#79 Luana Cunha Ferreira - A psicologia das relações amorosas: intimidade, atracção e os...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Desta vez estou à conversa com a psicóloga Luana Cunha Ferreira. A convidada é simultaneamente professora, investigadora em temas como a intimidade e o desejo nos casais e ainda terapeuta de casal e familiar, por isso traz uma perspectiva muito bem informada sobre, e à falta de melhor termo, a psicologia das relações amorosas. Este tema é ao mesmo tempo interessante pelo que permite compreender da psicologia humana e relevante para... Bem, para qualquer homo sapiens a não celibatário. E pensando bem, em celibatários, até no caso dos padres. Ao mesmo tempo, porém, é extraordinariamente difícil chegar a conclusões muito nítidas neste tema, uma vez que há poucas coisas simultaneamente tão complexas e variáveis como a realidade das relações dos casais. Apesar destas limitações, não deixa de ser um tema com muito pano para mangas. Por um lado temos a natureza humana, que vai dos ímpetos às emoções, que tem aqui uma influência óbvia e essa sim possível de identificar apesar da variação que existe entre os indivíduos. Por outro lado, temos o modo como hoje em dia a nossa moral, a nossa forma de ver o mundo e as nossas vontades, desde a liberdade à igualdade, à procura de uma intimidade plena, criam novas dificuldades nas relações que obrigam a repensar caso a caso os modelos que até aqui tomávamos mais ou menos por adquiridos. Durante a conversa percorremos de forma livre este e outros tópicos que podem encontrar, como habitual, na descrição do episódio e foi de tal forma variada a conversa que tive alguma dificuldade quer em fazer este resumo quer sobretudo em dar um título ao episódio. Espero que gostem. 🎶 Olá, muito bem-vindo ao podcast. Eu vou-te começar por perguntar... Acho que é giro começar por aí, porque tu tens prática clínica nesta área, e eu imagino que esteve a ser uma experiência ultra-rica. É uma especificidade interessante dos psicólogos que, no fundo, têm um acesso quase transversal à sociedade e aos aspectos da maneira de ser das pessoas que muitas vezes estão escondidos do resto das outras pessoas, não é? Isso é um privilégio. E neste caso, eu imagino que tu tenhas um padrão, se calhar mais do que um padrão, não haverá só um único caso, mas haverá uma série de casos que são mais paradigmáticos do tipo de pessoa que te procura ou do tipo de problemas que as pessoas que se procuram trazem, no caso casais ou não. Como é que tu encontrarias isso? Quais são os principais problemas que levam as pessoas a irem ter contigo?
Luana Cunha Ferreira
Olá, antes de mais, obrigada pelo convite. Eu há uns tempos fiz uma TED Talk no Porto, TEDxPorto. Que
José Maria Pimentel
está no YouTube.
Luana Cunha Ferreira
Sim, está no YouTube. Estou a falar disto porque eu acho que começava esta talk com uma frase, pode parecer um bocadinho clichê, não é? Acho que era, cada casal é um planeta, cada família é um planeta. E efetivamente é assim que eu me sinto como clínica, eu acho que muitos colegas também se sentem assim. Quando nós estamos a visitar um casal, melhor, quando o casal nos visita no consultório, parece que estamos mesmo ali num sítio muito privilegiado, portanto com um acesso altamente íntimo àquilo que normalmente não se mostra, que se revela no dia-a-dia das pessoas, mas que não se mostra. E nós temos ali aquele canal de acesso e é de facto uma experiência muito rica e que nos devolve muitas vezes muita humildade também. Acho que isso é definidor da nossa profissão. Como estamos a tentar calçar os sapatos dos outros, que é aquele esforço permanente de colocarmos as lentes dos outros, percebemos o quão singular é a experiência do outro. Por isso é que eu tenho sempre muita dificuldade em responder a questões sobre os padrões ou os tipos. Porque...
José Maria Pimentel
Na minha pergunta é, há sistemas solares de planetas ou estão
Luana Cunha Ferreira
todos separados uns dos outros? Acho que há clusters, sim. Podemos falar em clusters, sim. Neste momento o que é que… Também depende do meu trabalho mais de consultório, mais da Associação Casa Estrela do Mar, mais da faculdade, que também recebo casos. À partida, em termos de casal, aquilo que me chega mais é a diminuição do desejo, portanto, problemas que as pessoas identificam mais na parte da sexualidade e no desejo sexual, Também porque foi esse o foco do meu doutoramento, então acho que também vem a ter comigo muito por causa disso. Questões de infidelidade, acho que cada vez mais, mais uma vez não estou a dizer que a infidelidade está a aumentar, é a minha amostra reduzida, Não tenho dados para dizer isso, mas certamente que me procuram mais por isso. Adaptação a novos estilos, novas fases da vida, por
José Maria Pimentel
exemplo, transição.
Luana Cunha Ferreira
Paternidade. Paternidade, transição para a reforma. Mas Sim, agora que disseste efetivamente a questão da parentalidade é central, nomeadamente na fase dos filhos muito pequenos, dos filhos bebés. Hoje em dia pede-se muito às mães e aos pais, em termos daquilo que é suposto fazerem na altura, que os filhos são pequenos e ninguém está preparado.
José Maria Pimentel
Sim, sim, completamente.
Luana Cunha Ferreira
Sim, eu acho que há um grande embate e cada vez mais pedem ajuda, porque acham que também não tem que ser assim. Em termos de familiares, portanto, mais famílias que procuram, sobretudo, aquilo que nós chamamos de práticas parentais, Portanto, ter um filho ou uma filha com problemas de comportamento e os pais procurarem ajuda para gerirem melhor o comportamento dos filhos em sistémica. Isto é muito visto em terapia familiar, é muito visto com alguma desconfiança benigna em relação à família, porque nós normalmente até chamamos o paciente identificado. Aquilo filho não é necessariamente o paciente, mas é a pessoa que a família identifica como paciente. E isso para nós muda tudo, porque aquilo que nós vamos avaliar e trabalhar é a família e as relações familiares que, eventualmente, podem ter contribuído para produzir aquele sintoma naquela pessoa. Portanto, práticas parentais, muitas questões de ajustamento também à doença crónica, de ajustamento a Divórcios, separações, novas formas de família, claro que sim, os meus, os teus e os nossos. Sim, sim, claro. Como é que se gera esta gente toda agora? Portanto, sim, há alguns clusters de planetas que vão aparecendo. Então vamos,
José Maria Pimentel
se calhar, vamos um por um. Sim. O primeiro que tu falavas do desejo sexual é engraçado porque desde logo liga-se com a tua investigação. Sim. E uma coisa interessante que eu encontrei na tua investigação, na tua tese e noutros artigos depois, achei interessante se calhar porque vai um bocado ao encontro daquilo que eu já achava. Sim. É aquela questão da differentiation of the self.
Luana Cunha Ferreira
Diferenciação do self, sim.
José Maria Pimentel
Ok, então não traduzi o self, já percebi. Self é demasiado poderoso para ser traduzido. Que no fundo tem que ver, é uma coisa engraçada, porque eu acho que vai um bocadinho contra uma narrativa implícita que nós temos hoje em dia e que está relacionada com, no fundo, a pessoa pensa que o casamento feliz ou a relação feliz, não tem que ser o casamento, é algo em que as pessoas estão mais unidas possível. E aquilo que tu chamas a atenção ali é que para haver desejo, desejo no sentido de lato, não é? No fundo, a atração pelo outro. Sim, isso é muito
Luana Cunha Ferreira
importante, porque o desejo não tem que ser só sexual.
José Maria Pimentel
Claro, claro, exatamente, é a atração, não é? No fundo. Se eu tiver, se eu usar algum termo que acho que é impreciso, intervenho, por favor, porque obviamente sou um leiga, portanto estou a usar as coisas não necessariamente no contexto certo. Mas dizia, para isso é importante, obviamente, proximidade e simbiose, mas também é preciso haver a separação suficiente entre dois indivíduos para o outro nos continuar a parecer atraente neste sentido de lado, Porque nós, se for igual a nós próprios, se houver uma fusão tão grande que é quase como se fôssemos nós, isso depois desaparece como é natural, não é? Porque aí é como se fosse uma pessoa só nesse sentido. Eu achei isso interessante, eu já tinha apanhado isso na série Parallel, que estávamos a falar há um bocadinho, e achei uma conclusão engraçada porque é relativamente contraintuitiva, ou vai pelo menos um bocadinho contra aquilo que a pessoa acha que é o ideal.
Luana Cunha Ferreira
Mas é uma ideia, quer dizer, parece que nós sentimos isto de forma já um bocadinho espontânea, que este mito do sempre junto, ou cada vez mais juntos, ou unicarno, ou sempre unidos, acho que a maioria das pessoas já desconfiam um bocadinho. Mas mesmo assim é um mito extraordinariamente resistente. Parece que nós já percebemos que este ideal do amor romântico não funciona para grande parte das pessoas, mas não o conseguimos retirar do pedestal de ideal. Apesar de... Quer dizer, há uma data de outras configurações a surgirem. Configurações de casal e mesmo mantendo a questão monogâmica mais tradicional, configurações de casal lá dentro, só de duas pessoas também. Cada vez mais eu vejo casais em que a liberdade e a autonomia é uma coisa importante, quase que estão nos votos de casamento também. Mas parece que custa sedimentar esse modelo, parece que estamos muito inseguros. E há muitas pessoas muito inseguras desta distância, quase como se fosse… os ingleses têm uma expressão, the next best thing. Aquilo que conseguimos num casamento com autonomia, ou numa relação com autonomia, é bom, é gerível, até nos dá muitos frutos daquilo que nós estamos à procura. Mas bom, bom era aquele ideal do amor romântico que ninguém consegue, ou que se consegue durante os primeiros dois, três anos da relação. Sim,
José Maria Pimentel
mas aqui houve uma dúvida que eu nunca fiquei em relação a isto, que é nós estamos a falar, ou neste caso tu e outras pessoas têm escrito sobre isto, que é exatamente quando se fala desta diferenciação, porque ela pode ser duas coisas. Por exemplo, essa autonomia, por exemplo, pode querer dizer vidas separadas ou haver um lado, no fundo, que é nosso, da nossa vida, enquanto indivíduo que faz parte de um casal e que, no fundo, é completamente separado da outra pessoa, é como se ela não tivesse acesso, é que ela é o teu... É como se fosse uma espécie de plafom de individualidade, mas também pode ser, e eu confesso que sou mais fã deste segundo, embora seja um equilíbrio difícil, uma individualidade integrada, ou seja, algo que tu fazes mas que não deixa de ter a participação da outra pessoa. Esse termo de integração foi um termo que nós chegamos nessa conversa que eu estou a aludir, porque eu achei interessante que no fundo é isso, ou seja, cada pessoa tem, cada elemento do casal tem a sua individualidade, mas isso está integrado na relação em si e não fica como uma espécie de coisa à parte, onde não se pode tocar. Os
Luana Cunha Ferreira
limites não são rigidos. Sim. No fundo é um bocadinho a diferença entre ser independente e aquilo que o professor Pena Prata falava muito, que era interindependência, ou seja, duas independências que se conseguem relacionar sem que isso seja ameaçador.
José Maria Pimentel
É isso mesmo.
Luana Cunha Ferreira
A diferenciação do self é um dos conceitos mais úteis que eu tenho descoberto, por além de ser interessante teoricamente, na prática clínica, são após, são com os casais e com as famílias e até na psicoterapia individual, é extraordinariamente útil, porque tem estas duas componentes e depois uma terceira que é aquela inundita, que é a tal da integração. Isto vem do Bone, do Murray Bone, que era um terapeuta familiar dos anos 70, que tem um modelo muito específico, também sistémico, e ele propôs esta ideia que nós quando crescemos, na adolescência, há ali uma fase em que estamos numa luta com os nossos pais, porque queremos, obviamente, ser independentes, mas ainda não somos autónomos. E portanto, andamos neste chega para lá, chega para cá, isto é meu, isto é partilhado, isto é só o vosso, anda ali naquela luta, que é uma luta pela diferenciação do self. Qual é que é o objetivo desta fase, tendo em conta esta ideia? É tu conseguires crescer com uma intimidade suficiente com os teus pais que não te seja ameaçadora. Portanto, uma intimidade que não seja fusão. E ao mesmo tempo, conseguires estar autónomo mas sem estares completamente independente. Portanto, eu, em algumas aulas que costumo dar, sou muito gráfica, portanto, funciono muito por imagens, tenho uma imagem que é um casal a dançar e de um lado está escrito independência, ou autonomia, não tenho a certeza, e do outro está escrito fusão. Portanto, a diferenciação do self é mesmo esta dança entre estes dois polos. Portanto, é considerada uma má diferenciação do self se tu estiveres numa relação com os teus pais ou com os teus parceiros, porque vários psicólogos adaptaram este conceito da diferenciação na família do self ao casal.
