#89 Paulo Gama Mota - Uma viagem pela teoria da evolução: Darwin, genes, selecção sexual e...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. O convidado deste episódio é Paulo Gamamota, biólogo, doutorado e professor na Universidade de Coimbra. A investigação do Paulo é na área da Biologia Evolutiva, sobretudo relacionado com o comportamento animal e a compreensão das suas causas evolutivas. O convidado foi também diretor do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra até 2015 e é atualmente presidente da Sociedade Portuguesa de Etologia. Na nossa conversa fizemos uma viagem pela biologia evolutiva. A evolução é um bom candidato à área mais fascinante da ciência. Como dizia o filósofo Daniel Dennett, de quem falámos, aliás, no episódio passado, a descoberta de Darwin da evolução por seleção natural é provavelmente a melhor ideia que alguém já alguma vez teve. Uma ideia muito simples de explicar, mas na prática, com a imensa variedade que existe na árvore da vida, incrivelmente complexa. Compreender como funciona na prática a evolução é interessante por si só, mas também nos ajuda a compreender melhor uma série de outros aspectos, seja em outras áreas da ciência, seja, sobretudo, no nosso comportamento humano. Por isso é um tema que já veio a propósito de vários assuntos que abordei no podcast. Assuntos tão diferentes como genética, inteligência artificial, antropologia, psicologia evolutiva, doenças psiquiátricas, nutrição e podia continuar por aqui. Por isso, é uma grande lacuna ainda não ter convidado alguém para falar especificamente de Biologia Evolutiva e fazer uma viagem completa pela Teoria da Evolução. Este episódio preenche essa lacuna e, para compensar, não fica por aqui. No próximo episódio, o Paulo regressa para uma segunda parte, em que depois de termos feito esta panorâmica, falaremos de vários outros aspectos e mistérios que tornam o modo de funcionamento da evolução na prática tão complexo. Nesta primeira parte da conversa com o Paulo Gamamota, fizemos então uma viagem pela evolução. Falámos da teoria original de Darwin e do modo como foi depois complementada já no século XX pela visão da seleção como ocorrendo primariamente ao nível dos genes e não apenas do indivíduo e falámos também da chamada seleção de grupo, uma área controversa da biologia que propõe que a evolução pode também ocorrer um nível acima, não só entre diferentes genes, não só entre diferentes indivíduos, mas também entre grupos diferentes. Mas para haver seleção não basta um indivíduo ter maiores probabilidades de sobreviver e por mais tempo tem que conseguir passar os seus genes para a geração seguinte. E é aqui que entra a seleção sexual de que falámos na última parte da conversa e que é precisamente uma das áreas de investigação do convidado. Antes de vos deixar com o convidado, acho que vale a pena dar mais algum contexto em relação a alguns destes conceitos de que falámos. Se preferirem saltar este introito e mergulhar já na conversa, é só saltar os próximos 3 minutos. Ainda aí? Ora bem, como dizia há pouco, a lógica da evolução por seleção natural é muito, muito simples de explicar. Funciona mais ou menos assim. Em qualquer população de organismos existem mutações nos genes que fazem com que cada indivíduo seja um pouco diferente dos outros. E algumas dessas diferenças vão dar a alguns indivíduos uma vantagem de sobrevivência e, portanto, também mais hipóteses de reprodução. E, portanto, esse gene, essa característica, vai tornar-se mais comum na geração a seguir. E basicamente é isto. Agora é repetir este processo durante muitas muitas gerações e em algumas centenas de milhões de anos, onde no início tínhamos amíbas, podemos ter uma população de elefantes ou, já agora, de homo sapiens. Como referi à pouco, a teoria de Darwin foi complementada já no século XX pela descoberta de que é sobretudo ao nível dos genes que se joga a evolução. Uma das coisas que esta revolução da evolução centrada nos genes veio permitir explicar é o, até aí, mistério de como é que algumas espécies podem ter evoluído para terem indivíduos altruístas, quando isso aparentemente está em contradição óbvia com a lógica competitiva da evolução. Olhando para os genes, conseguimos resolver este puzzle. A lógica é, se houver uma espécie de gene do altruísmo que influencia um comportamento de organismo para ajudar e proteger os seus parentes e os seus filhos, esse comportamento vai aumentar a sobrevivência deles e a capacidade de se reproduzirem e, portanto, esse gene do altruísmo vai tornar-se mais comum na geração a seguir porque é muito provável que esses parentes partilhem esse mesmo gene com o indivíduo altruísta. Ainda assim, há uma outra teoria que ressurgiu recentemente e há uma fação de biólogos que acreditam que esta explicação não é suficiente para explicar o grau de cooperação tão elevado que existe em algumas espécies sociais como desde logo a nossa. E é aqui então que entra a chamada seleção de grupos. Aqueles que defendem que este tipo de seleção existe argumentam que ela pode ocorrer quando alguns grupos têm mais indivíduos altruístas do que outros e quando a competição entre grupos é mais importante para a sobrevivência do que a competição entre os indivíduos dentro de cada grupo. Já agora, a propósito do altruísmo em grupos e de um caso extremo da nossa própria história, quando a certo ponto falamos de Egas Muniz, queremos obviamente dizer Martim Muniz. Finalmente falamos então da seleção sexual, que é relevante obviamente só para aquelas formas de vida que se reproduzem de forma sexuada. A seleção sexual também é uma forma de seleção natural, mas aqui não diz respeito ao meio ambiente, aos predadores ou à competição por recursos com outros indivíduos, mas sim à forma como membros de um sexo escolhem parceiros do outro sexo para acasalar, ou seja, a seleção intersexual, ou ao modo como membros de um mesmo sexo competem pelo acesso a membros do sexo oposto, a chamada seleção intrasexual. Na natureza, este modo de seleção dá origem, consoante a espécie, a traços e comportamentos muito variados e por isso mesmo é uma área de investigação em que ainda hoje existem muitas interrogações, o que só a torna mais interessante, claro. E pronto, deixo-vos com a primeira parte desta conversa com Paulo Gamamota. Paulo, muito bem vindo ao podcast, obrigado por teres aceitado o meu convite.
Paulo Gama Mota
Um prazer, é tudo meu.
José Maria Pimentel
Vou-te já passar a bola com uma pergunta fácil para abrir o terreno de jogo, que é basicamente pedir-te para explicar em traços gerais como é que funciona a evolução, desde a ideia base de Darwin até, no fundo, aquilo que lhe foi acrescentado com a visão a partir do género, sobretudo nos anos 70 e que levou basicamente ao estado da arte daquela que é a nossa visão atualmente em relação à evolução. A
Paulo Gama Mota
teoria da evolução que o Darwin formulou há mais de 150 anos é de facto a mais poderosa e mais forte ideia em biologia, e é a teoria mais consistente e mais sólida que existe em biologia, e que informa o essencial do pensamento biológico em todas as áreas, e não só, até para fora do próprio pensamento biológico, em áreas como por exemplo a medicina ou a agricultura, porque os organismos evoluem, e porque se nós não tivermos a compreensão dessa evolução não percebemos o que é que está a acontecer no mundo vivo. E de facto o Dário Nã percebeu-se que as espécies mudavam e que havia uma transformação e nós hoje temos uma quantidade enorme de evidências, nomeadamente fósseis, da transformação que a vida foi tendo ao longo de muitos milhões de anos na Terra e que decorre da circunstância de que os organismos têm uma informação que os ajuda a estruturar, que é a informação genética, e que é uma informação absolutamente essencial para que um organismo que tem alguma complexidade e alguns têm muita complexidade, como por exemplo nós e os mamíferos em geral, são organismos plurissolares, com órgãos diferentes, em que tudo tem que funcionar, inclusivamente dentro de parâmetros extraordinariamente limitados e as pessoas até perguntam como é que uma coisa destas tão complexa pode ter surgido por acaso. Porque essa é uma das ideias associadas à ideia de evolução que a evolução é um processo ao acaso. Que não é verdade, e aliás o próprio Darwin nunca propôs tal coisa. Portanto a evolução acontece porque há hereditariedade em primeiro lugar. E uma vez que há hereditariedade existe uma informação que é guardada, neste caso de uma molécula extraordinariamente resistente e estável, que é o DNA, para quase todos os organismos. Alguns não têm propriamente a DNA, têm a RNA, que é também uma molécula com uma natureza semelhante, mas muito mais frágil e perecível. E acontece que essa informação é passada... Quando um organismo se multiplica e vai produzir outros organismos, ele tem que produzir uma cópia. Isto é, aquela informação tem que ser duplicada. E este processo de duplicação, como em qualquer processo de duplicação, ocorrem erros. E mesmo a maquinaria celular da duplicação do DNA tem sistemas de rectificação dos erros, mesmo assim não rectifica os erros todos. Portanto, acontecem erros inevitavelmente em qualquer sistema de cópia. Mesmo quando nós copiamos um CD a partir de outro CD, há sempre alguns erros que são introduzidos, embora não sejam perceptíveis, mas eles acontecem sempre. O segundo aspecto importante da ideia é que os organismos são capazes de se multiplicar a um ritmo muito elevado, todos eles. Mesmo os animais que têm uma multiplicação muito lenta, como por exemplo os humanos ou os elefantes. O Darwin fez uma conjetura em relação aos elefantes. E ele até fez mal as contas, não foi? Sim, mas não foi muito mal. O cálculo é muito difícil, porque aquilo é uma série tripla de Fibonacci. É mais complicada do que se possa pensar fazer aquele cálculo. Porque a presunção era de que cada fêmea tinha um filho de 20 em 20 anos, uma fêmea reproduzia-se a 3 vezes, mas depois cada uma das séries estaria desfasada porque cada filho nascia um ao fim de 20 anos, um ao fim de 40, um ao fim de 60 e depois cada uma das séries iria multiplicar dessa forma, que haveria qualquer coisa como em 800... Em mil anos haveria mais de 8000 elefantes, que era mais do que todos os elefantes, muitíssimo mais do que todos os elefantes existentes na Terra, e portanto o Darwin disse, os organismos multiplicam-se muito mas poucos dos seus descendentes atingem a idade adulta e chegam a reproduzir-se. Só por uma analogia, uma das nossas espécies mais próximas com a qual nós temos uma relação especial, o bacalhau. Uma fêmea de bacalhau põe em cada época reprodutiva qualquer coisa como 2 milhões de ovos. Na vida reprodutiva de uma fêmea de bacalhau ela irá pôr à volta de 10 milhões de ovos, em média. E em média, desses 10 milhões de ovos, apenas 2 atingirão a idade reprodutiva e conseguirão reproduzir-se. 2 descendentes dessa fêmea. E eu digo em média porque a população de bacalhaus não está a crescer. Aliás, o valor até é um bocadinho inferior a 2 porque as populações de bacalhaus estão em contração. Portanto, nós dizemos, ok, há um grande desperdício na natureza, mas a questão crucial aqui é porquê é que não se reproduzem todos? Naturalmente que alguns são comidos, etc, Mas depois, além disso, há a questão da competição. Os recursos não são ilimitados. E nós vemos isso, por exemplo, quando uma espécie coloniza um habitat novo, uma ilha, inicialmente há um crescimento exponencial e depois se estabiliza. E estabiliza por uma razão. Há um fator crítico qualquer, há um recurso qualquer, que pode ser um recurso alimentar, geralmente é um recurso alimentar, mas nem sempre, que vai limitar a progressão. O que quer dizer que isso vai gerar competição, ora os indivíduos vão competir entre si. E essa competição vai fazer com que alguns consigam ter mais sucesso do que os outros e uma parte desse sucesso pode ser aleatória, mas há uma parte que não é aleatória. Tem a ver com a configuração genética que esses indivíduos têm e que, havendo diferença entre eles, uns têm uma configuração genética que é mais vantajosa do que os outros. Isso vai fazer com que esses indivíduos, pela natureza do processo, vão produzir mais descendentes do que os outros. Isso vai significar que na geração seguinte vai haver mais cópias dos variantes genéticos dos indivíduos mais bem sucedidos e menos dos menos bem sucedidos. Nós podemos pensar, por exemplo, em girafas com um pescoço grande e girafas com um pescoço pequeno e temos uma mutação, ok? As girafas têm todos o pescoço do mesmo tamanho e de repente há uma mutação, há umas girafas que têm um pescoço um bocadinho maior. Essas girafas conseguem aceder a um alimento a que as outras não conseguem. E portanto, a representação dessa mutação na geração seguinte vai ser um pouquinho maior porque ela consegue reproduzir-se melhor do que as outras, e assim sucessivamente. Até que o outro variante alélico, ou outro variante desse gene, acaba por ser eliminado, portanto o mais pequeno, e elas ficam com o pescoço um pouquinho maior. E na verdade, isto é o processo de evolução por selecção natural, como Darwin imaginou. A ideia é extraordinariamente poderosa. É tão poderosa que é usada noutros domínios. As pessoas não sabem, mas usa-se em algoritmos genéticos, por exemplo, para desenhar algoritmos, para conceber os sistemas extremamente complexos dos pipelines que são usados, mecanismos de seleção baseados na seleção natural. O desenho de turbinas de aviões, de reatores dos aviões, é também desenvolvido aplicando o mecanismo da seleção natural que assenta basicamente em dois processos, que é um processo que gera alguma variação, portanto, temos os indivíduos todos iguais, mas há um mecanismo que gera alguma variação, que são as tais mutações. E aí sim, essas mutações ocorrem ao acaso, e o acaso está aí. Depois, os variantes não vão ter todos o mesmo impacto. Uns funcionam melhores do que os outros, e os que funcionam melhores vão se multiplicar. Aí o sucesso já não é acaso. E o sucesso já não é a casa, exatamente. Esse
José Maria Pimentel
exemplo tem muita piada, Vesco. Começaste por dizer que era a ideia mais poderosa na biologia, há quem diga, que foi a melhor ideia que alguma vez alguém já teve, o que não anda muito longe da realidade, tendo em conta a quantidade de implicações que tem, e de facto isso é interessante. Tu estavas a explicar a maneira como funciona e no fundo a ideia inicial de Darwin, mas depois houve uma uma revolução, uma mudança de paradigma, digamos assim, que no fundo melhorou a ideia original dele, que surgiu entre os anos 60 e 70, não é? E que no fundo passou a haver o modo primário pelo qual ocorre este processo não apenas ao nível do indivíduo, mas sobretudo ao nível dos nossos genes. O que concorre, no fundo, não são os indivíduos, mas são sobretudo os genes. Ou pelo menos a concorrência entre genes ocorre a um nível abaixo do que a concorresse entre indivíduos, não é assim?
