#78 Pedro Morgado - Doenças psiquiátricas: causas, tratamento e os mistérios que persistem

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. Neste episódio eu converso com Pedro Morgado, médico-psiquiatra. O Pedro é professor nas áreas de psiquiatria, neuroanatomia e comunicação clínica na Escola de Medicina da Universidade do Minho, da qual é também vice-presidente. Ao mesmo tempo tem prática clínica enquanto psiquiatra no Hospital de Braga e no Centro de Medicina Digital P5. O tema saúde mental é, na verdade, um que já tardava no podcast e, aliás, hei-de voltar a ele no futuro. Nesta conversa escolhi o Pedro por ser psiquiatra com experiência quer na investigação quer em prática clínica. E por isso falamos sobretudo de doenças psiquiátricas que não esgotam minimamente o âmbito da saúde mental e sobretudo sob a perspectiva da medicina. Como disse, É provável que voltei a este tema no futuro e, nesse caso, será provavelmente com alguém que traga a perspectiva da psicologia clínica. Este foi um episódio em que aprendi imenso. O Pedro não só sabe muito do que fala, como é um ótimo comunicador. Durante a conversa percorremos as principais doenças psiquiátricas, Falámos do eterno debate entre causas biológicas e causas psicológicas barra sociais e ainda tivemos tempo para uma discussão mais livre sobre o que explica o facto quer de Portugal ser um dos países europeus com maior prevalência de doenças mentais ou psiquiátricas, quer o facto de termos um perfil de doenças, entre as mais comuns e os menos comuns, bastante diferentes dos nossos países vizinhos e à partida culturalmente e geograficamente próximos. Já sabem que podem encontrar o índice dos tópicos abordados e ainda algumas leituras adicionais na descrição do episódio. Mas agora, deixo-vos com Pedro Morgado.
Pedro Morgado
Bem-vindo ao podcast, Pedro. Vamos falar de saúde mental e doença psiquiátrica, que acho que eu vou começar mesmo por essa pergunta. Qual é a diferença entre as duas e, ao mesmo tempo, também te perguntava qual é exatamente a definição de doença psiquiátrica porque me parece que não será completamente óbvio definir o que é que é uma doença, aliás, se nós pensarmos. Até não só pelas doenças que existiram ao longo da história, como pelo facto de hoje em dia haver coisas que já não são consideradas doenças, pelo contrário, são consideradas absolutamente normais, como a homossexualidade, por exemplo, e coisas que antigamente não eram consideradas doenças e hoje em dia já são, o que significa que a definição não será muito
Pedro Morgado
fácil. Olá, bom dia, obrigado pelo convite E eu acho que essa é uma boa pergunta para começarmos a nossa conversa. Em primeiro lugar, penso que é importante percebermos a diferença entre saúde mental e doença psiquiátrica. A saúde mental diz respeito ao nosso completo bem-estar E o bem-estar tem vários componentes, tem um componente naturalmente que é um componente físico e que está muito ligado e que é indissociável também deste componente menos tangível e é que nós chamamos a saúde mental. E saúde mental diz respeito à nossa capacidade de estarmos bem, à nossa capacidade de desufruirmos dos diferentes componentes da nossa vida, a nossa capacidade de termos recursos para gerir a nossa vida, a nossa capacidade de podermos fazer exercício físico, de podermos expressar a nossa espiritualidade, portanto, tudo aquilo que nos faz sentir bem. Por outro lado, quando falamos de doença, já estamos a falar de algo muito mais circunscrito e por isso é que eu penso que aí faz sentido falarmos mais de doença psiquiátrica e falamos de algo mais circunscrito porque estamos a falar de uma manifestação de algum nível de disfuncionalidade. Portanto, eu defenderia doença psiquiátrica como uma doença do cérebro que tem um impacto no pensamento, no comportamento, nas emoções de uma determinada pessoa. Mas é muito importante nós não perdermos de vista que para haver uma doença tem que haver a tal disfunção cerebral que lhe está subjacente e isso é que fez que ao longo da história nós às vezes nos confundíssemos e olhássemos para determinado comportamento e achássemos que este comportamento pode ser desviante, pode ser menos frequente e chamámos-lhe doença, mas hoje quando olhamos para esse comportamento e tentamos perceber se há a tal disfunção subjacente descobrimos que não e, portanto, doença implica haver uma desfunção do cérebro. Porquê é que eu penso que é importante o termo doença psiquiátrica em vez de doença mental? Porque a separação entre o corpo e mente, que é uma coisa completamente obsoleta, foi muito importante para a estigmatização da psiquiatria. Enquanto nós não olharmos para a psiquiatria como uma disciplina médica, como uma disciplina científica da medicina e a tratarmos como tratamos todas as outras áreas da medicina, nós vamos correr o risco de continuar a estigmatizar as situações de doença e, portanto, eu acho que é mais correto falarmos em doença psiquiátrica. Tu aludiste a uma questão interessante que é a questão de,
Pedro Morgado
no fundo, para ser considerada uma doença psiquiátrica tem que ter uma causa visível no cérebro, ou seja, tem que ser identificável e, portanto, acaba por haver, de certa forma, uma ligação entre uma coisa e outra. Ou seja, se tu tiveres um determinado comportamento que... Ou queixas da pessoa, mas depois a medicina tem o desafio de encontrar uma causa visível, não é? De fazer uma ressonância magnética ou o que seja, para encontrar uma alteração no cérebro que consiga, de alguma forma, explicar aquela doença. Por exemplo, no caso da depressão, há um debate até grande entre pessoas que dizem que a depressão é apenas causas biológicas, no sentido em que é sempre uma disfunção do cérebro, porque tens uma maior ação de determinados neurotransmissores, ou pelo contrário, uma ação demasiado baixa desses neurotransmissores, ou determinadas características do córtex da pessoa, por exemplo, e do outro lado tens as pessoas que dizem que tem sobretudo que ver com questões psicológicas da nossa mente. É muito
Pedro Morgado
interessante que a nossa conversa vá por aí, porque agora parece que eu até vou contradizer
Pedro Morgado
o que disse. Porque, de
Pedro Morgado
facto, na realidade, os psiquiatras, a maior parte das vezes, não utilizam esses exames que demonstram a existência de alterações para fazer diagnóstico. Isto parece quase um paradoxo, não é? Eu acabei de dizer que tem que haver disfunção para ser doença e depois estou agora a referir que aquilo que é verdade é que nós não usamos esses exames na prática clínica. Então qual é que é aqui a diferença? É que para algumas doenças nós até podemos ainda não ter detalhado quais são os mecanismos cerebrais que estão disfuncionais. Isso não implica que não exista uma disfunção. Como é que nós trabalhamos na prática? Como é que no dia a dia nós fazemos este diagnóstico? Portanto, as pessoas chegam até nós com uma história de vida, com algumas queixas, outras vezes nem sequer têm queixas, não é? Mas a sua narrativa, o seu discurso ajuda-nos a perceber aquilo que está a acontecer de diferente ao longo do seu percurso e a maior parte das vezes nas doenças em que as pessoas não têm queixas porque não têm insight, não têm capacidade de perceber que estão doentes. Há uma mudança... Como, por exemplo, desculpa interromper-te... Por exemplo, na psicose. Na psicose a pessoa pode estar a experienciar um delírio que para ela é real, que é uma crença falsa, que tem uma extraordinária convicção de certeza. Mas aquilo que nós fazemos enquanto psiquiatras é tentar identificar na narrativa e na biografia desta pessoa se há um corte, se há uma mudança. E se esta mudança não pode ser explicada por qualquer outro fenómeno que não seja o tal fenómeno patológico que está ali
Pedro Morgado
subjacente. Mas, cientificamente, para estabelecer a existência de uma psicose, tu tens que encontrar esse substrato cerebral. Tu estás a dizer que, naquele caso específico, como tu sabes, como já está comprovado que a psicose é uma doença que existe, tu não precisas, naquele caso específico, ir fazê-lo. Mas para estabelecer a existência da psicose, há algum tempo foi preciso... Exatamente. E
Pedro Morgado
a psicose até é um bom exemplo, porque a psicose esquizofrénica, por exemplo, quando não tratada, muda completamente a pessoa, muda a sua personalidade, muda a sua maneira de ser quando não tratada. E, portanto, nós tínhamos já historicamente, desde há muitos anos atrás, descrições muito claras de que havia ali uma evolução patológica, que tinha que estar a acontecer alguma coisa no cérebro e no corpo da pessoa, porque, por exemplo, a psicose esquizofrénica em fases avançadas tem muitos sintomas físicos e tinha que estar ali a acontecer alguma coisa no seu sistema nervoso central que estava a proporcionar esta mudança. Depois há uma outra dificuldade que a psiquiatria tem, é que há muitas situações que são um espectro. Nós temos até um determinado nível, aceitamos aquele comportamento, aquele pensamento ou aquela emoção como normal, a partir de determinado nível ou em determinado contexto começamos a pôr em causa a sua normalidade. E eu posso dar aqui outro exemplo, até porque foi falado esta questão da depressão e da tristeza. Se uma pessoa tem um evento de vida adverso, é natural, é expectável, é aceitável que fique triste e que essa tristeza possa durar algum tempo. Também é expectável que a pessoa possa integrar aquilo que lhe aconteceu, fazer o luto e recuperar dessa tristeza. Ora, quando a tristeza é demasiado profunda, quando ela tem um impacto demasiado significativo na vida da pessoa e até desproporcional àquilo que o motivou, nós temos razões para pensar que se calhar estabeleceu-se ali um fenómeno patológico. E, portanto, esta é a medida que nós utilizamos para fazer o diagnóstico em psiquiatria e a investigação o que é que nos traz? Traz-nos depois uma explicação para estes fenómenos. Porquê que a pessoa que ficou triste não conseguiu recuperar e até teve uma tristeza que é extraordinariamente excessiva, teve perturbações do sono, teve perturbações do apetite, portanto, teve todos os sintomas
Pedro Morgado
que eu sei que estão presentes num quadro de depressão. Pois, porque já até podemos começar pela depressão e até porque é interessante tentar fazer um bocadinho a taxonomia das doenças psiquiátricas. A depressão é um caso, se calhar, dos casos mais interessantes por várias razões, porque é muito prevalente, porque é muito misterioso em termos das causas e também, acho eu, porque a definição ou aquilo que constitui a depressão não é muito óbvio para... Bem, não só tem manifestações diferentes entre as pessoas, mas também se calhar não é muito óbvio para o senso comum, porque depressão não é simplesmente estar triste. Daí, se morrer um familiar e tu ficares triste, isso em si mesmo não por supôr ser uma depressão, não apenas por ter pouca duração, mas também por não ter uma série de outros sintomas associados a que estavas a aludir agora. Prostração, na pessoa não conseguir fazer-se fazer coisas, com massa redundância, não conseguir sair da cama, não conseguir ter gozo, e há mais, estão-me a escapar alguns
Pedro Morgado
provavelmente. Certo. É precisamente essa a diferença. A tristeza que é reativa, como eu já referi, tem uma proporcionalidade em relação àquilo que a provocou. A depressão não é só tristeza, e este é um aspecto importante. O humor deprimido é uma das características que está na depressão, mas como estavas a mencionar, há muitos outros sintomas, nomeadamente a estrenia, que é o grande cansaço que as pessoas com depressão sentem-se. Sentem-se esvaziadas, muitas vezes, do seu sentido de vida, sentem-se incapazes de experienciar prazer em coisas que antes eram muito prazerosas, como estar com os filhos, com os companheiros, estar com os amigos, portanto, passam a ser eventos sem qualquer significado do ponto de vista da ressonância e daquilo que é a experiência emocional. Há os sintomas somáticos, falámos aqui das questões do apetite, as questões do sono, o desinteresse sexual, portanto há uma série de sintomas que se agrupam e que formam aquilo que nós chamamos de um síndrome. Porque nós, e já agora acrescento aqui a outra questão... É porque é um síndrome, não é uma doença? É um síndrome depressivo, porque síndrome também pode ser uma doença, é um conjunto de sintomas. Nós diagnosticamos por um conjunto de sintomas. Por acaso, como nós sabemos que o cérebro tem determinadas alterações, é uma doença. Temos uma explicação fisiotontológica para os sintomas. Mas, se calhar, até temos vários tipos de depressão. Durante muitos anos nós até dividíamos as depressões entre aquelas que chamávamos endógenas e as que chamávamos exógenas, o que significava endógeno que vem de dentro, portanto depressões mais biológicas e mais relacionadas com a própria natureza da pessoa e não com eventos de vida e falávamos das depressões exógenas, ou seja, aquelas que surgiam reativamente a alguma coisa que aconteceu. Essa divisão tem sido posta em causa. Porquê? Porque tanto numa como na outra há fatores endógenos e exógenos que concorrem para o estabelecimento da depressão. Depois há aqui outro fator que também é muito importante nós termos em conta, que é a narrativa que as pessoas constroem quando experienciam um quadro depressivo. Nós podemos ter ao longo da nossa vida situações muito adversas, que vamos gerindo e vamos conseguindo ultrapassar. E há um determinado ponto da vida em que não conseguimos ultrapassar essa situação ou de outra forma em que adoecemos. E pode haver um nível de relação temporal entre o adoecer e aquele evento negativo. E eu posso usar aquele evento negativo para explicar o episódio depressivo que eu estou a experienciar, mas isto não significa que haja aqui uma relação de causa e efeito. Nós sabemos que em termos de grupo há relações de causa e efeito, nós sabemos que as pessoas que têm mais condições de vida, as pessoas que têm eventos de vida adversas, as pessoas que têm menos condições económicas, as pessoas que estão solteiras, viúvas ou divorciadas, as pessoas que estão desempregadas, têm maior risco de sofrer depressão. Mas isto é em termos médios. Há pessoas que têm todas estas características e não deprimem. É preciso cuidado quando fazemos uma excessiva associação entre os eventos de vida e aquele episódio depressivo em concreto. Pode haver essa ligação, mas também pode não ser uma ligação de causa e efeito. Sim,
Pedro Morgado
em última análise é impossível estabelecer essa causalidade. Mas esse debate ou essa distinção entre causas endógenas e causas exógenas tem um paralelo com o debate de causas biológicas e causas psicológicas?