José Maria Pimentel
Ah, ele começou na família. Começou
Luana Cunha Ferreira
em relação à família de origem, portanto esta coisa entre o filho adolescente ou o filho adolescente e os pais. Sim, que Faz sentido. Faz todo sentido, mas depois vem um senhor que é interessante e problemático, que é o David Schnark, que tem muita coisa publicada também muito interessante. E o David Schnark foi dizer, ah, tá bem, mas diferenciar-se dos teus pais até não é uma coisa assim tão difícil, porque é normativo. É natural. Ou seja, é suposto fazeres isso. Agora tu estás em economia comum, completamente apaixonado por alguém que hierarquicamente, se pensares no genograma, que é um dos instrumentos que os terapeutas familiares usam para investigar a família, basicamente uma árvore genealógica, Alguém que está ao teu nível em termos de hierarquia familiar, o teu parceiro, o teu par, quer dizer, diferenciares dessa pessoa, isso sim é verdadeiramente difícil. Então, o conceito de diferenciação do self ficou muito mais focado para a parte do casal. Como esta dança entre conseguir ser autónomo, ter as tuas coisas, os teus projetos, e ao mesmo tempo estares numa intimidade emocional com o outro que é profunda, que não é leve, que não é superficial, porque isso também é uma má diferenciação do self. Há muita gente que não se consegue diferenciar e por isso a única opção é a distância.
José Maria Pimentel
Isso, exato. E parece-me que muitas vezes o que acontece nos casais é que a coisa acaba por tombar para um lado ou para o outro. Ou completa a integração e anulação do self, ou então esses terrenos no go de género, isto é meu e fica quase como um tabu. Pois, só que depois temos
Luana Cunha Ferreira
uma camada ainda mais problemática, não é? Isto como estamos sempre tendo como base a teoria geral dos sistemas, é mais uma camada. É que estão ali duas pessoas. E essas duas pessoas chegam ao casal com a sua própria diferenciação do self em relação à família de origem e provavelmente não é completamente igual. Provavelmente alguém um bocadinho mais distante e alguém um bocadinho mais funcional. E depois há estas lutas incríveis, muitas vezes dos não ditos, porque as pessoas, quer dizer, não se ensinam na escola propriamente, a diferenciação do self seria uma ótima ideia.
José Maria Pimentel
Pois, era preciso tanto, não é? Há uma série de coisas que não se ensinam.
Luana Cunha Ferreira
Não, mas muitas vezes os casais não percebem, acham que têm a ver com características de personalidade, com esta ideia de não somos feitos um para o outro, as pessoas têm muito esta ideia da compatibilidade, que é uma ideia que pessoal e profissionalmente me irrita um bocadinho. Tu
José Maria Pimentel
vais vir falar-me sobre isso.
Luana Cunha Ferreira
Quando começas a dar nomes às coisas os casais começam a perceber que, Ok, eu tenho aqui muitas camadas e aquilo que está difícil, quer dizer, não sou eu, nem és tu, é a nossa articulação, é parte do nós. Porque as pessoas têm direito a não ter uma diferenciação do self completamente desenvolvida, naturalmente. E tem que haver espaço na relação particular depois estas discrepâncias que causam tensão.
José Maria Pimentel
E essa questão da família, que é uma questão engraçada, ainda há bocadinho estávamos a falar disso em Day Of, já percebi que tu vês isso como estando fora da personalidade. Conceptualmente, eu imagino que isso é um debate em si mesmo, mas não é especialmente interessante para aqui, não é? Porque, obviamente, a tua família influencia a tua personalidade, mas o que no fundo imagino que tu queres dizer é que há valores e práticas e uma espécie de pressupostos procedimentais até que não têm necessariamente a ver com a tua personalidade, mas que foram coisas a que tu te habituaste no comportamento dos teus pais, no comportamento deles contigo, os teus irmãos, o resto da família, que depois tu trazes para o casal. Que rimas contigo. Isso é engraçado porque, por um lado, imagina-se que as pessoas, imagine que isso aconteça, não é? As pessoas também se selecionam com base nesses antecedentes comuns, ou seja, tu tendes, provavelmente, é um fator a favor de tu te sentires atraído por alguém, atraído no sentido de, não no sentido sexual, mas no sentido emocional, Por essa pessoa também trazer consigo modos de estar e valores que tenham a ver com os teus, mesmo que a pessoa não tenha sequer
Luana Cunha Ferreira
noção disso. Tanto as vezes e mais semelhantes,
José Maria Pimentel
é isso? Mais semelhantes, sim. Mas no fundo, apesar dessa seleção que provavelmente existe, ou seja, nós tendermos a aproximar-nos de pessoas que são parecidas connosco nesse sentido e que provavelmente tiveram andamentos familiares não muito diferentes, apesar disso, há diferenças suficientes para essa colisão existir na prática?
Luana Cunha Ferreira
Sim, com muitas reticências, ou seja, porque Estava aí subjacente o tal conceito da compatibilidade, que não é um conceito cientificamente aceito. Portanto, que as pessoas mais parecidas tendem a fazer casais melhores, pelo menos.
José Maria Pimentel
Ah, mas eu não disse parecida. Ok. Não disse parecida, sou outra pessoa.
Luana Cunha Ferreira
Estou a dizer parecidas de forma simplista. Atituadas a... A estar no mesmo meio, ou dos mesmos
José Maria Pimentel
valores, ou etc. Porque a casa dos portugueses, por exemplo, este é um facto curioso, todos nós conhecemos casais de portugueses que se conheceram fora de Portugal. Mas lá está. Não é por acaso. Não
Luana Cunha Ferreira
é por acaso e pode não ter absolutamente nada a ver com a forma como essas pessoas se desenvolveram, mas pode ter a ver com a rede social dessas pessoas e a forma como, quando nós estamos lá fora, também tendemos muito... E a cultura, porque somos portugueses,
José Maria Pimentel
não é? Ou seja, não... Provavelmente
Luana Cunha Ferreira
encontram-se com mais facilidade também.
José Maria Pimentel
Também se encontram com mais facilidade.
Luana Cunha Ferreira
A comunidade imigrante muitas vezes fica relativamente fechada. É nisso, não sempre e cada vez menos acho eu. Mas eu não estou a falar... Portanto, também há mais probabilidade de se encontrar. Mas é muito interessante, porque eu acho que as pessoas têm muito isto ainda, esta ideia da compatibilidade. E de facto, em termos científicos, há alguns indicadores. Por exemplo, claro que tendes a ter um grupo de amigos mais próximo, se calhar, dos teus ideais, até das tuas questões políticas ou etc. Mas em termos de casal, A pessoa que nós escolhemos como casal, não há propriamente uma indicação muito clara da ciência sobre se favorece ser parecido. Estou a usar aqui este parecido. Serem semelhantes, não serem semelhantes, o que é que eu te posso dizer? Tanto em termos de vinculação, como em termos, que é outro conceito muito trabalhado na Psicologia, como em termos de diferenciação do self. Claro que se tens uma pessoa, um parceiro, com grandes necessidades de autonomia e que sente até como uma ameaça para si próprio as tentativas do outro estar íntimo e próximo emocionalmente dele. E tens do outro lado alguém que precisa de níveis de intimidade emocional elevadíssimos, pois vai ser um casal muito divertido, no sentido da intensidade e da discussão. Hoje em dia eu não sei se isso necessariamente é uma coisa má por si só, porque já vi casais sobreviverem de... Pronto, em modelos completamente improváveis, mas que de alguma maneira funcionam e as pessoas conseguem ajustar-se e conseguem responder às necessidades uns dos outros, não é? E depois tantas vezes não. Exato, claro. Por isso é que temos a nossa taxa de divórcio também alta.
José Maria Pimentel
Lá está tudo. Isto é uma mistura de uma série de coisas. Por acaso nem ia falar sobre isso, mas agora lembraste-me de uma coisa que está relacionada com isto que nós falávamos no fundo da bagagem da família que nós vimos. A certa altura estava na apresentação de um livro que tinha que ver com... Era mais ou menos diferenças de personalidade no sentido do lado. E obviamente tudo aquilo era questionável, mas houve ali um exercício que não deixou de ser interessante, embora tivesse muito provavelmente de auto-sugestão ou de efeito da sugestão. Aquilo foi uma apresentação engraçada porque era uma apresentação um pouco convencional de um livro. Era uma apresentação em que as pessoas estavam de pé, o modelo era apresentado, que era um modelo destes mais ou menos simples, com quatro ou cinco caixas, onde as pessoas no fundo se poderiam enfiar, e era-lhes pedido que pusessem o pai e a mãe numa daquelas caixas. Sim. E depois no fim perguntava-se quantas das pessoas é que tinham casado com alguém que eles identificavam como tendo a mesma personalidade do que o pai e a mãe. Curiosamente eu fui uma das pessoas que não correspondia a esse modelo, mas houve uma série de gente a auto-identificar-se dessa forma. Obviamente tudo isto é muito simplista, não é? E também não havia... Basta ver que não havia tantas categorias assim para que não fosse difícil. Mas não deixa, provavelmente, ter algum poder explicativo o facto de nós, inconscientemente, procurarmos pessoas que tenham a ver com determinados padrões de comportamentos a que nós fomos habituados enquanto éramos miúdos.
Luana Cunha Ferreira
Pois, às vezes. Mas depois também te podes sentir completamente atraído por algo que é absolutamente novo e contrastante. E tu finalmente dizes, ah, eu assim
José Maria Pimentel
gosto.
Luana Cunha Ferreira
Portanto, efetivamente, acho que não temos dados muito claros. Eu acho que essa ideia, às vezes nos casais é danosa, porque temos esta... Estávamos a falar há bocadinho do amor romântico, e temos várias ideias, o Dan Savage chama-lhe mentiras, não chama mentiras, chama ideias, mitos, que vêm com a questão do amor romântico e uma delas é a da compatibilidade. Tu vais encontrar a pessoa, aquela tua pessoa e quando tu encontras aquela tua pessoa vão ser compatíveis, se não forem compatíveis é porque não é a tua pessoa. E como é que tu sabes que é a tua pessoa? Sabes que é a tua pessoa porque a paixão com essa pessoa vai durar para todo o sempre. Isto são uma data de ideias que a dada altura vão caindo por terra, mas nós não nos conseguimos livrar delas. E, portanto, às vezes sinto muito que alguns casais em terapia vêm ainda com esta ideia de será que é mesmo a minha pessoa, será que não é a minha pessoa, será que é a pessoa certa para mim? E isto é pouco útil. Há perguntas mais interessantes para fazer em terapia do que essa que é muito fechada. A terapia visa, sobretudo, abrir.
José Maria Pimentel
Sim, até porque depois pode ser uma limitação na prática. Se tu ficas preso a esse ideal, depois não consegues gerir na prática uma realidade que é inevitável ser isso. Nós é que fazemos isso.
Luana Cunha Ferreira
E é auto-falsificado, não é? Esta ideia, se só há uma pessoa certa para ti. E se tu estás muito apaixonado por aquela pessoa e aquele casal funciona muito bem durante três anos e depois deixa de funcionar, quer dizer, metendo na máquina qual é que é o resultado. É que não há uma pessoa certa para ti, é que estragaste, só vi uma e estragaste tudo, ou que era aquela pessoa mesmo para ti, mas não eram compatíveis. Claro, claro. Porque a prova deste amor romântico, a prova que a coisa é para durar, é a questão da paixão. E nós sabemos que em termos químicos, em termos relacionais, em termos de tanta coisa, em tantos termos, a questão da paixão e do desejo, como estávamos a dizer no início, não é a coisa mais resistente que há por aí. É muito sensível e modifica-se.