Paulo Gama Mota
Sim, eu diria que sim. Nem toda a gente concordou com essa abordagem, por exemplo, há figuras muito conhecidas como o Ernst Mayr, que era uma das grandes figuras da chamada ciência moderna, ou o neo-darwinismo, que correspondeu, na verdade, à confirmação da teoria do Darwin, tendo por base a genética que, entretanto, tinha sido descoberta, e, portanto, isso permitiu o desenvolvimento da genética de populações e na verdade criar uma formalização matemática da teoria evolutiva. A evolução é das áreas mais matizadas de toda a biologia. Como tem uma teoria muito forte é possível desenvolver modelos com graus de previsão muito grande, mas toda a gente, digamos assim, ou praticamente toda a gente imaginava a evolução pensando as espécies como unidade, e aliás esse é um pensamento que está presente em muitas pessoas e falam-se muitas vezes, ok, a espécie tem este desafio e portanto a espécie responde e adapta-se, E que é um raciocínio que funciona até um certo ponto, porque às vezes a espécie não se adapta. E depois, essa lógica de raciocínio é uma lógica de raciocínio circular. Ok, a espécie adapta-se quando se adapta, e a espécie não se adapta quando não se adapta. E daqui já não saímos mais. Porque na verdade a espécie não é uma entidade. Já o organismo é um bocadinho diferente, ok? Porque o organismo é um conjunto de células, ou pode ser só uma, mas pensando num organismo pluricelular, uma planta, um animal, é um conjunto de células que todas elas cooperam, porque têm exatamente a mesma informação genética e, portanto, digamos que é uma colónia de células.
José Maria Pimentel
Sim, cooperam a 100%, no fundo, não é? No fundo, a questão é essa, não é?
Paulo Gama Mota
Cooperam quase sempre a 100%, exceto quando deixam de cooperar. E nós temos o cancro, por exemplo, que é uma situação precisamente em que há células que deixaram de cooperar dentro do sistema e isso acontece por mutações que ocorreram e que alteraram normas de funcionamento dessas células e dizia eu que o organismo reage como um todo, digamos assim, no seu meio ambiente. E isso é uma coisa que é muito perceptível para nós. E na verdade, grande parte das adaptações que nós vemos são adaptações que nós vemos nos organismos. Sei lá, nós vemos um cato adaptado a um ambiente muito seco, sem água, e tem estruturas para reservar água, como os camelos também têm estruturas para preservar e reservar água, ou uma gazela que evoluiu mecanismos para poder correr muito rapidamente, ou por exemplo um colibri que tem inclusivamente uma alteração metabólica nos músculos peitorais que lhe permite bater asas 40 ou 50 vezes por segundo de forma a que ele possa ficar como um inseto, como se fosse um helicóptero parado no ar, mesmo em frente à flor, para poder introduzir o bico dentro da flor para poder ir buscar o néctar. E quando nós vemos estas adaptações pensamos obviamente que o organismo deve ser a unidade de seleção, porque as adaptações nós vêmo-las nos organismos. O que acontece é que algumas destas formas de raciocínio conduzem a becos sem saída problemáticos. Por exemplo, quando estamos a pensar na espécie, é injustificável a ocorrência de infanticídio. Porque, por exemplo, o infanticídio que é praticado nos leões e que é muito comum nos primatas, os primatas são do grupo dos mamíferos, aquele onde o infanticídio é mais comum, e isto era quase um crime, que há 40 anos atrás, dizer que há infanticídio nos primatas e ele é adaptativo. Isto seria uma coisa para alguém ser crucificado. A primeira vez que uma antropóloga sugeriu esta ideia, uma americana, ela foi atacadíssima nas conferências onde ela foi sugerir isso. Porque obviamente isso era prejudicial para a espécie. E é, de facto. E não é por isso que ele é selecionado. Ele é selecionado porque é benéfico para os machos que o praticam. E as fêmeas não têm como impedir que esse comportamento aconteça. E portanto, um raciocínio baseado na espécie não ajudaria a explicar uma coisa destas. Portanto, há qualquer coisa
José Maria Pimentel
que está errada aqui. Só para clarificar Para quem está a ouvir, o que acontecia nesse caso é que os machos matavam os filhos dos outros machos com aquela fêmea de
Paulo Gama Mota
modo a que ela pudesse ser os filhos deles e esse xin se depois se propagasse. Normalmente isso acontece quando há um takeover, isto é, quando um macho, por exemplo, num sistema poligênico, em Langouros, por exemplo, corre com os outros, corre com o outro macho e fica com as fêmeas. Só que as fêmeas têm crias. E enquanto as fêmeas estão a amamentar, elas não ovulam. Então esses machos matam as crias dos outros machos e obviamente que isto não tem nada de consciente, não tem que ter. Evolutivamente é vantajoso para os machos aumentar o seu tempo de reprodução. E, portanto, quando esse comportamento surgiu, ele foi selecionado porque era vantajoso para os machos. E as fêmeas não conseguiam impedir esse comportamento
José Maria Pimentel
de acontecer. E é isso que explica também nos seres humanos a prevalência, não necessariamente de infanticídio, mas muitas vezes de maus-tratos em filhos adotados. Absolutamente. Que não quer dizer que
Paulo Gama Mota
ela seja muito elevada, mas é ordens de magnitude acima dos filhos próprios. Exatamente. Felizmente não é muito elevada, infelizmente acontece, e acontece bastante, mas é, como dizias, é ordens de magnitude mais elevada do que o infanticídio ou os maus-tratos envolvendo relações filiais, parentesco genético. E depois surgiu a ideia do altruísmo. E a ideia do altruísmo não se conseguia explicar com base na teoria... Quer dizer, a teoria é a teoria estándar, mas era a maneira como as pessoas olhavam para ela que era as adaptações têm que beneficiar os indivíduos. Então como é que um indivíduo se beneficia a si próprio se não se reproduz e vai ajudar outros a reproduzirem-se. Isto aqui gera... Era um problema. Aliás, o próprio Darwin disse que este assunto está envolto numa nuvem e eu não consigo entender porque é que isto acontece. O Darwin era extraordinário porque ele era capaz não só de dissecar as ideias todas, como as suas próprias ideias. E de pôr à luz do dia aquilo que ele achava que eram inconsistências das suas próprias ideias. O que requer uma atitude intelectual extraordinária, diga-se de passagem, não é? Sim, sim, sim. É notável. E então há um fulano, o Hamilton, que nasceu na Nova Zelândia mas foi educado em Inglaterra, que decide ter esta ideia de pensar o altruísmo ao nível dos géneros. Havia algumas pessoas que já andavam a pensar nisto. Aparentemente, cerca de 10 anos antes, o Alde Hain, que era professor em Oxford e que, para muitos, é uma espécie de primeiro bioquímico da história e que foi uma das figuras, digamos, da síntese moderna, formula uma ideia que aparentemente terá sido dita numa conversa num pub. Ele disse, eu estou disposto a dar a minha vida por dois filhos, quatro sobrinhos ou oito primos. Isto tem um bocado de anecdótico, porque não está nada escrito, mas o que é verdade... É capaz de ser apócrifo, sim. Sim, mas há muita gente que diz que ele disse isso, que rabiscou umas coisas num papel e sendo um tipo completamente idiosincrático como era o Aldeine, não é impossível, ok? Que ele tivesse dito isto. Houve até pessoas que puseram uma data lá, não sei onde é que foram buscar porque eu não conheço bem essa história e não sabia que havesse datas relacionadas com o tempo em que isso aconteceu. E então em 63 o Hamilton produz uma pequena equação em que ele tenta justificar a evolução do altruísmo e ele diz Imaginemos que há um gene que é neutro e que surge uma mutação que torna os indivíduos mais propensos para ter um comportamento altruístico. Aquilo que determina se esse gene, se essa forma genética, nós dizemos em jargão biológico esse variante alélico, mas vamos continuar a dizer gene que é para ser mais simples. Se essa forma desse gene será selecionada, não se o comportamento que o gene torna mais provável acontecer for benéfico para o indivíduo, mas se ele for benéfico para o gene propriamente dito, para si próprio. E ele diz isto pode acontecer se a interação acontecer entre parentes. Porque se um indivíduo que é portador de um gene sacrificar-se a si próprio para ajudar a salvar três irmãos ou cinco sobrinhos, se nós multiplicarmos o sacrifício pelo ganho, ou melhor, se dividirmos o benefício pelo ganho, ele é maior do que o coeficiente parentesco entre ele e esses indivíduos. Portanto, a equação é uma equação muito simples e que teve um impacto enorme na nossa maneira de pensar e levou as pessoas a começar a olhar para o género como a unidade de facto de seleção. E há uma série de coisas que mudaram, por exemplo, com base nisso houve uma série de programas de investigação que surgiram, o próprio Lúcia Dawkins sugere a existência de genes egoístas e há uma série de genes egoístas que começaram a ser encontrados. Encontraram-se genes que, quando estão presentes num genoma de um indivíduo, sacrificam uma parte da descendência desse indivíduo. E só deixam que esse indivíduo tenha descendentes que transportam essa mesma forma e iluminam a outra. Isto chama-se enviesamento de namaiose e pode ter várias formas e está conhecido em várias espécies. Os primeiros casos eram muito surpreendentes, ninguém sabia muito bem explicar o que é que estava a acontecer e depois descobriu-se que havia elementos genéticos que eram egoístas. Por outro lado...
José Maria Pimentel
Mas desculpa, Paulo, só para perceber melhor, é um alle que... Aniquila o outro. Exatamente, sabota a passagem do outro. Absolutamente. Isso é muito interessante, não fazia ideia. Isso
Paulo Gama Mota
pode acontecer de várias formas e por vários níveis e alguns dos mecanismos são conhecidos, outros não são. Isto é, sabe-se quando é que isso acontece em algumas dessas espécies, não se sabe exatamente como é que essa interação gera essa aniquilação, mas ela gera essa aniquilação. Por outro lado, uma outra ideia de elementos genéticos egoístas são as estruturas autorreplicantes que se multiplicam, por exemplo, dentro do genoma dos outros organismos. Por exemplo, uma parte muito substancial do nosso genoma é constituído por transposões. Os transposões são sequências genéticas, não muito longas, que se vão multiplicando dentro do nosso genoma. Não têm qualquer função para as nossas células e para o nosso funcionamento enquanto seres vivos e em alguns cromossomos mais de metade da informação genética que lá está são transposões. Quase metade do nosso genoma é constituído por transposões que são na sua essência elementos genéticos egoístas. Egoístas não no sentido que nós utilizamos a palavra egoísta para caracterizar o comportamento das pessoas porque obviamente na natureza não há moral, ok? A moral é um conceito humano. Mas egoístas no sentido em que eles estão a trabalhar pelo seu interesse próprio. São free riders, claro. E a natureza tem tudo isto. E, na verdade, esta perspectiva centrada no género, de repente, abriu um novo horizonte de pesquisa e permitiu descobrir coisas que nós não imaginávamos possível.
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante porque, no fundo, o que aqui está em causa é que analisar a evolução através do indivíduo explica uma série de coisas quando o interesse do indivíduo e dos genes estão
Paulo Gama Mota
casados. Exatamente.
José Maria Pimentel
Mas a partir do momento em que a pessoa percebe que, na verdade, o meio primário de seleção a nível dos géneros, como tu estavas a dizer, abre um leque para uma série de coisas, a mais interessante das quais provavelmente é, pelo menos para nós, é a questão da cooperação, que não dava para explicar de outra forma se não fosse com isso ou então com... Com seleção de grupo. Com seleção de grupo, que já lá vamos. Mas isso é muito interessante.
Paulo Gama Mota
Disseste uma coisa muito interessante, que aliás foi desenvolvida por um filósofo já há uns anos, nos anos 90, precisamente em que ele diz que nós só conseguimos verificar que há seleção a um nível inferior quando os interesses do nível inferior e do nível superior são contraditórios. Ou seja, se aquilo que interessa ao género interessa ao indivíduo, nós não conseguimos ver que haja qualquer diferença e aliás podemos perfeitamente esquecer os genes e pensar nos indivíduos porque o nosso raciocínio não vai estar errado. Agora, quando o interesse é contraditório, nós vemos que há ali qualquer coisa a mais.
José Maria Pimentel
Sim. Tal como, já agora fazendo um paralelo, já lá vamos, eu acho que o maior indicador contra o chamado design inteligente, não é a favor da evolução, não é quando a evolução produz os melhores resultados, mas quando produz resultados defeituosos. Que é um bocado... Também tem alguns paralelos com isso, né? Quando há resultados defeituosos, sei lá, como a nossa coluna, que se percebe que nós obviamente não fomos objeto de design inteligente, mas tendo um processo que sendo muito poderoso tem limitações inerentes como não podia
Paulo Gama Mota
deixar de ser. Resultam do processo evolutivo, como os nossos olhos por exemplo, nós temos um ponto de segue no olho que é resultado da natureza do processo evolutivo, inclusive a nossa retina tem um desenho bastante mau. É claro, ela é ótima, não é? Porque nós vimos bastante bem ou muito razoavelmente com os nossos olhos e ainda não conseguimos inventar sequer uma máquina que fosse capaz de funcionar tão bem como um olho humano. Mas o que é verdade é que a maior parte dos fotões que atingem a retina perdem-se nas estruturas que estão à frente das células fotorreceptoras porque elas em vez de estarem viradas para a entrada da luz estão viradas para trás. À frente delas estão os neurónios todos, uma série de células de ligação e obviamente que muitos dos fotões vão se perder aí e não vão chegar às células fotorreceptoras e isto é um péssimo design não é um... Não é um bom design.
José Maria Pimentel
Isso tem muita piada, sim. É como o processo acumulativo e o pescoço da girafa, não é, Que estavas a falar há bocadinho. Sim. Também é o exemplo disso, não é? Ou seja, se aquilo fosse construído de raiz, não seria construído daquela forma.
