#71 [série Orientações Políticas] Pedro Lomba - O peso crescente da ideologia, os limites à...

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José Maria Pimentel
Olá, o meu nome é José Maria Pimentel e este é o 45°. O convidado de hoje é Pedro Lomba e este é o primeiro episódio de uma nova edição da série Orientações Políticas que fiz na temporada passada. Esta conversa foi gravada ainda durante a campanha para as legislativas, mas como sendo sobre política não nos focamos nas eleições, decidi deixar passar o período eleitoral e publicá-la só agora. Ao retomar a série de episódios sobre orientações políticas, O meu objetivo é o mesmo da primeira série, isto é, conversar com pessoas que têm um posicionamento político conhecido. Mas desta vez a minha ideia é tentar encontrar pessoas que atualmente estejam fora da política ativa, como é o caso do Pedro. Da minha parte, enquanto afetrião, a abordagem é a mesma da série anterior. Por um lado, tento debater com o convidado as ideias dele e confrontá-las com a minha própria visão crítica. Por outro lado, tento estar de mente aberta e aprender também com os insights que o convidado traz, como acontece nos episódios normais do podcast. Isto é importante Porque, embora eu tente sempre ir atrás dos factos, quando falamos em política, a realidade é demasiado complexa para que possamos ser 100% objetivos. Além do mais, os nossos valores não são os mesmos, ou seja, os valores variam entre indivíduos diferentes e influenciam sempre a nossa visão do mundo. É por isso que nestas conversas começo sempre por ser transparente em relação àquilo que é, tendencialmente, o meu próprio posicionamento político e que está a auguros entre o liberalismo clássico e o liberalismo social. E já agora faço aqui excecionalmente um parênteses para a atualidade política e para o resultado das eleições do último domingo. Enquanto alguém que se revê na história do liberalismo, vejo-o obviamente com otimismo a entrada no parlamento do primeiro partido assumidamente liberal em Portugal. O liberalismo é uma tradição política com pouca história no nosso país e seria muito bom se mudasse por cá. Dito isto, nesta fase este é obviamente um otimismo cauteloso. O meu desejo para este partido, o Iniciativa Liberal, são dois, na verdade. Por um lado, que se afirme como um partido de facto liberal, na linha dos partidos liberais europeus, ou seja, liberal na economia, mas também na sociedade. E não apenas como um partido da direita tradicional, apenas sob um nome diferente. E desejo também, por outro lado, que se afirme como um partido moderado e realista. Ou seja, sem deixar de fazer propostas inovadoras, focadas no indivíduo e com políticas que promovam o crescimento económico, que bem falta nos faz, mas sem resvalar proposições libertárias mais radicais. Até porque se é verdade que Portugal tem em muitas áreas, de facto, um Estado demasiado pesado e uma cultura política paternalista, o principal dos nossos problemas é um de instituições no sentido lato e esse não se resolve apenas com medidas de liberalização econômica. Mas enfim, voltando ao episódio de hoje, o convidado é então Pedro Lomba, advogado e professor universitário. A atividade política do Pedro está ligada ao PSD e foi secretário de Estado adjunto e dos Assuntos Parlamentares no último governo do PSD. Mas foi bem antes disso que o Pedro começou por dar que falar, nos primórdios da blogosfera portuguesa, quando integrava um dos blogs mais marcantes daquela altura, conjuntamente com outros nomes que deram que falar, Pedro Mechia e João Pereira Coutinho. Os três em conjunto davam corpo a uma direita mais jovem que começava a mostrar-se através de novos meios, no caso da blogosfera. Esta nossa conversa para o podcast foi muito aberta, fomos saltando de tema em tema e sem um guião pré-definido. E aliás, ao reouvi-la, percebi que foi mais o convidado quem definiu o rumo da conversa do que eu, o que nas conversas desta série é o ideal. E aliás, o facto de ter sido um diálogo aberto implicou também, por outro lado, que tenha havido temas que ficaram por fechar e também, pelo menos da minha parte, algumas reflexões que foram mais um princípio de uma opinião do que provavelmente uma opinião definitiva. Mas enfim, julgo que essa também é uma das vantagens deste exercício de gravar este tipo de conversa sem guião, que a dar a quem ouve o podcast um acesso quase em bruto a uma conversa franca entre duas pessoas. E durante esta hora e pouco, cobrimos uma série de assuntos. O pontapé da partida foi tentar perceber a origem do posicionamento político do convidado. Daí partimos para discutir uma série de temas, vários dos quais dão hoje muito o que falar. Os obstáculos criados pelo facto dos países terem culturas diferentes à integração europeia, as ameaças à liberdade de expressão atualmente, numa altura em que o espaço público passou a incluir também as redes sociais, e aquilo que o convidado vê como o problema do ressurgimento de novas ideologias mais abrangentes e que se estendem à discussão pública e a sítios como as universidades. Mais para o final da conversa, discutimos também, em crítica do convidado, aquilo que ele vê como uma sociedade por vezes demasiado focada nos direitos e menos nos deveres, Um termo que assim mesmo daria uma conversa. Mas pronto, feita a introdução, deixo-vos então com o Pedro Lomba. Pedro, bem-vindo ao podcast. Como combinámos, então vou-te pedir para me explicares mais ou menos a tua visão política, de onde é que ela vem, como é que ela surgiu, em que é que sustenta, não só de um ponto de vista relativamente filosófico, mas também na realidade concreta do país e do mundo.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Bom, em primeiro lugar, obrigado pelo convite. Se calhar, Antes de pensarmos em bases filosóficas, deveríamos pensar em bases históricas. Acho que as nossas posições políticas, sociais, culturais, a nossa visão do mundo é essencialmente ditada por uma certa reação ao mundo e ao tempo em que vivemos, em que nascemos. Portanto, eu acho que se recuar, é um bocadinho discutível se eu posso recuar muito tempo, porque enfim, mas eu já posso recuar, porque lá para trás já tenho algumas coisas nesse sentido. E se pensar em mim como fazendo parte de uma geração de pessoas que é, digamos, a primeira geração de um regime político em Portugal pós-revolucionário, que, portanto, cresce num ambiente também muito formatado por esse ambiente revolucionário. E eu via isso nas minhas professoras, eu via isso nos livros que me eram dados a ler, eu via isso em numerosas fontes. Às vezes relembro-me que, não vou discutir se é um bom historiador ou não, mas nós tínhamos que ler, por exemplo, a Revolução de 1383-35, daquilo do António Borges Coelho. O Interregno, não é? Que, epá, que nos apresentava aquilo como uma revolta, uma luta aos olhos de um futuriador marxista. E portanto, pensávamos, uma coisa no século XIV, deveria ser vista nestes termos, etc. Se nós recuarmos, por um lado, a um país que era pré-europeu, que era ainda, quer dizer, politicamente, não sabia para onde é que ia, e um país depois culturalmente muito formatado pelo peso da esquerda, a escola, na universidade, nos meios de imprensa, na cultura em geral. Quer dizer, aí houve uma espécie de reação. Por isso é que eu acho que a distinção entre esquerda e direita não pode muitas vezes ser vista num plano histórico, como se ela fosse indiferente à história. E depois vêm as leituras, e aí vamos tentando, através das leituras, procurando dar um sinal àquilo que nós pensamos, e às vezes estamos ali ainda um pouco a apalpar o terreno, mas os meus autores políticos que comecei a ler nessa altura correspondem, digamos, a uma tradição de pensamento político, liberal e conservador. E
José Maria Pimentel
adivinharam quem já agora?
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Tocqueville, por exemplo, no século XIX, é um grande pensador político e social. Acho Burke também um grande autor. Acho, no século XX, o Max Weber um autor absolutamente imprescindível. Se queremos entender um Estado moderno, não podemos entendê-lo sem ir ao Max Weber. Constant é um autor que eu... No princípio, Constant gostava muito porque Constant, como era simultaneamente um jurista, um constitucionalista e também um romancista, tem aquelas novelas românticas, o Adolphe. Quando eu era miúdo aquilo cativava-me bastante, porque enfim, era um autor... Como muitos desses librais, procurava atuar em diferentes registros e em diferentes mundos. Depois tínhamos um problema, que é o nosso próprio embate com aquilo que era a direita portuguesa. Eu acho que nós, pensando nos meus amigos de sempre, e nas pessoas que também começaram a escrever comigo nos jornais, etc. Nós de facto éramos, e ainda somos, eu agora só sou menos, um conjunto de pessoas muito anglo-saxónica nos gostos. Eu, dos nomes que acabei de dar, por exemplo, três deles são franceses. E hoje acho que a melhor tradição política à direita é aquela que eu acho que é mais inteligente na forma como sintetiza um pensamento político digamos alternativo à esquerda. Há uma frase de um autor, Marc Rappé, que é um politólogo francês, que tem feito muita genealogia do pensamento de direita em França. E o Carapé diz assim, diz às tantas, que a direita deve ser liberal. Vou reproduzir o que ele diz de uma forma, porventura, pouco rigorosa, mas ele diz, a direita deve ser liberal porque a prosperidade das nações exige liberdade económica e só se faz com liberdade económica, deve ser conservadora porque a nossa própria subsistência depende da preservação de um conjunto de saberes estabelecidos e segundo ele também deve ser... Ele utiliza a palavra gaulista, penso que ele utiliza a
José Maria Pimentel
palavra gaulista. Mas o que é que ele quer dizer com o gaulista? Tem que ver com o de Golo, obviamente, mas o que é que isso acrescenta no fundo? Quer
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
dizer que tem que ser republicana. Republicana à francesa. À francesa.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Seguramente distingue-se de uma tradição anglo-saxónica. E portanto, essa tradição francesa, essa tradição de liberalismo, um liberalismo, se quisermos, conservador, curiosamente em França até me parece que em França é uma tradição que tem lutado para poder existir, porque em França os franceses inventaram o pior possível em política, e também inventaram coisas muito boas, mas inventaram o pior possível em política. Desde as experiências jacobinas até ao fascismo, tiveram de facto de tudo, mas ao mesmo tempo tiveram essa tradição. Num dos textos de que falávamos antes desta conversa do Pierre Manin, que do meu ponto de vista pertence a essa tradição, sobre a coisa chamada a grandeza e miséria do liberalismo. Isso aliás está traduzido num livro sobre a história intelectual do liberalismo. Ah é? Eu depois ponho nas referências. Sim, eles têm esse texto. E o Manin refere-se a isso como uma tradição de liberalismo triste. Que é uma expressão ótima. Eu diria que é um liberalismo triste porque é um liberalismo que reconhece a necessidade de uma moralidade.