José Maria Pimentel
Sim, sim, até porque não está feita para isso, não está feita para ser resistente, não está feita para tudo. E deixando-me só voltar àquela questão da diferenciação, porque havia um aspecto que depois não te perguntei. Acho que era giro ter aqui alguns exemplos práticos, até da tua prática clínica. Se me conseguires dar um exemplo específico, era giro, para perceber no fundo quais são as resistências que existem às pessoas não terem no fundo essa capacidade ou mesmo identificando essa lacuna não a consigo mudar, porque não é nada fácil nós mudarmos hábitos de vida, muito menos num casal, uma espécie de equilíbrio tácito existe na relação.
Luana Cunha Ferreira
E, além disso, quer dizer, a nossa profissão seria muito mais fácil se pela simples consciência de uma dimensão as pessoas conseguissem logo a alterá-la. Isso é espetacular. Claro. Imagina, sim. Tinha sessões mais curtas e as pessoas se livravam de mim mais cedo. Mas há várias dimensões. Qualquer história que eu contar aqui é uma construção de várias histórias, está bem? Porque nunca vou contar alguma coisa de um cliente. Sim, claro. Melhor. É sempre uma construção. Estou a dizer isto porque numa sessão de casal típica, que é uma coisa que não existe, mas pronto, vamos esforçar. Eu muitas vezes peço aos casais para discutirem. Muitas vezes até lhes dão um exercício que é de 0 a 10. Escolham um tema que seja mais ou menos um 5 de intensidade, mas normalmente é nas primeiras sessões, e discutam como se eu não estivesse aqui. Discutam, ou seja, conversem sobre este tema.
José Maria Pimentel
Um tema, ou seja, uma questão por resolver dentro do casal.
Luana Cunha Ferreira
Sim. Por exemplo, máquina da louça. Exato. Normalmente é um bom 5, não é? Porque, claro, toda a gente sabe que há formas corretas de fazer a máquina da louça e outras extraordinariamente incorretas. Portanto é um bom cinco, normalmente. E é muito giro ver, e é útil porque é um mecanismo de avaliação que eu tenho, quando eles falam, como é que falam se se colocam numa posição, eu ouço, dizem, tu és sempre x, y, z, se fazem críticas destrutivas, críticas à personalidade do outro, como é que o outro reage a isto, ou seja, se imediatamente vai para uma grande defensividade, portanto eu sinto uma acusação e digo logo mas tu, qualquer coisa, qualquer coisa que não tem nada a ver, não estávamos a falar disso tudo isto são indicadores de reatividade emocional, portanto eu não consigo colocar-me num sítio afastado o suficiente do meu parceiro para de facto o ouvir porque estou demasiado próximo, Ou então, que também acontece, porque estou demasiado longe e nem sequer o consigo ver e ouvir. Sim, portanto, isto é um exemplo, estou a dizer isto porque é dos mais comuns esta coisa da discussão, efetivamente. Depois, outra muito tradicional e muito cultural é a questão dos ciúmes. Nós temos muita proximidade com o tema dos ciúmes e claro que se tu não conseguires conceptualizar o outro como estando contigo por escolha, assim de forma verdadeira, E se vires o outro como uma extensão de ti, uma representação de ti, claro que os níveis de ciúmes à partida vão ser bastante mais elevados também, não é? Portanto, nós vemos isto em alguns casais. As questões de ciúmes normalmente começam a surgir quando a diferenciação do self também começa a pitar, por assim dizer.
José Maria Pimentel
Tu disseste nós, nós portugueses? Já não lembro. Ou disseste nós seres humanos? Disseste, é uma coisa muito... Nós temos muito visto dos ciúmes. Acho
Luana Cunha Ferreira
que estava a dizer nós seres humanos. Ah, podia ser nós
José Maria Pimentel
portugueses, o que também era giro.
Luana Cunha Ferreira
Não, necessariamente. Acho que a visão do ciúme, por acaso tenho agora uma doutoranda que vai começar comigo na faculdade um novo estudo sobre o ciúme e o que é que o ciúme tem a ver com o poder e com a violência, porque o ciúme normalmente é muito bem visto. Níveis adequados de ciúmes até são bem vistos, mas depois nós vamos tentar investigar se isto é mesmo assim ou se é um indicador de outras questões eventualmente dinâmicas de poder menos positivas no casal. Tu
José Maria Pimentel
achas que na tua experiência os ciúmes tendem a ser diferentes entre homens e mulheres, por exemplo? Eu
Luana Cunha Ferreira
hoje em dia até já tenho dificuldade em pensar nestes termos, ou seja, tenho as médias e as
José Maria Pimentel
tendências. Estão a falar de tendências, obviamente, claro que por acaso é um caso. Sim, claro, mas
Luana Cunha Ferreira
por acaso na questão dos ciúmes eu não deteto muito. Também não estou a par, se calhar, da investigação mais recente sobre isto, mas no consultório eu não deteto grandes diferenças em termos de ciúmes. Acho que pode ser um bocado. Lá está, Acho que culturalmente níveis baixos de ciúme, baixos no sentido em que está presente, são recompensados. Mas já vi isto sair fora de mão muitas vezes, em situações mais de violência, etc, em que de repente o ciúme já não é só aquilo, já significa outras coisas.
José Maria Pimentel
Estou a fazer esta pergunta porque eu já apanhei isso várias vezes e confesso que a minha experiência faz algum sentido mas, quer dizer, essas coisas são sempre motividas de dizer. Até lá está evolutivamente que No caso das mulheres os filmes tendem a ser mais emocionais, no sentido de alguém, quer dizer, o parceiro ser, que estou a falar de uma relação heterossexual, obviamente, do parceiro ser intimamente, ficar intimamente ligado a outra pessoa. Ah, ok,
Luana Cunha Ferreira
mas já relacionado com a infidelidade também. Já relacionado com a infidelidade, sim. Sim, aí há diferenças, sim, parece haver algumas diferenças. Sim, cada vez, Diferenças cada vez mais estreitadas. Até na frequência de infidelidade, em que os homens tinham aparentemente a predominância, os estudos dizem que entre 50 a 70% dos homens seriam inféis a dada altura, as mulheres entre 30 a 40%, penso que é, mas acho que os estudos mais recentes mostram que este fosso está a diminuir. Até porque por
José Maria Pimentel
definição, ou seja, tu tens que ser infiel com alguém, não é? Exato. Obviamente que a mesma pessoa
Luana Cunha Ferreira
pode... Por isso é que o Dan Savage diz que a probabilidade da infidelidade entrar na nossa vida a algures é de 100% porque os dados são grandes.
José Maria Pimentel
Sim, não diria porque ele está a assumir que... Eu também apanhei
Luana Cunha Ferreira
essa. Sim, essa parte. Mas em termos
José Maria Pimentel
de diferenças... Mas eles cruzam-se, não são deles? Cruzam-se.
Luana Cunha Ferreira
Em termos de diferenças de género, Sim, diria que em termos clássicos, em termos tradicionais, uma mulher leva mais a sério uma traição emocional e um homem mais a sério uma traição sexual. Mas eu já tenho dificuldade em falar nestes termos porque não é efetivamente a minha experiência de consultório esta diferença e acho que as diferenças estão-se a estreitar bastante. Aliás, quando depois nós damos a entrada na investigação dos casais homossexuais ou das famílias homoafetivas, isto depois muda tudo. E depois há perguntas mais interessantes a
José Maria Pimentel
surgirem a dar a doce. Sim, eu por acaso imagino que deve ser muito interessante isso, porque a dinâmica... Quer dizer, tu de um tens três púlsi, nem se calhar tens duas. Terás um padrão, ou vários, mas também temos sempre a falar em tendências, num casal heterossexual e depois dentro de casais homossexuais terás também dois padrões diferentes, ou seja, não será a mesma coisa. Ou mais. Ou mais. Mas isto para dizer, não é a mesma coisa, eu imagino que a dinâmica não seja a mesma num casal de dois homens ou num casal de duas mulheres.
Luana Cunha Ferreira
Pois, mas eu também não sei se a dinâmica é mesmo entre os casais heterossexuais.
José Maria Pimentel
Claro que não, não é? Mas podemos ser absolutamente relativistas e dizer que não há nada a interpretar
Luana Cunha Ferreira
aqui. Sim, mas é giro porque a investigação que está a surgir, por exemplo, nomeadamente a nível do desenvolvimento dos filhos, mostra que há diferenças. Por exemplo, uma parentalidade numa família heterossexual, ou heteroafetiva neste caso, e numa família homoafetiva. E essas diferenças depois, quando temos tudo na máquina, não são diferentes. O que é que eu quero dizer com isto? Em termos de outcomes, nunca há consenso nestas coisas, mas a vastíssima maioria dos dados indicam que os filhos têm desenvolvimento perfeitamente adequado e muitas vezes até superior. Eu acho que hoje passou-me pelos olhos um estudo quantitativo sobre casais de lésbicas e o que mostravam era que o teor emocional, a relação com o conflito e mais outras variáveis de qualidade familiar, quando contrastadas, eram superiores às das famílias heteronormativas, heteroafetivas, aliás. E, portanto, isto é interessante. Há diferenças, claro que sim, mas cada vez mais o que nos interessa é os processos, é os padrões, efetivamente. Mas
José Maria Pimentel
agora deixa-me fazer aqui uma curva de 90 graus. Gostava muito de ter a tua opinião que é toda esta ideia do casamento. Casamento no sentido lá de casamento barra relação foi evoluindo ao longo da história. Nós hoje em dia temos um estado em que há uma série de coisas que nós assumimos e o nosso modelo atual, tendo uma série de vantagens sobre os modelos que o precederam, depois também cria muitas vezes tensões e desafios grandes. E, no fundo, em relação aos quais é difícil nós termos uma visão crítica porque, claro, crescemos neste modelo e há uma série de coisas giras, acho eu, para discutir. Fazendo-te a pergunta a seco, quais é que tu achas que são os grandes desafios que o modelo que nós somos criados, no fundo culturalmente, achar que é um modelo correto, criam sobre as pessoas? Nós já falámos sobre alguns, não é? Tens a questão do self, de achar que o melhor modelo é o mais unido possível. Tens a questão da infidelidade, que o Dan Savage fala, de nós, evolutivamente, estando obviamente nós construídos para nos sentirmos atraídos por outras pessoas e como lidar com isso. E a maneira de lidar com isso não é assumir que isso não existe, numa espécie de versão idílica. E depois há uma série de outras coisas. Também falámos há um bocadinho da questão da liberdade, no fundo da autonomia versus pretensa. Por um lado queres pretencer, mas por outro lado queres ter a tua individualidade preservada. Quais é que tu achas que são os principais desafios?
Luana Cunha Ferreira
Estou a ouvir agora e uma palavra estava sempre a surgir, que é a palavra negociação. Quando nós nascemos e compramos um modelo já feito, é muito cómodo. Já está tudo feito, não é preciso pensar em nada. Achei que esse modelo nos foi efetivamente desconfortável, como foi por exemplo desconfortável para muitas mulheres e para muitos homens o modelo do casamento tradicional, com as questões de género todas envolvidas. Esta questão das famílias, dos casais homossexuais ou das famílias homoafetivas, homoaparentais também, é muito interessante não só para as próprias, porque como tiveram que criar modelos de raiz, estão efetivamente a criar coisas novas que podem, tal como diz às vezes o Dan Savage também, ser soluções para as famílias mais normativas que andam para aqui a casar-se e a descasar-se, a tentar encontrar novas formas, mas que não têm muitas... Como não tiveram que construir coisas de raiz, e os outros tiveram, aqui os outros com O, grande, no sentido dos grupos mais minoritários. No
José Maria Pimentel
fundo criaram uma coisa nova que era... Tens que negociar tudo à partida. A partir do momento que o casamento mudou, depois de repente passou a...