Paulo Gama Mota
É, a girafa tem uma coisa curiosa, que nós também temos, aliás, que é a nossa laringe, que é fundamental para nós falarmos, mas para emitirmos sons, e os mamíferos são bastante vocais, não muito vocais, as aves são mais, mas são razoavelmente vocais, precisam de ter um controlo nervoso da laringe. Esse controlo nervoso é feito a partir de uma ramificação do nervo vago, que vem diretamente do cérebro e que vai pelo corpo para aí abaixo. Acontece que esta ramificação passa por baixo da aorta, que também é um mau desenho. O que quer dizer que vai até ao pé do coração, passa por baixo da aorta e depois sopra o nosso pescoço até à laringe. No nosso caso, só tem que subir aí uns 15 centímetros. No caso da girafa tem que subir metros porque tal como nós a girafa é um mamífero e tem exatamente o mesmo plano estrutural que é um plano que vem dos peixes e portanto o nervo-vaco continua a passar por baixo da horta e é claro que incrementalmente o pescoço foi subindo, subindo, subindo e o nervo-vaco teve que continuar a subir até lá acima. Portanto, ele vem para baixo, passa por baixo da horta e depois vai outra vez para cima até à cabeça da girafa. Que é um caso incrível também de desenho estranho.
José Maria Pimentel
Sim, Sim, tem
Paulo Gama Mota
muita piada. Ou a próstata, não é? Sim, exato. Ou a próstata também que é impensável desenhar uma glândula naquele sítio ao pé de um sistema de... De um pipeline, não é? Quer dizer que a dada altura sofre constrangimentos por causa de um crescimento anormal, que acontece a muitos homens na velhice, por dilatação da próstata. Isso é mais um exemplo de mau desenho.
José Maria Pimentel
Sim. E o parto? Por exemplo, o parto humano também é outro exemplo. O
Paulo Gama Mota
parto humano é um caso paradigmático da evolução levada até o limite. Sim. Porque o crânio de um chimpanzé bebê ocupa por aí 50% do canal pélvico da mãe e portanto ele sai sem problema. No caso humano ele ocupa mais de 90% do canal pélvico da mãe, de tal maneira que, inclusivamente a pélvis, sofre uma dilatação. Os ossos da bacia afastam-se na altura do parto para poder deixar uma alteração hormonal para deixar passar a cabeça do bebê. A cabeça é tão grande que, inclusivamente, as placas juntam-se um pouco e há uma certa compressão no momento do parto, o que poderia ser traumático para um indivíduo que estivesse consciente. O bebê ainda não está bem e, portanto, não parece que seja... Não é de todo traumático, mas o parto é muito arriscado na nossa espécie. Sim. E isso aconteceu porque nos últimos 2, 5 milhões de anos houve uma pressão seletiva enorme para a evolução de um cérebro grande. Isso teve enormes vantagens para as espécies que foram tendo esta capacidade cada vez com mais neurónios. Basicamente, o cérebro de um chimpanzé tem à volta de 450 a 500 centímetros cúbicos. O nosso cérebro tem cerca de 1.300 e 1.400 centímetros cúbicos. E isto é quase uma triplicação do tamanho. Portanto, temos um cérebro quase três vezes maior, duas vezes e meia e com muitíssimo mais células. E isso aconteceu num espaço de tempo relativamente curto. Por outro lado, os humanos têm uma posição bípede que requer que a bacia não seja muito larga. E portanto, a pressão foi tão grande para a evolução deste cérebro maior, sem que ao mesmo tempo a bacia pudesse alargar, portanto estava constrangida por causa do andar, que houve uma alteração no programa de desenvolvimento e fez com que os bebés nascessem prematuros. Portanto, os nossos bebés, comparando, por exemplo, com outro primata, são muitíssimo mais dependentes e só atingem a mobilidade de um primata quase aos 18 meses, pelo menos demoram mais de um ano até atingirem a capacidade. Mas
José Maria Pimentel
sabes que apanhei a certo ponto uma coisa interessante sobre isso que, não punha essa narrativa em causa, mas matizava de certa forma, porque dizia que fósseis descobertos de... Ou restos de humanos pré-históricos sugeriam que o parto naquela altura não seria tão difícil como é agora e que, portanto, se intuía daí que a revolução agrícola talvez tivesse piorado as coisas. O facto de nós começarmos a comer coisas com amido, não é? Massa, arroz, que fazem o bebê, no fundo, engordar mais do que ele engordaria nas condições da nossa alimentação mais típica da pré-história. Portanto, dificultou ainda mais um processo que já estaria no limite, mas tornou, na Idade Média, nós hoje em dia já não temos noção disso, mas na Idade Média a mortandade em mães, em mulheres que davam à luz era exorbitante, era inacreditável.
Paulo Gama Mota
Hoje em dia nós, graças à medicina, conseguimos reduzir isso para números baixíssimos. Certo, não conheço essa ideia, mas tenho algumas dificuldades relativamente a ela, porque o cérebro humano tem mais ou menos o tamanho que tem hoje, seguramente nos últimos 50 mil anos e provavelmente nos últimos 200 mil anos. Não houve uma grande alteração no volume. Pode ter havido uma alteração nas conexões e no desenvolvimento de algumas regiões e isso é uma coisa que se vai saber mais em breve. Uma vez que nós temos a sequenciação do genoma de Neandertal podemos comparar com os Neandertais estamos a descobrir coisas relativamente, por exemplo, a genes que estão relacionados com o desenvolvimento da linguagem e que sabemos que há mutações que não aconteceram ao longo de um período evolutivo longuíssimo, de 30 a 40 milhões de anos, e de repente há duas mutações. Portanto, é um gene altamente conservado e de repente tem duas mutações. Essas duas mutações estão ambas presentes nos humanos modernos e nos neandertais. E nós sabemos que há pessoas que têm mutações nesse gene que têm uma deficiência linguística. Ok? Portanto, sabemos que o gene afeta a produção do discurso. Mas investigações mais detalhadas subsequentes mostraram que noutras zonas de regulação desse gene há mutações que já só estão na linhagem humana, que já não estão nos neandertais. O que quer dizer que houve algumas transformações que são posteriores, digamos assim, à separação entre os humanos e os neandertais. Mas não houve muitas alterações. Por outro lado, eu acho que a coisa mais difícil num parto é passar a cabeça. Portanto, não é tanto o volume do corpo da criança que constitui o maior problema no nascimento. Portanto, eu tenho algumas dificuldades com essa ideia. Eu percebo. E
José Maria Pimentel
eu próprio também tive essa impressão, mas sabes que eu já ouvi... Aliás, lembro-me quando a minha filha nasceu, também ela tinha um perímetro abdominal acima do percentilo 50, talvez ajudasse. Mas eu lembro-me da médica do obstetra dizer que a maior dificuldade até normalmente estava na barriga e não no crânio, mas não era essa a impressão que eu tinha de continuar a não ser. Portanto, confesso que fiquei curioso em relação a isso. Mas já que estamos a falar nos seres humanos, deixa-me voltar atrás à questão dos genes e da cooperação e no fundo a partir do momento em que nós percebemos que a evolução corria ao nível dos genes conseguimos perceber fenómenos lá está como a cooperação e chegar ao entendimento daquilo que se chama, julgo que em português a denominação é assim, seleção de parentesco, não é keen selection, não é perceber que fenómenos como aquilo que tu falavas à pouco de um determinado indivíduo se sacrificar porque no fundo aquilo é melhor para um gene que ele tem e que partilha com os seus parentes. E isso explica uma série de coisas, explica em várias espécies a proximidade e a cooperação entre membros de, entre indivíduos que partilham 50% dos nomes, ou 25%, 12, 5% o que for. E explica também nos seres humanos, quer dizer, é uma das coisas obviamente que explicam porque é que nós somos tão apegados aos nossos filhos porque é que somos apegados aos nossos pais e aos nossos irmãos, embora depois de tudo isso também interajam entre si. E uma dúvida com que eu fiquei em relação a nós é, por exemplo, vamos tirar daqui a parte consciente, não é? Porque tudo isto, nós estamos programados para que isto aconteça a nível inconsciente, não é? A chave é essa, não é? Depois, obviamente, que o nosso consciente permite raciocinar sobre uma série... Racionalizar. Exatamente, sobre uma série de... Quer dizer, racionalizar em certo sentido e idealmente também raciocinar por cima disso e eventualmente tomar decisões diferentes, graças à razão, mas ainda assim nós temos esse ímpeto e é claramente esse ímpeto que gera uma série de emoções humanas como o amor, a amizade, quer dizer, a amizade não tanto, mas o amor que nós sentimos por aqueles que nos são próximos. E no caso dos filhos, por exemplo, apenas ao nível do inconsciente, esta programação genética que nós temos perante um ser que partilha connosco 50% do nosso genoma, hoje em dia nós, se eu tiver um filho, sei que o filho é meu, à partida, mas como é que ela acontece, ou seja, que sinais inconscientes é que existem? Há um sinal ao nível do fenótipo, ou seja, a minha filha ou o meu filho tenderá a ser parecida comigo e, portanto, isso em si mesmo dá uma série de sinais. Mas há outros sinais, Ou seja, por exemplo, o cheiro pode transmitir inconscientemente que aquele bebê é meu filho, é o meu descendente, isto no ambiente pré-histórico e possivelmente até pré-linguagem, antes da linguagem existir? Não, à partida não.
Paulo Gama Mota
Cada indivíduo tem um odor próprio e as experiências que se tentaram fazer para encontrar uma espécie de filiação nos odores não mostra que exista tal coisa. Os odores são memorizados muito precocemente pelos indivíduos. Nós somos uma espécie muito pouco... Perdemos muitos receptores, perdemos muitos neurónios, perdemos muitos genes relacionados com o olfato que continuam lá e que, portanto, são pseudogenes que deixaram de funcionar e continuam no nosso genoma mas os primatas são espécies muito visuais, é um grupo muito visual e que têm muito pouco olfato, comparativamente, por exemplo, com outros mamíferos. A questão é que, mesmo assim, nós damos importância ao olfato, e o olfato é um marcador, mas, por exemplo, quando em mamíferos se fizeram cross fosterings, isto é, que se pegaram em crias de duas fêmeas, que nasceram na mesma altura e foram trocadas de mãe. O reconhecimento entre as irmãs, portanto entre as filhas, acontece entre as filhas da mesma ninhada, independentemente de elas serem geneticamente parecidas ou não. Se eu trocar metade das filhas de uma fêmea para a outra, estas filhas vão reconhecer as irmãs adotivas como irmãs delas. E não vão reconhecer as irmãs verdadeiras. Exatamente. Se se vierem a cruzar com elas mais tarde. Portanto, este reconhecimento do ouvidor é um reconhecimento aprendido. Não é uma informação que me permita determinar a relação de parentesco. Pois, na espécie humana isso pode ser problemático porque a maternidade é certa e a paternidade não é necessariamente. Mas
José Maria Pimentel
a pergunta que eu fiz, eu falei de nós, não falei da espécie humana, mas para mim é interessante para todas as espécies. Para nós é especialmente interessante porque nós como temos linguagem e consciência e capacidade de raciocinar por cima disso, no fundo, em certo sentido, isso agiria sempre por cima desse substrato mais inconsciente. Mas eu fico muito curioso é como é que funciona na prática, porque se esta seleção, por parênteses, que depende da partilha genética, tem que haver na natureza maneiras dos indivíduos saberem quem é que partilha os géneros com
Paulo Gama Mota
eles. Claro. Basicamente, em espécies que evoluíram como, por exemplo, espécies monogâmicas ou espécies muito sociais, em que os indivíduos mantêm uma ligação muito próxima dentro do grupo, Por exemplo, em muitas espécies de mamíferos sociais, o que nós temos, o grupo social, são linhagens matrilineares. Portanto, são fêmeas que são avós, mães, filhas. E normalmente os machos, quando atingem uma determinada maturidade, dispersam. E vão ter comportamentos separados das fêmeas. O que quer dizer que dentro daquele grupo os indivíduos reconhecem-se porque não há transferências entre grupos. Exato. Ou
José Maria Pimentel
seja, não precisam no fundo ter as suas. Exatamente.
Paulo Gama Mota
E portanto, esses mecanismos funcionam porque o sistema de reconhecimento é muito básico. Na verdade, em algumas rãs, por exemplo, são variáveis das características do meio ambiente, marcadores químicos do meio ambiente, que permitem aos indivíduos reconhecerem-se uns em relação aos outros e não o próprio odor dos indivíduos de uns em relação aos outros. Mas em todos os casos em que há alguma forma de reconhecimento ele tem a ver com, digamos, as características evolutivas, ecológicas, sociais dessa espécie. Em que um mecanismo relativamente simples e que funciona em 90% ou 95% das situações é bom o suficiente. Exato, exato.
José Maria Pimentel
Não precisou de evoluir nenhum mecanismo mais sofisticado.
Paulo Gama Mota
Não, testes de DNA não é preciso. Os ricos fazem testes de DNA, na realidade somos nós. Quando queremos, por exemplo, determinar se alguém é filho de outra pessoa e obviamente uma parte dos testes de DNA são testes relacionados com a atribuição de paternidade. E hoje em dia têm um grau de precisão muito elevado, portanto um grau de exclusão em que nós estamos a falar de 99, 99% de certeza que se houver um matching, se houver uma correspondência, naturalmente que aquela criança é a filha daquele pai. Aqui há 40 anos atrás era mais difícil conseguir ter níveis tão elevados. Aliás, é engraçado porque o próprio Dawkins também formula uma ideia para isto, o que ele chamou de green beard, a barba verde. Isto é, se eu tiver um género qualquer que de alguma maneira faça com que eu apareça com uma característica fenotípica específica e que é partilhada pelos outros indivíduos do meu grupo, o altruísmo ou a cooperação evoluirão com facilidade se eu dirigir os meus comportamentos altruísticos para com indivíduos que se parecem comigo. E na verdade a nossa espécie, que é das espécies mais cooperativas que há, embora as pessoas tendem a olhar-se um bocado para o nosso lado muito competitivo e mau, etc. Nós ainda agora vimos, assistimos a inúmeros casos de altruísmo extremo, nomeadamente dos médicos, que têm estado a tratar as pessoas em Portugal, as imagens que nós vimos de Itália, etc, que nos mostram milhares de exemplos de altruísmo, de facto, dedicação dos humanos para com outras pessoas e isso não se explica por este mecanismo de seleção de parentesco, porque aqueles indivíduos não são nossos parentes. Claro. E digamos que há agora um consenso progressivo de que a seleção de grupo terá sido muito importante na evolução da nossa espécie. E terá ajudado a criar mecanismos de reconhecimento dentro do grupo. E há vários mecanismos e há vários níveis de reconhecimento. Nós podemos pensar a cooperação como se fosse uma cebola. Nós temos várias camadas como a cebola. Quanto mais as camadas são interiores, mais A cooperação é intensa. Portanto, nós temos uma enorme cooperação no nosso núcleo familiar. Depois, a outra camada serão os amigos. E depois são as pessoas que partilham os nossos traços culturais. E depois são as pessoas que partilham a nossa língua. E Dependendo do contexto, estes marcadores culturais vão definir uma fronteira entre os que pertencem e os que não pertencem. E nós vamos cooperar com os que pertencem e não cooperar com os que não pertencem. E isto é, digamos, a base evolutiva da cooperação na espécie humana e que levaram de facto à evolução de fortíssimos mecanismos de cooperação que foram favorecidos precisamente porque beneficiavam o grupo e também beneficiavam os indivíduos quando estavam dentro desses grupos. Porque um grupo mais cooperativo é mais bem sucedido do que um grupo de indivíduos que não cooperam e que não se entram e ajudam entre eles.