Pedro Morgado
Sim. No fundo é parecido, não é? Psicológicas barra sociais. É muito parecido e é um debate que eu penso que faz cada vez menos sentido na psiquiatria, porque nós temos que olhar para a realidade dos diferentes prismas que a acompanham e, portanto, todas as expressões têm seguramente causas mais biológicas, no sentido de mais físicas, mais de funcionamento cerebral, causas mais psicológicas, que também têm uma relação com a biologia. Pois, claro. E depois causas sociais, de vida, de ambiente em que a pessoa está.
Pedro Morgado
Mas, aliás, eu tenho que te dizer uma coisa, que eu gostava de perguntar. Esse debate do biológico versus psicológico, ou do nature versus nurture, muitas vezes há um relativismo que é feito e com o qual eu tendo a concordar, de dizer que no fundo não é bem possível fazer essa distinção. Mas eu diria que isso também pode enganar um bocadinho em certo sentido. O que me parece não é que a distinção não seja possível ser feita, é que ela, no caso individual, acaba por não ser relevante na medida em que acontecem pelo menos duas coisas. Primeiro, a tua mente age sobre a tua biologia. Por exemplo, um estudo, acho que até foi um dos maiores progressos na investigação nos últimos anos, foi ter conseguido perceber quais eram os genes que provocavam maior tendência para a depressão, por exemplo, mas isso lá está como a palavra que eu utilizo indica uma tendência tu podes ter os alelos, podes ter a versão desse gene ou podes ter no conjunto desses genes mais das versões que são mais conduzentes à depressão e não ter depressão nenhuma e eu não ter e ter precisamente porque depois isso implica depois o nosso caso individual e isso é conjugado com a nossa vida, a interpretação que fazemos da nossa vida, o contexto social em que estamos e isso seria isso, lá está, se estamos desempregados ou não estamos, se estamos viúvos ou não estamos e uma série de coisas. Agora, ainda assim, no caso
José Maria Pimentel
prático,
Pedro Morgado
no caso clínico concreto, há de haver situações em que é mais... Em que a explicação tende mais para um lado, tende mais para o outro. Ou seja, tu podes ter alguém, parece-me haver casos, podes ter alguém que, por ter uma doença física, por exemplo, que induzisse. Era uma das coisas que falavas. Há bocado falavas do facto da depressão poder conduzir a manifestações físicas, mas também existe o contrário. Também existem doenças como diabetes, salvo erro, não é? Sim. Que muitas vezes provocam... Portanto, nesse caso, se não é puramente biológico, pelo menos tem muito de biológico, no sentido em que é uma doença física que está a provocar... Não sei qual é o caminho pelo qual isso acontece.
Pedro Morgado
A depressão também é uma doença física. Pois, claro, sim. Eu acho que isto é um ponto importante. De facto, essa relação existe. Qualquer doença crónica não psiquiátrica é um fator de risco para o desenvolvimento de uma doença psiquiátrica, nomeadamente ansiedade e depressão. Não só a ansiedade, mas também as doenças depressivas. Sobre a questão da relação entre a genética e as doenças, os estudos genéticos são muito importantes. Eu penso que no futuro vão nos
José Maria Pimentel
dar
Pedro Morgado
pistas muito interessantes para compreendermos algumas doenças, mas até o momento no campo da psiquiatria não trouxeram praticamente nada do ponto de vista prático. Nós identificamos N genes que têm uma associação às doenças e encontramos outro fenómeno curioso que é há os mesmos genes associados a doenças muito diferentes, mas depois na prática é como tu dizias, não conseguimos prever esta pessoa por ter este género, vai de certeza ter uma doença ou pelo menos tem uma probabilidade X de vir a ter essa doença porque os outros fatores têm uma importância muito grande quando nós também estamos a avaliar o que é que levou as pessoas a adoecerem. Portanto, neste momento, o que é mais importante é, para cada caso, perceber o que é que se passa com aquela pessoa e construir uma resposta terapêutica que integre os diferentes componentes que estão aqui em jogo. Portanto, a resposta terapêutica, o tratamento que nós vamos ter que montar para a pessoa, e isso é um aspecto muito importante, porque há um objetivo na relação, que é na relação clínica, é um objetivo que é ajudar a pessoa a melhorar e a ver-se livre da situação de doença, e a resposta que nós vamos montar tem que olhar para as diferentes coisas. Por isso é que eu há pouco dizia que já não faz muito sentido andarmos a dividir isto entre biologia e psicologia e sociologia. Temos que atuar nas diferentes dimensões que compõem os quadros e que
Pedro Morgado
motivam os quadros. Mas a minha pergunta tinha exatamente a ver com isso. Parece-me evidente que essa distinção na caracterização da doença serve de pouco, porque ela obviamente tem os dois tipos de causas. Agora, a minha pergunta era, Nos casos específicos, ou seja, pegando no caso da diabetes, porquê que, eu na verdade não sei qual é a causalidade entre a diabetes e a depressão, quer dizer, como é que a diabetes leva à depressão fisicamente, como é que isso acontece? Pois, isso está por explorar. Há muitas
Pedro Morgado
razões para que isso possa acontecer. Poderá haver razões relacionadas com a própria fisiopatologia da diabetes, mas também com o facto de, do ponto de vista psicológico e emocional, a diabetes trazer uma série de problemas, uma série de receios associados e uma série de limitações associadas que aumentam o risco de… portanto, também há uma relação, por exemplo, com o infarto agudo do miocárdio. Também há uma relação com uma série de doenças endocrinológicas. E depois há aqui outra questão que é, pode haver uma causa comum. Não tem que ser uma doença a provocar a outra. Mas, por exemplo, uma pessoa sujeita a stress crónico tem um nível basal mais elevado do cortisol e, por essa via, está mais exposta a sofrer das duas doenças. Não tem que ser uma provocar a outra.
Pedro Morgado
É altamente complexo. Sim, sim. Esse feedback loop, não é? Entre as coisas todas que estávamos a falar. Ele é o segundo fator que eu ia dizer há bocadinho e que depois me passou. Tinha exatamente que ver com isso. É que a nossa experiência também alimenta o funcionamento do nosso cérebro. Totalmente. Pela criação de sinapses diferentes, pela ativação de zonas diferentes, ou seja, essa relação é, na prática, quase impossível de estabelecer. Ainda assim, haverá casos, parece-me, mas diz-me se estiver enganado, e parece-me que isso pode ser um desafio clínico complicado. Haverá casos em que a causa é de facto maioritariamente biológica, porque tem que ver com qualquer coisa que a pessoa sofreu, que lhe provocou. Lá está um desequilíbrio, de repente há um desequilíbrio nos neurotransmissores do cérebro e a pessoa cria uma depressão que não tem caso, não foi porque a vida dela mudou, foi simplesmente por uma causa biológica. E aí, por exemplo, a psicoterapia, à partida, servirá de pouco. Terá menos utilidade, mas tem a sua
Pedro Morgado
utilidade. Mesmo assim. Sim. Eu digo
Pedro Morgado
que clinicamente deve ser tramado, porque tu tens, no fundo, tu estás a lidar com um espectro de situações e é que poderá haver situações em que a psicoterapia, no fundo, seja a raiz da solução, não é porque a pessoa está a passar por um momento que se divorciou, quer dizer, são causas, nesse caso, de facto, maioritariamente extrínsecas, para usar a terminologia de há pouco, e depois haverá outras situações em que parece que é possível estabelecer que as causas de facto terão muito pouco de psicológico, não é? Tem a ver… Mas pode estar enganada, por isso é que eu estou a perguntar. E
Pedro Morgado
voltamos àquele problema da psiquiatria que eu falava no início, é que Nós definimos doença como algo que tem uma explicação fisiopatológica, ou seja, tem uma alteração no cérebro que lhe explica. Diagnosticamos através dos sintomas e dos sinais que os doentes evidenciam e às vezes estamos a pôr no mesmo saco de doença coisas que podem ser distintas. Por exemplo, um doente que está a fazer um tratamento para tuberculose está a utilizar fármacos que nós sabemos que aumentam o risco de sofrer de depressão, que é um bom exemplo dessa tal depressão induzida por algo completamente não relacionado com a vida da pessoa.
Pedro Morgado
Sim, sim, boa boa era o teu exemplo.
Pedro Morgado
E agora temos aqui uma questão que é, isto é a mesma depressão que a depressão da pessoa que tinha os tais fatores de risco genéticos, que teve uma situação de vida muito difícil e que por essa via adoeceu, do ponto de vista do síndrome, ou seja, do ponto de vista dos sintomas e dos sinais, é muito parecida. Talvez não seja a mesma doença. E aí estou completamente de acordo que o tipo de intervenção que nós desenhamos vai ser diferente e vai estar ajustado à realidade de cada pessoa. Mas isso é sempre assim, independentemente de, se estamos a falar de uma coisa provocada por fatores biológicos, digamos assim, ou mais provocada por fatores psicológicos, o tratamento tem que ser sempre muito personalizável. Esse é o grande desafio da psiquiatria hoje em dia, é personalizar cada vez mais os tratamentos.
Pedro Morgado
O caso que deixas é muito interessante. No fundo, tem a ver com aquilo que falavas no início, tem a ver com o facto de isto ser um espectro, de ser um contínuo e nos extremos desse contínuo tu tens situações mais ou menos a preto e branco da pessoa que se divorciou e ficou deprimida e provavelmente conseguiu despistar outros fatores que são causas psicológicas, no fundo causas de... Se calhar nem a terminologia é mais correta, mas tem a ver com a vida da pessoa e do outro lado tens situações, e esse exemplo que deste é ótimo, causas puramente biológicas, puramente fisiológicas. Mas depois no meio tens uma conjugação de situações que no fundo são uma mistura entre essas duas coisas e que muitas vezes na prática se autoalimentam. Na prática eu julgo que hoje em dia a maior parte dos planos de tratamento envolverão as duas coisas, ou seja, uma intervenção clínica, farmacológica, mas também há outros tratamentos diretos, E psicoterapia.