Luana Cunha Ferreira
Uma destas coisas, e é das coisas que me têm interessado mais, e é francamente das coisas, dos problemas que mais me têm chegado ao consultório também. Problemas, desafios, porque não são só negativos efetivamente, que é a questão da parentalidade masculina. Esta questão que as mulheres, sim senhor, entraram já no mercado de trabalho, já há não sei quanto tempo, em Portugal até quase parece desde sempre, e os homens estavam a demorar a entrar no mundo doméstico, e a ocupar o mundo doméstico, e o mundo doméstico é muito feito também da parentalidade, mas não só. E, portanto, durante muito tempo falava-se desta dupla jornada, as mulheres continuam a fazer o trabalho do dia e o trabalho doméstico, familiar, de cuidar, etc. E neste momento aquilo que eu observo são muitos homens, e aqui estou a falar em estruturas familiares mais normativas, muitos homens a tentarem apanhar o comboio em casa e a não fazerem a mínima ideia como. E às vezes com parceiras muito colaborativas e que quase que os levam ao colo para mostrar como. E outras parceiras que também resistem. E parece que se tem que criar... Mas é
José Maria Pimentel
que apanhar o comboio é o quê? Desculpa, apanhar o comboio... Apanhar
Luana Cunha Ferreira
o comboio em termos de o que é que significa cuidar em casa, o que é que significa tratar da casa, que não é só fazer a máquina da loiça. Quem é que faz o trabalho emocional... Mas
José Maria Pimentel
está a falar dos filhos também? Dos
Luana Cunha Ferreira
filhos, sim, da parentalidade masculina em geral, mas esta coisa de quem é que cuida do bebê, como é que se cuida do bebê, que tipo de cuidar do bebê é que é adequado mais para o homem ou mais para a mulher, parecem coisas muito simples, mas é nisto que os casais estão a passar grande parte do tempo em termos das novas negociações. Quem é que passa a noite com o bebê a chorar pode não ser a mesma pessoa que durante o dia diz que não tem problemas a mudar a fralda ao filho. A participação em termos masculinos hoje em dia está a ser muito mais exigente e por acaso acho que é uma coisa boa porque depois eu vejo também no consultório os frutos disso. É que os pais que hoje em dia participam e participam à séria, não só ao mudar as fraldas, têm acesso a um nível e a uma complexidade de afetos e de experiências parentais que os seus antecessors simplesmente não tinham acesso. E para isto as mulheres têm que prescindir de alguma coisa e isso às vezes também é
José Maria Pimentel
difícil. Isso, exatamente. Pois. Por
Luana Cunha Ferreira
isso é que é preciso ter uma visão sistémica sobre isto, não é? Senão vai estragar o casamento.
José Maria Pimentel
Exatamente. É que os papéis de género restringem, mas também dão segurança.
Luana Cunha Ferreira
Pois, são conhecidos, são normas. É tão confortável ficar na norma se a norma te for favorável. Claro,
José Maria Pimentel
exatamente. Depende de como é que tu te situas perante ela, ou se ela te é agradável ou não, mas tem essa dupla valência. Uma coisa engraçada, estava a pensar nisso até quando estava a preparar esta conversa. Uma coisa que eu reparei quando eu fui pai, há relativamente pouco tempo, e não sei se tu partilhas esta visão, mas no momento em que tu tens um filho, há uma série de papéis de género que entram e não estavam presente até ali. Ou seja, até ali, hoje em
Luana Cunha Ferreira
dia. Tornam-se visíveis. Tornam-se
José Maria Pimentel
visíveis na sociedade atual, acho. Isto não é verdade noutros países, mas em Portugal. Até ter filhos não há grandes papéis de género. Quer dizer, obviamente há a maneira de vestir, muda, há uma certa expectativa em relação à personalidade de homens e mulheres com alguma diferença, mas particularmente na nossa cultura portuguesa não há enormes papéis de género. Sim,
Luana Cunha Ferreira
vamos dizer, a portuguesa urbana do nível socio-cultural específico, sim.
José Maria Pimentel
Eu disse portuguesa porque, por acaso, Portugal nisto até compara relativamente bem com outros países que seria inesperado, países mais... Sim,
Luana Cunha Ferreira
eu concordo neste contexto específico.
José Maria Pimentel
Sim, mas neste contexto, obviamente, claro que sim. Porque aqui as questões... Com essa ressalva. Agora, a partir do momento em que surgem crianças no retrato é muito giro, de repente há um brotar de papéis de género engraçados, em certo sentido compreensíveis, ou seja, eu acho que há uma razão evolutiva biológica mais do que evolutiva, ou seja, a mulher tem o filho, tem uma série de hormonas que se libertam, que leva a que no fundo tenha uma predisposição tendencialmente maior para cuidar do filho, mas depois há todo um exagero que leva a que, por exemplo, sendo homem, tu fiques um bocadinho fora da...
Luana Cunha Ferreira
Sim, hoje em dia não sei francamente o que é hormonal e o que é social. As coisas já são tão antigas, não
José Maria Pimentel
é? Sim, sim, sim. Obviamente que haverá um lado cultural, mas o que eu quero dizer com isto é, independentemente da pessoa achar que o ponto certo seria no meio ou até um pouco deslocado do meio, ele está demasiado deslocado, é o que eu quero dizer. E a giro, eu lembro, por exemplo, de um caso que me ficou na memória. Não há muito tempo em que estávamos numa festa com amigos e era uma festa de uma miúda, de uma criança. E portanto, estava lá muita gente com bebés ou semibebés. E eu estava a segurar na minha filha, reparei que estavam outros homens a segurar nos respectivos e de repente chegou a altura de tirar a fotografia. Eu estava a segurar na miúda, continuei. E depois quando estava a tirar a fotografia reparei que era o único homem a segurar na miúda. Ah, que engraçado. Houve uma troca, estás a perceber? Agora
Luana Cunha Ferreira
vais para o sítio certo.
José Maria Pimentel
Sim, naquele momento, naturalmente não foi negociado, as pessoas nem teriam... Nem tinham consciência disso, mas houve uma passagem. Então estavam todas as mulheres, barbarigas a segurar nos miúdos, que eram todos entre poucos meses de idade e dois ou três anos, e eu era o único que estava lá no meio. E assim, muito engraçado isso. Mas
Luana Cunha Ferreira
isso faz todo o sentido daquilo que tu estás a dizer. Porque eu acho que, lá está, numa determinada classe, nível sociocultural, etc. Acho que os homens estão a entrar imenso, mais do que mudar fraldas. E há qualquer coisa que as mulheres estão, muitas eu acho que posso dizer até este verbo, estão a tentar prescindir, mas que está também a ter custos. Exatamente. E esta ideia do para a fotografia fica com a mãe, sem que as pessoas se calhar ativamente pensem nisso. Provavelmente foi tudo completamente espontâneo, mas faz sentido porque é aquele papel que nos foi atribuído e que por vezes custa muito descolar, às vezes não temos que descolar e anda tudo aqui nesta negociação de queremos todos ser mais pais. Parece que as mães querem ser mais pais com mais autonomia também. E os pais querem ser mais pais por boas razões, porque também estavam sonegados dessa parte. Mas isto está a criar toda uma espécie de confrontos, de negociações, de coisas muito ricas que, para o olhar se calhar mais sistémico, como estamos sempre a falar do contexto, revela, portanto põe aberto, outras questões de poder dentro do casal e outras questões de género dentro do casal. Portanto, às vezes parece que o mudar a fralda é quase uma metáfora para tudo o resto. O mudar a fralda, a máquina de lavar a louça, quem é que organiza melhor a máquina de lavar a louça, etc. E muitas vezes pegamos nestas coisas como metáforas de tudo aquilo que está a mudar e de facto que papeis é que as pessoas querem ter e os ganhos secundários que têm a dada altura se prescindirem de algumas coisas também.
José Maria Pimentel
Pois, e querem de facto, isso é que é engraçado. Eu acho que há uma série de contradições que Às vezes a pessoa nem tem perceção nisso, cada caso é um caso. Eu acho que deve ser muito difícil para uma mulher que não se encaixa facilmente nesse... Quer dizer, que tem um filho e gosta do filho, mas não se encaixa nesse papel de estar num Instagram a aparecer com os dois miúdos no braço ou uma coisa de qualquer jeito. Aliás, o Instagram é um ótimo exemplo. O Instagram está cheio de fotografias de mães com miúdos e não sei o quê. Há praticamente de pais. É uma miragem quase. Enquanto nos... Amigas minhas que tenham tido
Luana Cunha Ferreira
filhos são os cubos... Está tudo lá. Pejados de fotografias de crianças. Também pode ser porque os pais não mais dão atenção à privacidade dos filhos, não tenho a certeza. Talvez, pode ser. Mas seria um olhar positivo. Mas
José Maria Pimentel
é de facto, a diferença a partir do momento em que surgem crianças é abissal. Mas estás
Luana Cunha Ferreira
a ver, até esta mulher hipotética que tu estavas a dizer, uma mulher que não estivesse especialmente virada para ser uma mãe clássica.
José Maria Pimentel
Exato. Mas mãe não quer dizer mãe, é esse papel. Pois, mas eu estava
Luana Cunha Ferreira
até aqui a pensar, mas e se essa mulher estiver completamente virada para ser uma mãe 100% clássica, tudo e mais há uma coisa, mas ao mesmo tempo também quiser ter ao lado um novo pai.
José Maria Pimentel
Mas uma coisa e outra não são incompatíveis?
Luana Cunha Ferreira
Não, eu acho que não, mas têm que ser negociadas, porque é diferente para mim como mãe, a minha filha cair, quem é que ela vai pedir socorro? Então eu e o pai. Este pai é muito participativo. Se for tudo 50-50, eu também tenho 50% de hipóteses de quando a minha filha se folou ao joelho vir a correr para mim e outros 50% ir a correr para o pai. E se calhar se isto for em casa, uma pessoa nem pensa duas vezes, desde que ela saia consolada tudo bem. Mas se estiver na rua, no meio do supermercado, e se este pai é colher a filha, este pai vai ser provavelmente super elogiado, vai ser um paizão, vai ser a exceção, vai ser uma coisa extraordinária, quando basicamente só pegou a minha docol, e consolou que é o trabalho mais básico da parentalidade. A mesma mãe a fazer exatamente a mesma coisa, está só a fazer o seu trabalho, o normal. Portanto, depois há esta decalagem na valorização, que para algumas mulheres pode ser muito difícil, porque supostamente era um papel que nos era dado e que era nosso e de repente há outra pessoa a ocupar e se calhar nós até queríamos isto, mas de repente perdemos esta valorização social. E depois do outro lado andam os homens, por exemplo, nos centros comerciais à procura de casas de banho masculinas com fraldários e depois não há. E depois têm que mudar a fralda no chão, como acontece tantas vezes.
José Maria Pimentel
É verdade. Há um aspecto relacionado que eu lembrei agora que tem que ver também com essas diferenças, mas aqui mais ao nível da atração e não ao nível da parentalidade. Que eu acho que também é outro desafio que existe atualmente, que é... Lá está, nesta sociedade urbana e educada há uma visão mais ou menos partilhada de paridade e que leva no fundo a que nós tentemos ajustar todos os papéis. Para haver atração também não é preciso haver alguma diferença. Não tem que ser uma diferença igual para toda a gente, não é necessariamente de papéis de género, mas tem que haver... Ela reside também nessa diferença, não é? Eu acho que isso é uma contradição também difícil de gerir às vezes. Isso
Luana Cunha Ferreira
tem uma data de contradições, é muito interessante porque aí, tocando na parte, falando agora de uma atração mais sexual, nós aí ainda somos mais individuais do que em todos os temas que nós estivemos a debater até agora. Aquilo que de facto as pessoas na sua sexualidade privada consideram atraente ou não, pode ter N âncoras E não há esta ideia de, mais uma vez, de compatibilidade também, mas esta ideia de ter que haver uma diferença. Às vezes não, tantas vezes não. Pode haver mulheres mais clássicas que considerem extraordinariamente atraente um homem mais dominador e mulheres mais clássicas consideram extraordinariamente atraente um homem mais dominador e mulheres mais clássicas que consideram extraordinariamente atraente um homem mais participativo na plenaridade, por exemplo. E pode haver homens que na prática queiram efetivamente uma parceira super autónoma, super independente, profissionalmente bem-sucedida e que efetivamente durante o dia, passo clichê, olham para ela com grande admiração por isso, mas que efetivamente depois à noite não consideram isso a parte mais sexualmente atraente da parceira. Nós somos muito complicados e estes níveis não foram feitos, parece, para estarem todos arrumadinhos. Somos todos muito desarrumados. E
José Maria Pimentel
sobrepostos uns sobre os outros. O que tu achas sexualmente atraente pode não ser a mesma coisa... Pode ser uma coisa que tu não queres para a tua
Luana Cunha Ferreira
vida, por exemplo. Claro, claro. Isto são tudo camadas. Depois, lá está, volto à palavra para mim chave, que é esta questão da negociação. Eu uso muito com os casais esta ideia que, sexualmente falando, em termos de fantasias, desejos, etc., cada um deve ter o seu jardim privado, e que é privado e que não é para ser partilhado, e escolher um canteiro ou alguns canteiros desse jardim para, efetivamente, estar ali um quintal partilhado. Claro que quanto mais partilhado for esse quintal, melhor pode ser para o casal. É difícil um casal que não tenha pontos que se toquem, efetivamente. Mas estas três entidades devem existir. Não partilhado no sentido em que aquilo que eu acho atraente não tem absolutamente nada a ver com aquilo que o meu parceiro acha atraente em termos de práticas sexuais, por exemplo. Convém haver coisas partilhadas, mas como eu digo muitas vezes aos meus casais, vocês não têm que ser manos, não têm que ser iguaizinhos.
