No nosso
caso, só tem que subir aí uns 15 centímetros. No caso da
girafa tem que subir metros porque tal como nós a girafa é
um mamífero e tem exatamente o mesmo plano estrutural que é um
plano que vem dos peixes e portanto o nervo-vaco continua a passar
por baixo da horta e é claro que incrementalmente o pescoço foi
subindo, subindo, subindo e o nervo-vaco teve que continuar a subir até
lá acima. Portanto, ele vem para baixo, passa por baixo da horta
e depois vai outra vez para cima até à cabeça da girafa.
Que é um caso incrível também de desenho estranho.
Paulo Gama Mota
parto humano é um caso paradigmático da evolução levada até o limite.
Sim.
Porque
o crânio de um chimpanzé bebê ocupa por aí 50% do canal
pélvico da mãe e portanto ele sai sem problema. No caso humano
ele ocupa mais de 90% do canal pélvico da mãe, de tal
maneira que, inclusivamente a pélvis, sofre uma dilatação. Os ossos da bacia
afastam-se na altura do parto para poder deixar uma alteração hormonal para
deixar passar a cabeça do bebê. A cabeça é tão grande que,
inclusivamente, as placas juntam-se um pouco e há uma certa compressão no
momento do parto, o que poderia ser traumático para um indivíduo que
estivesse consciente. O bebê ainda não está bem e, portanto, não parece
que seja... Não é de todo traumático, mas o parto é muito
arriscado na nossa espécie. Sim. E isso aconteceu porque nos últimos 2,
5 milhões de anos houve uma pressão seletiva enorme para a evolução
de um cérebro grande. Isso teve enormes vantagens para as espécies que
foram tendo esta capacidade cada vez com mais neurónios. Basicamente, o cérebro
de um chimpanzé tem à volta de 450 a 500 centímetros cúbicos.
O nosso cérebro tem cerca de 1.300 e 1.400 centímetros cúbicos. E
isto é quase uma triplicação do tamanho. Portanto, temos um cérebro quase
três vezes maior, duas vezes e meia e com muitíssimo mais células.
E isso aconteceu num espaço de tempo relativamente curto. Por outro lado,
os humanos têm uma posição bípede que requer que a bacia não
seja muito larga. E portanto, a pressão foi tão grande para a
evolução deste cérebro maior, sem que ao mesmo tempo a bacia pudesse
alargar, portanto estava constrangida por causa do andar, que houve uma alteração
no programa de desenvolvimento e fez com que os bebés nascessem prematuros.
Portanto, os nossos bebés, comparando, por exemplo, com outro primata, são muitíssimo
mais dependentes e só atingem a mobilidade de um primata quase aos
18 meses, pelo menos demoram mais de um ano até atingirem a
capacidade. Mas
José Maria Pimentel
sabes que apanhei a certo ponto uma coisa interessante sobre isso que,
não punha essa narrativa em causa, mas matizava de certa forma, porque
dizia que fósseis descobertos de... Ou restos de humanos pré-históricos sugeriam que
o parto naquela altura não seria tão difícil como é agora e
que, portanto, se intuía daí que a revolução agrícola talvez tivesse piorado
as coisas. O facto de nós começarmos a comer coisas com amido,
não é? Massa, arroz, que fazem o bebê, no fundo, engordar mais
do que ele engordaria nas condições da nossa alimentação mais típica da
pré-história. Portanto, dificultou ainda mais um processo que já estaria no limite,
mas tornou, na Idade Média, nós hoje em dia já não temos
noção disso, mas na Idade Média a mortandade em mães, em mulheres
que davam à luz era exorbitante, era inacreditável.
Paulo Gama Mota
Hoje em dia nós, graças à medicina, conseguimos reduzir isso para números
baixíssimos. Certo, não conheço essa ideia, mas tenho algumas dificuldades relativamente a
ela, porque o cérebro humano tem mais ou menos o tamanho que
tem hoje, seguramente nos últimos 50 mil anos e provavelmente nos últimos
200 mil anos. Não houve uma grande alteração no volume. Pode ter
havido uma alteração nas conexões e no desenvolvimento de algumas regiões e
isso é uma coisa que se vai saber mais em breve. Uma
vez que nós temos a sequenciação do genoma de Neandertal podemos comparar
com os Neandertais estamos a descobrir coisas relativamente, por exemplo, a genes
que estão relacionados com o desenvolvimento da linguagem e que sabemos que
há mutações que não aconteceram ao longo de um período evolutivo longuíssimo,
de 30 a 40 milhões de anos, e de repente há duas
mutações. Portanto, é um gene altamente conservado e de repente tem duas
mutações. Essas duas mutações estão ambas presentes nos humanos modernos e nos
neandertais. E nós sabemos que há pessoas que têm mutações nesse gene
que têm uma deficiência linguística. Ok? Portanto, sabemos que o gene afeta
a produção do discurso. Mas investigações mais detalhadas subsequentes mostraram que noutras
zonas de regulação desse gene há mutações que já só estão na
linhagem humana, que já não estão nos neandertais. O que quer dizer
que houve algumas transformações que são posteriores, digamos assim, à separação entre
os humanos e os neandertais. Mas não houve muitas alterações. Por outro
lado, eu acho que a coisa mais difícil num parto é passar
a cabeça. Portanto, não é tanto o volume do corpo da criança
que constitui o maior problema no nascimento. Portanto, eu tenho algumas dificuldades
com essa ideia. Eu percebo. E
José Maria Pimentel
eu próprio também tive essa impressão, mas sabes que eu já ouvi...
Aliás, lembro-me quando a minha filha nasceu, também ela tinha um perímetro
abdominal acima do percentilo 50, talvez ajudasse. Mas eu lembro-me da médica
do obstetra dizer que a maior dificuldade até normalmente estava na barriga
e não no crânio, mas não era essa a impressão que eu
tinha de continuar a não ser. Portanto, confesso que fiquei curioso em
relação a isso. Mas já que estamos a falar nos seres humanos,
deixa-me voltar atrás à questão dos genes e da cooperação e no
fundo a partir do momento em que nós percebemos que a evolução
corria ao nível dos genes conseguimos perceber fenómenos lá está como a
cooperação e chegar ao entendimento daquilo que se chama, julgo que em
português a denominação é assim, seleção de parentesco, não é keen selection,
não é perceber que fenómenos como aquilo que tu falavas à pouco
de um determinado indivíduo se sacrificar porque no fundo aquilo é melhor
para um gene que ele tem e que partilha com os seus
parentes. E isso explica uma série de coisas, explica em várias espécies
a proximidade e a cooperação entre membros de, entre indivíduos que partilham
50% dos nomes, ou 25%, 12, 5% o que for. E explica
também nos seres humanos, quer dizer, é uma das coisas obviamente que
explicam porque é que nós somos tão apegados aos nossos filhos porque
é que somos apegados aos nossos pais e aos nossos irmãos, embora
depois de tudo isso também interajam entre si. E uma dúvida com
que eu fiquei em relação a nós é, por exemplo, vamos tirar
daqui a parte consciente, não é? Porque tudo isto, nós estamos programados
para que isto aconteça a nível inconsciente, não é? A chave é
essa, não é? Depois, obviamente, que o nosso consciente permite raciocinar sobre
uma série... Racionalizar. Exatamente, sobre uma série de... Quer dizer, racionalizar em
certo sentido e idealmente também raciocinar por cima disso e eventualmente tomar
decisões diferentes, graças à razão, mas ainda assim nós temos esse ímpeto
e é claramente esse ímpeto que gera uma série de emoções humanas
como o amor, a amizade, quer dizer, a amizade não tanto, mas
o amor que nós sentimos por aqueles que nos são próximos. E
no caso dos filhos, por exemplo, apenas ao nível do inconsciente, esta
programação genética que nós temos perante um ser que partilha connosco 50%
do nosso genoma, hoje em dia nós, se eu tiver um filho,
sei que o filho é meu, à partida, mas como é que
ela acontece, ou seja, que sinais inconscientes é que existem? Há um
sinal ao nível do fenótipo, ou seja, a minha filha ou o
meu filho tenderá a ser parecida comigo e, portanto, isso em si
mesmo dá uma série de sinais. Mas há outros sinais, Ou seja,
por exemplo, o cheiro pode transmitir inconscientemente que aquele bebê é meu
filho, é o meu descendente, isto no ambiente pré-histórico e possivelmente até
pré-linguagem, antes da linguagem existir? Não,
à partida
não.