José Maria Pimentel
Exato, sim, também parece que é por aí.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Que é uma coisa que os liberais muitas vezes resistem porque a moral, segundo eles, é imposta pelo Estado e, portanto, como Deus. Mas isso, por exemplo, é uma coisa que já agora me distingue de alguns liberais portugueses, sobretudo da nova geração. Eu acho que há uma nova geração de liberais portugueses, alguns deles muito estimáveis e alguns deles meus amigos, que até estão agora neste movimento da iniciativa liberal, eles são uma coisa completamente diferente. Eles são, ou enfatizam aquilo a que podíamos chamar um liberalismo das regras. São fundamentalmente pensar nas regras, que é preciso regras que disciplinem os governos, é preciso regras que acabem com isto e acabem com aquilo acabem com determinados abusos e portanto aqui fundamentalmente eles olham para as sociedades políticas como um aglomerado de regras de regras constitucionais e são essas regras que seguram o funcionamento de uma ordem liberal espontânea. Portanto, é isso que eu quero dizer.
José Maria Pimentel
Regras simples. Regras simples. Sim,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
sim. Aliás... Que na natureza não são bem simples, não tem podência
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
e é mais complicado. Sim, sim. Por
José Maria Pimentel
acaso, esse é um ponto interessante para discutirmos, porque Odolfo Busqueta Nunes era provavelmente o exemplo mais... Esse é
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
anglo-saxónico, claramente.
José Maria Pimentel
Sim, sim, claramente, exatamente. E vou gravar depois de ti com o Mário Ibori Lopes, que é outro tipo também muito liberal, vai ser a dia de discutir com ele. Eu, misturando intuição com alguma reflexão, eu sou tendencialmente um liberal e, portanto, partilho muito dessa visão, mas reconheço ao mesmo tempo uma série de limitações até cognitivas. Por exemplo, isso que tu falavas há pouco, dessa questão das regras. Eu acho que há uma grande apetência por regras que racionalizem, por exemplo, o Estado. Coisas que simplifiquem. Daí aquele aparente paradoxo de os liberais gostarem do... Ou muitos liberais gostarem do rendimento básico universal. Aliás, o Milton Friedman foi um dos primeiros tipos a propor uma coisa desse género. O dele era um imposto, se eu não me engano, um imposto invertido, uma espécie de anti-imposto, mas na prática é a mesma coisa. Porque isso é uma espécie de racionalização, é de género. Vamos estabelecer princípios que assegurem uma estabilidade da sociedade e assegurem um amparo às pessoas mais necessitadas, mas de uma maneira simples para não criar aqui uma burocracia enorme. Eu acho que isso é um ponto relevante, não acho que ele seja irrelevante. Parece-me que, ou reconheço que muitas vezes ele é demasiado abstrato e depois na prática tu não consegues fazer isso. A sociedade é demasiado complexa noutros aspectos para tu conseguires fazer isso dessa forma.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Este tema das regras é hoje muito visível na forma como a nossa sociedade se organiza por causa da integração europeia. A integração europeia foi uma integração num sistema normativo, um sistema de regras de disciplina financeira, de contenção da despesa e, portanto, a racionalidade dessas regras podia ser discutida. Há quem, de facto, diga que aquelas regras não fazem sentido nenhum do ponto de vista económico, mas eu não vou discutir com certeza que eu prefiro viver num país financeiramente disciplinado do que num país desregrado. Já sei para onde é que isso nos leva. Mas o Manin diz que a transformação das nossas sociedades políticas em um aglomerado de regras leva àquilo que ele chama o despotismo das regras. E ele diz...
José Maria Pimentel
Das regras sobre o quê?
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Estas são regras de que nós falamos, estas regras constitucionais, as regras... Aliás, nós não sabemos quantas são as regras que neste momento disciplina o funcionamento da União Económica e Monetária, são regras que se expandiram nos últimos anos enormemente, que se dividem por instrumentos de... Aquilo que os juristas chamam de hard law e soft law e, portanto, são difíceis às vezes de categorizar. Tenho lido recentemente alguns textos que mostram, afinal, há estas regras todas e eu nem sabia. Sim. Mas ele, de facto, fala nisso. E esse é um ponto interessante porque o Mané é um liberal que estudou a história, a tradição intelectual do liberalismo, e esse livro, História intelectual do liberalismo, é um livro que eu recomendo vivamente, mas ao mesmo tempo diz, atenção, que o liberalismo não é dissociável de uma proposta política de bom governo. Eu posso ter um Estado organizado segundo regras constitucionais e que tem por trás uma forte racionalidade económica, mas se de repente não há ali nada que se pareça com um bom governo. Eu acho, aliás, que é nisso que infelizmente se transformou o liberalismo, transformou-se na defesa de um governo de regras. Por isso é que para eles a ideia de olhar para a Europa, por exemplo, desligada das suas referências culturais é impensável. Onde é que
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
nós vemos pessoas olharem para a Europa desligada das suas referências culturais? Há uma grande dificuldade, que nós sabemos que existe há algum tempo,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
de a Europa se afirmar como um continente que assuma a sua herança cristã. Há uma grande dificuldade em Europa se pensar a si própria também em função do outro. E o outro não é... Não estou a pensar no outro apenas como outro que nós queremos incluir, com certeza, mas estou a pensar no outro como alguém que é diferente de nós. O que é que seria a
José Maria Pimentel
Europa assumir essa herança cristã? Ou o que é que é não a estar a assumir, não é? No fundo, em que é que isso se manifesta? Há muitos debates concretos
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
onde isso se manifesta. Dada a altura, como sabemos, a Europa pensou, por exemplo, na integração da Turquia como um fator inevitável. E isso tem sido uma coisa dominante na evolução da Europa desde o início, como se a Europa fosse uma unidade política em permanente expansão. É, portanto, perfeitamente normal que a Europa integra-se um país com a dimensão da Turquia, isso tem como consequência, por exemplo, a incapacidade da Europa pensar nas suas fronteiras. Eu bem sei que esta coisa do modo de vida europeu de que agora se fala, por causa da nova presença da Comissão Europeia, é evidente que aquilo é excusado, se calhar pode-se corrigir, etc. Mas eu estou convencido que existe um modo de vida europeu, eu estou convencido que existe uma
José Maria Pimentel
matriz cultural.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
E estou convencido que essa matriz cultural está provavelmente em irremediável decadência e sem querer ser se calhar muito pessimista ou decadentista...
José Maria Pimentel
Não, mas eu estou mesmo curioso para...
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Eu não sei se tu concordas comigo, mas as forças que dependem de uma sociedade, a vitalidade de uma sociedade, que tem a ver com as pessoas, demografia, com os recursos, economia, forças que têm a ver com a sua capacidade de decisão perante os problemas, a política, e acho que agora este síntese saiu-me bem, estão substancialmente enfraquecidas naquilo que nós chamamos a Europa. Pelo contrário, a Europa é um continente que é o oposto disso. É um continente muito envelhecido, é um continente muitíssimo à deriva, por vários motivos, e é um continente que vive à defesa.
José Maria Pimentel
Certo. Sim, sim. Está à defesa. Sim, sim, isso concordo completamente. Aliás, eu tenho muita pena de ter que admitir isto, porque sou um universalista. Por exemplo, manifestações culturalmente específicas, como a religião, por exemplo, fazem muita impressão até por causa disso. E portanto, tenho alma de universalista, se quiseres, e tenho que reconhecer que o projeto europeu, da maneira como está construído, passou por cima de uma coisa que era bom que fosse de outra forma, mas que não é e não virá a ser do futuro próximo, que é o facto de tu teres culturas que mal ou bem correspondem mais ou menos a Estados-nação. Não acontece isso em todos os casos, mas a verdade é que Estados-nação se impôs, não é? E tu tens sempre este exemplo, não é? Quer dizer, basta pôres o pé em Espanha, falas com um espanhol e ele nunca viu televisão portuguesa, provavelmente na vida. E não conhece nada da... Provavelmente, a não ser lá está que tem família em Portugal ou que tem atividade profissional aqui, mas o mais provável é que conheça muito pouco de Portugal. O inverso não é bem verdade, nós como somos país mais pequeno somos um bocadinho mais aberto, mas ainda assim nós temos... Basta ver a política espanhola, por exemplo. Eu penso sempre, e aliás até seria interessante vir a ter um convidado espanhol no podcast para conseguir destrinçar isso, eu penso sempre que quando tu estás a olhar para outra realidade cultural, estás sempre a perder alguma informação. É muito fácil nós imaginarmos que isso acontece com a China, por exemplo, mas mesmo com o Espanha, eu acho que nós quando olhamos, por exemplo, para o impasse político atualmente a ocorrer em Espanha, nós não estamos a ver aquilo com olhos de espanhola. E o país está aqui ao lado.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Não me parece que isso é também uma grande ilusão do universalismo.
