#87 Alexandre Relvas - Como aumentar a competitividade da economia portuguesa
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José Maria Pimentel
Olá, eu sou o José Maria Pimentel e este é o 45°.
Neste episódio estou a conversa com Alexandre Relvas, que é empresário, mas
tem tido também uma participação ativa ao longo dos anos na política
e na sociedade civil. Enquanto gestor, nos últimos anos tem estado dividido
entre o logoplast de que é acionista e foi CEO até 2017
e um projeto de família ligado à produção de vinhos, a Casa
Relvas. Para além disso, é presidente desde 2013 do Conselho Fiscal da
Comunidade vida e paz. Já a participação cívica tem tomado várias formas.
Politicamente está ligado ao PSD, onde foi presidente do Instituto Sá Carneiro
entre 2008 e 2010 e antes disso foi um dos promotores do
Compromisso Portugal, um movimento que reunia um conjunto de pessoas, sobretudo gestores
e economistas, com o objetivo de desenvolver propostas para aumentar o desenvolvimento
económico do país, algo muito em linha com aquilo que discutimos na
nossa conversa. Ora bem, esta conversa foi gravada antes daquela fatídica semana
de março em que de repente a pandemia tomou de vez conta
do nosso espaço mental e de todas as nossas preocupações. Por isso
mesmo, por estarmos durante estas semanas focados em problemas mais graves e
imediatos, fui decidindo adiar a publicação deste episódio. Creio que agora é
a altura certa para o fazer. Não só porque estamos todos um
pouco mais calmos e com vontade de pensar noutras coisas, pelo menos
eu, mas sobretudo porque começamos a pensar cada vez mais na importância
de preparar o futuro e o relançamento da economia. No imediato, esse
futuro passa, portanto, pelo relançamento da economia, mas não pode deixar de
considerar aquilo que já era importante e talvez tenha tornado ainda mais
importante agora, ou seja, como fazer desenvolver e tornar mais competitiva a
economia portuguesa. E porquê? Porque o crescimento económico é uma condição necessária,
embora não suficiente, claro, para tornar mais próspera para todos a sociedade,
sendo que esse crescimento depende em grande medida da competitividade externa das
nossas portações. Esta foi por isso uma discussão muito interessante, em que
passámos a pente fino um leque enorme de aspectos que influenciam a
nossa competitividade, positiva e negativamente, e discutimos o que há a fazer
para corrigir aqueles que nos estão a prejudicar. Como o habitual, encontro
na descrição do episódio o índice da conversa e links para algumas
coisas que fomos referindo, nomeadamente os vários relatórios internacionais que tentam medir
o nível de competitividade das diferentes economias. A propósito disso, Há um
ensaio que o convidado partilhou comigo sobre o contexto económico e empresarial
em Portugal e que nós referimos aqui e ali durante a conversa.
O documento é um draft e por isso não está disponível online,
mas o Alexandre disponibilizou-se a partilhar com quem tenha interesse, por isso,
se for o caso, contactem-me por e-mail. E pronto, antes de passarmos
à conversa, apenas umas notas rápidas para clarificar alguns conceitos que referimos
durante o episódio. O Alexandre refere logo no início a importância do
estoque líquido de capital para o potencial de crescimento da economia. Basicamente,
este estoque líquido de capital é um indicador que mede a disponibilidade
do capital enquanto fator de produção, ou seja, máquinas, equipamentos, instalações, etc.
E por isso a capacidade das empresas para expandir a atividade tenderá
a ser tanto maior quanto maior seja este estoque de capital. Outro
conceito de que falamos é o chamado setor não transacionável da economia.
E o que é isto? É essencialmente o conjunto de empresas que
operam em setores que não estão expostos à concorrência exterior, por exemplo
a energia, as comunicações, a distribuição e muitos serviços com a notória
exceção do turismo. Estes setores tendem por isso, embora essa não seja
uma consequência inevitável, a ter menos concorrência e, por isso, a ser
dominados por empresas com lucros indevidos, as chamadas rendas. Por último, queria
também explicar melhor uma ideia que discutimos, mas que eu não expliquei
completamente bem durante a conversa. É uma ideia que me foi sugerida
por um amigo gestor, Leonardo Carvalho, e creio que vale a pena
explicar-la melhor, até porque está muito em linha com o que alguns
países têm anunciado nas últimas semanas para o relançamento das respectivas economias.
O objetivo da ideia é simples e tem que ver com uma
coisa que referimos várias vezes durante a conversa. O objetivo é de
mitigar o problema da falta de capital disponível nas empresas, financiando diretamente
investimentos que tenham potencial de retorno a longo prazo para a economia
como um todo. Esta falta de capital disponível nas empresas é impeditivo,
por exemplo, para empresas que queiram investir no aumento da capacidade, no
aumento da atividade internacional, ou ainda que precisem de ganhar escala, adquirindo
outras empresas, para poder concorrer no mercado internacional. Tudo isto são fatores
limitativos para as empresas afetadas, obviamente, mas que também limitam o crescimento
da economia como um todo. Concretamente, esta proposta passaria por afetar fundos,
por exemplo, do Fundo de Estabilização da Segurança Social, para financiar diretamente
PMEs que atuem em setores transacionáveis, dando assim simultaneamente o retorno financeiro
futuro para o tesouro público e o impulso ao desenvolvimento económico. A
gestão destes fundos seria atribuída, como acontece, por exemplo, com os fundos
de pensões nos Estados Unidos, a sociedades gestoras de fundos, as quais
seriam remuneradas com parte dos resultados que conseguissem obter, sendo que o
restante, claro, ficaria para o Estado. Enfim, é uma ideia como outras
que discutimos, em relação à qual, aliás, o convidado tem alguma desconfiança,
deixo-vos então com ele, o convidado deste episódio, Alexandre Alves. Então, Alexandre,
bem-vindo ao podcast. Vamos falar de competitividade. Eu acho que, aliás, a
maneira mais interessante antes de falarmos do que é que se pode
fazer é falar, perceber um bocadinho o que é que o nosso
passado recente. Perceber aquilo que correu mal e aquilo que apesar de
tudo já foi feito em algumas áreas. Em relação àquilo que correu
mal no meu palpite, e gostava de ter a sua impressão em
relação a isso, é que há essencialmente duas coisas, olhando para trás,
que não deviam ter acontecido como aconteceram, para além de várias outras
mais pequenas. Uma delas tem que ver, obviamente, com o endividamento público,
mas também privado, que acontece, sobretudo, neste século. E outra que está
mais ou menos relacionada tem a ver com um problema de afetação
de capital, que acontece mais ou menos desde que nós aderimos à
CEE, à União Europeia, e há um influxo de capital e nós
hoje em dia olhando para trás percebemos que ele não foi investido
da melhor maneira. Qual é a sua impressão em relação a isto?
Há que faltar aqui alguma coisa? Primeiro
Alexandre Relvas
A sua pergunta já tem múltiplas perguntas, portanto com este espírito de
conversa, vá-me interrompendo quando quiser, mas olhando para os últimos anos em
Portugal, sobretudo as últimas duas décadas, se quisermos, há múltiplos fatores que
impressionam. O momento mais marcante, claramente, das últimas duas décadas é a
nossa falência e o pedido de apoio internacional em abril de 2011,
mas vendo isto numa perspectiva mais ampla, o que impressiona é as
limitadas taxas de crescimento que o país possui. Nós somos hoje, em
termos de crescimento económico, uma sociedade bloqueada. Vivemos 20 anos em que
a taxa de crescimento médio pouco terá ultrapassado o meio por cento.
Somos dos países com a mais baixa taxa de crescimento.
Alexandre Relvas
está abaixo de nós. Olhando para esse número não podemos deixar de
nos questionar porquê? Porque esta persistência e sobretudo num tempo em que
nos endividámos maciçamente, como você chamou a atenção, endividou-se o Estado, hoje
a endivida do Estado deve ser 124 ou 125% do PIB, endividou-se
o setor privado, hoje a dívida do setor privado e público empresarial
deve andar à volta de 135% do PIB, só o privado são
115% do PIB, é dos mais altos
da União
Europeia e o nosso endividamento externo é 80% do PIB. Aliás, um
dos aspectos que me impressiona quando olho para o endividamento, e faço
aqui um parênteses, é que nós deixamos para o futuro, eu hoje
tenho netos e, portanto, preocupa-me e ganhamos esta perspectiva de futuro mais
alargada do que a vossa, do que os jovens da vossa geração,
mas nós deixamos para o futuro um país com um potencial de
crescimento limitado e altamente endividado. Portanto, deixamos mais ferramentas para as próximas
gerações poderem pagar a dívida que nós estamos a deixar-vos. Mas esse
pode ser um tema para conversarmos um pouco mais à frente.
Alexandre Relvas
Deixamos uma forte conta para vocês pagarem. Os impostos que vocês vão
pagar nos próximos 20 ou 30 anos é sobretudo para pagar a
nossa dívida. Isso é um pedido de desculpa que todos devemos fazer
aos nossos filhos. Nenhum bom pai de família deixaria aos filhos a
dívida que os portugueses em conjunto estão a deixar aos seus filhos.
Mas indo ao ponto, quando olhamos para essa taxa de crescimento e
querendo aprofundar, eu não sou economista, vejo isto muito numa perspetiva empresarial,
mas olhando para as estatísticas o que impressiona é a produtividade, a
evolução da produtividade por hora trabalhada, a produtividade dos trabalhadores portugueses. E
quando nós comparamos essa produtividade com a produtividade média europeia, vemos que
é na volta de 60%, 65%, o que é relativamente baixa. E
o que impressiona é que se tem mantido praticamente o mesmo valor
ao longo do tempo. E, portanto, questionamos-nos, apesar de nos termos endividado,
não melhoramos o enquadramento da atividade empresarial e não melhoramos a competitividade
das nossas empresas ou da generalidade das empresas. Pois o setor é
dual, eu também falarei
Alexandre Relvas
frente. Aprofundando, a produtividade depende de múltiplos fatores, já falaremos desses fatores
a seguir, Mas outra das estatísticas que impressiona é o stock liquid
capital por trabalhador. E eu olho muito para o setor empresarial. A
produtividade depende da qualificação da mão de obra, já irei à qualificação
da mão de obra. Depende do investimento em inovação, da capacidade que
as empresas tenham de aumentar o seu nível tecnológico, de repensar a
sua cadeia de valor, e depende do stock liquid capital. E o
stock liquid capital também é metade do stock liquid capital, ou à
volta de 60%, para ser mais preciso, do stock liquid capital médio
da União Europeia. Portanto, nós temos de facto uma necessidade de realizar
ou de repensar a nossa estrutura empresarial do ponto de vista de
organização da cadeia de valor para darmos um salto em termos de
competitividade do país. Aqui estou a olhar para o lado das empresas
e há múltiplas oportunidades que se podem colocar ao lado das empresas.