José Maria Pimentel
E há um aspecto engraçado da sexualidade. Não sei se tu partilhas desta visão. Por um lado diria-se que nós, 2019, mundo ocidental num sentido lato, somos a sociedade mais liberal que já houve no mundo, em certo sentido. Hoje em dia tens o... Fala-se de sexo muito mais abertamente do que se falava antes. Podes discutir na televisão, tens anúncios mais ou menos a puxar para o erótico, tens filmes... Até há quem se queixe de uma excessiva sexualização da sociedade. Claro,
Luana Cunha Ferreira
de estarem de todo lado, supostamente.
José Maria Pimentel
Exatamente. Por outro lado, é como se nós nunca tivéssemos estado tão distantes. Porque como somos cada vez mais cerebrais, em certo sentido, mais distantes no nosso dia-a-dia de uma atividade que é, para todos os efeitos, reprodutiva e que, portanto, vem do nosso lado animal, não é? E do nosso lado córtex pré-frontal e vestidos e tapados e não sei se percebes exatamente o que eu quero dizer. Ou seja, embora a sociedade de há 100 ou 200 anos fosse muito mais conservadora no sentido das práticas que eram toleradas… Toda
Luana Cunha Ferreira
a gente tinha muito mais sexo provavelmente.
José Maria Pimentel
Sim. Talvez tivesse, não é? Ou talvez… Talvez… Não sei explicar isso, mas talvez… Nós
Luana Cunha Ferreira
temos esses dados que efetivamente hoje em dia, assim em geral, em tendência etc, estamos a ter menos relações sexuais do que, não sei os dados agora, mas do que há uns tempos atrás, certamente. Mas eu acho que isso é explicado por uma... Lá está.
José Maria Pimentel
Até acho que tem a ver com a urbanização também. Ou seja, tu vais saber isso melhor do que eu, mas o mundo rural é um mundo bastante diferente. E o mundo rural de antigamente, então, é que as pessoas estavam fisicamente próximas. Tu tavas... E havia comunidade. Havia comunidade. Tu tavas... Em conjunto, sempre. Dormia um monte de gente na mesma cama. Hoje em dia é diferente. Sim, estamos mais isolados. Estamos socialmente mais isolados. E claro que houve muitos progressos em termos
Luana Cunha Ferreira
da sexualidade, com algumas acusações de sexualização e tudo, mas eu não sei se o nosso conforto com o prazer cresceu assim tanto. Eu acho que nós estamos cada vez mais virados para a eficácia, para a produção, falando assim de forma lata, e aquilo que se calhar era esperado com toda esta evolução, que era nós virarmos todos um bocadinho mais uns para os outros em termos afetivos e em termos sociais, não acompanhou. Sinto muito triste que não acompanhou. Parece que agora as pessoas têm que ser treinadas a estar uns com os outros e a ouvirem-se. E para além disso a questão do corpo, eu acho que sim, o corpo foi libertado. Não tanto quanto se esperaria, sobretudo a questão do prazer. E a questão do prazer na família, como também fala a Esther Perel, não é? Temos esta ideia ainda, que a partir do momento em que há uma família, não há só um casal, mas há uma família, e estamos aqui a falar de formas muito normativas, a sexualidade desaparece, e é suposto desaparecer. E depois, se queres que te diga, na minha prática clínica, aquilo que eu vejo é casais absolutamente exaustos. Ponto. E a sexualidade também precisa... Ressente-se. Ressente-se completamente. O meu doutoramento foi um dos temas que os casais mais focaram em relação ao desejo. Quando perguntados o que é que influencia o vosso desejo, uma das principais questões era a questão do cansaço. E, efetivamente, as pessoas trabalham cada vez mais, trabalham até muito tarde, têm as vidas muito espartilhadas. Quer dizer, não há magia, efetivamente não há varinhas mágicas para o desejo acontecer, o desejo é muito sensível.
José Maria Pimentel
Agora falavas da Stéphane Pirelli, ela apanhou uma coisa que eu achei interessante em relação a isso, que ela dizia, ok, podemos assumir que existe mais stress hoje em dia e tudo indica que sim, mas o stress sempre existiu, não é? Nós evoluímos com o stress, às vezes o stress é muito pior, não é? Aparte um leão do outro lado da rocha e comer-nos. E no entanto não foi por isso que não nos reproduzimos, não é? Também haverá mais do que o fator stress a intervir, não é?
Luana Cunha Ferreira
Claramente, claramente que sim. Acho que é mesmo esta conjuntura de fatores e depois efetivamente é a expectativa, não é? Eu não sei se a sexualidade sempre foi uma escolha para toda a gente envolvida nas respectivas relações, nomeadamente para as mulheres. Era um dever conjugal. Acho que em direito, em Portugal, até há pouco tempo havia a questão do débito conjugal, algo que a mulher efetivamente devia ao homem. Hoje em dia nós queremos também estar autónomos, queremos fazer aquilo que nos apetece. E esta ideia da pressão para também não funciona bem com o desejo. Mas é assim, tendo dito isto, claro que estamos a falar em média, em geral, em tendência, e os números gerais indicam isso. Mas nas investigações que tenho visto também há boas notícias, não é? Portanto, cada vez mais também há alguns casais que ou que pedem ajuda ou que optam por, por exemplo, alternativas em termos de conjunturas relacionais e optam por outros modelos menos clássicos, podem também ter contributos positivos para o desejo. Portanto, lá está a negociação, as pessoas estão-se a renegociar.
José Maria Pimentel
Sim, e para sobretudo, eu acho que lá está uma alteração, nós falámos disso há bocadinho, O panorama das relações mudou, ou seja, tu tiveste várias alterações de paradigma, não tinhas um paradigma antigo. Recentemente mudaste para um paradigma paritário, pelo menos tendencialmente paritário. Tendencialmente. E sobretudo de pessoas, de indivíduos diferentes e de casamento consensual no sentido de, não é que muitas vezes vamos falar de consensual antes, mas em que ela é uma decisão tua e não uma instituição social que te surge naturalmente, como a maioria, como quem chega aos 18 anos, que era que tu assumes por defeito. Hoje em dia há pessoas que se não quiser casar-se não se casa, não tem que se casar. E mesmo usando o termo no sentido lato, no sentido de não necessariamente casar o papel, mas de ter uma relação conjugal. Se a pessoa não quiser, se quiser ficar solteiro com relações onanófobas a vida toda, pode ficar tranquilamente. E os
Luana Cunha Ferreira
dados da PORDATA também nos mostraram, eu apresentei alguns no outro dia, também nos mostram isso, que há muito mais agregados unifamiliares, pessoas, penso que era o triplo, nas últimas décadas cresceu para o triplo, portanto as pessoas viverem sozinhas efetivamente, E isso já é muito mais aceito e tem esses custos também.
José Maria Pimentel
Isso significa que cada um de nós... Tu sentes uma agência sobre a relação que vais construir muito maior para o bem e para o mal. Porque quando digo para o bem e para o mal, do ponto de vista da eficácia. Para o bem no sentido em que permite... E é até interessante abordar os dois temas. Para o bem no sentido em que permite criar variações. À bocado pareceu-me que estavas a aludir à questão do poliamor, que é uma coisa que tem um enorme problema de branding, mas parece... Porque em português soa péssimo. Mas eu acho que faz sentido discutir, porque é claramente, quer dizer, mais vai explicar melhor do que eu, mas no fundo é ter, é tentar fazer o unbundling, acho eu, entre a questão afetiva e a questão sexual, mais ou menos. E embora também, provavelmente, isto não seja a melhor explicação de todas, porque as duas podem estar envolvidas. Mas, no fundo, é dizer, ok, vamos tentar ter uma espécie de meio termo entre uma relação monogâmica e uma relação livre, ou uma não-relação, em que há uma espécie de casal base, mas depois cada pessoa, dentro de determinados limites, tem liberdade para ter relações com outras pessoas. Claro que lá está que podem ser simplesmente sexo, mas também podem ser relações emocionais. Isso tem várias vertentes. E isto no fundo é tentar desconstruir, é tentar pensar que há aqui estas limitações que algumas pessoas sentem, vamos tentar, em vez de andar de, já não sei quem é que dizia isso também,
Luana Cunha Ferreira
de... Monogamia em série.
José Maria Pimentel
Monogamia em série, não é? Tipo uma espécie de... Que é efetivamente o padrão. Que é o que acontece, que as pessoas são monógamas mas têm várias relações ao longo da vida, tentam ter uma base com uma pessoa, mas mais flexível. Que eles representam-se, de alguma maneira. Esse é um exemplo interessante de, lá está, de as pessoas tentarem explorar e tentarem... Outra hipótese é, dentro de uma relação monógama, a questão da individualidade, não é? Que falámos há bocadinho. E este é o lado bom, não é? O lado bom no sentido exploratório. Criativo. Criativo, não é? Sentido de criar uma coisa nova. E sobretudo de flexibilizar um conceito, não é? Porque é difícil que um determinado conceito sirva para toda a gente. O mais normal é que nós não vivemos todos no mesmo tipo de casa. Vivemos em casas diferentes justamente porque cada um de nós tem preferências pelo número de quartos, pela acessibilidade, por viver numa casa, tipo vivendo ou viver num apartamento, uma série de coisas. O lado mau, digamos assim, ou o lado difícil isto, é que esta maior agência nossa sobre as relações também leva a que nós estejamos muito mais insatisfeitos.
Luana Cunha Ferreira
E muito mais exigentes. E
José Maria Pimentel
muito mais exigentes. E muitas vezes exigentes de coisas contraditórias entre si, lá está. Querer liberdade mas também querer... Queres
Luana Cunha Ferreira
tudo e queres só que seja uma pessoa a dar-te... Exato, sim, sim. ...Muitas vezes, não é? Como essa diz. Em termos do poliamor, eu não sou nem de perto nem de longe especialista. O Daniel Cardoso é que investiga e escreve muito bem sobre o poliamor. Ele tem coisas muito interessantes. Ele é muitas vezes muito injustiçado por algumas intervenções que teve, mas ele é um grande investigador e devia ser efetivamente mais lido. Também em relação às famílias homoaparentais, devo dizer também que não sou especialista, o Jorge Gata é que tem coisas muitíssimo interessantes sobre este tema, mas em relação a estas novas configurações, isto só porque eu gosto de dar crédito a quem deve ter, nós não somos especialistas em tudo e eu tenho muito sorte de ter muitos colegas muito bons que investigam muito bem. Mas em termos destas novas configurações, eu acho que o interessante aqui é que nós estamos todos à procura mais ou menos da mesma coisa, das mesmas duas coisas, identidade e pertença. Tenho a ideia que seja qual for o modelo de psicologia que tu pegues, seja qual for a família que te chega ou o casal que te chega, as pessoas precisam destas coisas, identidade, se sentirem representados por aquilo que apresentam e pela forma como os outros vêm e a pertença aliás sentir que estão bem em algum lado e que são vistos também de uma forma que acolhe essa identidade.
José Maria Pimentel
E união... Não sei qual é o termo para isso, mas união emocional, ou seja, nós somos o animal social, não é? Portanto, somos provavelmente o mais social dos animais, ou pelo menos o mais social dos primatas. Pelo
Luana Cunha Ferreira
menos o que sabe isso, não é?
