#85 Pedro Teixeira - A nova vida dos psicadélicos como meio para compreender a mente humana e...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Manípa Mentele e este é o 45°. Neste episódio voltamos aos temas normais, isto é, saímos do coronavírus, para falar sobre substâncias psicadélicas com Pedro Teixeira, que é professor catedrático de nutrição, exercício e saúde na Faculdade de Nutricidade Humana da Universidade de Lisboa. Nos últimos anos, o convidado juntou o interesse de sempre por formas de melhorar a nossa saúde mental e física a experiências transformadoras que ele próprio teve com substâncias psicadélicas, o que o levou a envolver-se em várias iniciativas na área, desde a escrita de artigos, à participação em iniciativas de divulgação científica para o público em geral, sobre o potencial destas substâncias. Potencial esse que ainda é pouco divulgado, mas que também está ainda longe de ser completamente compreendido. E, de facto, foi nos últimos 10, 20 anos que ressurgiu o interesse científico pelo potencial dos psicadélicos em vários campos da ciência. Neste curto espaço de tempo, em termos científicos, a investigação tem vindo a revelar o enorme potencial destas substâncias não só para ajudar a compreender o funcionamento da mente humana, começando pelo eterno mistério do que é a consciência humana, mas também em aplicações com impacto mais direto, como por exemplo no tratamento de uma série de doenças psiquiátricas, como a adição à ansiedade ou mesmo à depressão. A par deste crescente interesse de neurocientistas e psicólogos, que está em franco crescimento, vive-se hoje também um entusiasmo cada vez maior por parte de um público mais vasto que é cativado por estas substâncias pelo seu potencial de autodescoberta. O ponto de viragem neste processo foi o livro How to Change Your Mind, Como Mudar a Sua Mente, que o jornalista e professor universitário Michael Pollan lançou recentemente em 2018 e que conta a história do uso e da investigação destas substâncias e, mais recentemente, da sua redescoberta pela investigação científica. A história dos psicodélicos é, aliás, fascinante em si mesma. Tal como falamos no início da conversa, já no passado a investigação nesta área tinha revelado sinais muito promissores, ao ponto de ter chegado a ver quem afirmasse que a descoberta do potencial dos psicadélicos para compreender a mente humana era comparável à revolução que significou para a biologia a invenção do microscópio ou para a astronomia a invenção do telescópio. No entanto, o uso indiscriminado dos psicadélicos durante a chamada contracultura dos anos 60, e sobretudo uma campanha deliberada movida pelo governo americano da época, conduziram à ilegalização destas substâncias em muitos países e, por conseguinte, à interrupção da investigação científica que só foi retomada no início deste século. Na verdade, hoje sabe-se que os psicadélicos são em geral seguros do ponto de vista farmacológico, embora existam riscos psicológicos quando o contexto de utilização não é o adequado. Por exemplo, uma tripe mal enquadrada pode prejudicar a saúde mental da pessoa e há ainda casos, embora sejam extremamente raros, de pessoas que num estado alterado de consciência e sem terem ninguém por perto, tiveram acidentes. Durante a nossa conversa falámos sobre isto e muito mais. Explorámos, por exemplo, em mais detalhe, o modo como os psicodélicos atuam na fisiologia e funcionamento do nosso cérebro. Falámos de como é a experiência pessoal de alguém que toma psicadélicos e foi muito interessante ouvir o convidado relatar as suas próprias experiências de viva voz. Falámos também de um aspecto particularmente curioso que é o facto de muitas pessoas que tomam psicadélicos terem experiências transcendentes ou espirituais e sobre o que isso pode ou não significar. E finalmente discutimos a comparação entre este e outros métodos que também permitem formas alteradas de consciência, tais como, por exemplo, a meditação. E falámos ainda do potencial da chamada microdosagem. E pronto, deixo-vos com o Pedro Teixeira e este tema fascinante. Estou aqui com o Pedro Teixeira. Pedro, bem-vindo ao podcast. Bom dia, olá. Olha, vou começar por te perguntar, que acho que é o ponto óbvio de começo, tendo em conta que muita gente não saberá do que é que estamos a falar, o que é que são exatamente substâncias psicadélicas? E se me conseguires fazer também uma taxonomia, ou seja, um mapa das várias substâncias que existem, isso era ótimo porque depois, provavelmente, na conversa, haveremos de voltar aí.
Pedro Teixeira
Sim, faço com todo gosto. Deixa-me só fazer um pequenino disclaimer inicial, até porque vamos entrar em alguns assuntos técnicos e eu acho que é útil dizer que eu não sou um especialista nem em drogas, nem em neurociência, nem em farmacologia, nem tão pouco em psicologia e terapia e portanto vou... Sou um académico e nesse sentido tenho algum interesse técnico pelos assuntos, mas pronto, estou aqui como um curioso, digamos, um bocadinho mais bem informado, mas vou tentar. As substâncias psicodélicas fazem parte de substâncias ou drogas psicoativas que atuam no nosso cérebro, portanto Nesse grupo estariam todas as drogas que nós conhecemos, cocaguinas, heroínas, canábis e muitas outras. Estas têm algo que as distingue, embora não seja um assunto completamente preto e branco, mas o que as distingue é atuarem num sistema particular de serotonina, ou num sistema da serotonina, e através de um receptor particular de serotonina. Esse efeito dá-lhes, digamos, um conjunto de características particulares, que depois vamos falar com certeza a seguir, que é diferente de muitas outras drogas ou de todas as outras drogas. E, portanto, em termos técnicos, os psicodélicos são substâncias psicoativas que atuam no sistema de serotonina de uma forma muito particular. Num receptor de... A serotonina tem imensos receptores. A
José Maria Pimentel
serotonina, que é um neurotransmissor do cérebro e que tem uma série de funções, no fundo, de canalizar sinais
Pedro Teixeira
do nosso cérebro. É um dos nossos sistemas... Pelo corpo, aliás. Exatamente. É um dos nossos sistemas mais antigos, está connosco quase desde a origem da espécie e por isso tem uma ação muito complexa e muito pervasiva também. Atua de facto em muitos sistemas do nosso corpo e no nosso cérebro, no nosso funcionamento, no nosso comportamento tem um papel importantíssimo que ainda não é completamente compreendido. E portanto, estas substâncias ao atuarem nesse sistema têm também um conjunto de efeitos que são poderosos, são complexos que estão a ser estudados também, mas alguns já os vamos conhecendo e explicam porque é que estamos hoje aqui a falar destas drogas. Se calhar posso dizer quais são. Normalmente designam-se como psicadélicos clássicos, são aqueles que têm esta função mais clara, o LSD, a psilocibina, que está nos cogumelos mágicos e também nas trufas mágicas, O DMT, que é um composto que está na bebida ayahuasca. E o quarto é um que não se fala tanto, que é a mescalina, mas curiosamente até foi o primeiro a ser promovido e divulgado para as massas. E portanto, estes quatro têm esta função clássica que eu descrevi antes e são considerados os psicodélicos clássicos. Depois temos algumas outras substâncias, as mais faladas hoje em dia são a ketamina, que é um anestésico, e o MDMA, que é o ecstasy, no fundo é o nome químico do ecstasy, se for puro, tem funções comparáveis às dos psicodélicos, influenciam também o nosso sistema de serotonina, mas não exatamente da mesma maneira. E
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é engraçado porque nós temos aqui origens diferentes, quer dizer, todas elas são isoláveis quimicamente, mas pelo menos em termos do consumo eles têm aqui duas origens diferentes, não é? Porque há aqui parte deles que foram descobertos mais ou menos em laboratório, o LSD é o caso mais conspicuo disso, e outros existiam mais ou menos na natureza. Eu acho que até um bocado estranho, porque aquilo vinha dos índios que misturavam raiz de uma planta qualquer com outra coisa de outra, que nem sequer cresciam no mesmo sítio, portanto é um bocadinho até bizarro como é que eles descobriram, mas isto para dizer que uns surgiram na natureza enquanto outros foram descobertos em laboratório, não é?
Pedro Teixeira
Sim, a origem destas substâncias é um livro em si mesmo, porque são histórias interessantíssimas e como tu dizes as origens são diversas. Eu gosto de pensar, antes de mais, que isto tudo vem de todas as plantas. Mesmo o LSD foi descoberto como o químico Albert Hoffman que estava a investigar estava a investigar um fungo de um cereal e portanto a partir daí depois há derivações, há manipulações químicas que resultam em moléculas um bocadinho diferentes. E ajuda, depois talvez a gente volte a este tema mais tarde, porque esta divisão entre químicos e substâncias naturais para mim tem pouca relevância, tem pouca utilidade. Sim, sim. Pessoalmente neste meio dos psicodélicos ainda é muito, às vezes é difícil de passar. Mas sim, dos mais antigos, nós temos evidência muito antiga da utilização quer de snuffs, portanto de pós que eram inspirados, que eram ingeridos parecidos com a ayahuasca ou com DMT mesmo isolado, derivado de uma planta. Temos até o caso mais bizarro de um veneno de um sapo que também contém uma espécie de DMT, o 5-MeO5, ou DMT que também... Ninguém consegue perceber como é que alguém alguma vez testou um veneno de um sapo, um entre milhares de sapos e verificou que aquele composto tinha potencial psicoactivo. E depois de facto temos a história mais moderna, no século XX, em que estes compostos começaram a ser isolados, sintetizados e isolados. E aí começou com a mescalina primeiro, que foi promovida pelo Aldous Huxley, como sabemos, e suas experiências que estão relatadas no livro As Portas da Perceção. E depois mais tarde a psilocibina e a LSD, não por esta ordem, a ordem é a inversa.