Paulo Gama Mota
Cada indivíduo tem um odor próprio e as experiências que se tentaram
fazer para encontrar uma espécie de filiação nos odores não mostra que
exista tal coisa. Os odores são memorizados muito precocemente pelos indivíduos. Nós
somos uma espécie muito pouco... Perdemos muitos receptores, perdemos muitos neurónios, perdemos
muitos genes relacionados com o olfato que continuam lá e que, portanto,
são pseudogenes que deixaram de funcionar e continuam no nosso genoma mas
os primatas são espécies muito visuais, é um grupo muito visual e
que têm muito pouco olfato, comparativamente, por exemplo, com outros mamíferos. A
questão é que, mesmo assim, nós damos importância ao olfato, e o
olfato é um marcador, mas, por exemplo, quando em mamíferos se fizeram
cross fosterings, isto é, que se pegaram em crias de duas fêmeas,
que nasceram na mesma altura e foram trocadas de mãe. O reconhecimento
entre as irmãs, portanto entre as filhas, acontece entre as filhas da
mesma ninhada, independentemente de elas serem geneticamente parecidas ou não. Se eu
trocar metade das filhas de uma fêmea para a outra, estas filhas
vão reconhecer as irmãs adotivas como irmãs delas. E não vão reconhecer
as irmãs verdadeiras. Exatamente. Se se vierem a cruzar com elas mais
tarde. Portanto, este reconhecimento do ouvidor é um reconhecimento aprendido. Não é
uma informação que me permita determinar a relação de parentesco. Pois, na
espécie humana isso pode ser problemático porque a maternidade é certa e
a paternidade não é necessariamente. Mas
José Maria Pimentel
a pergunta que eu fiz, eu falei de nós, não falei da
espécie humana, mas para mim é interessante para todas as espécies. Para
nós é especialmente interessante porque nós como temos linguagem e consciência e
capacidade de raciocinar por cima disso, no fundo, em certo sentido, isso
agiria sempre por cima desse substrato mais inconsciente. Mas eu fico muito
curioso é como é que funciona na prática, porque se esta seleção,
por parênteses, que depende da partilha genética, tem que haver na natureza
maneiras dos indivíduos saberem quem é que partilha os géneros com
Paulo Gama Mota
eles. Claro. Basicamente, em espécies que evoluíram como, por exemplo, espécies monogâmicas
ou espécies muito sociais, em que os indivíduos mantêm uma ligação muito
próxima dentro do grupo, Por exemplo, em muitas espécies de mamíferos sociais,
o que nós temos, o grupo social, são linhagens matrilineares. Portanto, são
fêmeas que são avós, mães, filhas. E normalmente os machos, quando atingem
uma determinada maturidade, dispersam. E vão ter comportamentos separados das fêmeas. O
que quer dizer que dentro daquele grupo os indivíduos reconhecem-se porque não
há transferências entre grupos. Exato. Ou
Paulo Gama Mota
E portanto, esses mecanismos funcionam porque o sistema de reconhecimento é muito
básico. Na verdade, em algumas rãs, por exemplo, são variáveis das características
do meio ambiente, marcadores químicos do meio ambiente, que permitem aos indivíduos
reconhecerem-se uns em relação aos outros e não o próprio odor dos
indivíduos de uns em relação aos outros. Mas em todos os casos
em que há alguma forma de reconhecimento ele tem a ver com,
digamos, as características evolutivas, ecológicas, sociais dessa espécie. Em que um mecanismo
relativamente simples e que funciona em 90% ou 95% das situações é
bom o suficiente. Exato, exato.
Paulo Gama Mota
Não, testes de DNA não é preciso. Os ricos fazem testes de
DNA, na realidade somos nós. Quando queremos, por exemplo, determinar se alguém
é filho de outra pessoa e obviamente uma parte dos testes de
DNA são testes relacionados com a atribuição de paternidade. E hoje em
dia têm um grau de precisão muito elevado, portanto um grau de
exclusão em que nós estamos a falar de 99, 99% de certeza
que se houver um matching, se houver uma correspondência, naturalmente que aquela
criança é a filha daquele pai. Aqui há 40 anos atrás era
mais difícil conseguir ter níveis tão elevados. Aliás, é engraçado porque o
próprio Dawkins também formula uma ideia para isto, o que ele chamou
de green beard, a barba verde. Isto é, se eu tiver um
género qualquer que de alguma maneira faça com que eu apareça com
uma característica fenotípica específica e que é partilhada pelos outros indivíduos do
meu grupo, o altruísmo ou a cooperação evoluirão com facilidade se eu
dirigir os meus comportamentos altruísticos para com indivíduos que se parecem comigo.
E na verdade a nossa espécie, que é das espécies mais cooperativas
que há, embora as pessoas tendem a olhar-se um bocado para o
nosso lado muito competitivo e mau, etc. Nós ainda agora vimos, assistimos
a inúmeros casos de altruísmo extremo, nomeadamente dos médicos, que têm estado
a tratar as pessoas em Portugal, as imagens que nós vimos de
Itália, etc, que nos mostram milhares de exemplos de altruísmo, de facto,
dedicação dos humanos para com outras pessoas e isso não se explica
por este mecanismo de seleção de parentesco, porque aqueles indivíduos não são
nossos parentes. Claro. E digamos que há agora um consenso progressivo de
que a seleção de grupo terá sido muito importante na evolução da
nossa espécie. E terá ajudado a criar mecanismos de reconhecimento dentro do
grupo. E há vários mecanismos e há vários níveis de reconhecimento. Nós
podemos pensar a cooperação como se fosse uma cebola. Nós temos várias
camadas como a cebola. Quanto mais as camadas são interiores, mais A
cooperação é intensa. Portanto, nós temos uma enorme cooperação no nosso núcleo
familiar. Depois, a outra camada serão os amigos. E depois são as
pessoas que partilham os nossos traços culturais. E depois são as pessoas
que partilham a nossa língua. E Dependendo do contexto, estes marcadores culturais
vão definir uma fronteira entre os que pertencem e os que não
pertencem. E
nós
vamos cooperar com os que pertencem e não cooperar com os que
não pertencem. E isto é, digamos, a base evolutiva da cooperação na
espécie humana e que levaram de facto à evolução de fortíssimos mecanismos
de cooperação que foram favorecidos precisamente porque beneficiavam o grupo e também
beneficiavam os indivíduos quando estavam dentro desses grupos. Porque um grupo mais
cooperativo é mais bem sucedido do que um grupo de indivíduos que
não cooperam e que não se entram e ajudam entre eles.
José Maria Pimentel
Sim. Levantaste aí a seleção de grupos, já lá vamos. Deixamos só
terminar a questão desta seleção por parentesco baseada nos genes. Por exemplo,
em relação aos seres humanos, que é aquilo que é obviamente mais
intuitivo para nós, Há outros fenómenos que não sejam explicados ao nível
do indivíduo e que esta seleção por parênteses permita explicar ao nível
dos genes. Por exemplo, ocorreu-me há um mistério evolutivo, que é evidente,
e acho que não está completamente resolvido e por isso até me
ocorreu perguntar. Que é a questão da homossexualidade. Aparentemente, se tu olhares
para o indevido, aparentemente não faz sentido, porque é alguém que não
se vai reproduzir, seja homem ou seja mulher, alguém que não se
vai reproduzir. E eu estava a pensar, isto talvez pudesse ajudar a
explicar, no sentido em que, claramente é alguma coisa que evoluiu, Isso
parece evidente, senão não seria tão comum como hoje em dia nós
sabemos que é. Esta seleção de parênteses poderia ajudar a explicar, no
sentido em que tu podes não estar a reproduzir-te a ti próprio,
podes não estar a gerar descendência direta tua, mas podes estar a
ajudar ou a aumentar a probabilidade de que aqueles que partilham géneros
contigo, por exemplo, um irmão ou uma irmã, vá gerar não só
mais descendência, como descendência com maior capacidade de sobreviver e depois gerar
a própria descendência de si próprio. Não sei se isto faz sentido,
foi algo que me ocorreu.
Paulo Gama Mota
Sim, essa é uma conjetura que é perfeitamente possível de fazer-se, mas
há mais. Na verdade há imensas hipóteses sobre porquê que a homossexualidade
tem uma persistência que rondará cerca de 6% na população masculina, que
é uma fração bastante elevada e é incerto no caso da população
feminina. É mais difícil de determinar. Mas, portanto, tem uma persistência relativamente
elevada e sabe-se que, obviamente, isso não é recente. Obviamente, era muito
comum na Grécia antiga, na Roma antiga, que têm, obviamente, relatos escritos
destes processos e que nos dá uma ideia de que não era
uma coisa... Não é uma coisa recente, é uma coisa que existe
há muito, muito tempo na espécie humana. Sim.
José Maria Pimentel
Nós normalmente falamos, até do ponto de vista político, e faz sentido
que o façamos, de homossexualidade feminina e masculina como a mesma coisa,
porque do ponto de vista dos direitos obviamente são. Mas do ponto
de vista evolutivo até talvez não sejam. Talvez sejam fenómenos diferentes, não
é? Esse lado mais binário da homossexualidade masculina e aparentemente mais difuso
da homossexualidade feminina, o que torna difícil medir, por exemplo, essa questão
de... Também já tinha apanhado isso, no fundo é... Se calhar também
tem que ver com o facto de terem evoluído por razões diferentes,
não é? O que no fundo ainda torna mais interessante e complexo
o problema.