José Maria Pimentel
Sim. Levantaste aí a seleção de grupos, já lá vamos. Deixamos só terminar a questão desta seleção por parentesco baseada nos genes. Por exemplo, em relação aos seres humanos, que é aquilo que é obviamente mais intuitivo para nós, Há outros fenómenos que não sejam explicados ao nível do indivíduo e que esta seleção por parênteses permita explicar ao nível dos genes. Por exemplo, ocorreu-me há um mistério evolutivo, que é evidente, e acho que não está completamente resolvido e por isso até me ocorreu perguntar. Que é a questão da homossexualidade. Aparentemente, se tu olhares para o indevido, aparentemente não faz sentido, porque é alguém que não se vai reproduzir, seja homem ou seja mulher, alguém que não se vai reproduzir. E eu estava a pensar, isto talvez pudesse ajudar a explicar, no sentido em que, claramente é alguma coisa que evoluiu, Isso parece evidente, senão não seria tão comum como hoje em dia nós sabemos que é. Esta seleção de parênteses poderia ajudar a explicar, no sentido em que tu podes não estar a reproduzir-te a ti próprio, podes não estar a gerar descendência direta tua, mas podes estar a ajudar ou a aumentar a probabilidade de que aqueles que partilham géneros contigo, por exemplo, um irmão ou uma irmã, vá gerar não só mais descendência, como descendência com maior capacidade de sobreviver e depois gerar a própria descendência de si próprio. Não sei se isto faz sentido, foi algo que me ocorreu.
Paulo Gama Mota
Sim, essa é uma conjetura que é perfeitamente possível de fazer-se, mas há mais. Na verdade há imensas hipóteses sobre porquê que a homossexualidade tem uma persistência que rondará cerca de 6% na população masculina, que é uma fração bastante elevada e é incerto no caso da população feminina. É mais difícil de determinar. Mas, portanto, tem uma persistência relativamente elevada e sabe-se que, obviamente, isso não é recente. Obviamente, era muito comum na Grécia antiga, na Roma antiga, que têm, obviamente, relatos escritos destes processos e que nos dá uma ideia de que não era uma coisa... Não é uma coisa recente, é uma coisa que existe há muito, muito tempo na espécie humana. Sim.
José Maria Pimentel
Nós normalmente falamos, até do ponto de vista político, e faz sentido que o façamos, de homossexualidade feminina e masculina como a mesma coisa, porque do ponto de vista dos direitos obviamente são. Mas do ponto de vista evolutivo até talvez não sejam. Talvez sejam fenómenos diferentes, não é? Esse lado mais binário da homossexualidade masculina e aparentemente mais difuso da homossexualidade feminina, o que torna difícil medir, por exemplo, essa questão de... Também já tinha apanhado isso, no fundo é... Se calhar também tem que ver com o facto de terem evoluído por razões diferentes, não é? O que no fundo ainda torna mais interessante e complexo o problema.
Paulo Gama Mota
Não fazemos ideia, até porque até hoje não se conseguiram encontrar marcadores genéticos da homossexualidade. Existirá seguramente alguma coisa, mas ela está muito difusa no genoma e provavelmente resulta da confluência de uma série de configurações genéticas que produzem essa situação. Uma parte delas seguramente ligadas ao cromossoma X. E eu aí diria que algumas das diferenças não são assim tão grandes porque há seguramente uma alteração do ponto de vista de coisas que são muito profundas do ponto de vista do funcionamento do cérebro e que uma pessoa não tem condições de mudar, Ou seja, eu não posso mudar porque desejo e porque quero que as pessoas se sentirem-se fisicamente atraídas por pessoas do seu sexo e não do sexo oposto. Isto é uma situação de uma pessoa homossexual. Um homossexual sente-se atraído por pessoas do seu sexo, mas não se sente atraído por pessoas do sexo oposto. Depois temos um gradiente de situações. Obviamente que isto não é tudo igual e existem obviamente variantes aqui e é por isso que o fenómeno é também um pouco difícil de caracterizar. E não é só por isso, obviamente, porque tem sido muito perseguido e anatomizado ao longo da história. Relativamente àquela conjetura que tu apresentaste, há inclusivamente uma hipótese de cuidados parentais chamada Grandmother Hypothesis, a hipótese de que a menopausa seria uma espécie de processo que garantiria que as mães ficariam a ajudar as filhas a ter os seus próprios filhos e, portanto, uma espécie de cuidado parental extensivo. Sim. E também
José Maria Pimentel
explicaria a maior longevidade das mulheres, não era?
Paulo Gama Mota
Pois, mas nós também verificámos que, por exemplo, nos chimpanzés, também há perda de capacidade reprodutiva a partir de uma certa idade e, portanto, as fêmeas não se continuam a reproduzir durante a vida toda. E, provavelmente, a menopausa acontece-se em consequência de outros processos, ou seja, houve uma seleção para os indivíduos se reproduzirem e no pico da sua fertilidade, aquilo que acontecia no fim da sua fertilidade não tinha muitas implicações sobre a seleção desses genes. Claro, exatamente. Essa é que é a chave. Essa aliás é uma das teorias usadas para explicar o envelhecimento. Os genes que têm efeitos depois dos indivíduos terminarem a sua vida reprodutiva ou já estarem mortos, por exemplo, e é preciso não esquecer que grande parte do tempo evolutivo da nossa espécie, a esperança de vida, seria tipo 40, 45 anos. Portanto, genes que se manifestavam depois disso e que tinham efeitos deletérios depois disso não eram eliminados, não eram selecionados, porque não afetavam a outra parte. E até aliás podiam ser vantajosos em períodos mais precoces. E em relação aos comportamentos homossexuais há um sei número de hipóteses. Eu tenho uma atitude relativamente às hipóteses formuladas sobre a evolução dos comportamentos humanos ou de características humanas que é não vamos saltar de hipóteses para afirmações comprovadas antes que nós sejamos capazes de confirmar essas ideias com evidências empíricas suficientemente sólidas. Até porque é uma área que tem naturalmente implicações significativas sobre a vida das pessoas. E, portanto, eu tenho uma atitude relativamente a isso, muito cautelosa se quisermos, de ok, há outras explicações possíveis. Mas
José Maria Pimentel
eu aqui acho que a evolução até joga a favor. Uma das coisas que jogaram muito a favor da evolução brutal que se foi. Aliás, acho que é das coisas que mais evoluíram até nas últimas décadas dos direitos homossexuais foi exatamente perceber-se a base genética que tem e que não é simplesmente um devaneio ou uma escolha que a pessoa faça.
Paulo Gama Mota
Certo, mas não Temos uma ideia para porquê que evoluiu. Não, isso eu sei que não. Pode, por exemplo, haver um conjunto de genes que são selecionados por serem particularmente vantajosos em determinadas condições e esses genes terem como consequência, por arrasto, a ocorrência de níveis mais elevados de comportamentos homossexuais, portanto de haver uma determinada persistência. Por exemplo, sabe-se que nas populações africanas há uma persistência relativamente elevada de doenças mentais, nomeadamente esquizofrenia, que exibem alguma seletividade positiva, que é uma coisa que não faz sentido. A seletividade positiva só se consegue explicar porque isso é um resultado indireto de outra coisa que está a ser selecionada. E portanto tem um efeito colateral por algo que está a ser selecionado por outra razão.
José Maria Pimentel
Qual é o termo técnico para isso em biologia? São genes que são selecionados por arrasto evolutivo. O que é interessante disto da evolução é que é uma coisa que se define em duas linhas, em duas linhas explícitas, a questão da variação e depois seleção, mas depois na prática é extraordinariamente complexo. Há uma série de... Quer dizer, a confluência entre o teu material genético, o ambiente... O ambiente no sentido de lato, que é a comida dos predadores, bem, a própria seleção sexual que já lá vamos, não é? Portanto, no fundo, da tua reprodução, exatamente dependendo do sexo oposto. Quer dizer, tudo isto gera, isso é que tu aludias, que é no fundo um gene poder ser selecionado porque é vantajoso para um determinado efeito, mas depois ter um efeito colateral que é desvantajoso e se nós estamos focados apenas no efeito cotor, ocorremos o risco de fazer aquele tipo de raciocínio de dizer Ora bem, se isto
Paulo Gama Mota
evoluiu é porque era adaptativo, não é? Sim, há um sem número de exemplos, por exemplo, efeitos no tamanho. Há variações alométricas que resultam de, por exemplo, se houver uma relação que está relativamente presa nos genes que determinam o comprimento do bico de uma ave e a largura do bico e elas não estão desacopladas, como por exemplo existe uma relação entre o comprimento da mão e a largura. Se nós pegarmos na população dos portugueses ou dos europeus e formos relacionar o comprimento da mão com a largura da mão, existe uma correlação muito forte. As mãos maiores são mais largas só por serem maiores, portanto existe uma relação alométrica. Por exemplo, em relação à face isso já não acontece. Se nós formos medir a largura do nariz e a sua altura, eles estão completamente desacoplados, não há qualquer relação entre uma coisa e a outra. Digamos que o género que determina o comprimento do nariz não tem interação com o género que determina a largura do nariz. Mas no caso da mão tem. E portanto, se os indivíduos forem selecionados para ter uma mão muito maior, eles vão ter uma mão mais larga. E se nós nos concentrarmos na largura da mão à procura de uma explicação. Quando a seleção foi por causa das mãos serem mais compridas, nós podemos inventar muitas explicações, mas elas não são verdadeiras. Por isso temos que ter sempre esta reserva mental de perguntar, ok, será que a seleção está a acontecer por causa deste traço ou por causa de um outro traço e ele está simplesmente a evoluir por correlação? E há inúmeros casos na natureza de situações destas. Esta
José Maria Pimentel
é muito assim, isso é muito a piada, nunca, Não fazia ideia, nunca tinha pensado nisso. E aliás, agora lembraste-me, estas conversas são assim, eu não estou esquecido da seleção de grupos, já lá vamos, mas agora lembraste-me de uma coisa que eu já reparei várias vezes e acho que és a pessoa certa para eu perguntar isto. Eu nunca vi isto escrito em lado nenhum, mas é algo que fui observando e acho que corresponde à nossa experiência. Se tu dispuseres num gráfico o espectro de alturas de... Numa curva das alturas de população do sexo masculino e na outra população do sexo feminino, eles basicamente intercetam-se e têm médias diferentes. Os homens têm... Em média serão mais altos, as mulheres têm média mais baixa, mas há uma grande parte que se interceta. Se tu fizeres o mesmo com, por exemplo, o comprimento do pé, por exemplo, eu acho que elas estão mais desfasadas. Ou seja, se eu meço à volta do metro e oitenta, por exemplo, se eu tiver com uma mulher que meça o mesmo que eu, provavelmente o pé dela vai ser mais pequeno do que o meu. Eu calço 43, 44, provavelmente ela calçará tipo 41, por exemplo. Que é um fenómeno interessante, faz ideia porque é que... Não, é a mesma
Paulo Gama Mota
coisa. Há uma relação holométrica entre a altura e as extremidades do corpo. Mais uma vez, há pessoas que, por exemplo, têm um tronco pequeno e uns membros compridos e pessoas que têm um tronco muito curto e uns membros... Perdão, um tronco muito grande e uns membros muito curtos. Mas isso são... Exceções, sim. São exceções, quer dizer, estão longe de ser a maioria, não é? Quando tu começas a fazer um plot, não é? Fazer um gráfico em que vais sumando as várias pessoas. Aliás, há uma relação linear lindíssima se nós formos relacionar a estatura dos indivíduos e o comprimento do pé. Porque eles estão linearmente relacionados.
José Maria Pimentel
Mas o meu ponto é esse. Ou seja, seria de esperar então que uma mulher que me disse o mesmo que eu, tivesse o comprimento do pé igual ao meu. Certo. Mas eu acho que não acontece. Embora nunca tenha visto isto escrito, mas a minha experiência... Ou seja, é muito raro tu veres uma mulher que calça 43, 44. Sendo que há homens que calçam muito mais do que eu, não é? Nem sequer acho eu... Não sei em que percentile é que estaria, mas acho que não estou no percentile 90.
Paulo Gama Mota
Não posso dizer nada de com certeza acerca disso. Porque... Ah,
José Maria Pimentel
e o mesmo, desculpa Paulo, e o mesmo é válido para a mão. Tu notas isso também na... Sim, a mão dos homens é mais larga. Há uma diferença, exatamente, há uma diferença muito grande tendencial, obviamente, que não é... Mas há uma diferença grande... Não sei o que... Mas
Paulo Gama Mota
aí já jogam as hormonas, a testosterona, o estrogênio, os níveis de concentração hormonal que vão afetar, por exemplo, um maior crescimento ou um menor crescimento de determinadas partes. Por outro lado, o crescimento nos homens continua até mais tarde do que o crescimento nas mulheres. E esta simples diferença pode... O crescimento continua mais nas extremidades. Pode ser em si o justificativo para os pés, por exemplo, serem maiores.
José Maria Pimentel
Os pés e as mãos, não é?
Paulo Gama Mota
Sim, e eu não tenho a certeza de que se nós compararmos os indivíduos todos, na verdade não precisamos estar a compará-los. Se nós fizermos um plot e fizermos uma regressão, se a linha das mulheres estiver abaixo da linha dos homens, isso confirma aquilo que tu estás a dizer. Isto é, para um mesmo valor de X, o valor de Y está mais abaixo.
José Maria Pimentel
Sim. Eu não sei, na verdade, por isso é que eu te dizia.
Paulo Gama Mota
Sim, eu também não tenho a certeza, confesso. A Ana Clota é evidência, não é? Sim, mas isso está lá. Há informação sobre isso.
José Maria Pimentel
Sim, bem, então nesse caso ainda é mais evidente, não é? Pessoas com mãos maiores tenderão a ter pés maiores também. Sim, claro. Sim, esse é mais fácil de perceber.