Mas quando olhamos para o país mais em geral, de facto há
um problema, como você disse, há um problema de qualificação de recursos
e há um problema de afetação de recursos, vendo isto numa perspectiva
mais ampla. O problema de qualificação de recursos, olhando sobretudo para os
recursos humanos, que são os fundamentais, também há números que impressionam. E
eu devo dizer, é bom dizer bem deste país, é notável o
trabalho que foi feito nos últimos 10 ou 15 anos em evolução
do nível de qualificação dos jovens. O abandono escolar reduziu-se drasticamente, Em
10 anos passou de 30 para 10% dos jovens. O número de
jovens que acabam o ensino secundário aumentou também significativamente. Hoje praticamente 80%
acabam o ensino secundário, o que é notável, o que se conseguiu
em 10 anos. Os resultados do PISA também tiveram uma evolução muito
positiva. Portanto, nós estamos a qualificar hoje melhor os nossos jovens, mas
a população, o nível médio da população, pensando, por exemplo, naqueles que
têm o ensino secundário, que anda à volta de 50%, entre os
25 e os 64
Alexandre Relvas
comparado com o da União Europeia, é baixíssimo, porque o da União
Europeia anda à volta de 80 a 90%. Somos um dos países,
nessa perspectiva, somos o país com mais baixa qualificação na mão de
obra. Isto tem que afetar a produtividade, tem que afetar a competitividade,
tem que afetar o potencial de crescimento do país. Depois há outra
perspectiva, a gente olha para a qualificação dos recursos e olha para
a afetação dos recursos. E olhando para a afetação dos recursos, também
numa perspectiva mais ampla, o que salta à vista é o peso
do Estado. O peso do Estado em termos de despesa, quando pensando
em termos do PIB, é 43% do PIB, mas a mim o
que me impressiona mais, e eu acho que é um dos fatores
que marca fortemente, é a carga fiscal em Portugal. O volume de
fundos que todos os anos são transferidos para o Estado, a carga
fiscal representa 35% do PIB e isso significa menos poupança para os
particulares, menos poupança para as empresas e, portanto, menos capacidade de investimento.
O Estado também emprega 13% da população ativa, portanto há uma percentagem
muito significativa da população ativa a trabalhar no Estado, os níveis de
produtividade também não são os ideais, e o investimento público não é
feito com critérios, com base numa visão para o crescimento do país.
Se nos recordarmos nos últimos 10 ou 20 anos, o investimento público
não teve por base a preocupação da criação de riqueza.
Alexandre Relvas
últimos 10 anos houve pouquíssimo. Nos 10 anos anteriores houve investimento significativo
em áreas que em muitos casos não potenciaram e não foi o
critério fundamental a competitividade. Depois, outro aspecto que é marcante, eu queria
sublinhar mais dois só nestes aspectos mais amplos, outro aspecto que é
marcante são as leis da República, as leis estruturantes do
país. E
as leis estruturantes do país não incentivam uma boa afetação de recursos.
Se pensamos na Lei de Arrendas, e agora não estou a pensar
conjunturalmente o que é que é a Lei de Arrendas hoje, mas
pensemos nos últimos 20 anos. A Lei de Arrendas, a legislação de
trabalho, os licenciamentos, as falências, o sistema fiscal, não são pensados para
crescer. A afetação de recursos, a eficiência com que o país trabalha
com base nestas leis estruturantes da República, e dei apenas alguns exemplos,
é limitativo dessa eficiência. Pensando, se eu quiser investir, o tempo que
demora a aprovar um novo investimento, se uma empresa for à falência,
o tempo que leva a sair uma empresa do mercado e isso
leva a que não haja dinamismo
Alexandre Relvas
Exatamente. Bom, este é o quadro geral, este é o quadro geral.
Para além disso, e eu há pouco falava do investimento público, o
investimento público não teve critério, mas o investimento empresarial também nestas décadas
assentou nos não transacionáveis e assentou no setor de imobiliário, não no
setor produtivo. Agora, olhando para os dois lados também, para o setor
empresarial e para o setor público, numa perspectiva mais positiva. Olhando para
o setor público, nós dizemos que muito do investimento foi desperdiçado, não
teve em linha de conta preocupações com competitividade. Mas uma das razões
que hoje distingue Portugal como destino de investimento e que é um
fator altamente positivo, estamos entre as 10 melhores economias apontadas pelo World
Economic Forum quando analisa o ranking dos países, são as infraestruturas. Portugal
tem infraestruturas extraordinárias, mas não é só rodoviárias, Porque em termos industriais
ou em termos de situação de serviço são importantes as rodoviárias, mas
é importante a energia, é importante as telecomunicações, é importante os aeroportos,
é importante os portos, portanto temos excelentes infraestruturas. O nível médio de
educação da população é baixo quando comparado em termos europeus, mas quando
se pensa em investimento estrangeiro, quando se pensa no mundo, apesar de
tudo temos um nível médio da educação relativamente alto. O sistema de
saúde também, o sistema de saúde público, que hoje é um tema
de debate, mas o nosso sistema de saúde está entre os bons
sistemas de saúde e quando se analisa possíveis investimentos em Portugal é
também um fator positivo. Eu estou a dar dois ou três exemplos,
Alexandre Relvas
podemos aprofundar este tema porque eu penso que é importante ver as
coisas pela positiva e pela negativa e não arranjar sempre desculpas que
as coisas não correram bem. Em termos empresariais, como há pouco dizíamos,
o setor empresarial é dual e eu tenho hoje uma perspectiva de
grande esperança e grande otimismo pelo que se passou nos últimos 10
anos em termos empresariais. E há dois movimentos que determinam a esperança.
O primeiro é aquilo que eu tenho referido como uma revolução silenciosa,
que ocorreu em termos de reforço da competitividade, reorganização das empresas, aumento
da produtividade, aumento do nível tecnológico, que permitiu que as exportações portuguesas
passassem 30% do PIB para 43, 5% do PIB em 7 anos
ou 8 anos. Portugal exporta 90 bilhões de euros para as economias
mais competitivas do mundo. E um aspecto interessante é este crescimento que
as exportações tiveram ao longo deste tempo, que em média nos últimos
6 ou 7 anos foi superior a 5%, nós estamos a dizer
4 bilhões de euros por ano que as exportações são duas auto-europas
por ano que nós estamos a criar. E isto feito por milhares
de empresários que se viraram para o exterior face à evolução desta
crise interna. Portanto, houve uma alteração estrutural do país em resultado desta
evolução das exportações. E
Alexandre Relvas
etc. As exportações portuguesas não são... A principal exportação é o turismo,
bens e serviços, que são quase 15% das nossas exportações. A segunda
é equipamentos, máquinas e equipamentos. A terceira é meios de transporte e
a quarta é transporte, é outro serviço. E estas em conjunto, estas
quatro, são praticamente 50% das nossas exportações E 30% das exportações são
serviços. Impressiona-me o que este país mudou estruturalmente nos últimos anos. Mas
já há uma área que mudou é esta capacidade exportadora. E, portanto,
isto é uma revolução silenciosa. Vai continuar a ter impacto nos próximos
anos E eu penso que se vai estender à economia, a toda
a economia, porque como te referia, é dual, houve muitas empresas que
não se reorganizaram, não seguiram este movimento, mas estas empresas que seguiram
são exemplos, são referências que levam se calhar a este movimento de
espalhar-se, a esta revolução silenciosa espalhar-se à generalidade do setor empresarial. Só
antes da sua próxima pergunta, só mais um fator de expressa, que
são os jovens, é a sua geração. Eu
Alexandre Relvas
Sim, isso é eterno. Os jovens que não tiveram oportunidade, em muitos
casos porque a banca, os seguros, o setor automóvel, todos aqueles setores
que tradicionalmente davam muito emprego, o Estado, desapareceram. E, portanto, agarraram as
oportunidades que foram postadas, sobretudo em dois setores, o turismo e o
setor tecnológico, e criaram-se múltiplas empresas que vão ter algum impacto. Isto
é uma realidade nova, é uma geração que valoriza o empreendedorismo
Alexandre Relvas
que é importante é com espírito novo. E com espírito novo em
três dimensões. Uma primeira que é... São jovens virados para o exterior.
O seu mercado é Europa ou o mundo, não pensam no mercado
português. São jovens que recorrem a quadros qualificados, não têm problema de...
Procuram talentos, procuram gente qualificada para se juntar a eles e conseguem
trabalhar numa perspectiva de capital aberto. O capital aberto, o capital não
terem domínio total das empresas, criarem também um potencial de desenvolvimento. Quem
queira dominar todo o capital, não tem. Portanto, quer no setor privado,
quer no setor público, temos de facto um crescimento baixo, que é
motivo de preocupação, mas temos motivos de esperança.
Há uma nova
sensibilidade e há realidades novas a ocorrerem que vão ter com certeza
impacto.
José Maria Pimentel
Claro, e que é relativamente imprevisível porque são orgânicas, são tendências emergentes.
Temos aqui ingredientes para o resto da conversa, basicamente. Eu acho que
vou pegar um por um, se calhar até começando na questão das
infraestruturas, que também era outro ponto que eu queria falar porque é
importante lá está reconhecer os aspectos que nós temos bons e claramente
infraestruturas é daqueles que aparecem sempre em todos os rankings e não
é muito evidente. Ainda assim, mesmo no caso das infraestruturas, há uma
crítica que é feita, eu lembro-me de ver feita, aliás, há muitos
anos e que me é difícil não achar que tem alguma razão
de ser, porque nisto existe sempre um trade-off, não é? Ou seja,
há sempre aqui um custo de oportunidade e o que nós fizemos
com aqueles fundos, sobretudo com os fundos iniciais da CE, pelo menos
é a ideia que tenho, e por razões que até são compreensíveis,
têm que ver com uma democracia recente, com o catching up que
era preciso fazer com outros países, foi investir sobretudo em infraestruturas e
não, como por exemplo fez um país como a Irlanda, que tem
obviamente várias outras diferenças em relação a Portugal, na educação. E se
eu tivesse que escolher entre ter uma percentagem da população com o
ensino secundário acima, infraestruturas um bocadinho piores, ou o que nós temos
agora, não sei se não preferias esse segundo cenário. Percebe o que
Alexandre Relvas
vale a pena Porque os erros do passado permitem ter uma vantagem,
se têm alguma vantagem é permitir ensinamentos para o futuro. Deixo-me só
dar-lhe uma nota, não é destes últimos 20 anos, agora há 3
ou 4 dias estava a ouvir um podcast do Rui Ramos e
que ele estava a falar da obrigatoriedade do ensino básico em Portugal.
E o decreto-lei que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino básico é de
1835. 125 anos depois, em 1960, é que o país conseguiu garantir
que tinha ensino básico generalizado. Isto não é um problema deste tempo.
Nós nunca valorizamos o ensino como ele devia ser valorizado. Eu digo
muitas vezes, à bocado disse-lhe sobre a questão do financiamento e da
dívida, mas digo também sobre a educação, este país trata mal os
seus filhos, tratou mal os seus filhos do ponto de vista de
educação. Agora, podemos comentar como ensinamento, mas a vida é o que
é, as infraestruturas foram feitas e apesar de tudo tem aqui um
sentido negativo. Há algumas que eram fundamentais, como eu digo que sou
um bocado mais velho, eu lembro-me de ir ao Porto e demorar
horas na viagem
ao
Porto e as duas principais cidades de um país têm que ter
uma ligação por autostrada e tínhamos um bocado até Aveiras, tínhamos um
bocado ali ao pé de Coimbra e depois à chegada ao Porto
e demorava horas. A economia não tinha um grau de integração suficiente
até por causa dessa situação. Mas deixa-me pôr isto mais numa perspectiva
mais vasta. Nós falamos das infraestruturas, mas há outros fatores que são
positivos quando se analisa Portugal como destino de negócios. Ou seja, hoje,
se se quiser falar e potenciar o crescimento do país, não é
preciso fazer diagnósticos, não é preciso fazer análises, porque há múltiplos diagnósticos
e análises feitos e todos coincidem em dois fatores. O primeiro é
o que é que é bom e o segundo o que é
que é preciso fazer? Eu só olhar para o Doing Business do
Banco Mundial, só olhar para o IMD e os relatórios de competitividade
do IMD, só olhar para o World Economic Forum e os relatórios
de competitividade do World Economic Forum, só olhar para uma coisa interessantíssima
e que o governo devia olhar com atenção para um inquérito recente
do INEE sobre o que é que as empresas consideram que é
necessário, olhando para todos estes estudos e análises feitos que foram base
na opinião dos empresários, que é isso que é importante, a generalidade
deles e as conclusões são as mesmas daqueles dois fatores. E vale
a pena olhar porque dão-nos uma pista sobre aquilo que é bom,
aquilo que fizemos bem e dão-nos uma pista sobre aquilo que é
preciso fazer. Eu gostava de trocar impressões sobre isso, deste tema
José Maria Pimentel
Claro. E, por exemplo, o caso da educação, isto é, da formação
ou da qualificação dos recursos humanos, é um caso interessante porque justamente
nesses inquéritos, ou desses inquéritos, resulta uma coisa que é um bocadinho
um puzzle. Porque por um lado nós temos aqueles indicadores, a que
eu, Alexandre, aludei há bocadinho, que é o facto, a baixíssima taxa,
baixíssima comparativamente, taxa de pessoas com o ensino secundário completado, não é?