Pedro Morgado
Sim, falando da depressão em concreto, as opções de tratamento que nós temos passam pela farmacologia, farmacoterapia, ou seja, os antidepressivos. Sobre isso é importante dizer que os antidepressivos não viciam, os antidepressivos não mudam a personalidade das pessoas, há alguma confusão à volta disso. Portanto, são fármacos relativamente seguros, são dos mais seguros que nós temos na medicina e os antidepressivos são normalmente muito utilizados no tratamento da depressão. Depois, como estavas a referir, há outros tratamentos físicos e aqui estamos a falar de estimulação cerebral, por exemplo. A estimulação cerebral neste momento tem aprovação no tratamento da depressão. Em situações mais difíceis de tratar, mais resistentes ao tratamento, podemos fazer electroconvulsivoterapia, aquilo que as pessoas associam aos choques elétricos, foi muito mal visto. Não é a eletricidade que trata, é a convulsão, daí o nome, a convulsivoterapia. Portanto, a convulsão é como se tivesse um reset ao cérebro e a pessoa fica melhor, clinicamente de facto há uma melhoria significativa.
Pedro Morgado
Mas faz sobre o quê? Sobre os neurólogos, sobre a sinapse?
Pedro Morgado
Pensa-se que será sobre as sinapses, mas ninguém consegue explicar muito bem porquê é que funciona. O que se sabe é que funciona. A história como isto começou também é muito interessante, porque isto começou, os psiquiatras observaram que os doentes que tinham depressões muito graves, quando ainda não existiam fármacos, e que também tinham epilepsia, melhoravam depois de ter uma crise convulsiva no contexto da epilepsia, melhoravam muito da sua depressão. E isto é que levou a pensar que era uma boa hipótese. Já agora, porque falei da tuberculose, o primeiro antidepressivo, um dos primeiros antidepressivos que surgiu, surgiu porque era um farmaco que estava a ser testado como um antibiótico para a tuberculose e percebeu-se que os doentes melhoravam em termos do seu humor. A tal depressão acabou por ser muito melhorada, acabou por haver uma melhoria muito significativa do humor dos doentes e assim percebeu-se que podia ser útil para tratar a depressão. E fazia o
Pedro Morgado
quê? Atuava sobre a serotonina? Sim, ele atuou
Pedro Morgado
sobretudo sobre diferentes neurotransmissores, é um tricíclico, e não só sobre a serotonina mas também sobre outros neurotransmissores. Agora, temos os tratamentos físicos e depois temos também a psicoterapia. E a psicoterapia tem muitas escolas, muitas modalidades e também é eficaz no tratamento da depressão.
Pedro Morgado
E tu, em relação à psicoterapia, é interessante perguntar a um psiquiatra, porque eu confesso que me faz um bocadinho de confusão, porque é uma área em que há escolas, por vezes radicalmente diferentes, que é uma coisa um bocadinho estranha em 2019, e numa área aparentemente científica, embora eu perceba que é difícil estudar a eficácia da psicoterapia de uma maneira científica. Qual é a tua visão em relação a essa profusão de abordagens e a eficácia delas?
Pedro Morgado
Ok, a psicoterapia tem algumas dificuldades metodológicas em termos de perceber a sua eficácia, mas há tratamentos de psicoterapia que têm uma eficácia completamente demonstrada, inclusivamente, que foi possível demonstrar quais são as alterações cerebrais que produzem, na tal fisiopatologia, de que já falámos muitas vezes, este palavrão, na tal alteração cerebral que está disfuncional na doença e que depois melhora com a psicoterapia. Aquela que está claramente bem demonstrada é a psicoterapia cognitiva ou comportamental. Essa seguiu os princípios científicos de demonstração de evidência e, portanto, eu estou muito à vontade para a recomendar para a maioria das situações. Depois, sobretudo, estamos a falar de depressão, ansiedade, portanto tem um enquadramento, uma justificação, uma evidência que nos deixa muito seguros e que eu recomendo sempre que possível. Deixa-me interromper-te, não quero cortar o raciocínio, mas fizeste
Pedro Morgado
um ponto muito importante porque já não és a primeira pessoa que eu ouço dizer isso e acho que é uma realidade pouco conhecida, a eficácia da terapia cognitiva ou comportamental,
Pedro Morgado
acho que é muito maior do que aquilo que faz parte do domínio do senso comum, parece-me, não é? Sim, é muito maior. Agora, a psicoterapia cognitiva ou comportamental tem que ser bem efetuada, não é? Isto é como um fármaco, um fármaco que só funciona se for bem produzido. Sendo que aqui depende da pessoa que o... Precisamente, há aqui um fator... Exatamente, há aqui um fator e é muito mais difícil controlar a qualidade do serviço do que a qualidade de um fármaco e, portanto, há alguma confusão. Eu às vezes encontro pessoas que julgam que estiveram a fazer psicoterapia cognitiva ou comportamental e quando me descrevem aquilo que fizeram eu percebo que não estiveram a fazer. Estiveram a fazer outra abordagem psicoterapéutica. Isto faz a diferença. Há outras técnicas, por exemplo, psicoterapia focada nas emoções, que também têm algum nível de evidência em condições mais específicas e, portanto, também já estão a fazer esse percurso de mostrar que funciona. A psicoterapia esteve muitos anos ligada à psicanálise, não é? E aquela ideia que nós temos as teorias mais dinâmicas e que, como o próprio nome diz, são teorias. Uma teoria é algo que é uma explicação, mas que ainda não demonstrou que é uma realidade, que é uma verdade. Portanto, são explicações, obviamente que foram teorias desenvolvidas com estudo, foram teorias desenvolvidas com muita observação de situações clínicas, mas às quais eu reconheço algum nível de realismo, mas das quais também me distancio em algumas leituras que fazem dos fenómenos que vão acontecendo às pessoas. A psicanálise tem um componente especulativo acerca do significado das coisas que eu acho que nós devemos olhar com moderação, com ponderação e com algum cuidado. O problema da psicanálise é que não demonstrou eficácia. Portanto, embora às vezes faça bem às pessoas, mas o exercício físico também faz bem, a meditação também faz bem, ainda não demonstrou eficácia dos meios através dos quais a ciência demonstra eficácia.
Pedro Morgado
Sim, e a psicanálise também tem outras características, que requer não sei quantas sessões, requer um acompanhamento ao longo de anos, que acho que é pouco também compatível com a saúde pública, entre outras coisas, não é? Quer dizer, tu não podes ter orçamento para... Precisamente.
Pedro Morgado
Não é? Para ter as pessoas a serem acompanhadas durante anos. Há aí uma questão de custo-benefício que tem que ser naturalmente ponderado e que faz com que a psicanálise tenha uma utilidade em situações muito menos frequentes e muito mais restritas. Quer dizer, mais descarada. Do ponto de vista do desenvolvimento pessoal. Isso mesmo. Das pessoas se o conhecerem, de construírem. Tem uma utilidade interessante nesse domínio. Mas do ponto de vista de uma política pública de saúde mental, se calhar não faz sentido ser
Pedro Morgado
a primeira nem a segunda opção. Tiraste-me as palavras da boca, era isso que eu ia te dizer. Pegando o exemplo da depressão, mas isto vai para lá, da depressão, que está relacionado com aquilo que falavas há um bocadinho, eu ouvi, por acaso agora escapa-me o nome, eu depois ponho nas referências, mas era um tipo que é psiquiatra e foi, acho que foi, um psiquiatra do nome, que acho que foi presidente daquela associação mais conhecida dos Estados Unidos de psiquiatria, ele falava de uma coisa muito interessante que eu me levei a pensar e pensei que seria interessante perguntar-te. Ele dizia que, ele punha a tónica na questão biológica e depois até fazia uma coisa interessante, que dizia, calma, que eu não estou, isso não é para voltar àquele debate de dizer que todas as doenças psiquiátricas são puramente biológicas, mas para chamar a atenção para um aspecto particular que é o seguinte, em muitas doenças o impacto
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fisiopatológico
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ocorre antes do impacto mental ou do impacto psicológico, do impacto comportamental. E isso pareceu-me interessante. Hoje o que ele dizia é, por exemplo, numa pessoa com esquizofrenia, tu se fizeres uma ressonância magnética, vamos supor, um ano antes, por exemplo, antes dela ter qualquer alteração comportamental, tu já vivias...
Pedro Morgado
Tal qual. A esquizofrenia é um excelente exemplo disso. As alterações começam muito cedo, provavelmente dentro do desenvolvimento intratorino. Começam alterações que vão ser muito importantes para o desenvolvimento da esquizofrenia. Nós não sabemos se essas alterações são inesoráveis, ou seja, se por terem acontecido é certo que a pessoa vai desenvolver esquizofrenia, mas nós sabemos que quando um doente tem um primeiro episódio psicótico tudo o que é crítico já aconteceu no seu cérebro, tudo o que é crítico para o desenvolvimento da doença já aconteceu. E o que nós vamos fazer a partir dali é tratar os sintomas e evitar que a doença progrida, mas tudo o que tinha para acontecer já aconteceu. O aspecto positivo disto é que se nós formos mesmo muito rápidos a atuar e se nós conseguirmos travar a expressão sintomática naquele momento, a probabilidade da pessoa manter um enorme nível de funcionalidade é muito grande E daí a importância de nós tratarmos muito bem as pessoas desde o primeiro episódio psicótico. Mas a esquizofrenia é um bom exemplo disso. Mas há outras doenças onde nós vemos essa situação, por exemplo, mais à frente a virmos falar da doença obsessiva compulsiva. Nós participamos, na Universidade do Minho, num consórcio internacional que é o Enigma, que partilha dados, ou analisa conjuntamente dados de ressonância magnética de pessoas com doença obsessiva compulsiva, e o que nós verificamos é que na idade pediátrica já há alterações cerebrais que depois vão justificar o aparecimento dos sintomas mais tarde. Portanto, nós temos claramente muitas doenças onde as alterações cerebrais acontecem muito mais cedo do que a emergência dos sintomas. E na depressão isso pode acontecer também? Na depressão isso pode acontecer também e há alguns estudos que também já identificam quais são as alterações que com grande nível de probabilidade vulnerabilizam a pessoa para depois experienciar um episódio depressivo.
Pedro Morgado
Então, mas até passamos até à doença obsessiva compulsiva, que é outro ângulo interessante para olhar para as doenças psiquiátricas. Se calhar pedi para definir, vais fazer melhor que eu. Ok, a doença obsessiva compulsiva tem no nome duas principais características. Sim, nesse sentido é informativo. Exatamente.
Pedro Morgado
Tem um componente que é caracterizado por obsessões. As obsessões são pensamentos ou imagens que aparecem na cabeça das pessoas contra a sua vontade e que são pensamentos e imagens que se distanciam muito daquilo que as pessoas são ou desejam e que por causa disso lhes provoca um enorme sofrimento e uma enorme ansiedade, e agora vamos aos exemplos. Por exemplo, a ideia de que as minhas mãos estão sujas quando elas estão limpas, é talvez aquilo que as pessoas mais associam, mas também a ideia de que o interruptor não está bem desligado ou que a porta não está bem fechada, ou também a ideia de que eu tenho uma orientação sexual que não tem nada a ver com a minha orientação sexual, ou a ideia de que eu posso fazer muito mal a uma pessoa de quem gosto muito, ou a ideia de que eu sem querer posso dizer uma coisa muito ofensiva. Portanto, todas estas ideias são contrárias de uma forma muito profunda
Pedro Morgado
àquilo que a pessoa é ou pensa. E ela tem noção disso? E a pessoa
Pedro Morgado
tem noção disso e a pessoa sabe que estas ideias são suas, ou seja, que foram produzidas pelo seu cérebro.