Paulo Gama Mota
É por isso que aqueles basquetebolistas agarram a bola de basquete com uma mão, aquilo era uma brincadeira que nós fazíamos e que obviamente só os tipos muito grandes a jogarem basquete é que conseguiam segurar a bola só com uma mão eu não conseguia segurar a bola só com uma mão e para aqueles jogadores da NBA a bola parece pequena porque os tipos são gigantescos e têm, obviamente, todas as partes do corpo enorme, incluindo as mãos. Exato. Olha, voltando à questão da
José Maria Pimentel
seleção de grupo, que é um tema interessante porque é um tema muito controverso hoje, ou quase sempre, mas sobretudo hoje em dia, antes de discutirmos em mais detalhe convém explicar o que é que isto significa na prática. O que nós estamos a dizer na prática e o que os proponentes deste tipo de seleção dizem, não é que obviamente que a seleção só ocorra no nível do grupo, é que existem vários níveis de seleção, existe o nível de seleção primordial a nível genético, que é o que tem mais influência de todos, por cima desse é o nível do indivíduo e por cima desse poderá haver seleção também entre o grupo, que será sempre menos determinante do que as outras, mas poderá, em alguns casos, quase certamente ser determinante e ser o suficiente para determinadas características evoluírem. E este é um tema interessante porque é um tema em que muitos daqueles responsáveis por aquela mudança de paradigma que nós estávamos a falar há bocadinho nos anos 60 e 70 com a explicação da evolução ao nível do género e que nos permitiu perceber isto nós falámos há bocadinho da cooperação e da selecção de parentesco, essas pessoas estão, grande parte delas, Richard Dawkins incluído, contra os proponentes da selecção de grupo e no fundo dizem que nós não precisamos da selecção de grupo para explicar uma série de comportamentos, seja noutras espécies, seja nos seres humanos. Mas, se eu não estou enganado, tu és daqueles que acreditam que a seleção de grupo tem poder explicativo. Sim,
Paulo Gama Mota
acredito que a seleção de grupo tem poder explicativo. Mas eu acho que esta minha posição é uma posição que é progressivamente mais consensual dentro da biologia evolutiva. Isto é, a seleção pode ocorrer a vários níveis. Inomeadamente pode ocorrer ao nível do grupo. Eu Acho que obviamente isso teve a ver com a gênese da ideia da seleção ao nível do género e da seleção individual porque havia algumas explicações que se davam para comportamentos de animais que tinham uma lógica errada. Aquela ideia de que o animal se sacrifica sem prol do grupo é uma afirmação demasiado forte para ser feita de animo leve é preciso encontrar comprovativos muito fortes para que realmente assim seja porque temos explicações mais simples para esses comportamentos e as explicações mais simples são a seleção individual ou a seleção a nível do género. Aliás, há um exemplo clássico em que, por exemplo, uma fêmea de chapim real é capaz de fazer uma postura de até 15 ovos. Que é uma coisa bárbara porque é mais do peso da fêmea em ovos que ela faz. Ela põe mais do que o seu peso em ovos. É um investimento energético, uma coisa absolutamente extraordinária. Mas a maioria das fêmeas põe 8, 9 ovos. Não põem 12 ou 13 ou 14 ou 15. Embora possa. Ora, a ideia da seleção de grupo surgiu dentro deste contexto. Dizer, ok, os animais contêm-se na sua reprodução para não superarem a capacidade de suporte do meio. E o que as pessoas que vinham com esta bagagem da abordagem genética fizeram foi dizer isso não faz sentido nenhum. E foram observar, ok? E verificaram, por exemplo, que existe uma relação negativa entre o número de crias e o peso com que elas saem do ninho. Ou seja, são na mesma dois pais. Se estiverem a alimentar seis crias ou se estiverem a alimentar doze crias, eles trazem a mesma quantidade de comida, mais ou menos, e portanto as crias, em maior número, vão sair mais leves. Há um senão aqui. É que essas crias mais leves sobrevivem muito menos, são muito mais facilmente perdadas do que as outras. Portanto, existe aquilo a que nós chamamos de um compromisso, isto é um trade-off, entre investir em muitos filhos, mas pouco em cada um, ou investir em menos filhos e mais em cada um. E os modelos teóricos mostraram que, neste caso, a virtude... Que é um trade-off de qualquer pai de centros agora. Certo. A virtude estava no meio. Isto é, as fêmeas que investiam mais em 8 ou 9 descendentes, Na verdade o modelo apontava para 10 e a média era 9. Isto por acaso é um exemplo muito engraçado. E portanto havia um ligeiro desfazamento entre o tamanho ideal, que era 10, e o número médio, que andava entre os 8 e meio e os 9. Mas não 11 ou 12, porque terem mais filhos não significava terem mais sucesso. Na verdade as fêmeas estavam a otimizar o tamanho da ninhada relativamente aos seus descendentes. É claro que as fêmeas não estão todas nas mesmas condições e não têm todas um território da mesma qualidade. Uma fêmea que esteja em melhores condições e com um território de melhor qualidade, pode fazer uma postura maior. Uma fêmea que esteja em piores condições e tenha um território de pior qualidade vai fazer um investimento mais pequeno e, portanto, existe sempre alguma variação. Mas essa variação é uma revariação relacionada com o investimento que o indivíduo faz, não que ele esteja a conter-se de se reproduzir em prol do grupo. Depois os investigadores foram medir a sobrevivência da fêmea de um ano para o ano seguinte, que é aquilo que nós chamamos de valor reprodutivo residual. Quanto é que o animal reserva para se manter, para sobreviver para o ano seguinte? E eles verificaram que as fêmeas que exageravam no número de descendentes que tentavam ter sobreviviam menos para o ano seguinte. Quando eles ajustaram este valor, a média ideal dos 10 passou para os 9. Incrível. Até um exemplo muito concludente de que os animais estão a desenvolver estratégias que otimizam o seu sucesso reprodutivo dentro das condições em que eles vivem, mas que estão a maximizar ou a procurar maximizar o seu sucesso reprodutivo, não o do grupo. Então, de um modo geral, essas situações na verdade não são explicáveis por seleção
José Maria Pimentel
de grupo. E daí a ideia é ter no fundo má fama, não é? A ideia é carregar uma má fama, não é?
Paulo Gama Mota
Carrega até porque alguns dos proponentes da seleção de grupo, mais tarde, nomeadamente o Wilson, não o Dali, o Wilson, o Edward Wilson, Forçaram muito a barra relativamente à ideia da seleção de grupo. Disseram que grande parte da explicação da evolução toda acontecia essencialmente por seleção de grupo. E na verdade a seleção de grupo, para funcionar, continuando nós a pensar em genes, requer duas condições. Primeiro que os grupos sejam fechados, que haja muito pouca migração, de modo que os grupos que são altruístas, digamos assim, ou seja, que os indivíduos não exploram os recursos até ao limite em prol do próprio grupo, mantém-se relativamente fechados e não pode haver trânsito entre grupos, porque senão os grupos egoístas, digamos assim, invadirão os grupos altruístas e os freeriders aproveitar-se-ão dos benefícios sem terem os custos. Portanto, uma das pré-condições é que haja muito pouca migração entre os grupos. Portanto, os grupos têm que ser relativamente fechados. E isto não é muito comum acontecer. A outra condição é que haja um tempo suficiente para que haja uma seleção ao nível dos grupos, porque a seleção ao nível dos grupos está sempre muito mais lenta do que a seleção ao nível dos indivíduos ou a seleção ao nível dos géneros. E, portanto, estas duas pré-condições fazem com que a seleção de grupo pode perfeitamente acontecer mas está muito constrangida nas suas possibilidades.
José Maria Pimentel
Essa questão é chave, essa questão da duração. Agora, a minha dúvida em relação a isso é a seguinte, mesmo admitindo que essas duas condições existem, portanto existe uma separação mais ou menos tanque e ela dura tempo suficiente, como é que surgem os géneros cooperativos? Ou seja, como é que se dá o caso de numa das populações que ficou isolada existirem esses géneros cooperativos? De onde é que eles vieram? Surgirem número suficiente, não é? Não é haver uma mutação, mas ela tem que ter ganhado suficiente tração para... Qual é a lógica? Que ela surge primeiro ao nível genético, naquela lógica de onde nós falámos há bocadinho do grau de parentesco, que no fundo dá
Paulo Gama Mota
o primeiro impulso e depois a seleção de grupo dá o outro impulso? Eu imaginaria que funciona melhor em populações que são substrutoradas, em grupos que são eles próprios substrutorados internamente, e que uma mutação quando surge, sendo vantajosa, acaba por ser selecionada. Nós temos muito a ideia de pensar ok, mas isto é a mutação certa que vai dar origem a esta variação. Não necessariamente não tem que ser sempre a mesma mutação e aliás há mutações diferentes que produzem efeitos semelhantes. Vou dar-te um exemplo que é muito curioso a este propósito. Não tem a ver com seleção de grupo, mas tem a ver com a evolução humana, muito recente. Grande parte dos europeus conseguem consumir leite até o fim da vida, em adulto. Não sei se já pensaram nisso, mas somos a única mamífera que bebe leite em adulto. E na verdade a maior parte dos humanos não se dão bem com o leite em estado adulto. Acontece que na Europa surgiu uma mutação num gene que é responsável pela degradação da lactose, que é um açúcar que vai ser partido, que é a lactase, que está muito ativa nos bebés e depois deixa de estar ativa, essa enzima deixa de estar ativa. E aconteceu uma mutação e nós hoje sabemos que ela aconteceu há cerca de 6 mil anos na Europa Central, mais ou menos provavelmente naquilo que é hoje a Hungria. E essa mutação ocorreu em povos pastores que tinham gado. Provavelmente uma amputação como esta pode ter acontecido várias vezes noutras zonas próximas do mesmo gene, tendo potativamente o mesmo efeito, mas como não teve um impacto imediato, perdeu-se por deriva genética, desapareceu. Mas esta, como aconteceu em povos pastores, acabou por ser selecionada porque, repara, é como teres uma espécie de frigorífico ambulante, não é? E teres alimento sempre disponível. Aquilo é uma vantagem extraordinária, não é? Ter o gado que produz leite e que os indivíduos podem não só consumi-lo diretamente, como inclusivamente mais tarde desenvolver formas de o processar para o poder consumir mais distanciadamente, como por exemplo com queijo ou iogurte. Acontece que esta mutação que surgiu na Hungria está espalhada no Norte da Europa, de modo que 90% mais 95% dos habitantes da Norte da Europa têm esta mutação. E, por exemplo, em Portugal, cerca de 50% das pessoas têm esta mutação. Eu, por exemplo, tenho, porque consigo beber leite sem problema nenhum. Acontece que todas estas pessoas que consomem leite sem este problema são descendentes daquele indivíduo que teve aquela mutação naquela altura. Esta é outra ideia poderosa da evolução. A única maneira daquele gene estar distribuído nestas pessoas todas é que estas pessoas todas são descendentes daquele indivíduo E que foram adquirindo aquele gene por herança genética. Mas pode ser mais do que um indivíduo ou não? Não, a mutação só aconteceu num indivíduo. Aquela mutação. Acontece que há mais três regiões, duas delas em África e outra no Médio Oriente, em que existe esta tolerância à lactose. Outra das grandes maravilhas da tecnologia é que nós conseguimos ter acesso a ferramentas que há uns anos não tínhamos. Portanto, nós podemos sequenciar aquele gene e podemos sequenciar as regiões à volta do gene e podemos comparar e verificar, por exemplo, que era uma coisa que há 100 anos atrás ou há 50 anos atrás as pessoas diriam, ok, como é que a mutação andou de um lado para o outro? Na verdade não andou. São 4 mutações diferentes. Estão todas muito perto, estão na posição 13.413, 13.410, 13.414, mas aconteceram em nucleótidos diferentes. Portanto, são 4 mutações independentes, que por acaso têm o mesmo efeito e que foram selecionadas todas em povos pastores. Portanto, isto dá-nos uma ideia de como é que, por exemplo, um gene que favorece um comportamento altruísta não tem que ser sempre o mesmo e a mutação não tem que ser sempre a mesma, desde que de alguma maneira produzam um efeito que beneficie os membros do grupo e isso de alguma maneira reverte em favor do indivíduo que pertence ao grupo e, portanto, esse género acabará por ser selecionado de alguma forma por causa disso.
José Maria Pimentel
Sim, exatamente, isso tem muita piada. Mas espera, temos que tentar perceber melhor esta questão da seleção do grupo. Portanto, o que acontecerá aqui é, há uma população, pode ser, podemos estar a falar de seres humanos ou estar a falar de outras espécies, existe uma população onde existe já algum nível de cooperação que foi explotado por essa cooperação por parentesco, com base na proximidade genética, mas ela suponho, o que acontece é que ela não está homogeneamente distribuída e, portanto, vai haver uma espécie de clusters mais cooperativos e outros menos cooperativos. Embora ainda baseado nessa espécie de software 1.0 que é baseado na proximidade genética, de repente, por algum motivo, dá-se uma separação entre as duas populações, duas ou mais, não é? Mas entre as populações, lá está por tempo suficiente e de forma suficientemente estanque, o que vai acontecer é que as pessoas que têm aqueles géneros cooperativos vão começar não só a cooperar com os seus parentes, mas também a cooperar com outros elementos da população apenas porque estão próximos, baseado naquela heurística que nós falámos no início, de proximidade?
Paulo Gama Mota
Não, podemos pensar assim. Imagina que num grupo, os grupos são todos mais ou menos iguais, ok? Temos uma série de grupos, e em que existe uma maquinaria que faz com que os indivíduos, por olfato, por identificação de padrões e não sei o quê, tendem a ter comportamentos afiliativos e comportamentos de proteção para com as suas crias. Pronto. Isso está lá, é muito básico. Está presente em todos os mamíferos. Agora imagina que essa maquinaria de uma certa afiliação, de uma certa proximidade, em vez de ser muito restrita, há uma mutação que faz com que ela se torne mais abrangente. Portanto, não há nada da maquinaria que tu precisas de alterar. Só que em vez dos indivíduos só terem determinados comportamentos para outros, tendem a largar, digamos, o leque dos seus comportamentos. E então, dentro de um grupo, isto aconteceu. Nos outros grupos não aconteceu. Ok, estou a perceber. O que vai acontecer é que este grupo vai se tornar mais resiliente, porque os indivíduos cooperam mais entre si. Inclusivemente, poderá multiplicar-se, ou seja, poderá expandir-se e dar origem a tribos maiores, que vão entretanto elas próprias começar a ocupar mais território e empurrar as outras. Vai gerar mais descendentes no fundo, sim. Pronto, basicamente a seleção de grupo funciona desta forma, ou seja, a competição já não é entre os indivíduos, embora possa haver competição entre os indivíduos dentro do grupo, ok? Mas, haverá principalmente uma competição entre grupos, fazendo com que os grupos que têm mais entre-ajuda têm mais sucesso a longo prazo do que os grupos que têm menos entre-ajuda e, portanto, vão acabar por substituir os outros. Esta é a lógica.