José Maria Pimentel
A grande ilusão do
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
universalismo é achar que os homens se desligam facilmente de um conjunto de heranças, raízes e identidades definidas, tem sido uma grande ilusão de algumas
José Maria Pimentel
variantes. Concordo, concordo. Ou por outra, Eu continuo a acreditar numa tendência universalista e nós vemos isso nos últimos séculos, que há uma tendência universalista e tu hoje em dia consegues ter um diálogo a nível global ou pelo menos a nível da sociedade ocidental no sentido de lado que não existia antes e de proximidade, ou seja, apesar de tudo eu vejo uma tendência. Agora, é um facto com o qual é preciso que nos confrontemos que isso não acontece dessa forma, acontece de uma maneira muito mais lenta e muito mais imperfeita, não é? Ou seja, por exemplo, é muito difícil ter... Eu acho que o grande problema da integração europeia é esse, não é? Que nós abrimos mão da nossa soberania sem estender o processo democrático até ali, não é? É certo que nós temos eleições europeias, o parlamento europeu e não sei o que, mas não existe uma democracia europeia, não existe. O espaço democrático não corresponde ao espaço de soberania, nós temos 100% da democraticidade ou 95% da democracia aqui em Portugal, mas se calhar só temos 80% sendo simpático ou 70% da soberania porque há parte que não é decidida aí, e depois tens problemas como o Brexit, que está muito longe, acho eu, de acontecer em Portugal, mas é um facto que isso é um problema grande, é um problema político, mas tem subjacente também um problema cultural. Eu acho que seria interessante caminhar para uma coisa parecida com o que acontece nos Estados Unidos, como a Federação de Estados, neste caso dos Estados-nação, mas estamos muito longe disso. Não seria execuível. Imagina que agora passavas a ter uma coisa desse género. Se fosse execuível já tinha acontecido. Sim. Imagina um candidato ou uma candidata a fazer campanha por vários países. Não conseguias ter um debate. O peso da cultura, infelizmente... Eu digo infelizmente porque gostava que não fosse assim, mas é um facto que isso acontece e todos nós vivemos sob
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
esse manto. As nossas sociedades baniram, desde a Segunda Guerra Mundial, a guerra. Ainda bem. E baniram as forças políticas que tinham provocado essa guerra. Por isso é que o Estado de Nação ganhou má fama, porque o mundo antes da Segunda Guerra Mundial gerou duas guerras, que foram responsáveis Estados-nações e, portanto, são esses. Era preciso, por isso, ultrapassar e curar as nossas sociedades desses, dos males do Estado-nação. Embora eu ache que o Estado-nação continua a ser a melhor... Não é por acaso que os espanhóis falam de Espanha, mas não falam do que se passa em Portugal. Não é por acaso que o Sánchez em Espanha, o líder do PSOE, diz ao Podemos, nós vamos criar um governo em Espanha à portuguesa e não consegue. E nós sabemos porque é que não consegue. Porque há uma parte de facto dos espanhóis que não quer arriscar roturas na sua própria unidade
José Maria Pimentel
que é
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
muito mais frágil do que a nossa. Mostra como, de facto, há essa implantação local, situacional, digamos assim, das nossas referências. As nossas referências são os nossos problemas e os nossos problemas é o que está à nossa volta. E isso não é ultrapassável por nenhum tipo de experimentalismo político. Nós até podemos europeizar as pessoas, podemos, como se dizia, criar europeus. O que nós não deixamos é de ter espanhóis, ou portugueses, ou franceses. Isso é que não deixamos de ter, pelo menos no horizonte temporal das nossas vidas. Nós sabemos que há reinados que desapareceram. Ninguém se defina, eu sou de Aragão, isso não existe. Ou eu sou de Veneza, ou sou de Lucca, não é? Embora em Itália... Há que se defina a capital, não é? Não, não, não, em Itália... Não, mas por acaso, eu estou a dizer isto, mas em Itália há essa forte tradição local na forma como as pessoas se definem. E mesmo em Portugal, o José Matos é que conta que uma vez o rei Dom Luís encontrou um conjunto de pescadores ao largo da pova de Vrazim e perguntou-lhes, são portugueses? E eles responderam, não, ó rei, somos da pova de Vrazim. Que é
José Maria Pimentel
uma coisa engraçada. Tem muita piada, sim. E, portanto,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Talvez em Portugal também haja isso, por reação ao peso do Estado, e portanto, às vezes, há essa relação local. Sim, o Estado-Poder Central distante. Sim. Mas é maneiro. Eu acho que essas referências culturais são indissociáveis de qualquer espaço político que nós habitemos e, portanto, podemos assumi-las ou não, podemos ocultá-las e aquilo que eu vejo muitas vezes é um grande esforço de ocultação. Nós estamos convencidos de que podemos integrar todas as pessoas, qualquer dúvida que se levante sobre temas migratórios. Eu sinto sempre que há um conjunto de temas que estão no debate público em que há um conjunto de posições que são corretas e depois há um conjunto de posições que partem logo numa situação de
José Maria Pimentel
derrotada. Sim, sim, desvantagem.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Porque não são corretas, quer dizer, são apenas, parecem aquelas pessoas que estão a levantar o dedo para dizer algumas coisas
José Maria Pimentel
desagradáveis. Isso é absolutamente verdade e é uma coisa que me preocupa imenso, até porque é uma tendência... Crescente? Crescente, quer dizer, há um lado disso que tem a ver com especificidades nossas, de debilidade da nossa sociedade civil, de haver um certo receio de alguém assumir uma posição que possa ser connotada com a direita porque ela o conota com o seu lazarismo mas também há uma tendência a nível global de... Não lhe queria chamar censura porque não é censura de facto, mas de... No fundo de insulto a quem defende uma posição que não é a nossa. E isso... Mas porquê
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
que não é censura?
José Maria Pimentel
Não, eu não queria chamar de censura, porque censura foi... As coisas têm gradações, apesar de tudo. E alguém, no tipo, publicar alguma coisa e ser insultado nas redes sociais ou ter artigos no jornal a dizer mal de nós, apesar de tudo, é muito diferente do que sermos impedidos de publicar aquilo, não é a mesma coisa. Se pensarmos nas sociedades
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
que viveram sob censura, havia dois tipos de censurados. Havia as pessoas que, de facto, exprimiam posições ou escreviam coisas e, portanto, viam essas coisas serem cortadas ou viram essas coisas serem manipuladas. Mas depois havia todas as outras pessoas que não chegavam aí porque simplesmente se calavam. Sim,
José Maria Pimentel
exatamente. Ah, e estás a dizer, para essas o que se passa atualmente é a mesma coisa?
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
É a mesma coisa.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Estou a perceber. Sim, sim, é verdade. Não há essa censura porque não há aparelhos administrativos, os aparelhos burocráticos. Ou seja, não há
José Maria Pimentel
um impedimento, mas há um custo de transação elevado para tu exprimires a tua opinião. Isso há, com certeza. Não tínhamos dúvidas. E isso é o que és este pontar, não está mais do que feito, mas é muito...
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Eu vejo com dificuldade, eu fico espantado com o que há. Há, às vezes, posições normais num debate público que tomam partido por um lado ou que exprimem um conjunto de dúvidas, ou o que quisermos, e de repente elas não são simplesmente pronunciáveis e o resultado disso é, de facto, uma sociedade muito mais pobre. O Tocqueville já tinha falado disto, porque o Tocqueville tinha antecipado que um dos principais problemas por que as democracias iriam passar era o conformismo. Ele aliás era um pensador engraçado porque era uma pessoa que pensava por paradoxo. Ele dizia assim, quanto mais as pessoas se sentirem livres, mais conformistas serão. Quanto mais as pessoas se sentem totalmente soberanas nas suas vidas, mais há uma tendência para o seu próprio conformismo. Por isso é que eu falava à pecada do gaulismo, porque o elemento gaulista é o elemento cívico, faltava mais esta palavra. Não há nenhuma posição política ou projeto político que funcione se não tiver este elemento cívico. Quer dizer, tem que haver aqui uma cola que de facto une as pessoas, porque senão a minha liberdade está segura, mas eu depois o que é que faço com isso? Só
José Maria Pimentel
vou fazer uma nota e já volto aí em relação àquilo que estávamos a falar há pouco. Por exemplo, a questão da imigração. Eu sou, lá está, por ser liberal, tendencialmente a favor de fronteiras abertas. É óbvio, qualquer pessoa que pense sobre o assunto percebe que elas não podem ser completamente abertas no sentido de abrir a porta e não olhares mais. O facto de tu não deixares ninguém que defenda a outra posição falar, não é, não deixares, não é, mas criares um enviesamento sobre quem diga diferente, paradoxalmente enfraquece esta posição. Eu já falei várias vezes nisto no podcast, que é, no fundo, o que vai acontecer é que vai ser confrontado com um problema a prazo e esse problema depois muitas vezes gera a reação oposta, que é uma reação de fechamento de fronteiras e quem diz isto, podes falar da segurança, de uma série de coisas, de temas que normalmente são mais caros à direita e dos quais é muitas vezes difícil de falares, discutires publicamente porque quem os levanta passa por extremista e muitas vezes até pode ser ele, não é? É que pode ser ele e deve falar mesmo, não é? A discussão e a troca de ideias é um mecanismo de correção de erros, não é? Da mesma forma que a democracia, que o voto é um mecanismo de correção de erros, não é? Mais do que um mecanismo de encontrar a resposta certa, é um mecanismo de corrigir os erros da resposta errada.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Isso tem que ver com o excessivo peso, digamos, da ideologia nestas discussões. O problema das discussões excessivamente dominadas pela ideologia, e vemos isso hoje em dia em muitos exemplos, é que depois não há factos, que a ideologia é indiferente aos factos, mas também não há argumentos, porque hoje há alguns estudos sobre o modo como as pessoas formam as suas opiniões, que são desanimadoras no sentido de que as pessoas, quando leem uma opinião, a sua disponibilidade para realmente envolverem-se numa discussão com o outro lado, deixa ver o que é que ele está a dizer, é completamente o que as pessoas querem, fundamentalmente é a validação das suas próprias... O viagem da confirmação. O viagem da confirmação, é isso que as pessoas estão a procurar, o que é bastante desanimador, mas é assim que... E as redes sociais são... E as redes sociais são a explosão disto.