Pedro Morgado
Mas tem noção, desculpa, tem noção da sua inadequabilidade? A maior
Pedro Morgado
parte das vezes sim. Há um número muito reduzido de casos em que isso pode não acontecer, mas a maior parte das vezes sim. E como tem noção da sua inadequabilidade fica muito ansiosa e também faz com que a pessoa tenha vergonha daquilo que está a experienciar e tenha muita dificuldade em falar sobre isto e em procurar ajuda de pessoas próximas e também de profissionais de saúde. Portanto, isto é o componente obsessivo da doença. O componente compulsivo é aquilo que a pessoa faz para aliviar o sofrimento que é provocado pelas obsessões. E aquilo que a pessoa faz pode fazê-lo mentalmente ou fisicamente. Fisicamente, lavar as mãos, ir ligar e desligar o do interruptor vezes sem conta, ir confirmar uma coisa que tem a certeza que não aconteceu, mas para ter a certeza que não aconteceu vai confirmar cem vezes numa hora, ou por exemplo, mentalmente, anular os pensamentos que teve e que são terríveis porque são completamente contrários à natureza da pessoa. E então isto forma um círculo vicioso, terrível, do qual é muito difícil sair e provoca um enorme sofrimento às pessoas e uma perda de horas e de dias de vida saudáveis, que é muito significativa. É uma das doenças que implica maior perda de qualidade de vida de todas as doenças que nós conhecemos. Além disto, as pessoas podem ter outro tipo de sintomas, que são mais relacionados com alguns fenómenos psicológicos, por exemplo, dão um valor muito significativo aos pensamentos, acham que é tão mal pensar uma coisa como fazer, são pessoas normalmente com um elevado nível de responsabilidade, são pessoas que têm muita intolerância à ambiguidade e que portanto retraem-se muito em termos de risco, portanto, têm algumas características que estão ali acessórias e que acabam por também dificultar muito a sua vida. É uma doença que surge cedo em termos de idade, normalmente surge entre a idade pediátrica, tanto que as crianças podem já ter sintomas desta doença, e o início da idade adulta. É mais raro aparecerem formas tardias. E é uma doença, como eu dizia, com um impacto muito grande na vida das pessoas. Claro que já Agora faço já aqui o contraponto, alguém está a ouvir-nos e está a dizer, mas eu, quando saio do carro, vou muitas vezes atrás verificar se ele ficou bem fechado. Isto não significa que esta pessoa tenha uma doença. Há uma série de comportamentos de verificação que são adaptativos, que têm a ver com o contexto que nós vivemos, que não têm que ser doença. A doença surge quando estes pensamentos são excessivos, provocam um sofrimento muito grande e consomem muito tempo às pessoas.
Pedro Morgado
Pois, e aí também uma dose de bom senso à sua interpretação, não é? Tu até podes ter um toque dessa, de algumas dessas características e todos nós conhecemos pessoas que o têm, não é? Claro. Quando não nós próprios e se isso não interferir em demasiado na tua vida, não quer dizer que a pessoa lhe deva ser indiferente, mas não confere, quer dizer... Claro,
Pedro Morgado
mas algumas dessas pessoas têm a doença.
Pedro Morgado
Pois, exato.
Pedro Morgado
É possível ter uma vida aparentemente normal, sofrendo imenso com a doença. Eu tenho o privilégio de trabalhar com muitas pessoas com esta doença. Eu acho que é mesmo um privilégio porque elas ensinam-nos imenso. Das coisas mais, talvez, brutais que eu já ouvi é pessoas dizerem-me assim, eu estou feliz por me ter dito que tenho uma doença. Tirou-me um peso de cima, não é? Isso, Tirou-me um peso de cima. Eu achava que a minha vida era isto e afinal eu tenho um diagnóstico e estou feliz porque descobri que a minha vida não é isto. Descobri que há outra vida e que a minha pessoa não tem que estar consumida e carregar esta cruz. Vejo pessoas que me chegam com 45 anos, que têm as profissões mais diferenciadas que se pode imaginar e que viveram anos a ter 10 horas de sintomas, 10 horas em 24 consumidas pelos sintomas da doença. A sério, a sério. Para termos ideia do impacto brutal que esta doença tem. E dentro da psiquiatria, curiosamente, é uma doença bastante negligenciada, não há muita gente dedicada a ela, mesmo aqui em Portugal, não há muito investimento nesta doença, porque é uma doença... Por ser invisível, em certo sentido. Sim, é uma doença que mesmo dentro da própria psiquiatria tem esse lastro de alguma invisibilidade, curiosamente, apesar de ser muito frequente.
Pedro Morgado
Diria que os impactos individuais são maiores e sobretudo se calhar mais visíveis do que os impactos sociais, por exemplo. Sim, há algumas situações
Pedro Morgado
de grande disfuncionalidade, há situações muito graves de disfuncionalidade, mas as pessoas vão conseguindo acomodar os sintomas com grande sofrimento, por causa da culpa, por causa da vergonha e com grande sofrimento. São histórias de sofrimento absolutamente brutais, que nos esmagam quando as ouvimos. E é por isso que é uma pena, e eu digo sempre isto, que as pessoas não procurem tratamento mais cedo, porque de facto, num número importante de pessoas, os tratamentos são muito eficazes e portanto não tem que esparecer isso.
Pedro Morgado
Mas é engraçado, porque tu falaste aí, tu fazes de casos que apesar de tudo me parecem diferentes, mas isto pode ser... Pode ser que eu estou a ver isto em termos demasiado simplistas e não estou a ver a causa comum, mas tu teres uma pessoa que, porque vive num ambiente cultural em que ou foi educada de determinada maneira, a, sei lá, ver a homossexualidade, por exemplo, como uma perversão e que vai, no fundo, recalcando, esta palavra tem várias conotações na psicologia, mas vai mais ou menos recalcando esses pensamentos ou tentando geri-los de uma forma, dessa forma compulsiva, no fundo contrariando aqueles pensamentos e provavelmente tendo ações que de certa forma contrariam ou conseguem, não sei qual é a palavra certa, mas conseguem neutralizar de alguma forma esses pensamentos, Esse caso é diferente, ou parece-me ser diferente, da pessoa que tem a obsessão de ver se o bico do fogão está ligado.
Pedro Morgado
Ok. É um bom exemplo. E toca aí em vários pontos que vale a pena clarificar. Primeiro é, há diferentes sub-tipos da doença, de facto. Portanto, há pessoas... Nós falamos classicamente em cinco sub-tipos, mas há pessoas que são mais de verificação, há pessoas que são mais de pensamentos proibidos, como as questões religiosas ou da homossexualidade e também da agressividade, há pessoas que têm mais acumulação, portanto têm muita dificuldade em desfazer-se das coisas que têm em casa. Casa, portanto, e nós agrupamos mais ou menos assim, dentro dos pensamentos proibidos ainda podemos fazer uma subdivisão, e daí os 5 tipos. Mas, de facto, há pessoas que têm só um subtipo e também há pessoas que experienciam os diferentes domínios, os diferentes subtipos na mesma pessoa. São casos mais complexos e normalmente mais difíceis de tratar. Essa é uma questão. Agora, há outra questão, e este caso dos pensamentos sobre a homossexualidade é muito interessante, outros pensamentos religiosos.
Pedro Morgado
Pensamentos religiosos é o que
Pedro Morgado
é? É, por exemplo, Uma pessoa que é religiosa ter pensamentos de blasfémia em relação a Deus ou a Jesus, se for a religião católica, ou por exemplo ter imagens cerebrais de um santo nu ou a ter relações sexuais, portanto uma coisa que é muito agressiva para a crença que aquela pessoa tem. E tocas aí num ponto que é importante, que é, de facto, a doença está relacionada com esta construção que a pessoa tem. Numa pessoa que não é religiosa, num ateu, não vai existir sintomatologia obsessiva dessa natureza. Portanto, há uma relação com a vida. Mas, por exemplo, no caso das orientações sexuais, e isso também é muito curioso, não há uma relação, esse recalcamento que estavas a falar da pessoa que até pode ter uma orientação sexual minoritária e porque o seu contexto social não lhe permitiu uma expressão saudável dessa sexualidade. A reprime. Isso não tem nada a ver com a doença obsessiva. Na doença obsessiva nós podemos ter um homem que é heterossexual, não tenho qualquer dúvida em relação à sua orientação sexual, que não é nada homofóbico, nada homofóbico, mas que tem um pensamento altamente perturbador de que, se calhar, é homossexual e está enganado. E que, nos relatos que as pessoas me dizem, muitas vezes dizem-me assim, eu não teria nenhum problema em ter este pensamento ou em ter esta imagem, se esta fosse a minha orientação sexual. Aliás, para mim até era mais tranquilo, porque o que está mal é o pensamento não estar de acordo com a pessoa.
Pedro Morgado
Isso é a mesma verdade ou é uma interpretação que a pessoa está a dar?
Pedro Morgado
Não, não é a mesma verdade, porque tal como no pensamento religioso, o problema é esse. Podemos
Pedro Morgado
ir até mais longe. Mas é porque isso faz moça, não é? Ou seja, se eu for feriorente e tiver pensamentos de ser calorente, isso não vai provocar grandes transtornos psicológicos, não é? Ou seja, a sexualidade é uma coisa que tem um peso grande a vários níveis, não
Pedro Morgado
é? Precisamente. Podemos sair desta questão da orientação sexual. Pode levantar mais dúvidas. Por exemplo, pensamentos obsessivos de teor pedófilo. Uma pessoa que não tem nada a ver com pedofilia nunca vai praticar um ato pedófilo, ok? Nunca, jamais. Eu, nos meus doentes, era capaz de assinar que isso não ia acontecer, porque conheço bem a natureza da doença e que a pedofilia é a coisa mais inaceitável que existe para esta pessoa, mas quando passa em frente a uma escola, há um pensamento que invada o seu cérebro e que lhe diz eu posso, mesmo sem querer, atacar alguém.
Pedro Morgado
Atacar ou sentir-me atraído, Puro? São coisas diferentes. Atacar
Pedro Morgado
ou sentir-me atraído, eu posso fazer isto. Isto é uma coisa terrível. Isto invada a cabeça de uma pessoa e provoca-lhe um sofrimento que eu acho que quem não tem esta doença não imagina o sofrimento que isto é. É uma coisa que é completamente contrária à natureza da pessoa e daí a pessoa ficar compelida a fazer as compulsões que são formas de aliviar esse sofrimento. As compulsões são coisas absolutamente absurdas e ilógicas, mas que só são feitas por uma pessoa que tem um enorme sofrimento com isto. Podia ser, por exemplo, alguns dos doentes que eu acompanho, que contém pensamentos sexuais, têm que verificar se foi um homem que se teve uma ereção ou não. Que é óbvio que não vai ter, porque não há aqui nenhuma relação com o desejo da pessoa, com a natureza da pessoa. Portanto, é uma coisa muito visceralmente oposta ao que a pessoa é. Mas posso dar outros exemplos, para também percebermos a natureza disto. Uma mãe que mora no oitavo piso e que está permanentemente com medo de atirar com o filho pela janela, que é uma coisa que nunca vai acontecer. Nunca. Jamais. E que está sistematicamente a descer o elevador até o piso zero para se aliviar e ter a certeza que não vai acontecer e sobe e volta a ter o pensamento. Isto dá para as pessoas perceberem o nível de sofrimento que uma doença destas implica em algumas situações.