José Maria Pimentel
Ok, boa. E em que espécies é que nós sabemos hoje em dia ou temos evidência suficiente para acreditar que, se provável, isso ter tido um papel na evolução? Há
Paulo Gama Mota
alguns casos que sugerem que uma parte dos comportamentos dos indivíduos podem resultar de seleção de grupo. Eu devo dizer que o caso mais paradigmático é a espécie humana.
José Maria Pimentel
Hum, exato. Ok, também era a impressão que eu tinha, sim. Mas, por exemplo, o time Clatham Brock tem trabalhado há uma data de anos
Paulo Gama Mota
com suricatas, na África do Sul, que é um bicho fantástico, que tem aqueles comportamentos de sentinela, inclusive eles ficam ali a vigiar, e é claro que o indivíduo que está a vigiar não está a alimentar-se e, portanto, está a perder tempo, ele está a ter um comportamento altruísta. E acontece que os grupos não têm um parentesco suficientemente elevado para justificar alguns destes comportamentos. E o que o Tottenbrock mais recentemente propôs foi que uma parte destes comportamentos, tendo em consideração a dinâmica destes grupos, e que faz com que os grupos sociais tenham um parentesco baixo é que esses comportamentos podem ter evoluído por seleção de grupo e não por seleção de parentesco. No caso humano há um artigo, creio que da Science, daqui há, creio que 2015, em que uma investigadora, uma antropóloga inglesa, foi analisar a estrutura demográfica de populações, por exemplo, de caçadores-recoletores, como por exemplo os bosquímanos ou outros povos que ainda hoje são caçadores-recoletores. E ela verificou que o parentesco é relativamente baixo, não é muito alto. Ou seja, há muita migração de indivíduos entre grupos. Ora, o comportamento cooperativo que existe dentro destes grupos dificilmente se consegue explicar por seleção de parentesco, porque o parentesco não é muito alto. Mas também há comunicação entre grupos? Há migração entre
José Maria Pimentel
grupos. Ou seja, não são estanques, quero dizer. Exatamente. Ou podem ter sido estanques no passado, se calhar é essa a ideia.
Paulo Gama Mota
A migração entre os grupos não é completa, isto é, Raramente um indivíduo vai parar um grupo de outra língua. E os grupos linguísticos normalmente tendem a ramificar-se a partir de 1000, 1500 indivíduos. Nas sociedades tradicionais, os grupos linguísticos dificilmente têm mais do que essa dimensão. A partir de mil, mil e quinhentos indivíduos, os indivíduos começam a falar uma língua diferente. E, portanto, a língua é um marcador cultural. É uma coisa que diz que tu pertences a este grupo. E é talvez o marcador cultural mais óbvio. É tão óbvio que eu não ligo a ninguém que fale português a andar aqui nas ruas em Portugal, não é? Mas se eu estiver em Basileia ou em Pequim e ouvir uma pessoa a falar português, de repente eu sinto uma ligação àquela pessoa, não é? Que é uma coisa estranhíssima, não é? Porque ele também é português, fala português como eu, não é? Portanto, é um marcador cultural fortíssimo.
José Maria Pimentel
Sim, esse é um bom exemplo. A questão com a seleção do grupo, neste caso, por exemplo, no caso dos seres humanos, apesar de tudo, eu fico um bocadinho dividido entre o setor pró e o setor contra, confesso, quer dizer, enquanto laigo, obviamente. Porque é certo que é uma explicação que faz sentido e que é uma explicação atraente, mas depois pergunto-me se não houverá outras coisas em jogo, como por exemplo a questão da cultura a que tu aludiste, porque para haver selecção de grupo tu precisas, como dizia-te há bocadinho, tem que haver separação e ela tem que durar muito tempo. Ou seja, quando nós falamos de seres humanos, ainda por cima nós reproduzimos-nos de forma relativamente lenta, aquela separação teria que ter estado em vigor durante, não sei, diz-me tu, mas quer dizer, milhares de anos, dezenas de milhares de anos, estamos a falar de...
Paulo Gama Mota
Uns centenas de anos, pelo menos. Sim, exatamente. Umas boas centenas de anos.
José Maria Pimentel
No mínimo e com sorte, digo eu, ou seja, com as mutações certas a ocorrerem na altura certa. A hipótese alternativa que me surge, e aí sim eu acho que faz todo o sentido da seleção a nível de grupo, ou parece-me intuitivamente fazer todo o sentido é na questão da seleção cultural e não a nível dos géneros mas a nível da cultura e aí sim, aí sim tu tens um grupo e essa é muito mais rápida, não é? Seleção cultural, essa sim ocorre de forma muito mais rápida. Então tens um grupo que tem, sabe, estou a pensar por exemplo nos judeus, que têm uma cultura com base numa religião, numa moralidade que é extremamente cooperativa, e falo dos judeus mas podiam ser os cristãos, os judeus são os melhores nesse sentido por terem estado ao longo da história muito mais separados, que promove uma grande cooperação entre as pessoas que fazem parte dessa comunidade, e aí sim torna-se muito fácil de tu perceberes que aquela comunidade vai prosperar e provavelmente vai multiplicar-se, porque justamente tem uma cultura que diminui a competitividade ou a competição entre as pessoas que fazem parte dela e aumenta a cooperação e se estiver a disputar recursos com outro grupo mais ou menos tanque cuja
Paulo Gama Mota
cultura promove muito mais a competição intragrupo facilmente a primeira vai ganhar a segunda, não é? Sim, eu acho que sim. Acho que nós, num caso humano, é muito difícil nós separarmos a evolução das ideias da evolução biológica e vice-versa. Isto é, pensarmos uma sem a outra. E aliás, uma das áreas mais interessantes nos últimos anos é os modelos de co-evolução, de gene culture co-evolution, que procuram perceber de que maneira é que há uma interação e uma inter-relação entre a seleção das ideias e a adaptação biológica dos indivíduos. E claramente que há um sem número de exemplos que sugerem que ideias que são muito favoráveis para determinadas práticas e que garantem a proliferação e a manutenção do grupo foram sendo selecionadas, Ok? Ainda que dentro dos grupos continuava a tensão. A tentação de freerider, a tentação de batota, isto é, do indivíduo ter os benefícios sem ter os custos, está sempre lá presente. E é por isso que, por exemplo, em muitas situações Existem mecanismos de vigilância sobre o comportamento dos outros. Somos particularmente atentos a isso, na verdade, como espécie. Passamos grande parte do nosso tempo a falar do comportamento dos outros e daquilo que os outros fizeram e das atitudes que os outros tiveram. E adoramos ver telenovelas e não-sei-o-quê que basicamente só falam disso. Portanto, as pessoas acham apelativo saber, digamos, dos aspectos da vidinha, das relações uns com os outros. E há mecanismos de punição. Aliás, a aplicação de formalismos do dilema do prisioneiro, que é um formalismo da matemática, da teoria de jogos, que se aplica muito a estes casos de cooperação, sugerem que existe estabilidade se existir alguma forma de punição ou há ameaça do potencial de punição existir. E aí consegue-se que os indivíduos sejam mais cooperativos. Porque há uma tensão, na verdade, entre o interesse do grupo e o interesse dos indivíduos. O interesse dos indivíduos não desaparece. E é claro que quanto mais heterogêneos, mais complexos os grupos são, mais esta tensão é complicada de medir e de avaliar.
José Maria Pimentel
E os seres humanos, em certo sentido, até são o local errado para a pessoa estudar isso. É uma espécie tão complexa a este nível que está tudo misturado. Por exemplo, eu falava há bocadinho da...
Paulo Gama Mota
Mas é fascinante. É
José Maria Pimentel
fascinante, claro. Eu digo é que é difícil distrinçar qual é a força propulsora, não é? Porque tu tens... Por exemplo, eu falava há bocadinho do peso da religião, mas independentemente da cultura em causa, um fenómeno que é transversal a qualquer grupo de seres humanos é justamente esse que tu estavas a falar, quer dizer, o nosso maior ativo de cada um de nós, enquanto parte da comunidade em que vivemos, é a nossa reputação. A nossa reputação afeta tudo. Afeta o teu sucesso reprodutivo, entre outras coisas, não é? Mas não só, quer dizer... Ou seja, afeta direta e indiretamente o nosso sucesso reprodutivo, por outras palavras. Portanto, de certa forma, a partir do momento em que nos tornamos uma espécie social...
Paulo Gama Mota
Nós damos muita importância à reputação. À nossa e à dos outros. Porque nós também... À nossa e às dos outros, sim. Porque nós também somos mais... Nós somos o polícia das dos outros. E não é só isso. Nós somos muito mais predispostos a ajudar uma pessoa que tem uma reputação positiva de ajudar os outros, por exemplo, do que uma pessoa que tem uma reputação negativa. E depois os nossos comportamentos são afetados pelo facto de nós nos sentirmos vigiados ou não. Portanto, a presença de um Deus omnipresente, que vigia as nossas ações, condiciona muito as ações das pessoas. Há uma experiência engraçadíssima que foi feita pela Melissa Bateson, em que basicamente eles puseram numa daquelas máquinas que distribuem leite e... É daquelas coisas de escritório em que as pessoas deixam um dinheirinho para depois alguém pegar no dinheiro e ir comprar o leite e o café para estar disponível para todos, etc. E toda a gente que consome deixa um dinheirinho. Então eles puseram um anunciozinho a pedir que as pessoas dessem mais um pouquinho porque o extra serviria para uma campanha de solidariedade social, ok? Só que o anúncio, semana sim, semana não, mudou a configuração, ok? Numa semana tinham os olhos, junto. E na outra semana tinham um prato de flores. Portanto, iam-me dando os olhos e iam-me dando o prato de flores. E depois aquilo é um zig-zag incrível. As pessoas dão sempre mais dinheiro nas semanas em que estão lá os olhos. Isto é psicologicamente terrível, não
José Maria Pimentel
é? Sim, sim, é extraordinário.
Paulo Gama Mota
Sentindo-nos vigiados, nós temos comportamentos diferentes. Mesmo sabendo que aquilo não representa nada. Mas afeta a nossa psicologia de uma forma completamente subconsciente. Mas afeta.
José Maria Pimentel
Mas a partir desse momento, eu agora até estou a pensar a coisa de maneira diferente. A partir do momento em que uma espécie social ou ultra-social como a nossa tem essa seleção social, uma seleção que ocorre a nível do indivíduo, mas em termos do seu sucesso social, no sentido lato e reprodutivo no sentido estrito, também nesse caso, se no fundo seria mais uma razão para tu não precisar estritamente de seleção de grupo. Ou seja, se a tua reputação... Eu posso estar a pensar nisto ao contrário, posso estar a inverter a causa e efeito, agora que penso, mas se o teu sucesso reprodutivo depende da tua reputação e a tua reputação depende de quão cooperativo tu és, indevido, não é necessário haver seleção de grupo para que comportamentos cooperativos sejam selecionados? Não,
Paulo Gama Mota
só até um certo ponto. Ou seja, sacrifícios pessoais não? Sacrifícios, não é? Os bombeiros que correm riscos de vida, Inúmeras pessoas correm riscos de vida pela comunidade. Aí tem que ser a seleção de grupo ou a cultura, no fundo. Aí ficamos com essas duas hipóteses. Sim. Aqueles bombeiros de Fukushima que ficaram conhecidos como os 50 de Fukushima, que foram à volta de 250 bombeiros que foram para dentro da central nuclear tentar arrefecer o núcleo sabendo que eles iam morrer vítimas de níveis de radiação altíssimos. E foram na mesma. Quer dizer, isto só se pode explicar por uma psicologia que evoluiu no sentido em que os comportamentos que vinculavam os indivíduos ao grupo e que levavam, inclusive, a sacrifícios extremos pelo grupo eram selecionados por serem vantajosos. E é claro que eles não são vantajosos para o indivíduo. Porque no caso destes comportamentos extremos eles não são vantajosos para o grupo. Só serão vantajosos
José Maria Pimentel
para o indivíduo. Sim, exatamente. E aí, pois isso é curioso. E aí tem que ser ou é seleção de grupo e... Quer dizer, no fundo serão... As duas coisas tenderão a conjugar-se, não é? Mas pode não ser seleção a nível genético, não é? Pode ser a questão da cultura que falávamos há bocadinho. O Japão tem o exemplo dos kamikazes também, não é que... Pode sim,
Paulo Gama Mota
senhor. Seleção de ideias. Sem dúvida. E como dizias há pouco, é muito mais plástica, é muito mais rápida de evoluir do que a evolução dos géneros. Não é?
José Maria Pimentel
Não, isto é... Pode mudar muitíssimo mais rapidamente. Exatamente, exatamente. Não, e há... Nós temos exemplos. Estava-me a lembrar do... Qual foi aquela personagem histórica que ficou entalada na porta do castelo? Foi o Egas Menich, não foi? O Egas Menich. Exatamente. Sim. Basicamente é um exemplo desse, não é? De um caso extremo. Exato. Do exemplo de alguém que se sacrificou e não foi por ninguém com quem partilhasse genes. Mas há outros exemplos do que eu fui apanhado. Há outros casos, de lá está, de animais em que isto se calhar não têm cultura e que podem provar a seleção do grupo sem estarmos no meio desta nebulosa em que temos cultura misturada com genética. Eu apanhei o exemplo dos leões que tenho ideia até que são as leoas normalmente que caçam e são... É mais do que uma e há muitas vezes há o sacrifício de... Quer dizer, jogam em conjunto no fundo. Ou seja, não há...
Paulo Gama Mota
Muitos estão a sacrif... Aí é a seleção de parentesco Porque elas são irmãs ou são...
José Maria Pimentel
O que eu tinha a perceber é que não eram sempre parentes.