José Maria Pimentel
É laboratório, exatamente. Então explica-me mais ou menos a história destas substâncias, sobretudo na sociedade contemporânea, não é? Ou seja, acho que era possível recolher da natureza, já eram usadas desde tempos mais ou menos imemoriais e de certa forma é quase impossível sabê-lo, mas no século XX elas entram no ocidente de forma a se tornarem muito utilizadas a certo ponto e depois entram mais ou menos em desgraça. Eu acho que seria importante ter esse background para depois falarmos mais especificamente dos efeitos e deste ressurgimento agora nos últimos anos. Bom, novamente, e o livro do Michael Pollan relata todo este
Pedro Teixeira
processo em detalhe delicioso, porque há muitos personagens, há muitas derivações, há muitas... Enfim, a história deambula, sobretudo nos Estados Unidos, mas começou até em parte na Europa e ainda na Suíça. Mas vamos tentar sintetizar. Estes compostos começaram de facto a ser sintetizados no início até do século passado. Depois mais nos anos 30, anos 40, com a produção do LSD e da psilocibina, eles começaram a ser usados com finalidades terapêuticas primeiro na Suíça e depois por todo o mundo, porque a Sandoz exportava estes compostos gratuitamente para laboratórios que quisessem usá-los por todo o mundo. E o objetivo era testar a mente humana, essencialmente. Havia objetivos diferentes. Primeiro havia uma perspectiva mais ligada à psicose, replicar a psicose, e depois mais tarde começou-se a perceber através de algumas experiências que de facto o poder de compreender a mente através destas experiências era enorme e sobretudo com finalidade terapêutica. Portanto, nos Estados Unidos começaram-se a desenvolver estudos científicos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa também, mas os Estados Unidos pela sua dimensão teve aqui um papel importante. A Sandoz enviava quantidades substanciais de LSD em particular para laboratórios nos Estados Unidos que testavam em doentes, em psicoterapia, em doentes com adiçes, com dependências, etc. Depois nos próprios Estados Unidos começou a haver uma linha de desenvolvimento própria de alguns destes compostos e outros derivados que no fundo criaram uma área científica normal, sobretudo na terapia e na psicologia clínica. E a coisa funcionava normalmente, quer dizer, os resultados eram permissores, havia clínicos que usavam já nas suas clínicas, digamos assim, com clientes com tempos normais e havia também muitos grupos de investigação que investigavam estes assuntos, estes temas. E de facto havia muita promessa, havia uma expectativa muito grande porque o poder transformador, o poder terapêutico destas substâncias começava a ficar claro e não havia nenhum estigma associado, quer dizer, eram drogas como outras quaisquer, como hoje nós testamos para muitas outras condições. Portanto, tudo normal. Claro que naquele momento estas distinções não eram tão claras, os clínicos, os psicólogos usavam sem grande... De uma forma mais despreocupada do que hoje aconteceria, não é? Se aparecesse um fármaco novo, provavelmente hoje não tínhamos psicólogos a usá-los assim calmamente com os seus casais, com os seus grupos, porque hoje as coisas estão mais reguladas. Naquele tempo não era assim, para o melhor e para o pior. Mas de facto o potencial era muito grande. Nessa altura o que acontece é que este potencial acaba por sair do laboratório, acaba por sair das unidades de investigação, das faculdades e começa a ser usado também pela população, difundido por um conjunto de pessoas que entenderam que havia aqui, digamos, uma agenda social interessante. Portanto, este, nomeadamente o LST, neste caso estamos sobre tudo a falar do LST, ele começa a ser utilizado pelas elites culturais na altura, por músicos, por poetas, por pessoas que influenciavam os jovens numa altura em que não havia muitas outras maneiras de influenciar a não ser estes meios que eu acabei de dizer, na estrutura da música, e a poesia e a escrita. E os efeitos destas substâncias eram de tal maneira que começaram a influenciar a cultura de uma forma marcante. Há quem diga que o peso que o LST, os psicodélicos tiveram na cultura moderna popular recente é notório e perdura até hoje. Na música, na escrita, nas artes, na pintura. Isso foi muito importante e deixou uma marca que ainda hoje perdura. Quando tu dizes isto, desculpa interromper, o que queres
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dizer é que no fundo inspirou quadros conhecidos ou poemas conhecidos ou livros conhecidos que resultaram no fundo de trips, não é? Sim, de uma forma ou de outra. Pode não
Pedro Teixeira
ter sido diretamente, as pessoas às vezes idealizam um bocado no sentido em que alguém toma uma substância e às tantas produz uma obra fantástica. Nem sempre é assim. Temos o caso dos Beatles, por exemplo. Os Beatles, é sabido, eles próprios confessaram entre dentes às vezes, mas confessaram que o seu trabalho e o álbum Sgt. Pepper's, claramente, foi influenciado por experiências que estes músicos tiveram com estas substâncias, não quer dizer que estivessem a tripar quando estavam a produzir estas músicas. Agora, a capacidade de abrir horizontes, de flexibilizar a mente, de aumentar a criatividade, de nos levar para sítios muito especiais que estas substâncias têm, influenciaram a cultura, a música e as artes. E até aí também tudo bem, até aí estávamos todos bem. O problema é que depois, como às vezes acontece, entraram aqui em cena alguns evangelizadores, porque às vezes estas substâncias também, isto é uma história gira, porque às vezes estas substâncias quando são usadas por pessoas ou em contextos menos acompanhados podem levar a alguns delírios de grandeza, vamos dizer assim. E algum narcisismo e alguma incapacidade de ter perspectiva sobre si próprio. Pensa-se que aconteceu isto com Timothy Leary, que era um psicólogo, que começou a usar em estudos em Harvard, primeiro, mas depois... Há um filme muito cheiro que saiu há pouco tempo, que depois podemos falar sobre isto, mas que pensa-se que ele próprio não estaria preparado completamente para integrar estas experiências na sua vida e por dificuldades que ele próprio tinha na sua identidade e na sua vida, que era uma vida difícil na altura, separado com a filha, creio eu, e depois de ter tido algumas experiências marcantes, entendeu que tinha na sua mão o potencial de mudar o mundo e dedicou-se a difundir os psicodélicos de uma maneira muito pouco criteriosa, não é? Portanto, no fundo, a apelar às massas para tomarem psicodélicos em grandes doses e para se revoltarem contra o sistema atual, naquela altura, que era um sistema opressivo e era um sistema, enfim, marcado pelas investidas militares dos americanos, etc. No Vietnã, mesmo. Exatamente. E isto aconteceu numa altura em que o governo era um governo conservador, era um regime que tinha problemas, como se viu na guerra de Vietnã e como se viu até com a saída do Nixon e da maneira como ele saiu. E, portanto, viram aqui uma ameaça muito grande. Nós sabemos como é que essa história acabou, mas na altura o Nixon era popular e iniciou uma guerra às drogas que, no fundo, não era mais do que uma guerra à revolta estudantil e à revolta política de esquerda. E pronto, isto tudo acabou mal porque acabou com o Nixon a criminalizar tudo o que eram drogas, tirar o financiamento a tudo o que era investigação e até financiar ou promover no mínimo uma campanha nos mídias difamatória e uma campanha discriminatória e muito alarmista que acabou por perdurar até hoje. E no fundo o LSD passou a
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ser um mal social. Sim, com os efeitos. Exato,
Pedro Teixeira
que foram inventados na maior parte dos casos porque sabemos que 90 e tal por cento daquelas histórias não existiram de facto e já houve até uma história interessante que há um adido do Nixon, um político que trabalhou com ele, que disse publicamente uns anos mais tarde que sabia perfeitamente que era mentira o que estavam a dizer mas que o fizeram com objetivos políticos. A partir daí entra-se numa fase de obscuridade, que é uma fase em que basicamente a investigação morreu, o assunto não era mais discutido na imprensa porque os mídias desistiram do assunto porque ele era mal visto pela sociedade e ficou arrumado como um assunto perigoso e mal dito e não possível de ser tratado e pronto, o assunto morreu. E o Michael Pollan diz, e bem, que não se lembra de haver um processo similar na história da ciência como este em que milhares de estudos foram perfeitamente abafados e escondidos e ignorados durante décadas. Estudos que eram válidos cientificamente e, portanto, não há mais nenhum exemplo na história de um ramo da ciência ter sido, por razões políticas, completamente esquecido, ignorado e desaproveitado no sentido em que tinha um papel social importante e hoje em dia estamos a ver a manifestar.
José Maria Pimentel
Boa, tu abriste aí uma série de campos que é interessante explorar. Ocorreu-me quando estava a ouvir falar do papel dos psicodélicos e do LSD em particular nas elites culturais,
Pedro Teixeira
digamos assim, ocorreu-me se saberás, dizemos portugueses, disso, que eu presumo que também tenha havido. Pois olha, não sei, com toda a franqueza, não sei mesmo como é que em Portugal o assunto foi vivido. Eu sei que houve pelo menos dois investigadores que deram uns passos neste sentido um deles o Emílio Salgueiro que até foi retratado recentemente numa peça no Expresso que fez a sua tese de crericulaturamento nesta área com psilocibina e há mais um ou outro caso penso eu Mas foram casos pontuais que penso que não tiveram na altura um impacto social, cultural marcante. Portanto, até hoje, mas repito, eu não sou um grande historiador também, normalmente não sou tão interessado por essa temática.
José Maria Pimentel
Eu perguntava-te até mais de artistas ou de escritores ou intelectuais cuja obra refletisse também de certa forma terem passado por aí, mas não deve ser muito fácil fazer essa arqueologia. Não, porque eu acho que
Pedro Teixeira
na altura nós vivíamos num período também tão difícil como sabes, não é? Nos anos 60 e tão fechados do mundo que eu suspeito que, com algumas exceções que devem ter existido com certeza, o acesso às substâncias cá em Portugal devia ser
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muito... Não tinha chegado a ser muito, não é possível.
Pedro Teixeira
E as pessoas que viajavam e que traziam, etc. E eu até vivia no meio, porque os meus pais eram uma espécie de hippies dos anos 60, entre aspas, não eram nada hippies, mas eram... Estavam muito
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ligados aos movimentos
Pedro Teixeira
estudantis e enfim, formaram-se em Coimbra, naquela altura da revolta estudantil e portanto, tiveram-se envolvidos no 25 de Abril e eu não me lembro de se falar em drogas, sabes? Não me lembro de se falar em substâncias... Era muito pela via da música, na altura, até do desporto, curiosamente, porque o meu pai era um desportista, na altura, E menos pela via, digamos, da produção artística. Porque eu até me lembro, e tive contacto próximo com pessoas como o Fernando Toro e o Paulo Carvalho, que eram grandes líderes de música popular na altura. Até onde é que se podia ser na altura em que não havia internet, não havia rádio. E eu não me lembro nada de haver estados alterados de consciência que não fossem com álcool
José Maria Pimentel
e mais nada na prática. Sim, eu acho que a nossa revolução estudantil devia ser muito baseada em álcool. Ou era mais esse o catalisador. Bom, mas olha, então avançando, tu falaste no fundo dessa desinergência que aconteceu e eu acho que também, há um aspecto que não falaste mas eu acho que também teve alguma coisa a ver com isto que foi, pelo menos a impressão que eu tenho, no fundo aquilo que me foi chegando à medida que eu próprio, fui adolescente, jovem e cresci no final dos anos, no final do século XX e início do XXI, que é para lá da questão do Timothy Leary dessa via de mudar o mundo através da prescrição de psicodélicos, e já lá vamos, e isso tenho ideia que até não chegou particularmente, havia muito uma associação dos psicodélicos à noite, ou seja, de... No fundo, excessos, embora depois, lá está, e nós já vamos ver isso, os efeitos diretos sejam muito pálidos comparativamente com drogas, digamos, a sério, nesse sentido, como a cocaína ou a heroína, a verdade é que eles estavam mais ou menos no mesmo saco. Independentemente de uma carga moral conservadora, mesmo alguém que não a tivesse não veria isso com especiais bons olhos porque era um caminho que podiam ser muito recomendável, basicamente deixar de ter uma vida normal e começar a passar a vida só a sair à noite em trips cada vez mais excêntricas, digamos assim.
Pedro Teixeira
Sim, essa é uma realidade mais depois, que aconteceu depois, mas posterior no tempo. Eu penso que na altura dos anos 60, 70, Era tudo durante o dia, era tudo em festivais de música, uma à noite. Mas o tipo Grateful Dead, o tipo Woodstock, e Doors e coisas desse tipo. Ah, isso é curioso. Portanto, aí a associação era mais, digamos, à revolta dos estudantes, ao movimento hippie, ao movimento dos direitos civis, etc. Mais tarde, o que acontece é que com a criminalização das substâncias, obviamente que aparece um mercado paralelo, aparece o mercado underground, aparecem produtores, enfim, de vários tipos, que começam a fazer circular substâncias, estas substâncias e outras, que entretanto depois foram criadas ou foram produzidas e começam a aparecer na cultura underground. E aí sim, nos anos 90, sobretudo, aparecem associadas à noite e começam a aparecer, nomeadamente o MDMA, o Ecstasy, e outras que entretanto foram sintetizadas de várias maneiras. Há histórias muito interessantes também. Há um falante chamado Sasha Shogun, que era um químico, que foi quase o único que durante anos conseguiu produzir centenas de químicos análogos de algumas destas substâncias. E ele era um pioneiro, digamos assim, fazia na sua garagem, fazia imensos químicos, mas tinha uma autorização como ele era químico e deixaram-no trabalhar durante muito, muito tempo e alguns destes químicos passaram a ser, foram conhecidos, foram usados e depois apareceram na noite, apareceram no, começaram a aparecer em Nova Iorque e em Berlim, acho que na Holanda até na altura, em Berlim talvez mais tarde, mas sobretudo em Nova Iorque, na cena de Nova Iorque e em São Francisco, por exemplo, também. E aí sim começaram a ser vistos como associados à cultura da noite, como tu dizias. E depois aparece também um mercado paralelo, não é? Que acaba por promover, ou seja, disseminar, publicitar estas substâncias como sendo substâncias cool, sendo substâncias que a malta nova e a malta mais progressista consome à noite. E novamente, como tu dizes, isto volta a estar numa outra cultura marginal, não é? Que não é acessível ao mainstream, mas é acessível apenas a uma elite cultural que faz dela uso durante décadas e de uma forma relativamente segura. Portanto, não se conhecem muitos casos de muitos problemas com estas substâncias. E de certa maneira isso perdurou até aos dias de hoje, essa cultura não mudou, as substâncias vão mudando. Depois o MDMA que apareceu mais tarde também foi criminalizado e também foi, novamente agora com menos sucesso, Porque neste momento já tínhamos internet, já tínhamos outros meios. Mas também foi proscrito, também foi ilegalizado, também foi... Eu lembro-me de, aqui há 5 ou 6 anos, a gente ouvia, ouvíamos isto na imprensa sobre as histórias do Exxas e como o Exxas estava a cada arcabo da juventude, estava a queimar os cérebros dos nossos jovens. Não é nada verdade. De facto, isso não acontece de
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todo. Pois, mas esse é um aspecto interessante, não é? Porque o efeito sobre o comportamento é discutível e eu acho que há vários argumentos válidos a utilizar nesse sentido, Mas uma coisa que distingue os psicodélicos é ter um grau de toxicidade, neurotoxicidade residual. Ou seja, ao contrário até do álcool, que o álcool tem um efeito tóxico sobre o cérebro, no sentido de destruir ligações no teu cérebro, portanto vão-te tirar capacidades. E os psicodélicos não fazem isso. Ou pelo menos, do que eu saiba, não há praticamente exemplos de overdose, por exemplo. Sim, os psicodélicos clássicos, aqueles 4 que eu
Pedro Teixeira
falei há pouco, têm de facto uma toxicidade muito, muito baixa. São praticamente inertes do ponto de vista fisiológico. Agora há alguns estudos mais recentes que mostram que também podem provocar algumas elevações na frequência cardíaca e na pressão arterial mas de facto não se conhecem consequências negativas fisiológicas destes 4 compostos o LSD, a psilocibina, ou seja, os gudmelos, mesmo a ayahuasca. Isto de ponto de vista fisiológico, atuam no cérebro e atuam no cérebro de uma maneira muito benigna do ponto de vista da saúde física, digamos assim. Portanto, não deixam marcas, não causam overdose, não causam ressaca, não perturbam de forma definitiva ou de forma estável o nosso funcionamento a nível fisiológico, digamos assim. Já algumas outras, como é o caso do MDMA ou o ecstasy, há muito desconhecimento, na verdade, na matéria hoje em dia, há muita discussão acerca deste assunto, mas já não é tão inerte fisiologicamente e há alguma indicação de que, tomado em grandes quantidades, formas repetidas, alguns estudos que mostram que tomas repetidas durante muitos anos podem encarretar alguns problemas de toxicidade neuronal.