Pedro Morgado
Isso parece-me ter um lado... É engraçado porque eu estava a estabelecer essa diferença e depois estava a te ouvir falar e a perceber um fator que é mais ou menos comum a isso tudo, que é uma questão de pureza, não é? Ou de limpeza, porque tanto se aplica às questões físicas como às questões sexuais, por exemplo, à moral sexual. Nesse caso, por exemplo, do exemplo da mãe até nem tanto, mas não haverá um lado disso que tenha que ver com o facto de nós não termos acesso à consciência uns dos outros. E a consciência de qualquer um de nós tem muito lixo. Por definição, isto é uma coisa que não é muito dita normalmente, mas é uma evidência, não é? Sim, nós pensamos
Pedro Morgado
coisas de que não nos orgulhamos. De que não nos
Pedro Morgado
orgulhamos, completamente absurdas, que são... E isso não é muito conhecido, nem muito dito, e não é muito admitido, até por razões normais, não é? É normal que assim seja. Essa reação também me parece ter que ver com como nós temos acesso à consciência dos outros, filtrada, aos pensamentos dos outros, filtrados pela sua consciência, ou seja, eu partilho contigo. Há pessoas que não têm tanto esse filtro, não é? Mas todos nós temos, todos nós o fazemos de certa forma, não é? E portanto, o facto de se eu tomasse o teu cérebro apenas pelo que tu dizes e tu tomasse o meu cérebro apenas pelo que eu digo, haveria uma série de espectro de pensamentos que tu pensavas que eu nunca teria ou que eu pensava que tu
Pedro Morgado
nunca terias. Exatamente. E se calhar
Pedro Morgado
também tem um bocado que ver com isso, não é? Com as pessoas pensarem, ninguém pensa isto, não é? Ninguém...
Pedro Morgado
Também tem a ver com isso. É importante, nós também fazemos aqui uma nota que é o seguinte, todos nós temos pensamentos intrusivos e eu posso dar aqui alguns exemplos que seguramente, já falamos daquela coisa de verificar o carro, mas há outros, por exemplo. Às vezes estamos a conduzir e passou-nos pela cabeça puxar o travão de mão. Ou às vezes estamos no cimo de um prédio e passou-nos pela cabeça e se eu me atirasse lá baixo, ou estamos à espera do metro ou do comboio e pensamos e se eu agora me atirasse para a linha? Não queremos fazer isso e até ficamos com um friozinho no estômago por nos ter passado esse pensamento pela na cabeça. É um pensamento intrusivo. Um pensamento obsessivo é isto,
Pedro Morgado
mas numa dimensão muito mais forte. É isso em estróides, não é?
Pedro Morgado
Exatamente, É uma dimensão brutal que afeta a pessoa. É óbvio que essa questão da pureza tem muita piada e acho que é muito bem posta, porque todo o pensamento obsessivo sendo contrário à pessoa é contrária à sua definição de pureza. A sujidade... Ao seu eu puro, não é? Exatamente, é contrário à pureza. O interruptor ou o gás ficar aberto é contrário ao que seria correto. O fazer mal a um filho é contrário ao que seria correto. Claro, exatamente. Portanto, é muito importante nós percebermos isso. Deixa eu pôr aqui uma nota para ficar muito clara. Uma pessoa com uma doença obsessiva-compulsiva não é uma pessoa perigosa, em nenhuma circunstância. Estamos aqui a falar de coisas muito agressivas e muito fortes. Pois, esse é um ponto. Mas em nenhuma circunstância a pessoa é perigosa ou agressiva por causa da doença obsessiva compulsiva. Isso eu posso garantir porque a doença é o medo
Pedro Morgado
brutal de que aquilo se concretize. A compulsão vem justamente para
Pedro Morgado
aliviar esse medo. Exatamente. Para aliviar esse medo.
Pedro Morgado
Sim, esse é um ponto interessante que estás a fazer. Tu falavas há pouco dos determinantes fisiológicos da doença obsessiva compulsiva e isto também podia aplicar-se à depressão, à ansiedade ou à esquizofrenia, mas como estamos a falar agora desta em particular, até pode ser interessante explorar isso. Quais são as causas ou as marcas fisiológicas no
Pedro Morgado
cérebro, por exemplo, mais comumente associadas à doença. Esta é uma das doenças que tem melhor explicação cerebral, curiosamente. Basicamente, nós temos no nosso cérebro uma área que é responsável pelos mecanismos automáticos. O cérebro é como se fosse um computador que nós temos em casa, mas que tem uma característica diferente dos computadores. Portanto, nós temos um computador, tem um hardware, e podemos meter lá dentro software. Mas é como se fosse um computador em que o seu próprio hardware também se vai alterando, portanto o teclado vai ganhando características, a memória vai evoluindo ou regredindo conforme a circunstância, conforme a utilização, portanto é como se nós não precisássemos de estar a comprar o computador mais moderno porque este processo vai acontecendo naturalmente. O hardware e o software estão sempre em constante mutação. Então eu dizia, nós temos uma área do cerco que é responsável pela automação. O que é que isto significa? Significa que há processos nós fazemos automáticos. Um exemplo mais simples é sempre conduzir, porque nós, quando começámos a conduzir, todos nós nos lembramos que pensávamos em agora vou carregar no travão, agora vou pôr a mudança, agora tenho que carregar na embreagem para pôr a mudança, agora mudar o pé e pôr o pisca, e agora fazemos isso automaticamente e por isso quando estamos a conduzir podemos estar a ouvir esta conversa, podemos estar a ouvir música, podemos estar a planear o nosso dia, podemos estar a falar ao telefone com hora e com laranja ou com alta voz, por favor, mas podemos estar a fazer muitas coisas porque o nosso cérebro está em piloto automático a conduzir e o resto do cérebro está livre. Na doença, esta área que é responsável pelo piloto automático está hiper funcionando, portanto, nós estamos a falar de uma área genericamente, nós chamamos os ganglos da base, onde está o estriado, e são áreas que estão hiperativas, não param, não param. E, portanto, o pensamento é gerado, tal como eu posso ter o pensamento, vou puxar o travão de mão, mas eu consigo pará-lo, o meu cérebro para esse pensamento e diz assim, isto é absurdo, esquece este pensamento. No cérebro da pessoa com doença obsessiva ou compulsiva não há mecanismo de stop e, portanto, o pensamento tem uma consequência brutal, quase como se fosse acontecer ou tivesse acontecido. E isto depois leva à compulsão e depois isto vicia o próprio cérebro neste circuito de obsessão-compulsão. Isto é uma coisa que nós seguramente sabemos que está a alterar. Depois, há uma área, que é o cortex orbital frontal, vale a pena falarmos sobre esta doença, porque é uma área crítica para esta doença, o que é que esta área faz? Ela regula estes mecanismos e faz sempre um update das condições do meio para nós podermos ativar ou não ativar estes mecanismos automáticos. Voltamos ao carro, imaginem que é o meu caminho diário para casa de trabalho, portanto vou em piloto automático. Ah, hoje não é para o trabalho que eu tenho que ir fazer outra coisa qualquer para Lisboa ou para o Porto. Então, o córtex orbital frontal sinaliza que há uma necessidade de eu desativar este sistema automático e de entrar no modo por objetivos, no modo eu quero ir para outro sítio. E na doença esta área também está desregulada e, portanto, não sinaliza bem
Pedro Morgado
quando é que é para parar.
Pedro Morgado
Normalmente está hiperativa e, portanto, há uma desregulação que nós ainda estamos a tentar perceber o que é que acontece, e se nós mostrarmos às pessoas imagens relacionadas com os seus sintomas ela ainda fica mais hiperactiva. Portanto, ela já está desregulada de base. Imagine uma pessoa que tem obsessões de sujidade. Se nós mostramos coisas sujas, esta área ainda se ativa muito mais e ativa-se de uma forma muito extraordinária. Na Universidade do Minas nós estávamos interessados em perceber, ok, então porquê que os doentes com doença obsessiva arriscam menos? Então, basicamente, era uma tarefa, com um jogo de cartas, onde as pessoas tinham que escolher entre dois baralhos para ganhar uma pontuação que lhes dava dinheiro e, basicamente, aquilo que nós vimos é que quando as pessoas perdiam em situações onde não era suposto perder, portanto de baixo risco, esta área era muitíssimo mais ativada do que numa pessoa sem doença. Então, parece mesmo que esta área não tem sensibilidade para aferir a criatividade e a materialidade das coisas. E é uma disfunção que nós estamos a tentar perceber melhor e modular melhor para tratar estas pessoas. É uma doença que, além de ser muito comum, de afetar pessoas muito jovens, tem aquesta característica de também ser um contínuo, não é? Porque de repente temos pessoas que estão quase lá, mas que não chegam a estar lá, não é? O que é que faz aqui a diferença entre a disfunção? E depois, tem outra característica também curiosa, que é, há uma série de doenças que são muito parecidas com a doença obsessiva ou compulsiva, porque têm ou obsessões ou compulsões, mas que não são doença obsessiva ou compulsiva e que são muito intrigantes e para as quais nós temos muito poucas respostas terapêuticas. Por exemplo? Por exemplo, a perturbação desmórfica corporal, que é aquela pessoa que tem uma ideia, um pensamento recorrente que uma parte do seu corpo é disforme, mesmo sem ser, o mais comum, por exemplo, o tamanho do nariz, o tamanho do pênis, o tamanho do abdómen. A anorexia, por exemplo, está ao lado também, precisamente. Há aquilo que nós chamamos muitas vezes a desmorfofobia, Ou seja, a pessoa não consegue ver exatamente a sua compreensão física e interpretá-la adequadamente, mas há também pensamentos recorrentes relacionados com a questão do peso. Há as compras compulsivas, a pessoa que é uma doença que está no limbo, ou seja, ainda não é consensual entre os psiquiatras que seja uma doença, mas em que há seguramente uma desregulação da capacidade da pessoa decidir adequadamente o que comprar. Há o jogo patológico, que é uma doença muitíssimo prevalente e com um impacto social muito grande e que também é uma doença deste espectro, porque, no fundo, também há uma preocupação e um pensamento excessivo sobre o jogo e recorrente, há uma série de distorções cognitivas associadas à probabilidade de ganho e ao domínio das regras do jogo. Então há ali uma série de doenças que partilham muitos fatores com a doença obsessiva ou compulsiva.
Pedro Morgado
Ainda bem que foste para aí porque é a altura certa para pedir para fazer um bocadinho a taxonomia das doenças psiquiátricas, que eu imagino que não seja muito fácil de fazer.