José Maria Pimentel
Exatamente, e aliás há outro argumento conservador. Conservador aqui no sentido de lato, porque não é um conservadismo necessariamente de direita. O argumento institucionalista, mais até do que conservador a ser feito em relação a isto, que é o facto da diluição das estruturas de mediação. Há pouco tempo tinha uma discussão em família com parte da minha família que está no Brasil e é muito curioso porque eles são ultra-defensores do Bolsonaro o que nos faz a impressão, pelo menos a mim faz-me a mesma impressão embora depois quando tu percebes o que eles leem aquilo tudo são pessoas que tu segues e que têm a mesma opinião do que tu e aquela função de mediador que os jornais, por exemplo, que os médiuns no geral tinham e ainda têm e que eu acho que antigamente era demasiado complacente e aliás, tu fazes parte da geração que começou a dar a volta a isso, com os blogs que no fundo cria uma renovação em jornais que eram muito complacentes, com pouco sentido crítico e mais na mesma opinião, mas é um facto que há ali uma função que aquilo cumpre, que é uma função de nos confrontar com opiniões diferentes, com informação que nós não iríamos procurar, caso contrário, e esse é um efeito infelizmente perverso das redes sociais. Eu acho que tem uma série de vantagens, e
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
a internet no geral, mas tem esse efeito perverso de compartimentalizar as sociedades, não é? É isso. Eu responsabilizo o peso da ideologia nas nossas vidas e até em contextos que
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
não deviam ser ideológicos. Por exemplo, nós partimos para esta conversa para também falarmos um pouco sobre aquela frase de se tudo é político ou não. Eu sempre tive uma reação a essa frase, precisamente porque a universidade para mim não é uma coisa política. A ciência para mim não é uma coisa política. A religião também não é uma coisa política. A arte não é uma coisa política. Há um conjunto de realidades...
José Maria Pimentel
Mas todos eles são influenciados pela política.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Todos eles são influenciados pela política, não digo não. E há problemas políticos sobre todos eles, não é? E com certeza que sim, mas são esses problemas políticos. Se eu deixar que a política numa universidade vença sobre a primeira função que a universidade tem, que é de facto gerar um ambiente onde as ideias e o conhecimento florescem... E
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
a procura da verdade. E a procura da verdade. E a procura da verdade.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
E então eu estou a matar a universidade. Qual é que é o problema de alguns juízes científicos que são políticos, fortemente políticos? Ou qual é que é o problema, muitas vezes, de alguns responsáveis políticos procurarem até prisionar o discurso científico. Eu me lembro sempre daquele caso do presidente sul-africano que... O Zuma? O Zuma, que atribuía à utilização de preservativos a proliferação da sida na África.
José Maria Pimentel
Ele também achava que uma
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
vez não tinha não tinha apanhado de sida, tinha tomado banho. Pois para além desse tipo de conflicções há depois
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
esta coisa, não? Esta tentativa no fundo de tentar vencer através da política aquilo que nós achamos ser o discurso científico. Que já agora é um problema que estamos a ter agora. Está toda a gente com medo da extrema-direita na Hungria, está toda a gente com medo dos populismos, seja de direita, alguns deles de esquerda, etc. As pessoas deviam olhar para aquelas que são ameaças tremendas hoje, que são a retração que nós estamos a ter nestes sistemas, se quiseres, ou contextos e instituições que não tinham nada a ver com a política, não tinham nada a ver com a ideologia e que de repente estão em risco de passarem a dizer outra coisa. Não vai ser possível viver num mundo assim, com franqueza. Não vai ser possível viver facilmente num mundo assim. Tu deixas de acreditar no que é que seja se a ciência for um produto ideológico, se a universidade for
José Maria Pimentel
um produto ideológico. Concordo tendencialmente contigo, mas deixa-me fazer o contra-argumento. Pois, a partir do momento em que tu identificas a influência da política numa série de instituições, existem duas respostas possíveis a isso, que é tentar minimizar esse efeito da política ou tentar contrariá-lo com mais política, que no fundo é aquilo que tem sido feito e com o que eu discordo radicalmente. Eu já
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
percebo porque é que tu és um liberal, porque tu és um otimista e acreditas na...
José Maria Pimentel
Não sei se eu ia dar um argumento otimista agora, mas não sei onde é que encontraste o motivo. Porque
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
tu no fundo acreditas que a confrontação entre o erro e a verdade liberta-nos do erro. Tu acreditas neste processo? Sim, é
José Maria Pimentel
um processo iterativo de correção de erros. É isso? Estou a temer-lo, no fundo, essas coisas. Sim, E na verdade isso aplica-se a uma série de coisas, uma série de sistemas humanos para o lado da economia, a política, o nosso próprio raciocínio. Mas enfim, o que eu estava a dizer em relação a isso é, há algo de que se fala hoje e de que não se falava antes, que tem o seu valor e lá está, e não se falava antes. O saber ou a ciência, a ciência aqui, englobando as ciências sociais e outros campos aos quais é possível nós aplicarmos ferramentas da ciência, como o direito, por exemplo, é possível que esses campos sejam influenciados pela política de uma maneira que nós não víamos até hoje eu sou sensível, embora acho que isso é elevado a um extremo, ao facto de que não é irrelevante que as universidades tenham sido populadas sobretudo por homens durante séculos. É evidente que isto tem influência. Quer dizer, ok, atenção que há aqui pessoas que são todas do mesmo sexo e portanto tenderão a ter, quer dizer, a pensar e a ter necessidades que divergem, por exemplo, das mulheres e a mesma coisa dos brancos em relação aos negros. Aquilo que eu te queria chamar a atenção é, nós não falávamos disso Da mesma forma que não falávamos que no liberalismo clássico, o liberalismo clássico dava muito pouco a atenção aos direitos dos trabalhadores, por exemplo. Até vir o Marx e os outros socialistas não marxistas e de repente, e depois tiveste países que partiram para outro extremo, como países comunistas, e depois tiveste países que conseguiram fazer um bocadinho a synth dessas duas coisas e criar o Estado Social, por exemplo. Mal ou bem, não é? Ou melhor ou pior.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Mas eu não digo que a Universidade ou o direito, ou a ciência, se quisermos, não tenham relações com a política e não coloquem problemas políticos. Quanto dinheiro se dá para a ciência? Tipicamente é um problema político. O que eu estava a dizer é que se o conhecimento que for gerado numa universidade, se os métodos de procura da verdade, de investigação, de debate existirem numa universidade, ou se os métodos de experimentação, ou se é se os temas, se os próprios temas, se o pessoal tivesse uma obrigação de escolher os temas por razões ideológicas, por exemplo. O direito tradicionalmente esteve talvez mais protegido, Não tenho a certeza de que hoje em dia esteja protegido, basta ver a academia internacional. Mas as ciências sociais, nos últimos 20 anos, a investigação que seja feita que não tenha por trás esse viés ideológico, e não estou a dizer que não existe, com certeza que existe, não sei se é uma... Sim, estará em minoria em muitas áreas. Não sei se não estará em
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
minoria em muitas áreas.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Se eu tiver uma universidade que funcione nestes termos, se eu tiver uma ciência que funcione nestes termos, ou até se eu tiver um direito que funcione nestes termos, então eu posso pensar assim, mas porquê que são eles? Porquê que são eles a fazer isto com a ideologia deles? Se calhar o que eu tenho que fazer é afastá-los, para ser eu com o sistema mental, com a ideologia, eu estou mesmo a usar a palavra, porque acho que esta palavra é uma palavra que tem um sentido histórico na nossa civilização. E isso tem uma consequência, que é a validação da força. Eu tenho que os afastar, custo o que custar, para ser eu. E isso é a destruição de qualquer... Como
José Maria Pimentel
sabemos. Aquilo que eu lhe di à pouco, quando eu dizia, que tu tens duas respostas para isto. Nós não falamos da... Não sei se já falamos da palavra poder, mas a palavra que está basicamente subjaceita é isto que nós estamos a falar. Quer dizer, quando tu detectas que um campo científico, um campo do saber que devia ser neutro em termos destes mecanismos de poder é afetado por eles, à partida o objetivo seria retirá-lo, ou seja, neutralizar. Mas aquilo que acontece muitas vezes na prática é o contrário, é derrotá-lo com a força oposta, se quiseres, em certo sentido. O que é mau para a ciência, não é?