José Maria Pimentel
Mas daí já não é um psicodélico puro, não é?
Pedro Teixeira
Não é um psicodélico clássico, tem uma outra cadeia de efeitos que podemos falar porque é uma substância interessantíssima, talvez a mais interessante de todas até, mas não tem esse perfil de segurança tão grande, mas repito, estamos a falar, como tu dizes Iber, comparado com outros tóxicos que nós ingerimos de forma tão normal, digamos assim, na sociedade, o perfil de risco é um perfil baixíssimo. Porque, como diz um colega, um estudante inglês muito conhecido, Ben Sessa, ele diz que todos os fins de semana em Londres, diz ele que há para aí 20 mil ou 30 mil tomas de MDMA nas discotecas em Londres. E com MDMA, atenção, ou com Ecstasy, que é uma substância que pode acarretar alguns riscos. Nós temos 10 mortes por ano no Reino Unido e é por questões que são completamente evitáveis. Porque as pessoas estão em ambientes completamente desadequados para fazer seja o que for, quanto mais tomarem uma substância destas. Ou porque não se hidratam, ou porque misturam com outras coisas, enfim. Ou porque tomam mesmo uma overdose por engano, por exemplo. Aquilo que acontece mais vezes. Portanto, o MDMA, isto é importante referir, o ecstasy, sujeita-se a overdoses, portanto é possível, sobretudo quando as pessoas se enganam na dose, ou quando são enganadas por aquilo que tomam, podem ter uma overdose e pode ser fatal. E portanto aí é preciso um bocadinho mais de cautela e rigor. Aliás, em toda, já vamos falar dos riscos que vão ser
José Maria Pimentel
a seguir. Sim, já vamos falar disso.
Pedro Teixeira
Exato, tem aqui muitos avisos. Deixamos só reforçar essa comparação com a nossa atitude. Acho que era aí que querias chegar. A nossa atitude face a estas substâncias, comparado com a nossa atitude face a substâncias legais como são o álcool e o tabaco, entre o dia e a noite, porque vemos todas as drogas digamos assim psicoactivas como sendo muito prejudiciais à saúde e depois vemos o álcool e o tabaco como sendo algo normal, acessível, que culturalmente é aceito, tolerado. E de facto, não só estas substâncias, o álcool e o tabaco em si, enfim, os benefícios que têm para nós, para as nossas interações sociais, para o nosso bem-estar e felicidade, são muito discutíveis. O álcool podemos dizer que tem algum papel lubrificante social, e há quem tenha assim as teorias acerca disso, que pode ter algum papel positivo, mas de facto são substâncias que não têm um papel no bem-estar, na saúde, não melhoram a nossa vida de forma estável. Essa é uma parte, enquanto os psicodélicos
José Maria Pimentel
parecem ter um papel potencialmente superior. De forma direta, sobretudo. Exato.
Pedro Teixeira
E depois tem o perfil de risco, quer dizer, as mortes e o sofrimento e os custos de saúde e as doenças associadas ao consumo de álcool e tabaco, é claro que são consumidos em número muito superior àquilo que os psicodélicos são consumidos hoje em dia, mas são pragas de saúde pública hoje em dia. O dinheiro que nós gastamos todos com o tabaco e com o álcool é uma coisa impensável e, portanto, há aqui muito caminho a percorrer na normalização da nossa atitude face às drogas.
José Maria Pimentel
Claro. Eu acho que está na altura certa porque nós já levamos aqui algum tempo de conversa e quem nos estiver a ouvir pode estar também a questionar de que é que nós estamos a falar exatamente quando ou por outro qual é que é o upside disto, não é? Porquê o interesse neste tema e porquê por exemplo falavas há bocadinho do Timothy Leary e da ideia de mudar o mundo através dos psicadélicos e nós ainda não Falámos do que é que é a experiência, que eu não conheço diretamente, mas tu tens essa experiência direta, o que é interessante. Quais são as experiências com os psicodélicos e porque é que isso gera vários benefícios, ou pode gerar vários benefícios e levou um tipo como o Timothy Leary, que era um académico, a entusiasmar-se aquilo ao ponto de achar que ia mudar o mundo através dos psicodélicos. O que é que é, Que tipo de experiência é que isto dá? Sendo que ela varia muito pessoa para pessoa e essa é uma dificuldade em entender, não
Pedro Teixeira
é? Mas no fundo, qual é que é o upside? Sim, se calhar antes da experiência em si, há bocado acabei por não contar essa história, mas respondo à tua pergunta que é porque o interesse, não é? Porque o interesse... Isto é potencialmente bom para quê? É potencialmente terapêutico para quê? E já desde os anos 40, 50, 60 e depois agora já no nosso século felizmente não foi só o Timothy Leary que se interessou por estas substâncias mas temos vários cientistas reputados de várias áreas uns são farmacologistas, outros são psiquiatras, outros são psicólogos interessados neste tema. Porquê? Porque desde cedo se percebeu que para coisas tão importantes como a dependência de tabaco, de álcool e até de outras drogas que causam dependência, Por um lado. Por outro lado, questões tão marcantes como a depressão e a ansiedade ou questões tão debilitantes como o estresse pós-traumático ou a perturbação obsessiva ou compulsiva, para dar alguns exemplos. Se percebeu desde cedo que estas substâncias podiam ter um papel terapêutico inovador e com eficácia muito grande para todas estas condições. Isto começou, como eu digo, no século passado. Este século, a investigação pôde recomeçar lentamente e temos estudos marcantes com pessoas, por exemplo, em final de vida ou com diagnósticos de câncer e com sofrimento existencial, com sofrimento, enfim, com uma ansiedade grande pela perspectiva da morte que tomaram psilocibina e cujos resultados são marcantes nos efeitos que tiveram para lidar com esse sofrimento. Temos agora estudos mais recentes na área da depressão e da depressão resistente de tratamento em que uma ou duas experiências com psilocybina, com um psicadélico, parecem ter resultados incomparáveis com qualquer outro fármaco, sem efeitos secundários e estáveis, portanto, e que parecem perdurar no tempo. E temos também, não com um psicadélico clássico, mas com o MDMA, resultados fabulosos em pessoas com stress pós-traumático, em virtude de guerra ou de traumas ou de problemas graves que tiveram na vida e que os resultados são absolutamente espantosos em termos do potencial terapêutico. E agora está a ser usado também o próprio MDMA para outras condições, nomeadamente o alcoolismo e outras adições. Temos também hoje em dia, como eu disse há pouco, uma substância que não é um psicodélico clássico, que é a catamina, que é um anestésico conhecido, mas que pelo efeito que tem, que é comparável, e não se conhece tudo, mas que é comparável ao dos psicodélicos clássicos, tem também uma função antidepressiva rápida, especialmente para pessoas com stress, com depressão profunda e até com a aviação suicida, parecem poder ter aqui um potencial muito grande de interromper esse processo de uma forma quase de um dia para o outro. É algo impensável para quem conhece o tratamento da depressão com os inibidores de reutilização da serotonina, os SSRIs. Esta possibilidade de haver um efeito terapêutico imediato para alguém que, por exemplo, está a pensar em suicidar-se é uma coisa, do ponto de vista terapêutico, com um potencial muito, muito grande. Portanto, estes são os efeitos que nós vemos na clínica, na investigação clínica, e que sustentam esta esperança que tínhamos de ter aqui um potencial aliado na saúde mental. E a saúde mental, como sabemos, em Portugal em particular, mas em todo o mundo, é um dos problemas principais de saúde pública e para o qual nós não temos boas respostas. Depois, como é que isto se passa? O que é que se passa na cabeça das pessoas para podermos ter este efeito? Bom, é em grande parte um mistério ainda, e também é um mistério para mim, porque eu não sou nem um neurocientista, nem um psiquiatra, há coisas que eu não consigo explicar ainda, nem vou conseguir se calhar, porque não foi isso que eu estudei, mas estudei outras áreas que também podemos falar mais tarde e que também me interessam neste âmbito. Mas o que se passa é que estas substâncias parecem ter no cérebro uma função disruptora temporária marcante, portanto elas causam uma causa, uma desordem temporária no funcionamento, na estrutura e na função temporária, sobretudo na função do nosso cérebro, que tem o condão de fazer uma espécie de reset ao nosso cérebro. É como um computador, um disco que está todo fragmentado e isto tem um efeito de desfragmentar o disco, de limpar o disco. E dar também, ao mesmo tempo, uma grande flexibilidade mental. Ou seja, temos áreas do nosso cérebro que começam a comunicar com outras áreas que normalmente não comunicam e, finalmente, causam também uma sensibilidade, um aplorar da sensibilidade do nosso cérebro a estímulos, vários estímulos que podem vir da música, mas podem vir também da nossa memória, podem vir de fora, mas podem vir também de dentro do nosso inconsciente e ao qual nós passamos a ter acesso durante esta experiência. E portanto é o conjunto destes três fatores que eu referi, que referi assim de uma forma vaga, sei disso, mas é só para pintar assim um quadro que permita perceber o que é que está a passar no nosso cérebro, que faz com que nós acordemos destas experiências muitas vezes com uma capacidade e um potencial de mudança, transformação muito grande que depois, quando devidamente enquadrado, quando devidamente integrado e há métodos que estão a ser estudados para o fazer devidamente, podem de facto levar a transformações muito grandes. Há aqui duas dimensões. Há aqui uma dimensão que é mesmo, por exemplo, na relação do humor, na depressão, é uma função biológica direta. Não há dúvida que estas substâncias têm uma função antidepressiva, inmediata, direta, no qual as pessoas saem destas experiências mais aliviadas da sua depressão e do seu sofrimento e da sua angústia. Isto passa-se com praticamente todos os psicodélicos. Eu próprio tive essa experiência. Quase sempre que eu tomo um psicodélico, em qualquer quantidade que o faça, esta função de regulação do humor é sentida diretamente. Depois há um outro lado, que é um lado mais psicológico. Que é um lado de nós podermos ter acesso, durante esta experiência, a um conjunto de ideias, de visões, de emoções, de associações que quanto mais profundas, quanto mais intensas, maior é este efeito, que têm elas próprias o condão de nos mudar a perspectiva e de nos mudar a visão de nós próprios e do nosso papel no mundo. E aí estamos a falar de várias vias, uma via mais biográfica, em que podemos estar a reviver memórias, podemos estar a ver situações da nossa vida que já não nos lembrávamos ou a ver metáforas relacionadas com a nossa vida que podem ter um papel simbólico muito importante para compreendermos o nosso processo ou até há quem tenha, eu nunca tive confesso, mas há quem tenha visões que vão na outra direção, digamos, vão na direção não para dentro mas para fora, para cima, para o além e que nos fazem digamos ver o transcendente, que nos fazem ver o místico, que nos fazem compreender, se calhar, ou aceitar, ou ver, que há outras realidades para além daquelas que nós próprios normalmente vemos no nosso dia a dia. Eu não sou religioso, portanto, nunca fui e tenho alguma dificuldade ainda em compreender esse plano, mas para pessoas que têm tido experiências do foro religioso, talvez seja muito fácil de entender. Pois, exato. Eu também gostava de ir aí, que é um aspecto que me interessa particularmente, embora
José Maria Pimentel
também seja um bocado cético, para não dizer muito. Tudo isto é um dos aspectos que é talvez o que eu acho mais interessante de tudo isto, que é o facto de os psicodélicos juntarem o lado neurobiológico ao lado psicológico, que é muito interessante, e entre outras coisas expõe a nu este mistério, que é o que se chama o hard problem da consciência, este mistério do nosso lado, do nosso cérebro enquanto órgão, e enquanto órgão composto por matéria orgânica e por estímulos elétricos e depois aquilo que se produz que é a nossa mente sobre isso. E os psicodélicos têm esse efeito muito engraçado porque eles agem sobre a neurobiologia, digamos assim, ou seja, eles agem sobre a neurofisiologia do teu cérebro, mas ao mesmo tempo também agem sobre a tua mente e as duas coisas não são independentes, ou seja, o efeito neurobiológico está lá, como tu aludias, no caso da depressão e doenças caracterizadas por aquilo que costuma dizer um cérebro preso, e a depressão é um desses exemplos, mas também a própria, eu não sei qual é a tradução em português, a trip, a viagem que a pessoa faz sob a ação dos psicodélicos também a leva a ter uma série de experiências que elas próprias também têm um substrato neurofisiológico, tudo aquilo que está acontecendo, tudo aquilo são sinapses na mesma, mas é uma experiência, no fundo é um caminho que atualmente faz e que também tem um papel que eu acho que de certa forma é indestrinçável. Eu nem sei se é possível destrinçar um do outro. Para destrinçar um do outro talvez dar psicodélicos a alguém em coma ou no mínimo a dormir, porque senão tu nunca consegues destrinçar uma da outra.