Paulo Gama Mota
Mas são? São tendenciais muito... Ok. Ok. A demografia dos leões é que os machos, assim que atingem caracteres sexuais secundários, são expulsos do grupo. E as fêmeas ficam sempre no grupo. E há takeovers, isto é, machos que conseguem vencer os outros machos e desalojá-los e ficam com aquele grupo de fêmeas. Mas aquele grupo de fêmeas é constituído por várias gerações de fêmeas e as suas crias. Portanto, o parentesco é muito alto nas fêmeas. Portanto, é claramente seleção de parentesco.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Já que estamos a falar de leões e leoas, está uma boa ponte para a questão da seleção sexual, que tem mais que ver com a tua área de investigação até do que isto, até porque influencia depois a questão do comportamento dos animais e as diferenças entre os sexos ao nível do comportamento. E que é um campo muito interessante, é um campo também ele ainda em aberto hoje em dia, não tão controverso como a seleção do grupo porque ninguém disputa que exista, mas creio que há alguma disputa em relação a qual a explicação, não em relação ao fenómeno, mas em relação à maneira como nós conseguimos explicá-lo. É muito interessante porque, de facto, o Darwin tinha uma intuição incrível, não é? Tu falavas disso no início, e é extraordinário que ele não só propôs a seleção natural como, embora a explicação não tenha sido a explicação corretas, identificou a seleção sexual enquanto um mecanismo para explicar uma série de fenómenos e é talvez, acho que ainda hoje, menos conhecido do que a seleção natural, não é? Exatamente. Se calhar o mais fácil é pedir-te para explicar e dar alguns exemplos. Há vários exemplos muito conhecidos. Ok,
Paulo Gama Mota
na verdade esta ideia da seleção sexual surgiu a Darwin como aquela procura incessante que ele tinha para tentar comprovar as suas ideias e pôr as suas ideias à prova também. E uma das coisas que o Darwin percebeu, antes de todos os outros, foi que havia coisas que eram difíceis de explicar por aquilo a que nós chamaríamos a teoria da seleção natural standard, padrão, que é animais que têm cores vistosas e em vez de serem cores que os tornam difíceis de ser vistos pelos predadores tornam-se evidentes aos predadores. Ou animais que têm estruturas que são gostosas de produzir ou que são gostosas de manter, como caudas longas e talvez um dos exemplos mais paradigmáticos disso seja precisamente o pavão, que tem uma cauda gigantesca e que obviamente essa cauda não favorece nada a sobrevivência daquele animal. O Darwin pensou nisto e propôs aquilo que ele entendeu, que era uma outra forma de seleção, nós hoje sabemos que a seleção sexual é uma forma de seleção natural, a diferença é que normalmente quando pensamos em seleção natural estamos a pensar em adaptações que favorecem a capacidade de sobrevivência de um indivíduo, a sua capacidade de se alimentar e não estruturas que prejudiquem a sua sobrevivência. Enquanto que a seleção sexual se reporta a estruturas que em muitos casos prejudicam a sobrevivência dos indivíduos em prol da sua reprodução. E portanto, isto é uma ideia contraintuitiva, e é tão contraintuitiva que, depois de o Darwin a ter formulado, passaram 100 anos sem que ninguém tivesse testado esta ideia. Que é uma das ideias mais poderosas da evolução, porque obviamente a reprodução é muito importante se Os indivíduos têm como objetivo evolutivo passar cópias em maior número possível para a geração seguinte. E obviamente que aqueles que são selecionados são aqueles que passam maioritariamente essas cópias. E portanto, a reprodução é seguramente um processo importantíssimo. Havendo sexo, havendo reprodução sexuada, a reprodução é muito importante. É importante porque gera variabilidade, é importante porque os indivíduos têm que conseguir reproduzir-se. E conseguir reproduzir-se tem custos, porque os indivíduos têm que procurar um parceiro, provavelmente têm que disputar esses parceiros com os outros, ou tem que conseguir atrair um parceiro. E o Darwin propôs que a evolução das armas de combate, do dimorfismo sexual de tamanho, de animais muito maiores, normalmente os machos, que são corpulentos, e que lutam entre si pelo acesso às fêmeas. O Darwin chamou isto de seleção intrassexual. E depois, aquilo a que ele chamou de seleção intersexual, que seria responsável pela evolução de ornamentos, cores vistosas, danças elaboradas, cantos complexos nas aves. O Darwin pensou nestes exemplos todos, e formulou-os todos numa obra que ele publicou em 1871, 12 anos depois de ter publicado A Origem das Espécies. Na verdade o livro chama-se The Descent of Man and Selection in Relation to Sex e portanto parte dele é o Darwin a tentar explicar que a nossa espécie evoluiu como as outras e a propor a evolução da nossa espécie sem haver um único fóssil. O primeiro fóssil de antepassado humano foi descoberto por Dubois já depois do Darwin ter morrido. Olha
José Maria Pimentel
que curioso, não fazia ideia disso. Não havia um único
Paulo Gama Mota
fóssil de antepassado humano. Foi descoberto em Java e é conhecido como o Homem de Java. Na altura ficou conhecido como Pitec Anthropos erectus, ou seja, Macaco-Homem. E depois passou a chamar-se Homo erectus. É um antepassado da linhagem humana, o Homem de Java, e esse fóssil não existia. Não havia nenhum fóssil quando Darwin formou esta ideia da evolução humana. E a outra parte do livro é a tentar propor este mecanismo de seleção para a evolução dos ornamentos. E só a partir da década de 80 do século XX é que começam a ser feitos testes para comprovar esta ideia do Darwin, particularmente na segunda parte, que é a mais difícil, que é a evolução de estruturas que prejudicam a sobrevivência e que mesmo assim são selecionadas porque são vantajosas do ponto de vista da reprodução. Porque as fêmeas escolhem os machos de acordo com aqueles ornamentos. Agora, porquê que as fêmeas escolhem os machos de acordo com aqueles ornamentos é um assunto que tem feito correr risco de tinta nos últimos 30 anos.
José Maria Pimentel
É engraçado porque, de facto, como eu estava a dizer há bocadinho, a evolução é muito... Descreve-se muito rapidamente nos seus princípios gerais mas depois é extremamente complexo. Nós já falámos da seleção a nível dos géneros, da seleção a nível dos indivíduos que nem sempre estão casados, a questão da seleção de grupo, a questão dos géneros que não existem porque... Ou das versões de géneros que não existem porque têm sido selecionadas, mas porque são um subproduto de outra seleção, uma seleção indireta. Há uma série de outras coisas que ainda não falámos, mas já vamos falar relacionados com isso. E depois tens ainda, conjugado com tudo isto, a questão da seleção sexual, que lá está, pode ser intra, ou seja, que no fundo tem que ver com a disputa entre elementos do mesmo sexo pelo acesso, na maioria dos casos, às fêmeas, mas também inter, que é muito mais difícil, não só por muitas vezes jogar contra a seleção natural do cur, mas também precisamente por não ser óbvio, até em muitos casos, porque é que esses elementos são selecionados por muitas vezes tornarem esse indivíduo menos provável que esse indivíduo sobreviva, e vai ser deixado à descendência, que é uma coisa interessante. Mas uma dúvida que eu tenho em relação a isto, e de resto em muitos fenómenos da evolução, é porquê que nós percebemos que a exceção sexual existe, temos alguma ideia de porque é que ela existe, já lá vamos, embora esteja relacionado com a pergunta que eu vou fazer, mas porquê é que há determinados casos tão extravagantes, extravagante não é o adjetivo certo, mas tão extremos, se quisermos, ou seja, porquê é que no caso do pavão, por exemplo, o fenómeno atingiu aquele extremo? Tem que ver com o pavão ter tido, nos últimos milhares de anos, centenas ou milhões de anos, ter existido num ambiente relativamente favorável em termos, por exemplo, de predadores? E que tenha havido, no fundo, menos pressão da seleção natural do Cure e tenha permitido esta escalada, por exemplo? Tem que ver com outros fatores? Fazes alguma ideia?
Paulo Gama Mota
Seguramente que a pressão de predação pode ser um fator crítico. Não sei se tu conheces, nós Temos uma ave, uma espécie de ave no Alentejo, que é característica de ambientes estepários, portanto muito áridos, e que existe nos campos brancos, portanto na zona de Castro Verde, etc. Que é a Apetarda. A Apetarda é A ave mais pesada que voa na Europa, juntamente com o cisne. Os machos chegam a pesar 15 kg e voam. É um animal enorme. E os machos, na época de reprodução, fazem uns displays incríveis, uma coisa fantástica. Eles viram as penas todas e de repente ficam com um aspecto alienígena, uma coisa absolutamente estranha. Acontece que estas estruturas evoluíram nas apetardas, porque as apetardas têm um sistema poligínico, aquilo a que nós chamamos um sistema poligínico em lek, isto é, Os machos juntam-se numas arenas de exibição e há uma série de espécies de aves e até de alguns mamíferos onde isso acontece, alguns antílopes, por exemplo. Os machos juntam-se em áreas de exibição e as fêmeas visitam aquelas áreas. E cada fêmea só a casala com um macho. Portanto, ela vê, passeia-se e de repente vai a casar com um lacho e vai-se embora. E como a fêmea cuida da postura. A fêmea faz um ninho que é super rudimentar. E as crias são muito precoces, nós chamamos precociais, são capazes de se alimentar por si, como acontece por exemplo nos patos, a mãe simplesmente protege as suas crias e de alguma maneira, pelo exemplo, vai-lhes ensinando a procurar a comida, etc. Não é bem o ensino como nós o entendemos, mas existe alguma transmissão social, seguramente, de alguma aprendizagem, ou pelo menos alguma facilitação nessa aprendizagem, o que acontece é que estas crias conseguem sobreviver só com o apoio de um progenitor. Nestas situações os machos têm enormemente a ganhar se se exibirem e forem selecionados. E o que se verifica é que quando se faz uma análise do sucesso destes machos, verifica-se que apenas uma reduzida fração deles é que a casala. A esmangadora maioria dos outros machos não a casala. Portanto, quando nós temos este diferencial enorme, esta variação enorme no sucesso reprodutivo dentro de um dos sexos, tu tens uma pressão seletiva brutal sobre as características que são selecionadas. Portanto, se um large que tem uma pena branca no cime da cabeça é altamente atrativo para as fêmeas, o gene ou os genes que são responsáveis por essa pena vão ser rapidamente selecionados. Porque o
José Maria Pimentel
payoff é gigante, não é? Pode ser a diferença é de ter reprodução
Paulo Gama Mota
zero ou... Exatamente. E portanto, é nas espécies onde a variação do sucesso reprodutivo é grande Ok, ok, ok. No sexo masculino que nós vamos encontrar os casos mais extremos de evolução de dimorfismo sexual. Vamos pensar, por exemplo, em galos selvagens. Houve algumas medições do sucesso reprodutivo dos machos. E nós sabemos que numa arena onde existem, por exemplo, 10 machos, só 3 ou 4 é que numa época inteira têm sucesso reprodutivo. Os outros têm zero. E esses 4 são capazes de acasalar com... Um acasala com 10 ou 12 fêmeas, outro acasala com 4 ou 5 e o outro também acasala com 4 ou 5 e os outros zero. Portanto, o diferencial é brutal. A família não precisa de pôr muitos ovos para que o diferencial entre os machos seja brutal. E
José Maria Pimentel
portanto, é uma escalada porque na geração seguinte já todos têm aquele display ao nível da geração anterior, não é? E portanto, a pressão será
Paulo Gama Mota
para criar uma ainda mais exacerbada. Exatamente. Depois aí começam a jogar-se, obviamente, forças seletivas contrárias. Porque, obviamente, desenvolver um ornamento maior tem custos. Custos de sobrevivência e uma série de outros custos. Uma teoria do Hamilton, o Hamilton porque falámos há pouco sobre o altruísmo e a ideia do altruísmo genético foi a de que alguns destes ordenamentos poderiam ser indicadores de saúde e que portanto, sendo um indicador de saúde é uma coisa que está sempre a mudar porque o ambiente está sempre a mudar ou seja, os parasitas são sempre diferentes E a configuração genética que pode ser boa hoje, pode não ser boa daqui a duas ou três gerações. E portanto as fímias, em algumas espécies, na verdade, e por exemplo eu trabalho com uma espécie onde isso acontece, selecionam uma característica, que é uma coloração, que é dependente de carotenoides, que estão diretamente relacionadas com a saúde dos machos. Portanto, na verdade, as fêmeas estão a selecionar uma característica que é um sinal indicador de uma condição que é uma configuração genética vantajosa para os parasitas daquela altura e que será passada aos seus descendentes se escolherem os machos que têm sinais que são mais bons sinalizadores de saúde. Mas
José Maria Pimentel
que não é sempre a mesma. No fundo aí se estás a dizer, essa configuração genética vai variar ao longo do tempo. O resultado é que tende a... O
Paulo Gama Mota
sinal é um sinal indicador
José Maria Pimentel
da condição do
Paulo Gama Mota
indivíduo. Portanto, naquela altura aquele indivíduo é saudável. Daqui a três ou quatro gerações, aqueles indivíduos com aquela configuração genética já não poderão ser tão saudáveis. Mas se eles não forem tão saudáveis, o sinal que eles estão a exprimir não tem a mesma qualidade
José Maria Pimentel
porque eles não estão saudáveis. Mas nesse caso, não acontece como no exemplo do pavão em que há aquela runaway selection, que tu tens, vais criando um display cada vez mais extremo, porque no exemplo que estás a dar existe uma espécie de sinalizador da saúde, mas os géneros que provocam essa saúde vão variando ao longo do tempo e portanto a pressão seletiva pode favorecer determinados géneros durante algumas gerações depois de repente começa a favorecer outros, se estou a entender bem, não
Paulo Gama Mota
é? Sim, sim, sim. Este mecanismo é uma outra proposta, um outro modelo de escolha do par, de evolução, de características dos machos por seleção sexual por parte das fêmeas, diferente do mecanismo chamado o Runaway, que foi proposto pelo Ronald Fisher procurando matematizar a ideia verbalmente formalizada pelo Darwin. O Darwin formula o conceito e o Fisher aplica ao conceito. Também tem a designação de sexy son, isto é, a fêmea escolhe um macho que vai ter características que vão passar aos filhos e, portanto, os filhos, o sexo masculino dessas fêmeas também terão uma característica que os tornará mais atrativos e, a partir das filhas, vão herdar a característica de preferir esses machos e portanto há um processo que se retroalimenta. A verdade é que há uma investigação que tem aumentado sempre desde os anos 80 até muito recentemente e ainda continua, mas digamos que agora não está a aumentar muito, mas mantém um nível muito elevado de investigação sobre a evolução deste tipo de ornamentos e nós não temos casos evidentes de runaway. E eu acho que há uma razão para isso. É um argumento um pouquinho mais complicado, eu vou tentar explicar. A questão é que imaginemos uma cauda de um pavão que tem uma cauda que não tem 2 metros ou 1, 60m mas que tem 20cm. E as fêmeas preferem caudas que são maiores. Portanto, os genes que permitem a formação de caudas maiores vão sendo selecionadas e, havendo variabilidade genética, essa característica vai sendo selecionada ao longo do tempo. Podemos pensar que isto ocorreu ao longo de milhões de anos, seguramente mais de um milhão de anos. Mais de três milhões de anos quase seguramente. E portanto a característica foi evoluindo, foi sendo selecionada. Ora, a partir de um determinado tamanho, embora a característica continua a ser selecionada, preferida pelas fêmeas, os machos começam a ter custos para produzir uma cauda tão longa. E, portanto, aquilo que no início era um sinal arbitrário, deixa de ser um sinal arbitrário e começa a ser um sinal que tem custos. E como produzir um sinal maior significa que o indivíduo tem que comprometer outros recursos, portanto ele está a alocar recursos de uma parte do seu corpo para produzir aquele sinal. A partir desse momento o sinal passa a ser um indicador de condição e então já se pode tornar num outro tipo de modelo. Já não é um modelo de runaway, mas é um modelo em que o sinal é um indicador de condição e torna-se daquilo a que nós chamamos geralmente um modelo de bons genes, em que o sinal é um sinal sinalizador de uma característica que pode ser uma característica transiente ou que pode ser uma característica genética mais persistente do metabolismo do próprio indivíduo.