Na população. Mas por outro lado, nesses inquéritos, embora esteja lá a
questão da qualificação, normalmente não tem uma especial importância e até há
inquéritos onde é elogiado, digamos assim, onde é colocado como um fator
positivo o nível de qualificação dos recursos humanos. A maneira como eu
resolvi esse puzzle, mas não tenho certeza, eu tinha curiosidade de saber
o seu insight enquanto empresário, também um bocado olhando para os dados,
é que nós não estamos tão longe do nosso benchmark, se quisermos,
em termos de pessoas com o ensino universitário completado, o nosso problema
é que depois estamos numa espécie de vazio no meio e falta
nos recursos médios, se quisermos. Ou seja, nós até temos pessoas... Uma
empresa, uma multinacional que venha para cá, não tem dificuldade em encontrar
pessoas qualificadas. Mas uma empresa de retalho, por exemplo, já terá dificuldade
porque terá que contratar muitas pessoas que não têm sequer o ensino
secundário. É como se nós tivéssemos ali um... Há um fosso. Um
fosso no meio. É a impressão que eu tenho.
Alexandre Relvas
E, portanto, a qualificação média da população, em relação a muitos países
do planeta, a uma parte importante da população do planeta e a
países que são nossos concorrentes como destinos de investimento, é boa a
qualificação média das pessoas, é média mesmo essas que estão no poço
a que fazia referência. Sim. E, portanto, por isso é que nós
devemos olhar positivamente, é nessa perspectiva mais ampla. Quando comparamos com a
União Europeia, de facto, nós temos essa situação. E quando comparamos com
a União Europeia ou segunda nota, de facto, você tem razão, porque,
como eu dizia há pouco, o ensino médio na população entre os
25 e os 64 anos, a população que teve ensino secundário é
50%, a União Europeia é 80%, mas quando olhamos para a população
que tem o ensino superior, nós hoje temos 25% formados e a
União Europeia é 35%, portanto já não há o diferencial que há
anteriormente. Mas o nível educacional médio nestes relatórios, a par das infraestruturas,
é sublinhado. Portanto, é um fator positivo a ter em linha de
conta. Olhando para outros fatores, vale a pena. Positivos sobre o país,
porque é preciso às vezes dar alma e dar otimismo. Nós temos
uma localização geográfica extraordinária no centro do mundo ocidental. Nós estamos no
centro do mundo ocidental. Podemos falar da Península Ibérica, podemos falar da
nossa abertura para a África, todas essas fantasias que o senhor está
a falar. Agora, nós estamos no centro do mundo ocidental, temos uma
competitividade fortíssima de custos, mais uma vez olhando numa perspectiva ampla, quando
se olha para a mão de obra, porque o custo, a questão
da qualificação depois também é relativa aos custos da mão de obra,
nomeadamente a deformação superior. Aqui é os jovens dos mil euros que
representam uma oportunidade para muitas empresas que vêm para o nosso país.
Mas, de mão de obra, o imobiliário, apesar dos custos, ainda é
considerado um fato positivo. Os custos dos serviços, o custo das advogadas,
o custo das auditorias, etc., De todos os serviços que as empresas
recorrem, que são muito favoráveis em Portugal. Nós temos um bom ambiente
de negócios. Em geral, é fácil criar uma empresa, é fácil fazer
registros, portanto, é positivo. É uma economia extraordinariamente aberta ao exterior. Nós
estamos entre as 5 economias do ano econômico, entre as 5 economias
mais abertas ao exterior. Para uma empresa que venha para Portugal, ou
para qualquer empresa a trabalhar em Portugal, é fácil importar, é fácil
exportar. É um país completamente aberto. É
Alexandre Relvas
somos mais abertos que outros países da União Europeia em relação a
países terceiros. Portanto, temos um espírito dessas coisas. É um país seguro,
tem bom sistema de saúde, como eu falava há bocado. E a
economia aqui hoje, em alguns setores, tem um enorme dinamismo. Nas tecnologias
temos dinamismo, no turismo temos dinamismo, as exportações, como eu referi à
pouco, temos dinamismo. Portanto, temos todo um conjunto de fatores que são
positivos e que fazem com que, apesar de tudo, apesar das nossas
limitações e apesar dos desafios que o país tem, quer o World
Economic Forum, quer o tal Doing Business, quer o IMD, colocam-nos na
33, 34 posição em termos de competitividade entre 190 países. Então, podemos
fazer coisas? Podemos. Podemos fazer melhor. Mas não é razão para que
o país não se desenvolveu. Hoje temos uma base suficiente, eu não
diria uma boa, mas temos uma base suficiente para que o país
possa aumentar a competitividade e aumentar as taxas de
José Maria Pimentel
crescimento. E há, aliás, outro perigo que às vezes este tipo de
conversas podem conduzir, e é um perigo que às vezes é real
em Portugal, que é uma tendência para estar sempre a rever políticas,
em vez de manter... Porque as políticas nunca são perfeitas, mas é
melhor uma política relativamente imperfeita, estável, do que andar sempre a alternar
entre políticas a caminho da perfeição e esse é outro problema que,
quer dizer, no fundo é um meta-problema se quisermos, porque ao estar
sempre a fazer o diagnóstico pela negativa também podemos encorrer nesse problema.
Deixa-me
Alexandre Relvas
só sublinhar esse seu ponto, porque isso é decisivo. Quando se olha,
há questões concretas que se pode falar da burocracia do Estado, etc.
Mas quando se olha em termos macro, para grandes questões que é
importante o país refletir, obviamente a estabilidade política é fundamental, à esquerda
ou à direita, é importante governos de legislatura e que tenham uma
visão do país e que possam trabalhar de forma consistente. Mas é
fundamental a estabilidade das políticas, não alterar quando muda de governo, mas
às vezes pior, quando muda de ministro. Veja a evolução no Ministério
da Saúde dentro dos governos socialistas, as visões sobre as relações com
o setor privado, por exemplo. A estabilidade das políticas é um fator
fundamental. Outro fator, ligado a este, pois podemos falar de outros, é
uma visão, não digo geracional, mas uma visão mais ampla no tempo
do impacto financeiro das decisões tomadas. Há muito uma perspectiva aqui de
legislatura ou de muito de curto prazo. E seria importante, quando o
Estado toma decisões, que as decisões tivessem, em linha de conta, o
impacto financeiro para além deste curto prazo,
José Maria Pimentel
Claro, claro. O Alexandre falou aí há bocado uma coisa que eu
acho especialmente importante por dois motivos. Tem a ver com aquela questão
da concorrência, sobretudo nos não transacionáveis e a questão das rendas ou
o que lhe queremos chamar. Há vários efeitos perversos que vêm daí,
quer dizer, há um efeito perverso para o consumidor, digamos assim, quer
dizer que no fundo está a pagar acima daquilo que seria o
preço se houvesse concorrência real naquele mercado. Há um efeito, como a
Alexandra disse, das empresas cujos custos aumentam por aquela via. E há
ainda um terceiro efeito, que se calhar até é o pior de
todos em certo sentido, que é a desconfiança que isso cria das
pessoas em relação à própria economia privada e à economia de mercado,
enquanto mecanismo de alocação de recursos. Porque as pessoas olham para muitas
destas empresas e dizem é isto que vocês querem, Querem privatizar, mas
depois para estes tipos ficarem com, no fundo, lucros acima daquilo que
aconteceria... Acima do lucro econômico zero, não é? E
Alexandre Relvas
são setores, ainda por cima, durante anos, defendidos pelo Estado. Eu percebo
que haja enorme dificuldade de trabalho da autoridade na concorrência. Eu nunca
vi um estudo sistemático bem feito das rendas que foram para a
EDP, para a PT, para a REN, para os aeroportos, para os
portos, mas há o sentimento no setor empresarial mais amplo que nós
temos nessas áreas custos superiores aos custos que teríamos se houvesse concorrência
nesses setores e de facto não há concorrência nesses setores. Temos reguladores,
mas também há o sentimento que muitas vezes os reguladores não são
suficientemente fortes, não têm uma perspectiva de defesa do consumidor marcante e
são condicionados pelos governos. Eu não estou a falar agora dos atuais,
nem dos
novos, eu
estou a falar em geral. Claro. Agora, aqui é importante que a
árvore não esconda a floresta E eu, nesse texto que lhe enviei,
uso muitas vezes uma frase notável do Dom Manau, que é que
o melhor de Portugal pouco aparece e seguramente não abre os noticiários.
E essas empresas que referimos e os setores não transacionáveis, não deve
esconder a floresta. E a floresta são milhares de empresas, muitas das
quais, como eu disse há pouco, levaram a cabo uma revolução silenciosa
e que ao longo destes anos proporcionaram este enorme crescimento das exportações.
Apesar do contexto, apesar do peso dos setores não transacionáveis, e como
eu dizia, abriram duas ou três ou quatro auto-europas, em alguns casos
por ano, sem nenhum apoio do Estado. Essas empresas fizeram-no apenas com
base na capacidade dos seus trabalhadores e dos seus empresários.
Alexandre Relvas
em enormes oportunidades. Outro aspecto interessante é que nós crescemos para 43,
5% das exportações em relação ao PIB, mas economias como a Belga,
mesmo a República Checa, a Holanda, a Dinamarca, são 80% ou 85%
do PIB. Portanto, esse vai ser o nosso caminho. Esta transformação estrutural
do país, resultante desta revolução silenciosa, vai levar a esta evolução das
exportações. Nós todos os anos, mesmo em 2019, que as exportações cresceram
menos, Nós crescemos mais que a procura dirigir à economia portuguesa, portanto
ganhamos cota de mercado, temos ganho de cota de mercado de forma
sistemática. E não é num setor ou dois, tendo cedo a desvalorizar
as exportações por causa da Galpi, por causa dos carros da Autoeuropa.
Não, nós estamos a crescer de forma generalizada em todos os setores
de atividade.
Alexandre Relvas
Deixe-me reforçar um aspecto que me parece que é importante. Eu sou
conservador, tenho uma perspectiva reformista quando olho para estas questões. O que
é que se deve fazer? Não sou nada a favor de rupturas.