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Porque tu estás a pôr ainda mais política, ainda mais ideologia, não é? Nada disto é desconhecido, de forma como funcionaram os totalitarismos do século XXI. Porque acabam em totalitarismo porque ou ganha um ou ganha
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
outro. Tu viste aquela série do Chernobyl da HBO? É uma série fascinante, em que a dada altura, nesse processo em que há um cientista que durante o processo, durante o julgamento, alguns dos responsáveis por aquela catástrofe, o cientista está a ser interrogado, mas de facto ele está a dizer um conjunto de coisas que são cientificamente inconvenientes, bem, é afastado. Ele
José Maria Pimentel
aliás tem uma frase muito interessante numa corre agora, em relação à ciência e à busca da verdade, e que não vontade toda a gente
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
dos distintos países. Nós vivemos na ilusão de que nós estamos a democratizar um conjunto, mas nós não estamos a democratizar, nós estamos a afastar-nos de um conjunto de normas, de responsabilidade, de cientificidade, de validade, legitimidade, se quisermos,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
que são essenciais para aguentar estes saberes. E aí liberal, ou seja, no fundo nós estamos sempre a cair em dois terrenos, tens
José Maria Pimentel
o terreno liberal aqui no sentido lato, liberal no sentido da tradição liberal europeia em que tu acreditas numa sociedade plural, numa sociedade aberta em que pelo confronto de ideias lá estavas corrigindo o erro e chegando ao melhor síntese e tens uma visão marxista, que agora foi recuperada nesses movimentos identitários, de luta de poder, em que tu ou ganhas tu ou ganha os outros, que é uma visão de jogo de soma nula. Sim. Enquanto a outra é uma visão de jogo de soma positiva, esta é uma visão de jogo de soma nula e, portanto, para não ganhar os outros, ganhamos nós. Eu tenho
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
pensado às vezes, enfim, este podcast também pode servir para nós também mostrarmos o nosso próprio processo mental. Eu tenho pensado às vezes que provavelmente eu sou mais tradicionalista do que conservador.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Qual é a nuância aí? A nuância é, aquilo que me interessa é menos a
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
preservação de hierarquias sociais. Pelo contrário, eu julgo até que podemos intervir sobre essa ordem e há muitos elementos de injustiça que devem ser corrigidos. Mas sou tradicionalista no sentido em que eu não concebo que uma sociedade se desligue das suas tradições. E essas tradições são as tradições culturais, por um lado, mas são tradições que fizeram as grandes instituições que nos definem e que nós desde sempre nos habituámos a defender. Isto é, há uma tradição nesse sentido na universidade, como há uma tradição na ciência, como até há uma tradição na política. Só que sempre profundamente quando vejo que os debates no parlamento, por exemplo, se desprezam completamente qualquer tipo de ética ou tradição parlamentar. Por exemplo, também há uma tradição aí. E como há na
José Maria Pimentel
cultura. Mas isso, peraí, quando falas tradição é uma coisa eminentemente local, não é? A ciência parece
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
nesse sentido... Não é necessariamente local. Eu falo aqui de tradições no sentido em que estas... Tradições ou normas? As tradições
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
são... Étrinsicamente normativas, não
José Maria Pimentel
é? É em si mesmo uma discussão se é ética culturalmente, e se é típica ou não.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Não é possível pensar na universidade sem que haja uma tradição que por trás, que defina o que é a procura da verdade, o que é que significa atingir um determinado patamar de relevância ou de conhecimento. E o mesmo se passa em outras áreas. E, portanto, talvez essa minha preocupação com Esses elementos, esses fundamentos, esses pilares,
José Maria Pimentel
no fundo são instituições
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
que sustentam
José Maria Pimentel
essas instituições. A questão é, o que isto mostra, e é preciso também reconhecê-lo, é que essas instituições estavam fragilizadas. Uma sociedade aberta, tal como uma democracia, se funcionar bem, é difícil de instituir, mas funcionando bem, autossustenta-se, porque os seus benefícios autocomprovam-se, mas depois tendo facilmente cair nessa complacência que abre brechas e claramente, e aí é que eu se calhar discordo de ti, é que eu acho que havia aqui brechas, ou seja, isto que se passa nas universidades e que depois transpira para o debate intelectual no geral, tem a ver com brechas que existiam e que tinham a ver com, por exemplo, aquilo que nós falávamos, uma das áreas mais influenciadas ideologicamente é a área dos estudos de género, que é uma área que no nome já tem quase a conclusão. Agora, é um facto que há ali uma série de temas, independentemente do rigor científico com que eles são estudados, e em muitos casos não serão, em outros casos serão, há ali uma série de temas que não eram estudados antes. Mas não eram estudados, quer dizer, há uma série de coisas que nós falamos agora, que temos que falar e não falávamos antes. Há uma série de alterações sociais que surgiram porque elas foram empurradas para esta via. Depois a questão é o que é que aquilo dá lugar. Depois consegues falar se está a criar essa síntese ou se há uma espécie de desmoronamento daquele campo do saber. Mas havia ali uma fragilidade, percebes o que eu quero dizer? Institucional. No fundo, pegando nessas tradições, havia ali uma... A tradição era imperfeita, se quiseres.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Porquê é que se fala em ideologias de género? Porquê é que não se fala então em pensamento de género, em ideias de género, se quiseres? Porquê é que há uma referência a ideologias de género? Como é que nós distinguimos ideias de ideologias? Porque é que eu diria que não vejo problema em que não há, por definição, temas banidos ou proibidos do debate intelectual e não há seguramente temas também que estejam vedados à universidade e ao conhecimento académico e ao conhecimento científico. Com certeza que não. Mas qual é que é o salto daí para a adoção de um discurso ideológico sobre esses temas. Eu julgo que nós temos que dar uma resposta a esta questão. A razão pela qual os estudos de género têm, quer isso seja assumido ou não, uma ideologia ativa por trás, é porque a alimentação permanente desse discurso torna-se um objetivo em si mesmo, independentemente de qualquer consideração de outro tipo de factos, argumentos ou considerações de outra ordem. Há com certeza muito a estudar num plano científico sobre a diferença sobre homens e mulheres, sobre
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
as diferenças entre o
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
masculino e o feminino. Há com certeza, e há coisas muito boas escritas já sobre isso. Mas qual é que é o salto que se dá, tóxico, do meu ponto de vista no plano intelectual, o salto tóxico que se dá é quando, bom, mas eu se calhar vou abolir estas distinções, se calhar vou recriar completamente estas distinções, e não interessa o que eu ouvir, aliás, quanto menos eu ouvir coisas contra, argumentos contrários, e aí entro num ambiente de rede social, quanto menos eu estiver possivelmente suposto a esse tipo de argumentos ou factos contrários, melhor, porque mais facilmente replico e reproduzo e alimento este... E aí é que entramos no universo ideológico. O universo ideológico por suporte é uma compreensão totalizante do mundo, porque por suporte que não há mais nada, que não pode haver mais nada. Sim, sim,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
por suporte nesse caso que o mundo é unicamente feito de estruturas de poder, por exemplo. Aí entramos no Foucault, porque o Foucault é um autor perigoso, do
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
meu ponto de vista, porque o Foucault é um autor perigoso, porque o Foucault deu a isso um nome, que é exatamente esse, que tu acabaste de dizer, chamou-lhe de facto de poder, e portanto, tudo é poder, e como é tudo poder, e então é o poder de uns contra os outros. É um jogo de soma nula. É exatamente isso. Era como se nós estivéssemos aqui a discutir, a falar os dois e qualquer coisa que tu dissesses contra algo que eu diga, parecesse uma coisa que não está no guião. Não é suposto
José Maria Pimentel
dizer isso. Eu acho que isso tem que ver, por um lado, com uma injustiça que é detetada. E há muitos destes casos, injustiças reais que são detetadas. E que leva, lá está a ver isso, nessa lógica do jogo de poder. E depois tem que ver também, parece-me, com a nossa tendência em conhecer os humanos para termos um pensamento binário, ou seja, é muito difícil tu considerares um meio-termo ou não é necessariamente um meio-termo, mas há alguras entre uma coisa e outra. Portanto, se não é essa questão das diferenças de género, a diferença entre os sexos que eu já falei aliás no podcast é um exemplo acabado disso, quer dizer, tu passas de um modelo segmentado em que há comportamentos típicos de género e que alguém que se divirja disso e que seja inconformista nesse aspecto é olhar de lado porque não está a ter um comportamento em consonância com isso e tu passas para um extremo oposto em que o teu sexo biológico não tem influência nenhuma, por exemplo. E portanto, se não tem influência nenhuma, tudo é explicado com estruturas de poder. E portanto, se tu tens mais presidentes de empresas homens do que mulheres, é porque há um desequilíbrio de poderes. Eu acho que há algum desequilíbrio de poderes e daí eu dizer que é importante ter havido estudos que nós conseguimos fazer assim. Mas é tudo mais complexo. Mas não é tudo, obviamente. Deixa-me aproveitar para voltar a uma coisa que tu já mais ou menos aludiste várias vezes. O Correios não me estive a enganar, mas julgo que tu tens uma crítica ao liberalismo, e quando eu digo ao liberalismo é no sentido da sociedade dos direitos individuais e a sociedade de consumo, se quiseres, que eu acho que era interessante discutir. Tu já aludiste à teoria dos sentimentos morais de Adam Smith, isso é muito falado, a questão do... Acho que até foi o Armatriciano que falou nisso inicialmente, a questão do... O Adam Smith é, quer dizer, o pai do capitalismo, a partir dele, é vendido dessa forma, e no entanto, ele era um filósofo moral, que tinha outro livro, que era justamente sobre a moral humana, a moral das sociedades humanas e o facto... E depois tens o Max Weber que já lhe disse há bocadinho e há muito quem faça o argumento de dizer a tensão que é moral, ou seja, no fundo as instituições neste sentido mais lato, incluindo a cultura, que alimentavam as sociedades capitalistas prósperas, poderão estar elas próprias a serem esboroadas pelo próprio sucesso do capitalismo. E no fundo tu acabas por... Há muito quem explique, sei lá, a crise financeira, uma série de coisas, por essa via que é para o mercado, por exemplo, funcionar, tu tens que ter, subjacente a esse mercado, uma infraestrutura de cultural, de moral e que porventura, e isso é que eu achava interessante discutir, se estará a perder. Sim, eu
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
acho que essa síntese é Correta e é boa. Nós não podemos olhar para as nossas sociedades apenas como processo permanente, incremental se quisermos, expansionista de reivindicações de direitos, porque esse processo é um processo imparável. Nós no direito, por exemplo, ensinamos as várias gerações de direitos e há sempre mais uma geração de direitos. Não estou a dizer que as crianças, os mais velhos, não estou a dizer que até aí pode haver elementos que estavam esquecidos ou que não estavam devidamente articulados. Com certeza que, por exemplo, o tema das crianças, eu acho que é hoje um tema em que isso se vê, e também os mais velhos. Mas há de facto essa compreensão das nossas sociedades como sociedades apenas focadas numa lógica de reivindicação de direitos. E isso é autodestrutivo. Não é só porque os direitos precisam de coexistir com os deveres. Não faz sentido eu, por exemplo, dizer que tenho um direito a viver em Portugal se eu não tiver o dever de defender o país ou a sociedade onde estou, não faz sentido. Não faz sentido eu dizer que tenho um direito ao ambiente se não tiver igualmente, de alguma maneira, algum tipo de dever de defender, para dar até um exemplo que é mais recente. Portanto, os direitos têm que vir com os deveres, mas por outro lado, essa própria maquinaria de direitos precisa de um código moral, de uma moralidade política e social sem a qual ela de facto se torna autodestrutiva.