Paulo Gama Mota
Não fazemos ideia, até porque até hoje não se conseguiram encontrar marcadores
genéticos da homossexualidade. Existirá seguramente alguma coisa, mas ela está muito difusa
no genoma e provavelmente resulta da confluência de uma série de configurações
genéticas que produzem essa situação. Uma parte delas seguramente ligadas ao cromossoma
X. E eu aí diria que algumas das diferenças não são assim
tão grandes porque há seguramente uma alteração do ponto de vista de
coisas que são muito profundas do ponto de vista do funcionamento do
cérebro e que uma pessoa não tem condições de mudar, Ou seja,
eu não posso mudar porque desejo e porque quero que as pessoas
se sentirem-se fisicamente atraídas por pessoas do seu sexo e não do
sexo oposto. Isto é uma situação de uma pessoa homossexual. Um homossexual
sente-se atraído por pessoas do seu sexo, mas não se sente atraído
por pessoas do sexo oposto. Depois temos um gradiente de situações. Obviamente
que isto não é tudo igual e existem obviamente variantes aqui e
é por isso que o fenómeno é também um pouco difícil de
caracterizar. E não é só por isso, obviamente, porque tem sido muito
perseguido e anatomizado ao longo da história. Relativamente àquela conjetura que tu
apresentaste, há inclusivamente uma hipótese de cuidados parentais chamada Grandmother Hypothesis, a
hipótese de que a menopausa seria uma espécie de processo que garantiria
que as mães ficariam a ajudar as filhas a ter os seus
próprios filhos e, portanto, uma espécie de cuidado parental extensivo. Sim. E
também
Paulo Gama Mota
Pois, mas nós também verificámos que, por exemplo, nos chimpanzés, também há
perda de capacidade reprodutiva a partir de uma certa idade e, portanto,
as fêmeas não se continuam a reproduzir durante a vida toda. E,
provavelmente, a menopausa acontece-se em consequência de outros processos, ou seja, houve
uma seleção para os indivíduos se reproduzirem e no pico da sua
fertilidade, aquilo que acontecia no fim da sua fertilidade não tinha muitas
implicações sobre a seleção desses genes. Claro, exatamente. Essa é que é
a chave. Essa
aliás é uma das teorias usadas para explicar o envelhecimento. Os genes
que têm efeitos depois dos indivíduos terminarem a sua vida reprodutiva ou
já estarem mortos, por exemplo, e é preciso não esquecer que grande
parte do tempo evolutivo da nossa espécie, a esperança de vida, seria
tipo 40, 45 anos. Portanto, genes que se manifestavam depois disso e
que tinham efeitos deletérios depois disso não eram eliminados, não eram selecionados,
porque não afetavam a outra parte. E até aliás podiam ser vantajosos
em períodos mais precoces. E em relação aos comportamentos homossexuais há um
sei número de hipóteses. Eu tenho uma atitude relativamente às hipóteses formuladas
sobre a evolução dos comportamentos humanos ou de características humanas que é
não vamos saltar de hipóteses para afirmações comprovadas antes que nós sejamos
capazes de confirmar essas ideias com evidências empíricas suficientemente sólidas. Até porque
é uma área que tem naturalmente implicações significativas sobre a vida das
pessoas. E, portanto, eu tenho uma atitude relativamente a isso, muito cautelosa
se quisermos, de ok, há outras explicações possíveis. Mas
Paulo Gama Mota
Certo, mas não Temos uma ideia para porquê que evoluiu. Não, isso
eu sei que não. Pode, por exemplo, haver um conjunto de genes
que são selecionados por serem particularmente vantajosos em determinadas condições e esses
genes terem como consequência, por arrasto, a ocorrência de níveis mais elevados
de comportamentos homossexuais, portanto de haver uma determinada persistência. Por exemplo, sabe-se
que nas populações africanas há uma persistência relativamente elevada de doenças mentais,
nomeadamente esquizofrenia, que exibem alguma seletividade positiva, que é uma coisa que
não faz sentido. A seletividade positiva só se consegue explicar porque isso
é um resultado indireto de outra coisa que está a ser selecionada.
E portanto tem um efeito colateral por algo que está a ser
selecionado por outra razão.
José Maria Pimentel
Qual é o termo técnico para isso em biologia? São genes que
são selecionados por arrasto evolutivo. O que é interessante disto da evolução
é que é uma coisa que se define em duas linhas, em
duas linhas explícitas, a questão da variação e depois seleção, mas depois
na prática é extraordinariamente complexo. Há uma série de... Quer dizer, a
confluência entre o teu material genético, o ambiente... O ambiente no sentido
de lato, que é a comida dos predadores, bem, a própria seleção
sexual que já lá vamos, não é? Portanto, no fundo, da tua
reprodução, exatamente dependendo do sexo oposto. Quer dizer, tudo isto gera, isso
é que tu aludias, que é no fundo um gene poder ser
selecionado porque é vantajoso para um determinado efeito, mas depois ter um
efeito colateral que é desvantajoso e se nós estamos focados apenas no
efeito cotor, ocorremos o risco de fazer aquele tipo de raciocínio de
dizer Ora bem, se isto
Paulo Gama Mota
evoluiu é porque era adaptativo, não é? Sim, há um sem número
de exemplos, por exemplo, efeitos no tamanho. Há variações alométricas que resultam
de, por exemplo, se houver uma relação que está relativamente presa nos
genes que determinam o comprimento do bico de uma ave e a
largura do bico e elas não estão desacopladas, como por exemplo existe
uma relação entre o comprimento da mão e a largura. Se nós
pegarmos na população dos portugueses ou dos europeus e formos relacionar o
comprimento da mão com a largura da mão, existe uma correlação muito
forte. As mãos maiores são mais largas só por serem maiores, portanto
existe uma relação alométrica. Por exemplo, em relação à face isso já
não acontece. Se nós formos medir a largura do nariz e a
sua altura, eles estão completamente desacoplados, não há qualquer relação entre uma
coisa e a outra. Digamos que o género que determina o comprimento
do nariz não tem interação com o género que determina a largura
do nariz. Mas no caso da mão tem. E portanto, se os
indivíduos forem selecionados para ter uma mão muito maior, eles vão ter
uma mão mais larga. E se nós nos concentrarmos na largura da
mão à procura de uma explicação. Quando a seleção foi por causa
das mãos serem mais compridas, nós podemos inventar muitas explicações, mas elas
não são verdadeiras. Por isso temos que ter sempre esta reserva mental
de perguntar, ok, será que a seleção está a acontecer por causa
deste traço ou por causa de um outro traço e ele está
simplesmente a evoluir por correlação? E há inúmeros casos na natureza de
situações destas. Esta
José Maria Pimentel
é muito assim, isso é muito a piada, nunca, Não fazia ideia,
nunca tinha pensado nisso. E aliás, agora lembraste-me, estas conversas são assim,
eu não estou esquecido da seleção de grupos, já lá vamos, mas
agora lembraste-me de uma coisa que eu já reparei várias vezes e
acho que és a pessoa certa para eu perguntar isto. Eu nunca
vi isto escrito em lado nenhum, mas é algo que fui observando
e acho que corresponde à nossa experiência. Se tu dispuseres num gráfico
o espectro de alturas de... Numa curva das alturas de população do
sexo masculino e na outra população do sexo feminino, eles basicamente intercetam-se
e têm médias diferentes. Os homens têm... Em média serão mais altos,
as mulheres têm média mais baixa, mas há uma grande parte que
se interceta. Se tu fizeres o mesmo com, por exemplo, o comprimento
do pé, por exemplo, eu acho que elas estão mais desfasadas. Ou
seja, se eu meço à volta do metro e oitenta, por exemplo,
se eu tiver com uma mulher que meça o mesmo que eu,
provavelmente o pé dela vai ser mais pequeno do que o meu.
Eu calço 43, 44, provavelmente ela calçará tipo 41, por exemplo. Que
é um fenómeno interessante, faz ideia porque é que... Não, é a
mesma
Paulo Gama Mota
coisa. Há uma relação holométrica entre a altura e as extremidades do
corpo. Mais uma vez, há pessoas que, por exemplo, têm um tronco
pequeno e uns membros compridos e pessoas que têm um tronco muito
curto e uns membros... Perdão, um tronco muito grande e uns membros
muito curtos. Mas isso são... Exceções, sim. São exceções, quer dizer, estão
longe de ser a maioria, não é? Quando tu começas a fazer
um plot, não é? Fazer um gráfico em que vais sumando as
várias pessoas. Aliás, há uma relação linear lindíssima se nós formos relacionar
a estatura dos indivíduos e o comprimento do pé. Porque eles estão
linearmente relacionados.
José Maria Pimentel
seleção de grupo, que é um tema interessante porque é um tema
muito controverso hoje, ou quase sempre, mas sobretudo hoje em dia, antes
de discutirmos em mais detalhe convém explicar o que é que isto
significa na prática. O que nós estamos a dizer na prática e
o que os proponentes deste tipo de seleção dizem, não é que
obviamente que a seleção só ocorra no nível do grupo, é que
existem vários níveis de seleção, existe o nível de seleção primordial a
nível genético, que é o que tem mais influência de todos, por
cima desse é o nível do indivíduo e por cima desse poderá
haver seleção também entre o grupo, que será sempre menos determinante do
que as outras, mas poderá, em alguns casos, quase certamente ser determinante
e ser o suficiente para determinadas características evoluírem. E este é um
tema interessante porque é um tema em que muitos daqueles responsáveis por
aquela mudança de paradigma que nós estávamos a falar há bocadinho nos
anos 60 e 70 com a explicação da evolução ao nível do
género e que nos permitiu perceber isto nós falámos há bocadinho da
cooperação e da selecção de parentesco, essas pessoas estão, grande parte delas,
Richard Dawkins incluído, contra os proponentes da selecção de grupo e no
fundo dizem que nós não precisamos da selecção de grupo para explicar
uma série de comportamentos, seja noutras espécies, seja nos seres humanos. Mas,
se eu não estou enganado, tu és daqueles que acreditam que a
seleção de grupo tem poder explicativo. Sim,
Paulo Gama Mota
acredito que a seleção de grupo tem poder explicativo. Mas eu acho
que esta minha posição é uma posição que é progressivamente mais consensual
dentro da biologia evolutiva. Isto é, a seleção pode ocorrer a vários
níveis. Inomeadamente pode ocorrer ao nível do grupo. Eu Acho que obviamente
isso teve a ver com a gênese da ideia da seleção ao
nível do género e da seleção individual porque havia algumas explicações que
se davam para comportamentos de animais que tinham uma lógica errada. Aquela
ideia de que o animal se sacrifica sem prol do grupo é
uma afirmação demasiado forte para ser feita de animo leve é preciso
encontrar comprovativos muito fortes para que realmente assim seja porque temos explicações
mais simples para esses comportamentos e as explicações mais simples são a
seleção individual ou a seleção a nível do género. Aliás, há um
exemplo clássico em que, por exemplo, uma fêmea de chapim real é
capaz de fazer uma postura de até 15 ovos. Que é uma
coisa bárbara porque é mais do peso da fêmea em ovos que
ela faz. Ela põe mais do que o seu peso em ovos.