E neste caso da competitividade é um exemplo marcante que o que
é importante não é aquelas ideias que os primeiros ministros e os
ministros da economia gostam de apresentar uma grande estratégia, uma grande mudança,
uma rotura com o passado. Não, o que é preciso é um
programa simples, mas decisões concretas, com objetivos concretos, tendo em conta aquilo
que os empresários, por exemplo, naquele inquérito do INE, apontam como necessidades,
são que são aspectos simples e que podiam ter um impacto estrutural
José Maria Pimentel
Pegando exatamente num desses, ainda em relação a esta questão da concorrência,
mas ligando à questão da legislação das insolvências, do que o Alexandre
falou há um bocadinho. Eu gostava de saber a sua perspectiva em
relação a isso, porque eu já ouvi várias vezes a queixa concreta
em relação a alguns setores, de que sobretudo em alguns setores, precisamente
pela maneira como as insolvências são geridas, isso até tem que ver
com alguns aspectos culturais, nós gostamos pouco de encerrar empresas, que depois
há mercados que têm empresas que são quase mortos vivos, passo a
expressão, que estão no fundo, estão a empatar o espaço do mercado,
sem sair daquele mercado, mas não são verdadeiramente empresas ativas naquele mercado
e, portanto, elas próprias acabam por distorcer a concorrência porque limitam o
espaço para empresas novas surgirem e conseguirem afirmar-se. Por exemplo, no mercado
dos média, por exemplo, que é um mercado que está a passar
por imensas dificuldades, é um caso evidente. Há vários, não vou aqui
citar nomes, mas há vários mortos-vivos que estão numa situação letárgica há
anos e que não deixam outros órgãos conseguirem afirmar-se. Mas há outros
mercados para além disso e esses mercados não são, eu acho que
isto é interessante porque não são não transacionáveis. Aqui já não estamos
a falar de não transacionáveis. Não, aqui é nos mercados transacionáveis. Quer
dizer, por acaso, os médios mais ou menos, não é? Mas há
outros mercados que são transacionáveis e podem ter o mesmo problema e
isso acaba por afetar o dinamismo das empresas
Alexandre Relvas
em Portugal e portanto ter a... Deixa-me só chamar a atenção a
uma estatística que ontem me impressionou, que eu vi nos Estados Unidos
e tem exatamente a ver com o que está a referir. Uma
análise da economia americana e eles consideram que a dinâmica tecnológica na
generalidade dos setores, estes estudos são sempre genéricos e, portanto, são conclusões
de ordem genérica, mas o que leva os setores económicos a transformarem-se
são dois fatores. São saltos tecnológicos transversais e que resultam e que
apanham a generalidade das empresas do setor, mas metade das disrupções tecnológicas
têm a ver com a entrada de empresas novas nos setores. E,
portanto, uma legislação de falências que permita haver um certo dinamismo, não
é liquidar empresas por liquidar, é óbvio que uma empresa que tenha
viabilidade económica e que não tenha viabilidade financeira deve-se dar oportunidades, porque
há questões de trabalhadores, há questões de dívidas ao Estado que não
podem deixar de ser salvaguardadas. Agora, precisamos de uma legislação de falências
que penaliza a má gestão, que crie novas oportunidades para que essa
empresa saia do mercado e que, quando a falência é rápida, muitas
vezes protege-se melhor os interesses do Estado, dos fornecedores e dos trabalhadores.
Alexandre Relvas
Não, legislação e sistema de justiça, mas ainda outra
questão em
paralelo, que é o capital social, que é a segurança, o sentido
de compromisso, haver perspetivas nas relações entre as pessoas e nas relações
entre empresas. E em Portugal eu tenho o sentimento, as coisas evoluíram
positivamente, mas eu tenho o sentimento que em algumas áreas, eu não
quero generalizar, há um baixo capital social. Há uma perspetiva de muitos
homens ligados ao negócio, não quero generalizar, em alguns casos em que
os valores são relativizados. Os valores dependem do contexto e no mundo
empresarial os valores não são os mesmos dos valores pessoais e portanto
isso depois tem um impacto
Alexandre Relvas
mudar. Por isso é que é especialmente difícil mudar. Mas era importante
haver a perspetiva cada vez mais e hoje no mundo empresarial, como
se sabe, está-se a sofrer uma revolução profunda e uma das áreas
que se chama... As pessoas falam muito de sustentabilidade, falam muito de
stakeholders, mas há duas áreas que, para além disso, têm sofrido alterações.
Uma é a ver nas relações empresariais uma visão de longo prazo,
o que significa, eu hoje estou a trabalhar consigo, também vou trabalhar
amanhã e depois da manhã, Portanto, a minha imagem a longo prazo
é importante, o sentido de compromisso que eu tenho. E a segunda
é tudo que tem a ver com ética e com valores. Também
está a sofrer uma revolução. Há muito menos tolerância à falta de
ética ou à falta de valores nas relações empresariais.
Alexandre Relvas
dimensão ética foi muito prejudicada.
Agora,
em termos práticos, o que é que eu sinto num país como
Portugal? Eu faço um contrato, mas sei que se o contrato não
for cumprido, vou ter enormes dificuldades em fazê-lo cumprir, porque tem custos
enormes por causa do tempo que leva a resolver qualquer contencioso. É
caro e demora, não
é? É caro e demora. Portanto, esse é o sentimento com que
todos partimos nas relações comerciais. E isso leva a partir-se sempre com
uma certa desconfiança, partir-se com uma perspetiva que não é uma perspetiva
positiva e, portanto, tem um impacto negativo nas relações, claramente tem um
impacto negativo nas relações empresariais. A questão da legislação, a complexidade da
legislação, mas o maior da complexidade da legislação é o funcionamento do
sistema judicial. A resolução de qualquer litígio leva a um enorme tempo
e, portanto, as pessoas preferem, eu perco aqui um pouco, mas prefiro
perder do que ir para o tribunal e estar 5 anos ou
10 anos para resolver este processo. E
Alexandre Relvas
de ser tomadas à atraso, à ineficiência da afetação de recursos. É
um dos fatores que afeta, que determina a afetação negativa de recursos.
Quando se fala naquele inquérito do INEE, em que as pessoas falam
de questões muito concretas, há três ou quatro casos que chamam a
atenção. Um é a duração dos processos judiciais, depois a dificuldade em
Portugal de resolver disputas comerciais por causa da questão da justiça e
a complexidade da legislação vigente. Portanto, tem tudo a ver com a
sua pergunta. Isto é apontado pela generalidade das empresas. Portanto, marca hoje
a vida. Estas empresas não estão a falar de querer mais subsídios
do Estado. Estão a pedir é, alterem procedimentos, alterem a legislação, sejam
mais eficazes. Estas
pequenas
mudanças que podem ter um profundo impacto.
José Maria Pimentel
E é curioso, este tema é perfeito para fazer esta distrinça, porque
Quando nós falamos de medidas para aumentar a competitividade, podemos dividi-las em
dois grupos. Há um grupo de medidas, independentemente da opinião que nós
tenhamos em relação a elas, são medidas com alguma carga ideológica, ou
seja, que dividem o espectro político. Não será necessariamente a única dimensão,
mas, sei lá, medidas de flexibilização do mercado laboral,
Alexandre Relvas
disputas juscais. Não há razão para que as disputas juscais levem tempo
a mais e que as empresas tenham um sentimento negativo que são
sempre prejudicadas, têm uma disputa fiscal. Duração dos processos judiciais, disputas comerciais,
complexidade da legislação, custos envolvidos no apoio jurídico e litigância, porque o
tempo que leva. Carga administrativa com as finanças, com a autoridade tributária
e tua nena. Estes são os grandes problemas que as empresas apontam.
E portanto, muitos têm a ver, a carga fiscal, o IRC, a
Alexandre Relvas
aspectos, nós há pouco falávamos da dívida, Um dos aspectos que angustia,
que traz uma crise de alma, como alguns dizem, é este Estado
ter-se endividado. E nós não temos tido uma reestruturação do Estado. E
isto tem a ver com as empresas, mas tem a ver com
o cidadão comum. A afetação de recursos pelo Estado foi certa. As
pessoas não estão contentes com o sistema de saúde, não estão contentes
com a forma como retiram, como podem tirar o cartão de cidadão
ou um passaporte. Falando de exemplos concretos, este Estado não nos protegeu
em momentos que seria importante ter protegido. Portanto, apesar do endividamento, nós
temos um Estado mais eficaz. E é também dentro destas questões ideológicas,
eu sou a favor de um Estado forte. Sou a favor de
um Estado que decida agora. Mas tem que ser eficiente, tem que
ter capacidade de intervenção, tem que ser mais transparente, tem que ser
mais eficaz.
José Maria Pimentel
E há um ponto aliás relacionado com isso, para encerrarmos a questão
burocrática, digamos assim, que tem a ver com os processos de licenciamento.
Eu até falava disto com um amigo meu, que lançou uma empresa
há relativamente pouco tempo e ele falava de uma ideia que não
será especialmente original, mas também não seria julgo especialmente difícil de pôr
em prática, até porque pega num precedente feito a nível nacional, que
era a criação de uma espécie de balcões na hora por atividade
a nível local, onde a pessoa pudesse tratar de tudo o que
fosse procedimentos de licenciamento e certificação de empresas, por exemplo. A criação
de empresa nós sabemos que é relativamente fácil, mas o licenciamento, por
exemplo,
para a
construção, continua a ser uma coisa demorada.
Alexandre Relvas
Exatamente. O tal relatório do Doing Business do Banco Mundial é extremamente
interessante. Por isso é que eu digo que não vale a pena
fazer estudos, porque analisa várias etapas da vida de uma empresa. Criação
da empresa, abertura de conta, relação com a EDP, abertura de conta
bancária, pedido de financiamento, etc, etc, etc. E mostra exatamente que na
área do licenciamento é uma área que há oportunidades significativas de reduzir.
Mas ainda deixa-me dizer que há vários fatores a terem em conta.
Um é o Estado Central. Eu tenho uma certa experiência porque tenho
uma atividade agrícola e trabalho em duas câmaras. Com três câmaras, Évora,
Redondo e Avirigueira. O sentido de compromisso dos presidentes das câmaras e
das equipas das câmaras, das direções e técnicos das câmaras. A vontade
de resolver problemas e de dar resposta é impressionante. Portanto, há também
nisto um mundo dual. Há uma legislação que dificulta quando se tem
que ouvir a administração central os processos que normalmente são relativamente mais
lentos, depois há um aspecto que a mim me impressiona e que
tem a ver com esta complexidade da legislação. Na maior parte dos
casos de licenciamento eu fico com o sentimento que em muitos casos
é nebuloso. Nós não percebemos bem as bases e os fundamentos das
decisões que vão ser tomadas. São, mais vezes, alguns dos casos, mais
por tradição do que propriamente por interpretação da lei. É mais porque
sempre foi assim, as coisas vão sendo decididas.
José Maria Pimentel
Sim, claro, tudo o que seja necessário. Tudo o que seja necessário.
Outro ponto que nós falámos há bocadinho é a questão do acesso,
da dificuldade de acesso a financiamento, no fundo, acesso a capital. Isso
é especialmente problemático porque tendo em conta a taxa de endividamento das
empresas, nós falámos no início, não há propriamente capitais próprios disponíveis para
investir, aliás, daí também a transferência dos centros de decisão para fora
a um nível mais global que nós falávamos há bocadinho. Eu julgo
que haverá várias coisas que se podem fazer aí. Este mesmo amigo
que me fez aquela sugestão falou-me de uma ideia que eu achei
interessante e gostava de ter a sua opinião em relação a isso.
Que aparentemente será sido uma coisa criada em França mais ou menos
nestes modos e a ideia dele era criar uma espécie de fundos
de capitalização de empresas que fossem geridos por gestoras privadas de fundos
de investimento mas com fundos públicos, com contratos feitos de maneira a
ter os incentivos corretos, ou seja, que se fosse financiar aquelas empresas
vistas como com maior potencial e não aquelas que as pessoas conhecessem,
mas com uma perspectiva de longo prazo e de financiar empresas com
potencial mas sem capital para fazer determinados investimentos, a inovação, quer dizer,
no fundo, tudo aquilo que tem que ver até com aquela questão
que falámos no início, do capital líquido por trabalhador, que é um
problema da economia portuguesa e que depois leva à questão do investimento.
Isto faz-lhe sentido? Tem outras ideias para, no fundo, desbloquear esse problema
do financiamento das empresas e da capitalização? Isso faz
Alexandre Relvas
todo o sentido, não diga-se a medida em concreto, mas a questão
e a necessidade de respostas a esse
tema.