Pedro Morgado
Ok, não é muito fácil, vamos tentar simplificar, ao máximo. Vou ser hiper simplista. Portanto, temos um grupo onde estão as doenças do espectro obsessivo-compulsivo, ou seja, todas as doenças que têm uma associação com pensamentos recorrentes e que geram ansiedade ou com comportamentos repetitivos e que são tendentes a aliviar a ansiedade. São estas que nós falámos. Depois há um grande grupo de doenças, nós chamamos as doenças do humor, que são onde está a depressão e a doença bipolar, por exemplo. A doença bipolar é uma doença que se caracteriza pela depressão e por episódios de euforia, que nós chamamos... É o antigo mania com o depressivo, não é? Isso, mania com o depressivo. Então o que é que são estas doenças? São doenças onde o que é primariamente afetado é o I love e tal da pessoa, ou seja, como é que a pessoa está num determinado período de tempo e de que forma é que essa forma como a pessoa está contamina toda a sua vivência, toda a sua existência e todos os seus pensamentos. Depois temos um grupo ainda mais vasto de doenças e com grande prevalência, que são as doenças de ansiedade, as perturbações de ansiedade. E o que é que temos aí? Temos todas as doenças em que a resposta ansiosa que é montada pelo nosso corpo numa situação em que há um perigo iminente está excessivamente ativada. Portanto, nós fomos selecionados evolutivamente para termos um bom sistema de resposta ansiosa. A ansiedade é uma coisa boa, nos protege. Para termos falsos positivos, não é? Precisamente, e de repente temos muitos falsos positivos. Que doenças é que estão aqui? Está a perturbação de ansiedade generalizada, que é aquela pessoa que está persistentemente preocupada com coisas que podem vir a acontecer-lhe, temos a perturbação de pânico, que é uma doença em que a pessoa experiencia um ataque, que é uma coisa brutal, massiva, onde tem uma sensação de que vai morrer, onde tem um aumento da frequência cardíaca, um aumento da frequência respiratória e que depois pode estar associado a fobias, e já lá vamos às fobias, porque é que o ataque de pânico está muitas vezes associado a fobias? Imagina, tem um ataque de pânico num centro comercial. O cérebro da pessoa decorou que aconteceu uma coisa muito grave no centro comercial, que não aconteceu, mas a pessoa experienciou-a. Então a pessoa vai evitar ir ao centro comercial, então desenvolve uma fobia. Depois temos as fobias isoladamente, ou seja, são pessoas que sem terem tido um ataque de pânico também têm fobia a algumas situações, portanto evitam algumas situações, porque têm uma ansiedade irracional associada a essas situações. Há um grupo vastíssimo que nós chamamos de fobias específicas, que são também muito frequentes, mas que têm pouco impacto clínico, porque, por exemplo, ter medo de aranhas, excessivo, ou de ratos, não é uma coisa que a gente precisa de lidar no dia-a-dia, portanto o impacto é menor. E depois temos as psicoses. Psicose significa fora da realidade. Portanto, na psicose há sempre sintomas fora da realidade e esses sintomas podem ser os mais frequentes, os delírios e as alucinações. Há muita confusão, portanto se calhar vale a pena clarificar. O delírio é uma crença falsa que a pessoa desenvolveu e que é irrebatível à argumentação lógica e que também não é explicado pelas crenças culturais e sociais partilhadas pela pessoa e religiosas agora partilhadas pela pessoa. Então tem que ter estas características todas para ser um delírio. Exemplos, para ser mais visual, eu tenho o delírio de que um vizinho meu me anda a vigiar e quais são os argumentos que eu vou usar para dizer às pessoas, Ele passa todos os dias à frente da minha porta e eu digo assim mas ele mora na casa ao lado, não é? Se calhar está a ir para casa, pois, mas ele passa lá para me vigiar porque ele agora antes chegava mais cedo e agora chega mais tarde para ver a que horas é que eu faço isto ou aquilo e isto não é partilhado pelas outras pessoas, portanto, é um delírio. As alucinações são alterações da percepção, ou seja, são coisas que eu ouço, que eu vejo ou que eu sinto no meu corpo, ou que eu cheiro e que não são verdade, que não estão lá. A maior parte das vezes na psiquiatria as alucinações são auditivas ou olfativas ou táteis. Portanto, aquela ideia das alucinações visuais que é muito usada nos filmes e assim, não é comum da psiquiatria normalmente indicia uma doença não psiquiátrica, sobretudo do tipo neurológico, um tumor cerebral ou assim, é o mais frequente isso acontecer. Finalmente, temos dois grupos que ainda não falámos e corremos quase tudo. O grupo das perturbações aditivas, onde temos sobretudo as dependências tóxicas, em Portugal com uma enorme prevalência e algum nível de desresponsabilização pública a questão do álcool, que é muito, muito significativa, e depois as outras drogas, com as quais nós politicamente lidámos mais ou menos bem e, portanto, não temos indicadores preocupantes. Sim, somos um caso de sucesso até hoje. Exatamente, um caso de sucesso internacional. Curiosamente, muito por ação política e não só por ação dos serviços de saúde, que também funcionam neste domínio, e depois as demências. As demências que são, no fundo, uma perda de capacidades cognitivas, competências sociais, de memória. Não é neurológica a doença? Que acontecem com uma degeneração. Essa é uma boa questão. A psiquiatria e a neurologia começaram juntas. Separaram-se ao longo da história. Os meus amigos neurologistas não vão ficar a... Não vão levar a mal. Eu costumo dizer que os psiquiatras tratam de coisas mais complexas, como o pensamento, as emoções, as cognições, e os neurologistas tratam de doenças que também são do sistema nervoso central, mas para as quais foi encontrada um substrato mais rápido do que para as doenças psiquiátricas.
Pedro Morgado
Esta é a grande diferença. De fundo, entrou-me aqui naquilo que falavas no início. Isso, isso. Trabalhamos
Pedro Morgado
todos com doenças do sistema nervoso central. Na verdade, as demências são tratadas, a maior parte das vezes, em colaboração entre os psiquiatras e os neurologistas. Boa, fizeste uma ótima viagem.
Pedro Morgado
Um resumo possível. Sim, foi muito bom e acho que foi na altura certa, não é? Porque nós tínhamos falado de várias doenças e isto ajuda mais ou menos a enquadrar. Uma dúvida que eu tenho é a seguinte, tu falaste nas psicoses e eu sempre lembro de ouvir falar também de neuroses. Esse termo caiu em desuso? Caiu, caiu em desuso.
Pedro Morgado
Caiu em desuso porque tinha uma conotação muito negativa. Ah
Pedro Morgado
sim, porque psicose não... Pois,
Pedro Morgado
mas tinha uma conotação muito negativa até dentro da psiquiatria. Havia uma certa estigmatização da neurose como algo que a pessoa podia mudar se quisesse.
Pedro Morgado
Vem da psicanálise também que falámos há bocadinho.
Pedro Morgado
Isso, isso. E com força de vontade vamos lá, não é? Toda esta ideia que anda à volta das doenças psiquiátricas e que é muito estigmatizante. Outra palavra que também saiu é esteria, que, além do mais, não era só estigmatizante do ponto de vista de psiquiátrico, mas também do ponto de vista de género, porque estava muito associada às mulheres. Mas essa palavra caiu num certo desuso científico porque também estava estigmatizada e porque era demasiado vasta. Agora, qual é a grande diferença entre neurose e psicose? Neurose, como eu já disse, são sintomas fora da realidade. Normalmente na psicose temos sintomas que nós chamamos heterólogos, ou seja, só aparecem numa situação patológica, só há delírio, só há alucinação numa situação patológica. Com
Pedro Morgado
condições suficientes, no fundo. Exatamente.
Pedro Morgado
Na neurose nós temos muitos sintomas homólogos, ou seja, sintomas que nós experienciamos em situações normais. Por exemplo, eu antes de começarmos esta conversa estava um bocadinho nervoso, naturalmente, porque nunca tínhamos estado à conversa, porque é uma situação diferente do que eu faço no dia a dia. Isto são sintomas que são os mesmos que as pessoas quando têm uma doença chamada neurótica também experienciam. O que é que muda? A dimensão dos sintomas e a sua adequabilidade à situação. Portanto, se eu bater com o carro o meu pensamento fica acelerado, a minha boca fica seca, eu fico com tachicardia, fico com a aceleração da respiração. Experiencio sintomas. Provavelmente eu vou conseguir geri-los. Se cada vez que alguém me diz, epá, olha, é preciso assinar aqui um papel no meu trabalho, eu ficar com os mesmos sintomas, como se estivesse batido com o carro, se calhar eu estou a experienciar um sucesso dos tais sintomas neuróticos. Provavelmente, neste caso, seria uma perturbação da ansiedade. estou a ver quais são as doenças que encaixam na definição clássica e antiga de neurótico. Portanto, são as do humor, é a ansiedade e é as doenças obsessivas como o
Pedro Morgado
sonho. Era exatamente isso que eu estava a pensar. O grande saco onde estavam estas doenças antigamente. Então, tu há bocadinho falaste de um... Deixa-me fazer aqui um detour pequeno porque tenho curiosidade em ter a tua perspectiva em relação ao seguinte. Tu há bocado até eludiste à questão evolutiva e há doenças que nós percebemos bem, por exemplo, o caso da ansiedade generalizada, que é uma doença que pega numa resposta adaptativa evolutiva e extrema, e portanto tu percebes perfeitamente, ok, a ansiedade serviu para nós não sermos comidos vivos, basicamente, por exemplo. E, portanto, lá está. É normal que nós tenhamos a nossa sensibilidade exagerada pelos tais falsos positivos que eu avançava um bocadinho. É que é melhor imaginar um leão quando ele não está, do que não imaginar quando ele está, porque aquele que não imaginou foi comido e não gerou descendência. Mas o caso da depressão, por exemplo, é um puzzle nesse sentido, no sentido de perceber, e eu apenho várias coisas sobre isso, porque pode-se dizer que é uma exoadaptação, que é uma espécie de efeito secundário que surgiu associado a outras coisas e portanto não foi selecionado, mas está cá por outros motivos. Podes também dizer, e parte da explicação terá a ver com isso, que o mundo atual não é o mundo em que a espécie humana evoluiu e, portanto, há diferenças que fazem com que nós tenhamos mais pressão para, mais tendência para a depressão, mas é um facto que a depressão é encontrada mesmo em tribos que aparentemente, embora isto seja muito polémico, mas pelo menos viverão relativamente próximos do ambiente ancestral, não é? Isso é muito difícil estabelecer, não é? Porque o próprio ambiente astral até mudado bastante, mas há muitos antropólogos que fazem essa investigação e mesmo em tribos, aquelas tribos das Américas, mesmo a Lito, encontras pessoas com depressão, provavelmente com incidência menor do que aquela que acontece no mundo urbano, mas ainda assim, e mesmo no mundo rural, no mundo pós-revolução agrícola, mas ainda assim tens. E, portanto, no fundo a pergunta é, será que a depressão tem efeitos positivos para além dos negativos que configura uma adaptação? Ok. Vou tentar responder essa pergunta por fases. Ela é muito
Pedro Morgado
complexa e também não quero ser demasiado simplista. Há muitas coisas que foram selecionadas evolutivamente e sobre as quais se calhar nós não pensámos assim tanto. Por exemplo, a psicopatia, que ainda não falámos aqui, eu tentei não meter a psicopatia na psiquiatria Porque ela é muito diferente, estamos a falar de perturbações de personalidade gravíssimas, com baixíssimos níveis de empatia, que foram selecionadas evolutivamente. As pessoas tinham alguma vantagem. Até do ponto de vista social e cultural, nós tivemos alguma vantagem em ter alguns psicopatas entre nós. Quando estávamos em guerra, se calhar até dava jeito que os psicopatas estivessem um bocado do nosso lado, porque eles iam ser mais bem sucedidos do que aqueles que fossem muito empáticos e muito ansiosos. E não é por acaso, acho
Pedro Morgado
eu, que tem bastante mais incidência nos homens, não é? Sim, sim. Porque se consegue perceber reprodutivamente determinados ambientes que...
Pedro Morgado
Porque é que isso acontece? E há faltas biológicas, mas também seguramente culturais e sociais que explicam isso. Do mesmo modo, há alguns fatores que vulnerabilizam para a depressão que também podem ter algum interesse, nomeadamente estas questões mais da sobre-empatia, da expressão emocional, que podem ter algum interesse evolutivo. Mas sobre esta questão das doenças psiquiátricas e da evolução, eu acho que há um artigo na Nature que é um artigo de certa forma especulativo, mas que reúne vários dados que foram encontrados ao longo dos últimos tempos e tempa-se de explicar porquê que as doenças estão a mudar ao longo da história e, sobretudo, no último século, a epidemiologia das doenças mudou muito. E eu gosto muito da teoria que eles desenvolvem e, portanto, acho que é, para mim, a melhor explicação. Nós temos, na história da humanidade, dois grandes marcos. Um, tu falaste, a reforma agrária e o outro, a reforma industrial. São as duas vezes em que o mundo mudou significativamente. O resto são factos históricos, mais ou menos irrelevantes. Do ponto de vista da biologia, ambos tiveram um impacto muito significativo. Se nós nos concentrarmos na revolução industrial, mudam os grandes fatores de pressão evolutiva e mudam radicalmente. Portanto, nós tínhamos três grandes fatores de pressão evolutiva até à Revolução Industrial, que eram as infecções, que dizimavam muita gente antes de chegar à idade reprodutiva, tínhamos a questão da violência e não tanto dos predadores, como mais precocemente, mas da violência, sobretudo entre os homens, e tínhamos a questão da fome. Portanto, estes são os três grandes fatores que determinam quem é que se reproduz e
Pedro Morgado
quem não se reproduz. Isso é muito interessante, eu estou curioso.