José Maria Pimentel
Ou o que sabe isso, não, mas nós somos estupidamente sociais, É uma coisa completamente
Luana Cunha Ferreira
absurda. Não sei se os bonobos concordavam contigo, se tivessem
José Maria Pimentel
a 2019. Não sei como é que eles estariam com as redes sociais, mas nós somos... A nossa permeabilidade às redes sociais mostra quão sociais nós somos. E, portanto, procuramos relações próximas com as pessoas e a relação de... Não sei qual é o termo sem ser casamento, conjugal, a relação íntima nesse sentido.
Luana Cunha Ferreira
Sim, acho que é mesmo intimidade.
José Maria Pimentel
É só porque íntimo pode ser amigos íntimos. Pois
Luana Cunha Ferreira
não, intimidade no sentido de intimidade emocional e também
José Maria Pimentel
de pertença, de coesão. No fundo é o pináculo dessa sociabilização, é a relação mais... E essa pertença tem muito a ver com isso também, não é?
Luana Cunha Ferreira
É, Mas isso é também já uma definição da relação, não é? Pode haver relações que não precisam, ou configurações que não precisam que isso seja respondido pela pessoa de interesse, mesmo que seja só... Ah não,
José Maria Pimentel
claro que não. O que eu digo é, quer dizer, assumindo essa variabilidade, é normal que exista nos seres humanos uma tendência para maximizar a proximidade das relações e portanto encontrar alguém com quem tu tens a relação mais próxima de todas. E isso ter uma fonte de realização. Sim, sim, sim. Está a falar do pair bonding, não é?
Luana Cunha Ferreira
Sim, sim. Eu acho que nós gostamos em geral de pares e alguns de nós gostam de mais de um que um par, às vezes ao mesmo tempo e outras vezes em série que é aí que nos
José Maria Pimentel
aproximamos muito. Mas mesmo dentro, isso é que é curioso, porque mesmo, eu não conheço isso muito bem, mas mesmo na vertente do poliamor, que lá está tem um problema de branding, Mesmo aí há um parceiro base, há um pair bonding, ou seja, há uma pessoa... Imagina que haja variantes.
Luana Cunha Ferreira
Há muitas variantes, sim. Portanto, essa é uma das questões que eu, do pouco que sei do poliamor, percebo que muitas vezes não é aposta de uma forma clara, mas daquilo que eu percebo depende, é como se fosse um cristal, que depende a faceta para a qual olhas para ele. Há muito mais diversidade também dentro do quali amor do que contrastando. Podes ter um parceiro ou uma pessoa que é como se fosse a raiz de tudo, e depois tem parceiros ou parceiras à volta que se podem relacionar ou não entre si, ou então tens um casal básico que depois tem outras configurações. Acho que há muitas formas de fazer isto, às vezes de forma mais ou menos aberta, aberta no sentido antigo, quase, anos 70, do amor livre, mas aquilo que eu acho que é mais definidor e mais interessante nas questões da poliamoria é também a questão da negociação, Ou seja, como não está feito, tudo tem que ser absolutamente posto em cima da mesa, para ninguém se magoar. E provavelmente muitas vezes as pessoas magoam-se. De tudo aquilo que eu tenho lido, parece que se magoam menos. Ou seja, não estou a dizer isto num termo comparativo, que as estruturas poliambrosas são melhores que as outras, não é isso que eu estou a dizer. Aliás, porque elas não são prescritivas, não é? Não querem impor absolutamente nada. E
José Maria Pimentel
tem muita variação, portanto, nem dá para... Tem, exato.
Luana Cunha Ferreira
Mas lá está, como tem que negociar tudo, tudo aquilo que seja poder, conflito etc. Fica à partida logo muito mais assegurado e organizado, parece.
José Maria Pimentel
Sim, é negociado enquanto noutros casos é... É supostamente implícito. É implícito e depois não
Luana Cunha Ferreira
é... E os implícitos dão-nos sempre
José Maria Pimentel
problemas como não sabemos, não é? Sim, sim, exatamente. Mas eu acho que um dos desafios tem justamente a ver com implícitos que antigamente funcionavam e agora não funcionam. Ou seja, nós estamos a falar de casamento do ponto de vista da relação entre duas pessoas. Ou mais, não é? Vamos assumir esse exemplo. Sim, casamento
Luana Cunha Ferreira
por enquanto, duas.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Eu estou a usar o termo no sentido de lado. Estou a usar no sentido de uma relação. Mas há outro lado muito importante do casamento que é preciso não esquecer e que tem que ver com o casamento com o facto do casamento ser também uma instituição social. Cumpre um papel, porque é que as pessoas se casam. O casamento, no sentido de celebrar o casamento, seja pelo civil, seja religioso, é uma cerimónia social. E
Luana Cunha Ferreira
a festa em si é uma performance social, para aquelas pessoas aquilo não
José Maria Pimentel
interessa nada, porque se fosse só entre eles os dois, estavam os dois sozinhos numa sala, não precisavam de fazer nada. Sim, é um acto performativo também. Exatamente, não é? Portanto, tem essa função. E aí também existe... Antigamente, tu tinhas, na forma antiga, sendo ela uma forma rígida, ela estava feita para funcionar de uma maneira muito ágil socialmente. No fundo, permitia a cooperação entre os membros do casal, porque cada um tinha a sua função. A partir do momento em que tu passas por um paradigma diferente, cada um tem que negociar a sua função. E, por exemplo, coisas difíceis que hoje em dia estão por trás de muitas dificuldades nas relações e nos divórcios é a questão intertemporal, que é que tu dizes, por exemplo, alguém vai trabalhar para... Tem uma proposta no estrangeiro, por exemplo, ou tem uma proposta em que vai ganhar mais, por exemplo, mas vai ter que trabalhar mais tempo, o que é que o outro faz? Ou há um filho, quem é que vai cuidar? Antigamente tudo isso estava segregado e escrito no papel. Agora tudo isso tem que ser decidido. Sim,
Luana Cunha Ferreira
e as coisas são postas efetivamente em cima da mesa, nomeadamente em relação aos rendimentos familiares. Ter um filho hoje em dia tens de decidir também. Aqui em Portugal, se vais partilhar a licença, se não vais partilhar a licença, isto depois não é tão bonito como está escrito efetivamente na lei também. E muitas vezes os casais dão-se com estas dificuldades que somos muito iguais, muito iguais, mas alguns são um bocadinho mais iguais do que outros. E há custos a nível de rendimento, há sempre esta ideia, não é? Quando se fala do gender gap em Portugal, que não quer dizer que as empresas literalmente paguem menos às mulheres, quer dizer que efetivamente depois no todo esse diferencial sente-se, nomeadamente, em mulheres com filhos. Claro que sim, isso tem que estar tudo em cima da mesa e tem que ser feito de novo. O que continua a deixar-me bastante incrédula é que para muitos casais isso ainda não é feito. Entram direitinhos no casamento como se tudo fosse automático, esta nova tendência mais igualitária e como se tivessem um manual já feito e depois ficam muito surpreendidos ao fim de dois anos de casamento que afinal aquilo não está a funcionar porque o modelo antigo não funcionava e porque eles esqueceram que tinham que criar um modelo próprio daquela relação com as suas regras e as suas coisas.
José Maria Pimentel
E com... Cada um com vontade de autorealização, não é? Que também é uma coisa...
Luana Cunha Ferreira
Claro, e de crescimento e desenvolvimento. E
José Maria Pimentel
há uma crítica que afeta, não sei se tu... Uma crítica mais sociológica, mais, quer dizer, um bocado conservadora, mas eu acho que vale a pena ser discutida, que é a questão de nós hoje em dia termos uma pulsão por querer ser felizes, não é? E mesmo pensando do querer ser felizes para a realização, que não é bem a mesma coisa, que no fundo pode ser mais uma felicidade a longo prazo. O casamento, como lá está, com pessoas a trabalhar e com filhos, não é isso no dia a dia. Uma crítica de índole mais conservadora que é muitas vezes feita que é dizer, e isto leva-nos à questão da taxa de divórcios, que passámos a mesmo tempo para ir à meia hora, que é a questão de dizer que as pessoas estão-se a divorciar mais porque foram habituadas a querer ser feliz e mais ou menos hedonistas, numa vida relativamente fácil em que a pessoa procura o prazer e depois de repente chegas a uma... A relação conjugal é normal que tenhas uma série de obstáculos pelo caminho, né? E isso levando...
Luana Cunha Ferreira
E nós não estamos propriamente treinados para nos mostrarmos vulneráveis e negociarmos numa situação de vulnerabilidade, Esta coisa da diferenciação do selvo que estávamos a falar no início. Isto é uma coisa muito difícil. Tu mostras ao outro, um aparecer que provavelmente é que é mais confias, mas também mais te magoa, se a relação teve alguma intensidade. Sim. Tu mostras as tuas dimensões mais vulneráveis, isto é efetivamente difícil. E quando nós falamos de um casal que já se tem que readaptar, que a felicidade já não é completamente espontânea, ou natural, porque é o início da relação, e nós damos muito valor a estas duas palavras, o espontâneo e o natural é que são bons. Aí nós estamos, como dizia também o Dan Savage, a assinar uma certidão de óbito prevista de um casamento, se vamos dizer que as coisas vão funcionar porque as coisas vão funcionar e ninguém tem que efetivamente passar aqui a dada altura as passas do agarve para se revelar vulnerável e para querer trabalhar as coisas de uma forma diferente. Há muita gente que não lida bem com esta coisa do ter que trabalhar para. Como assim ter que trabalhar para uma relação amorosa funcionar? Como assim as coisas não são espontâneas? Mais uma vez leva-nos àquele mito que estávamos a falar há bocadinho, não é? Parece que se não for espontâneo não vale a pena. Se não for espontâneo é porque não é certo para ti, se não for espontânea é porque não é para fazer. Se não era natural e ninguém tinha que pensar nisto. Isto são duas necessidades completamente antagónicas e deixam as pessoas muitas vezes muito aflitas. Se não for
José Maria Pimentel
natural não é puro, não é um bocadinho isso? Sim, é porque
Luana Cunha Ferreira
não é para ser, se calhar já devia estar fora desta relação, se não tinha que ser tão difícil. Se não tinha que meter a mexer, sim. Claro.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim, sim. É
Luana Cunha Ferreira
muito aquele tal ideal do amor romântico, que se é para ser, tu vais sentir. Ou vai correr bem, vai sempre ser compatível e tudo mais.
José Maria Pimentel
Pondo a coisa de pernas para o ar, eu no início falava-te dos problemas que levavam as pessoas ao teu gabinete, mas também há a versão contrária disto, que é o que é que as relações de sucesso têm que as distingue? Isso
Luana Cunha Ferreira
é uma pergunta muito estudada, curiosamente, por outros, mas também pela sistémica. A sistémica tenta ter pelo menos aquela ideia, não da psicologia positiva mais banal, mas efetivamente da área científica da Psicologia Positiva, que é também muito interessante, que é o que é que funciona. Vamos lá ver o que é que funciona. E no meu doutoramento eu tentei perguntar também isso aos casais, de forma mais qualitativa e mais quantitativa, O que é que eu posso dizer? O que é que funciona? Para já, acho que quem nos estiver a ouvir já vai ter esta palavra da negociação. A questão da negociação, não tanto aquilo que tu fazes, mas o sentir-se seguro naquela relação, para poderes dizer ao outro que olha esta parte não está a funcionar, vamos criar um plano, vamos tentar outra coisa, tentar fazer diferente. Uma coisa que parece muito simples mas que muitos casais não conseguem fazer. Depois, alguns casais, a investigação também nos mostra, isso não é a minha, é dos Gottman, penso eu, se não estou em erro, Os casais felizes tendem a ter uma ideia de si próprios, em termos de qualidade conjugal, muito superior àquilo que efetivamente são. Portanto, eles acham que nós é que somos os bons casais. Nós somos muito melhores que os outros. Essa
José Maria Pimentel
já tenho apanhado. Não sejam, não é? Mas isso se autoalimenta, não é? Sim, sim. É ótimo. É uma self-fulfilling prophecy, em certo sentido.
Luana Cunha Ferreira
E depois, em relação às discussões, à forma de discutir, nós aí também temos indicadores muito claros, por exemplo, crítica destrutiva, apostamento preditivo de divórcio, questões como o desprezo, etc. E no contraste, lá está, casais que conseguem efetivamente estar numa posição de escuta, escuta aqui é um verbo largo, que não tenham a necessidade de se estar constantemente a defender dos ataques do outro, claro que isto depois também tem melhores outcomes. Em relação a mais coisas que funcionem para os casais, eu acho que em termos de intimidade, A vastíssima maioria da minha amostra deu-me uma palavra, uma palavra para mim muito cara, que é autenticidade. A capacidade de colocar a sua autenticidade no casal. De sentirem que a sua autenticidade, a sua genuinidade é bem-vinda no casal e haver espaço para isto. Isto tem a ver com a diferenciação do self, que nós estávamos a falar.