Nós olhando para todas estas questões que falámos, chegamos à conclusão, as
empresas têm um stock liquid capital relativamente baixo, portanto estão mal equipadas,
precisam de repensar a sua cadeia de valor, precisam de investir em
termos tecnológicos, mas têm elevadíssimos níveis de endividamento. Em média, portanto, haverá
casos em que não será assim, mas em média
Alexandre Relvas
de endividamento. E, portanto, num Estado que parta do princípio que a
criação de riqueza é uma prioridade e que a criação de riqueza
tem que ter como base o investimento empresarial, não pode, no âmbito
da política económica, deixar de pensar no financiamento das empresas, em encontrar
formas de potenciar o financiamento das empresas. Eu penso que há várias
áreas de trabalho, uma das quais é essa, mas penso que isto
deve ser visto numa perspectiva mais ampla. Primeiro, eu penso que é
fundamental potenciar a poupança por parte das empresas. E neste momento, a
única forma de potenciar a poupança por parte das empresas, para além
das empresas serem mais eficientes, é reduzir o IRC. Mas eu nem
digo uma redução genérica do IRC, eu digo uma redução do IRC
para empresas, por exemplo, que investam e que sejam exportadoras, se a
exportação for um objectivo nacional para empresas que investam e, portanto, uma
redução do que o Estado já faz, de certa forma, mas é
preciso aprofundar, redução de lucros retidos e reinvestidos e que permita potenciar
a capacidade das empresas de reterem fundos e realizarem investimentos. Ainda que
isso tenha como contrapartida, por exemplo, uma maior taxação em IRS dos
dividendos. Aqui é preciso ter uma visão e querer ter vontade de
explicar. Eu vou deixar mais o IRS porque eu vou deixar que
as empresas tenham... Reduzir o IRC para as empresas
Alexandre Relvas
É, prefiro incentivar os privados, porque vão tomar decisões normalmente muito racionais
e, portanto, mais exigentes com quem esteja a fazer investimentos. Agora, que
portarem a investir e, sobretudo, de novo, se for para investimento, se
for para exportação, para empresas exportadoras, que haja incentivos fiscais, que se
haja uma redução da tributação, mais uma vez em IRC, dos resultados
e das mais valias que esses investidores ou que esses fundos de
investimento venham a realizar. Portanto, é outra área que se pode pensar.
Uma outra área ainda que eu penso que é fundamental, é que
um dos grandes desafios que o país tem é que tem muitas
pequenas empresas. As estatísticas são impressionantes. Temos 6 mil empresas ou 7
mil que vendem mais de 10 milhões de euros e têm mais
de 50 trabalhadores e temos 6 ou 7 mil empresas que vendem
mais de 50 milhões de euros e têm 250 trabalhadores. Portanto, das
1 milhão e 200 mil empresas, das quais com atividade de facto
operacional serão 200 mil, só 1.200 empresas é que vendem mais de
50 milhões de euros e têm mais de 250 trabalhadores. A consolidação
empresarial é um objetivo, porque a consolidação não é para ter empresas
grandes por ter grande. É porque a consolidação, o aumento da dimensão
das empresas permite ganharem capacidade de negociar com
Alexandre Relvas
ganharem escala, terem custos unitários mais baixos e, portanto, nós temos que
incentivar a consolidação empresarial. Mais uma vez, fundos de investimento ou capital
que esteja na base de consolidação empresarial de compras, de fusões, de
aquisições, deve ser fortemente incentivado. Depois, há uma outra área que eu
penso que é importante e que tem a ver com a própria
banca. Era importante encontrar mecanismos com a banca para alargar os prazos
dos financiamentos. As empresas, quando investem, eu vejo isso em termos agrícolas,
vejo aqui também em termos industriais, muitas vezes nós precisamos de financiamentos
a 10, 15 anos. E, portanto, era importante poder dispor de financiamentos
a prazos mais largos, porque isso também potenciaria a capacidade de investimento
empresarial. Portanto, eu concordo com o tema, não concordo muito com
José Maria Pimentel
eu não digo isso, é que está aqui nessa... Eu digo que
os privados giram o seu dinheiro e que os públicos giram o
seu próprio dinheiro. Até vou começar por isso e depois já vamos
à questão da consolidação empresarial, que é um tema, quer dizer, demasiado
importante para não deixar passar só assim, porque ainda tem mais sumo
que extrair. Em relação à questão, no fundo, de estimular as exportações,
estimular o... Quer dizer, permitir que as empresas tenham capital para investir,
tornar-se mais competitivas e assim exportar mais, A questão é, eu partilho
dessa desconfiança apriorística em relação a estar a misturar as esferas públicas
e privadas, que é justamente aquilo que muitas vezes correu mal em
Portugal e depois dá mau nome e tem uma série de efeitos
perversos. Agora, ainda assim, aquilo que me ocorre em relação a isto
é o seguinte, essa medida, a questão do IRC, no fundo quer
dizer ok, vamos torcer isto ligeiramente para que as empresas tenham um
incentivo extra para manterem os lucros que geraram e investi-los em vez
de distribuírem para o acionista. Essa é uma medida interessante, mas ela
trará um efeito, não digo que trará algum efeito, mas não é
um efeito gigante.
José Maria Pimentel
é que o meu ponto é só o seguinte, é que, lá
está, embora eu partilhe essa desconfiança, Portugal é uma economia pequena, e
quando eu olho para economias pequenas, por exemplo, no extremo oriente, no
sudeste asiático, muitas delas, o caso da Coreia do Sul, por exemplo,
é um caso paradigmático, usaram estratégias desses. Já não têm que ser
muito bem feitas, mas usaram estratégias de apostar através do Estado, em
determinadas empresas ou em determinados setores, mantendo os mecanismos de mercado a
funcionar da maneira correta. Isso é difícil de fazer, ou seja, aqui
teria que... Os incentivos tinham que estar alinhados e isso não é
necessariamente fácil de fazer. Mas aquilo que me ocorre, não é uma
opinião definitiva, no fundo é... Uma coisa em que eu fui pensando
em relação a isto, é se nós não precisaríamos desse poder de
fogo para a economia descolar, não é? Porque só com o reinvestimento
de IRC a coisa vai ser muito paulatina. Claro que é melhor
paulatino, no sentido ascendente... Não, mas
Alexandre Relvas
peraí, eu digo IRC. O Estado já tem algumas medidas, eu quero
sublinhar, bem pensadas, mas só que não tem um efeito estrutural. É
sempre para as PME's, é sempre limitado. Isto tinha que levar o
IRC a zero, quando empresas que tenham investimentos massivos e que exportem,
como eu dizia há pouco. Agora, eu estou a falar de capital
de risco e de incentivar fortemente o capital de risco privado. Isto
que os jovens estão a fazer e trazer cada vez mais investidores
internacionais às suas empresas, é largar porque o país pode proporcionar essa
área. Deixe-me só referir. Primeiro, o Estado tem dois problemas. O primeiro
é o seguinte, eu acho que os critérios de avaliação de investimento
nunca são tão rigorosos como seriam do investidor privado que põe o
seu próprio capital ou que tem que dar contas do capital que
está a investir. O segundo, havendo problemas, o Estado terá muito mais
dificuldade em ser exigente e tentar partir para uma realidade nova do
que um privado que fará isto com uma frieza mais significativa. E
depois, ainda que eu concordasse, temos um pequeno problema, é que o
Estado tem uma dívida
Alexandre Relvas
e, portanto, eu prefiro que o Estado não aumente o endividamento porque
o que é fundamental neste momento é que esse endividamento... A credibilidade
de Portugal, a estabilidade macroeconómica depende também do nível de endividamento. Era
muito importante tomar algumas das medidas que aqui referimos, mas deixo-me lhe
dizer uma coisa para interessar esses investidores internacionais. Muitos destes aspectos que
nós estamos aqui a referir também só podem ter efeito se passamos
a ter uma nova perspectiva do Estado e do setor empresarial. E
tem que ser claro. Eu penso que, de certa forma, o Primeiro-Ministro,
e eu não queria entrar em aspectos construtorais como nós referimos, mas
começa a ter esse sentimento. Eu gosto de uifalar em investimento em
comboios e dizer que Portugal até vai exportar comboios, como recentemente. Eu
aqui estou a caricaturar. Mas eu acho que era importante e é
decisivo pensar que a prioridade nacional tem que ser a criação de
riqueza. Só vai haver fim definitivo para a austeridade, só pode haver
distribuição de rendimentos de forma sustentável se a criação de riqueza for
um objetivo nacional. E isso não é. Neste momento a preocupação do
país, aquilo que mobiliza, que entusiasma o país, não é criar riqueza.
E não é essa a visão do governo. E a segunda é...
Alexandre Relvas
Para além disso, mas eu digo, vamos dizer, nós temos que dar
um salto em criação de riqueza, vamos mobilizar os recursos nacionais e
Isto tem um impacto. E o segundo aspecto é dizer, a criação
de riqueza não é feita com investimento público, não é feita com
fundos públicos. Nós queremos criar riqueza com base no setor empresarial. Queremos
que as empresas exportem, queremos potenciar esta revolução silenciosa, estes empresários jovens
estão a começar. E isto são duas condições fundamentais, não é culturais,
aqui é político, são opções de fundo para que todo este conjunto
de medidas possam ter efeito, porque estas medidas podem ser tomadas, mas
se a perspectiva for que a política económica do Estado é orçamento,
é distribuição de rendimentos e é déficit, em vez de ser empresas,
exportações e competitividade, Nós não vamos mudar, por muito que o setor
empresarial tenha começado este movimento, nós não vamos mudar estruturalmente. Nós precisamos
de uma nova visão para o país e de uma visão entusiasmada
sobre a capacidade que tem o país de se regenerar. O que
nós fizemos nestes anos, nos três anos que vivemos de recuperação da
falência, foi extraordinário. O país teve uma capacidade de evoluir extraordinária. Precisamos
de potenciar essa capacidade. E muita
dessa
capacidade que tivemos tem a ver com o setor empresarial, tem a
ver com o mundo, com a sociedade civil, para o mais amplo.
Este país suportou o nível de desemprego de 800 mil portugueses no
desemprego por causa das instituições de solidariedade social e por causa das
famílias. Não foi o Estado, não foi o assistencialismo que permitiu para
o país viver esse tempo. O país saiu da crise por causa
do setor empresarial, por causa das exportações. Não foi o consumo privado
nem o consumo público, foram as exportações que permitiram que se equilibrasse
a balança externa, a primeira balança comercial, depois a balança externa, que
se reduzisse o desemprego, portanto, foi o setor privado. E é preciso
dar, potenciar esta força do setor privado, potenciar esta força da sociedade
civil, teve esta capacidade durante estes anos de potenciar a mudança do
país. Portanto, há aqui questões de política, de opção. E depois estas
medidas são decorrentes dessa opção, e como te dizia há pouco, e
você tem toda a razão, Isto não é nenhuma revolução, são pequenas
medidas que se possam implementar, incrementais.
Alexandre Relvas
Eu só acredito num efeito dinâmico com muitos incentivos, nesse aspecto que
referíamos há pouco, se forem empresas que sentem que podem reestruturar e
consolidar setores. Isso ocorre em todas as economias. Os private equities têm
feito muitas iniciativas dessas e acredito que um movimento dessa natureza possa
ser mais potenciado pelo setor por investidores do que propriamente por decisão
das empresas. Você tocou num ponto que eu acho que é fundamental,
porque nós estamos a falar muito do Estado e de facto o
contexto tem que evoluir, mas quando se olha para a competitividade, aqueles
membros relatórios que nós falávamos há pouco, todos apontam o que é
que o país tem, o que é que o país não tem,
todos apontam que isto é um trabalho de médio e longo prazo,
todos apontam que depende de múltiplos fatores e quando analisam esses fatores
são absolutamente claros é que há desafios para o setor privado e
há desafios para o setor público. E portanto o setor privado também
tem que realizar mudanças.