É um investimento energético, uma coisa absolutamente extraordinária. Mas a maioria das
fêmeas põe 8, 9 ovos. Não põem 12 ou 13 ou 14
ou 15. Embora possa. Ora, a ideia da seleção de grupo surgiu
dentro deste contexto. Dizer, ok, os animais contêm-se na sua reprodução para
não superarem a capacidade de suporte do meio. E o que as
pessoas que vinham com esta bagagem da abordagem genética fizeram foi dizer
isso não faz sentido nenhum. E foram observar, ok? E verificaram, por
exemplo, que existe uma relação negativa entre o número de crias e
o peso com que elas saem do ninho. Ou seja, são na
mesma dois pais. Se estiverem a alimentar seis crias ou se estiverem
a alimentar doze crias, eles trazem a mesma quantidade de comida, mais
ou menos, e portanto as crias, em maior número, vão sair mais
leves. Há um senão aqui. É que essas crias mais leves sobrevivem
muito menos, são muito mais facilmente perdadas do que as outras. Portanto,
existe aquilo a que nós chamamos de um compromisso, isto é um
trade-off, entre investir em muitos filhos, mas pouco em cada um, ou
investir em menos filhos e mais em cada um. E os modelos
teóricos mostraram que, neste caso, a virtude... Que é um trade-off de
qualquer pai de centros agora. Certo. A virtude estava no meio. Isto
é, as fêmeas que investiam mais em 8 ou 9 descendentes, Na
verdade o modelo apontava para 10 e a média era 9. Isto
por acaso é um exemplo muito engraçado. E portanto havia um ligeiro
desfazamento entre o tamanho ideal, que era 10, e o número médio,
que andava entre os 8 e meio e os 9. Mas não
11 ou 12, porque terem mais filhos não significava terem mais sucesso.
Na verdade as fêmeas estavam a otimizar o tamanho da ninhada relativamente
aos seus descendentes. É claro que as fêmeas não estão todas nas
mesmas condições e não têm todas um território da mesma qualidade. Uma
fêmea que esteja em melhores condições e com um território de melhor
qualidade, pode fazer uma postura maior. Uma fêmea que esteja em piores
condições e tenha um território de pior qualidade vai fazer um investimento
mais pequeno e, portanto, existe sempre alguma variação. Mas essa variação é
uma revariação relacionada com o investimento que o indivíduo faz, não que
ele esteja a conter-se de se reproduzir em prol do grupo. Depois
os investigadores foram medir a sobrevivência da fêmea de um ano para
o ano seguinte, que é aquilo que nós chamamos de valor reprodutivo
residual. Quanto é que o animal reserva para se manter, para sobreviver
para o ano seguinte? E eles verificaram que as fêmeas que exageravam
no número de descendentes que tentavam ter sobreviviam menos para o ano
seguinte. Quando eles ajustaram este valor, a média ideal dos 10 passou
para os 9. Incrível. Até um exemplo muito concludente de que os
animais estão a desenvolver estratégias que otimizam o seu sucesso reprodutivo dentro
das condições em que eles vivem, mas que estão a maximizar ou
a procurar maximizar o seu sucesso reprodutivo, não o do grupo. Então,
de um modo geral, essas situações na verdade não são explicáveis por
seleção
Paulo Gama Mota
Carrega até porque alguns dos proponentes da seleção de grupo, mais tarde,
nomeadamente o Wilson, não o Dali, o Wilson, o Edward Wilson, Forçaram
muito a barra relativamente à ideia da seleção de grupo. Disseram que
grande parte da explicação da evolução toda acontecia essencialmente por seleção de
grupo. E na verdade a seleção de grupo, para funcionar, continuando nós
a pensar em genes, requer duas condições. Primeiro que os grupos sejam
fechados, que haja muito pouca migração, de modo que os grupos que
são altruístas, digamos assim, ou seja, que os indivíduos não exploram os
recursos até ao limite em prol do próprio grupo, mantém-se relativamente fechados
e não pode haver trânsito entre grupos, porque senão os grupos egoístas,
digamos assim, invadirão os grupos altruístas e os freeriders aproveitar-se-ão dos benefícios
sem terem os custos. Portanto, uma das pré-condições é que haja muito
pouca migração entre os grupos. Portanto, os grupos têm que ser relativamente
fechados. E isto não é muito comum acontecer. A outra condição é
que haja um tempo suficiente para que haja uma seleção ao nível
dos grupos, porque a seleção ao nível dos grupos está sempre muito
mais lenta do que a seleção ao nível dos indivíduos ou a
seleção ao nível dos géneros. E, portanto, estas duas pré-condições fazem com
que a seleção de grupo pode perfeitamente acontecer mas está muito constrangida
nas suas possibilidades.
José Maria Pimentel
Essa questão é chave, essa questão da duração. Agora, a minha dúvida
em relação a isso é a seguinte, mesmo admitindo que essas duas
condições existem, portanto existe uma separação mais ou menos tanque e ela
dura tempo suficiente, como é que surgem os géneros cooperativos? Ou seja,
como é que se dá o caso de numa das populações que
ficou isolada existirem esses géneros cooperativos? De onde é que eles vieram?
Surgirem número suficiente, não é? Não é haver uma mutação, mas ela
tem que ter ganhado suficiente tração para... Qual é a lógica? Que
ela surge primeiro ao nível genético, naquela lógica de onde nós falámos
há bocadinho do grau de parentesco, que no fundo dá
Paulo Gama Mota
o primeiro impulso e depois a seleção de grupo dá o outro
impulso? Eu imaginaria que funciona melhor em populações que são substrutoradas, em
grupos que são eles próprios substrutorados internamente, e que uma mutação quando
surge, sendo vantajosa, acaba por ser selecionada. Nós temos muito a ideia
de pensar ok, mas isto é a mutação certa que vai dar
origem a esta variação. Não necessariamente não tem que ser sempre a
mesma mutação e aliás há mutações diferentes que produzem efeitos semelhantes. Vou
dar-te um exemplo que é muito curioso a este propósito. Não tem
a ver com seleção de grupo, mas tem a ver com a
evolução humana, muito recente. Grande parte dos europeus conseguem consumir leite até
o fim da vida, em adulto. Não sei se já pensaram nisso,
mas somos a única mamífera que bebe leite em adulto. E na
verdade a maior parte dos humanos não se dão bem com o
leite em estado adulto. Acontece que na Europa surgiu uma mutação num
gene que é responsável pela degradação da lactose, que é um açúcar
que vai ser partido, que é a lactase, que está muito ativa
nos bebés e depois deixa de estar ativa, essa enzima deixa de
estar ativa. E aconteceu uma mutação e nós hoje sabemos que ela
aconteceu há cerca de 6 mil anos na Europa Central, mais ou
menos provavelmente naquilo que é hoje a Hungria. E essa mutação ocorreu
em povos pastores que tinham gado. Provavelmente
uma
amputação como esta pode ter acontecido várias vezes noutras zonas próximas do
mesmo gene, tendo potativamente o mesmo efeito, mas como não teve um
impacto imediato, perdeu-se por deriva genética, desapareceu. Mas esta, como aconteceu em
povos pastores, acabou por ser selecionada porque, repara, é como teres uma
espécie de frigorífico ambulante, não é? E teres alimento sempre disponível. Aquilo
é uma vantagem extraordinária, não é? Ter o gado que produz leite
e que os indivíduos podem não só consumi-lo diretamente, como inclusivamente mais
tarde desenvolver formas de o processar para o poder consumir mais distanciadamente,
como por exemplo com queijo ou iogurte. Acontece que esta mutação que
surgiu na Hungria está espalhada no Norte da Europa, de modo que
90% mais 95% dos habitantes da Norte da Europa têm esta mutação.
E, por exemplo, em Portugal, cerca de 50% das pessoas têm esta
mutação. Eu, por exemplo, tenho, porque consigo beber leite sem problema nenhum.
Acontece que todas estas pessoas que consomem leite sem este problema são
descendentes daquele indivíduo que teve aquela mutação naquela altura. Esta é outra
ideia poderosa da evolução. A única maneira daquele gene estar distribuído nestas
pessoas todas é que estas pessoas todas são descendentes daquele indivíduo E
que foram adquirindo aquele gene por herança genética. Mas
pode ser mais do
que um indivíduo ou não? Não, a mutação só aconteceu num indivíduo.
Aquela mutação. Acontece que há mais três regiões, duas delas em África
e outra no Médio Oriente, em que existe esta tolerância à lactose.
Outra das grandes maravilhas da tecnologia é que nós conseguimos ter acesso
a ferramentas que há uns anos não tínhamos. Portanto, nós podemos sequenciar
aquele gene e podemos sequenciar as regiões à volta do gene e
podemos comparar e verificar, por exemplo, que era uma coisa que há
100 anos atrás ou há 50 anos atrás as pessoas diriam, ok,
como é que a mutação andou de um lado para o outro?