Pedro Teixeira
Pois, isto leva-nos a discussões interessantíssimas e profundas e para as quais não há de facto ainda respostas capazes do que é a consciência e os limites da consciência e a própria natureza da consciência. Mas para simplificar, eu acho que tu tocaste num ponto-chave que é de facto interessantíssimo e desperta uma curiosidade enorme em muitos de nós que é esta ação dupla digamos biológica e psicológica ou farmacológica e psicológica que os psicodélicos despertam ou que causam nestas experiências. E nesse sentido é inovadora, porque não há muitas terapias que tenham esta dupla natureza que se conheçam e portanto é assim uma espécie de um híbrido, como diz um grande investigador inglês, Robin Carhart-Harris, que fala nestes termos exatamente, que acha que não há nenhuma terapia similar que tenha esta função. E ainda por cima, como nós sabemos, que essa é uma evidência científica clara hoje em dia, que é quanto mais mística ou pelo menos quanto mais intensa é a experiência psicológica, maiores são os efeitos terapêuticos. Portanto, há aqui qualquer coisa que se passa na nossa psicologia. A
José Maria Pimentel
mente, não é? A mente é importante, sim. Exatamente.
Pedro Teixeira
E que se passa na nossa psicologia e que tem a ver com o acesso privilegiado que podemos ter durante estas viagens a material inconsciente, se nós quisermos acreditar nas teorias freudianas e hunguianas e por aí fora, e nas quais eu acredito. E sim, eu tenho convicção forte e tenho, afinal digo, tenho experiência pessoal, porque acho que todos temos. Acho, não tenho certeza, Mas aí tenho uma confiança grande nessa explicação e no enorme oceano de informação que nós possuímos desde o momento que nascemos, pelo menos no nosso inconsciente, e que vai influenciar na nossa vida e que de alguma maneira estas substâncias permitem aceder. Aliás, é curioso porque este investigador que estávamos a falar há bocado, o Robin Cahar Harris, ele próprio era um psicólogo analítico e era um estudante de Jung e foi por aí que ele... Carl Jung. Exatamente. E foi por essa via que os psicodélicos lhe interessaram. Porque, precisamente, ele viu aqui, pela primeira vez, uma ferramenta que podia, com alguma confiabilidade e algum poder, ser manipulada. Ou seja, era uma ferramenta que permitiria manipular o inconsciente e trazer o inconsciente, digamos, à evidência, à consciência e podíamos trabalhar sobre ele. Portanto, essa função é clara, é importante e ela está a ser, é mesmo hoje em dia já trabalhada do ponto de vista clínico. Ou seja, os modelos clínicos que estão a surgir, modelos terapêuticos clínicos, de natureza psicológica, que estão a surgir para enquadrar experiências psicodélicas, têm precisamente esta virtude, este desenho de trabalharem com matéria inconsciente, que vem à consciência e que depois é possível reviver, é possível processar, não é? É uma das
José Maria Pimentel
vias. Isso é muito interessante. Tu aludes a esse ponto que é importante e eu acho que não é preciso nós comprarmos as teorias psicodinâmicas, nas quais incluímos as do Freud e as do Carl Jung, para achar que este método, tal como outros, permite ir buscar uma série de coisas ao inconsciente. Ou seja, tu não tens que comprar as teorias para explicar o inconsciente para admitir que ele existe, que me parece uma evidência. Ou seja, qualquer um de nós tem experiências de vida cujo efeito depois na nossa vida presente não é completamente evidente para nós. Tens casos extremos, não é? Tens casos de pessoas... Uma mulher que foi violada quando era nova e apagou completamente aquela experiência. São daqueles casos extremos que de repente ela pode perceber que há alguma coisa que nem sequer tinha noção de que existia. Esse é um caso absolutamente extremo. Agora, isso será uma exceção, mas todos nós temos coisas que entram mais ou menos nessa categoria que não temos noção. E os psicodélicos, de facto, eu acho que esse é um dos aspectos mais interessantes do ponto de vista pessoal, é a pessoa poder ter essa experiência. E não acontece só com os psicodélicos. A meditação, por exemplo, e de resto a própria psicoterapia, só que aí é ajudado por outra pessoa. No fundo, os psicodélicos podem te fazer, ao transformarem, de certa forma, as ligações entre o teu cérebro, não é, fazem-no de repente trazer à tua mente uma série de coisas que não estão lá no dia-a-dia, não é, nos estados normais, digamos assim. Sim. Por duas vias.
Pedro Teixeira
Uma é essa via de permitir acesso a material que estava escondido e que estava inacessível. Por definição, não é, o que é inconsciente é inacessível. E por outro lado, porque nos dá uma flexibilidade mental, uma flexibilidade funcional digamos assim, uma flexibilidade cognitiva que permite estabelecer novas ligações, que permite ver as coisas de maneira diferente, que nos dá uma abertura para aceitar perspectivas mais vastas e por aí fora. Portanto, há essas duas vertentes. Agora, eu acho que para aceitar o inconsciente e para o valorizar na importância que ele parece ter, e acho que os psiquedectos ajudam-nos nessa aceitação, eu não conheço teorias mais, digamos, mais completas e mais úteis do que a teoria analítica e, sobretudo, Jungiana, porque vai um pouco além de Freud na explicação do nosso inconsciente. O Jung é muito famoso nestes círculos, não é? É, mas eu acho que o devemos retirar da categoria de exótico porque ele tinha de facto, há uma componente na teoria dele que vai para além da consciência pessoal e que fundamenta a psicologia transpessoal e fundamenta os arquétipos coletivos e o consciente em coletivo, etc. Que aí, nunca vai ser provado, são teorias de facto mais difíceis de gerir hoje em dia, mas são muito interessantes. Agora, no que toca ao consciente pessoal, ele é perfeitamente mainstream e a teoria que ele desenha da mente humana, o mapa que ele desenha da mente humana, para além de ser do mais, digamos, vasto e rico que eu conheço, não é especialmente esotérico. Quer dizer, não é uma coisa que se tenha que comprar ou não. Aliás, eu nem encontro maneira de o contradizer, na verdade. Não encontro nenhuma outra teoria que seja suficientemente explicativa. A partir do momento que nós aceitamos que existe matéria inconsciente. Claro. Então, mas agora explica. Porque para mim é interessante perceber isso,
José Maria Pimentel
tendo tu, não só estudado este assunto, como tendo uma experiência direta com psicodélicos, para mim é interessante perceber também a esse nível, quer dizer, de uma forma mais concreta, o papel que tu vês para o inconsciente.
Pedro Teixeira
Tenho a certeza que não vou fazer jus a tamanha pergunta porque, enfim, é uma área técnica também da psicologia, acho que a devemos ver assim, e eu não sou nem psicólogo, nem especialista na matéria. O que eu sinto, e eu já li Jung, aliás, me interessei por Jung há muitos, muitos anos, em outras fases de vida, e não sabia sequer o que é que eram psicodélicos, mas sempre achei que, digamos, que o retrato, o mapa que ele traçava da mente humana... Ele e Freud, Eu acho que não devemos distinguir muito um do outro porque um assenta no outro e um era um discípulo de Freud. As suas ideias em traços gerais, a ideia do ego, a ideia da sombra, da shadow, enfim, são ideias que são comuns aos dois ou pelo menos que têm ligações entre um e outro. Não é necessário distinguir. O que acontece é que nós criámos um mito, sobretudo de Freud, em que acabou por ser quase ridicularizado. Mas, quer dizer, grande parte da teoria psicológica que hoje aceitamos, e que já é mainstream, que já é aceito por todos, vem de facto Freud e é uma injustiça não reconhecer isso. Agora, Jung foi de facto um pouquinho mais além, trouxe conceitos novos, que eu não sei explicar, não sei descrever, não me compete a mim, não o faria com justiça, mas trouxe conceitos novos. Esta ideia da sombra, digamos, do nosso inconsciente negativo, dos aspectos que nós reprimimos e que... O nosso lar lunar, que eu diria... Exatamente, e que tem no nosso funcionamento, digamos, um grande papel enorme, foi descrita com muita cuidado e depois os arquétipos que a Psicologia Indiana traz, os vários arquétipos masculinos e femininos que dão a este processo todo uma riqueza também muito grande. E de facto quando temos uma ferramenta que traz, digamos, material inconsciente à mesa, precisamos de mapas. E essa é uma ideia que eu já agora gostava de deixar aqui porque a psicadélica e a exploração psicadélica muitas vezes presta-se a interpretações variadas, muito criativas ou muito baseadas na fé ou muito baseadas em noções de espiritualidade às vezes superficiais ou às vezes pouco palpáveis, muito vagas não vou entrar em mais detalhes, mas basicamente para dizer o seguinte para dizer que nós temos mapas, que a psicologia é uma ciência e que nós temos mapas da psicologia e um que parece-me o mais adequado, mas posso estar errado, que nos ajudam bastante a interpretar, a perceber estes processos. E os psicodélicos é um processo, digamos, muito rico e precisa de mapas para serem interpretados. E, portanto, eu digo muitas vezes isto, que eu acho que faz falta ainda mais psicologia, não só na nossa vida comum, mas faz falta mais psicologia, digamos, na ciência psicadélica e na vivência dos psicadélicos. Portanto, se posso deixar aqui esta notinha da agenda pessoal, digo que as pessoas devem estudar mais. Quem quer interpretar estas experiências, quem quer perceber o que se passa, tem muito para ler e tem muito para estudar e acho que começar por Jung é um ótimo ponto de partida.
José Maria Pimentel
Olá, antes de voltarmos à conversa, deixem-me lembrar-vos que podem dar o vosso contributo para a continuidade e desenvolvimento deste projeto. Visitem o site 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir para o 45 Graus, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de apoio. Se não puderem apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45°, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. Muito obrigado pelo vosso apoio e agora, de volta à conversa. Ou seja, agora deixa-me perguntar-te uma coisa. Eu já tinha perguntado há bocado, estás a falar deste tema como alguém que já passou por estas experiências. Mas não só eu próprio, como diria a maioria das pessoas que estão a ouvir, não o fizeram. E eu acho que era interessante, se conseguis fazer isso, que é assim que eu sei que é sempre difícil descrever para quem está de fora, mas Descrever como é que é uma experiência desta. Um tipo está sentado ou deitado, toma uma coisa qualquer e depois o que é que acontece? Eu sei que varia de... A ayahuasca, por exemplo, é que salvo erro é caracterizada por experiências muito curtas mas muito intensas. E há outros que não são bem assim. Mas ainda assim havendo... Se quiseres podes pegar no exemplo, podes escrever mais ou menos um caso geral como é que é a experiência da toma de psicodélicos?