José Maria Pimentel
Pois, parece-me que é por aí o argumento, não é? No fundo, da maneira como eu leio, me acho que concordas com isto. Eu acho um tema interessante, confesso que ainda não tenho uma opinião acabada sobre ele. É um argumento que vai um bocadinho contra aquilo que é a minha tendência liberal e individualista, individualista no sentido dos direitos individuais, não no sentido egoísta, mas no sentido do indivíduo sobrepor ao grupo. Mas parece-me haver algum poder explicativo nessa tese que eu diria que se pode resumir desta forma, que é tu dizeres, nós fomos criando mecanismos políticos que dão, idealmente, cada vez mais direitos às pessoas, no fundo fomos reconhecendo direitos que não eram cumpridos, direitos de todas as pessoas a condições mínimas de vida, ou a liberdade individual, a férias, um contrato de trabalho, uma série de coisas, não é? Quer dizer, uma série de protecções não só económicas mas também sociais. E o argumento, como parece que diz, é até aqui esse pêndulo tinha de um lado os direitos que eram assegurados politicamente, através de mecanismos políticos, e isso era compensado por mecanismos sociais do lado dos deveres, que não tinha a ver com a moral, quer dizer, a religião, mal ou bem, tem um penduro grande para os deveres. Até se parece-me que é essa, quer dizer, isso era contrabalançado por essa ética de deveres, Max Weber e a ética protestante, não é? Mas não tem só a ver com o protestantismo. E seja com o Estado Social, seja com a sociedade de consumo, isso desequilibrou-se porque deixaste de ter mecanismos sociais, não políticos, mas sociais, que incurtiam nas pessoas os deveres e que permitiam que elas não se tornassem complacentes e ficassem só com os direitos, não simplificando muita coisa. Mas exatamente isto tem um lado
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
político, porque de alguma maneira as nossas leis, os nossos estados se desinteressaram da defesa dessa mesma infraestrutura que vos estavas a falar. Mas
José Maria Pimentel
eles nunca vieram do estado ou vieram? A questão é essa? Elas não vêm de baixo,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
tendencialmente? Não, elas... Quer dizer, diz-se que há. Bom, mas as pessoas têm filhos porquê? Têm filhos porque...
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Está uma boa pergunta, Alier. Bom, ok, mas as pessoas têm filhos porque,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
bem, há seguramente mil e uma razões para as pessoas quererem ter filhos. Mas quando é que isto se torna um problema político? Isto se torna um problema político quando nós reconhecemos que, coletivamente, enquanto sociedade, dependemos dos filhos que de facto forem gerados, não é? Portanto, nós, e aí o tema deixa de ser um tema, deixa de ser um tema da tua decisão, quer dizer, passa a ser, bom, então vamos pensar... E isso
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
é um problema muito interessante. Então vamos pensar... E como é que resolves, não é? Vamos pensar
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
como é que tu resolves? Tu resolves dizendo, bom, nós somos completamente neutros do ponto de vista político, do ponto de vista das nossas leis, das nossas leis fiscais, por exemplo. Somos indiferentes às decisões E remetemos essas decisões para um plano estritamente individual. Garantimos-te que não haverá nenhum tipo de discriminação, ou positiva ou negativa. Não vamos beneficiar ninguém e não vamos prejudicar ninguém. Isto é um ótimo exemplo. É, não, é um exemplo muito interessante. Porque nós temos visto isso. Eu não vou agora discutir se a medida cumpriu ou não cumpriu os seus pressupostos, mas nós vimos, foi abolido o quociente familiar. O argumento, quando foi abolido o quociente familiar, era de que, na verdade, o quociente familiar privilegiava as famílias com maiores rendimentos, porque essas famílias com maiores rendimentos são as que têm mais filhos. Lá está, a ideologia a entrar. Esta coisa é bizarra porque ao mesmo tempo toda a gente está preocupada com a demografia e os governos e os partidos apresentam, muitas vezes para preencher o vazio, apresentam grandes agendas para a natalidade e grandes agendas para a demografia. A questão de fundo é esta, quer dizer, eu tenho que reconhecer que não posso ser neutro relativamente a isso, portanto, tenho que reconhecer que não preciso mesmo de olhar para isso e pensar, eu tenho de proteger de alguma forma essas formas de vida, tenho que as proteger mesmo. E essas formas de vida, falamos da demografia, mas também falamos de um tema que eu acho muito interessante e que a mim é muito caro, que é o tema do trabalho. De facto, a desvalorização do trabalho nas nossas sociedades está, de repente, completamente irrelevante ou indiferente para os governos, para os legisladores, saber como é que as pessoas trabalham, em que condições é que trabalham, se conseguem compatibilizar as suas vidas de trabalho com as suas vidas familiares, se conseguem obter do trabalho um rendimento disponível que não seja depois taxado pelo fisco, se conseguem, portanto, quer dizer, e isso é... Mas isso são direitos. Aí estamos a falar de direitos na mesma, não é? Estamos a falar de direitos, mas não estamos só a falar de direitos, nós estamos a reconhecer que há no trabalho, até na constituição de família, de uma família, nos filhos, na democracia, estamos a reconhecer que há, à volta disto e no interior disto, muito mais do que apenas direitos, mas também
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
estruturas que nós devemos proteger, mais ainda que nós devemos defender. Tem que ver com o tecido social e com o papel,
José Maria Pimentel
a própria maneira como a pessoa se encaixa na sociedade.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
É completamente de acordo, mas é muito fácil uma pessoa que tem esse discurso ser imediatamente arrumada num setor muito conservador.