José Maria Pimentel
Sim, e o modelo do handicap é uma espécie de versão extrema desse modelo dos bons géneros. Exatamente. Que no fundo, no caso do pavão, ele sabe mostrar que eu tenho tão bons géneros que até posso andar ao luxo de andar com este handicap. É quase como dizer que eu corro mais rápido do que tu com um pé. Com uma soja numa perna. É um bocado o raciocínio equivalente. Mas como parece, aí é que há uma pergunta que está na base desse processo que tu explicaste muito bem que fica por responder, que é porquê é que houve no início essa preferência das fêmeas para aquele display pela cauda comprida, não é? Ou pela cauda colorida, ou o que for, não é? De onde é que isso surge? Porque depois a Josante, ele funciona como uma proxy para a Bom Gênesis, aí entende-se, mas de início de onde é que ele é? Não é uma espécie de gosto artístico, não é? Não. Por
Paulo Gama Mota
acaso, o Richard Proulx editou o ano passado, ou em 2018, um livro chamado Evolution of Beauty em que ele propõe precisamente que há uma preferência e um gosto pela beleza nos animais e que é por isso que há uma seleção pela beleza. A ideia não foi bem acolhida na comunidade científica, portanto a maior parte dos biólogos evolutivos. Aliás, houve uma recensão muito negativa ao livro na Evolution, que é uma das revistas principais na área. Uma recensão muito crítica ao livro. O livro foi acolhido com enorme frieza. E eu, aliás, tive aqui há uns tempos uma entrevista precisamente sobre porquê que essa ideia foi tão mal acolhida. Mas a ideia, e tu pegaste num assunto interessantíssimo, que é porquê que uma preferência pelo exótico surge. O que é que leva as fêmeas a preferirem determinadas características exóticas? E na verdade, a resposta curta é não sabemos. A resposta mais longa é que temos algumas ideias. E por isso eu disse, é muito interessante porque na verdade é um campo muito interessante de explorar E relativamente ao qual não há consenso. Ok? Temos aqui o caso do Richard Prum, que tem uma tese completamente divergente, digamos assim. Há uma coisa que nós sabemos, é que todos os sistemas sensoriais são suscetíveis de serem sobreestimulados.
José Maria Pimentel
Ou seja... A nossa preferência é por açúcar, por exemplo.
Paulo Gama Mota
Ok. Ou a publicidade. Toda a publicidade é montada na construção de sobreestimulação para as pessoas. Portanto, se a publicidade funciona, é a prova total e absoluta de que os sistemas sensoriais, mesmo num ser que se considera racional, funcionam. Porque nós deixamos-nos levar, digamos assim, por essa sobreestimulação. E é muito engraçado que a descoberta da sobreestimulação resulta de uma experiência muito simples de um dos fundadores do estudo de comportamento animal, que fazia experiências lindíssimas, muito simples mas conceptualmente muito bem pensadas, um holandês chamado Nick Tinbergen, que aliás é o homem que leva a etologia para o Reino Unido, ele é convidado para ir para Oxford e ele introduz o pensamento evolutivo relacionado com o comportamento animal na Inglaterra. O Dawkins, que já falámos, foi aluno do Tinbergen. E o Tinbergen fez uma experiência com gaivotas, porque ele verificava que as crias das gaivotas, recém-nascidas, davam bicadas no bico da mãe quando a mãe chegava. A mãe é o pai. E estas bicadas levavam o progenitor a regurgitar a comida que trazia no papo para os alimentar. E aliás, a investigação tinha mais a ver com tentar combater a ideia do blank slate e de dizer, ok, os animais já nascem com a prioris, porque a cria da gavota não aprendeu a fazer aquele comportamento, mas ela mal vê o bico da mãe e começa a pedir-lhe comida. Ok? Portanto, ela já nasce com um programa genético. A ideia de programa e de programa de computador nem sequer era uma ideia muito central, não era uma ideia de todo central na década de 30, quando ele fez estas observações. Hoje é uma ideia fácil, não somos capazes de pensar de programas que estão, digamos assim, dentro do nosso cérebro. E há, por exemplo, reações comportamentais, um restante nascido é capaz de ficar pendurado numa corda.
José Maria Pimentel
Sim, há um vídeo muito giro disso no YouTube, por acaso.
Paulo Gama Mota
Pronto, ok. Portanto, nós, obviamente, nascemos com programas. E ao fazer estas experiências, o Tinbergen experimentou modelos de bicos de gaivotas para verificar o que era importante, se era a forma do bico, se era ter um olho, se não era e não sei quê. E no meio daquela coisa toda ele decidiu experimentar um lápis, que tinha bandas brancas e vermelhas. E de repente as crias preferiam o lápis a um modelo de uma cabeça de gavota. E o Tim Bergen descobriu uma coisa que nós chamamos estímulos superanormais. Portanto, que é esta ideia de que... E hoje isso faz sentido. Hoje nós percebemos um bocadinho como é que funcionam os sistemas sensoriais do ponto de vista neuronal. E nós tendemos a imaginar que esta coisa toda está toda muito ajustada, muito fine-tuned para funcionar exatamente bem, mas os sistemas sensoriais não funcionam exatamente assim. Portanto, eles podem ser subestimulados. E eu consigo imaginar que determinados ornamentos, inicialmente, fossem selecionados apenas por serem um estímulo muito impactante. E que depois se tenham ligado a uma função sinalizadora.
José Maria Pimentel
Exato. E por acaso faz todo sentido isso. Eu não conhecia essa explicação. Eu conhecia, mas de uma definição rápida, o modelo que se calhar é esse. Esse é o modelo do Sensory Bias? O modelo do Sensory Bias... Ou uma versão ainda diferente?
Paulo Gama Mota
Não. Eu estou a tentar comprar o modelo do sensory bias sem pôr nele a manipulação dos machos em relação às fêmeas. Eu estava a pensar do lado das fêmeas sem imaginar que haja, digamos assim, uma manipulação dos machos do qual as fêmeas não tirem proveito. O sensory bias é uma situação em que as fêmeas não parecem que tiram proveito daquela escolha, mas são arrastadas por um estímulo que é um estímulo superanormal. Mas
José Maria Pimentel
que é o caso aqui, inicialmente, não é? Ou seja, inicialmente elas não tiram proveito.
Paulo Gama Mota
Inicialmente elas não tiram proveito.
José Maria Pimentel
Não é? Elas começam a tirar proveito, depois...
Paulo Gama Mota
Sim, mas inicialmente pode ser um mero runaway. Pode ser... Aquilo é atrativo. E as fêmeas escolhem por ser atrativo. Sim. Repara que nós, na verdade, estamos aqui a lidar com níveis diferentes. Porque uma coisa é qual é o mecanismo que está na base da escolha e outra coisa é qual é a razão evolutiva por que a escolha acontece. E a explicação que eu estava a tentar dar é que no início a razão evolutiva pode não ser o sinal estar a sinalizar uma coisa qualquer, mas ser simplesmente o sinal é atrativo. Eu estava a tentar explicar porque é que um sinal pode surgir e ser atrativo. Ele pode surgir simplesmente porque os sistemas sensoriais são suscetíveis de serem sobreestimulados. E portanto o sinal pode surgir e ele pode ser selecionado e no início pode ser um sistema meramente de run-away e depois pode evoluir para uma situação em que o sinal é sinalizador de qualquer coisa e portanto as firmas estão a escolhê-lo porque tiram benefício disso.
José Maria Pimentel
Sim, no fundo ele inicialmente é uma espécie de... Se calhar não é a palavra certa, mas é uma espécie de subproduto de um sistema sensorial que ele sim foi selecionado porque era adaptativo, mas por outras razões. Era adaptativo por... Exatamente. O nosso caso, a nossa preferência por açúcar, não é? A nossa preferência por açúcar é adaptativa na medida em que na natureza, se nós fôssemos especialmente atreidos a comer fruta, isso iria aumentar a nossa probabilidade de sobrevivência. Hoje em dia andamos a comer gelado e coisas do género. Mas
Paulo Gama Mota
atenção, esta explicação que eu dei é uma conjetura. Eu sei, eu sei. Nós não temos uma evidência empírica e por isso eu disse, é uma questão muito interessante, porque é uma questão para a qual nós não temos uma resposta evidente. Temos conjeturas possíveis, mas que não foram testadas. Portanto, estamos naquele terreno das ideias científicas em que há campo para conjeturar, e que é aquela parte que os cientistas acham mais interessante, que é Epá, isto nós não sabemos! Exatamente. Isto é fantástico, isto nós não sabemos! Os cientistas não se entusiasmam por coisas que já sabem. Entusiasmam-se pelas coisas que realmente não sabemos. Essas são aquelas que são realmente desafiantes e essa é claramente uma questão desafiante.
José Maria Pimentel
E esta é das áreas mais ativas atualmente em biologia evolutiva. Há pouco tempo houve um biólogo evolutivo até a queixar-se com alguma amargura, mas lá está, no fundo, de acordo com o que estavas a dizer, e com razão, eu até nem se devia queixar, de que aquela geração de que nós já falámos, do Dawkins, mas não só do Hamilton, do Williams, que no fundo fizeram aquele salto de paradigma, eles fizeram nos anos 60, 70, e depois não voltou a haver um salto de paradigma equivalente, também equivalente até hoje e permanecem alguns campos em aberto, como precisamente este que está, digamos, maduro para ter um salto de paradigma, mas que ainda não foi possível porque no fundo não existe a individência o suficiente para destrinçar tudo aquilo que nós estamos aqui a falar, que também há de ser só parte, isto há de ter ainda mais complexidade para além daquilo que nós falamos.
Paulo Gama Mota
Certo, talvez, mas repara, eu acho que é sempre imprevisível onde é que se vão dar os grandes saltos a seguir, Onde é que há uma visão que vai sofrer uma grande mudança. Eu acho que isso é muito imprevisível. E há posteriori, muitas vezes, quando olhamos para o passado e para o presente, nós tendemos a desvalorizar o presente relativamente ao passado, do ponto de vista da mudança das ideias. Porque o presente a nós parece-nos todo muito horizontal. E eu acho que isso acontece em todas as gerações. As pessoas olham para aquilo que está à sua volta e não veem grandes mudanças. E é preciso um certo afastamento para pensar, ah, ok, houve ali uma grande mudança. O que é verdade é que o Hamilton, quando formulou aquelas ideias a seguir não conseguiu emprego em nenhuma boa universidade inglesa e teve que emigrar para os Estados Unidos. E as ideias dele só foram reconhecidas mais de uma década depois. Isso é um pormenor importante, sim. Exato. Nós olhamos para estas coisas e dizemos agora não está a acontecer nada porque se calhar não estamos a olhar para o sítio onde onde essas ideias estão a ser muito transformativas. E eu consigo imaginar algumas áreas onde as ideias estão a ser muito transformativas não exatamente na área da seleção sexual, mas algumas outras áreas, nomeadamente áreas de interação entre a regulação genética e comportamento, com consequências também para a seleção sexual ou para outras áreas, para processos cognitivos, etc. Onde estão a houver verdadeiras revoluções científicas. Mas, por exemplo, se nós olharmos para a física, também podemos pensar desde o Einstein que não houve assim nada de muito extraordinário. Quer dizer, houve uma nota de coisas extraordinárias, não ao nível da teoria do Einstein. Portanto, eu acho que esta ideia das grandes revoluções científicas está um bocadinho overstated. Eu acho que elas acontecem mais do que nós as queremos ver e eu acho que nós temos uma distorção cognitiva na maneira como avaliamos essas transformações. E seguramente que não somos bons juízes do contemporâneo. Exato, exato. E esse é um ponto muito
José Maria Pimentel
interessante que tu fazes. Ou seja, essa narrativa é construída à posteriori. À posteriori olhamos para trás e vemos-no, mas não necessariamente Quando estás a viver isso de forma contemporânea. Isso tem muita piada. Olha, nós vamos terminar por aqui. Cobrimos uma série de aspectos e depois vamos retomar no episódio seguinte, porque ainda há muito que descascar sobre evolução, mas agora já com o terreno mais ou menos descrito, o que é interessante. Está a ser uma conversa muito interessante mesmo, das mais interessantes que têm tido nos últimos tempos, não desfazendo. Muito obrigado para a tua disponibilidade, que tens sido um convidado impecável, com muita paciência para discutir isso. Portanto, retomamos no próximo episódio. Deixem-me lembrar-vos que podem dar o vosso contributo para a continuidade e desenvolvimento deste projeto. Visitem o site 45graus.parafus.net barra Apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45 Graus avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia e cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Agradeço em particular a Carlos Martins, Gustavo Pimenta, Eduardo Corrêa de Matos, Duarte Dória, Joana Monteiro, Rui Oliveira Gomes, Corto Lemos, Joana Farialve, João Baltazar, Mafalda Lopes da Costa, Rogério Jorge, Salvador Cunha e Tiago Leite. Até no próximo episódio.