Pedro Teixeira
Vou corrigir-te com o ayahuasca daqui a bocadinho, mas o ayahuasca de facto não é curta, é longa, mas há uma outra... Ah, então estou a trocar se calhar. É o DMT fumado, digamos assim, é que tem uma experiência curta. Mas é pouco importante, pouco caso. Mas como a substância é mesmo, mais vezes há confusão acerca disso. Eu acho que é bastante longo e bastante duro, muitas vezes. Mas eu acho que, se calhar, ajuda-se eu descrever a experiência ideal, ou o contexto de uma experiência psicadélica ideal, porque é essa que eu acho que tem mais potencial para ser útil no futuro. Claro que há muitas outras formas de consumir psicadélicos e eu não tenho nada contra formas recreativas ou de outro tipo, pessoais, enfim. E já as fiz e foram importantes para mim, foram interessantes para mim. Tenho aqui depois uma analogia que queria fazer contigo também mais daqui a pouco, mas acho que é útil sobretudo escrever o que é que seria uma experiência ideal. Uma experiência ideal passa primeiro por um processo de preparação em que as pessoas passam algum tempo a pensar sobre que temas gostariam de trabalhar, que temas gostariam de aprofundar. Pode ser um tema, podem ser vários temas, pode ser uma ideia, pode ser uma experiência, pode ser, enfim, um desejo, pode ser um desejo de clarificação numa área qualquer da vida. E isso faz-se pensando no assunto, faz-se escrevendo sobre o assunto, se tivermos um terapeuta faz-se falando com o terapeuta, mas há aqui uma intencionalidade que ajuda a estar presente nestas experiências, está bem? Portanto, uma questão de preparação. Pode ser uns dias, pode ser umas semanas. Exatamente. O mindset, ter de ser preparado, que é a questão do set and setting, aqui estamos a falar do mindset, no set, que é a nossa mente estar, digamos... Ah, porque isso é uma expressão muito usada, não é? O set and setting. Set and setting. Quer dizer, o set quer dizer o mindset, o nosso estado mental, e que passa por várias coisas, mas passa em primeiro lugar por haver alguma intencionalidade e alguma capacidade de preparar aquilo que vai ser uma experiência poderosa. Depois disso, é importante que a experiência aconteça num contexto de grande segurança, de grande conforto e de grande segurança. Isto significa que a pessoa tem que estar o mais confortável possível, preferencialmente com pessoas de confiança que estão a acompanhar a sua experiência, Pessoas que sejam elas próprias experientes nesta área, que sabem o que é que vai acontecer e como lidar com isso. E portanto, como esta é uma experiência que nos retira as nossas defesas completamente ou que tem esse potencial, é muito importante que estejamos muito bem protegidos e que nos sintamos, sobretudo, muito confortáveis e muito bem acolhidos, muito bem cuidados. Depois, como é que se toma? Bom, depende, não é? Pode-se tomar uma pastilha, um estudo científico diz que é assim, toma-se um comprimido, pode-se comer um cogumelo, ou pode-se tomar uma bebida, ou pode-se colocar um selo de LSD na boca e esperar que ele faça efeito. Um papelinho ou uma gota. Há várias maneiras de tomar, não importa agora entrar nesses detalhes, mas há várias maneiras de se ingerir estas substâncias. E nesse momento é importante que a pessoa esteja em conforto, tanto fisicamente em conforto, tapada, quente, porque às vezes o frio acontece, e como eu digo, na presença de pessoas em quem confia. Preferência duas, era melhor que fosse assim. Mas se for uma, tudo bem, mas tem que ser alguém que estás lá e em quem tu podes confiar. Que se há alguma coisa, precisas de alguma coisa, essa pessoa está lá para ti. Normalmente, pedes às pessoas para não usarem, para taparem os olhos com uma venda, que não magoa, que não faça, que não incomode, e há música também a tocar. A música tem um papel muito importante, desde tempos ancestrais, que a utilização, por exemplo... É um aspecto curioso. É um aspecto fantástico. Porque abre aqui um espaço de discussão enorme, porque a música, o que é que a música faz no nosso cérebro que permite potenciar estas experiências é uma área fantástica em si mesmo. Mas, por exemplo, a ayahuasca sempre foi usada em contextos tradicionais com cantos, com cánticos, com presença de música. Portanto, tem aqui um papel condutor da experiência muito, muito relevante. A partir deste momento, a pessoa está segura, está tranquila, está confortável, a substância vai fazer efeito, passado algum tempo, passado meia hora, três quartos de hora, enfim, depende um bocadinho do que é que se toma e como é que se toma, pode ser até um chá, e a substância vai fazer efeito. A partir daí, começa a dificuldade em contar a história porque ela é muito individual, porque ela é muito imprevisível. Enfim, há algumas palavras que são usadas muitas vezes e que eu também uso com algum conhecimento que ajudam a perceber o que é que se passa. Palavras como uma grande abertura, palavras como uma grande aceitação do que se está a passar, uma grande serenidade interior, mas que ao mesmo tempo também podem ser uma abertura para uma experiência difícil, uma experiência intensa do ponto de vista emocional, ou uma experiência intensa do ponto de vista, digamos, da beleza que causa. E as experiências variam, podem ser, digamos, mais para o lado intenso, assustador, ou para o lado intenso que nos levam para algum sofrimento ou para emoções que dizemos como negativas, de tristeza ou de outras, angústia relacionada com alguma coisa que estejamos a sentir. No meu caso, por exemplo, teve a ver com isolamento, com solidão, com algum abandono, digamos assim. Esse era o tema que veio de cima na minha experiência mais marcante, mas podem ser muitas coisas. Como pode ser também, isto acontece normalmente no final de quase todas as viagens, sentimentos de grande plenitude, de grande serenidade interior, até de grande perspectiva sobre uma visão maior do mundo, uma união entre nós todos, uma união entre nós e o meio natural, o meio ambiente natural, um grande amor que podemos sentir por nós e pelos outros e pela vida em geral. E, portanto, são experiências que são elas, são inefáveis, são muito difíceis de pôr em palavras porque transcendem de facto a nossa capacidade, a nossa linguagem, mas que trazem com elas um potencial muito grande. E os grandes temas que emergem normalmente nos estudos, que já começam a ser feitos das experiências do pós-experiência psicodélica, têm a ver com estas coisas que eu referi antes, com a aceitação, aceitação de nós mesmos, da nossa vida, das nossas emoções, do nosso passado, enfim, de quem nós somos, o crítico interior fica abaralhado, fica fora de jogo durante algum tempo. Exato. E também experiências de grande conexão, de grande ligação. E no fundo é isso que nós todos procuramos na vida, é a ligação aos outros, é a ligação aos nossos contextos de vida, é a ligação ao nosso planeta, ao planeta Terra e este misto de aceitação e ligação, que no fundo tem muito a ver com amor, com estas sensações de plenitude e de satisfação com a vida, são muito transformadoras, abrem portas para a nossa existência no dia a dia, que são portas que podem ser muito transformadoras. A terceira parte, para terminar, de uma experiência ideal, e não posso enfatizar demais essa parte que é nós termos a capacidade e o apoio e os recursos para integrarmos bem esta experiência no nosso dia a dia. Eu sou daqueles que pensam que estas experiências estão cá para transformar o nosso dia a dia em coisas melhores, em vivência melhor. Isto não é para contactar com uma entidade externa e ver a luz e ser um místico a partir daqui. Não é assim que eu vejo isto de todo. Eu vejo isto como algo que melhora as nossas relações com os nossos filhos, com os nossos pais, que melhora a nossa criatividade no trabalho, que melhora a nossa capacidade de resistir ao medo, por exemplo, como estamos a viver agora com o vírus, que melhora a nossa compreensão do nosso papel na natureza e do facto de nós também sermos animais como muitos outros e que se destruímos o nosso planeta estamos a destruir-nos a nós próprios. É assim que eu vejo o potencial destas substâncias, para melhorar o nosso dia-a-dia, nas coisas mais básicas que podem existir. Sim, sim. Em virtude do serviço público, reforçar esse aspecto que tu
José Maria Pimentel
cilentaste no final, não é? Ou seja, não só ser importante fazê-lo nas condições certas, mas também depois não cair a seco na tua vida normal porque aí sim é que pode ter um efeito mau em vez de bom, não é? E depois, a nível dos efeitos, a gira-maneira como tu descreves, porque... Daquilo que eu fui apanhando da descrição há uma série de efeitos que eu diria que não são especialmente interessantes ou seja, deve ser giro vivê-los mas não são especialmente interessantes queres ter umas ilusões, teres aquelas alterações de visão, teres aquela história da sinestesia, queres os sentidos trocarem-se um bocado, cheirares cores e ouveres sons. O que me parece interessante é esse lado de saída do ego, porque isso parte do efeito neurobiológico, de desligar ou pelo menos de atenuar aquilo que se chama default mode network, acho que se chama rede padrão em português, que é no fundo é a nossa consciência, a nossa consciência no que diz respeito ao nosso ego que é nós estarmos permanentemente no nosso dia a dia a rever a maneira como nos vemos a nós próprios e isso é muito interessante porque desliga coisas tão corriqueiras como o trabalho intensivo por exemplo eu até fazia aqui há uns tempos um episódio sobre produtividade em que falávamos daquela questão do deep work de estar a trabalhar concentrado sem mais distrações durante horas e isso também desliga embora de uma forma mais leve o default mode network ou seja, Isso também faz com que tu estejas tão concentrado naquilo que não estás, naquele processo permanente de rever o teu egg, de calibrar o teu egg e de pensar no fundo sobre o ti, a maneira como te relacionas com os outros e a maneira como olhas para ti próprio. Mas aí, nesse caso, embora isso também provoque, que é curioso, uma série de efeitos benéficos no cérebro, de calma e diminuição do stress, estamos a falar de uma coisa muito mais pequena, enquanto aqui tudo indica é um efeito não só muito mais rápido, como um efeito muito maior. Agora, aquilo em relação ao qual eu sou um bocado mais cético é esse lado transcendente que pode ser estendido para tirar verdades desta experiência. Ou seja, como se numa experiência dessas houvesse acesso a verdades superiores. Que eu sei que há muita gente que faz essa interpretação e aí já me parece bastante mais dúbio, não é? Porque o que isto faz no fundo são alterações... Começa tudo numa alteração neurobiológica, que te dá acesso a um tipo de experiência diferente que pode ser imensamente revelador porque é diferente da tua experiência normal. E isto não acontece de resto só com os psicodélicos, acontece com a meditação também. Aliás, há vários paralelos que são feitos até com aquelas experiências de quase-morte, no fundo, experiências limite. Há muita gente que quando tem uma experiência deste género, de repente, volta à vida normal e revê a vida toda porque aquilo a fez, no fundo, ver-se a si próprio e ver o mundo de outra forma. Eu não diria que há aqui um acesso a uma verdade diferente daquela que nós podemos ter acesso no nosso dia-a-dia. É um meio, se calhar, muito mais rápido para aceder a isso e que de outra forma seria se calhar tão difícil que na prática seria impossível, não é? Isso, pelo menos para mim pessoalmente, é muito atraente porque pode ser um efeito muito interessante desse tipo de experiência e sobretudo, por exemplo, a questão do... Um dos efeitos que é muito relatado tem que ver também com essa dissolução do ego e que tu falavas na questão da abertura, que é a pessoa sentir uma união com o resto das pessoas, sentir até uma união com outras espécies, ou seja, para lá dos seres humanos e no fundo vai contra uma distinção que é um bocadinho artificial que nós criamos culturalmente entre os seres humanos e o resto dos seres vivos, como se houvesse uma barreira absoluta e incontornável entre nós e o resto dos seres vivos, e isso liga à questão até dos direitos dos animais, e depois à própria relação com o mundo e com o planeta, e aí liga à questão ambiental, que hoje em dia está muito em voga. E aí eu percebo onde é que o... Embora lá está, isso depois facilmente dê para perceber que é um exagero, mas percebo de onde é que vem a visão de tipos como o Timothy Leary de repente dar isto a toda a gente para no fundo catapultar a humanidade para uma espécie de estado de consciência superior, não é? Mas é... Mas que esse efeito potencialmente benéfico está lá, parece-me que sim. Estou a pensar que isto se dava para outro episódio. E é um prazer não só conversar contigo,
Pedro Teixeira
tens claramente opinião sobre os temas e estudaste e preparaste isto, e é ótimo falar assim. E também é ótimo falar contempo, porque como
José Maria Pimentel
sabemos, nos mídia não é
Pedro Teixeira
o itual. Tomei aqui umas notas, porque disseste coisas tão interessantes e tocaste em temas tão diferentes que vale a pena não os perdermos. Primeiro, a questão da dissolução do ego. Eu não tinha ainda referido o ego, mas já estava implícito. Não é bem que o fizeste, para lembrar, porque é de facto marcante na experiência e é caracterizador da experiência psicadélica e também da experiência que vivemos a seguir, uma experiência psicadélica este referimento, este acalmar deste crítico interno, não crítico é errado, deste filtro, deste editor que nós temos constante, que está permanentemente a verificar a nossa experiência e a emitir opiniões, emitir tites, como diríamos do norte. Está sempre a dizer coisas e está sempre a verificar e é fundamental para a nossa existência, senão isto era uma confusão pegada, a gente não se entendia aqui, se estivéssemos em roda livre todo o tempo. Mas de facto, alguns de nós, e agora estou muito à vontade para o dizer, alguns de nós, por força do nosso desenvolvimento, acabamos por, e da maneira como a vida nos vai ensinando, acabamos por ter este editor, este filtro, demasiado rígido, demais intenso, demasiado presente, nunca se cala. Eu, como é o meu psicólogo, acabamos por usar a analogia do árbitro de futebol, porque às vezes falo de futebol, e então o árbitro é... Há árbitros que estão sempre com uma no cartão, estão sempre em cima, qualquer coisinha, um jogador sopra no outro e marca falta. Este é o árbitro disfuncional do ego superativo que não deixa jogar. Analogia, agir... Nós às vezes falamos da experiência psicodélica e eu digo-lhe, o árbitro foi para a bancada, o árbitro, então há daqueles árbitros que deixa jogar, à inglesa, não chateia nada, deixa sempre jogar, está sempre
José Maria Pimentel
tudo bem, deixa
Pedro Teixeira
jogar e é giro porque é isto que se passa na experiência psicodélica, é o árbitro deixa jogar e quando o árbitro deixa jogar, enfim, a criatividade aumenta, as possibilidades aumentam e as jogadas bonitas e as coisas... Uma boa analogia. Mas o Michael Pollan usa, por exemplo, o editor. O editor, o género que está a corrigir o texto e está sempre a editar, está sempre a editar, está sempre a polinha vermelha, está sempre a... Exato. E, portanto, é de facto isso que acontece. E aí também fala de experiência própria. É um alívio muito grande quando esta voz se cala um pouquinho ou pelo menos se põe no seu lugar e nos deixa viver a vida de uma forma mais livre e mais leve. Esse é um tema que vale a pena abordar porque ele ajuda a explicar os problemas que estão comuns a muitos problemas de saúde mental. Portanto, este traço de rigidez, de iluminação, este traço de padrões de comportamento e pensamento e às vezes de emoção, repetitivos e demasiado impositivos, é o que muitas adições, muitos problemas de saúde mental têm em comum. E, portanto, um outro traço completamente inovador destas substâncias é que tem um perfil de atuação transversal, é um perfil que não é muito específico, ele é tão pervasivo, para usar as expressões que eu acho que não se usa em Portugal, mas que eu uso muitas vezes, é tão diverso, diversificado, que toca... E não há droga nenhuma que faça isto, não há terapia nenhuma, só talvez a própria psicoterapia pode ter a validade de o fazer, a que façam que tenham um papel tão diverso.