E a
consolidação empresarial é também algo que no âmbito deste movimento que eu
estou a referir, que o Estado pode incentivar, até falando do assunto,
nós não ouvimos falar do assunto. É preciso o Ministro da Economia
falar com o assunto e incentivar.
Alexandre Relvas
Mas hoje é verdade, em termos mundiais. Eu digo isso logo ao
Plaste.
Quem concorre são ofertas, não são empresas. Cada um de nós faz
par, cada produto que é oferecido no mercado é resultado do esforço
de múltiplas empresas. Não vale a pena, e as empresas, mesmo as
maiores empresas, uma Procter & Gamble, uma Nestlé, uma Danone, não tentam
gerir 100% da sua cadeia de valor. Portanto, estas pequenas e médias
empresas portuguesas podem passar parcelas da sua cadeia de valor para terceiros
ou ter plataformas comuns, alianças,
como eu dizia há pouco.
Por exemplo, vendas no exterior. Porquê que não se faz trabalho conjunto
de vendas no exterior? Porquê que não se faz parcelas da cadeia
de valor, trabalhadas em conjunto? Porquê que não há serviços partilhados que
prestem trabalho a todo esse conjunto de empresas? Tem que pensar em
potenciar a sua capacidade através da dimensão. Portanto, O setor público tem
desafios, o que referíamos à pouca legislação de falências pode ter aqui
um aspecto importante também na consolidação, porque as empresas melhores compram as
piores e isso faz crescer. O Estado pode incentivar, por exemplo, os
problemas de IMT nas transferências de património, os GUDUIS etc. Põem problemas,
o reporte de prejuízos se compromepê. Tudo isto deve ser pensado, mas
é importante que os empresários também tenham a noção
José Maria Pimentel
que é um desafio sobretudo deles. E que é mais importante como
posso ser. E esse lado cultural é interessante e tem um bocado
que ver com aquela questão até do capital social que falávamos há
bocadinho. A dificuldade em fazer alianças, no fundo em confiar o suficiente.
Por exemplo, até eu até apelo de novo à sua experiência de
empresário. Porque eu, a falar com um amigo sobre esses temas, a
certa altura também falávamos da questão de... Que eu não... Lá está,
não sei se será uma percepção ou se é real, mas de
muitas vezes a dificuldade é alguém que criou uma empresa vender essa
empresa, não é? Porque para haver consolidação... Tem que vender. Tem que
haver venda e compra ou ou então fusão. O que poderá ter
que ver, não sei, quer dizer, com algum... Ou com não confiar
que aquele legado vai ser mantido por quem vier a comprar a
empresa ou por uma espécie de aversão à perda, mas isso em
si mesmo pode dificultar essa consolidação, não é? Que é não haver,
haver da parte de quem tem empresas dificuldade em abrir mão delas,
não é? Abrir mão por um preço, não é? Mas eu não
sei se estão... É
Alexandre Relvas
trabalhadores, a própria empresa, até no meio mais... Em pequenos meios populacionais,
a empresa é muito marcante da imagem que se tem publicamente, do
respeito que
se tem
e, portanto, há muitos fatores para além da empresa, da própria interesse
da empresa que vão determinar
essas
decisões. Agora, há circunstâncias que racionalmente devem levar a uma decisão. Uma
é a evolução. Se de facto não se consegue ser competitivo, não
se consegue continuar a crescer, os custos aumentam, há dificuldade de financiamento
com a banca, realisticamente é importante vender. E depois há outro momento
que muitas vezes leva a isso, que é mudanças geracionais. O filho
é médico, não quer continuar, ou por outras razões quaisquer, estou agora
a caricaturar, Mas as mudanças geracionais é um fator também que pode
levar a alterações. Agora, o que é importante, penso eu, é haver
uma sensibilização para este tema. Nós precisamos de consolidar o tecido empresarial,
precisamos de continuar a exportar. E o Estado pode incentivar, precisamos continuar
a aumentar as exportações. E o Estado pode incentivar nesse sentido. A
banca pode também ter aí um papel, porque muitas vezes a banca
tem capacidade de executar algumas empresas e pode o fazer se tiver
oportunidade de, com isso, promover a consolidação de um setor de atividade.
Mais uma vez, é um tema que tem que ser trabalhado, tem
que ser objeto de reflexão e tem que ser falado, porque os
empresários também reagem muito por ouvir falar nisso. E
José Maria Pimentel
os empresários também participam pouco, que é uma coisa curiosa. Aliás, eu
já pensei várias vezes sobre isso e acho que nós temos um
equilíbrio um bocadinho perverso, que é, há uma certa desconfiança, muitas vezes,
uma desconfiança cultural em Portugal em relação... Nós não temos uma cultura
de negócios, propriamente, portanto, muitas vezes há uma desconfiança em relação aos
empresários. Talvez seja isso que leva a que não haja essa intervenção
pública. Muitas vezes há aquelas reuniões patronais e tal, mas quer dizer,
até me parece que funciona muito bem uma só voz. E o
que me parece perverso disso, e nós já vimos muitos efeitos perversos
disso, é que depois o tipo de influência que existe é só
de algumas pessoas e é na sombra, que é o pior que
pode haver. Que não é justamente colocar em cima da mesa esse
tipo de necessidade pensando a longo prazo, é tentar, por exemplo, influenciar
políticas, influenciar o governo, mas só algumas pessoas, aquelas que conseguem ter
o ouvido. Ter acesso ao poder.
Alexandre Relvas
eu tenho que resolver os problemas, vai demorar tempo a mais, eu
não tenho condições, portanto vou ter que encontrar uma forma de resolver
este problema. A grande questão é nós temos de resolver os problemas
macro porque acabam com muitas dessas questões. Deixo-vos... Tocou num ponto interessantíssimo
e que é também um aspecto que eu valorizo muito. Há pouco
falávamos de condições importantes para nós também sairmos deste marasmo dos meio
por cento médio de crescimento e falarmos da estabilidade da política e
das políticas. E quando se pensa em questões dessas macro, um dos
aspectos que eu acho que devem merecer reflexão é a questão da
concertação social. É haver maior peso da concertação social, maior discussão da
concertação social, mas que seja também promovida por uma maior capacidade do
setor empresarial ter uma agenda sobre aquilo que considera que são prioridades.
E muitos destes temas que estamos aqui a falar, os dois temos
uma visão do que se passa todos os dias no nosso país,
não aparecem na agenda empresarial. Se eu perguntar à jornalidade dos empresários,
se as associações empresariais têm... Qual é a agenda da associação empresarial,
se ela tem a ver com os problemas deles? A generalidade deles
penso que não dirão, que não sabem qual é a agenda e
dirão que não se lembram de nenhum tema que tenha sido discutido,
que tenha a ver com os seus próprios interesses. Ou
Alexandre Relvas
que as associações sectoriais fazem um trabalho muito forte em alguns setores
extremamente interessantes. Acho que as confederações deviam, em muitos casos, ter um
diálogo mais estreito com os empresários e ter uma agenda que seja
participada, que seja objetiva e que seja trabalhada ativamente nas relações com
os governos. Hoje sejamos claros, os governos têm ideologia, têm princípios, mas
reagem a correntes de opinião. E o que é preciso é criar
correntes de opinião. Se se quer que o país evolua num certo
sentido, é preciso criar uma corrente de opinião nesse sentido. Quanto mais
não seja para contrariar decisões que podem até prejudicar a competitividade. Não
há uma noção no país da importância da criação de riqueza, da
importância das empresas, da importância do investimento empresarial e, portanto, as associações
têm aí um papel. Eu acho
José Maria Pimentel
É que eu não sei, eu acho que a sensação que eu
tenho, o que acontece aí é um bocadinho aquilo que às vezes
acontece com os sindicatos, que é representarem só, da mesma forma que
os sindicatos às vezes, às vezes, quer dizer, quase inevitavelmente, mas nos
casos mais notos menos, só representam parte dos trabalhadores e portanto no
fundo estão, muitas vezes estão a defender os direitos daqueles trabalhadores, mas
não os dos outros. Neste caso parece-me que acontece um bocado isso,
que é, os representantes do empresariado, digamos assim, não é necessariamente por
mal, quer dizer, é uma questão que pode ser institucional, mas estão
a representar só parte.
Alexandre Relvas
É, e há muita perspectiva mais de diálogo com o Estado
do que
diálogo com o setor empresarial e do que uma agenda do setor
empresarial que seja permanente. Eu sinto-os mais reativos ao ritmo do que
o Estado impõe nas suas próprias discussões do Conselho Económico e Social
do que propriamente proativos na defesa da sua visão, da nossa visão
empresarial do país. Apesar de estudos extraordinários que a SIPA, a EPE,
etc. Têm, apesar da qualidade das pessoas, é uma questão de perspectiva.
Nós precisamos de uma perspectiva nova. É preciso que haja, do ponto
de vista das associações empresariais, uma agenda empresarial integrada, clara e que
as empresas se revejam nelas e, portanto, que potenciem a capacidade de
intervenção dessas confederações, desses representantes dos empresários.
José Maria Pimentel
E há um tema também cultural relacionado com isso, que é a
questão da cultura empreendedora, chamemos-lhe assim. Essa é outra que é um
puzzle para mim. Por um lado, nós vemos de facto nesses inquéritos
que Portugal qualifica relativamente mal. Por exemplo, naquele do World Economic Forum
que o Alexandre já falou, a atitude da sociedade em relação ao
risco empresarial, ao risco do empreendimento. E nós estamos em octogésimo, portanto
não estamos nada bem. Ou por exemplo, a capacidade de delegar autoridade,
no fundo dentro de uma empresa, confiar que as outras pessoas vão
tomar as decisões certas. E isso aparentemente indica que nós temos de
facto um problema aí. Mas por outro lado, se nós olharmos para
os últimos anos, nós até tivemos quase o endeusamento do empreendedor, às
vezes até a um ponto ridículo. Nós todos vimos às vezes os
excessos tecnológicos. Ou seja, o que me parece é que nós temos
a questão, aliás, essa questão da tecnologia, até me lembro aquela frase
do ESA que o Alexandre cita, que é... Essa frase é brilhante.
Eu já não vi essa frase
Alexandre Relvas
Eu acho que é uma pergunta fantástica e é um assunto sobre
o qual eu tenho pensado. Quando nos pedem nas universidades para dar
uma aula, acaba-se por pensar. E eu sinto também que há uma
certa contradição entre o que dizem estudos e a maneira como os
estrangeiros nos veem ou como os empresários olham para o país, porque
isto são inquéritos, eu participo em alguns destes inquéritos, portanto são inquéritos
a milhares de empresários, portanto isto é a imagem que se dá.