José Maria Pimentel
Não acho, por acaso, sabes? Eu por acaso acho que esse é um discurso, as únicas pessoas que eu vejo contra esse discurso serão essencialmente liberais. Parece-me um discurso que pode unir facilmente a direita conservadora e a esquerda institucionalista, por exemplo. O Daniel Oliveira, por exemplo, se não estou em erro, a certo ponto fazia uma conversa não muito diferente dessa. Ele não falará da igreja, suponho, por exemplo, mas falará da sociedade de consumo, hedonista, por exemplo, ou seja, essa crítica é feita tanto à esquerda como à direita, pelo contrário, até me parece um ponto de convergência. Eu, tendencialmente, sou um bocadinho a ver-se a esse tipo de crítica, mas tenho que reconhecer que há algum poder explicativo. Pergunto-me qual é a solução, Por exemplo, do lado da ética, que falávamos há pouco, a questão dos filhos, por exemplo. A questão dos filhos é um problema multivarial, tem uma série de variáveis, mas se tu tiveres situado num determinado contexto moral da tradição católica, por exemplo, em Portugal, uma das razões pelas quais tu tens filhos é porque os enquadras aí, no fundo, num dever de constituir família, de quase uma abnegação. Eu não chamaria altruísta, mas é uma matriz ética diferente em que não é, pelo menos, hedonista, nesse sentido, em que há esse sacrifício para o futuro. E isso depois tem uma série de externalidades positivas, para usar aqui um jornal econômico. Aquilo que me parece um grande desafio, por exemplo, para quem tem uma visão mais liberal ou mais racionalista, é como é que tu crias esse substrato ético numa sociedade e ético que engloba, por exemplo, deveres para com a tua comunidade, votar por exemplo é um deles, racionalmente não faz sentido nenhum nós votarmos, no entanto vamos lá, porque nós sentimos que aquilo é o nosso dever, nós? Cada vez menos, mas a pessoa sente isso. Agora, o grande desafio que eu acho, e há muitos pensadores da ética laica, racionalista barra científica se quiseres com o que eu concordo, mas o grande desafio acho eu é escalar aquilo para um grupo. A igreja, por exemplo, mal ou bem, tem esse peso, e nos Estados Unidos nós vemos isso, por exemplo, mesmo tendo eles uma variedade religiosa muito maior do que a nossa. Tão com aquilo que falavas há bocadinho, falavas dos puritanos, não é? Que foi aquela moral, a massa que constituiu o início dos Estados Unidos.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Mas tu estavas a dizer que há a possibilidade de aproximar pessoas que partem até de sítios diferentes e conseguiram convergir ou encontraram uma zona comum sobre esses temas. Mas recordo que aquilo que eu acho e vejo muitas vezes em algumas pessoas é a sua própria dificuldade em aceitar a gravidade do problema. Não é por acaso que quando eu falei à pouca em decadência, tu fizeste uma cara de como se eu estivesse a ser escatológico ou completamente exagerado. Quando eu acho genuinamente... Mas tem
José Maria Pimentel
a ver com ser um otimista, como tu dizes
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
à boca. Sim, é verdade. Mas quando eu acho genuinamente que nós temos que pensar, como é que um historiador em 2150 olhará para isto? Ou como é que um historiador no século 8º, 9º, olhou para o período de composição do Império Romano. Voltando atrás, o encontro em muitas destas pessoas que nem sequer aceitam agraviar o problema é, por exemplo, demografia, resolve-se, imigração. O problema não existe porque abrimos a imigração, incorporamos essa imigração e resolvemos o nosso problema demográfico.
José Maria Pimentel
E parte da resposta eu acho que faz sentido vir daí.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
E parte da resposta até faz sentido vir por aí. Seguramente, isso foi assim em todos os países e será assim também na Europa, Com certeza que sim. Mas isso não é, não resolve o problema. Primeiro porque isso levanta outros problemas. Qual a imigração? Lá está. Se quisermos ter esse debate, também é difícil ter esse debate. Qualquer tipo de imigração, de qualquer lado, é possível qualquer pessoa, de repente, entra e faz parte disto é que nós podemos chamar uma comunidade política, que é relativamente homogénea, e há sempre este fenómeno. Mesmo em sociedades de grande diversidade há sempre elementos de homogeneização e de aproximação, quer sejam de vária ordem.
José Maria Pimentel
Sim, sim, sim. Portugal até precisa pouco da Aç Luz, se não precisar de muitos deles.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Portugal da Aç Luz por ser muito homogéneo culturalmente.
José Maria Pimentel
Mas eu acho que Portugal, mas isso é outra temática, eu acho que Portugal teria a ganhar com a imigração, embora eu não tenha nenhum problema em reconhecer que é evidente que política de portas abertas sem qualquer critério é obviamente uma coisa que criou uma série de perturbações,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
mas há efeitos positivos da imigração para lá da questão da renovação geracional. Sim, mas o tema da imigração ser muitas vezes vista sob uma perspectiva estritamente ideológica é que o
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
imigrante não é um imigrante, não está a ser visto como nós estamos agora a falar dele, quer dizer, como alguém que legitimamente parte para outro país para mudar a sua vida, para fazer parte desse país. Nós sabemos que há histórias de países pujantes que se fizeram assim. Não é a imigração, vista sob esta perspectiva ideológica, não. É aquela pessoa desfavorecida que nós queremos clientes porque nos vai ajudar a subverter ainda mais a ordem instituída. Não é uma pessoa, é um cliente. É assim que a ideologia, infelizmente, olha para as pessoas como clientes e não como pessoas. Mas nós podemos perguntar o que é que há nisto das pessoas terem filhos e nós podemos achar legítimo que as leis do Estado protejam essas pessoas e que, portanto, façam uma escolha, mesmo que nós habitemos um mundo que, de facto, como é um mundo plural dos valores, recusa fazer escolhas. Porque, de facto, há aqui, e há pouco tu dizias e muito bem, que os liberais puros tenderão a olhar para isto com grande suspeição, porque entendem um plano da liberdade individual, as pessoas são completamente livres de fazerem as suas
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
escolhas e de optarem por... A minha intuição inicial é essa. Mas
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
não é só... Quer dizer, mas é o quê? Não é
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
só... A segurança social depende disso. Não é só isso. Pode extremar. O caso extremo é sempre útil. Sim, mas não é... Se ninguém
José Maria Pimentel
tivesse mais filhos, por exemplo. Por as
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
coisas a parecer branco, não é? É sobrevivência. Tinha
José Maria Pimentel
uma série de efeitos.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Porque não dizer-se, temos falado muito da universidade, tal como a universidade é um ambiente onde se espera que uns chegam aqui e seguramente que esse trabalho, digo sempre isto aos meus alunos, esse trabalho vai ser seguramente relevante para que outros peguem a partir daqui e cheguem um bocadinho mais à frente. Há aqui uma lógica de nada é inútil porque eu posso olhar para trabalhos de há 60 anos e achar que estavam tão longe de perceber isto, mas no entanto eu consigo perceber o que... Bom, eu estou a tentar olhar para eles como eles olharam para isto e portanto consigo partir daqui e vou um bocadinho mais à frente, não é? Portanto, há um elemento de continuidade e de tradição, estou a usar a palavra tradição no sentido de entrega, eles entregam-nos qualquer coisa. Ok. E portanto, desse ponto de vista, e aí é que há a moralidade por trás, há um elemento de entrega nisto e eu...
José Maria Pimentel
Só um elemento comunitarista em certo sentido, não é? É isso. Eu recebi
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
uma coisa e entreguei uma coisa, nada mais extraordinária nas nossas sociedades. Não sei se isso está a perder, espero que não em que os pais cuidam dos filhos numa fase da vida e os filhos cuidam dos pais noutra fase da vida se nós funcionamos assim, isto é uma coisa extraordinária, do ponto de vista cultural e civilizacional, isto é extraordinário. Se nós não funcionamos assim por causa de qualquer ideologia ou por qualquer discurso sobre os direitos, ou porque as famílias se desagregaram, ou porque já
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
não existe família.