José Maria Pimentel
Exato, exatamente. Deixa-me só dizer uma coisa que é também um dos aspectos que eu acho mais interessantes, porque há quem diga, aliás, e sabe o erro? Eu fiz um episódio sobre doenças psiquiátricas com o Pedro Mourgado e tenho a ideia de termos falado sobre este ponto exatamente, não tenho a certeza, mas há quem diga até que muitas distinções que são feitas entre doenças psiquiátricas são artificiais, porque pela convenção, pela maneira como elas se manifestam, mas que no fundo todas estas patologias que são tratáveis, ou pelo menos mitigáveis, com os psicodélicos, no fundo todas elas são caracterizadas por isso que tu dizias, por uma espécie de cérebro preso. É como se tivesse um cérebro preso e o ego... Esse árbitro no fundo está a aprender o jogo, para usar a tua analogia de há bocadinho. E isso é o caso da depressão, a ansiedade no fundo é causada por isso, e a ansiedade e a depressão são muito próximas, os vícios é a mesma coisa, o stress post-taumático que tu aludias, a doença obsessiva compulsiva, que eu falei muito com o Pedro Morgado, que é exatamente um caso desses. E depois é interessante, porque tu tens o caso oposto, que é de um árbitro que deixas de jogar demais, e que acontecem doenças como, por exemplo, a esquizofrenia, as psicose, os distúrbios de personalidade, que aí é um árbitro, se quiser usar a tua analogia... Foi de férias. Foi de férias, não é? E aí o efeito dos psicodélicos ou não existe ou até pode ser, ou até pode piorar, não é? Que é curioso. Sim,
Pedro Teixeira
completamente. Pode haver casos e há casos e é bom salientá-los a casos em que não é recomendável, precisamente por já haver uma destruturação tão grande que o risco de causar um episódio destes ou de os potenciar são grandes. E esses são os casos em que vale a pena alertar, mas que não devem consumir estas substâncias. Mas sim, é isso, é como dizes, eu acho que a medicina trouxe coisas fantásticas, mas a necessidade de catalogar doenças, a necessidade de termos mecanismos diagnósticos. O próprio investigação científica e a especificidade que às vezes nos obriga a ter, às vezes retira-nos uma visão de conjunto que é útil e os psicodélicos são mesmo amplificadores não específicos, são substâncias que não são específicas de nenhuma condição e que nos mostram como traços comuns ou com características importantes podem ser comuns a muitas doenças e também são comuns ao outro lado, ao lado positivo da vida. E portanto, muitas das coisas positivas que nós sentimos da vida também têm a ver com o oposto daquilo que estávamos a dizer. Têm a ver com flexibilidade, têm a ver com criatividade, têm a ver com abertura e espontaneidade para coisas muito diversas. É como ver uma criança a brincar. Quer dizer, é o melhor da vida, não é? Sim. É a espontaneidade, é a criatividade, é a abertura, é a sensibilidade, é a reverência, tudo isto. Mas também a concentração, também vemos os miúdos a brincar e às vezes estão ali uma hora completamente concentrados, não é? E precisamente porque o árbitro não se formou ainda, o árbitro está caladinho, que ainda não se criou e nós que somos pais temos que ter muito cuidado com isso, porque é muito fácil criarmos árbitros demasiado rígidos na cabeça das crianças desde cedo. Esse tema, portanto, é interessante, a desissolução do ego. O outro tema que tocaste, que é também interessantíssimo, que é esta questão das verdades absolutas ou das verdades que podem ser acedidas por estas substâncias e que nós vemos de facto muita teoria, ou bem teoria, mas muitas ideias que aparecem nesta área, talvez a mais famosa tenha a ver com as visões de determinadas entidades, com determinadas formas robóticas que há pessoas que dizem que vêem nestas experiências e que hoje em dia se suspeita que sejam construções culturais que acabaram por ser difundidas e que depois as pessoas acabam por ver. De facto, o efeito placebo tem um efeito muito grande e quando nos dizem que é suposto vermos qualquer coisa, nós muitas vezes vemos mesmo essas coisas.
José Maria Pimentel
E nós levamos para a experiência, desculpa interromper-te, como tu dizias há bocadinho, e daí, seria importante o set, não é, de que tu falavas no início, Nós levamos para a experiência uma história cultural, do ambiente cultural em que estamos, e uma história pessoal para a experiência, não é? Portanto, depois é essa a nossa mente que vai alimentar aquela experiência, não necessariamente com coisas que sejam acessíveis à nossa mente consciente no dia a dia, mas que estão lá a alugures, não
Pedro Teixeira
é? Sim, há a ver. Que nós somos capazes de... Embora, para, eu gosto de manter uma mente aberta em geral e acho que os psicadélicos nos empurram também para aí. Como eu disse, eu não sou religioso, mas tenho um profundo respeito pelas experiências diferentes que as pessoas tenham da vida e pelo facto de eu não as compreender do ponto de vista, digamos, biológico não me retira a possibilidade de as entender como possíveis e acho que quem tem experiência do transcendente religioso sabe do que é que eu estou a falar com certeza. E há quem diga que estas experiências psicodélicas podem fazer-nos aceder ou dar-nos a possibilidade de aceder a outros planos de entendimento da realidade mais místicos, mais cósmicos, mais difíceis de enquadrar com a racionalidade, não é? Que de outra forma não chegamos lá. E eu sou aberto a isso, nunca a vivi e já tive curiosidade e uma das razões pelas quais eu já experimentei psicodélicos também foi para ter, digamos, eventualmente um acesso diferente ao transcendente, ao imaterial, que não tive até hoje. Dito isto, e voltando às verdades, a perspetiva que mais me satisfaz e a perspectiva que o Robin Carhart Harris, que já pensa nestes assuntos e é um tipo brilhante há muitos anos, faz é que ele nos dá acesso não a verdades, digamos, transcendentes e supernaturais ou ao futuro ou coisas do género, mas dá-nos acesso a verdades ancestrais. Ou seja, há verdades que já cá existem há muito tempo, mas que nós, pelo nosso desenvolvimento como espécie e pela especialização que o nosso cérebro empreendeu, pela complexidade enorme que as funções do dia a dia e que as nossas construções como espécie criaram, da ciência, da arquitetura, das artes, da medicina, tudo isto causou-nos uma especialização tão grande e também a nossa vida social, as nossas restrições sociais, o nosso contexto social, obrigou-nos a uma especialização tão grande e uma complexidade, nós somos tão inteligentes, somos tão capazes, que eu acho que nos esquecemos, como espécie, não é cada um de nós, nos esquecemos de coisas muito básicas. Perdemos contato com elas. Há um livro muito giro que se chama Stealing Fire, roubando o fogo. Já li. O que é que eles dizem? Eles dizem que nós, psicodélicos, nós temos necessidade desta visão mais básica da existência, esta visão que comporta experiências místicas, experiências de transcendência, experiências de flow, experiências de plenitude, que transcendem o nosso funcionamento analítico normal. Nós temos necessidade delas, porque sempre as tivemos. E, portanto, diz este investigador que estas verdades são verdades que não são criadas agora, não são manifestadas, não são reveladas, mas são manifestadas, porque já existiam há muito tempo. O que me leva a um ponto que eu acho que é marcante, que o Michael Pollan faz, e que para mim me ajuda bastante a entender o potencial destas substâncias e agora olhando para o planeta, porque já disse que estávamos a falar, olhando para a nossa vida como espécie olhando para a nossa existência no mundo atual ele diz assim, ele diz que Os psicodélicos não fazem nem mais nem menos do que isto, do que criar-nos a esperança que é possível mais em três áreas marcantes da nossa vida. Nossa vida como habitantes deste planeta. Uma é que reduz as separações que nós sentimos entre nós e os outros. Quebra estas barreiras, a barreira do ego no fundo. E se repararmos, esta separação entre nós e os outros está na base dos conflitos, muitos dos conflitos que ainda hoje nos assolam. Migrações, a estigmatização do diferente, seja ele por orientação sexual, por raça, por religião, seja lá o que for, não é? Este problema da separação, do tribalismo, das separações entre nós e o outro é um problema central da nossa existência e que é causador de mortes, de guerras, de sofrimento e temos agora um presidente norte-americano que ele próprio é o símbolo desta separação, desta estupidez entre acharmos que nós somos uns e os outros são diferentes e vamos criar um muro entre nós e os outros. Depois, a ideia de que nós somos separados do meio ambiente, ou seja, que nós não estamos integrados no meio ambiente natural, que a nossa espécie é de alguma maneira especial, e aí podíamos levar para outras discussões mais religiosas, mas não vamos entrar por aí, mas que a nossa espécie está aqui, à parte das outras espécies, e está aqui para controlar o mundo, está aqui para dominar o mundo, e através da ciência e da tecnologia nós vamos ser capazes de o fazê-lo. É outro dos ideias feitas, que esta é mais complexa, porque é mais... Tem aqui pontos interessantes, obviamente, que a tecnologia permite-nos muita coisa e vai-nos permitir, com certeza, muitas coisas no futuro, mas até que ponto é que nos permite ultrapassar o facto de nós sermos animais num planeta, digamos, biológico, num planeta que depende das plantas, de toda a maneira depende das plantas e que podemos destruir o planeta ou pelo menos fazer dele aquilo que nós quisermos que tudo vai correr bem no fim, é outra ideia de que os psicodélicos deitam por terra de uma forma muito clara. E finalmente ajuda-nos a perceber o sofrimento individual da saúde mental, e disso já falámos. E portanto imagino-se uma substância que tem a capacidade de influenciar estas três, na nossa relação com nós mesmos, a nossa relação com o outro e a nossa relação com o planeta e estamos perante aquilo que o meu amigo, o devogado João da Borda da Gama, que tu deves conhecer dizia há pouco tempo numa entrevista ele dizia que por ventura da nossa geração, e eu estou agora a ler porque ajuda, não vamos apanhar outro tema de mudança social tão grande como este, diz ele. E é por isso que ele próprio está um apaixonado por esta temática. Porque de facto o potencial é muito grande e é também por isso que eu me interesso por este tema, não é só pela minha história pessoal e pela perspectiva mais individual. É porque temos aqui uma porta para entendermos o nosso mundo que pode levar a melhorias, que pode levar a algumas soluções criativas, algumas soluções que não fomos capazes até agora de conceber. Sim, não, é giro porque no fundo o que me parece
José Maria Pimentel
é que ao levar a tua consciência para planos diferentes faz-te chegar a conclusões que pela via estrita da racionalidade, digamos assim, são no mínimo muito difíceis e não escaláveis. Se não forem sentidas pela pessoa não gera esse movimento e nós vemos, Olha, para usar o exemplo do vírus que falavas há bocadinho, os argumentos científicos são claramente insuficientes, não é? Se as pessoas não sentirem medo, se não sentires na pele o medo de ti próprio ou de pessoas próximas de ti, nomeadamente pessoas mais velhas ou grupos de risco, dificilmente vais conseguir gerar o efeito social de comportamento que é necessário para responder. Mas é um aspecto engraçado disto, que eu também te gostava de perguntar, e uma vez que tu aludiste a esse livro, ao Stealing Fire, está mesmo na altura de falar disso, é que há uma série de paralelos entre as duas coisas, entre os efeitos neurobiológicos e a experiência dos psicodélicos e uma série de outras coisas. Por exemplo, nesse livro do Stealing Fire, eles falam de meditação, que eu já tinha falado há bocadinho, falam também de esportes radicais, que têm no fundo, são parecidos com aquela questão do Deep Work que eu falava há bocadinho, do trabalho concentrado num desporto radical. O teu cérebro está de tal forma absorvido naquilo, quer dizer, tu não podes, se tu ao estar a, sei lá, a voar da Asa Delta, renta uma montanha escarpada, tu não pode haver 0, 1% da tua capacidade cognitiva que não esteja absorto naquela tarefa, porque evolutivamente isso seria um risco de morte demasiado grande para nós para nos podermos ter dado ao lusto chegar aqui com essa ineficiência. Portanto, ao estar completamente absurdo naquilo, aquilo também te gera uma série de estados mentais que são comparáveis ao dos psicodélicos. Depois há uma série de outras coisas também. Há até o jejum, por exemplo, a obstinância sensorial, durante muito tempo, aparentemente, tem efeitos parecidos. Depois há uma coisa de que o Miguel Farias, que foi o convidado com que eu falei sobre meditação, falava que é aquela história da respiração holotrópica que é do Stanislav Grof, que também é um tipo muito ligado aos psicadélicos e que é uma coisa que junta basicamente música com um ritmo de respiração em grupo que também é outra questão que está muito presente muitas vezes nestas coisas que também gera estados, naquele caso estados mais ou menos de transe e que também eles próprios provocam muitas vezes nas pessoas epifanias semelhantes a estas. Ou seja, isto para dizer, há aqui um mapa, há aqui uma constelação de métodos, se quiseres pausar assim uma designação geral, que parecem todos eles ter, no mínimo, alguma coisa em comum com este efeito que nós estamos a falar do caso dos psicodélicos. Talvez o mais conhecido de todos seja a meditação, mas todos estes têm qualquer coisa em comum, o que é giro. Como é que tu olhas para isso?