Às vezes a perceção e a realidade podem não ser coincidentes, mas
nem vou por esse caminho. Há uma realidade, para mim, clara, que
é, há uma nova perspectiva cultural sobre o empreendedorismo em Portugal, nos
jovens. Eu fui convidado já para falar em múltiplos liceus sobre empreendedorismo,
sobre o que é uma empresa, como é que se faz uma
empresa, como é que se vive uma empresa. Isto não pode deixar
de ficar na cabeça dos jovens como algo que ser empresário é
extraordinário, porque eu vendo que é preciso coragem, Somos nós uns dos
criadores do mundo, é preciso ser teimoso e ter entusiasmo. Portanto, como
eu ou outras pessoas que vão falar e os professores deles que
falam sobre esse tema, é dada essa valorização. Nas universidades a mesma
coisa. Pois há um ambiente social, como você dizia, com toda a
razão, que é no jornalismo, na imprensa em geral, o empreendedorismo é
valorizado. Os jovens valorizam entre eles,
os jovens
que são empresários são bem vistos. Portanto, há um ambiente novo e
há múltiplos casos de sucesso, começam agora a afirmar-se, jovens que são
bons exemplos e que tiveram capacidade. Eu vejo em vários setores, não
é só, isto não se esgota nas tecnologias e na comunicação, eu
vejo no setor industrial e no setor agrícola, sobretudo, uma parte da
revolução que a agricultura está a conhecer em Portugal, é feita por
jovens. Também não se fala, não abre os telejornais, mas estão lá,
fazem.
Alexandre Relvas
É incremental e estão a fazer. Portanto, também tem esse sentimento que
você fica daqui de uma possível contradição. Depois, outro aspecto, a contradição
é esta. Como é que este país cresce as exportações 4 bilhões
ou 5 bilhões de euros por ano? Isto não é quedas de
margem. Isto são reestruturações empresariais. São repensar de cadeia de valor. É
uma nova visão e ir para o exterior vender. Portanto, não é
este setor da aversão ao risco. Agora, nós ainda somos muito marcados
por essa perceção passada de que em média o português é averso
ao risco, não gosta do setor empresarial. Mas ao mesmo tempo, você
vai, por exemplo, para as cidades do Norte, para as vilas do
Norte, e tem um homem que abriu uma empresa de moldes, e
20 anos depois você tem 10 empresas de moldes. Tem um homem
que abre uma empresa de kiwis, e 10 anos depois você tem
10 empresas de kiwis. Portanto, As pessoas hoje
Alexandre Relvas
Mas o sentimento que temos dos portugueses não é de serem gente
de viver de risco, de viver de empreender, mas sinto que há
um mundo a mudar e um dos fatores de mudança para mim
é claro, é a falta de oportunidades hoje para os jovens. Ou
vão para o exterior ou criam cá a sua própria empresa, porque
a generalidade deles, ou muitos deles, não vão ter emprego. Quem lhes
dava emprego tradicionalmente, como eu dizia, para o custado, a banca, os
seguros, etc., não lhes vai dar emprego. E, portanto, ser empresário passou
a ser uma alternativa. Havia
José Maria Pimentel
mais uma coisa que eu queria falar, que é se calhar o
tópico mais quente politicamente de todos estes e que é, sempre que
se fala de competitividade, aquilo que é normalmente referido, ou das primeiras
coisas, e eu tenho algumas, confesso, tenho algumas dúvidas em relação ao
diagnóstico, é a questão do mercado de trabalho. Portugal sempre teve, da
parte destas organizações internacionais, um diagnóstico que faz uma análise do nosso
mercado de trabalho enquanto pouco flexível e pouco eficiente e Isso divide
muito o aspecto político, obviamente, nós partidos à esquerda muito relutantes e
à direita pelo menos mais favoráveis a uma flexibilização do mercado de
trabalho. Nós já tivemos alguma flexibilização durante a Troika e eu tinha
muita curiosidade em saber a sua opinião em relação a isso. A
sensação que eu tenho, e aliás até fazendo juz a quem disse
isto da melhor forma, que foi o Ricardo Reito, economista português
José Maria Pimentel
muito a outra dos nossos melhores, e ele para mim sintetizava a
coisa muito bem, porque ele dizia o nosso problema não é tanto
atualmente, sobretudo depois dessas reformas, não é tanto um problema de ausência
de flexibilidade, no sentido em que as empresas normalmente têm uma parte
dos trabalhadores com contratos a prazo e, portanto, não têm problemas em
despedir parte do pessoal. É um problema de injustiça, no sentido em
que há pessoas com contratos a prazo e outras com contratos sem
termo e é um problema igualmente grave de afetação de recursos a
longo prazo. O que isto significa é que vai haver pessoas que
andam sempre a dançar no mercado, andam sempre de um lado para
o outro e outras que conseguiram ficar com contratos sem termo e
ficam safas desse problema. Portanto, temos uma injustiça que ao mesmo tempo
é uma ineficiência porque não está a colocar as pessoas no sítio
certo. Então podemos ter uma pessoa que se calhar seria melhor a
trabalhar nos serviços e está a trabalhar na indústria e vice-versa, simplesmente
porque tem um contrato sem termo e depois obviamente tem medo que
é legítimo de sair do sítio em questão. Qual é a sua
visão em relação a isso?
Alexandre Relvas
Porque uma empresa que tenha, que seja muito dinâmica, o grande tema
é a contratação de pessoal e devo-lhe dizer que hoje, se eu
pensar hoje em Portugal, em termos das relações laborais, a grande questão
para mim é como é que eu consigo contratar as pessoas que
têm necessidade para continuar a crescer, quadros e... Pensando logo para o
prximo, pensando nas atividades que têm agrícolas e como é que se
consegue contratar, porque com este nível de desemprego, à volta de 7%,
em algumas áreas do país...
Alexandre Relvas
E depois, você há pouco falava daquele fosso. Isto é fosso. Por
exemplo, quadros de manutenção qualificados hoje são extraordinariamente difíceis de contratar, com
a evolução que teve o setor hoteleiro e a necessidade de terem
todos os técnicos de manutenção, porque um hotel não pode parar, levaram
técnicos de manutenção de múltiplos setores industriais e cria dificuldades. Portanto, é
difícil contratar técnicos, é difícil contratar mesmo pessoal para o nível da
operação. E, por exemplo, no setor agrícola eu já passei por esta
fase, já houve a frase em que houve centenas de milhares de
ucranianos e pessoas do leste na agricultura e hoje estamos a voltar
a uma fase que é diferente, mas que vem em Romênia, nos
moldavos, etc. Portanto, aí cá há dificuldade de contratação. Mas nunca senti
as relações laborais como uma restrição fundamental ou, deseva-lhe-mente, ilimitativa da competitividade
da empresa. Agora, tocou em três ou quatro questões que eu acho
que são fundamentais, mais uma vez, para reflexão. A primeira é a
injustiça desta legislação, que faz com que aqueles que tenham trabalho e
contratos estejam protegidos e aqueles que entram no mercado de trabalho ficam
em situações precárias. Porão dizer, não, isso é dos empresários que deviam
é fazer o descontexto. Sim,
Alexandre Relvas
portanto, é evidente. E tem que haver mecanismos, eu vou poder dizer,
a mião é os despedimentos coletivos, que a empresa pode alegar, mas
muitas vezes as empresas estão bem, mas mesmo assim, portanto, não têm
bons fundamentos para o despedimento coletivo e precisam de se reestruturar. Portanto,
este é outro tema, só deixo-te a reflexão, a injustiça e a
necessidade de sequer uma economia dinâmica de poder reorganizar em termos laborais.
O terceiro aspecto são os custos. Os custos de expedimento reduziram-se drasticamente.
Quando chega a despedimento os custos reduziram-se drasticamente com a legislação do
período atrpico, a sobre esses não vou entrar, acho que se conseguiu
um bom equilíbrio. Depois é os custos em tudo o que seja,
horas extras, horas suplementares, os limites de bancos de horas, etc. Aqui
se também põem limitações à empresa. Aí também houve uma evolução favorável.
Mas nestas áreas tem que se pensar se se quer partir para
uma realidade de reestruturação empresarial, de competitividade, se não temos todos a
ganhar mais em termos de emprego, em termos de proteção de todos
os trabalhadores, com uma legislação laboral em algumas áreas mais flexível.
Alexandre Relvas
Agora, o que ela é referida em todos estes estudos é, mas
muitas vezes sem apontar claramente quais são as áreas de mudança. Não
se pode dizer, tem que se flexibilizar os expedimentos e os expedimentos
não podem ser livres sob pena de criarmos uma economia em que
não há um mínimo de segurança e vamos criar bases de conflitualidade
social.
E aí as consequências seriam muito mais dramáticas do que esta situação.
Portanto, eu acho que é um tema que deve merecer reflexão. Se
for no âmbito de uma estratégia para reforço da competitividade, e que
pode ser compensada com horas de formação, há fatores que podem compensar
uma certa flexibilidade, se as empresas mais uma vez negociarem isto com
uma perspectiva, como a gente dizia há pouco, as associações empresariais podem
colocar isto não isoladamente, mas no âmbito de um conjunto...
José Maria Pimentel
Sim, para não falar disso, exatamente, estágios cumulativos. Sim, são estágios. O
que é curioso disto, e isto vai ao encontro daquilo que estávamos
a falar há bocadinho, é que a questão da flexibilização do mercado
de trabalho é dos pontos mais referidos. Este sim está presente no
debate político. E aquilo que me parece, e agora ao ouvi-lo fico
mais convencido disso, é que, independentemente de nós acharmos que se pode
fazer mais aqui não é claramente ou é difícil achar que é
o ponto, que é a pedra de toque, que é o ponto
mais importante, o que não deixa de ser estranho. De
Alexandre Relvas
volta àquele inquérito às empresas portuguesas. Não estou a falar, não é
análise estrangeira, o Inquérito às empresas portuguesas, a questão dos recursos humanos,
a questão do acesso a técnicos qualificados, despedimento, etc., é secundarizada em
relação àqueles temas todos que nós
falámos. Exato.
Portanto, aqui é da prioridade ao que é prioritário. Se calhar é
tema muito relevante para algumas empresas, mas transversalmente é capaz de não
ser tão relevante. Hoje, se calhar, as empresas estão com mais dificuldade
de contratação do que propriamente têm se reestruturado. Claro,
José Maria Pimentel
exatamente. Há outra coisa que eu tenho ouvido, que Inicialmente me surpreendeu
e depois confesso que fiquei curioso e tinha curiosidade de saber a
sua opinião, sobretudo porque não veio de onde se esperaria. Já ouvi
mais do que uma vez, mas digamos que não veio de onde
se esperaria. Esperar-se-ia que fosse uma medida proposta normalmente pelos partidos à
esquerda, porque tem que ver com o aumento do salário mínimo, mas
curiosamente não foi... Ouvi informalmente, mas não ouvi ainda daí. Que era
a proposta de um aumento do salário mínimo grande, estamos a falar
de um aumento para ir para 1000€. Com o argumento, quer dizer,
não há estudos que provavelmente comprovem isto, no fundo há dois argumentos
que se podem fazer em relação a isto. Um é dizer que
já há muitas empresas que no fundo não estão a pagar o
salário mínimo e, portanto, no fundo pagam por fora e aumentar esse
salário mínimo seria uma maneira de se centrar nos benefícios do Estado.