Na verdade não andou. São 4 mutações diferentes. Estão todas muito perto,
estão na posição 13.413, 13.410, 13.414, mas aconteceram em nucleótidos diferentes. Portanto,
são 4 mutações independentes, que por acaso têm o mesmo efeito e
que foram selecionadas todas em povos pastores. Portanto, isto dá-nos uma ideia
de como é que, por exemplo, um gene que favorece um comportamento
altruísta não tem que ser sempre o mesmo e a mutação não
tem que ser sempre a mesma, desde que de alguma maneira produzam
um efeito que beneficie os membros do grupo e isso de alguma
maneira reverte em favor do indivíduo que pertence ao grupo e, portanto,
esse género acabará por ser selecionado de alguma forma por causa disso.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente, isso tem muita piada. Mas espera, temos que tentar perceber
melhor esta questão da seleção do grupo. Portanto, o que acontecerá aqui
é, há uma população, pode ser, podemos estar a falar de seres
humanos ou estar a falar de outras espécies, existe uma população onde
existe já algum nível de cooperação que foi explotado por essa cooperação
por parentesco, com base na proximidade genética, mas ela suponho, o que
acontece é que ela não está homogeneamente distribuída e, portanto, vai haver
uma espécie de clusters mais cooperativos e outros menos cooperativos. Embora ainda
baseado nessa espécie de software 1.0 que é baseado na proximidade genética,
de repente, por algum motivo, dá-se uma separação entre as duas populações,
duas ou mais, não é? Mas entre as populações, lá está por
tempo suficiente e de forma suficientemente estanque, o que vai acontecer é
que as pessoas que têm aqueles géneros cooperativos vão começar não só
a cooperar com os seus parentes, mas também a cooperar com outros
elementos da população apenas porque estão próximos, baseado naquela heurística que nós
falámos no início, de proximidade?
Paulo Gama Mota
Não, podemos pensar assim. Imagina que num grupo, os grupos são todos
mais ou menos iguais, ok? Temos uma série de grupos, e em
que existe uma maquinaria que faz com que os indivíduos, por olfato,
por identificação de padrões e não sei o quê, tendem a ter
comportamentos afiliativos e comportamentos de proteção para com as suas crias. Pronto.
Isso está lá, é muito básico. Está presente em todos os mamíferos.
Agora imagina que essa maquinaria de uma certa afiliação, de uma certa
proximidade, em vez de ser muito restrita, há uma mutação que faz
com que ela se torne mais abrangente. Portanto, não há nada da
maquinaria que tu precisas de alterar. Só que em vez dos indivíduos
só terem determinados comportamentos para outros, tendem a largar, digamos, o leque
dos seus comportamentos. E então, dentro de um grupo, isto aconteceu. Nos
outros grupos não aconteceu. Ok, estou a perceber. O que vai acontecer
é que este grupo vai se tornar mais resiliente, porque os indivíduos
cooperam mais entre si. Inclusivemente, poderá multiplicar-se, ou seja, poderá expandir-se e
dar origem a tribos maiores, que vão entretanto elas próprias começar a
ocupar mais território e empurrar as outras. Vai gerar mais descendentes
no fundo, sim. Pronto,
basicamente a seleção de grupo funciona desta forma, ou seja, a competição
já não é entre os indivíduos, embora possa haver competição entre os
indivíduos dentro do grupo, ok? Mas, haverá principalmente uma competição entre grupos,
fazendo com que os grupos que têm mais entre-ajuda têm mais sucesso
a longo prazo do que os grupos que têm menos entre-ajuda e,
portanto, vão acabar por substituir os outros. Esta é a lógica.
Paulo Gama Mota
com suricatas, na África do Sul, que é um bicho fantástico, que
tem aqueles comportamentos de sentinela, inclusive eles ficam ali a vigiar, e
é claro que o indivíduo que está a vigiar não está a
alimentar-se e, portanto, está a perder tempo, ele está a ter um
comportamento altruísta. E acontece que os grupos não têm um parentesco suficientemente
elevado para justificar alguns destes comportamentos. E o que o Tottenbrock mais
recentemente propôs foi que uma parte destes comportamentos, tendo em consideração a
dinâmica destes grupos, e que faz com que os grupos sociais tenham
um parentesco baixo é que esses comportamentos podem ter evoluído por seleção
de grupo e não por seleção de parentesco. No caso humano há
um artigo, creio que da Science, daqui há, creio que 2015, em
que uma investigadora, uma antropóloga inglesa, foi analisar a estrutura demográfica de
populações, por exemplo, de caçadores-recoletores, como por exemplo os bosquímanos ou outros
povos que ainda hoje são caçadores-recoletores. E ela verificou que o parentesco
é relativamente baixo, não é muito alto. Ou seja, há muita migração
de indivíduos entre grupos. Ora, o comportamento cooperativo que existe dentro destes
grupos dificilmente se consegue explicar por seleção de parentesco, porque o parentesco
não é muito alto. Mas também há comunicação entre grupos? Há migração
entre
Paulo Gama Mota
A migração entre os grupos não é completa, isto é, Raramente um
indivíduo vai parar um grupo de outra língua. E os grupos linguísticos
normalmente tendem a ramificar-se a partir de 1000, 1500 indivíduos. Nas sociedades
tradicionais, os grupos linguísticos dificilmente têm mais do que essa dimensão. A
partir de mil, mil e quinhentos indivíduos, os indivíduos começam a falar
uma língua diferente. E, portanto, a língua é um marcador cultural. É
uma coisa que diz que tu pertences a este grupo. E é
talvez o marcador cultural mais óbvio. É tão óbvio que eu não
ligo a ninguém que fale português a andar aqui nas ruas em
Portugal, não é? Mas se eu estiver em Basileia ou em Pequim
e ouvir uma pessoa a falar português, de repente eu sinto uma
ligação àquela pessoa, não é? Que é uma coisa estranhíssima, não é?
Porque ele também é português, fala português como eu, não é? Portanto,
é um marcador cultural fortíssimo.
José Maria Pimentel
Sim, esse é um bom exemplo. A questão com a seleção do
grupo, neste caso, por exemplo, no caso dos seres humanos, apesar de
tudo, eu fico um bocadinho dividido entre o setor pró e o
setor contra, confesso, quer dizer, enquanto laigo, obviamente. Porque é certo que
é uma explicação que faz sentido e que é uma explicação atraente,
mas depois pergunto-me se não houverá outras coisas em jogo, como por
exemplo a questão da cultura a que tu aludiste, porque para haver
selecção de grupo tu precisas, como dizia-te há bocadinho, tem que haver
separação e ela tem que durar muito tempo. Ou seja, quando nós
falamos de seres humanos, ainda por cima nós reproduzimos-nos de forma relativamente
lenta, aquela separação teria que ter estado em vigor durante, não sei,
diz-me tu, mas quer dizer, milhares de anos, dezenas de milhares de
anos, estamos a falar de...
José Maria Pimentel
No mínimo e com sorte, digo eu, ou seja, com as mutações
certas a ocorrerem na altura certa. A hipótese alternativa que me surge,
e aí sim eu acho que faz todo o sentido da seleção
a nível de grupo, ou parece-me intuitivamente fazer todo o sentido é
na questão da seleção cultural e não a nível dos géneros mas
a nível da cultura e aí sim, aí sim tu tens um
grupo e essa é muito mais rápida, não é? Seleção cultural, essa
sim ocorre de forma muito mais rápida. Então tens um grupo que
tem, sabe, estou a pensar por exemplo nos judeus, que têm uma
cultura com base numa religião, numa moralidade que é extremamente cooperativa, e
falo dos judeus mas podiam ser os cristãos, os judeus são os
melhores nesse sentido por terem estado ao longo da história muito mais
separados, que promove uma grande cooperação entre as pessoas que fazem parte
dessa comunidade, e aí sim torna-se muito fácil de tu perceberes que
aquela comunidade vai prosperar e provavelmente vai multiplicar-se, porque justamente tem uma
cultura que diminui a competitividade ou a competição entre as pessoas que
fazem parte dela e aumenta a cooperação e se estiver a disputar
recursos com outro grupo mais ou menos tanque cuja
Paulo Gama Mota
cultura promove muito mais a competição intragrupo facilmente a primeira vai ganhar
a segunda, não é? Sim, eu acho que sim. Acho que nós,
num caso humano, é muito difícil nós separarmos a evolução das ideias
da evolução biológica e vice-versa. Isto é, pensarmos uma sem a outra.
E aliás, uma das áreas mais interessantes nos últimos anos é os
modelos de co-evolução, de gene culture co-evolution, que procuram perceber de que
maneira é que há uma interação e uma inter-relação entre a seleção
das ideias e a adaptação biológica dos indivíduos. E claramente que há
um sem número de exemplos que sugerem que ideias que são muito
favoráveis para determinadas práticas e que garantem a proliferação e a manutenção
do grupo foram sendo selecionadas, Ok? Ainda que dentro dos grupos continuava
a tensão. A tentação de freerider, a tentação de batota, isto é,
do indivíduo ter os benefícios sem ter os custos, está sempre lá
presente. E é por isso que, por exemplo, em muitas situações Existem
mecanismos de vigilância sobre o comportamento dos outros. Somos particularmente atentos a
isso, na verdade, como espécie. Passamos grande parte do nosso tempo a
falar do comportamento dos outros e daquilo que os outros fizeram e
das atitudes que os outros tiveram. E adoramos ver telenovelas e não-sei-o-quê
que basicamente só falam disso. Portanto, as pessoas acham apelativo saber, digamos,
dos aspectos da vidinha, das relações uns com os outros. E há
mecanismos de punição. Aliás, a aplicação de formalismos do dilema do prisioneiro,
que é um formalismo da matemática, da teoria de jogos, que se
aplica muito a estes casos de cooperação, sugerem que existe estabilidade se
existir alguma forma de punição ou há ameaça do potencial de punição
existir. E aí consegue-se que os indivíduos sejam mais cooperativos. Porque há
uma tensão, na verdade, entre o interesse do grupo e o interesse
dos indivíduos. O interesse dos indivíduos não desaparece. E é claro que
quanto mais heterogêneos, mais complexos os grupos são, mais esta tensão é
complicada de medir e de avaliar.