Pedro Morgado
A partir da Revolução Industrial isto desaparece, Sobretudo no século XX nós acabamos com as infecções, entre aspas, ou seja, as infecções não matam, moem, a maior parte das vezes. E as pessoas reproduzem-se, portanto, o fator de eu ter que ter o melhor sistema imunitário para sobreviver deixou de ser relevante. E temos na nossa população um pool de pessoas que foi selecionada por terem um espetacular sistema imunitário. Temos muitas doenças autoimunas. Segundo fator, a questão da violência. O número de pessoas que morrem em situações de violência caiu brutalmente. A mim faz-me sempre confusão quando vemos algumas mensagens mais perigosas dizer que estamos num mundo hiperperigoso e afins. Nós estamos na fase da humanidade em que há menor nível de violência entre as pessoas, entre os animais e as pessoas, o que quer que seja, verdade? A violência deixou de ser um critério. O que é que protegia as pessoas da violência? Por um lado, a questão da psicopatia, eu sou mais rápido a matar e, portanto, sobrevivo, embora as pessoas com perturbações de personalidade graves tenham uma esperança média de vida mais baixa, porque se envolvem mais vezes em problemas, mas era sobretudo a ansiedade. Os tipos que mais sobreviviam, os nossos antepassados que mais sobreviviam, eram os que não se metiam em problemas, ou aqueles que cheiravam-lhes a problema, montavam o sistema de alarme e fugiam como se estivesse ali o leão. Portanto, a ansiedade foi selecionada evolutivamente e foi-se apurando brutalmente e nós agora não temos, as pessoas já não pleiam tanto e temos outros fatores, e depois já lá vou a este facto, que fazem com que tenhamos cada vez mais doenças relacionadas com o meio e aí incluo as perturbações de ansiedade, mas também as perturbações depressivas. E por fim a questão da fome e aí chegamos aos problemas da obesidade e tudo aquilo que está relacionado com esse aspecto. Ainda sobre a depressão, uma nota importante, porque também é mencionada neste artigo, é que quando uma pessoa é ferida e monta uma resposta imunitária, convém que não se metem problemas, convém que se recolha. Exato. E, portanto, qualquer estado de hiperativação do sistema imunitário leva a um estado de tipo depressivo. A pessoa fica mais em baixo, nós todos experimenciamos isso, para se proteger e, portanto, se temos pessoas que têm um sistema imunitário mais ativo também podemos por essa via ter algum maior risco de depressão e há muitas hipóteses hoje em dia que associam inflamação à depressão. Exatamente. E essa é outra das explicações. Agora, sobre a ansiedade também, uma visão que também é um pouco pessoal de porquê que nós estamos a aumentar os níveis de ansiedade, burnout, depressão. Porque os stressores que impendem sobre as pessoas são hoje de uma natureza muito diferente. Nós já não temos que nos proteger dos leões, nem dos tipos que vêm como armas para nos invadir, nós temos que nos proteger da pressão que colocam sobre nós. E é uma pressão que é cotidiana, que vai desde a pressão laboral, à pressão para comprar, à pressão para aparecer. Nós hoje somos sujeitos a pressões de todo o tipo e também somos estimulados a desenvolver uma forma de estar em que tudo depende de nós e, portanto, se nós montarmos bem um projeto vamos ser bem-sucedidos e aí para a responsabilização individual também tem levado a que hoje em dia as situações de ansiedade e depressão sejam muito mais frequentes e se construam neste caldo em que os fatores de pressão psicológica são muito mais nocivos e em que já não há tantos fatores de pressão física para os quais nós temos que nos proteger. Sim, a sua explicação é muito interessante. No caso da
Pedro Morgado
depressão, por exemplo, Apanhei vários artigos sobre isso, um deles falava exatamente nisso, nessa questão da infecção. E, por exemplo, dos genes. Acho que ainda se estava numa fase preliminar, mas os genes que codificam para o nosso sistema imunitário, parte deles também são os mesmos que criam propensão para a depressão, por exemplo. Depois basta pensar no caso das mulheres, por exemplo. Isso é difícil depois de estabelecer porque pode ter que ver com uma maior propensão para ir ao médico, não é? Mas acho que está mais ou menos estabelecido que a depressão incide mais sobre as mulheres e, independentemente disso, nós sabemos que incide muito, por exemplo, na altura da gravidez. Isso, evolutivamente, faz sentido, de novo, não é? A proteção,
Pedro Morgado
a pessoa estar mais em baixa, a pessoa
Pedro Morgado
estar mais recatada, e claro que faz todo sentido. Isso tem muita piada. Eu não queria acabar sem falar, de outra maneira, interessante para olhar para toda esta questão das doenças psiquiátricas e até perceber as causas delas, que é olhar para as diferenças entre países, e Portugal no contexto do mundo e, sobretudo, no contexto europeu. E isso é particularmente interessante no caso português porque Portugal é um país especial, é um país que tem uma taxa de incidência a nível europeu bastante elevada e ao mesmo tempo com um perfil que o torna diferente até dos outros países, ditos latinos, dos outros países da vizinhança. Nós temos, ao ver, temos uma taxa de depressão e ansiedade bastante alta. Sim,
Pedro Morgado
ao nível das mais altas da
Pedro Morgado
Europa. E no global acho que somos só atrás da Irlanda do Norte, que é tida como país para este
Pedro Morgado
efeito. Há várias explicações para isso. Há explicações de natureza, sobretudo, social e cultural, porque tenho dificuldade em perceber que a biologia possa explicar a diferença entre pessoas que são tão parecidas.
Pedro Morgado
Por isso é que isso é interessante, é que se há diferença não podem ser, significativamente, não podem ser biológicas. Eu diria também que há aqui uma questão metodológica, provavelmente.
Pedro Morgado
Os estudos não são feitos da mesma maneira num país e noutros e isso tem um impacto. Portanto, nós só nos podemos comparar se conseguirmos fazer estudos exatamente iguais entre os diferentes países. Vamos admitir que há aqui uma questão metodológica, mesmo assim há uma tendência para os níveis serem superiores, até porque depois temos outros indicadores indiretos, temos a taxa de consumo de antidepressivos em Portugal é muito elevada. Eu acho que temos que ter cuidado quando falamos disto, não confundir que possa haver um sucesso de prescrição com a ineficácia ou com a não necessidade de eles serem utilizados. Eles são muito úteis e têm que ser utilizados, mas Eu penso que os fatores culturais têm a ver com, em primeiro lugar, com a pobreza. Nós somos pobres, comparativamente com o resto dos países europeus. E temos uma pobreza que foi construída de uma forma diferente, por exemplo, da pobreza dos países da Europa de leste. Nós fomos educados para nos conformar com a nossa fave e com a nossa... Muito esta cultura, não é, da tristeza, da saudade, tanto que percorre muito a nossa idiosincrasia e a nossa cultura nacional. Depois, questões muito relacionadas com a organização das famílias. Por várias razões não é estimulada a autonomia dos jovens, e eu aqui incluo razões económicas, não é fácil um jovem arranjar um trabalho e ter a sua autonomia cedo e, portanto, ter maior capacidade de estar mais autónoma em relação à sua família nuclear, mas isso também não é incentivado por ninguém. Socialmente não há um incentivo à autonomia dos jovens, os pais levam os filhos à escola, os filhos vão com os pais para a universidade, os pais resolvem os problemas dos filhos na escola, os pais resolvem os problemas dos filhos na universidade. É cultural esta necessidade de nós sobreprotegermos as pessoas da nossa família, poderá ser um fator protetor em algumas situações, mas também de vulnerabilidade, porque depois as pessoas quando têm situações de vida e quando são defraudadas naquilo que são as suas expectativas, não têm recursos para gerir essas dificuldades. E isto tem muito a ver na minha perspectiva com educação e cultura e acho que nós precisamos de educar mais os nossos jovens para lidar com as contrariedades, para ouvirem que não, às vezes, e para aprenderem a construir alguma coisa com isso. Ou seja, no
Pedro Morgado
fundo há uma dificuldade da autossuficiência.
Pedro Morgado
Sim, porque nós positivamente temos uma vida social muito coletiva, muito partilhada e muito centrada na família. Por outro lado, estimulamos muito pouco essa capacidade das pessoas se organizarem e se resolver os seus problemas de forma autónoma e desde cedo.
Pedro Morgado
O curioso aí é que nós, eu partilho dessa visão e é uma crítica cultural que eu faço muitas vezes, nós temos uma cultura muito coletivista que tem algumas coisas interessantes, sei lá, por exemplo, durante a crise, por exemplo, serviu de amortecedor, porque as pessoas
Pedro Morgado
justamente tinham essa... Sim, durante a crise foi um elemento fundamental. Há imensas famílias que só conseguiram ultrapassar a crise porque havia um avô que tinha uma reforma, ou os pais já estavam reformados e tinham uma reforma, e foram a base que sustentaram toda aquela família.
Pedro Morgado
Exatamente, mas ao mesmo tempo tem uma série de defeitos perversos a vários níveis, porque limitam a autonomia e limitam esse locus de controle interno da pessoa perceber que é responsável, pelo menos em certa medida, pelo resultado das suas ações, não é? E ao mesmo tempo desenvolver uma capacidade para trabalhar com isso. Essa explicação seria suficiente se eu visse um perfil geográfico na Europa, por exemplo, correspondente a essa dimensão coletivismo-individualismo. Mas não parece, apesar de tudo, que ele exista completamente, porque países como Espanha ou como Itália, por exemplo, Itália é um país muito coletivista
Pedro Morgado
também, nesse sentido. Sim, e muito parecido connosco. Se calhar até o sul de Itália é mais parecido connosco que a própria Espanha. Exato. Por razões históricas, não é? Isso mesmo. Se
Pedro Morgado
calhar o sul de Itália tem esse perfil também, não é? Eles como
Pedro Morgado
não partem em dois. Talvez, exatamente. É possível. Mas com o Espanha eu acho que há algumas diferenças culturais interessantes e, sobretudo, o século XX e a história que os dois países tiveram, que foi muito diferente, afastou-nos do ponto de vista da organização social, tanto durante a ditadura, apesar de termos tido duas ditaduras fascistas, a forma como elas se estruturaram, muito mais passiva em Portugal, muito mais aceite, sem... Tem que ser, não há alternativa, e em Espanha muito mais combativa a estruturação da ditadura, como até a própria transição da ditadura para a democracia nos dois países, quanto a mim muito melhor sucedida em Portugal, aliás a estabilidade política demonstra isso, também tiveram um impacto nesta forma que nós temos de olhar para os problemas e de os resolver. E também explica a nossa muito baixa mobilização social, muito baixo envolvimento cívico, mesmo comparando com Espanha. As diferenças
Pedro Morgado
são muito significativas. Sim, nós temos... É verdade, concordo com o que estás a dizer. É curioso, dois países vizinhos
José Maria Pimentel
e
Pedro Morgado
se puséssemos a China do outro lado, por exemplo, obviamente que tem muitas parecencias culturais, mas para dois países que estão tão próximos é curioso serem tão diferentes. É engraçado porque no nosso caso, o que nós temos por definição são famílias muito unidas, nos quais há uma grande partilha e uma grande intimidade e depois temos a falta de capital social, que é uma coisa que eu já falei várias vezes no podcast e que está um bocadinho relacionado com isso e que acho que até é uma dimensão que se associa a isto e que tem que ver justamente com a confiança nos outros. Daqui de preenche que possa haver até um trade-off, ou seja, da mesma forma que nós teremos uma prevalência mais elevada de patologias relacionadas com uma sociedade onde esse capital social tem algumas limitações e onde a pessoa não confia tanto nas outras pessoas, por exemplo, em situações desse género, haverá também o contrário? Ou seja, haverá também doenças nas quais há uma incidência menor justamente por nós termos esse amparo familiar maior. Sim, há vantagens, não
Pedro Morgado
tanto na quantificação das doenças, mas, por exemplo, na sua severidade. Nós temos taxas de suicídio relativamente baixas. Temos muita carga em termos de doença psiquiátrica, mas temos taxas de suicídio relativamente baixas no contexto europeu. E isto tem a ver precisamente com isto. Há doença, mas há um ganho associado no facto de termos uma melhor almofada para gerir a doença. Portanto, acho que esse é o ganho evidente que nós temos. As situações não são tão graves, as pessoas não estão tão desamparadas, as pessoas não estão tão isoladas. Eu acho que também não devemos ser hiper simplistas, porque há aqui outros fatores, por exemplo, muitas destas doenças, já aqui dissemos, são mais prevalentes nas mulheres do que nos homens. E a forma como a sociedade portuguesa vê as mulheres também tem uma influência nas situações de doença. Se nós olhamos para aquela camada, sobretudo, acima dos 50 anos, vemos muitas situações de doença em mulheres que estão relacionadas com uma grande insatisfação com as suas relações conjugais e, portanto, não podemos desligar as duas coisas. Há aqui uma carga histórica, uma carga cultural que não é só… Mas se é diferente nos outros países? O papel da mulher em Portugal ainda é diferente comparativamente com países, por exemplo, do Norte da Europa. Nós temos aí diferenças já muito significativas na forma como a mulher é percepcionada nas duas realidades.