E outro argumento, que é um bocadinho mais indireto, mas não deixa
de ser interessante, é o argumento que tem a ver com aquela
questão da produtividade. É, no fundo, uma espécie de choque de produtividade,
de fazermos descolar de um paradigma de salários mínimos para um paradigma
de salários médios. É uma medida bem intencionada, vejo uma série de
limitações que pode ter, mas como já ouvi mais do que uma
vez, tinha curiosidade de saber o que é que o Alexandre
Alexandre Relvas
a falar de uma medida fora da caixa, digamos assim. Exatamente. E
eu, como lhe disse há pouco, não sou muito a favor de
rupturas porque os efeitos depois inesperados de algumas dessas medidas podem ter
consequências dramáticas. Portanto, prefiro, apesar da minha vida ser empresarial e do
risco de ser muitas vezes, porque está inderente à atividade empresarial, a
base da nossa atividade, em medidas desse tipo preferia não correr demasiado
risco. Agora, eu sou como empresário muitíssimo sensível à necessidade de aumento
do salário mínimo. 635 euros é inaceitável como salário. Eu sei que
é uma necessidade de algumas empresas, mas quem quer que seja sabe
que é difícil viver com 635 euros e que este é um
desafio nacional ao qual tem que se dar resposta. E quando há
pouco eu falava na questão da flexibilidade, por exemplo, da legislação laboral,
eu acho que era razoável que as associações empresariais pensassem em pacotes
integrados, como estávamos a dizer, em que se pode envolver a evolução
do salário mínimo, até mais rápido, mas tendo como contrapartida, por exemplo,
alguma flexibilização da legislação laboral para permitir uma dinâmica diferente dentro das
empresas. Temos de contrapartida uma formação mais ativa das pessoas, uma intervenção
das empresas em termos de formação das pessoas
Alexandre Relvas
Desqualificação. Portanto, tudo isto tem que ser visto de forma integrada. Agora,
acho que é um tema que tem que estar na agenda e
tem que conhecer uma evolução nos próximos anos e perceber perfeitamente a
preocupação de múltiplas entidades em relação a essa questão
do salário
mínimo. É um tema, muitas vezes, como referi em termos empresariais, uma
coisa é o salário mínimo, outra coisa é o ganho médio dentro
das empresas. Por exemplo, o salário médio em Portugal é 900 e
qualquer coisa euros, o ganho médio envolvendo subsídios, envolvendo os 16, 14,
tudo o que é, 1.300
Alexandre Relvas
das estações, são 1.300 e qualquer coisa euros. É um tema fundamental,
mas não ia para uma ruptura, mas penso que é, politicamente, é
um tema que qualquer que seja o governo, à esquerda ou à
direita, deve ter como objetivo. Aliás, se viu o meu texto, eu
acho que há três aspectos que contextualizam a atividade empresarial que nós
não podemos estar indiferentes. O primeiro é a qualificação, e não vou
voltar a falar da educação, sabemos. Embora na educação há dois temas
que hoje em dia não são muito falados e que eu acho
que era importante falar e que os empresários também podiam ter uma
participação ativa, que é todos os jovens que abandonaram o ensino secundário
e que não têm qualificações, porque
quando
o abandono escolar com menos do nono ano era 30% ou 40%,
isso levou a centenas de milhares de jovens que não estão qualificados.
São gerações perdidas, alguns dos quais ainda estão a meio da vida
profissional, ou muitos no início da vida profissional e que deviam ser
objeto de atenção. O segundo é os 23 ou 24% de jovens,
pelo menos é isso que diz a CDE, que têm um nível
de qualificação que não tem nada a ver com as funções que
estão a desempenhar. Tiraram cursos para os quais não encontram trabalho. É
algo também que penso eu deve merecer uma atuação, deve merecer uma
reflexão. Pois o segundo tema tem a ver com a natalidade. Este
país
é um país em envelhecimento, todos nós já discutimos isso, mas a
mim eu não ponho o envelhecimento só naquela questão da pirâmide e
de reinverter a pirâmide. Mas é a dinâmica do país, o entusiasmo
com que o país olha para o futuro, a capacidade do país
resolver os seus problemas. Um país envelhecido é um país cansado. É
um país que não vai ter capacidade de acompanhar esta dinâmica do
mundo de hoje. E, portanto, nós temos que abanar, de alguma forma,
nesse âmbito. E, portanto, não é só como é que se vai
pagar a segurança social ou como é que se vai ter mão
de obra. É o ambiente cultural, a vida neste país que se
vai transformar. É um país de velhos. A partir de certa altura
é um país de velhos. Um país de pensionistas. Pode ser essa
a escolha. Uma espécie de Disneylandia ou um parque natural gigante. O
Alexandre Relvas
Portanto, estes dois aspectos são relevantes. Mas o terceiro é a pobreza.
Este país tem níveis de pobreza que nos devem levar a que
o setor empresarial e todos, mas em particular o setor empresarial, olhe
para estes temas do salário mínimo de forma diferente. Nós temos níveis
de pobreza gerais do país, 17% das pessoas viverem com menos de
500 euros por mês, 17% com menos de 500 euros por mês,
que é o limiar de pobreza, é algo que é aterrador e
que deve ser objeto de reflexão, e em particular nos jovens. E
portanto, esta questão do salário mínimo tem que ser integrada neste domínio
e tem que ser integrada numa outra perspectiva que é hoje quando
se fala em sustentabilidade e as empresas cada vez mais valorizarem a
sustentabilidade, a sustentabilidade não é só o ambiente. Primeiro tudo tem a
ver com os trabalhadores e tem a ver com as comunidades em
que as empresas se inserem. Mas em primeiro tudo tem a ver
com os seus próprios trabalhadores e portanto em dar condições àquela comunidade
que depende de nós
Alexandre Relvas
Eu, foi um tema, quando você me falou, eu estive a pensar
e gostava de ter encontrado um livro sobre este tema, mas com
toda a sinceridade sobre o nosso tema, competitividade e competitividade nacional. Mas
resolvi encontrar um livro que me marcou e um livro que de
alguma forma trouxesse ou pudesse contribuir para que eu leia, para ser
otimista, para acreditar nas capacidades aqui da humanidade ou de um país
e que é um livro chamado o Iluminismo Agora, em defesa da
razão, da ciência, do humanismo e do progresso. Não sei se já
alguém
José Maria Pimentel
Exatamente, concordo. E o livro do Piqueiro gostei imenso, lembro-me várias vezes
aliás do livro. A conversa já vai longa, mas não resisto a
fazer ainda uma última pergunta em relação ao papel dos empresários e
não só, mas ao papel dos empresários na sociedade. E uma das
coisas que é peculiar em relação a Portugal é que nós temos
uma tradição baixa de filantropia ou de mecenato, o que quer que
lhe queremos chamar. Temos um caso muito conspícuo, que é o da
Fundação Gulbenkian, cujo fundador nem sequer era português, portanto até nesse sentido
é conspícuo. E é uma fundação enorme, em termos de dotação é
a 9 ou 10 do mundo, é gigante. Mas é um facto
que não temos essa tradição. E é curioso, porque eu até estava
a ler um artigo que depois lhe enviei e que me deixou
a pensar porque o artigo pegava no exemplo do Amâncio Ortega, salvo
erro, do dono da Zara, do grupo Inditex, que tinha feito ou
ia fazer uma doação de uma porcentagem brutal da riqueza dele, da
fortuna dele, da mesma forma que o Bilguete se fez e que
muitas outras pessoas fizeram nos Estados Unidos. Aquilo ia recolher no fundo
exemplos portugueses e havia exemplos, e há exemplos de fundações criadas em
Portugal, várias quando o testamento, o que é curioso também em si
mesmo, e dava até o exemplo de um empresário que eu não
vou nomear mas que é muito conhecido e que tinha de facto
uma atividade de mecenato e ele dizia uma frase que me
deixou pensar.
O Lanterre. Exatamente. Ele dizia, eu faço mas não digo nada, não
ando a publicitar. O que inicialmente é aquilo que pareceu-me perfeitamente natural,
porque tem a ver com a nossa ética católica, quer dizer, sendo
crentes ou não, ou seja, culturalmente temos essa ética de modéstia, de
não nos estarmos a agabar, mas neste caso é perverso, porque neste
caso o que faz é não dar o exemplo. Aquilo que devia
acontecer é, se um empresário que conseguiu acumular riqueza decide fazer-me cenato,
o que ele deve fazer é dar o exemplo, é falar daquilo
para dar o exemplo a outras pessoas. Tenho pensado muito sobre isso.
Qual é a realidade, não é? Tenho pensado muito sobre isso e
Não sei
Alexandre Relvas
solidariedade. Mas se for a comunidades pequenas, é impressionante o espírito de
solidariedade. E neste período que nós vivemos difícil, só foi possível viver
sem conflitualidade social e sem miséria, com 800 mil desempregados, nas estatísticas,
porque com certezas eram mais, se não houvesse um espírito de solidariedade
forte. E a mesma forma, quando se pensa num país com 17%
de pobreza, é porque há instituições, há múltiplas instituições de solidariedade e
há múltiplos atos de solidariedade. Eu, quando começo a ouvir falar sobre
esta perspectiva nova do setor empresarial e dos stakeholders. Penso sempre nesta
minha dualidade como empresário. Eu estou ligado a uma grande empresa que
vende 600 milhões de euros e que tem uma intervenção mais global,
mas estou ligado também a intervenções mais regionais e conheço o mundo
empresarial nas pequenas comunidades ou nas vilas ou em pequenas cidades. E
aí os exemplos de solidariedade dos empresários são impressionantes porque não precisaram
que ninguém lhes viesse dizer que têm um sentido de valor partilhado
com aqueles que trabalham com ele e com a comunidade em que
vivem. Eles são os homens que apoiam a casa do povo. Eles
são os homens que apoiam alguém que tem que vir ser operado
a Lisboa. Eles são os homens que apoiam os miúdos que têm
que vir estudar, muitas vezes da pequena vila para uma capital regional.
São os homens que fazem os parques para crianças, o parque de
desporto. E isto é espalhado por todo o país. E é anónimo
porque é natural. Não é algo... Mais uma vez eu volto ao
domando...
Alexandre Relvas
os noticiários, mas é espontâneo, é natural, ninguém está à espera. Eu
não vou fazer isto para mostrar, porque muitas destas grandes entidades falam
demais dos projetos que estão a fazer. São extraordinários e ainda bem
que os levam a cabo. Mas aqui é um filantropismo anónimo. Isto
é solidariedade, mas feita naturalmente, porque a vida... Como eu disse há
pouco, a empresa é quase uma extensão de nós, quando nós pensamos
em termos regional, e o compromisso com a comunidade é total, porque
a comunidade não tem meios e muitas vezes vira-se para si, porque
não é o Estado que espera que resolvam alguns destes problemas. Portanto,
eu diria que a filantropia empresarial, mas como é do cidadão comum
do mais pobre, é generalizada, é feita naturalmente e tem a ver
com uma característica profunda dos portugueses que são muitíssimo solidários. E são
tanto mais solidários quanto menor é a comunidade em que se ensina.
Isso é natural. Hoje na grande cidade nós perdemos muito desta natureza.
Embora quando se pense em algumas paróquias, quando se pense em algumas
freguesias em que ainda há uma grande proximidade entre as pessoas, a
solidariedade é forte, mas quando se vai para meios pequenos, esse atravessouro
do empresário é natural. Portanto, ele não vai falar porque ele não
está a fazer aquilo com nenhum segundo sentido.
Alexandre Relvas
Agora, há outra escala, porque ele também tem uma outra dimensão, Delta
é uma empresa extraordinária, há outra escala, há múltiplos exemplos desses, e
eu conheço múltiplos exemplos, pessoas que apoiam crianças e estudos ao fim
da tarde, em ludotecas e naqueles ATLs, pessoas que apoiam a Casa
do Povo e que servem refeições na Casa do Povo. Portanto, há
de pequenos atos a grandes gestos extraordinários, anónimos e contínuos. Agora, este
país não acumulou riqueza e uma parte da riqueza foi destruída com
a Revolução, depois com estes erros que se cometeu e que levaram
a Abril de 2011. E essa acumulação, o não haver essa acumulação
de líquidos, ele leva a que também não haja capital. Se não
há capital para manter as empresas nacionais, nós deixámos sair a grande
parte das empresas, é outro tema que podemos ter falado para o
exterior, também não há para criar grandes fundações. Claro. Mas mesmo ao
gusto
José Maria Pimentel
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de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a
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descrição deste episódio. Agradeço em particular a Carlos Martins, Gustavo Pimenta, Eduardo
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Joana Farialve, João Baltazar, Mafalda Lopes da Costa, Rogério Jorge, Salvador Cunha
e Tiago Leite. Até ao próximo episódio.