José Maria Pimentel
fascinante, claro. Eu digo é que é difícil distrinçar qual é a
força propulsora, não é? Porque tu tens... Por exemplo, eu falava há
bocadinho do peso da religião, mas independentemente da cultura em causa, um
fenómeno que é transversal a qualquer grupo de seres humanos é justamente
esse que tu estavas a falar, quer dizer, o nosso maior ativo
de cada um de nós, enquanto parte da comunidade em que vivemos,
é a nossa reputação. A nossa reputação afeta tudo. Afeta o teu
sucesso reprodutivo, entre outras coisas, não é? Mas não só, quer dizer...
Ou seja, afeta direta e indiretamente o nosso sucesso reprodutivo, por outras
palavras. Portanto, de certa forma, a partir do momento em que nos
tornamos uma espécie social...
Paulo Gama Mota
Nós damos muita importância à reputação. À nossa e à dos outros.
Porque nós também... À
nossa e às dos outros,
sim. Porque nós também somos mais... Nós somos o polícia das dos
outros. E não é só isso. Nós somos muito mais predispostos a
ajudar uma pessoa que tem uma reputação positiva de ajudar os outros,
por exemplo, do que uma pessoa que tem uma reputação negativa. E
depois os nossos comportamentos são afetados pelo facto de nós nos sentirmos
vigiados ou não. Portanto, a presença de um Deus omnipresente, que vigia
as nossas ações, condiciona muito as ações das pessoas. Há uma experiência
engraçadíssima que foi feita pela Melissa Bateson, em que basicamente eles puseram
numa daquelas máquinas que distribuem leite e... É daquelas coisas de escritório
em que as pessoas deixam um dinheirinho para depois alguém pegar no
dinheiro e ir comprar o leite e o café para estar disponível
para todos, etc. E toda a gente que consome deixa um dinheirinho.
Então eles puseram um anunciozinho a pedir que as pessoas dessem mais
um pouquinho porque o extra serviria para uma campanha de solidariedade social,
ok? Só que o anúncio, semana sim, semana não, mudou a configuração,
ok? Numa semana tinham os olhos, junto. E na outra semana tinham
um prato de flores. Portanto, iam-me dando os olhos e iam-me dando
o prato de flores. E depois aquilo é um zig-zag incrível. As
pessoas dão sempre mais dinheiro nas semanas em que estão lá os
olhos. Isto é psicologicamente terrível, não
José Maria Pimentel
Mas a partir desse momento, eu agora até estou a pensar a
coisa de maneira diferente. A partir do momento em que uma espécie
social ou ultra-social como a nossa tem essa seleção social, uma seleção
que ocorre a nível do indivíduo, mas em termos do seu sucesso
social, no sentido lato e reprodutivo no sentido estrito, também nesse caso,
se no fundo seria mais uma razão para tu não precisar estritamente
de seleção de grupo. Ou seja, se a tua reputação... Eu posso
estar a pensar nisto ao contrário, posso estar a inverter a causa
e efeito, agora que penso, mas se o teu sucesso reprodutivo depende
da tua reputação e a tua reputação depende de quão cooperativo tu
és, indevido, não é necessário haver seleção de grupo para que comportamentos
cooperativos sejam selecionados? Não,
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Já que estamos a falar de leões e leoas,
está uma boa ponte para a questão da seleção sexual, que tem
mais que ver com a tua área de investigação até do que
isto, até porque influencia depois a questão do comportamento dos animais e
as diferenças entre os sexos ao nível do comportamento. E que é
um campo muito interessante, é um campo também ele ainda em aberto
hoje em dia, não tão controverso como a seleção do grupo porque
ninguém disputa que exista, mas creio que há alguma disputa em relação
a qual a explicação, não em relação ao fenómeno, mas em relação
à maneira como nós conseguimos explicá-lo. É muito interessante porque, de facto,
o Darwin tinha uma intuição incrível, não é? Tu falavas disso no
início, e é extraordinário que ele não só propôs a seleção natural
como, embora a explicação não tenha sido a explicação corretas, identificou a
seleção sexual enquanto um mecanismo para explicar uma série de fenómenos e
é talvez, acho que ainda hoje, menos conhecido do que a seleção
natural, não é? Exatamente. Se calhar o mais fácil é pedir-te para
explicar e dar alguns exemplos. Há vários exemplos muito conhecidos. Ok,
Paulo Gama Mota
na verdade esta ideia da seleção sexual surgiu a Darwin como aquela
procura incessante que ele tinha para tentar comprovar as suas ideias e
pôr as suas ideias à prova também.
E
uma das coisas que o Darwin percebeu, antes de todos os outros,
foi que havia coisas que eram difíceis de explicar por aquilo a
que nós chamaríamos a teoria da seleção natural standard, padrão, que é
animais que têm cores vistosas e em vez de serem cores que
os tornam difíceis de ser vistos pelos predadores tornam-se evidentes aos predadores.
Ou animais que têm estruturas que são gostosas de produzir ou que
são gostosas de manter, como caudas longas e talvez um dos exemplos
mais paradigmáticos disso seja precisamente o pavão, que tem uma cauda gigantesca
e que obviamente essa cauda não favorece nada a sobrevivência daquele animal.
O Darwin pensou nisto e propôs aquilo que ele entendeu, que era
uma outra forma de seleção, nós hoje sabemos que a seleção sexual
é uma forma de seleção natural, a diferença é que normalmente quando
pensamos em seleção natural estamos a pensar em adaptações que favorecem a
capacidade de sobrevivência de um indivíduo, a sua capacidade de se alimentar
e não estruturas que prejudiquem a sua sobrevivência. Enquanto que a seleção
sexual se reporta a estruturas que em muitos casos prejudicam a sobrevivência
dos indivíduos em prol da sua reprodução. E portanto, isto é uma
ideia contraintuitiva, e é tão contraintuitiva que, depois de o Darwin a
ter formulado, passaram 100 anos sem que ninguém tivesse testado esta ideia.
Que é uma das ideias mais poderosas da evolução, porque obviamente a
reprodução é muito importante se Os indivíduos têm como objetivo evolutivo passar
cópias em maior número possível para a geração seguinte. E obviamente que
aqueles que são selecionados são aqueles que passam maioritariamente essas cópias. E
portanto, a reprodução é seguramente um processo importantíssimo. Havendo sexo, havendo reprodução
sexuada, a reprodução é muito importante. É importante porque gera variabilidade, é
importante porque os indivíduos têm que conseguir reproduzir-se. E conseguir reproduzir-se tem
custos, porque os indivíduos têm que procurar um parceiro, provavelmente têm que
disputar esses parceiros com os outros, ou tem que conseguir atrair um
parceiro. E o Darwin propôs que a evolução das armas de combate,
do dimorfismo sexual de tamanho, de animais muito maiores, normalmente os machos,
que são corpulentos, e que lutam entre si pelo acesso às fêmeas.
O Darwin chamou isto de seleção intrassexual. E depois, aquilo a que
ele chamou de seleção intersexual, que seria responsável pela evolução de ornamentos,
cores vistosas, danças elaboradas, cantos complexos nas aves. O Darwin pensou nestes
exemplos todos, e formulou-os todos numa obra que ele publicou em 1871,
12 anos depois de ter publicado A Origem das Espécies. Na verdade
o livro chama-se The Descent of Man and Selection in Relation to
Sex e portanto parte dele é o Darwin a tentar explicar que
a nossa espécie evoluiu como as outras e a propor a evolução
da nossa espécie sem haver um único fóssil. O primeiro fóssil de
antepassado humano foi descoberto por Dubois já depois do Darwin ter morrido.