Pedro Teixeira
Sim, olho com esse olho também, ou seja, eu vejo as psicodelos como uma ferramenta, uma ferramenta entre várias e tu já referiste várias das quais, várias daquelas que têm o condão de alterar o nosso estado de consciência, basicamente é disso que estamos a falar, estados alternativos de consciência que podem passar por experiências estáticas, experiências de flow, que já refisto algumas, enfim, a experiência sexual é outra que pode ser enquadrada também neste domínio de experiências estáticas de flow, ou a experiência de dança em festivais é outra que também tem esse condão de nos transportar para um... Lá
José Maria Pimentel
está a música, não é?
Pedro Teixeira
Exatamente. E elas têm, de facto, pontos em comum. O que separa... Posso também falar da respiração holotrópica porque tem uma história interessante porque ela foi precisamente criada pelo Sánders Lavegrove, que foi um dos mais marcantes investigadores e é vivo ainda, ainda escreve sobre o assunto, sobre LST, deve ser o homem que mais experiências psicodélicas assistiu e nem sei se não é dos que mais teve ele próprio, mas a respiração alatróplica foi precisamente criada por ele como um método alternativo de induzir um estado de alterado de consciência similar aos dos psicodélicos sem a utilização da substância. O que os psicodélicos trazem de novo é, e que para a ciência, por exemplo, é muito importante, é uma grande... São várias coisas. Para já tem uma potência bastante maior. Portanto, o grau de rapidez com que se mergulha num estado alterado de consciência, o grau de profundidade com que se está, com que se viaja, eu não conheço nenhum outro método que de uma forma minimamente confiável consiga provocar este tipo de experiência. Depois tem também um lado que eu já referi, no fundo, que é de confiabilidade. Como dizes, acho que é o Stéphane de Graff que diz que é ao contrário da meditação, ao contrário de outras experiências como as que referiste, que as coisas às vezes acontecem, outras vezes não acontecem. Às vezes estamos... Ou há experiências místicas, por exemplo, que às vezes acontecem sem nós sabermos porquê. Ou até... O Hoffman estava a caminhar na natureza e de repente via as árvores de uma maneira que nunca tinha visto antes. Os místicos sempre descreveram experiências deste tipo. O que acontece é que com os psicodélicos, como dizia o Groff, ele dizia assim nós damos 200 microgramas de LST a uma pessoa e essa pessoa vai ter uma experiência. Não há dúvida. Não há volta a dar. Um amigo no time perguntava mas será que... Sei que há pessoas que não reagem a dizer, olha, tu tomas X e tu vais ter uma experiência. Sim, é variável, sim, mas há uma certa confiabilidade e capacidade de ser manipulada a experiência que lhe confere uma possibilidade de ser estudada, de ser analisada, de ser repetida e replicada, que para a ciência é essencial. E, portanto, é impossível fazer estudos deste tipo, como se faz com psicodélicos, com outras ferramentas, porque as coisas nunca acontecem de maneira previsível e de uma forma tão marcante. E depois tem o caráter, digamos, o impacto neurobiológico, o impacto que tem em sistemas que nós conhecemos da nossa neurobiologia, quer no sistema de serotonina, no caso dos psicadélicos, quer noutros sistemas, como é o caso do MDMA, que nós não falámos muito, à bocado saltámos, mas é um fármaco fabuloso porque interfere com 3 ou 4 dos nossos sistemas neurofisiológicos marcantes, o sistema de oxitocina, o sistema da dopamina, interfere com a amígdala e com a função que a amígdala tem de despertar emoções muito fortes associadas a determinados eventos e tem também uma função serotonérgica, portanto é sim um 4 em 1 fabuloso e por isso estas experiências com a MDMA são tão especiais. Este perfil de interferência com a nossa fisiologia é também de ordens de magnitude muito superior àquilo que qualquer outra dessas ferramentas tem. Agora, é interessante o que tu dizes, porquê? Porque estas ferramentas não deixam de ser importantes, não deixam de ser interessantes e o que nós muitas vezes ouvimos, e eu próprio já ouvi muitas vezes, já li e também recomendo, é que estas experiências podem fazer parte da nossa vida de uma maneira muito mais constante, regular, ritualizada, do ponto de vista dos nossos padrões comportamentais habituais, a meditação é o melhor exemplo, como complemento e até como reforço das experiências psicadélicas. As pessoas perguntam muitas vezes mas quantas vezes é que tu usas psicadélicos ou quantas vezes é que os psicadélicos devem ser usados?
José Maria Pimentel
A resposta demorava muito tempo.
Pedro Teixeira
A minha resposta, politicamente correta, para não referir aquilo que eu faço para não ser tão... Para não ser aceita de mim é que cada pessoa vai encontrar o padrão que faz sentido para essa pessoa. Mas eu gosto muito de uma resposta que eu vi no outro dia de uma investigadora nesta área que diz assim olha, ela disse o mesmo que eu, disse que as pessoas utilizam, por exemplo, eu tive Um colega meu que esteve num retiro onde eu estive, disse-me passados uns meses, eu nunca mais vou usar psicodélicos na vida. O que eu aprendi naquela experiência vai-me alimentar para o resto da vida. Ainda hoje estou a pensar o que aconteceu e chega-me perfeitamente. E tem o caso oposto. Tem o caso de pessoas que eu conheço também e pessoas que eu respeito muito que há fases da vida em que tomam uma vez por semana. Se calhar um meio termo que eu gostei muito no outro dia, até porque é assim mais ou menos simbólico e leva-nos também para a natureza, esta investigadora dizia assim, dizia que no México com a utilização de cogumelos, creio eu, eles faziam isto uma vez por estação, uma vez por estação. Era sazonal. E portanto, uma vez no inverno, uma vez no verão, uma vez no outono e uma vez na primavera. Eu achei muito bonito porque não só nos aproxima dos elementos e nos aproxima do ritmo natural da vida e das alterações da vida e que se calhar a cada estação nós precisamos de nos renovar, precisamos de nos restaurar e é um bom retiro, é uma boa maneira de ver a utilização, mas também porque nos mostra que estas substâncias e estas experiências são tão marcantes, ou podem ser tão marcantes, sobretudo aquela experiência que eu referi há bocadinho, experiências mais profundas, que não são para fazer todos os dias, não são para fazer todas as semanas e não vão dar frutos a não ser que seja desta forma. Portanto, uma vez por outra, uma vez por ano, ou quando as pessoas necessitarem, depende muito do perfil de cada pessoa. Mas voltando ao nosso tema, depois a meditação, por exemplo, ou as caminhadas na natureza, ou a dança, ou o desenho, ou a escrita, ou as conversas com o psicoterapeuta, todas estas experiências, umas são mais experienciais do que outras, é certo, mas todas elas nos ajudam a integrar a experiência psicadélica no dia a dia. E, portanto, por exemplo, o Michael Pollan dizia que se tornou um meditador muito melhor depois de ter tido uma experiência psicadélica. Porque são experiências que nos fazem de novo ver os fatos.
José Maria Pimentel
Exato, também já ouvi isso. E há quem diga que, no fundo, uma experiência psicadélica, ao mostrar-te o que é que lá está, ao mostrar-te o que é que está no teu inconsciente e ao que tu podes aceder, tirando o teu ego do caminho, persuade-te em relação ao convencement, em relação ao que depois tu podes fazer de uma forma mais trabalhosa,
Pedro Teixeira
mas que depois também só depende de ti com a meditação. Sim, com a meditação ou com outras daquelas atividades que falámos. Há pessoas que, por exemplo, para quem a meditação não apela, não é fácil, não é intuitiva e são pessoas que gostam, por exemplo, de avançar ou de desenhar. Há muitas maneiras de integrar e de processar, porque às vezes estas coisas são difíceis de compreender e precisamos também de métodos que vão para além da racionalidade, vão para além da cognição analítica. Analítica agora do ponto de vista de análise das coisas,
José Maria Pimentel
de secar as coisas. Sim, sim. Mas, sei lá, eu lembro-me- Não psicanalítica.
Pedro Teixeira
Não psicanalítica, exatamente. Eu lembro-me-de ter trazido, de uma das viagens que fiz, a mais marcante que eu tive, eu trouxe uma informação, eu trouxe umas ideias, eu trouxe umas imagens que não me foram fáceis de entender à primeira. E só conversando com o meu psicólogo, na altura, o meu psicoterapeuta, e ele que me conhecia bastante bem, é que conseguimos pôr as peças do pássaro no sítio e só a partir daí é que eu consegui perceber o que estava ali. E a partir daí depois deu origem a outros processos. E portanto, isto para dizer que é preciso dar tempo, é preciso respirar estas experiências, é preciso criar também algum método, como estávamos a dizer, alguma disciplina de voltar àquele espaço. Há uma coisa muito gira que às vezes recomendo, que sei que as pessoas fazem, que é voltar a pôr a música que ouvimos durante a experiência psicadélica. No fundo, criar esse ritual de novo em nossa casa, onde fomos. Há pessoas que até num avião põem a música e às tantas vão por elas a reviver a experiência e a conseguir entendê-la de uma maneira melhor. Isso é muito giro, porque nos dá armas para o dia a dia, nos dá recursos para o dia a dia.