José Maria Pimentel
Autenticidade no sentido de individualidade.
Luana Cunha Ferreira
De individualidade, sim. Os meus casais, entre as que os meus participantes chamaram-lhe também de... Deram-lhe este nome, é do ser autêntico. Eu neste casal posso ser autêntico. E o ser autêntico tem coisas boas e tem coisas más, não é? Mas haver um espaço ali, ou seja, não tem que fazer bonito sempre, não está numa performance propriamente. Isto eram casais satisfeitos nesta amostra, eu só investiguei casais satisfeitos. Por acaso, soube-se isso à posteriori, mas foi interessante. Ah é? Sim. Eu não abri o anúncio de jornal a pedir casais satisfeitos, eu pedi só casais, basicamente. Mas depois, na análise que fiz, qualitativa e quantitativa, vi que, com exceção de um, eram todos casais com dificuldades, claro, mas satisfeitos na conjugalidade. Depois em termos de desejos, especificamente, a questão da autonomia, que não estava descrita em nenhum modelos de relívio em termos de desejo sexual, apareceu imenso também na amostra. Portanto, a capacidade de ouvir o outro como alguém separado de mim, lá está separado, mas íntimo, é uma coisa que aumenta o meu desejo. Mas
José Maria Pimentel
que também aumentava a satisfação, certo? Certo. Está dos dois
Luana Cunha Ferreira
lados. Sim, sim, sim, sim, sim. Porque estão muito relacionados, não é? Nos casais satisfeitos.
José Maria Pimentel
Sim, mas eu até diria, por acaso, intuitivamente, que isso podia estar mais relacionado com o desejo do que com a satisfação emocional.
Luana Cunha Ferreira
Estava presente... Eu não avalia propriamente satisfação emocional, pelo menos não como construto, mas estava-te presente tanto na intimidade emocional como no desejo.
José Maria Pimentel
E há uma coisa gira que tu não falaste aí, acho eu, a não ser que tenha ouvido mal, porque tu falaste da autenticidade, Falaste da individualidade e implícito aí está o pressuposto de que isso é fixo ao longo do tempo. Mas também não é. Acho que esse é outro desafio também interessante, que é o facto de nós próprios irmos evoluindo ao longo do tempo. E eu acho que, por exemplo, numa relação essa, isso também é uma coisa difícil de gerir. Porque qualquer um de nós vai mudando. Porque
Luana Cunha Ferreira
a taxa de mudança não é igual, não é? Pode ser que
José Maria Pimentel
não se ainda tenha... Não, e não é literalmente a mesma pessoa, quer dizer, não é aquele clichê de divorciámonos porque ela era outra pessoa, não é? Puxemos
Luana Cunha Ferreira
em direções opostas, mas isso soubemos.
José Maria Pimentel
É a variação, o facto de que... Mas isso pode ser traumático, ou pode ser difícil de exigir, que de repente estás com uma pessoa que... Dizes-te, mas ele ou ela agora gosta de fazer isto, ou agora... Agora de repente tem... Isso pode
Luana Cunha Ferreira
ser tão bom, não é?
José Maria Pimentel
Claro, sim. Mas acho que é natural que seja um... Porque tu montas a tua vida e montas a tua relação com duas pessoas, com duas pessoas que agem de determinada forma. E a previsibilidade é um dos garantes também dessa intimidade. É,
Luana Cunha Ferreira
é verdade, mas isso leva-nos outra vez à questão do divórcio. Muitas vezes, quando ocorre um divórcio, eu não consigo dizer que aquele casamento falhou. Há casamentos de sucesso que foram casamentos de sucesso até à sua conclusão e que a sua conclusão não representa necessariamente um falhanço. Porque aquelas pessoas de facto conseguiram, imagina, durante 10 anos, fazer uma relação incrível
José Maria Pimentel
que
Luana Cunha Ferreira
depois seguiu um ciclo, que eu não sei se posso aplicar a palavra natural, ou se já estou a esticar demais, mas que seguiu um ciclo e que fechou ali. Mas esta ideia não é uma ideia propriamente popular hoje em dia, o divórcio ainda é visto como falhaço,
José Maria Pimentel
ponto. Sim, eu estou de acordo contigo, eu acho que não acho que se deve ignorar o aumento da taxa de divórcio, eu nem sei como é que Portugal compara com outros países, não sei se comparamos
Luana Cunha Ferreira
bem ou mal. Nós estamos um bocadinho estranhos, para variar. É? É, nós estivemos ali na parte da crise de 2011, nomeadamente, portanto na crise mais expressiva de um pico de divórcios incrível, penso que chegamos a 74, ponto 74 de divórcios por casamento, e na altura isso rebentava com todas as calas praticamente, se não estávamos no número 1 estaríamos no número 2 ou 3, não me lembro. E depois tem vindo a reduzir, neste momento já estamos, não sei se temos já os números de 2018, Sim, temos os 2018, é para os pontos 64, estão a diminuir os divórcios. E não sei se é porque as pessoas estão a dar melhor. Ou há menos pessoas para se divorciar. Pois é, que há menos casamentos também. E também estão, na crise depois houve ali um picozinho, e depois também estão a decrescer. Claro que só se divorcia quem se casa. E em Portugal nós não temos os dados das uniões de facto, o que também me irrita profundamente. É porque se precisares de uma declaração de união de facto, fazes a junta de freguesia e podes pedir se estiveres em economia comum há dois anos. Mas a maioria das pessoas não precisa desta declaração para absolutamente
José Maria Pimentel
nada. E portanto nunca chega a pedi-lo.
Luana Cunha Ferreira
Nem eu sei, e por eu, estou a dizer o Estado, sabe se quem entrega um IRS em conjunto está efetivamente em união de facto. Ou não, não é? Portanto, não temos dados…
José Maria Pimentel
Sim, também tens uniões de facto fictícias, não é?
Luana Cunha Ferreira
Pois, não sei, mas eu acho que neste momento o número de uniões de facto, eu não sei se já não ultrapassará o casamento. Irrita-me muito não saber isso,
José Maria Pimentel
porque acho que era mesmo muito importante. Não tens um problema de dado gigante.
Luana Cunha Ferreira
Sim, não sei se no censo agora isso não vai aparecer também como questão, já que outras não vão aparecer infelizmente. Essa era útil a aparecer.
José Maria Pimentel
Sim, fazia todo sentido, porque não consegues estudar bem
Luana Cunha Ferreira
a realidade. Mesmo esta ideia da relação entre casamentos e divórcios, pode não ser completamente clara.
José Maria Pimentel
É porque eu ia dizer, a variável taxa de divórcios já tem problemas de si, mesmo para o lado disso. É verdade. Que é o facto de não é necessariamente uma boa variável objetivo, não é? Porque tens pessoas que não se divorciam, mas se calhar deviam, e tens pessoas que se divorciaram e ainda bem, não é? Porque noutros tempos...
Luana Cunha Ferreira
Tens pessoas que não se podem divorciar. E tens pessoas que não se podem. E tens pessoas que se divorciam e continuam a viver na mesma casa, porque não conseguem ter duas casas de lá.
José Maria Pimentel
Sendo certo que há um problema social, uma coisa é o divórcio do ponto de vista do bem-estar das pessoas e aí eu sou mais cético em relação a haver um problema. Outra coisa é o divórcio enquanto problema social, por exemplo, no que diz respeito às crianças, não é? E Obviamente que para uma criança é melhor viver... Quer dizer, o pior tudo acho eu é viver com dois pais que se deem mal. Mas é melhor viver com dois pais que se deem... Os estudos mostram e são muito claros. Viver numa relação de conflito é para baixo da escala. Divórcio é melhor do que pais que se deem mal. Mas o ideal é pais que se deem bem, não é? Portanto, do ponto de vista dessa externalidade para os miúdos, claro que sim. Do ponto de vista dos próprios, já por acaso não tenho tanta certeza porque acho que é muito difícil tu analisar, não é? Porque tu vais comparar com quê? Com períodos na história em que as pessoas não se divorciavam porque nem se tinha pensado nisso, não é?
Luana Cunha Ferreira
Não faz sentido, não é? Não
José Maria Pimentel
tem sequer...
Luana Cunha Ferreira
Sempre que mostro nas minhas aulas, eu faço mesmo um print screen da Pordata, do ecrã da Pordata, para mostrar a taxa de divórcio e pergunto a gente... Pronto, diz sempre toda a gente quando eu peço o feedback. É muito engraçado porque já havia o professor em 1974, não havia divórcios, as pessoas não precisavam se divorciar. Um pequeno detalhe, que não era permitido. E depois tu vês o gráfico da Purdata, é muito interessante. Parece que as pessoas se organizaram ali durante dois anos e depois em 77
José Maria Pimentel
é uma explosão
Luana Cunha Ferreira
incrível que eram todos os divórcios que deviam ter acontecido antes e que não.
José Maria Pimentel
E provavelmente já eram separações consumadas mas cujo divórcio aconteceu ali. É o que dá a entender, sim. Sim, sim, sim. Imagino que seja isso. E agora também há um lado disto interessante que é o lado daquele paradoxo da liberdade que falávamos há pouco. A liberdade causa-nos também insatisfação, ou seja, o facto de nós sabermos que podíamos estar noutra situação leva-nos a estar insatisfeitos numa situação em que se calhar noutra altura não estaríamos. É o preço a pagar.
Luana Cunha Ferreira
Isso também é muito protetor do self, não é? Mandando agora assim um palavrão, porque, quer dizer, se tu nunca entrares em profundidade e se tiveres sempre as escondas todas abertas, ficas sempre muito confortável ali na tua rede, ou seja, nunca tu mostras efetivamente vulnerável. É difícil uma pessoa mostrar-se vulnerável, por isso é que os casais para mim são tão interessantes, porque é o local mais difícil para ser vulnerável e é mesmo o local onde para funcionar tens de ser vulnerável. Portanto, em si é um paradoxo. E é difícil. Nem sei como é que conseguimos fazer isto e continuamos a insistir. Aliás, é um
José Maria Pimentel
dos conceitos mais plenos, o que mostra. Mas isto, para fazer o ponto, queria eu fazer o ponto de que liberdade e satisfação não estão necessariamente correlacionados. Às vezes parece que sim, parece que vivemos nesse proposto, mas não é necessariamente verdade.
Luana Cunha Ferreira
Pois, não sei bem, não consigo pôr isso em termos tão gerais. Depende dos temas em que falamos. Ou
José Maria Pimentel
seja, o aumento da liberdade, tu tens mais liberdade, não te torna necessariamente... Eu acho que a liberdade é um fim em si mesmo, mas como meio para aumentar a satisfação não é óbvio que seja... Pois nada disto para mim é óbvio. E deixa-me falar de outro tema que nós também já abordámos mais ou menos, que é a questão da infidelidade ou traição, o que lhe quisermos chamar. Nós andamos aqui um bocadinho a zigzaguear na conversa porque na verdade aquela tua TED Talk que tu falavas no início aludia justamente a isso. E esse é um tema interessante porque, acho que a pergunta mais interessante a fazer em relação a isso é, nós seres humanos traímos por motivos emocionais ou por motivos de atração? Atração sexual, no sentido em que, qual é a força motriz? É o facto de nós sermos homo sapiens sapiens que evoluíram para se sentir atraídos por outras pessoas, mesmo estando numa relação e mesmo gostando da pessoa ou... Ou
Luana Cunha Ferreira
porque não temos as nossas necessidades respondidas,
José Maria Pimentel
emocionais nessa relação.