Olha
José Maria Pimentel
É engraçado porque, de facto, como eu estava a dizer há bocadinho,
a evolução é muito... Descreve-se muito rapidamente nos seus princípios gerais mas
depois é extremamente complexo. Nós já falámos da seleção a nível dos
géneros, da seleção a nível dos indivíduos que nem sempre estão casados,
a questão da seleção de grupo, a questão dos géneros que não
existem porque... Ou das versões de géneros que não existem porque têm
sido selecionadas, mas porque são um subproduto de outra seleção, uma seleção
indireta. Há uma série de outras coisas que ainda não falámos, mas
já vamos falar relacionados com isso. E depois tens ainda, conjugado com
tudo isto, a questão da seleção sexual, que lá está, pode ser
intra, ou seja, que no fundo tem que ver com a disputa
entre elementos do mesmo sexo pelo acesso, na maioria dos casos, às
fêmeas, mas também inter, que é muito mais difícil, não só por
muitas vezes jogar contra a seleção natural do cur, mas também precisamente
por não ser óbvio, até em muitos casos, porque é que esses
elementos são selecionados por muitas vezes tornarem esse indivíduo menos provável que
esse indivíduo sobreviva, e vai ser deixado à descendência, que é uma
coisa interessante. Mas uma dúvida que eu tenho em relação a isto,
e de resto em muitos fenómenos da evolução, é porquê que nós
percebemos que a exceção sexual existe, temos alguma ideia de porque é
que ela existe, já lá vamos, embora esteja relacionado com a pergunta
que eu vou fazer, mas porquê é que há determinados casos tão
extravagantes, extravagante não é o adjetivo certo, mas tão extremos, se quisermos,
ou seja, porquê é que no caso do pavão, por exemplo, o
fenómeno atingiu aquele extremo? Tem que ver com o pavão ter tido,
nos últimos milhares de anos, centenas ou milhões de anos, ter existido
num ambiente relativamente favorável em termos, por exemplo, de predadores? E que
tenha havido, no fundo, menos pressão da seleção natural do Cure e
tenha permitido esta escalada, por exemplo? Tem que ver com outros fatores?
Fazes alguma ideia?
Paulo Gama Mota
Seguramente que a pressão de predação pode ser um fator crítico. Não
sei se tu conheces, nós Temos uma ave, uma espécie de ave
no Alentejo, que é característica de ambientes estepários, portanto muito áridos, e
que existe nos campos brancos, portanto na zona de Castro Verde, etc.
Que é a Apetarda. A Apetarda é A ave mais pesada que
voa na Europa, juntamente com o cisne. Os machos chegam a pesar
15 kg e voam. É um animal enorme. E os machos, na
época de reprodução, fazem uns displays incríveis, uma coisa fantástica. Eles viram
as penas todas e de repente ficam com um aspecto alienígena, uma
coisa absolutamente estranha. Acontece que estas estruturas evoluíram nas apetardas, porque as
apetardas têm um sistema poligínico, aquilo a que nós chamamos um sistema
poligínico em lek, isto é, Os machos juntam-se numas arenas de exibição
e há uma série de espécies de aves e até de alguns
mamíferos onde isso acontece, alguns antílopes, por exemplo. Os machos juntam-se em
áreas de exibição e as fêmeas visitam aquelas áreas. E cada fêmea
só a casala com um macho. Portanto, ela vê, passeia-se e de
repente vai a casar com um lacho e vai-se embora. E como
a fêmea cuida da postura. A fêmea faz um ninho que é
super rudimentar. E as crias são muito precoces, nós chamamos precociais, são
capazes de se alimentar por si, como acontece por exemplo nos patos,
a mãe simplesmente protege as suas crias e de alguma maneira, pelo
exemplo, vai-lhes ensinando a procurar a comida, etc. Não é bem o
ensino como nós o entendemos, mas existe alguma transmissão social, seguramente, de
alguma aprendizagem, ou pelo menos alguma facilitação nessa aprendizagem, o que acontece
é que estas crias conseguem sobreviver só com o apoio de um
progenitor. Nestas situações os machos têm enormemente a ganhar se se exibirem
e forem selecionados. E o que se verifica é que quando se
faz uma análise do sucesso destes machos, verifica-se que apenas uma reduzida
fração deles é que a casala. A esmangadora maioria dos outros machos
não a casala. Portanto, quando nós temos este diferencial enorme, esta variação
enorme no sucesso reprodutivo dentro de um dos sexos, tu tens uma
pressão seletiva brutal sobre as características que são selecionadas. Portanto, se um
large que tem uma pena branca no cime da cabeça é altamente
atrativo para as fêmeas, o gene ou os genes que são responsáveis
por essa pena vão ser rapidamente selecionados. Porque o
Paulo Gama Mota
zero ou... Exatamente. E portanto, é nas espécies onde a variação do
sucesso reprodutivo é grande Ok, ok,
ok. No
sexo masculino que nós vamos encontrar os casos mais extremos de evolução
de dimorfismo sexual. Vamos pensar, por exemplo, em galos selvagens. Houve algumas
medições do sucesso reprodutivo dos machos. E nós sabemos que numa arena
onde existem, por exemplo, 10 machos, só 3 ou 4 é que
numa época inteira têm sucesso reprodutivo. Os outros têm zero. E esses
4 são capazes de acasalar com... Um acasala com 10 ou 12
fêmeas, outro acasala com 4 ou 5 e o outro também acasala
com 4 ou 5 e os outros zero. Portanto, o diferencial é
brutal. A família não precisa de pôr muitos ovos para que o
diferencial entre os machos seja brutal. E
Paulo Gama Mota
para criar uma ainda mais exacerbada. Exatamente. Depois aí começam a jogar-se,
obviamente, forças seletivas contrárias. Porque, obviamente, desenvolver um ornamento maior tem custos.
Custos de sobrevivência e uma série de outros custos. Uma teoria do
Hamilton, o Hamilton porque falámos há pouco sobre o altruísmo e a
ideia do altruísmo genético foi a de que alguns destes ordenamentos poderiam
ser indicadores de saúde e que portanto, sendo um indicador de saúde
é uma coisa que está sempre a mudar porque o ambiente está
sempre a mudar ou seja, os parasitas são sempre diferentes E a
configuração genética que pode ser boa hoje, pode não ser boa daqui
a duas ou três gerações. E portanto as fímias, em algumas espécies,
na verdade, e por exemplo eu trabalho com uma espécie onde isso
acontece, selecionam uma característica, que é uma coloração, que é dependente de
carotenoides, que estão diretamente relacionadas com a saúde dos machos. Portanto, na
verdade, as fêmeas estão a selecionar uma característica que é um sinal
indicador de uma condição que é uma configuração genética vantajosa para os
parasitas daquela altura e que será passada aos seus descendentes se escolherem
os machos que têm sinais que são mais bons sinalizadores de saúde.
Mas
Paulo Gama Mota
é? Sim, sim, sim. Este mecanismo é uma outra proposta, um outro
modelo de escolha do par, de evolução, de características dos machos por
seleção sexual por parte das fêmeas, diferente do mecanismo chamado o Runaway,
que foi proposto pelo Ronald Fisher procurando matematizar a ideia verbalmente formalizada
pelo Darwin. O Darwin formula o conceito e o Fisher aplica ao
conceito. Também tem a designação de sexy son, isto é, a fêmea
escolhe um macho que vai ter características que vão passar aos filhos
e, portanto, os filhos, o sexo masculino dessas fêmeas também terão uma
característica que os tornará mais atrativos e, a partir das filhas, vão
herdar a característica de preferir esses machos e portanto há um processo
que se retroalimenta. A verdade é que há uma investigação que tem
aumentado sempre desde os anos 80 até muito recentemente e ainda continua,
mas digamos que agora não está a aumentar muito, mas mantém um
nível muito elevado de investigação sobre a evolução deste tipo de ornamentos
e nós não temos casos evidentes de runaway. E eu acho que
há uma razão para isso. É um argumento um pouquinho mais complicado,
eu vou tentar explicar. A questão é que imaginemos uma cauda de
um pavão que tem uma cauda que não tem 2 metros ou
1, 60m mas que tem 20cm. E as fêmeas preferem caudas que
são maiores. Portanto, os genes que permitem a formação de caudas maiores
vão sendo selecionadas e, havendo variabilidade genética, essa característica vai sendo selecionada
ao longo do tempo. Podemos pensar que isto ocorreu ao longo de
milhões de anos, seguramente mais de um milhão de anos. Mais de
três milhões de anos quase seguramente. E portanto a característica foi evoluindo,
foi sendo selecionada. Ora, a partir de um determinado tamanho, embora a
característica continua a ser selecionada, preferida pelas fêmeas, os machos começam a
ter custos para produzir uma cauda tão longa. E, portanto, aquilo que
no início era um sinal arbitrário, deixa de ser um sinal arbitrário
e começa a ser um sinal que tem custos. E como produzir
um sinal maior significa que o indivíduo tem que comprometer outros recursos,
portanto ele está a alocar recursos de uma parte do seu corpo
para produzir aquele sinal. A partir desse momento o sinal passa a
ser um indicador de condição e então já se pode tornar num
outro tipo de modelo. Já não é um modelo de runaway, mas
é um modelo em que o sinal é um indicador de condição
e torna-se daquilo a que nós chamamos geralmente um modelo de bons
genes, em que o sinal é um sinal sinalizador de uma característica
que pode ser uma característica transiente ou que pode ser uma característica
genética mais persistente do metabolismo do próprio indivíduo.
José Maria Pimentel
Sim, e o modelo do handicap é uma espécie de versão extrema
desse modelo dos bons géneros. Exatamente. Que no fundo, no caso do
pavão, ele sabe mostrar que eu tenho tão bons géneros que até
posso andar ao luxo de andar com este handicap. É quase como
dizer que eu corro mais rápido do que tu com um pé.
Com uma soja numa perna. É um bocado o raciocínio equivalente. Mas
como parece, aí é que há uma pergunta que está na base
desse processo que tu explicaste muito bem que fica por responder, que
é porquê é que houve no início essa preferência das fêmeas para
aquele display pela cauda comprida, não é? Ou pela cauda colorida, ou
o que for, não é? De onde é que isso surge? Porque
depois a Josante, ele funciona como uma proxy para a Bom Gênesis,
aí entende-se, mas de início de onde é que ele é? Não
é uma espécie de gosto artístico, não é? Não. Por
Paulo Gama Mota
acaso, o Richard Proulx editou o ano passado, ou em 2018, um
livro chamado Evolution of Beauty em que ele propõe precisamente que há
uma preferência e um gosto pela beleza nos animais e que é
por isso que há uma seleção pela beleza. A ideia não foi
bem acolhida na comunidade científica, portanto a maior parte dos biólogos evolutivos.