José Maria Pimentel
É muito curioso porque a crítica que tu fazes, que é uma crítica que vem da direita, é uma crítica aos direitos no sentido das pessoas só a focar nos direitos e a crítica ao mesmo fenómeno vinda da esquerda. Faz a crítica da mercantilização da sociedade, da sociedade de consumo e do hedonismo e das pessoas estarem... Que é interessante para
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
quem está a ver isso. Sim, tu que entrevistas as duas pessoas, qualquer dia te podes de facto fazer aqui uma... Mas repara
José Maria Pimentel
que há uma... O que é curioso no meio disto tudo é... Mas eu acho que aí está... Há uma aliança conservadora, escardista, potencial, que ninguém está a aproveitar.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Não há, porque aí eu digo, eu não estou interessado em ter clientes, eu não estou interessado em recrutar, eu não estou interessado em dizer, libertem-se do hedonismo, da sociedade de consumo, porque essa sociedade de consumo, na verdade, ela tolha as vossas consciências, ela verdadeiramente tomou conta. Eu estou interessado em defender, proteger o nosso modo de vida, as formas de vida que nós achamos que são humanas. Mas reconheces
José Maria Pimentel
que esse hedonismo também tem poder explicativo. Ou seja, há um argumento que já imagino que já tenhas confortado com várias vezes, que é dizer, por exemplo, a geração dos... Nós não somos bem da geração, mas a geração dos nossos pais ou dos nossos avós privava-se de uma série de coisas, de um modo nem sequer refletido para dar uma série de oportunidades aos filhos. Hoje em dia nós temos um hedonismo que me parece ter muitas coisas de bom, que é só poder realizar-se enquanto ser humano, gostamos de viajar, gostamos de ter tempo livre, gostamos de fazer uma série de coisas que impedem o grau da abenegação que em muitos casos permitiu que nós estivéssemos aqui hoje. Certo, mas é possível compreender,
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
por exemplo, a paternidade sem reconhecer de uma grande dose de sacrifício. Mas
José Maria Pimentel
a questão é, de onde é que vem essa dose? Há um lado biológico, obviamente, mas há outro lado que tem que ver com uma estrutura ética em que tu estás inserido, não é? Quer dizer, estou-te aqui a entregar de bandeja o argumento conservador outra vez, mas há um argumento a ser feito de que a sociedade de consumo e de experiências e de nós conseguimos ter acesso a uma série de coisas, tem muito de bom, eu acho que tem mais de bom do que de mau, mas tem este lado de mau de nos tornar um bocadinho mais hedonistas e um bocadinho mais egoístas, se calhar, nesse sentido.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Sim, sim, sim, isso é o que tem a ser feito. Mas
José Maria Pimentel
agora, para te explicar porque é que eu sou apesar de tudo otimista, não é otimismo teleológico, não é no sentido de isso ser inevitável, mas é no sentido de não é certo, mas parece-me apesar de tudo que na lente grande da história nós progredimos no sentido certo e é preciso ter em conta também que nós reparamos muito mais naquilo que deixa de existir, sobretudo se for gradualmente, do que daquilo que passa a existir. Aquilo que os benefícios que nós temos, rapidamente nos habituamos a eles, mas depois, por exemplo, em relação a esses mesmos benefícios reagimos, por exemplo, se eles nos forem retirados. Quando a pessoa faz esse tipo de análise social, é sempre uma visão de alguém a olhar para o passado e a ver o que deixou de existir. Hoje em dia, eu ouço dizer coisas como, por exemplo, que chatiço os meus antigamente. Sentia o tédio. O tédio é fundamental. Hoje em dia as pessoas não se sentem tédio. Ou seja, há muito esta tendência para nós vermos aquilo que... Nos focarmos naquilo que deixámos de ter e não naquilo que passámos a ter, que apesar de tudo é uma... Por exemplo, nesta conversa tivemos imenso tempo a falar, nem tanto assim, mas falámos um bocado das redes sociais e não sei o quê, quando a internet tem benefícios, apesar de tudo, que superam largamente os defeitos das redes sociais, entre os quais os podcasts. Com certeza, e entre outros, os vlogs foram um benefício da internet e outras coisas. Nós temos, e nós seres humanos também temos a potência por resolver problemas, não é? Portanto, torna-se muito mais interessante para nós discutir o que está mal do que passar a mão por cima daquilo que está bem, não é? Torna-se
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
uma conversa menos interessante, em certo sentido. Embora o tema aqui seja saber se a internet não mata uma das tradições mais relevantes, que era a tradição das humanidades. Porquê? Eu estou a convencer... Bem, sei que os portugueses lêem um pouco, mas eu não estou a falar agora dos portugueses. Mas com a quantidade de estímulos e de opções que eu tenho, qual é que é o incentivo que eu tenho para de facto sentar e ler
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
um romance de 800 páginas? Mas Tu antes não o lias, mas tu não o
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
lias porque não havia nada. Tu não me pones mais novo que eu, mas eu sou ainda de uma geração pré-internet, no sentido em que usávamos disquetes e não havia internet. O internet é um fenómeno dos anos 90. Eu também me lembro do pré-internet. É o pré-internet. E aí, com certeza que sim, liamos. O que eu quero dizer é que não é possível... Quem é que lê isto? Essa hedonização da cultura e das nossas referências acaba com isso? Acaba com o romance? Acaba com os grandes livros? Acaba com isso tudo? Que temos espanta que sejam editados livros de poesia? Que ainda continuam a ser editados livros de poesia, não sei, deve haver, pá, mil leitores de poesia em Portugal,
José Maria Pimentel
mas... Mas a questão é, as pessoas não deixam de ler porque são proibidas, deixam de ler porque não querem, o que em certo sentido tem a ver com... E eu reconheço isso, e acho que todos nós reconhecemos isso no dia a dia, às vezes, contando estímulos à dificuldade em termos a capacidade de fazer algo que é menos satisfatório no presente mas poderá vir a ser mais satisfatório a prazo como ler um livro grande, por exemplo. Não sei
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
quem é que disse, acho que é o Pacheco Pereira que pergunta quem é que lê o Tolstói no computador, não é? De facto ninguém lê.
José Maria Pimentel
O Kindle podes ler à vontade. De repente. O Kindle é aquele leitor de... Sim, mas como se
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
houvesse ali uma incompatibilidade entre estes mundos. Mas repare, ele está focado,
José Maria Pimentel
e tu também estás focado nisto que me estás a dizer, naquilo que se perdeu.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Sim, ou aquilo que se está a perder. Sim,
José Maria Pimentel
ou aquilo que se está a perder, mas por definição tu não consegues... É impossível, não é? Não existe mundo nenhum em que tu consigas acumular
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
coisas como a nossa casa. Mas para não acabarmos num tom pessimista, não gostaria, também há muita coisa que se está a ganhar, de
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
facto. As nossas cabeças, na algum certo sentido, até do pontista cerebral, estão a mudar com isto. Nós avançamos mais rapidamente uma coisa boa, deligamos
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
mais facilmente uma coisa e
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
outra. Sim, sim, sim, absolutamente. Claro que depois
José Maria Pimentel
disso, eu acho que isso também cria muita assimetria, não é? Ou seja, para tu fazeres um uso parcimonioso disso não é fácil, não é? E tu, por exemplo, os podcasts têm, deram-me acesso a um manancial de informação e de ideias que eu não teria acesso pelos livros jamais, agora. Também requer alguma disciplina, lá está, voltamos a... Porque também podes passar o dia a ouvir podcasts de comédia que estão bons, no sentido de coisas que sejam... Que te deem um prazer imediato. Por exemplo, o caso dos livros, eu gosto sempre de fazer aqui um argumento provocador. A internet pode ter o benefício de tirar quem escreve livros de alguma complacência, de passar a ter que escrever de uma forma sucinta, seca, no sentido densa, e não com... Olha, com aquela escrita do direito, de longos lençóis, com repetições e com redundâncias, que não era para a internet, tinha menos competição, havia menos concorrência. E agora tens a concorrência da internet, tens de escrever um livro mesmo bom, faz pessoas a lerem, percebes o que eu quero dizer? Na faculdade de Direito tem
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
mesmo que ler, senão não podem fugir, mas eu
José Maria Pimentel
percebo isso. E falando em livros, vês este bom atalho?
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Falando em livros, que eu estou a ler várias coisas, como acontece sempre com qualquer um de nós. E estou a ler um livro que é um ensaio que tem muito a ver com algumas coisas que discutimos aqui de um autor americano chamado Oren Cass. O livro chama-se The Once and Future Worker. O material de facto que ele analisa é a sociedade americana, mas isso aplica-se também à Europa, como é que nós desvalorizamos o trabalho, como é que nós desvalorizamos aquilo que se ganha com o trabalho devido à ênfase que foi sendo posta numa sociedade de consumo, naturalmente, ou numa sociedade de crescimento. Ele fala de crescimento, não é? Da questão do crescimento económico. E numa sociedade completamente orientada para o crescimento
José Maria Pimentel
económico. Sim, das duas razões. Ele fala da perspetiva do consumidor, não é? Mas é do cidadão, da pessoa enquanto consumidor, fundamentalmente.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Mas há esta coisa das nossas sociedades que é a falácia incrementalista, isto é, nós temos sempre que crescer, nós temos sempre que crescer. Eu vejo isso frequentemente, as organizações têm que crescer, as empresas têm que crescer, as coisas têm que crescer. Porquê é que têm que crescer? As coisas têm que se manter.
José Maria Pimentel
Mas repara no... Quer dizer, aí estamos a falar de crescimento económico, não é? E o livro, o moto do livro parece-me interessante, mas falar da sociedade americana e falar da sociedade portuguesa não é a mesma coisa. Os Estados Unidos, aliás o argumento dele, sabe o erro, eu não li o livro, ouvi algumas intervenções do autor e o argumento dele sabe o erro até era dizer, nós geramos aqui um consenso que é gerar crescimento económico e depois ter mecanismos que permitem redistribuí-lo, mesmo que ele não seja equitativo. Mas isso depois não tem em consideração o que é que as pessoas são na sociedade. Portanto, um tipo que seja desempregado, por exemplo, ou que tenha um trabalho fraco ou que pague mal, mesmo que tu depois vais compensá-lo com um subsídio qualquer, no fundo ele não tem a mesma dignidade do que tinha antes, parece-me que é um bocadinho por aí. Eu acho que isso aplica muito ao caso americano, menos ao português. Vamos lá ver, nós estamos aqui, nós estamos nesta torre, porque
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
eu sou advogado e trabalho numa sociedade de advogados e curiosamente aqui também está uma consultora e acho sempre que as maiores situações de ansiedade, por exemplo, que eu encontrei são, curiosamente, num tipo de profissões a que nós chamamos de consultores. Pessoas que, a partir de aí, até podiam ser muito pouco ansiosas porque prestam um serviço qualificado E não vivia esse nível de ansiedade em pessoas de outras ocupações, de outro tipo de trabalho, que faziam gosto em fazer aquilo e que conseguiam realizar determinadas tarefas. Sim,
José Maria Pimentel
esse é um ponto interessante. O ponto é que isso não está a destruir o valor.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
E isso significa que há qualquer coisa aqui que é a própria natureza do trabalho e isto tem potência para piorar. Porque com a tecnologia e a inteligência artificial isto
José Maria Pimentel
pode de facto piorar. Querias tu não acabar num tom pessimista.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
É isso. E acabámos para acabar
José Maria Pimentel
assim.
[série Orientações Políticas] Pedro Lomba
Obrigado.
José Maria Pimentel
Gostaram deste episódio? Que parte da conversa vos ficou mais no ouvido? Se puderem, partilhem comigo essa impressão por e-mail para o 45graus.com para que eu possa selecionar esse esquerdo para o 45graus Express, o podcast onde publico versões reduzidas destas conversas. Obrigado. O 45graus é um projeto tornado possível em grande medida pela comunidade de mecenas que o apoia. Mecenas como Gustavo Pimenta, Eduardo Correia de Matos, João Baltazar, Salvador Cunha, Duarte Dória, Tiago Leite, Joana Faria Alves, João Manzarra, Mafalda Lopes da Costa, entre outros cujos nomes encontram na descrição deste episódio. Até à próxima!