Pedro Morgado
É verdade, mas também foste pegar logo no exemplo
Pedro Morgado
do best case, não é? Porque são as situações mais prevalentes. Quem faz consulta percebe claramente que na mulher grande parte da patologia ansiosa e depressiva tem uma relação com a sua situação de vida. É muito significativo isto do ponto de vista clínico. Não,
Pedro Morgado
eu não digo que não, aliás, faz todo o sentido. Eu estava aqui a pensar a como é que isso variaria entre países, não é? Tendemos a ver esse progresso moral de uma maneira linear, não é? E não é bem assim. Há países, por exemplo, há pouco tempo estive na Alemanha. A Alemanha é um país ainda muito masculinizado, tem uma cultura muito mais masculina do que a nossa. Sim, e muito conservadora em algumas das partes. Exatamente. Muito mais do que o nosso país. Portugal até é um país, eu diria, se calhar, para o nível de desenvolvimento que nós temos, nós até somos um país muito paritário para o nível de desenvolvimento, com este caveat, não é? Não é? É absurdo, percebe o que eu quero dizer?
Pedro Morgado
Eu não queria colocar Portugal no diva, mas nós temos coisas muito curiosas como país, por exemplo, Nas últimas semanas ouvimos várias vezes dizer que em Portugal não há racismo. É a nossa forma de lidar com as coisas e com outros assuntos que nós aqui estamos a falar sobre somos muito evoluídos, se calhar temos ideia que somos mais evoluídos do que efetivamente somos. E este exemplo do racismo é uma situação, é outro bom exemplo, porque toda a gente acha que não é racista e que não há nenhum racismo em Portugal e esse é o principal problema, é que se nós não temos insight para perceber que ele existe não vamos poder atuar e poder mudá-lo.
Pedro Morgado
E há uma diferença entre... Eu uma vez ouvi isso dito em relação justamente às mulheres que era... Acho que era a Leonor Beleza que dizia isso, eu achei muito a piada, ela dizia Portugal não é um país onde não há grande problema em uma mulher ser primeiro-ministro ou ser presidente de uma empresa, mas também ninguém faz nada para que isso aconteça. Precisamente. E eu acho que ilustra bem isso, não é? Porque de facto tu não vês, tanto num caso como no outro, uma aversão explícita como vês noutros países, mas ao mesmo tempo. Se você olhar para os indicadores... Certo, talvez
Pedro Morgado
o caso dos ciganos seja o caso mais visível na nossa sociedade. É óbvio que há um sentimento muito generalizado de racismo em relação aos ciganos. Isto é óbvio. Isto está nas conversas quotidianas com a maioria das pessoas com quem eu me relaciono e notem que são pessoas de bem. A maioria das pessoas com quem eu me relaciono são pessoas absolutamente normais. Mas a nossa maneira de lidar com os problemas é viver como se eles não existissem. E estamos a falar do racismo, podemos falar da discriminação de género, podemos falar de homofobia, ela está presente em múltiplas situações da nossa vida e não a assumimos. E isso também é um problema para a nossa sociedade E isso também faz as pessoas adoecerem um bocadinho. E eu não sei, não tenho conhecimento suficiente sobre os outros países para dizer isto, mas eu acho que nós em Portugal vivemos muito de uma determinada aparência e de uma cultura de aparência.
Pedro Morgado
Das palavras. Das
Pedro Morgado
palavras e também dos comportamentos.
Pedro Morgado
E isso é um problema. Essa é outra idiosincrasia portuguesa. Há uma preocupação com as coisas parecerem bem e depois pouca preocupação em que elas estejam bem de facto. Exatamente.
Pedro Morgado
Nós queremos que tudo fique bem na
Pedro Morgado
fotografia. Exato, exato.
Pedro Morgado
E isso é uma ideologia que tem um impacto brutal depois na vida real das pessoas. Se
Pedro Morgado
calhar é a maior de todas a que nós falámos aqui. Talvez. Mas enfim, agora íamos por aqui em diante a falar de cultura portuguesa.
José Maria Pimentel
Antes de passarmos, como é hábito, às recomendações do convidado, deixem-me lembrar-vos que podem contribuir para a continuidade de desenvolvimento deste projeto. Visitem o site em 45graus.parafuso.net barra apoiar para ver como podem contribuir, através do Patreon ou diretamente, bem como os vários benefícios associados a cada modalidade de contribuição. Caso não possam apoiar financeiramente, podem sempre contribuir para a continuidade do 45° avaliando-o nas principais plataformas de podcast e divulgando-o entre amigos e familiares. Muito obrigado pelo vosso apoio e agora de volta à conversa.
Pedro Morgado
Olha, vou-te pedir o livro para terminarmos.
Pedro Morgado
Muito bem. Estou curioso. Eu trazia livros e filmes, pode ser? Podes dizer tudo o que quiseres. Pronto, então vamos aos livros. Então é assim, os livros eu vou recomendar um autor que tem um nome super estranho, que eu tenho sempre dificuldade em dizer, que é Byung-Chul Han, que é um filósofo sul-coreano, que está radicado na Alemanha e que escreveu uma série de livros incríveis sobre o nosso tempo. Descreve muito bem o nosso tempo e a forma como a sociedade impacta na saúde das pessoas, sobretudo na sua saúde mental e também no desenvolvimento dessas psiquiátricas. Ele não tem nada a ver com psiquiatria, portanto é uma visão interessante, vem de fora. E os dois livros que eu gostei mais de ler dele foi o Psicopolítica e o Topografia da Violência. Acho que são dois excelentes livros para mostrar o que é que está a acontecer na nossa sociedade e de que forma é que isso tem um impacto na nossa saúde. Talvez porque para mim foi importante na fase da vida em que eu o li, o Retrato de Orian Gray, do Oscar Wilde, é incontornável, porque eu acho que há escritores que escrevem melhor as pessoas e a natureza das pessoas do que as descrições dos psiquiatras e é um bom livro para percebermos como é que a maneira de ser influencia o comportamento e aquilo não tem necessariamente a ver com doença. Eu gostava de o recomendar. Finalmente, três filmes, porque são filmes muito diferentes e eu acho que são três bons filmes para as questões, para compreendermos um pouco melhor as questões da psiquiatria. Shutter Island, porque é um filme enigmático, que conta de uma forma muito interessante o que é que é a psicose. O Cisne Negro, porque é, para mim, o melhor filme sobre esquizofrenia. Não parece esquizofrenia, aquilo é esquizofrenia. Recomendo vivamente que vejam esse filme com esta ideia. Estão a ver um filme sobre efetivamente o que é esquizofrenia. Porque há outros filmes que são muito falados e que são muito maus a descrever. Acho que aquele descreve muito bem o que é. E hoje tinha que falar sobre isto e o Joker. Eu acho que o Joker é um filme impressionante. É muito sobre psiquiatria, mas é muito sobre a sociedade dos nossos dias. E tem alguns riscos, porque volta a cair naquele chavão de associar psiquiatria e doenças psiquiátricas a violência. É um risco. E é uma mensagem importante, se estamos a terminar, dizer que as pessoas com doença psiquiátrica não têm maior risco de cometer um crime, têm maior risco de ser vítimas de um crime. Isto é uma mensagem que tem mesmo que passar, mas é um bom filme porque mistura tudo aquilo que nós falamos aqui. Mistura genética, mostra o impacto que as relações interpessoais precoces ao longo da vida podem ter, mostra como uma relação perturbada com a mãe pode ter um impacto tão determinante no desenvolvimento de uma pessoa, mostra como aquilo que são as nossas experiências de vida também constituem um capital para a nossa saúde ou para o nosso desenvolvimento de doenças, e mostra outras coisas que eu não gostaria de deixar de falar. Mostra como a sociedade às vezes se desresponsabiliza de cuidar das pessoas que têm uma doença mental e de como isso tem um impacto muito relevante para a nossa sociedade. E, portanto, como nós tratamos pessoas que normalmente não têm uma voz, normalmente não têm capacidade reivindicativa. E isso é um bom filme para mostrar o que é que a sociedade perde quando não olha adequadamente para as pessoas que têm uma doença psiquiátrica.
Pedro Morgado
Sim, eu por acaso vi o filme até há poucos, não há muitas semanas, por acaso não gostei tanto como tu, mas relativamente a essa questão, acho uma boa recomendação porque teve até como que nós não falámos muito que é a questão de assumir que, aquilo que tu dizias a propósito da neurose, é da pessoa assumir que tu podes controlar absolutamente e que depende apenas da tua boa vontade. E no caso da personagem dele, claramente aquilo era algo que ele não conseguia controlar. Aquilo é uma personagem de ficção, não é? Mas é um caso que representa justamente... E tu estás a julgar como simplesmente sendo tipo que está armada em parvo ou resolveu ser esquisito ou uma coisa qualquer do género. Na verdade, não é... Há ali, e ele até era um caso extremo, ele até diz a certo ponto no filme que nunca teve um pensamento feliz na vida. Isso, exatamente.
Pedro Morgado
Mas há ali outras coisas, há ali a estigmatização, o isolamento social a que estas pessoas muitas vezes são votadas. Há ali uma certa hostilidade que está presente em todo o filme. Eu percebo, e por isso é que eu acho o filme genial, que haja muita gente que tenha ficado com sentimentos muito negativos em relação ao filme. Porque ele de facto mexe com muitos dos nossos princípios, dos nossos valores e põe-nos numa situação de até conseguirmos, em algumas alturas, e isto é perturbador, empatizar com alguém que comete crimes, não é? Que é uma coisa perturbadora, não é? Como é que eu consigo... Sim, eu
Pedro Morgado
não acho isso um perturbador, mas acho que... Mas é verdade que... Que causa... Que nos convoca a refletir sobre isso, pelo menos. Nós tendemos a ver a coisa como binária, não é? Se é criminoso, é mau... São os bons e os maus, não é?
Pedro Morgado
Exatamente, exatamente. E eu acho que é um bom filme por causa disso. Já agora, não é um bom filme para discutir doenças psiquiátricas, porque eu discuti um filme com algumas psiquiatras e nós não nos entendemos em relação
Pedro Morgado
ao diagnóstico. O
Pedro Morgado
objetivo não é tanto esse, é mostrar como as coisas da vida e da sociedade têm um impacto na doença e nas pessoas. E eu acho que essa é uma mensagem
Pedro Morgado
importante. Sim, sim, sim. Boa, excelente. Olha, obrigado por teres vindo. Gostei imenso desta conversa. Obrigado. Também gostei.
Pedro Morgado
Diverti-me imenso.
José Maria Pimentel
O 45 Graus é um projeto tornado possível pela comunidade de mecenas que o apoia. Mecenas como Gustavo Pimenta, Eduardo Correia de Matos, João Baltazar, Salvador Cunha, Duarte Dória, Tiago Leite, Joana Farialve, João Manzarra, Mafalda Lopes da Costa, Rui Oliveira Costa, Carlos Martins, entre muitos outros a quem agradeço e cujos nomes encontro na descrição deste episódio. Até à próxima.