Aliás, houve uma recensão muito negativa ao livro na Evolution, que é
uma das revistas principais na área. Uma recensão muito crítica ao livro.
O livro foi acolhido com enorme frieza. E eu, aliás, tive aqui
há uns tempos uma entrevista precisamente sobre porquê que essa ideia foi
tão mal acolhida. Mas a ideia, e tu pegaste num assunto interessantíssimo,
que é porquê que uma preferência pelo exótico surge. O que é
que leva as fêmeas a preferirem determinadas características exóticas? E na verdade,
a resposta curta é não sabemos. A resposta mais longa é que
temos algumas ideias. E por isso eu disse, é muito interessante porque
na verdade é um campo muito interessante de explorar E relativamente ao
qual não há consenso. Ok? Temos aqui o caso do Richard Prum,
que tem uma tese completamente divergente, digamos assim. Há uma coisa que
nós sabemos, é que todos os sistemas sensoriais são suscetíveis de serem
sobreestimulados.
Paulo Gama Mota
Ok. Ou a publicidade. Toda a publicidade é montada na construção de
sobreestimulação para as pessoas. Portanto, se a publicidade funciona, é a prova
total e absoluta de que os sistemas sensoriais, mesmo num ser que
se considera racional, funcionam. Porque nós deixamos-nos levar, digamos assim, por essa
sobreestimulação. E é muito engraçado que a descoberta da sobreestimulação resulta de
uma experiência muito simples de um dos fundadores do estudo de comportamento
animal, que fazia experiências lindíssimas, muito simples mas conceptualmente muito bem pensadas,
um holandês chamado Nick Tinbergen, que aliás é o homem que leva
a etologia para o Reino Unido, ele é convidado para ir para
Oxford e ele introduz o pensamento evolutivo relacionado com o comportamento animal
na Inglaterra. O Dawkins, que já falámos, foi aluno do Tinbergen. E
o Tinbergen fez uma experiência com gaivotas, porque ele verificava que as
crias das gaivotas, recém-nascidas, davam bicadas no bico da mãe quando a
mãe chegava. A mãe é o pai. E estas bicadas levavam o
progenitor a regurgitar a comida que trazia no papo para os alimentar.
E aliás, a investigação tinha mais a ver com tentar combater a
ideia do blank slate e de dizer, ok, os animais já nascem
com a prioris, porque a cria da gavota não aprendeu a fazer
aquele comportamento, mas ela mal vê o bico da mãe e começa
a pedir-lhe comida. Ok? Portanto, ela já nasce com um programa genético.
A ideia de programa e de programa de computador nem sequer era
uma ideia muito central, não era uma ideia de todo central na
década de 30, quando ele fez estas observações. Hoje é uma ideia
fácil, não somos capazes de pensar de programas que estão, digamos assim,
dentro do nosso cérebro. E há, por exemplo, reações comportamentais, um restante
nascido é capaz de ficar pendurado numa corda.
Paulo Gama Mota
Pronto, ok. Portanto, nós, obviamente, nascemos com programas. E ao fazer estas
experiências, o Tinbergen experimentou modelos de bicos de gaivotas para verificar o
que era importante, se era a forma do bico, se era ter
um olho, se não era e não sei quê. E no meio
daquela coisa toda ele decidiu experimentar um lápis, que tinha bandas brancas
e vermelhas. E de repente as crias preferiam o lápis a um
modelo de uma cabeça de gavota. E o Tim Bergen descobriu uma
coisa que nós chamamos estímulos superanormais. Portanto, que é esta ideia de
que... E hoje isso faz sentido. Hoje nós percebemos um bocadinho como
é que funcionam os sistemas sensoriais do ponto de vista neuronal. E
nós tendemos a imaginar que esta coisa toda está toda muito ajustada,
muito fine-tuned para funcionar exatamente bem, mas os sistemas sensoriais não funcionam
exatamente assim. Portanto, eles podem ser subestimulados. E eu consigo imaginar que
determinados ornamentos, inicialmente, fossem selecionados apenas por serem um estímulo muito impactante.
E que depois se tenham ligado a uma função sinalizadora.
Paulo Gama Mota
atenção, esta explicação que eu dei é uma conjetura. Eu
sei,
eu sei. Nós não temos uma evidência empírica e por isso eu
disse, é uma questão muito interessante, porque é uma questão para a
qual nós não temos uma resposta evidente. Temos conjeturas possíveis, mas que
não foram testadas. Portanto, estamos naquele terreno das ideias científicas em que
há campo para conjeturar, e que é aquela parte que os cientistas
acham mais interessante, que é Epá, isto nós não sabemos! Exatamente. Isto
é fantástico, isto nós não sabemos! Os cientistas não se entusiasmam por
coisas que já sabem. Entusiasmam-se pelas coisas que realmente não sabemos. Essas
são aquelas que são realmente desafiantes e essa é claramente uma questão
desafiante.
José Maria Pimentel
E esta é das áreas mais ativas atualmente em biologia evolutiva. Há
pouco tempo houve um biólogo evolutivo até a queixar-se com alguma amargura,
mas lá está, no fundo, de acordo com o que estavas a
dizer, e com razão, eu até nem se devia queixar, de que
aquela geração de que nós já falámos, do Dawkins, mas não só
do Hamilton, do Williams, que no fundo fizeram aquele salto de paradigma,
eles fizeram nos anos 60, 70, e depois não voltou a haver
um salto de paradigma equivalente, também equivalente até hoje e permanecem alguns
campos em aberto, como precisamente este que está, digamos, maduro para ter
um salto de paradigma, mas que ainda não foi possível porque no
fundo não existe a individência o suficiente para destrinçar tudo aquilo que
nós estamos aqui a falar, que também há de ser só parte,
isto há de ter ainda mais complexidade para além daquilo que nós
falamos.
Paulo Gama Mota
Certo, talvez, mas repara, eu acho que é sempre imprevisível onde é
que se vão dar os grandes saltos a seguir, Onde é que
há uma visão que vai sofrer uma grande mudança. Eu acho que
isso é muito imprevisível. E há posteriori, muitas vezes, quando olhamos para
o passado e para o presente, nós tendemos a desvalorizar o presente
relativamente ao passado, do ponto de vista da mudança das ideias. Porque
o presente a nós parece-nos todo muito horizontal. E eu acho que
isso acontece em todas as gerações. As pessoas olham para aquilo que
está à sua volta e não veem grandes mudanças. E é preciso
um certo afastamento para pensar, ah, ok, houve ali uma grande mudança.
O que é verdade é que o Hamilton, quando formulou aquelas ideias
a seguir não conseguiu emprego em nenhuma boa universidade inglesa e teve
que emigrar para os Estados Unidos. E as ideias dele só foram
reconhecidas mais de uma década depois. Isso é um pormenor importante, sim.
Exato. Nós olhamos para estas coisas e dizemos agora não está a
acontecer nada porque se calhar não estamos a olhar para o sítio
onde onde essas ideias estão a ser muito transformativas. E eu consigo
imaginar algumas áreas onde as ideias estão a ser muito transformativas não
exatamente na área da seleção sexual, mas algumas outras áreas, nomeadamente áreas
de interação entre a regulação genética e comportamento, com consequências também para
a seleção sexual ou para outras áreas, para processos cognitivos, etc. Onde
estão a houver verdadeiras revoluções científicas. Mas, por exemplo, se nós olharmos
para a física, também podemos pensar desde o Einstein que não houve
assim nada de muito extraordinário. Quer dizer, houve uma nota de coisas
extraordinárias, não ao nível da teoria do Einstein. Portanto, eu acho que
esta ideia das grandes revoluções científicas está um bocadinho overstated. Eu acho
que elas acontecem mais do que nós as queremos ver e eu
acho que nós temos uma distorção cognitiva na maneira como avaliamos essas
transformações. E seguramente que não somos bons juízes do contemporâneo. Exato, exato.
E esse é um ponto muito
José Maria Pimentel
interessante que tu fazes. Ou seja, essa narrativa é construída à posteriori.
À posteriori olhamos para trás e vemos-no, mas não necessariamente Quando estás
a viver isso de forma contemporânea. Isso tem muita piada. Olha, nós
vamos terminar por aqui. Cobrimos uma série de aspectos e depois vamos
retomar no episódio seguinte, porque ainda há muito que descascar sobre evolução,
mas agora já com o terreno mais ou menos descrito, o que
é interessante. Está a ser uma conversa muito interessante mesmo, das mais
interessantes que têm tido nos últimos tempos, não desfazendo. Muito obrigado para
a tua disponibilidade, que tens sido um convidado impecável, com muita paciência
para discutir isso. Portanto, retomamos no próximo episódio. Deixem-me lembrar-vos que podem
dar o vosso contributo para a continuidade e desenvolvimento deste projeto. Visitem
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um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e
cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Carlos
Martins, Gustavo Pimenta, Eduardo Corrêa de Matos, Duarte Dória, Joana Monteiro, Rui
Oliveira Gomes, Corto Lemos, Joana Farialve, João Baltazar, Mafalda Lopes da Costa,
Rogério Jorge, Salvador Cunha e Tiago Leite. Até no próximo episódio.