Luana Cunha Ferreira
Pois, a tua pergunta parte de um pressuposto que eu não sei se é correto. É que essas duas coisas são diferentes. São categorias cómodas, n? Nós temos que pensar em categorias de adaptoria. É muito importante pensarmos em que categorias é que pensamos quando pensamos nas coisas? Dito isto, eu tenho que responder ambas, porque nós não temos, claro que temos o nosso cérebro de lagarto, mas hoje em dia nós sabemos que o nosso cérebro de lagarto, portanto o nosso cérebro mais profundo, que também regula partes do desejo sexual, não tem o domínio total sobre o desejo. Também vi isso nas entrevistas que fiz. O desejo é mesmo muito permeável a outras influências do exterior. Porque senão a resposta Era muito simples, bastava arranjarmos respostas para essas necessidades e não tínhamos outro tipo de necessidades psicológicas. Só que o desejo é muito confuso e confunde-se efetivamente os dois, essas duas categorias. Tanto que eu tenho dificuldade em colocar limites. Mas
José Maria Pimentel
tu diz o teu ponto, para eu perceber, o teu ponto é que elas se sobrepõem em certo sentido, ou seja, se tu fizesse os dois conjuntos e eles tinham ali uma interseção, ou que eles são mesmo completamente sobrepostos e no fundo é como se fosse a mesma coisa? Que
Luana Cunha Ferreira
de pessoa para pessoa podem ter posições completamente diferentes, em termos dessa sobreposição. Há pessoas, efetivamente, para quem há atração sexual é uma coisa quase muito química de pele, que não conseguem explicar, ou que até conseguem explicar apenas com esta categoria.
José Maria Pimentel
Há pessoas que
Luana Cunha Ferreira
claramente o desejo é um outcome de outra coisa que esteja a acontecer na relação com esse objeto do desejo, por assim dizer. E há tantas outras onde isto adquire posições muito diferenciadas. Agora, uma coisa que eu tenho poucas dúvidas. O desejo é uma expressão da nossa individualidade e, portanto, claro que em relações em que a nossa individualidade não esteja a ser acolhida, eu diria que seja por si só um fator de risco para a infidelidade, porque vai ter que sair para algum lado.
José Maria Pimentel
Havia um aspecto facto estilizado que acho que tu citavas nesse talk, não tenho a certeza, que é, e que eu também já tinha apanhado e é muito interessante, embora o número possa variar um bocado disto, que é a questão de as pessoas que Só em 10% dos casos é que as pessoas que traem
Luana Cunha Ferreira
ficam com aquela pessoa. Sim.
José Maria Pimentel
É giro, tem muita piada isso.
Luana Cunha Ferreira
É, é giro e é doloroso para muitas pessoas também.
José Maria Pimentel
Sim, para quem? Quais delas?
Luana Cunha Ferreira
Para todos os do triângulo envolvido, não é? Para aquelas que dizem, então, mas não valia a pena porque é que isto aconteceu. Para aquelas que dizem, eu pensava que isto ia valer a pena, não é? E para aquelas que ficam também com uma outra expectativa, não é? Que teriam outro tipo de papel. 10%, por acaso, acho que essa figura até é um bocado violenta de alguma maneira.
José Maria Pimentel
Sim, 10% é incrivelmente baixo.
Luana Cunha Ferreira
Há qualquer coisa tão poderosa na infidelidade que faz com que mesmo com essa figura dos 10% as pessoas o façam. Se calhar é mesmo uma coisa importante na nossa sociedade, no sentido em que também Dan Savage diz, se calhar é mesmo para começarmos a repensar a forma como fazemos casais, em termos das categorias estanques onde pomos as coisas.
José Maria Pimentel
Mas pensar em que direção? Ou em que direções? Lá
Luana Cunha Ferreira
está, para mim, na direção da negociação. O Dan Savage até diz uma coisa que eu acho interessante. Ele considera-se um casal monogâmico, não é? Portanto, tendencialmente monogâmico, não é poliamoroso, nem em relação aberta, propriamente dito. É tendencialmente monogâmico, mas de vez em quando com os convidados especiais. Acho que é a figura que ele até utiliza. Mas ele diz, efetivamente, que aquilo que lhe dá mais prazer é estar com o seu parceiro, não é? Portanto, os outros que lhe acontecem muito de vez em quando, parece-me pela forma como ele explica a coisa, são algo muito enriquecedor da sua vida, mas efetivamente muito pontual. E ele diz que para seres parte, consideras esta categoria de monógames, para seres um casal
José Maria Pimentel
monógames, não tens que... Semi-monógame, não
Luana Cunha Ferreira
é? No fundo. Eu acho que gosto mais do tendencialmente monogámico do que o semi. Não tens efetivamente que estar com uma terceira pessoa, sexualmente falando. Mas o ponto dele tem mais
José Maria Pimentel
a ver com a parte sexual, acho eu. Eu
Luana Cunha Ferreira
achei que sim ao princípio, mas depois vendo melhor, quer dizer, vendo uma segunda ou uma terceira vez a coisa, e eu achei que ele estava a dizer que basta abrir o espaço mental para que, sim, é normal sentir-nos atraído por outras pessoas, e isso não quer dizer que façamos alguma coisa nesse sentido, mas quer dizer que deitamos um bocado por terra, mais não seja aqui entre nós os dois, este ideal romântico, em que percebemos que isto, pronto, se calhar é um conjunto de mentiras muito bem intencionadas, ou pelo menos com uma intenção muito clara. O simples facto de tu assumires dentro do teu casal que isso é um ideal, mas que as coisas não acontecem assim, ou seja, que naturalmente a paixão não dura a vida toda e é suposto nunca mais desejar durante os próximos 60 anos outra pessoa, que isso é um sinal do amor verdadeiro. Mas
José Maria Pimentel
o amor pode durar a vida toda.
Luana Cunha Ferreira
Sim, o amor aqui no sentido mais apaixonado. O amor apaixonado e não do amor companheiro. Não,
José Maria Pimentel
mas isso também pode ser questionável. Quer dizer, eu acho que pode durar, mas imagino que haja quem questione isso
Luana Cunha Ferreira
também. E pode-se transformar e há pessoas para as quais a transformação naquele sentido, num sentido mais à direita está muito bem e mais à esquerda não está e outras ao contrário. Há muitas configurações, mas eu acho interessante esta ideia que não temos que desatar, só porque toda a gente é fiel, não temos que desatar todos a dizer que agora não fazemos parte da monogamia ou não queremos uma configuração assim mais clássica, porque de facto somos muito dirigidos para o par, mas acho interessante esta ideia que mesmo para os casais monogâmicos e mesmo à série monogâmicos, esta ideia é útil. Esta ideia que tendencialmente nós não somos monogâmicos e, portanto, se estás a ser, isso pode ser um esforço. E isso pode ser até positivo e pode ser vivido como algo sedutor no casal, mas que não seja uma coisa espontânea e fácil, porque provavelmente não é.
José Maria Pimentel
E a nossa... Nós temos uma tensão, como em muitas outras coisas, entre a nossa moralidade e os nossos instintos. E parte da nossa moralidade, ou grande parte da nossa moralidade, é justamente ir contra os nossos instintos. Ou, necessariamente, ir contra. Controlar-los. Controlar-los, lidar com eles. Ou causar um contorno. A violência, por exemplo. Nós temos uma moral anti-violência à partida, a não ser quando ela é justificada. Isso não é mais do que ir contra o nosso instinto violento de... E nós... Lá está o nosso córtex pré-frontal. Resolver. Exatamente. E fazer esse filtro, não é? O nosso ideal de relação monogâmica é uma coisa muito parecida com isso. No fundo, nós temos uma moral que vê como o bom e eu acho que há várias razões para ver isso como o bom, porque Nós, seres humanos, não é por acaso que temos moral e os bonobos, por exemplo, os bonobos que estão sempre a fazer
Luana Cunha Ferreira
sexo uns com os outros... Tem alguns indicadores de moral também,
José Maria Pimentel
mas é diferente. Certo, há sempre prótipo a moral, mas não tem moral como os seres humanos. Sem par. Portanto, é normal que nós tenhamos... E os chimpanzés, que por acaso são excelentes, e sempre foi isso que eu estou a falar, do ponto de vista da violência. Da guerra. Da guerra, como não têm moral, andam a abulhuns com os outros o tempo todo. A nossa moral serve justamente para controlar esses instintos, mas isto vai ao encontro do teu ponto, reconhecendo esses instintos. Pois. E não fingindo que eles não existem.
Luana Cunha Ferreira
E afirmando que pode não ser completamente natural ou fácil para a maioria das pessoas. A questão da
José Maria Pimentel
violência, por exemplo. Os nossos instintos violentos continuam cá. Não, lá está de novo. Não é que todos tenhamos instintos violentos, mas todos nós temos que há qualquer coisa, uns mais outros menos. E socialmente desenvolvemos uma série de maneiras de os canalizar. O futebol, que eu já falei aqui, é um deles. A pessoa ir ao estádio, libertar aquela raiva, insultar o árbitro e tal. Pessoas seriíssimas que depois vão ao estádio e dizem aquelas coisas. O trânsito é outro, acho que socialmente menos bom. Não está a me lembrar desse agora. Acho que o trânsito não é tão inócuo, não é? Mas é giro, não é? Porque no fundo tu estás a... Nós, sociedade, vivemos sempre neste... Lidamos sempre mal com o nosso lado animal, não é? É uma coisa difícil de gerir. E
Luana Cunha Ferreira
para isso, ainda bem temos algumas estruturas postas em ação para nos ajudarem a moderar isso, não é? Dada a altura temos também pensar um bocadinho no som de perigo, de perigo ou de custo, que a monogamia não é a coisa mais fácil do mundo para muita gente, ou pelo menos não é um given, não é uma coisa espontânea, pode ter algum risco, mas quer dizer, vai acabar a sociedade ocidental e eu tenho muitas desconfianças desses medos muito aprofundados que hoje em dia também vêm em reação. Parece-me que temos mais a ganhar com a satisfação das pessoas, com a negociação, com as pessoas magoarem-se menos, com as pessoas sentirem-se mais autênticas, com pertencerem a sítios onde sentem que a sua identidade é acolhida. Parece-me interessante pelo menos a explorar.
José Maria Pimentel
E parece-me interessante para fim de conversa também. Antes de passarmos, como é hábito, às recomendações do convidado, deixem-me lembrar-vos que podem contribuir para a continuidade de desenvolvimento deste projeto. Visitem o site em 45graus.parafuso.net barra Apoiar para ver como podem contribuir, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Caso não possam apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45°, avaliando-o nas principais plataformas de podcasts e divulgando-o entre amigos e familiares. Muito obrigado pelo vosso apoio e agora, de volta à conversa. Muito obrigado por teres vindo.
Luana Cunha Ferreira
Obrigada a eu, gostei muito.
José Maria Pimentel
E agora o palco é teu para sugerir os livros, ou hoje, ainda não percebi.
Luana Cunha Ferreira
Pois, porque eu sou também uma pessoa indecisa, não é? Mas trouxe um que efetivamente recomendo e é de uma autora portuguesa, a Ana Carvalheira, uma colega minha psicóloga de outra instituição, do ISPA, que escreveu um livro chamado Em Defesa do Erotismo, que eu acho que tem muito a ver também com as questões que nós falamos aqui hoje dos casais, da identidade e sobretudo do desejo. Ela tem uma abordagem muito interessante ao desejo e é uma pessoa que investiga também de uma forma extraordinária. E depois trouxe outro, e portanto esse livro já li e recomendo devidamente, e trouxe outro que acabei de comprar, estava a te dizer este domingo e portanto vou recomendar apesar de ainda não o ter lido porque acho que é mesmo interessante. Comprei na livraria Atravessa, ali no Príncipe Real, uma livraria brasileira. Chama-se Alternativas Sistémicas, Bem-Viver, Decrescimento, Comuns, Ecofeminismo, Direitos da Mãe Terra e Desglobalização. Apesar de ser um nome um bocadinho mais romântico do que eu gosto, gosto de termos mais específicos, parece-me que faz todo o sentido em 2019 e no fim de 2019, com tudo aquilo que tem acontecido, exploramos mais estas avenidas.
José Maria Pimentel
Boa, boa. Obrigado.
Luana Cunha Ferreira
Obrigada pelo convite e pela conversa.
José Maria Pimentel
O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia. Mecenas como Gustavo Pimenta, Eduardo Correia de Matos, João Baltazar, Salvador Cunha, Duarte Dória, Tiago Leite, Joana Farialve, João Manzarra, Mafalda Lopes da Costa, Rui Oliveira Costa, Carlos Martins, entre muitos outros a quem agradeço e cujos nomes encontro na descrição deste episódio. Até à próxima.