José Maria Pimentel
Claro. Não, isso é até muita piada, porque isso acontece com a música, mesmo noutras experiências, não é se tu ouvires uma música. Eu lembro, por exemplo, quando era mais novo, de ter estado a ler um livro sempre a ouvir o mesmo álbum. Depois, quando eu ouvia aquele álbum, lembrava-me imediatamente do livro, porque aquelas ligações, aquelas sinapses, disparavam e estavam associadas aos dois processos, as duas coisas estavam ligadas no cérebro. Isso é giro. Sabes que outra coisa que tu... Eu estava a me lembrar, agora estava a te ouvir, e estava a me lembrar de um aspecto que não só ajuda um bocado a organizar esta panóplia de atividades e de métodos que nós estávamos a falar como também toca no outro aspecto que é especial dos psicodélicos. Há um livro de dois tipos americanos, um que é o Daniel Goleman, que é muito conhecido, e outro que é um psicólogo e psiquiatra, que é o Richard Davidson, é em que eles falam muito de meditação e também de psicodélicos e eles fazem uma distinção que me parece interessante, que é entre o que eles chamam de estados alterados e traços alterados. E o que eles dizem é que, por exemplo, dançando ou fazendo um desporto radical, por exemplo, tu tens claramente um estado alterado enquanto estás a fazer aquilo. Quer dizer, aquilo desperta-te uma série de adrenalina desde logo e no final tu sentes-te maravilhosamente depois de teres feito aquilo. Quer dizer, isso acontece até a fazer desporto, até num desporto mais banal nós sentimos isso. O que eles dizem é que, ao contrário do que acontece com a meditação de longo prazo ou com psicadélicos, isso não te altera necessariamente os teus traços, se quiseres, os teus circuitos cerebrais de forma definitiva, não é? Ou seja, essas alterações neurobiológicas que acontecem, por exemplo, no caso da depressão, não é? Que no fundo te liberta o cérebro de qualquer forma. O reset, não é? Que no fundo falavas no início ao cérebro, com aquilo não acontece necessariamente. E esse é um aspecto interessante dos psicólogos, ou seja, não só a experiência pode ser reveladora, como os efeitos não... Tanto quanto sei, há efeitos até ao nível da personalidade da pessoa que são detectáveis depois a prazo. Ou seja, não é alterar-te, obviamente, radicalmente a personalidade, mas é aumentar-te, por exemplo, A abertura à experiência, que é um dos cinco traços do chamado modelo dos cinco fatores de personalidade que eu também já falei no podcast. E esse parece-me um aspecto interessante que distingue, se calhar, os psicodélicos e talvez também a meditação de outras práticas. Sim, sim. Embora a investigação
Pedro Teixeira
esteja muito no início, mas há de facto várias indicações, umas de investigação mais fundamental, neurofisiológica e até in vitro. Há estudos que mostram que pode haver neurogens na presença de alguns destes compostos, o que nos leva para campos fantásticos de regeneração celular e que podem ter a ver com a melhoria no fundo com o tratamento do futuro de doenças neurodegenerativas. Mas há também, há outro tipo de análises que permitem pensar que há de facto alterações estruturais no cérebro que acontecem talvez temporárias mas não imediatamente reversíveis. São reversíveis mas demoram algum tempo a ser reversíveis e esse tempo pode ser uma janela de oportunidade
José Maria Pimentel
fabulosa
Pedro Teixeira
para termos transformações para outros métodos. O caso da meditação é um bocadinho diferente porque implica uma prática regular e tudo o que sejam práticas regulares tendem a treinar as nossas estruturas, não é? É um pouco como fazer exercício. Nós fazemos exercício hoje, temos dores amanhã, mas depois passam. Fazemos exercício constantemente e há alterações estruturais E a meditação tem esse condão no nosso cérebro, de certeza, de alterar as estruturas do nosso cérebro. Mas como tu dizias, temos também indicações do lado da psicologia mais... Das diferenças individuais, do lado da psicologia mais clássica em que coisas que parece que não se alterariam como traços de personalidade, não se alterariam na idade adulta, alteram-se como psicodélicos ou parecem alterar-se como psicodélicos. E isso também tem um impacto ou tem um potencial de facto muito grande. Nós podermos ter terapias que deixam marcas mais longas. E O que eu acho interessante é que mesmo que sejam temporárias, mesmo que elas durem alguns meses, por exemplo, pensa-se que os efeitos dos psicodélicos, os efeitos agudos de psicodélicos, os efeitos neurofisiológicos, por exemplo, antidepressivos dos psicodélicos, provavelmente demoram semanas a meses, estão lá durante semanas a meses e depois revertem, o que acontece é que essas semanas e meses mudam a vida das pessoas porque essas semanas e meses permitem que as pessoas vivam a vida, acedam a recursos, estabeleçam relações, se compreendam elas próprias, se vejam elas próprias a ter experiências que de outra forma já estavam esquecidas ou eram impensáveis. E isso por si muda também a vida da pessoa. Portanto, nós entramos numa segunda fase da terapia que é conseguirmos viver, viver mesmo, e ter emoções, e ter relações, e ter experiências que são diferentes daquilo que estávamos habituados. E isso muda a nossa vida, porque permite a gente pensar mas eu posso dançar, eu achava que não dançava em público e eu posso dançar e divirto-me a dançar. E a partir daí a dança passa a ser parte do meu repertório e passa a fazer parte da minha identidade, daquilo que eu faço. E isso muda o filme. Isso muda, de facto, ou tem potencial para mudar o filme. O lado negativo disto, quando estes processos de integração não são bem conseguidos, quando a pessoa salta de uma experiência destas para a vida comum e não dá à experiência o tempo para ela respirar e para ela exercer os seus efeitos e os efeitos perdem-se de facto e não é que seja mal em si, é só um desperdício, no fundo acho que é assim que eu vejo.
José Maria Pimentel
Pois, claro. Assim daí a importância do, no caso de saúde mental, do papel do próprio psicoterapeuta para, no fundo, depois enquadrar essa experiência na vida da pessoa. Eu acho que
Pedro Teixeira
é o melhor cenário de psicoterapeuta. É o melhor cenário possível. Se alguém tem um terapeuta, tem um psicoterapeuta e que está aberto, digamos, a lidar com isto, isto também levanta-nos um tema muito interessante de explorar, que é o papel dos profissionais de saúde mental nesta área. Mas, para mim, é o melhor contexto possível, porque tu não consegues fugir da experiência. Se vais ter terapia passados uns dias, vais ter que falar disto. E depois, na semana seguinte, vais ter que falar disto. E depois não consegues fugir da experiência, não consegues perdê-la e potencialmente tens benefícios. Dessa experiência composta é muito grande.
José Maria Pimentel
E a questão da mente, o que eu acho fascinante aqui é essa, nós já falámos várias vezes, é esta ligação da neurobiologia à mente, porque chamavas a atenção e fizeste muito bem, até porque como vê também a pessoa não se entusiasmar exageradamente com os benefícios, ou seja, terem em conta a realidade que há uma reversão a prazo, ou tudo indica que haja uma reversão a prazo do efeito neurobiológico. Mas o que me palpita é que mesmo essa reversão não será uma reversão total. Pela simples razão de que, e por isso é que existe psicoterapia, não é? A nossa mente e a nossa neurobiologia interagem. Quando eu tenho um pensamento ou tu tens um pensamento, isto tem um substrato neurobiológico, não é? São sinapses a disparar a mesma, não é? E portanto todos os nossos... E no fundo a meditação atua assim, não é? Quando nós temos determinado tipo de experiências, elas próprias não alteraram os nossos circuitos, estão a fortalecer determinadas sinapses em detrimento de outras e, portanto, a prazo, essa articulação, essa dança entre um fármaco, se quisermos chamar um fármaco, ou os psicodélicos e depois a interpretação que é feita e os comportamentos a que isso dá origem e articulação com o psicoterapeuta, parece-me que pode ter uma série de sinergias a prazo que fazem, no fundo, convergir, não de uma só vez, lá está, isso é importante, mas fazem convergir a pessoa, ou divergir, se quiseres, de um caminho problemático para uma via mais equilibrada.
Pedro Teixeira
Sim, e é uma vivência, sabes? É esses meses a seguir a uma experiência profunda destas, tu das por ti a viver, como eu estava a dizer há pouco, a viver num estado alterado de alguma maneira, em que consegues funcionar perfeitamente, mas funcionas de maneira diferente do que funcionavas antes. E, portanto, essa vivência, como tu dizes, ela pode assentar na nossa neurofisiologia em funcionamento diferente, em maneiras diferentes de fazer aquilo que estávamos habituados a fazer. E
José Maria Pimentel
depois dás por ti... Assenta mesmo? Quer dizer, é impossível que não assente, não é? Claro, claro. E criar raízes, não é? Porque tu dás por ti a comportar-te
Pedro Teixeira
de maneira diferente, a reagir... Sei lá, estás numa situação social, talvez esteja o exemplo melhor, não é? E numa situação social, com um familiar habitual, ou com alguém com quem tens uma relação próxima, em que estavas habituado a reagir de determinada maneira, não é? Imagina com a tua esposa, ou com a pessoa com quem vives, a pessoa dizia-te uma coisa e tu reagias de determinada maneira. E neste momento, durante vários meses, ou várias semanas no mínimo, tu percebes é possível reagir de maneira diferente, não preciso ser tão defensivo, não preciso ser tão reativo. Sim, sim. E dás por ti a dizer, isto sou eu também, isto posso ser eu. E às tantas, às tantas passas a ser tu. E isso passa a fazer parte do teu reportório, passa a fazer parte daquilo que é possível para ti. Isto muda? Muda ou potencialmente muda o jogo?
José Maria Pimentel
Isso é muito interessante, até por todos nós temos uma... Pergunto-me até que ponto é que toda a gente dá noção disso, mas nós não controlamos a maneira como reagimos às coisas e todos nós reagimos emocionalmente a algumas coisas de maneira que não gostaríamos. Nós sabemos que se alguém nos disser uma coisa qualquer, ficamos chateados e ficamos de mau humor durante pelo menos meia hora ou até o resto do dia, aquilo é uma coisa que gostaríamos de não ter e, no entanto, é muito difícil de controlar. Essa alteração desse traço mental, para usar aquela distinção da bocadinha, é difícil. E o facto disto permitir fazer isso dá casos, como nós falámos, em que de facto podemos estar a fazer a diferença de uma pessoa ter uma vida com uma série de baixos ou passar a ter uma vida equilibrada e até ver outros horizontes que não via até ali. Não é? Isso é muito interessante. Isso leva-nos ao
Pedro Teixeira
Carlos Gustavo, novamente, ao Jung. Porque, no fundo, essas reações e essas respostas espontâneas que às vezes temos e que são desadequadas ou que no mínimo não são produtivas, elas têm a ver com medos que nós temos, têm a ver com receios ou com ameaças que
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nós sentimos, que podem ser muito sutis, podem ser muito legeiras. Ao criarmos este espaço
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novo entre a potencial da ameaça e a nossa resposta, ou não termos estes mecanismos de defesa tão preparados e o nosso Ego também é o primeiro a fazer a defesa desses mecanismos de defesa, o nosso Ego é o representante desses mecanismos
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de defesa na nossa cabeça que nos protege supostamente, que nos dá ordem e tal, que nos dá defesas.
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O que acontece é isso, é que deixamos de reagir assim necessariamente ou podemos reagir de maneira diferente. Isso faz toda a diferença, porque depois isto é uma interação. E depois o outro, a nossa vida à nossa volta, começa a reagir de maneira diferente para connosco também. E as pessoas podem confiar mais em nós, ou podem estar mais abertas para
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connosco, ou podem rever-se melhor na nossa experiência, etc. E isso pode ser muito transformador. E depois tens coisas muito interessantes, que vou deixar aqui uma nota pessoal, para te expor
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um sorriso, se calhar, porque é daquelas que ainda não estavam explicadas, mas há quem tenha alguma explicação neurofisiológica para isto. Eu tive uma experiência, curiosamente não foi uma experiência que
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me trouxe nada de especial em termos de compreensão de mim mesmo ou de ponto de vista psicológico. Foi uma não experiência, vamos dizer. Mas de facto não foi. E porquê
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que não foi? Estava eu neste sítio, que era um sítio que tinha um jardim verdejante à minha volta, onde eu fui passar um fim de semana, e às tantas, passado umas horas já, já tinha tido a experiência no dia anterior, e olhei lá para fora, e vi a natureza, vi o jardim, e às tantas, eu doí para mim a
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ver o verde do jardim de uma maneira que nunca tinha visto. Aquele verde parecia que tinha óculos, e que o verde brilhava para mim de uma forma como o verde
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nunca tinha brilhado para mim. Bom, eu achei isto assim muito curioso, mas achei que era um artefacto qualquer, era a janela, ou era o dia, ou era a luz do sol, ou qualquer coisa. O que é facto é que isto foi, não sei, acho que foi em março ou maio do ano passado, e até hoje eu nunca mais vi
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o verde da mesma maneira. Eu nunca mais vi o verde na natureza da mesma maneira. E eu vivo perto de Monsanto e hoje tenho uma relação com o verde de Monsanto que perdura até aos dias de hoje. Eu sinto necessidade de ir ver aquele verde regularmente. E na ontem fui com os meus filhos a andar de bicicleta e ascentas parei com eles lá num sítio especial numa colareira lindíssima que tinha lá e comecei a dizer olha a vossa volta, olha o verde à vossa volta. Isto é tão bonito. E agora eu refirmo a isso, refirmo a Monsanto como o nosso jardim verde quando vou com eles porque passamos por lá para ir a comer.